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SAULO MAURÍCIO DE BARROS.

Religião e Identidade Cultural: A Capelania Anglicana como Elemento de


Preservação Identitária dos Imigrantes de Língua Inglesa em Belém do Pará, 1912-
1945.

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado a Universidade


Metodista de São Paulo, como exigência para conclusão do
Curso de Pós Graduação em Ciências da Religião sob a
orientação do Professor Dr. Lauri Emilio Wirth.

Universidade Metodista de São Paulo/ 2010.


2

SAULO MAURÍCIO DE BARROS.

Religião e Identidade Cultural: A Capelania Anglicana como Elemento de


Preservação Identitária dos Imigrantes de Língua Inglesa em Belém do Pará, 1912-
1945.

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado a Universidade


Metodista de São Paulo, como exigência para conclusão do
Curso de Pós Graduação em Ciências da Religião sob a
orientação do Professor Dr. Lauri Emilio Wirth.

Universidade Metodista de São Paulo/ 2010.


3

Folha de aprovação

A Banca Examinadora considera o trabalho: __________________________________

Orientador/a: __________________________
(Nome e Sobrenome)

Leitor/a: ______________________________
(Nome e Sobrenome)
4

Religião e Identidade Cultural: A Capelania Anglicana como Elemento de


Preservação Identitária dos Imigrantes de Língua Inglesa em Belém do Pará, 1912-
1945.

Saulo Maurício de Barros

RESUMO: Este trabalho procura demonstrar como o anglicanismo funcionou como


instrumento de preservação da identidade étnica dos imigrantes de língua inglesa em
Belém do Pará, especialmente dos caribenhos, através da atuação da Capelania Inglesa,
Pará Anglican Church, no período de 1912 até 1945.

Palavras-chave: Religião, Identidade Cultural, Migração e Anglicanismo.

Religion and Cultural Identity: The Anglican Chaplaincy as an Element in the


Preservation of the Identity of the English speaking Immigrants in Belém do Pará,
1912 - 1245.
Saulo Maurício de Barros

ABSTRACT: This study aims to demonstrate how anglicanism worked as an instrument


for the preservation of the ethnic identity of English speaking immigrants, especially the
Caribbeans, in Belém do Pará, through the work of the English Chaplaincy of the Pará
Anglican Church, in the period between 1912 and 1945.

Key-words: Religion, Cultural Identity, Migration and Anglicanism..


5

SUMÁRIO

Introdução_____________________________________________________________06

Capítulo I
1 – A presença inglesa no Brasil_______________________________________09
2 - A Igreja Anglicana como expressão do povo inglês_____________________14
3 - A Expansão da Igreja Anglicana e o Protestantismo de Imigração__________22

Capítulo II
1 – Os ciclos migratórios na Amazônia e os imigrantes de fala inglesa no Pará__27
2 – O estabelecimento do anglicanismo no Pará___________________________36
2.1 – O fundador___________________________________________________36
2.2. Pará Anglican Church____________________________________________42

Capítulo III
1 – Capelania Anglicana: Religião e Identidade Cultural____________________49
2. Redefinições identitárias___________________________________________55

Conclusão_____________________________________________________________62

Bibliografia____________________________________________________________65
6

Introdução.
Num mundo cada vez mais complexo e globalizado, o aumento das migrações entre as
nações tornou-se, nos últimos tempos, um dos temas centrais da agenda internacional.
Calcula-se que atualmente 214 milhões de seres humanos vivem fora do seu país de
origem1, representando 3,1% da população mundial.

A principal causa das migrações no nosso século, segundo relatório da Organização


Internacional do Trabalho, encontra-se no fato de que a globalização não foi capaz de gerar
postos de trabalho nos países periféricos, concentrando ainda mais a riqueza nos grandes
centros econômicos. “Este processo criou um traço estrutural na economia mundial, a
desigualdade. Além de concentrar a ainda mais a riqueza, conduz à deterioração das
condições de vida e ao deslocamento humano” 2.

Nosso trabalho trata da questão da migração e sua relação com uma tradição específica do
cristianismo, particularmente entre 1912 e 1945, dentro de um contexto pouco diferente do
atual, mas se constituindo da mesma forma num fenômeno traumático. Como afirma
Frederico Lucena de Meneses: “a migração continua sendo um fator de anormalidade”
(2007:120). Procuramos ver como imigrantes que vieram para a região Amazônica,
originários principalmente do Caribe, em busca de melhores condições de vida, encontram
na Igreja Anglicana um instrumento para manutenção da sua identidade, um mecanismo de
defesa para continuar atribuindo significado ao mundo, reagindo assim às perdas
produzidas pelo processo migratório.

Também queremos com nosso trabalho resgatar uma parte da história dessa gente que de
uma forma ou de outra passaram a compor a trama do “povo novo”, para usar uma
expressão do Darci Ribeiro. A composição da sociedade brasileira é bem mais complexa do
que muitos de nós conseguimos enxergar. O historiador Honório Rodrigues, citado por
Eduardo Hoornaert, nos diz que “somos uma república mestiça, étnica e culturalmente.
Não somos europeus nem latino-americanos. Fomos tupinizados, africanizados,
orientalizados e ocidentalizados. A síntese de tantas antíteses é o produto singular e
original que é o Brasil atual” (1990: 13). Não temos considerado devidamente no cenário
nacional a imigração dos ingleses e povos de suas colônias, nem, tampouco, avaliado

1
<http://profmariodemori.blogspot.com/2010/04/migrantes-chegam-214-milhoes-e.html> Acesso em 18 de
junho de 2010.
2
BASSEGIO, Luiz. Reflexões a partir do Fórum Social das Migrações <
http://alainet.org/active/show_text.php3?key=7901> Acesso em 18 de junho de 2010.
7

devidamente sua influência na nossa cultura. Gilberto Freyre já advertia: “A presença da


cultura britânica no desenvolvimento do Brasil, no espaço, na paisagem, no conjunto da
civilização do Brasil, é das que não podem – ou não devem – ser ignoradas pelo brasileiro
interessado na compreensão e na interpretação do Brasil” (2000: 46). Mas, o próprio
Gilberto Freyre havia se comprometido a escrever mais dois livros na introdução da sua
obra “Ingleses no Brasil” e, nos parece, não teve condições de fazê-lo.

E ainda, queremos narrar um pouco da história de um grupo de cristãos, uma família


distinta3, que não fazendo parte da tradição religiosa hegemônica, se fixou em terras
brasileiras, a partir de 1810, com o advento do Tratado do Comércio e Navegação, firmado
entre os portugueses e ingleses. Ainda precisamos investigar mais para descobrir as
verdadeiras contribuições da Igreja Anglicana na formação do pensamento religioso da
sociedade paraense, mas com certeza sua influência é significativa em pelo menos dois
aspectos, a inserção social e o ecumenismo, área nas quais é citada sempre como
referência. Embora presentes em outros momentos, os anglicanos vão se estabelecer
definitivamente em Belém, Estado do Pará, em 1912, com a criação da Pará Anglican
Church, um trabalho de capelania da Igreja da Inglaterra. Essa comunidade realizou um
importante trabalho com os falantes de língua inglesa: ingleses, americanos e, sobretudo,
caribenhos. Desde 1955, a comunidade se integrou ao trabalho missionário dos
estadunidenses e atualmente é a Catedral da Diocese Anglicana da Amazônia, da Igreja
Episcopal Anglicana do Brasil, uma província autônoma da Comunhão Anglicana.
Colaborandomos, desta forma, com a análise e avaliação de uma expressão particular do
cristianismo para a formação da religiosidade da região Amazônica, com sua enorme
diversidade cultural e social.

Para elaboração do nosso trabalho fizemos uso de uma bibliografia diversificada, alguns
parcos documentos que foram preservados do período da capelania, e de algumas
entrevistas, aplicando a elas a metodologia da história oral temática, assumindo os desafios
implicados. Mas, sem dúvida, foi um instrumento muito importante na composição do
nosso texto, pois tivemos a possibilidade de confrontar a documentação tradicional, e
verificarmos que elas não apenas ratificavam as informações documentais, mas também
confirmavam o pressuposto que levantamos neste trabalho.

3
Júlio de Santana agrupa os ramos do cristianismo em famílias distintas e uma delas é justamente a Igreja
Anglicana (1987: 98-99). Na mesma linha, Stephen Neill considera o anglicanismo um movimento de
reforma diferente (1986: 27-30). Só com essa idéia clara na nossa mente poderemos entender plenamente o
anglicanismo.
8

Para nós, a atuação da Capelania Inglesa, em Belém do Pará, entre 1912 e 1945, foi um
instrumento de manutenção da identidade étnica dos imigrantes de fala inglesa, o “lugar
da colônia” (LIMA, 2008: 36), permitindo que eles e seus descendentes pudessem
vivenciar o processo de redefinição identitária sem sofrer demasiadamente as dores das
perdas provocadas pela imigração, suportando melhor o sentimento de exílio.
Evidentemente, essa perspectiva do protestantismo de imigração, seu etnocentrismo
europeu, sua desvalorização da cultura local, deixaram profundas marcas nos paradigmas
religiosos da comunidade, e, por extensão, do anglicanismo na região Amazônica. Porém
essa questão não é elemento importante na nossa pesquisa.
9

Capítulo I.
1 – A presença inglesa no Brasil.
A presença britânica e, consequentemente, do anglicanismo4 nas terras brasileiras é mais
antiga do que a maioria supõe. Os portugueses mantinham uma profícua aliança com a
monarquia inglesa5 e isso propiciou relações comerciais entre o Brasil e a Inglaterra, em
pequena escala, desde o início do século XVI. Octávio Tarquino de Souza, no prefácio a 1º
edição do livro de Gilberto Freyre, Ingleses no Brasil, escrevia:

“A influência ou influências inglesas no Brasil serão porventura


bastante antigas. Menos aparentes, mais distantes, de segunda
mão, se assim se pode dizer, mas antigas. Influências através de
portugueses que aqui chegavam já contagiados delas; influências
de alguns contatos diretos. Porque o certo é que Portugal de longa
data gravitava na órbita britânica” (2000:18).

Todavia, esse relacionamento pacífico vai sofrer um grande abalo com anexação do
império português à Espanha de Filipe II, em confronto com a Inglaterra. Então, o
insipiente comércio amigável com os ingleses nas costas brasileiras foi substituído por uma
técnica denominada “privateer”, um eufemismo para pirataria, na qual “navios privados
recebiam autorização da coroa para saquear e atacar navios de outras nacionalidades, e
em troca pagavam parte do butim para o governo” (KNIVER, 2007:14).

Conhecidos como cães-do-mar (sea dogs), esses corsários que realizavam saques em todo
o Atlântico, financiados por recursos privados e da coroa, foram responsáveis por grande
parte da riqueza gerada durante o reinado da última representante da dinastia Tudor. “Entre
1585 e 1603, as presas capturadas chegaram a representar 15% das importações
inglesas” (LOPEZ, 2007: 65). Embora as investidas na colônia portuguesa não tenham
sido tão lucrativas como em outras partes do Novo Mundo, por mais de duas décadas a
“pirataria inglesa provocou prejuízo, devastação e morte na Bahia, no Recife, no Rio e em
4
Utilizamos aqui a expressão “Anglican Ecclesia” para se referir a Igreja da Inglaterra (Church of England),
porém, precisamos esclarecer que cada vez mais o termo “anglicano” foi deixando de ser usado para indicar
uma cultura específica gestada na Grã-Bretanha, para se tornar sinônimo de uma tradição do cristianismo que
tem sua história vinculada a Igreja e a Reforma Inglesa. Contudo, vale salientar que essa compreensão só vai
ser realmente incorporada, ou se quisermos, se tornar oficial, com o surgimento da “Comunhão Anglicana”,
que tem como marco a primeira Conferência de Lambeth, encontro dos bispos anglicanos, realizada em
1867.
5
Um dos primeiros acordos firmados entre os dois países, um tratado comercial, remota ao ano de 1308,
assinado por Dom Dinis, sexto soberano português.
10

São Paulo” (BUENO, 2003:87).

Nesse período encontramos pouquíssima literatura sobre o Brasil, excetuando-se as


narrativas de viagens das duas tentativas de colonização francesa, o que temos são textos
escritos por aventureiros e, principalmente, piratas a serviço da rainha Elizabeth I, que
tinham o objetivo claro de pilhar navios e os assentamentos portugueses.

Alguns dessas narrativas nos chegaram através dos relatos do marinheiro inglês Anthony
Knivet6 que foi desembarcado com outros tripulantes doentes, no litoral do estado de São
Paulo, na Ilha de São Sebastião, para “cuidarem de si mesmos” (2007:62).

Uma de suas histórias serve muito bem para demonstrar que no imaginário do colonizador
português havia uma estreita relação entre o povo inglês e o protestantismo. Depois de uma
série de reveses e agruras Anthony Knivet é levado para o Rio de Janeiro e conta o
seguinte fato: “Quando cheguei em terra, todos os portugueses estavam reunidos na igreja
de Nossa Senhora e, embora eu desejasse entrar também, eles não queriam me deixar
fazê-lo, dizendo que eu não era cristão” (2007:69). Outro fato mencionado de passagem
por Knivet, completado pelo Frei Gaspar da Madre de Deus7, reforça ainda mais essa
compreensão e a relação entre Estado e a Igreja Reformada, na qual o navegador que
hasteava no mais alto mastro do seu navio a sinistra bandeira negra com um crânio e duas
tíbias era ao mesmo tempo um fervoroso protestante. Em 1591 a armada comandada pelo
corsário inglês Thomas Cavendish, vassalo de Sua Majestade Elizabeth I, chega ao litoral
brasileiro e ataca a vila de Santos. Contrariado com os resultados pouco satisfatórios da
empreitada, Cavendish manda queimar os arredores da vila e os navios que estavam no
porto. “Em sua fúria devastadora, e repetindo o gesto que fora presenciado inúmeras
vezes nas guerras de religião entre católicos e protestantes, os ingleses lançam ao mar
uma imagem de barro de Santa Catarina" (LOPEZ, 2007: 19).

De fato a presença inglesa vai se intensificar e alcançar grande significância para a nossa
história no século XIX, com a vinda de D. João VI para o Brasil. No dia 29 de novembro
de 1807, com as tropas francesas do imperador Napoleão Bonaparte nos arredores de
Lisboa, prontas para invadir a capital, após um longo período de intenso jogo diplomático

6
Os relatos de Antohony Knivet estão publicados no livro: KNIVET, Anthony. As Incríveis Aventuras e
Estranhos Infortúnios de Anthony Knivet: Memórias de um Aventureiro Inglês que em 1591 Saiu de
seu País com o Pirata Thomas Cavendish e foi abandonado no Brasil, entre índios canibais e colonos
selvagens. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2007.
7
Gaspar Teixeira de Azevedo, conhecido como Frei Gaspar da Madre de Deus, foi um historiador católico
romano do período colonial, nascido em 1715, em São Vicente (Freguesia de Santos).
11

sem resultado, o príncipe regente8 e toda a corte portuguesa fogem para o Brasil sob a
proteção da Marinha Britânica. Essa situação vai criar novas relações entre a colônia e os
aliados dos portugueses que vão ser expressas claramente num dos primeiros decretos
assinados pelo príncipe regente nas terras tupiniquins, “seis dias depois de desembarcar
na Bahia, em 28 de janeiro de 1808, D. João assinou um decreto abrindo os portos do
Brasil a todas as nações amigas” (BUENO, 2003: 137).

De fato essa medida beneficiava diretamente os ingleses, que tinham agora grandes
dificuldades comerciais no continente europeu por causa do bloqueio continental imposto
por Napoleão. O tratado foi extremamente benevolente com o principal aliado, enquanto os
produtos das demais nações eram taxados em 25%, os próprios portugueses pagavam um
imposto de 16%, os ingleses desembolsavam apenas 15% para que suas mercadorias
fossem vendidas no mercado brasileiro (SILVEIRA, 2006: 61).

Em 19 de fevereiro de 1810, é firmado outro acordo entre o Brasil e a Inglaterra,


denominado Tratado do Comércio e Navegação, que concede liberdade de culto aos
ingleses e, certa tolerância, a outros não católicos romanos. Esse pacto tem um significado
muito especial porque através dele se passou a viver um clima de maior distensão religiosa
em um país que juridicamente estava sob um regime de padroado 9. Ele também vai servir
posteriormente de referência para a redação do artigo sobre liberdade religiosa na primeira
Constituição do Império de Brasil. Lauri Wirth diz que houve pelo menos dois aspectos
nos quais a hegemonia inglesa foi relevante nesse tempo, um deles teria sido justamente o
fato de abrir as “primeiras brechas jurídicas para a tolerância de cultos não católico-
romanos nas ainda colônias ibéricas” (2008: 114).

No Artigo XII do Tratado do Comércio e Navegação encontra-se a concessão feita pelo


Príncipe Regente para que os ingleses pudessem praticar sua religião:

“Sua Alteza Real, o Príncipe Regente de Portugal, declara e se


obriga no seu próprio nome, e no de seus herdeiros e sucessores,
que os vassalos de Sua Majestade Britânica, residentes nos seus
territórios e domínios, não serão perturbados, inquietados,
perseguidos, ou molestados por causa da sua religião, mas antes
8
D. João VI na verdade era príncipe regente, governando Portugal no lugar da sua mãe, D. Maria I, declarada
insana e incapaz de administrar o país.
9
Padroado é um sistema jurídico típico da Idade Média no qual a Igreja Católica Romana outorga poderes
sobre uma Igreja local a um administrador civil. A Igreja Católica Romana havia delegado ao rei de Portugal
a organização e administração eclesiástica em seus domínios. Esse sistema durou no Brasil até a proclamação
da República em 1889.
12

terão perfeita liberdade de consciência e licença para assistirem e


celebrarem o serviço divino em honra do Todo Poderoso Deus,
quer seja dentro de suas casas particulares, quer nas suas igrejas e
capelas, que sua Alteza Real agora, e para sempre graciosamente
lhes concede a permissão de edificarem e manterem dentro dos
seus domínios” (REILY, 1993; 40).

Obviamente, os termos desse documento geraram forte oposição por parte da hierarquia
católica romana, e muita negociação aconteceu antes da sua redação final, tendo como
consequência a imposição de uma série de limitações10. Sabemos que a Igreja Católica
Romana fez um grande esforço para não permitir o estabelecimento de outros grupos
cristãos. É preciso perceber, também, que as restrições especificadas, de certa maneira, se
agregam aà mentalidade anglicana gestada posteriormente no país, especialmente nas áreas
de capelania, o que nos interessa diretamente neste trabalho. Sem dúvida vale à pena
fazermos uma leitura atenta de algumas partes do Artigo XII que por si só explicam muito
da realidade que ainda hoje encontramos ao entrar em um templo da Igreja Episcopal
Anglicana do Brasil11:

“Contudo, porém, que as sobreditas igrejas e capelas sejam


construídas de tal modo que externamente se assemelhem a casas
de habitação; e também que o uso dos sinos não lhes seja
permitido para o fim de anunciarem publicamente as horas do
serviço divino. Ademais estipulou-se que nem os vassalos da Grã-
Bretanha, nem quaisquer outros estrangeiros de comunhão
diferente da religião dominante nos domínios de Portugal serão
perseguidos (...) Porém, se se provar que eles pregam ou
declamam publicamente contra a religião católica, ou que eles
procuram fazer prosélitos [sic], ou conversões, as pessoas que
assim delinquirem poderão, manifestando-se o seu delito, ser
mandadas sair do país, em que a ofensa tiver sido cometida (...)

10
Duncan Reily fala um pouco sobre isso no seu livro do qual retiramos as citações do Tratado do Comércio
e Navegação (1993: 46-47).
11
A Igreja Episcopal Anglicana do Brasil, uma Província autônoma da Comunhão Anglicana, é resultado do
trabalho iniciado por missionários norte-americanos em 1890 em Porto Alegre – RS. A independência
administrativa da Igreja Norte Americana veio em 1965, mas já em 1955 foi firmado um tratado com a
Inglaterra que abriu a possibilidade de incorporação das capelanias inglesas à Igreja brasileira, processo que
só foi implementado de fato a partir de 1956, com a interferência pessoal do bispo da Diocese Central (com
sede no Rio de Janeiro) Edmund Knox Sherril.
13

Permitir-se-á também enterrar em lugares para isso designados os


vassalos de Sua Majestade Britânica que morrerem nos territórios
de Sua Alteza Real o Príncipe Regente de Portugal (...)” (REILY,
1993: 40-41).

Os ingleses, a partir desse momento, passam cada vez mais a desempenhar um papel
fundamental no território brasileiro, substituindo o defasado sistema colonial português. E
esses laços ainda se tornam mais estreitos com a declaração da independência em 1822,
quando sua interferência nos assuntos nacionais vai se tornar mais direta. A Inglaterra
reconheceu formalmente a independência do país (1826), renovou os tratados assinados
anteriormente com Portugal, exigiu o fim do tráfico de escravos e envolveu a nova nação
numa guerra conta o Paraguai para atender seus interesses econômicos na região. Houve
um breve estremecimento das relações que logo foi sanado, não tendo gerado nenhuma
consequência significativa na relação entre os dois países. Eduardo Hoornaert chega a
dizer que: “Fomos uma colônia inglesa no século 19, sob os disfarces da língua
portuguesa e da religião católica. E nunca fomos tão colonizados como naquele século”
(1990: 129). Aqui os ingleses exerceram “o imperialismo naval, imperialismo comercial,
imperialismo quase total” (FREYRE, 2000:42).

O semicolonialismo inglês, se assim podemos chamá-lo, vai se espraiar em todas as áreas


da vida nacional, principalmente no comércio e serviços públicos: energia elétrica,
saneamento, transporte coletivo, ferrovias. Na região Amazônica, área geográfica do nosso
trabalho, alcançou proporções ainda maiores quando da abertura do rio Amazonas à
navegação estrangeira12, veremos isso mais adiante. Essa presença inglesa permaneceu de
forma significativa até metade do século XX, quando as últimas companhias inglesas
foram fechadas ou anexadas por empresas brasileiras.

Mas para além das questões comercias precisamos levar em consideração a influência na
construção da realidade cultural do povo brasileiro, elementos que foram objetivados, para
usar uma expressão de Peter Berger, e que até hoje permanecem no nosso cotidiano, como
a adoção, entre outras coisas, do “terno branco, o chá, a cerveja e o uísque, o bife com
batatas, o pijama de dormir, o tênis e o futebol, a capa de borracha, os piqueniques, o
escotismo, o lanche e o sanduíche” (CARVALHO, 1982). Além da incorporação de muitas
palavras inglesas na nossa língua “que se anglicizou em todos os seus setores, ganhando

12
O decreto autorizando a abertura do rio Amazonas à navegação estrangeira foi assinado pelo governo
brasileiro em 1866.
14

verbos como chutar, driblar, boicotar, boxear, esbofetear, liderar” (CARVALHO, 1982).
Na perspectiva de Berger e Luckmann cotidiano e linguagem estão intrinsecamente
relacionados, pois “as objetivações comuns da vida cotidiana são mantidas
primordialmente pela significação linguística. A vida cotidiana é sobretudo a vida com a
linguagem, e por meio dela, de que participo com meus semelhantes” (2008: 56-57).

Fica difícil aferir até que ponto a tradição anglicana teve influência na formação da nossa
mentalidade cristã, mas se considerarmos seriamente as palavras de Lauri Wirth, e também
de Gilberto Freyre, pelo menos a presença inglesa foi determinante para o estabelecimento
do protestantismo em nosso país (FREIRE, 2000: 66). Isso, por si só, já seria um feito de
proporções imensuráveis, mas acredito que poderíamos encontrar outras expressões do
anglicanismo na nossa vida diária. Embora reconheçamos que Hoornaert está certo ao
afirmar que o modelo religioso adotado no século XIX continuou sendo a versão latina do
cristianismo, se estivermos aqui falando em termos de hegemonia13.

2 - A Igreja Anglicana como expressão do povo inglês.


Para uma compreensão mais clara acerca do fenômeno da implantação do anglicanismo na
cidade de Belém, no Estado do Pará, teremos que nos deter inevitavelmente numa análise
do surgimento desse segmento do cristianismo e seu desenvolvimento. Esse caminho,
apesar de tortuoso e cheio de limitações, está em certa medida em consonância com a
proposta de Émile Durkheim: “(...) não podemos chegar a compreender as religiões mais
recentes senão seguindo na história a maneira pela qual se constituíram
progressivamente” (2008: 31)

A historiografia recente enxerga que os germes do denominado anglicanismo se encontram


bem antes da consolidação da monarquia inglesa e da sua Reforma, alguns são capazes de
13
Penso por exemplo na questão do escotismo que influenciou e influencia até hoje milhares de jovens no
nosso país. Uma proposta gestada dentro da Igreja da Inglaterra pelo filho de um clérigo anglicano, Lord
Robert Stephenson Smyth Baden-Powell. Dentro da proposta educacional anglo-saxônica do escotismo
encontra-se embutida uma espiritualidade que, sem dúvida, tem sua origem no anglicanismo. Um bom
exemplo disso, que Freyre chama transculturação, encontramos no futebol. "Que melhor exemplo de quanto
vem sendo possível a duas culturas aparentemente inconciliáveis como a britânica e a brasileira se
conciliarem e se fundirem em novas formas de expressão do que o futebol na sua atual expressão através dos
chamados 'dançarinos da bola' - da bola de futebol - que são os brasileiros? De jogo apolíneo, que começou
a ser entre nós, com brasileiros imitando mestres ingleses, tornou-se dionisíaco. Tornou-se a verdadeira
dança afro-brasileira, com driblagens nunca imaginadas pelos seus inventores. Terá deixado de ser
britânico? De modo algum. Não se pode separar o futebol (association) de sua origem britânica para o
considerar invenção brasileira ou afro-brasileira. O que ele é, na sua atual e triunfante expressão brasileira,
é um jogo anglo-afro-brasileiro. Transculturação num dos seus melhores exemplos" (FREYRE, 200: 31).
15

percebê-los desde que a mensagem do evangelho começou a ser pregada nas ilhas
britânicas. Mesmo considerando a importância desta perspectiva, não pretendemos tratar
dela aqui, queremos apenas analisar a Igreja Anglicana como fruto dos movimentos de
reforma14 que aconteceram na Europa durante o século XVI.

Embora relacionada com todas as mudanças no cenário religioso que aconteciam no


continente, a Reforma Inglesa apresentou características bastante peculiares, começando
pelo fato de que foi a única reforma empreendida por um ato do parlamento. E, se
quisermos ser fiéisel aos fatos, sua consolidação também foi bastante atípica, se
estendendo num longo processo que envolveu quatro reinados e uma revolução. A recusa
de alguns anglicanos no Brasil em aceitar a versão da maioria dos livros de histórias de que
Henrique VIII fundou o anglicanismo não é apenas um recurso retórico para se livrar de
uma figura indesejável. Trata-se antes da convicção de que a sua história é bem mais
complexa e intrigante15.

Entretanto, não se pode negar que a Reforma Inglesa tem como um dos eventos fundantes
o “Ato de Supremacia” promulgado em 1534, pelo Parlamento Inglês, que concedia
autoridade suprema ao monarca sobre a Igreja no seu território:

“(...) pela autoridade do presente Parlamento é estabelecido que o


rei nosso soberano senhor, seus herdeiros e sucessores, reis deste
reino, devem ser tomados, aceitos e reputados na terra como a
única cabeça suprema da Igreja da Inglaterra, chamada Anglican
Ecclesia; que eles terão e gozarão - ligada e unida a imperial
coroa deste reino – tanto o título e a etiqueta do mesmo título,
assim como todas as honras, dignidades, lucros e comodidades da
dita dignidade que lhes pertencem como cabeça suprema da
mesma Igreja. E que nosso soberano senhor, seus herdeiros e
14
Stephen Neill alerta para a necessidade de falarmos em reformas, no plural, no século XVI. Segundo sua
concepção, teríamos seis tipos de reformas: 1. A renovação que ocorreu dentro da Igreja Católica Romana,
chamade “Contra-Reforma”; 2. A reforma empreendida por Lutero na Alemanha; 3. As transformações
lideradas por Zwinglio e Calvino na Suíça, França, Holanda e Escócia; 4. Os chamados “radicais” ou
“anabatistas” que entendiam que participavam de um movimento de ressurgimento da Igreja; 5. A reforma
dos humanistas, tendo como seu pai Erasmo de Roterdã; 6. A reforma inglesa, que apesar de se encontrar
relacionada com todos esses processos que aconteceram no continente europeu, não se identifica com
nenhum deles (1986: 27-30).
15
Já faz muito tempo que circula entre os anglicanos brasileiros um folheto com o título: “A Igreja que
Henrique VIII não fundou”, agora disponibilizado na Internet:
http://www.swbrazil.anglican.org/fundacao.htm. Apesar, pelo menos na nossa concepção, da fraca
argumentação, o folheto é um bom exemplo dessa atitude crítica diante da versão simplória divulgada
amplamente de que a Igreja Anglicana teria sido fundada por Henrique VIII.
16

sucessores, reis deste reino, terão pleno poder e autoridade de,


tempos em tempos, visitar, reprimir, estabelecer, reformar, corrigir
e emendar todos aqueles erros, heresias, abusos, ofensas,
desprezos e monstruosidades, quaisquer que sejam, que por
autoridade e jurisdição espiritual devem ou podem legalmente ser
reformados, reprimidos, ordenados, restabelecidos, corrigidos,
restringidos ou emendados para o maior agrado do Deus
Onipotente, o aumento em força da religião de Cristo, e para a
conservação da paz, unidade e tranquilidade deste reino; não se
opondo a isto qualquer uso, costume, lei ou autoridade
estrangeiras, prescrição ou qualquer coisa ou coisas em
contrário” (BETTENSON, 1967: 272-273).

Esse ato foi o final de uma longa controvérsia, quando se esgotaram os argumentos
teológicos e as apelações a Roma, sobre a anulação do casamento do rei Henrique VIII
com Catarina de Aragão, viúva de seu irmão mais velho, Artur, e filha de Isabella de
Castela e Fernando de Aragão, denominados pelo papa Alexandre VI de os “Reis
Católicos”. Por trás da decisão do Monarca e do Parlamento Inglês, obviamente, não se
encontravam apenas questões afetivas e religiosas, precisamos observar as transformações
que estavam ocorrendo na sociedade, como a ascensão da burguesia comercial, as idéeias
renascentistas, o surgimento dos estados nacionais.

Todavia não devemos pensar que Henrique VIII tivesse em mente o apoio a qualquer tipo
de reforma religiosa que alvoroçava o continente, na verdade ele nunca foi afeito ao
Protestantismo, e, provavelmente nunca pensou numa entidade eclesiástica separada da
Igreja Católica Romana. O fato de ter escrito um texto contra Lutero, “Afirmação dos Sete
Sacramentos”, e de ter carregado durante todo o seu reinado o título que recebeu do papa
Leão X de “Defensor da Fé”, a condenação aà morte de John Lambert16 devido a questões
referentes ao sacramento da comunhão, o acréscimo de um artigo escrito pelo próprio
punho ao “Livro dos Bispos” sobre a adoração de imagens (FOXE, 2003: 314), são
algumas provas disso. Existe uma interessante teoria, defendida por Kenneth Mason, de
que o soberano inglês era adepto de um tipo de “galicanismo”, nome atribuído a um
movimento que vai ganhar relevância no século XIX na França, que defendia uma maior

16
John Lambert foi condenado à fogueira por Henrique VIII por negar que o sacramento do altar fosse
verdadeiramente o “corpo de Cristo”.
17

autonomia das Igrejas diante do poder centralizador da cúria romana17. Essa tendência não
era nova, já se manifestara claramente no Concílio de Constância, século XV. Por isso,
Mason afirma que “o que Henrique produziu não foi uma reforma, mas uma revolução
galicana” 18 (1997: 13).

Num trabalho de tradução e adaptação realizado por Vera Lúcia Simões de Oliveira19
encontramos uma constatação fundamental para nosso argumento neste tópico, depois de
mais de um milênio a Igreja da Inglaterra se liberta da jurisdição romana e, de modo geral,
o povo inglês “aceitou o rompimento com Roma com uma complacência que deve ter
surpreendido o próprio rei” (1994:76). As reações contrárias foram praticamente
insignificantes, e isso não se deveu apenas aà apatia da nação, ao medo de represálias ou aà
popularidade de Henrique, mas principalmente aà rejeição do povo àa situação em que se
encontrava a Igreja sob a jurisdição papal20. Consideramos emblemático dessa afirmação o
famoso trabalho de Chaucer, “Os Contos de Cantuária”, onde o poeta inglês, com seu
humor mordaz, faz uma crítica contundente aà Igreja no final do século XIV. Um dos
personagens do seu livro, tratado de forma bastante irreverente, é um frade mendicante que
“conhecia as tavernas de todas as cidades, e tinha mais familiaridade com taverneiros e
garçonetes que com lazarentos e mendigas” (1988: 06).

Com a morte de Henrique, assume o trono da Inglaterra seu filho com Jane Seymour,
Eduardo VI. Ele tinha apenas nove anos de idade e o governo de fato era exercido por um
conselho cujo líder era o irmão de sua mãe, o Conde de Hertford, denominado no exercício
de sua função Duque de Somerset, com o título de Protetor. O Duque tinha profundas
“simpatias pelo protestantismo” (WALKER, 1980: 494) e aproveitou o momento político
para apoiar uma série de mudanças na Igreja da Inglaterra que tinham um perfil
nitidamente protestante. Essas reformas agradaram uma grande parte das lideranças
políticas e do povo que achavam que Henrique tinha sido muito tímido nas transformações

17
Duval da Silva vai definir o galicanismo como: “nome dado ao espírito nacionalista da Igreja Francesa.
Pode-se, entretanto, estendê-lo a todos os movimentos semelhantes na Igreja Romana, bem como à luta pela
manutenção do direito dos bispos, contrária à teoria de que toda autoridade eclesiástica deriva do papa”
(1966: 129)
18
“What Henry produced was not a reformation but a Gallican revolution”.
19
Vera Oliveira realizou a tradução e adaptação de dois livros, “A History of the Church in England”, de John
Moorman, e “The Historical Road of Anglicanism”, de Carroll Simcox, para suas aulas no STIEB (Seminário
Teológico da Igreja Episcopal do Brasil).
20
Nesse caso precisaríamos, mas não cabe aqui na proposta de nosso trabalho, avaliar a importância das
concepções celtas para a Igreja cristã nas ilhas britânicas. O cristianismo celta, hegemônico na Grã-Bretanha
antes da chegada dos missionários enviados pelo Papa Gregório, o Grande, em 597, foi subjugado pelo
cristianismo latino, mas essa submissão nunca foi plenamente digerida e o cristianismo celta permaneceu
presente como um substrato incômodo na cultura popular.
18

que realizara. Somerset realizou o último grande confisco de terras da Igreja e de


irmandades religiosas, autorizou a comunhão em duas espécies para os leigos, ordenou a
remoção das imagens dos templos, legalizou o casamento dos sacerdotes e o parlamento
promulgou o Ato de Uniformidade que obrigava o uso de um Livro de Oração Comum,
elaborado pelo Arcebispo Thomas Cranmer21.

A morte de Eduardo precipitou uma série de confrontos que levaram ao poder Maria, filha
de Catarina de Aragão. Ela combateu violentamente a reforma e restabeleceu a prática do
catolicismo romano na Inglaterra com apoio do parlamento. Estima-se que durante o seu
reinado 300 pessoas tenham sido executadas como heréticas, sendo esse o motivo do
cognome: a Sanguinária. O reinado de Maria é considerado por muitos um grande
desastre., nNo campo religioso, a Contra-Reforma empreendida não contou com apoio
popular que já tinha interiorizado as transformações eclesiásticas nos reinados anteriores.
Isso fica evidente quando do falecimento de Maria, apenas cinco anos depois do início do
seu governo, e do seu assessor, o Arcebispo Reginald Pole, poucas horas depois da rainha,
todas as igrejas na cidade de Londres, numa manifestação clara da impopularidade de
ambos, cantaram “Te Deum Laudamos” (A Vós, ó Deus, louvamos).

Com a morte de Maria, ascendeu ao trono a filha de Henrique VIII com Ana Bolena,
Elizabeth I. Durante o reinado de Elizabeth, a Inglaterra vai viver um período de apogeu
nunca antes experimentado e dar os passos iniciais na construção de um império. Na sua
corte existia uma efervescência constante, possibilitando um grande desenvolvimento nas
artes, no pensamento filosófico, na navegação. Embora saibamos que o período final da
última governante da dinastia Tudor foi marcado “pela extrema pobreza e pela destituição
da população inglesa resultantes dos longos anos de guerra contra a Espanha e a
Irlanda” (LOPEZ, 2007: 74), ela sempre manteve sua popularidade.

Muitos autores não têm dúvida nenhuma em afirmar que Elizabeth é responsável pela
engenharia que atribuiu os contornos definitivos da Anglican Ecclesia. Poucao mais de um
ano após assumir o trono, a rainha retoma o processo de reforma. Ela e seus assessores
tinham plena consciência da importância da unidade religiosa para manter a coesão
política, por isso insistiram numa Igreja nacional uniforme. Os limites eclesiásticos se
tornaram bastante elásticos22, a teologia proposta era bastante moderada, ficando de fora
21
Para alguns, o Livro de Oração Comum (LOC) foi um dos “maiores e mais importantes eventos em toda a
história da Igreja inglesa” (SILVA, 1966: 182).
22
Tomamos emprestado o termo “elasticidade” de Rubem Alves. Ele o utiliza como a capacidade da Igreja
em aceitar no seu interior interpretações diferentes da fé. No seu texto aponta a inflexibilidade, portanto a sua
19

apenas os católicos romanos e os protestantes extremados. Segundo Jorge Aquino, a Igreja


construída no período elisabetano “defini-se conscientemente como uma Via Média, que
não pretendia voltar à Roma nem ceder aàs pressões de Genebra” (2000: 23). Dois novos
atos aprovados no parlamento iriam caracterizar a Igreja da Inglaterra a partir de então: o
Ato de Supremacia e o Ato de Uniformidade. Embora seus antecessores tivessem
promulgado atos semelhantes, Elizabeth promoveu sutis mudanças que tornaram suas
medidas ainda mais aceitáveis por um número maior de súditos.

O Ato de supremacia é um exemplo dessa interessante construção, enquanto Henrique VIII


criou um grande conflito ao se declarar “cabeça suprema da Igreja”, problema teológico
para católicos e protestantes que consideravam que, segundo as Escrituras cristãs, “cabeça
da Igreja” é o próprio Cristo, Elizabeth mudou astutamente a expressão para “supremo
dirigente da Igreja”. Ora, o objetivo da lei era o mesmo: “que todo poder usurpado e
estrangeiro e toda autoridade, espiritual e temporal, sejam para sempre extintos e nunca
mais sejam usados ou obedecidos” (BETTENSON, 1967: 275) dentro do domínio inglês,
todavia um ponto de discórdia tinha sido debelado, possibilitando a adesão de mais facções
dentro das fileiras da Igreja Nacional.

O século XVII vai ser um tempo de revolução e guerra civil na Inglaterra, não pretendemos
nos deter longamente sobre esse conturbado período da história, queremos apenas registrar
alguns acontecimentos que sem dúvida marcam a face do anglicanismo.

Com a morte de Elizabeth se encerra o reinado da casa dos Tudor, assume o trono James
VI da Escócia, que passou a se chamar James I. O novo soberano vinha de uma região na
Grã-Bretanha onde a hegemonia religiosa estava nas mãos dos presbiterianos, isso criou
uma grande expectativa nos puritanos que acreditaram que agora havia chegado o tempo
da implantação de um sistema de governo calvinista na Inglaterra. Afinal de contas, para as
correntes mais radicais a Igreja nacional inglesa era “inadequadamente protestanizada”
(HILL, 2003: 366). Todavia James deixou claro logo após sua coroação que sua opção era
pelo anglicanismo e que o presbiterianismo não se harmonizava com a monarquia.

Após o falecimento de James I, em 1625, ascende ao trono seu filho Carlos I. O novo rei
continuou com a política religiosa do pai e chegou mesmo a tentar implantar um Livro de
Oração Comum à Igreja da Escócia, unificando assim o culto cristão nos dois reinos.

falta de elasticidade do protestantismo, e a aptidão de se estender (esticar) própria do catolicismo romano


(1982:54)
20

Obviamente não devemos acreditar que foram as questões teológicas que levaram a
denominada “revolta puritana”, existiam profundas diferenças políticas e econômicas.
Porém essas querelas foram sendo aguçadas durante o reinado de Carlos I, até que o
Parlamento passou a se reunir independentemente da convocação real e determinar a
política econômica e religiosa da Inglaterra. É nesse período que é abolido o episcopado e
convocada uma assembleia de 151 teólogos que se reuniram na Abadia de Westminster
para produzir um “Guia de Culto, uma Confissão de Fé, um Pequeno e Grande
Catecismo” de inspiração calvinista (AQUINO, 2000: 23).

Em 1646 arrebentou a primeira guerra civil e Oliver Cromwell, apoiado pela burguesia
londrina e pela gentry23, organizou um exército do Parlamento, composto principalmente
por camponeses, que sob sua liderança levou os puritanos a vitória. Em 1649, com a
execução do rei, inicia-se um longo processo de mudanças políticas que, passando por um
período denominado de República, acabou por transferir poderes para Cromwell que o
transformaram num ditador tirânico, sob o título de “Lorde Protetor”, até 1658. Com a
morte de Cromwell e a dissolução do Parlamento que lhe dava sustentação, “o povo inglês,
farto da rigidez mortal dos puritanos chamou a Carlos II para assumir o reinado e para
restaurar o sistema episcopal e o uso do Livro de Oração Comum” (AQUINO, 2000: 24).

Com essa afirmação, Aquino pode até parecer tendencioso, e talvez seja mesmo, mas sem
dúvida ela encontra respaldo, pelo menos, numa corrente do pensamento do inglês da
época. Christopher Hill, num trabalho fascinante sobre o uso da Bíblia como instrumento
de argumentação durante as revoluções do século XVII na Inglaterra, escreve que o capitão
John Williams “comparou os governantes durante o Protetorado a Jeroboão, e os seus
opositores ao profeta Amós” (HILL, 2003: 150). O sentido é que o de que o rei Jeroboão
havia se desviado da verdade e arrastado Israel para o pecado, neste caso o profeta profere
um oráculo contra ele, falando da destruição da sua casa24.

Após o reinado de Carlos, sobe ao trono seu irmão James II que não escondeu sua
preferência pelos catolicismos romanos para os quais procurou conseguir liberdade e
infligiu pesadas penas aos anglicanos, chegando mesmo a prender na Torre de Londres os
23
A palavra “gentry” no período abordado no nosso tópico se referia a duas classes: a nobreza e a aristocracia
rural.
24
Aqui a exegese contemporânea trás alguns questionamentos, provavelmente o rei com que Amós se
confronta é de fato Jeroboão II, mas na verdade isso não é o principal, o que vale é o sentido atribuído ao
texto por Williams. Os textos bíblicos mencionados são: Amós 7:9-11 contém um oráculo que fala
especificamente da destruição da casa do rei e a citação usada por Williams em seu discurso que se encontra
em Amós 8:9.
21

bispos anglicanos que se recusaram a divulgar nas suas dioceses a Declaração pela
Liberdade de Consciência promovida pelo governante. Os principais partidos políticos
ingleses na época, os Whigs e os Tories, se uniram na defesa da Anglican Ecclesia.
Algumas lideranças influentes, temendo que James restabelecesse o romanismo, apoiaram
a deposição do rei e a vinda para assumir o trono de Guilherme de Orange, filho de
Guilherme II e Mary Henrietta Stuart, e sua esposa Maria, filha de James II. Guilherme
chegou ao sudoeste da Inglaterra em 1688, assumindo o trono da Inglaterra e da Escócia.
Adriana Lopez escreve na sua obra já citada: “No último quartel do século XVII, passadas
as tempestades da Guerra Civil, o inglês protestante adquiriria seu perfil distinto”
(LOPEZ, 2007: 76).

Chegamos ao ponto que procuramos deixar claro durante todo o desenrolar deste segundo
tópico, a Igreja Anglicana nasceu como “uma ‘Igreja Nacional’, entendida mais como a
dimensão religiosa do povo inglês e incluindo, além disso, um conceito de sua missão
como instrumento de salvação do povo e guardião de uma ordem social estabelecida por
Deus e apoiada por um modelo hierárquico de sociedade e Igreja” (KATER, 2008:23). O
Estado, a Igreja e a sociedade civil na Inglaterra possuem uma identidade em comum, estão
tão estritamente ligados que muitas vezes se confundem.

Finalmente valeria a pena considerarmos um último aspecto que vai nos auxiliar também
na compreensão do anglicanismo estabelecido no Pará. Voltemos mais uma vez para
Berger que afirma que a tradição religiosa do Ocidente, obviamente não isoladamente, mas
dentro de uma “contínua relação dialética com a infra-estrutura prática da vida da
social” (BERGER, 1985:123), trazia consigo as sementes da secularização25. E dentro do
cristianismo, Berger entende ainda que o protestantismo ocupe um lugar particular:
“Comparado com a ‘plenitude’ do universo católico, o protestantismo parece ser uma
mutilação radical, uma redução aos elementos ‘essenciais’, sacrificando-se uma ampla
riqueza de conteúdos religiosos” (1985:124).

Nessa ótica observamos como a Anglican Ecclesia estava em perfeita sintonia,


considerando a dialética social, com o desenvolvimento do racionalismo e da ciência
protagonizados na Inglaterra, sob o patrocínio principalmente deste o século XVII da
Royal Society of London, que levaria à Revolução Industrial. Adriana Lopez captou muito
bem este espírito que ela aponta num parágrafo: “O avanço da mentalidade científica,

25
Peter Berger entende por secularização “o processo pelo qual setores da sociedade e da cultura são
subtraídos à dominação das instituições e símbolos religiosos” (BERGER, 1985: 119).
22

racional, coincide como a expansão da educação e com uma ofensiva contra o paganismo.
O protestantismo era produto de uma cultura mais racional e urbana. Desdenhava todas
as formas de magia, fosse esta de inspiração pagã, fosse católica. A frequente alusão à
superstição católica provava que a razão científica, ‘para o melhoramento da condição
humana e para o aumento dos patrimônios’, conforme afirmava Francis Bacon, era a
melhor forma de servir à glória do Criador” (2007: 77-78).

Antes de encerrar esse tópico precisamos registrar que toda essa discussão vai ganhar
novos contornos principalmente quando tem início o processo de independência das
colônias britânicas. A palavra “anglicana” adquiriu, então, outros extratos semânticos,
deixando de significar apenas a Igreja da Inglaterra (Anglican Ecclesia) e passando a
designar um ramo do cristianismo constituído por 43 Igrejas autônomas e independentes,
espalhadas por 165 países, envolvendo aproximadamente 90 milhões de membros.

3 - A Expansão da Igreja Anglicana e o Protestantismo de


Imigração.
O anglicanismo vai se difundir pelo mundo numa relação direta com a expansão colonial
britânica. As palavras de Glauco Soares de Lima são bastante claras ao se referir a essa
questão:

“A Comunhão Anglicana existe como resultado da expansão


colonial inglesa, já que a maioria das províncias anglicanas está
localizada em áreas colonizadas pelos ingleses. A Comunhão
Anglicana se formou segundo o antigo princípio da ‘coroa ao lado
da cruz’, significando que o poder imperial e o Estado deviam
estar ao lado do poder espiritual, devendo esse último prover a
aprovação e justificação da igreja para expansão econômica da
mãe pátria” (2004: 17).

É bem verdade que num segundo momento do seu desenvolvimento, o anglicanismo


registra a participação significativa de organizações missionárias, todavia elas nasceram na
Inglaterra como instrumento de apoio aà conquista, ou em países de colonização britânica
que alcançaram sua independência, mas ainda se encontravam impregnados da ideologia
anglo-saxônica Talvez a figura que melhor represente essa compreensão do papel das
23

agências missionárias seja o Bispo Henry Hutchinson Montgomery (1897-1915). Ele foi
Secretário Geral da segunda maior organização missionária inglesa, na época chamada de
SPG (Society for the Propagation of the Gospel in Foreign Parts). Montgomery defendia a
construção de um império cristão vinculado ao império britânico: “Estes são tempos muito
bons e a gente sente no ar o começo de um Cristianismo Imperial” 26 (O’CONNOR, 2000:
358). Para ele a Anglican Ecclesia deveria estáar voltada apenas para os súditos britânicos
e os missionários deveriam se sentir como funcionários do império.

Um dos principais componentes dessa ideologia era o conceito da “nação eleita”. Desde o
início da Reforma Inglesa, quando Henrique VIII teve a coragem de romper as relações
com Roma, os protestantes passaram facilmente a enxergar a Inglaterra como uma nação
escolhida por Deus para concretizar seu propósito no mundo. Mesmo que, como já citamos
anteriormente, fosse uma Igreja “inadequadamente protestanizada”.

Novamente recorremos ao trabalho de Christopher Hill, onde ele aponta que os “primeiro
propagandistas protestantes costumavam associar Henrique VIII e Eduardo VI com o rei
Josias, que destruiu os ídolos” (2003: 366). O desenvolvimento dessa ideia se deu, então,
de forma bastante natural, especialmente quando a Inglaterra se viu isolada na sua proposta
religiosa, criticada pelos protestantes do continente, principalmente por Genebra, por
conservar tradições do catolicismo, e sofrendo pressões de Roma por ter cortado seus laços
de submissão e ter se protestanizado.

É muito difícil determinar o gênesis desse pensamento, ele vai aparecer em muitos escritos
no decorrer da história, mas concretamente os textos apenas traduzem algo que já fazia
parte do imaginário do inglês. Hill trás vários exemplos bastante esclarecedores, por
exemplo, em 1579, em sua obra “The Discovery of a Gaping Gulf”, John Stubb, um
puritano radical, declarava sem rodeios que os ingleses eram um povo eleito e caso a
rainha Elizabeth viesse contrair núpcias com um católico romano, falando da possibilidade
do seu casamento com o Duque de Anjou na França, isso será semelhante ao casamento de
um hebreu com um cananeu. John Fielding, magistrado londrino, afirmou ao povo inglês:
“o Senhor está em aliança com esse povo, a quem ele entregou sua marca [i.e.,
sacramentos] desta aliança” (HILL, 2003: 366). Em 1591, um pregador puritano da
pequena cidade de Maldon, Essex, chamado George Gifford dizia que “‘Deus fez um
acordo misericordioso com a Inglaterra’, desde que a nação, sob o governo de Henrique

26
“These are great times and one feels the stir of an Imperial Christianity”.
24

VIII, ‘professou Jesus Cristo e foi marcada com o sinal da aliança’” (HILL, 2003: 368). E,
uma narrativa bastante relevante para nosso propósito, Thomas Cooper, um cartista que fiel
ao seu credo buscava cada vez mais a inclusão dos operários na política, pregou na cidade
de Londres, na presença do prefeito e do xerife:

“Deus não preservou maravilhosamente esta pequena ilha, este


pequeno canto do mundo que, em tempos distantes, não era
conhecido e não tinha valor algum para o mundo? Podeis prestar
melhor serviço a Deus do que promover este reino e demolir
diariamente o poder de Satã?” (HILL, 2003: 370).

No discurso de Thomas além do reconhecimento da nação inglesa como escolhida e


preservada por Deus surge também a sua vocação missionária de expandir-se como um
instrumento de promoção do poder divino contra o maligno.

Essa mentalidade depois vai impregnar a colônia inglesa de Nova Inglaterra, nos Estados
Unidos, e na segunda metade do século XIX vai se desdobrar na “Doutrina do Destino
Manifesto”, que fazia dos estadunidenses um novo povo eleito, destinado a estender sua
civilização por todo o mundo. Os Estados Unidos representavam a mais elevada expressão
da civilização anglo-saxônica e era responsável pela salvação das outras nações, um
ministro metodista, citado por Antônio Gouvêa Mendonça declarava:

“Deus está usando os anglo-saxões para conquistar o mundo para


Cristo, a fim de despojar as raças fracas e assimilar e moldar
outras. O destino religioso do mundo está nas mãos dos povos de
fala inglesa. À raça anglo-saxã, Deus parece ter entregue a
empresa de salvação do mundo” (2008: 93)
Também outro elemento de suma importância para compreensão desse processo é a famosa
Conferência Mundial Missionária, realizada em Edimburgo, em 1910. A Conferência de
Edimburgo é um marco decisivo no movimento ecumênico, representando um clímax de
uma série de encontros que vinham acontecendo entre organizações missionárias
protestantes. Apesar de sua importância, a Conferência teve um efeito bastante negativo na
evangelização protestante na América Latina. O continente foi excluído da agenda sob a
alegação de que não deveria ocorrer um trabalho protestante em regiões que já estivessem
evangelizadas pela Igreja Católica Romana. E essa proposta foi defendida principalmente
pela corrente anglo-católica dentro da Igreja da Inglaterra. Nesse caso é preciso observar
25

que não se tratava apenas da perspectiva de “uma nação, uma Igreja”, mas também o
receio de que a atividade missionária protestante na América Latina viesse a por em risco
os frágeis laços criados entre anglicanos e católicos. Arturo Piedra diz que esse
posicionamento já vinha sendo definido antes da realização da Conferência:

“Os britânicos, particularmente os anglicanos da ‘Alta Igreja’


(High Church), tendiam a considerar de mau gosto qualquer nova
presença do cristianismo protestante onde já havia influência de
outra igreja cristã. É notável como esses anglicanos, já um ano
antes da Conferência, condicionavam sua participação enquanto a
América Latina não fizesse parte da agenda do evento” (2006:
115-116).

Retomando o tema dos parágrafos iniciais, os estudos clássicos sobre a chegada do


protestantismo nas terras tupiniquins nos apresentam duas vertentes, o protestantismo de
imigração e o protestantismo de missão. O anglicanismo experimentou os dois caminhos, o
primeiro claramente demarcado com o Tratado do Comércio e Navegação, em 1810, ao
qual nos referimos anteriormente, e o segundo, como a “missão mais tardia, entre as
principais denominações protestantes” (MENDONÇA, 2008: 50), através da ação da
Igreja Protestante Episcopal dos Estados Unidos da América, com o envio dos reverendos
James Watson Morris e Lucien Lee Kinsolving, em 189027. O anglicanismo de missão nos
interessa diretamente neste trabalho quando formos analisar o processo de redefinição
identitária dos imigrantes de fala inglesa que frequentavam a Pará Anglican Church, em
Belém, contraponto ao anglicanismo de imigração.

Lauri Wirth define o protestantismo de imigração como sendo “aquela variante do


protestantismo que se estabelece no Brasil, bem como em outros países da América
Latina, através da imigração europeia” e que “tem na identidade étnica sua referência
fundamental” (WIRTH, 2010:09). Isso nos leva a uma conclusão natural sobre a expansão
colonial do anglicanismo, as capelanias anglicanas eram comunidades fechadas, que nada
mais faziam do que prestar atendimento religioso aos imigrantes, “pouco ou nenhuma
atenção deram ao lugar onde se instalavam e se comportavam como se estivessem na
Inglaterra, embora fortemente imbuídas do sentimento de exílio” (MARASCHIN,
1996:49).
27
A data que adotamos aqui não é a da chegada dos missionários, mas a da realização do primeiro culto, na
tarde do dia 1º de junho de 1890, Domingo da Trindade, na Rua Voluntários da Pátria, 387, Porto Alegre
considerada a data de fundação da Igreja Episcopal Anglicana do Brasil.
26

E mais ainda, isso nos deixou uma forte herança missionária onde “o proselitismo e a
evangelização são questões que não surgem como temas teológicos, pois o que importava
era preservar um espaço cultural. E a abertura deste espaço para os brasileiros só podia
implicar a sua própria dissolução” (ALVES, 1982:155). Ainda hoje o anglicanismo
brasileiro luta com dificuldade para se livrar dessa concepção colonialista, permanecendo
fortemente marcado pela mentalidade anglo-saxônica, principalmente na questão
fundamental dos valores, que pese algumas poucas transformações que ocorrem nestes
duzentos anos de sua presença no Brasil.
27

Capítulo II.
1 – Os ciclos migratórios na Amazônia e os imigrantes de fala
inglesa no Pará.

A Amazônia conta atualmente com uma população de mais de 20 milhões de habitantes,


formada por um longo processo de povoamento, com migrações desde a época da
conquista dos espanhóis e portugueses, que começou de fato a invadir a região a partir do
século XVII. Nos cem anos seguintes vieram as missões religiosas e as expedições
militares. No século XIX tivemos o ciclo da borracha, a chamada Belle Époque
Amazônica, e a ocupação que até então era muito lenta ganhou uma nova dimensão com a
vinda de muitos imigrantes, principalmente de nordestinos. O ciclo da borracha, elemento
que está relacionado com o período adotado no nosso trabalho teve seu apogeu entre 1879
e 1912, sendo retomado durante a Segunda Guerra Mundial (1942-1945). No século
passado outros imigrantes vieram para região, entre eles destacam-se os japoneses que se
instalaram principalmente na área rural, constituindo pequenas colônias.

Todo esse processo de ocupação e exploração levou a depredação da floresta e ao massacre


de povos indígenas. E acabou por compor uma diversidade étnica e cultural que se trama
hoje na região para constituir aquilo que Darcy Ribeiro chama de “povo novo”. O projeto
de colonização portuguesa em todo Brasil, observa Darcy Ribeiro, criou uma dialética
social que teve como resultado: “... um povo-nação, aqui plasmado principalmente pela
mestiçagem, que se multiplica prodigiosamente como uma morena humanidade em flor, à
espera do seu destino” (2006:62).

Variadas nacionalidades se entrelaçam nessa trama. Um projeto da Prefeitura de Belém,


organizada pelo Museu de Arte de Belém, em 2004, com a participação de entidades
federais e municipais, intitulado “Belém dos Imigrantes: História e Memória”, destacava
“dez nacionalidades com maior significação demográfica na formação da população da
nossa capital: portuguesa, japonesa, barbadiana, italiana, libanesa, inglesa, alemã,
francesa, espanhola e marroquina” (ARRAES, 2004: 5). Se fossemos nos aprofundar no
tema teríamos também que considerar a massiva presença de imigrantes de outras partes da
federação como falamos anteriormente. Num determinado sentido, “estrangeiros”, “outras
nacionalidades”, que intensificaram sua vinda ao Norte com o ciclo da borracha, que é
28

retomado principalmente durante a Segunda Guerra Mundial. Só nessa época esse


movimento trouxe para floresta em torno de 50 mil pessoas, na grande maioria nordestina,
para trabalhar nos seringais, os denominados “soldados da borracha”.

Todavia, interessa-nos especificamente a imigração dos britânicos e de outros falantes de


língua inglesa. Aqui a história não é muito diferente do restante do país, os ingleses
chegaram à Amazônia muito cedo, logo no início do processo de colonização, através de
piratas e contrabandistas que incursionavam pelo interior e mantinham relações amistosas
28
com algumas tribos indígenas, onde exploravam as chamadas “drogas do sertão” e ouro
da região do Alto Peru. Desse tráfico participavam além dos ingleses, holandeses,
franceses e irlandeses. Os ingleses, inclusive, tiveram condições de estabelecer algumas
fortificações ao longo do rio Amazonas.

Foi justamente para combater o contrabando, que em 1616, o português Francisco Caldeira
Castelo Branco fundou o Forte do Presépio, dando origem à cidade de Belém. Mas, só
depois que a sede da Província do Maranhão vai ser transferida para Belém, em 1751,
passando a se chamar Província do Grão Pará e do Maranhão, governada pelo irmão do
Marquês de Pombal, Francisco Xavier de Mendonça Furtado, é que os exploradores de
outras nacionalidades serão expulsos de toda região conquistada pelos portugueses.
Embora, Taciano Pinon Friaes nos informe que “várias incursões clandestinas ainda
foram organizadas pelos franceses, ingleses, irlandeses e holandeses, no século XVII e
XVIII ao Norte do Brasil, atingindo lugares até então nunca desbravados pelos
portugueses” (FRIAES, 2004: 17).

Prosseguindo no tempo, necessitamos reconhecer que a historiografia amazônica, como de


um modo geral a brasileira, tem uma deficiência muito grande quando se trata da primeira
metade do século XIX29, por isso não temos com certeza quando aconteceu o
estabelecimento da colônia inglesa em Belém do Pará. Todavia, tudo parece nos levar a
crer que a presença inglesa começou a tomar corpo desde o tratado de abertura dos portos,
em 1808. É certo que em 1815 já existia uma sólida comunidade na cidade, a tal ponto que
o Senado da Câmara do Pará, atendendo a solicitação do vice-cônsul inglês Henry
Dickensen, concedeu o terreno para o cemitério britânico, para que os ingleses pudessem

28
Especiarias que eram retiradas da floresta, como cacau, canela, baunilha, castanha e guaraná, que tinham na
época excelente preço no mercado europeu.
29
Fato comentado, especialmente se referindo a questão do comércio, por David Cleary na introdução dos
documentos ingleses que conseguiu levantar e publicar no livro “Cabanagem: Documentos Ingleses”.
29

enterrar seus mortos. Outro indício apresentado por David Cleary é que, embora não se
saiba exatamente a data da sua constituição, o Consulado Britânico certamente já se
encontrava funcionando em 1822 (CLEARY, 2002:12).

Depois disso, quando fazemos menção a um evento fundante da identidade paraense30,


vamos encontrar documentos que atestam a preocupação dos ingleses com os rumos do
movimento no Pará denominado de Cabanagem (1835-1840). A Cabanagem, segundo José
Maia Bezerra Neto, foi um

“movimento revolucionário, com uma massiva participação dos


setores das classes pobres e trabalhadoras lado a lado com
segmentos sociais oriundos das classes remediadas e enriquecidas,
que lutaram contra a manutenção do status quo, herdado do
Período Colonial e inalterado quando do processo de
independência” (BEZERRA, 2001: 82-83).

Os documentos que o historiador David Cleary conseguiu reunir dos arquivos ingleses
demonstram que já havia uma comunidade inglesa fortemente organizada neste período em
Belém, que estava bastante consternada com a violência imprimida pelos eventos
revolucionários. Para exemplificarmos isso basta fazermos referência ao fato de que nos
documentos estudados, Cleary conseguiu identificar vinte e três súditos britânicos
trabalhando em empresas comerciais estrangeiras na cidade (CLEARY, 2002: 24). Uma
correspondência do Lorde Palmerston enviada para Henry Stephen Fox, Ministro de Sua
Majestade Britânica no Rio de Janeiro, continha um anexo que era um memorial descritivo
dos acontecimentos no Pará, no qual os comerciantes ingleses expressavam seus
sentimentos perante os acontecimentos e solicitavam a intervenção do governo britânico
para que eles pudessem conseguir uma indenização pelas perdas causadas pela revolução e
também que se fizesse respeitar no estado o tratado de comércio firmado com o Brasil:

“Que seus autores, entendendo que as circunstâncias nele


sumariamente detalhadas sejam tais que possam estabelecer um
pedido justo de indenização pelas perdas que seus autores e outros
súditos britânicos sofreram, mui fervorosamente solicitam que V.
Excelência se digne considerar este assunto e adotar as medidas
necessárias para obter a referida indenização; e também
30
Segundo Vanda Pantoja e Raymundo Heraldo Maués, três elementos são fundamentais para a construção
da identidade regional paraense: a Cabanagem, o encantado e a festa de santo (PANTOJA, MAUÉS, 2008).
30

assegurar que os súditos de Sua Majestade, que venham a se


estabelecer ou se engajar em comércio com o Pará, possam
exercer os direitos e privilégios garantidos a eles pelo tratado
existente com o Brasil” (CLEARY, 2002: 24).

A participação estrangeira na sociedade paraense vai aumentar significativamente com a


abertura do rio Amazonas à navegação estrangeira31, acontecimento deflagrado
principalmente devido à pressão dos Estados Unidos da América e da Inglaterra que
tinham grandes interesses comerciais na área. Não podemos deixar de mencionar que
alguns missionários protestantes foram coadjuvantes como propagandistas desse processo
de abertura do rio Amazonas, entre eles o ministro presbiteriano estadunidense James
Cooley Fletcher, que tinha como objetivo “converter o Brasil ao protestantismo e ao
progresso” (PALM, 2009: 34) e o anglicano Richard Holden, enviado pelo Conselho de
Missões Episcopais dos Estados Unidos e pela Sociedade Bíblica Americana, que
desenvolveu suas atividades primeiramente no Estado do Pará.

A partir desse ponto os ingleses assumiram uma predominância desmedida na sociedade


amazônica, principalmente no comércio, acentuada entre 1935 e 1912. O que justifica as
afirmações feitas no primeiro capítulo de que essa presença inglesa tinha contornos
francamente imperialistas. Desenvolveram atividades nos setores de navegação, portos,
energia, transporte público, telefonia, telegrafia, distribuição de água, rede de esgotos,
principalmente em Belém e Manaus. Extensa é a relação dos empreendimentos ingleses na
Amazônia, destacamos apenas para ilustrar o Port of Pará, Pará Electric Company, Pará
Telephone Company, Amazon River Steam Navigation Company Ltd., Amazon
Engineering Company, Manaus Harbour Ltd., Manaus Tramways & Light Company Ltd.,
Manaus Improvements Ltd., Manaus Market Company, Booth Line Company, Bank of
London & South America Ltd.

Interessante que encontramos uma relação dessas companhias nas prestações de contas que
constam nos relatórios do reverendo Arthur Miles Moss, clérigo anglicano fundador da
Paróquia de Santa Maria. Em 20 de junho de 1913, ele reclama do apoio financeiro que foi
reduzido, temos que lembrar que o auge da borracha já havia terminado, e apresenta uma
lista de doadores no Pará: Booth & Co., L&B Bank, Porto f Pará, Amazom River Nav.,
Pará Eletric, I.G. White & Co., Amazon Telegraph, Western Telegraph, além de alguns
31
O decreto autorizando a abertura do rio Amazonas à navegação estrangeira foi assinado pelo governo
brasileiro em 1866.
31

contribuintes individuais32.

Porém, isso não se traduziu de forma ainda mais efetiva na formação da população de
Belém devido a um distanciamento que os ingleses mantinham da realidade local. Isso
fazia com que algumas lendas sobre eles surgissem no meio do povo. Bem representativo
disso são as narrativas dos personagens de Inglês de Souza no conto “O Donativo do
Capitão Silvestre”, embora tenhamos de considerar o engenho do escritor, não podemos
deixar de acreditar que essas histórias tiveram existência real no imaginário paraense,
principalmente nas cidades e vilas do interior. O escrivão Ferreira, personagem do conto,
declarou numa roda de senhoras que

“os ingleses não querem saber de santos, que adoram uma cabeça
de cavalo e se divertem socando as ventas dos amigos, para lhes
aliviar com essa amistosa operação o cérebro sujeito a congestões
violentas, pelo vapor da cerveja que sobe do estômago” (SOUZA,
2006: 67).

Seria interessante discutirmos aqui a afirmação feita acima de que os ingleses possuíam
uma grande dificuldade de se relacionar com as outras culturas, pois ela será importante no
tópico seguinte. Gilberto Freire, em Ingleses no Brasil, faz uma citação de Eça de Queiroz
como representativa dessa concepção. Ele considera que Eça de Queiroz traçou uma
caricatura fixa e exagerada, mas que, como ele mesmo diz, aponta um sentimento que de
fato existe nos ingleses, “principalmente os ingleses da era vitoriana: a grande era da
supremacia imperial dos britânicos” (FREIRE, 2000: 48). A afirmação de Eça de Queiroz
reproduzida por Freire é a seguinte:

“Estão em toda parte, esses ingleses (...). Porque por mais


desconhecida e inédita que seja a aldeola onde se penetra, por
mais perdido que se ache num obscuro canto do Universo o regato
ao longo do qual se caminhe, encontra-se sempre um inglês, um
vestígio de ingleses!... Sempre um inglês! Inteiramente inglês, tal
como saiu da Inglaterra, impermeável as civilizações alheias,
atravessando religiões, hábitos, artes, culinárias diferentes, sem
que se modifique num só ponto, numa só prega, numa só linha o
seu protótipo britânico... querendo encontrar por toda parte o que

32
Relatórios de Arthur Miles Moss.
32

deixaram em Regent-Street, e esperando Pale-Ale e roast-beef no


deserto da Petrea; vestindo no alto dos montes sobre-casaca preta
ao domingo, em respeito à igreja protestante, e escandalizados de
que os indígenas não façam o mesmo(...) e pensando que as outras
raças só podem ser felizes possuindo as instituições, os hábitos e
as maneiras que os fazem a eles felizes na sua ilha do Norte!”
(FREIRE, 2000: 47-48).

É preciso dizer que esse tipo de dificuldade não é exclusividade dos ingleses e nem dos
povos por eles colonizados, o próprio Gilberto Freire sugere que Eça de Queiroz ao fazer
está afirmação estava padecendo do mesmo mal, e no seu texto aponta muitos sinais da
capacidade de aculturação dos súditos da rainha. Mas, sem dúvida, o escritor português não
está totalmente destituído de razão e essa incapacidade era aguçada, em grande parte, pelo
etnocentrismo europeu, pela supremacia da cultural anglo-saxônica, pela expansão
colonial, e ainda, pelo imaginário do povo eleito para levar a civilização ao mundo inteiro.

Dentro dessa moldura podemos compreender algumas narrativas bastante negativas sobre a
vida no Brasil que expressam de forma clara esse eurocentrismo. James Forbes, artista e
escritor britânico, funcionário da East Indian Company Service, em viagem para Bombaim,
teve que fazer uma parada na costa brasileira, em 30 de junho de 1765, e deixou registradas
suas impressões:

“São Sebastião, capital do Rio de Janeiro, é uma extensa cidade


com numerosas igrejas, conventos e mosteiros, mas os costumes e
maneiras dos habitantes não são agradáveis nem interessantes.
Vaidade, pobreza, indolência e superstição são características que
prevalecem nesses portugueses degenerados; parece extintas as
nobres virtudes de seus antecessores; a sua crueldade para com os
negros nas plantações e com todo tipo de escravos é excessiva”...
(CAVALCANTI, 2010: 16).

Ainda podemos nos voltar para um intrigante texto do comerciante John Lucock onde ele
faz uma devastadora análise dos hábitos brasileiros à mesa. Sem dúvida, para a
mentalidade britânica a visão deve ter sido aterradora:

“Comem muito e com grande avidez e, apesar de embebidos em


sua tarefa, ainda acham tempo para fazer grande bulha. A altura
33

da mesa faz com que o prato chegue ao nível do queixo; cada qual
espalha seu cotovelo ao redor e, colocando o pulso junto à beira
do prato, faz com que por meio de um movimento hábil o conteúdo
todo se lhe despeje na boca. Por outros motivos além deste, não há
grande limpeza nem boas maneiras, durante a refeição; os pratos
não são tocados; (...) por outro lado os dedos são usados com
tanta frequência quanto o próprio garfo. (...) antes do final da
refeição, todos se tornam barulhentos, exagera-se a gesticulação
(...)” (PRIORE, 2010: 19).

Poderíamos repetir muitos outros exemplos, mas cremos que não será necessário. Essa
visão eurocêntrica, por si só, esclarece em grande parte o fechamento das comunidades
inglesas no Brasil. Lauri Wirth nos fala de certas Igrejas que foram estabelecidas através da
imigração norte-americana e que, posteriormente, superaram o referencial étnico e
passaram a tratar de maneira bem mais amigável com a cultura local, como os batistas e os
metodistas (WIRTH, 2008: 117). No caso da Igreja anglicana foi necessário que outro
movimento também vindo de fora, o trabalho missionário da Igreja Episcopal dos Estados
Unidos, interferisse na realidade das capelanias britânicas forçando uma transformação,
mas elas mesmas nunca se abriram aàs culturas locais33.

Finalmente nos ajudam a entender melhor essa distinção as palavras de Oswaldo Kickhöfel
quanto aos paradigmas missionários de ingleses e americanos, embora, na nossa concepção
ele seja muito pouco crítico com relação aos súditos do império britânico: “Os ingleses
temiam a filiação de membros brasileiros ou de outras nacionalidades em nível de
igualdade, não tanto por convicções teológicas ou preconceitos raciais, mas
principalmente por desejar preservar seus costumes e tradições, suas atividades culturais,
seus sentimentos patrióticos e a educação de seus filhos. A maior dificuldade, entretanto,
residia na própria cultura inglesa, que forjou uma igreja ligada oficialmente ao Estado,
enquanto que a cultura americana definia a separação entre Estado e Igreja como um
dogma universal” (1995: 213).

33
As capelanias inglesas só passaram a ser incorporadas a Igreja Episcopal Anglicana do Brasil depois de
1955. Nessa data foi firmado um acordo entre o Arcebispo de Cantuária e o Bispo Presidente da Igreja
Episcopal dos Estados Unidos que transferia as capelanias inglesas para a Igreja norte-americana nas áreas
sob sua jurisdição. Todavia, na prática, esse acordo vai levar um longo tempo para se concretizar. No caso da
comunidade de Belém isso só vai acontecer em 1959 e por intervenção pessoal do Bispo de origem norte-
americana Edmund Knox Sherril.
34

Mas os ingleses não foram os únicos falantes do vernáculo inglês que contribuíram para a
diversidade da sociedade paraense. Para contarmos a história do anglicanismo na
Amazônia, e em Belém do Pará, é extremamente relevante tratarmos da presença dos
barbadianos. Lembrando que o escritor Mário de Andrade chegou a chamar a cidade de
Belém de “barbadianinha” (ARRAES, 2004: 22). Antes, gostaríamos de precisar o que
queremos dizer com esse “adjetivo pátrio”. Para isso recorremos, então, a Maria Roseane
Corrêa Pinto Lima que desenvolveu um excelente trabalho sobre o tema:

“O termo ‘barbadiano’ é uma categoria que não indica


simplesmente uma origem ou nacionalidade, mas foi empregada
como uma identificação englobadora, atribuída aos negros
estrangeiros, não introduzidos aqui como escravos, que vieram,
desde o início do século XX, de diversas partes do Caribe...”
(LIMA, 2006: 14).

Entre 1890 e 1925 muitos caribenhos chegaram à região, em grande parte, para trabalhar
nos inúmeros empreendimentos britânicos, atendendo ao apelo da propaganda da época
com promessas de melhores condições de vida no Brasil e escapando a depressão
econômica que atingia as colônias inglesas no Caribe, particularmente devido à queda dos
preços do açúcar, principal produto de exportação. Não queremos nesta parte do nosso
texto entrar na discussão sobre as causas das migrações, um problema bastante complexo
nas sociedades do século XX, mas no caso dos barbadianos temos caracterizado a
afirmação do Stuart Hall, ele mesmo um imigrante jamaicano, de que “a pobreza, o
subdesenvolvimento, a falta de oportunidades – os legados do Império em toda a parte –
podem forçar as pessoas a migrar, o que causa o espalhamento – a dispersão” (2006: 28).

Os caribenhos haviam interiorizado com maior ou menor intensidade os valores culturais


dos colonizadores anglo-saxões. Hall diz que sentiu principalmente em Barbados “uma
maior aproximação com a Inglaterra e sua disciplina social implícita” (2006: 32). Então,
os imigrantes barbadianos que aqui aportaram se identificavam com os hábitos dos
britânicos e enxergavam os brasileiros como um povo inferior, sentimento que só vai
começar a mudar a partir da segunda geração:

“Os mais velhos consideravam-se súditos do vasto império


britânico e, na maior parte das vezes, recusavam-se a falar outra
35

língua, que não fosse o inglês. Preocupavam-se muito com o


vestuário, a etiqueta e os hábitos sociais que, por sua vez,
contrastavam enormemente com os dos negros brasileiros”
(ARRAES, 2004: 22).

Tivemos dificuldade de encontrar informações sobre os estadunidenses, talvez nossos


historiadores não tenham considerado relevante a participação deles na formação da
sociedade paraense, pelo menos eles não estão incluídos entre as dez nacionalidades mais
importantes nessa composição, segundo o projeto “Belém dos Imigrantes: História e
Memória”, e por isso ainda não se debruçaram suficientemente sobre o assunto. Segundo
Marlene de Deus Tavares da Silva, os norte-americanos começaram a vir para o Pará a
partir de dezembro de 1867, sem sombra de dúvida nenhuma, movidos pela abertura do rio
Amazonas a navegação estrangeira. Logo no início do tópico sobre o tema, ela informa,
que: “Alguns permaneceram em nosso Estado fixando-se em Santarém, mas outros
retornaram a seu país de origem, por que não se adaptaram ao contrato feito com o
governo paraense” (SILVA, 2003: 123).

Importante destacar que os dois personagens mencionados pela autora, Richard Henington
e Leo Blair Halliwel, eram missionários de ramos protestantes e realizaram um trabalho
significativo em favor dos amazônidas. Não podemos deixar de citar novamente o Rev.
Richard Holden, primeiro expoente do anglicanismo de missão a efetivamente realizar um
trabalho em terras brasileiras, em 1860, que embora sendo natural da Escócia, foi ordenado
no estado de Ohio, e enviado pelos episcopais norte-americanos. Também temos algumas
poucas menções feitas aos estadunidenses nos relatórios do Rev. Arthur Miles Moss, logo
quando dos primeiros contatos para a construção de uma capela, ele faz referência a uma
reunião que aconteceu no Pará Clube, presidida pelo Cônsul Britânico, G. Ambrose, e
apoiada por George Pickerell, Cônsul dos Estados Unidos da América 34, ou ainda, que o
trabalho que ele realizava consistia na maior parte do tempo em visitas para ingleses e
americanos em suas casas e escritórios35.

2 – O estabelecimento do anglicanismo no Pará.


Neste e nos próximos tópicos vamos nos valer da metodologia da história oral temática,

34
Relatórios de Arthur Miles Moss.
35
Idem.
36

segundo apresentada por José Carlos Sebe Bom Meihy e Fabíola Holanda, como um
instrumento que através de entrevistas, partindo de um assunto específico e pré-
estabelecido, se compromete com o esclarecimento ou opinião do entrevistado sobre algum
evento específico (MEIHY, HOLANDA, 2007:38).

Também precisaremos considerar atentamente a tese de Maurice Halbwachs de que a


memória individual existe sempre a partir de uma memória coletiva, posto que todas as
lembranças são constituídas no interior de um grupo. É muito importante ressaltar esse
aspecto porque as pessoas que entrevistamos conviveram com o fundador da Igreja
Anglicana no Pará, Rev. Arthur Miles Moss, e com o período de capelania para os
imigrantes de língua inglesas, ainda muito jovens, ou dele ficaram sabendo através das
suas famílias e grupo social.

Todavia, uma característica positiva da história oral temática que se tornou muito
importante para nós, é a possibilidade de confrontá-la com a documentação accessível e,
ainda, cruzar as entrevistas. “Assim, por natureza, a história oral temática é sempre de
caráter social e nela as entrevistas não se sustentam sozinhas ou em versões únicas”
(MEIHY, HOLANDA, 2007:38). No decorrer das entrevistas, verificamos que elas não
apenas corroboravam as informações documentais que possuíamos, mas também
confirmavam a hipótese que sustentamos neste trabalho. Sendo assim, a partir desse ponto,
a história oral e a documental se cruzarão num texto híbrido, sem que haja a predominação
ou submissão de nenhuma das fontes, mas uma intrigante coincidência.

2.1 – O fundador.

No início das nossas pesquisas chegueamos a pensar que as informações de que


dispúnhamos sobre o Rev. Arthur Miles Moss não seriam suficientes para trançarmos um
perfil que nos ajudasse a entender o seu papel como fundador da comunidade anglicana e
líder da colônia inglesa em Belém. Principalmente porque os únicos escritos que
dispúnhamos elaborados pelo próprio Moss, seus relatórios sobre suas atividades
religiosas, são sucintos, formais e de caráter descritivo. Eles estão presos aà lista dos
participantes de determinadas reuniões, ao número de ofícios religiosos realizados, aà
quantidade de pessoas presentes as celebrações, aà arrecadação financeira da paróquia, ao
37

relato de visitas episcopais. Em nenhum momento Moss externa suas convicções religiosas
ou seus sentimentos.

Entretanto, esse material foi crescendo e permitindo armar um quebra cabeça que forneceu
uma série de dados sobre Moss, suficientes para termos um perfil bem delineado desse
nosso personagem. Além dos relatórios, encontramos uma pequena menção sobre Arthur
Moss no livro do Edward Francis Every36, bispo da Igreja da Inglaterra, responsável pelas
capelanias nas Ilhas Falklands e América do Sul, um brevíssimo testemunho dado pela
atriz paraense Cléa Simões, membro da Igreja Anglicana, num DVD comemorativo dos 50
anos do livro do sociólogo Vicente Salles, “O Negro no Pará”, um anuário da Igreja da
Inglaterra que traz a biografia de clérigos ingleses, denominado “Crockford's Clerical
Directory”, um pequeno trecho de um artigo num site na Internet, informações fornecidas
pelos nossos entrevistados. Sabemos que no Natural History Museum, em Londres, está
catalogada uma coleção de escritos, desenhos e fotografias produzidos por Moss enquanto
entomologista37, mas não tivemos acesso a esse material38.

Através do Crockford's Clerical Directory obtivemos breves notas sobre sua biografia:
nasceu em Liverpool, em 1873, estudou no Trinity College, em Cambridge, foi ordenado
diácono da Igreja da Inglaterra em 1895, presbítero em 1896, esteve em Lima no Peru
como capelão entre 1907 e 1910, e veio residir no Brasil entre 1912 e 1945, falecendo
antes da Páscoa de 1948 no norte da Inglaterra39.

Antes de chegar ao Brasil, como ficamos sabendo através do Crockford's Clerical


Directory, Arthur Moss exerceu seu ministério em outra parte da América do Sul, Lima no
Peru, onde trabalhou por cerca de três anos. Em 1911, faz uma “viagem experimental” ao
Pará e ao Amazonas, entre os meses de junho e setembro. No início do ano seguinte, ele se
dedica a criar interesse e levantar fundos para iniciar um trabalho de capelania e construir
uma pequena igreja na região40.

Obviamente devemos ter cuidado com a memória, ela está em constante evolução, e

36
South American Memories of Thirty Years.
37
O Aurélio nos trás a seguinte definição para entomologia: “é a parte da zoologia que trata dos insetos”.
38
Encontramos essa referência no seguinte endereço na Internet: <http://www.nhm.ac.uk/research-
curation/collections/collections-management/collections-navigator/transform.jsp?rec=/ead-recs/nhm/uls-
a353832.xml>. Acesso em julho, 2009.
39
As informações sobre o “Crockford's Clerical Directory” nos foram fornecidas verbalmente por Catherine
Wakeling, funcionária da USPG (United Society for the Propagation of the Gospel), Londres, Inglaterra, em
15 de abril de 2004.
40
Relatórios de Arthur Miles Moss.
38

diversas influências colaboram para sua construção. Analisando o que as pessoas recordam
sobre Arthur Moss vemos que ele se encaixaria com perfeição num certo estereótipo,
parece mais uma caricatura, provavelmente reorganizada ao longo dos anos na memória
coletiva. Porém, por mais que a memória tenha sofrido alterações, ela parece nos indicar
que os hábitos e temperamento de Moss diferenciavam bastante da população local e o
tornava uma referência étnica e cultural para a comunidade britânica e para as primeiras
gerações de barbadianos.

Nessa perspectiva, Cléa Simões, que foi criada na casa do Rev. Moss, neta de uma de suas
empregadas, chega a descrevê-lo como “um nobre” 41, provavelmente pelos seus costumes
anglo-saxões acentuados pela a sua origem de classe, decididamente Moss vinha das
camadas altas da sociedade inglesa. Nessa direção aponta a sua formação acadêmica.
Maria de Nazareth Neves Jorge João e Tomásia dos Santos Cavalcanti, vizinhas de Moss,
lembram que ele “andava sempre de terno branco de linho agajota [linho importado,
42
usado por pessoas de boa condição financeira] ” . Nazareth recorda ainda que quando ele
saia para apanhar insetos para seus estudos, vestia uma roupa de safári, “uma bermuda
cáqui até os joelhos” 43. Parece ter sido uma pessoa reservada, homem de trocar poucas
palavras com os vizinhos44. Embora, Nazareth lembre que ele era sempre carinhoso com
ela quando a encontrava pendurada no portão da sua casa45... Nada mais inglês do que a
descrição acima.

Porém, podemos acrescentar, também, que ele detinha certa dose de autoritarismo. Não
poderíamos esperar outra coisa, partindo de alguém originário de uma sociedade que o
colocava num patamar de superioridade numa hierarquia cultural. Como afirmou Beatriz
White: “Ele brigava com as pessoas na igreja. Até com os ingleses dele também...” 46,
porque desperdiçavam seu tempo em entretenimentos e não frequentavam a Igreja. Em
outras palavras, Beatriz diz que “ele fazia tudo sozinho” 47. Ela ressalta que “Ele era duro,
48
era duro” . Talvez possamos fazer essa leitura da memória guardada pela família
Lythcoth, que fez com que Gregory Sanches, da terceira geração, enxergasse Moss como

41
DVD “O Negro no Pará: Cinco Décadas Depois”, capítulo VI.
42
Entrevista com Maria de Nazareth Neves Jorge João e Tomásia dos Santos Cavalcanti, realizada em 19 de
maio de 2010.
43
Idem.
44
Idem.
45
Idem.
46
Entrevista com Beatriz White, realizada em 06 de maio de 2010.
47
Idem.
48
Idem.
39

uma espécie de “super pároco” 49.

Outro interessante aspecto que podemos detectar na sua na sua multifacetada personalidade
era sua dedicação ao ministério como capelão. Nas condições precárias da época, Moss
realizava diversas viagens para assistir as capelanias inglesas em Recife - Pernambuco,
Salvador - Bahia, e também percorria 4.397 quilômetros, para atender pastoralmente os
trabalhadores caribenhos da estrada de ferro Madeira-Mamoré, em Porto Velho -
Rondônia. Reforçando mais essa afirmação, precisamos ressaltar que após dezoito anos
como capelão no Brasil, Moss se aposentou, passou um ano na Inglaterra, mas retornou
para Belém, exercendo as mesmas atividades como “capelão honorário”, até sua partida
definitiva em 1945. O bispo Edward Francis Every afirma que a capelania anglicana em
Belém, durante a depressão econômica que sobreveio com o fim da exportação de
borracha, só continuou pelo trabalho “devotado” do seu fundador (EVERY, 1933, 144).

Um evento na história de Moss precisa ser contado para ressaltar seu apego ao ministério
que abraçou na Igreja da Inglaterra. Quando trabalhava no Peru, durante uma viagem de
Oroya para Lima, o trem no qual viajava foi tomado de assalto por um grupo de bandidos.
Moss e outros sete amigos foram aprisionados pelos bandidos num esconderijo nas
montanhas. O governo peruano, então, provavelmente preocupado com a repercussão do
desaparecimento dos ingleses, enviou tropas para libertar o grupo50. Moss não se intimidou
com esse acontecimento, pelo contrário, o transformou num instrumento de divulgação de
sua capelania.

Também observamos que Moss agia como mediador entre a comunidade e as autoridades
britânicas, com as quais sempre manteve excelentes relações. Fazia reivindicações,
levantava recursos, e, algumas vezes, ajudava as pessoas com a difícil burocracia das
instâncias inglesas, até mesmo assinando formulários para passaporte. “Devido a um
recente pedido do rei através do ministro britânico no Rio, uma série de caribenhos se
apresentaram como voluntários para o trabalho. Eu tenho estado ocupado assinando
pedidos para passaportes” 51, escreve em 1918. É difícil avaliarmos a influência de idéeias
como as do bispo Montgomery, citada anteriormente, porque atualmente elas parecem um

49
Entrevista com Gregory Sanches, realizada em 17 de maio de 2010
50
Encontramos esse acontecimento na Internet: <http://paperspast.natlib.govt.nz/cgi-bin/paperspast?
a=d&d=HNS19080805.2.11&l=mi&e=-------10--1----2-all>. Acesso em maio, 2010.
51
“Owing to a recent request from out king through the British minister in Rio a number of West Indians
have volunteered for service. I have been busy signing applications for passports”. (Relatórios de Arthur
Miles Moss).
40

pouco grotescas, em nada condizem com os atuais paradigmas missionários, a proposta que
se impôs como hegemônica apontou numa direção diferente. Todavia, expressavam um
sentimento que conseguia mobilizar muitos adeptos no seu tempo. E talvez nessa
dedicação ao império tenhamos os ecos do livro de Montgomery, “Foreign Missions”, onde
ele afirma que “o clérigo é agente de um exército imperial”, e continua afirmando: “cheio
do espírito imperial, não apenas do império da Inglaterra, mas de algo ainda maior, o
império de Cristo” 52. Seja como for, essa relação entre o governo britânico e os clérigos
anglicanos no exterior era muito estreita. O missionário atuava como verdadeiro
funcionário do governo de Sua Majestade.

Moss além de clérigo, como mencionado de passagem, era cientista. Neste ponto
encontramos uma característica do anglicanismo que nos referimos no primeiro capítulo. A
Anglican Ecclesia, na relação dialética com a sociedade inglesa, desenvolveu um estreito
vínculo com a mentalidade racional e científica que se gestava na Europa, principalmente
na sua terra de origem. Não apenas Moss, mas muitos outros clérigos anglicanos foram
cientistas e pesquisadores. Moss era um estudioso de insetos e plantas, chegou mesmo a
publicar alguns livros sobre o assunto e um específico sobre orquídeas no Pará53. Era
considerado pelas entidades científicas como um bom desenhista e um entusiasta pela
pesquisa, dedicando-se particularmente ao estudo da ordem de insetos chamada
Lepidóptera, que inclui borboletas e mariposas. Como mencionamos anteriormente,
Nazareth e Tomásia lembram-se dele saindo de casa com roupa de safári e uma rede de
apanhar borboletas na mão. Tomásia afirmou que ele apanhava “borboletas e jacintas
54
[libélulas]” . Beatriz White, falando dessa paixão que deixava Moss dividido entre suas
atividades como religioso e cientista, disse na sua entrevista que: “Ele tinha muito mais
interesse nas borboletas...” 55. Só para termos uma ideia da sua paixão pelos insetos, Moss
deixou para o Museu de História Natural de Londres uma coleção de mariposas e
borboletas com 25 000 exemplares56.

Isso nos leva a imaginar que Moss, imbuído desse espírito científico, teve grandes
dificuldades com a religiosidade amazônica, embora não encontremos nenhum comentário
52
“The clergy are officers in a imperial army, full of the Imperial spirit” e, ainda, “not merely of the empire
of England, but of something still greater, the empire of Christ”.
53
Moss, Arthur Miles. Water-colour drawings of Orchids from Para Brazil. 1915.
54
Entrevista com Maria de Nazareth Neves Jorge João e Tomásia dos Santos Cavalcanti, realizada em 19 de
maio de 2010.
55
Entrevista com Beatriz White, realizada em 06 de maio de 2010.
56
Encontramos essa referência no seguinte endereço na Internet: <http://www.nhm.ac.uk/nature-
online/online-exhibitions/art-themes/northamerica/more/moss_more_info.htm > Acesso em maio, 2010.
41

sobre isso nos seus relatórios. Na verdade, como já dissemos, é impossível descobrir os
seus pensamentos através dos escritos que temos, precisamos procurar entendê-lo mais por
aquilo que não diz. Na confecção dos seus relatórios, falou mais alto o pesquisador de
descrições precisas, a concisão britânica, o homem reservado. Tomemos como exemplo a
manifestações do catolicismo popular mais importante da região Amazônica, o Círio de
Nazaré, inclusive apontado como um dos elementos de identidade do povo paraense
(PANTOJA, MAUÉS, 2008: 61). O escritor marajoara, Dalcídio Jurandir, tem um romance
ambientando no período em que Moss vivia em Belém, e ele coloca na boca de um dos
seus personagens, um alto funcionário da Alfândega, a seguinte frase: “Mais que o Natal,
o Ano Bom e o São João, é o Círio em Belém” (JURANDIR, 2004: 404). Todavia, nos
relatórios de Moss existe uma única e lacônica menção ao Círio, ele diz apenas que no dia
10 de outubro de 1915, a celebração do domingo foi suspensa por causa da procissão de
Nazaré57.

Outra faceta de Moss era o seu talento musical, organista e compositor, imprimiu essa
marca também no seu ministério na Paróquia de Santa Maria. Uma de suas mais
importantes realizações foi a aquisição de um órgão de tubos para a comunidade, do qual
ele acompanhou as etapas de fabricação e seu acondicionamento para ser enviado ao
Brasil. Ele mesmo fez questão de deixar registrado: “depois de ter visto o órgão em várias
fases da sua construção na fábrica dos Srs. Rushworth e Dreaper, de ter ajudado a
desmontá-lo no dia 21 de setembro e organizado o seu envio ao Pará, eu deixei Liverpool
[sua cidade natal] ...” 58.

Seu nome aparece em relações de autores e organistas na Internet. Algumas das suas obras
são citadas em sites especializados. Tudo isso explica porque ele se esforçou por realizar
recitais na Paróquia de Santa Maria. O primeiro aconteceu no dia 28 de dezembro de 1913,
com a consagração do novo órgão de tubos59. Beatriz lembrou que ele “tocava e [parecia
que] dançava (...). Naquele órgão... Com aquelas vestes bem folgadas (...). E o pé... Meu
Deus! (...)” 60.

57
Relatórios de Arthur Miles Moss.
58
“Having seen the organ at different periods of its construction in Messrs Rushworth & Dreaper’s factory
and having assisted in taking it to pieces on Sept. 21 & made all arrangements for its shipment to Pará I left
Liverpool…” (Relatórios de Arthur Miles Moss).
59
Relatórios de Arthur Miles Moss.
60
Entrevista com Beatriz White, realizada em 06 de maio de 2010.
42

2.2. Pará Anglican Church.

Como afirmamos anteriormente, os ingleses devem ter começado a estabelecer sua colônia
na cidade de Belém dentro de todo o processo da vinda da corte portuguesa para o Brasil,
em 1808, fugindo do exército francês que se encontravam nas cercanias de Lisboa.
Sabemos com certeza que já em 1815 havia um número expressivo de britânicos na capital
do Estado do Pará, a tal ponto de sentirem a necessidade de uma área para enterrar seus
mortos. Solicitação atendida pelo Senado da Câmara do Pará, concedendo o terreno para o
cemitério britânico, na atual Avenida Serzedelo Corrêa.

Mas, o campo-santo não era a única reivindicação da colônia, através dos relatórios de
Arthur Moss tomamos conhecimento que desde muito tempo existia o anseio da presença
de um clérigo anglicano que pudesse assistir aos falantes de língua inglesa residentes na
capital. Moss relata que na noite do dia 28 de janeiro, debaixo de uma forte chuva, um
pequeno número de pessoas compareceu para a terceira Assembleia Geral da recém criada
Pará Anglican Church. Durante a reunião, o Cônsul Britânico, Mr. Geo. B. Mitchell, como
secretário e tesoureiro, “falou e fez um resumo interessante da história do terreno do nosso
cemitério e os projetos previstos da construção de uma igreja neste terreno e a iniciação
de uma capelania desde 1854” 61.

Novamente nos deparamos com um aspecto peculiar do anglicanismo, nesse resumo não
consta nenhuma menção aà presença anterior de qualquer clérigo anglicano na região. Na
verdade, pela maneira como a história é contada parece que a concretização dessa
solicitação acontece com a vinda do Rev. Arthur Moss. Sugere total desconhecimento
sobre os dois anos em que um clérigo anglicano da Igreja Protestante Episcopal dos
Estados Unidos, chamado Richard Holden, esteve atuando no Pará. Embora curta, a
atuação de Holden pode ser considerada muito marcante, para ser tão facilmente esquecida.

Richard Holden foi o primeiro reverendo anglicano que realizou um trabalho voltado para
os brasileiros, estamos aqui, portanto, na área do protestantismo de missão. Ele nasceu na
Escócia em 1828 e estudou teologia no Seminário da Diocese de Ohio, nos EUA, onde se
ofereceu para vir ao Brasil. Em 1860 aportou em Belém enviado pelo Conselho de Missões
Episcopais dos Estados Unidos e pela Sociedade Bíblica Americana.

61
“(...) made his statement and gave an interesting resumes of the early history of our cemetery ground & the
contemplated projects of building a church on it & start a chaplaincy as far back as the year 1854”.
Relatórios de Arthur Miles Moss.
43

O espírito polemista de Holden, seu confronto com as autoridades católicas romanas, e


uma dose de preconceito com o povo brasileiro, foram os prováveis motivos do insucesso
de sua atividade. Isso fez com que ele se retirasse da cidade em maio de 1862, para tentar
uma nova empreitada na Bahia.

Ora, o fato de Holden ser totalmente ignorado nessa breve narrativa não deve ser
considerado apenas um lapso, ou falta de conhecimento do cônsul britânico. Estamos
diante novamente da ótica de uma Igreja estatal: “uma nação, uma Igreja”. O
reconhecimento das Igrejas Anglicanas que alcançavam sua autonomia nas antigas colônias
britânicas pela Igreja da Inglaterra demandou um longo e doloroso processo, até hoje
existem questões não resolvidas. Assim também a questão referente aos missionários
estadunidenses que atuavam no sul do país quando da chegada de Arthur Miles Moss, o
Brasil era tecnicamente uma jurisdição da Igreja Protestante Episcopal dos Estados Unidos
desde 1890. Eles nunca foram consultados acerca da implantação do anglicanismo em
Belém e, nem sequer, mencionados num único parágrafo por Arthur Moss. Para a Igreja da
Inglaterra, e mais especificamente para a capelania para as Ilhas Falklands e América do
Sul, eles simplesmente não existiam.

Não podemos esquecer o etnocentrismo britânico, que os colocava numa condição de


superioridade, acreditando que o “seu protótipo britânico” significava o ponto culminante
da civilização e deveria ser seguido pelos outros povos. No próximo capítulo falaremos
mais sobre a crise gerada pela vinda dos missionários norte-americanos para assumir a
Paróquia de Santa Maria. Mas, no momento é suficiente mencionarmos que muitos
barbadianos deixaram de frequentar a comunidade por não aceitarem os pastores
estadunidenses. Gregory Sanches lembra que sua avó dizia: “Não vou comungar com
americano” 62.

Depois de três anos na função de capelão em Lima no Peru, Moss resolve excursionar pelo
Brasil em 1911. Não sabemos as razões que o levaram a tomar essa decisão, mas o certo é
que depois de conseguir o apoio e os recursos financeiros necessários para sua empreitada,
Moss volta definitivamente para Belém na Páscoa, no dia 08 de abril de 1912.
Imediatamente após firmar os pés em terra, anuncia seu projeto de construir um pequeno
templo anglicano na área onde funcionava o cemitério para a comunidade britânica e com
esse propósito convoca uma reunião geral no Pará Clube, em 15 de maio, a qual foi

62
Entrevista com Gregory Sanches, realizada em 17 de maio de 2010.
44

presidida pelo Cônsul Britânico G. Ambrose Pegson, apoiado pelo Cônsul dos Estados
Unidos, George Pickerell.

Depois de uma discussão geral sobre a iniciativa, foi feito um agradecimento ao Sr. John
McClura pelos passos iniciais tomados juntamente com o Rev. Arthur Moss. Eles haviam
examinando o terreno e preparador o projeto para uma capela provisória de madeira
revestida de chapas de fibra de cimento. Em seguida foi eleita uma comissão para
administrar o terreno do Governo Britânico que, por determinação da assembleia, deveria
sempre incluir o Cônsul Britânico, o Bispo Anglicano e o Capelão63.

A construção do templo da Pará Anglican Church foi iniciada no dia 16 de agosto de 1912,
dia da Bem Aventurada Virgem Maria, origem do nome da Paróquia. No dia 02 de
setembro, em meio a um pequeno oficio religioso realizado pelo Padre Moss, com a
presença de 27 pessoas, foi lançada a pedra fundamental. Sua inauguração aconteceu em
30 de novembro do mesmo ano e foi noticiada nos principais jornais locais da época (A
Capital, Folha do Norte, O Estado do Pará) em artigos que, de uma maneira geral, eram
simpáticos a iniciativa, mas refletiam o desconhecimento sobre o anglicanismo:

“A inauguração que ontem se fez, de um templo onde será


cultuada a seita católico-anglicana, traduz perfeitamente os
nobres sentimentos de religião que animam a laboriosa e simpática
colônia inglesa, domiciliada entre nós, atendendo-se ao esforço
empregado pelos seus distintos membros, que tão depressa
formaram realidade a nobilitante ideia” (A Capital, 01/12/1912).

A consagração da paróquia vai acontecer num domingo, 10 de janeiro de 1913, com a


presença do bispo da Igreja da Inglaterra responsável pelas capelanias nas Ilhas Falklands e
América do Sul, Edward Francis Every na sua primeira visita episcopal ao Pará depois do
estabelecimento da capelania.

“Numa celebração especial de consagração às 10:00 horas do


Domingo, dia 19 de janeiro, o Bispo Every, com a ajuda de dois
guardiões, o Sr. Robinson e Sr. Ward, e eu, dedicou a nova Igreja
Anglicana do Pará ao nome de Santa Maria, e fez um discurso
apropriado, se mostrando bastante contente com o passo inicial
63
Relatórios de Arthur Miles Moss.
45

que foi dado. De fato, ele comentou que a velocidade com qual a
Igreja foi construída e ocorreu o pagamento da transferência da
terra do governo britânico para uma comissão representando a
comunidade britânica local, foi um recorde nos seus 10 anos de
episcopado na América Latina. A celebração foi curta, bonita e
alegre com umas 80 pessoas presentes e cerca de 5 rapazes
formaram o coral e coordenaram os salmos e hinos” 64.

Poderíamos detalhar nesta parte as condições políticas do país durante o período da


capelania inglesa em Belém, dessa forma verificaríamos que Moss exerceu seu ministério
em condições bem favoráveis ao protestantismo. Tendo como marco dessa mudança de
cenário o golpe militar liderado pelo Marechal Deodoro da Fonseca, no dia 15 de
novembro de 1889, que pôs fim aà monarquia e estabeleceur o que costumamos chamar de
república. Esse acontecimento histórico influiu diretamente na diversidade religiosa do
país, pois juntamente com sua implantação vai ocorrer a separação oficial entre Igreja e
Estado. O princípio da separação entre religião e Estado aparece na Constituição
promulgada em 1891. Apesar das brechas jurídicas criadas com o Tratado do Comércio e
Navegação e a primeira Constituição do Império, até então o Catolicismo Romano
permanecia como religião oficial e gozava de diversos privilégios. É preciso dizer que essa
relação entre os governos e a Igreja Católica Romana, apesar de definido
constitucionalmente, na prática nunca foi devidamente clarificado, e os sucessivos
governos têem sempre favorecido de uma forma ou de outra os esforços católicos romanos
na obtenção de privilégios estatais.

Posteriormente deveríamos ainda considerar a Revolução de 1930, o movimento armado


que pôs fim a República Velha. Arthur Moss, nas suas palavras sempre concisas faz uma
breve referência, de forma negativa, ao movimento no Pará: “Revolução, como uma
65
desordem contagiosa, se espalha da capital” e queixasse de seis mortes “covardes” que
aconteceram na noite do domingo 05 de outubro66. É importante ressaltar esse
64
“At a special service of consecration at 10 am on Sunday Jan 19th Bishop Every supported by two church
wardens Mr. Robinson & Mr. Ward & myself dedicated the new Pará Anglican church in the name of St.
Mary and gave an appropriate address, expressing himself well pleased with the start that had been made.
Indeed he stated that the speed with which the church had been built & fully paid for the land transferred
from the British Government to a committee representing the local British community, constituted a unique
record in his 10 years’s episcopate in S. America. The service was short brigh and hearty with some 80
persons present and 5 young men to form the choir and lead the psalms and hymns”. Relatórios de Arthur
Miles Moss.
65
“Revolution, as a contagious disorder spreads from the capital...” (Relatórios Arthur Miles Moss).
66
Relatórios de Arthur Miles Moss.
46

acontecimento porque “após a Revolução de 1930, diante de novas articulações políticas


e eclesiásticas com o catolicismo, os protestantes se apressaram em contatar com o novo
governo, liderado por Getúlio Vargas, reafirmando o princípio da liberdade religiosa e a
separação do Estado e instituições religiosas” (SILVA, 2008: 01). Nesse período, por
exemplo, os protestantes conseguiram se articular e fundar a Federação de Igrejas
Evangélicas do Brasil, e logo depois a Confederação Evangélica do Brasil, com o claro
objetivo de preservar a liberdade religiosa frente ao catolicismo e de se fortalecerem no
cenário religioso nacional.

Contudo é preciso dizer que essas questões não atingiam diretamente a Pará Anglican
Church, que permanecia blindada para a cultura e para as ações do governo local, suas
repercussões só seriam sentidas de forma indireta. Muito mais determinante para a
Paróquia de Santa Maria foram as questões econômicas que afetaram a vida da
comunidade inglesa. O que fez a pujança da colônia inglesa foi o desenvolvimento
econômico da região alavancado pela produção do látex. Provavelmente foi isso que atraiu
Moss quando excursionou pelo país em 1911. Ele não imaginava que as sementes da
Amazônia seriam contrabandeadas pelos próprios ingleses para a Malásia, Ceilão e África,
e as novas plantações acabariam derrubando o monopólio brasileiro. Moss aporta em
Belém justamente no fim do período áureo da borracha, no final da “Belle Époque
Amazônica”. Depois ele será testemunha da decadência e da grande depressão na região
que vai levar a desagregação econômica. O bispo Edward Francis Every vai registrar essa
situação no seu livro: “A depressão comercial no Norte do Brasil é pior do que em
qualquer outra parte, e, devido à diminuição da nossa colônia e do empobrecimento dos
67
poucos que restam, a posição da nossa igreja no Pará é nada menos do que desastrosa”
(1933: 144).

A situação econômica, com a sua influência negativa sobre os imigrantes ingleses, explica
a afirmação de Beatriz White, falando sobre a importância dos barbadianos para
manutenção da Igreja Anglicana em Belém: “Os ingleses frequentavam. Mas depois, os
ingleses se afastaram. E quem sustentou mesmo as portas abertas foram os
barbadianos” 68. Os ingleses que tiveram condições foram em busca de alternativa para os
seus negócios, pouquíssimos se estabeleceram definitivamente. Realidade bem diferente
67
“The commercial depression in the North Brazil is even worse than elsewhere and, owing to the diminution
of our colony and the impoverishment of the few who are left, the position of our church in Pará is nothing
short of disastrous”.
68
Entrevista com Beatriz White, realizada em 06 de maio de 2010.
47

dos barbadianos que aqui constituíram famílias e fizeram sua carreira profissional.

Como consideramos até agora, a Pará Anglican Church não tinha atividades voltadas para
brasileiros, mas sim especificamente para os imigrantes de língua inglesa. Um trabalho que
identificamos como capelania, uma prestação de atendimento religioso. Somente com a
chegada dos missionários estadunidenses é que a situação vai mudar. O bispo Egmont
Machado Krischke, da Diocese Meridional, com sede em Porto Alegre, numa viagem de
retorno dos Estados Unidos para o Brasil, teve que fazer uma escala em Belém devido a
problemas na aeronave. Enquanto aguardava a substituição do motor do avião, o bispo
ficou hospedado na casa do Rev. Leslie Delbert Ross Hallet, missionário norte-americano,
e participou de uma celebração na Paróquia de Santa Maria. Krischke escreve no seu
Diário, no dia 02 de outubro de 1957: “À noite, na Igreja Anglicana local, falei a
69
congregação brasileira que ali se está formando” Só com a atuação dos missionários
enviados pela Diocese Central, com sede no Rio de Janeiro, o anglicanismo vai ser
apresentado aos brasileiros em Belém.

Depois do retorno do Padre Moss para a Inglaterra, em 1945, a comunidade ficou sem
clérigo, os próprios leigos se encarregavam de organizar atividades sociais e celebrações.
Algumas vezes o espaço físico da paróquia era cedido para outras Igrejas cristãs, nestes
momentos os membros participavam ativamente, apesar das diferenças de práticas.
Novamente nos valemos das informações fornecidas por Beatriz White para referendar
essa conclusão: “Não havia comunhão. A igreja se abria, se reunia, se cantava, mas
depois que o padre Moss foi, essa igreja abria para as outras igrejas fazerem o culto aqui.
(...) Mas depois, não tinha mais ninguém para fazer nada. Parou, parou mesmo” 70.

69
Egmont Machado Krischke. Diário Episcopal 1955-1962, pag. 145.
70
Entrevista com Beatriz White, realizada em 06 de maio de 2010.
48

Capítulo III.

1 – Capelania Anglicana: Religião e Identidade Cultural.


Novamente gostaríamos de chamar a atenção para o cuidado que devemos ter ao
trabalharmos com a metodologia da história oral temática, de lidarmos com a memória. O
jornalista Zuenir Ventura, citado por Maria Jandyra Cavalcanti Cunha, diz que à distância
“os fatos só existem como versões ‘e a versão não deixa de ser uma forma de ficção’”
(2007: 18).

Todavia é justamente essa memória, e parte dela apenas coletiva, pois um dos entrevistados
não estava presente aos acontecimentos, mas adquiriu a memória a partir do seu grupo
familiar, juntamente com os documentos disponíveis que vai nos levar inevitavelmente a
conclusão de que o anglicanismo, entre 1912 e 1945, em Belém, capital do Pará, serviu
como um de instrumento de preservação da identidade da primeira geração de imigrantes
de fala inglesa71 e permitiu as gerações seguintes vivenciar sua redefinição identitária sem
esquecer a origem de seus antepassados.

Peter Berger afirma que a sociedade é parte da cultura não material, “um empreendimento
de construção do mundo” (1985: 15) e, dentro dessa empresa humana, a religião ocupa um
lugar de destaque, pois ela estabelece um cosmos sagrado, atribuindo significado último a
sociedade, pondo a existência em ordem. Então, para os imigrantes, manter sua identidade
cultural significava sustentar um mundo significativo, evitar o caos da “anomia”.
Especialmente para uma nação que aceitava a ideia de que havia recebido por parte da
divindade a “concessão de privilégios espirituais” (HILL, 2003: 138). Nada mais natural,
portanto, que uma família do cristianismo gestada na cultura anglo-saxônica fosse utilizada
para manutenção da identidade inglesa e para conservação das relações com os povos
colonizados.

Isso torna fácil para nós a compreensão da afirmação de Antônio Gouvêa Mendonça, no
seu clássico livro sobre o protestantismo no Brasil, “O Celeste Porvir”: “Os anglicanos e
alemães foram sempre nesse período comunidades fechadas que não tiveram origem
missionária, mas se constituíam em capelanias de assistência religiosa aos imigrantes”
71
Não vamos avançar na questão, todavia falar de identidade britânica, ou inglesa, é algo complicado. A Grã-
Bretanha não “caiu pronta do céu”, mas a sociedade que se constituiu lá foi fruto de “uma série de
conquistas, invasões e colonizações” (Hill, 2003: 60).
49

(2008:45). A base sobre a qual se assentava o denominado protestantismo de imigração,


consequentemente a Pará Anglican Church, era a manutenção de sentido do mundo que
para o imigrante representava também sua identidade étnica72. Em termos psicológicos,
entendemos que essa identidade produz um sentido de ordem, “nomia” na vida do
indivíduo. Qualquer abertura para a cultura local representava uma ameaça a essa
identidade.

Porém, precisamos deixar claro que sabemos pouco sobre os descendentes dos ingleses,
daqueles que, ainda numa visão irônica da ficção, devoravam “queijo bichado, abacate
com azeite e vinagre, e a alface crua, sem tempero, como um boi come capim” (SOUZA,
2006: 68). Como mencionamos anteriormente, não foram muitos os que permaneceram no
Pará e constituíram famílias. Mesmo assim, aqueles que permaneceram não continuaram a
frequentar a Pará Anglican Church. Por isso, nosso trabalho está alicerçado no testemunho
dos caribenhos que como disse Beatriz White, numa frase já citada acima: “Mas depois, os
ingleses se afastaram. E quem sustentou mesmo as portas abertas foram os
barbadianos” 73.

Os imigrantes caribenhos chegaram aqui trazidos pela esperança de encontrar uma situação
de vida melhor – a região do Caribe inglês estava imersa numa crise tremenda, devido à
queda do preço do açúcar. Como mencionou o Gregory na sua entrevista falando sobre a
razão do seu avô ter vindo para o Pará: “Ele veio trabalhar nas estradas de ferro... E
também tava passando por grande recessão, não só a colônia de Barbados, como a
74
Inglaterra” . A Amazônia experimentava o apogeu da economia do látex, estava em
plena Belle Époque. As grandes capitais da região tornaram-se palco de investimentos
estrangeiros, especialmente no comércio e nos serviços urbanos, um novo Eldorado. “As
condições particulares em que se realizou a Belle Époque na Amazônia apontam para um
período em que cidades como Manaus e Belém davam provas evidentes de bem estar,
prosperidade e conforto doméstico. O crescimento das duas capitais é sem dúvida
emblemático do progresso e da ação controladora do empreendimento civilizador sobre a
floresta, como sugeriam ou espelhavam os suntuosos edifícios-monumentos, os jardins
públicos, as avenidas e o casario renovado” (DAOU, 2000 : 39).
72
Entendemos identidade aqui como definida por Maria Cunha: “termo que tem sido tradicionalmente usado
para descrever ou interpretar o indivíduo, tal como ele se revela e se conhece ou como ele se vê
representado em sua própria consciência” (CUNHA, 2007: 34). Embora, ressaltemos que esse conceito
tradicional tem sofrido profundas transformações diante da globalização nas sociedades contemporâneas.
73
Idem.
74
Entrevista com Gregory Sanches, realizada em 17 de maio de 2010.
50

Nesse período a Paróquia de Santa Maria era identificada como o “lugar da colônia”
(LIMA, 2008: 36), o lugar da “concentração” (LIMA, 2008: 118) dos imigrantes, onde se
celebravam as festas comemorativas inglesas e os ritos religiosos anglicanos. A Paróquia
era frequentada principalmente pelos barbadianos, Gregory mantém em sua memória a
predominância dessa audiência: “Mas, em fim, a igreja era frequentada mais por negros.
Que eu me lembre, a igreja era frequentada mais por negros. As senhoras usavam uns
75
chapelões, os homens de terno...” Roseane Lima afirma que a pertença a Igreja
Anglicana era um elemento de definição identitária, ao definir o termo “barbadiano”
utilizado indiscriminadamente para todos oriundos do Caribe Inglês, ela diz que os traços
distintivos desses eram: “o negro que é estrangeiro, falante do inglês e, ainda, anglicano”
(2006: 14).

Os eventos e festas promovidos pela Paróquia eram sempre patrocinados pelo Consulado,
pelas companhias e famílias britânicas estabelecidas na cidade. Ressaltando que, não
apenas o patrocínio, mas principalmente a coordenação desses momentos estava sempre
nas mãos dos ingleses. Novamente utilizamos o depoimento crítico da Beatriz: “Mas nós
não fazíamos nada, era só elas [as senhoras inglesas] que serviam a gente (...). Mas tudo
isto era uma maneira de conseguir conservar esse povo ao lado... Interesse eles tinham”
76
. Era preciso evitar que as coisas saíssem do controle, que fossem maculadas pela cultura
e religião locais.

E nesse ponto os caribenhos também representavam um perigo para mentalidade anglo-


saxônica. Embora, em maior ou menor grau, tivessem interiorizado a disciplina social do
colonizador, não podemos esquecer que eles haviam sofrido sucessivas diásporas77.
Primeiro tinham sido deportados da África para as Antilhas e, depois, forçados pela crise
econômica, aportaram nas praias brasileiras. A cidadania inglesa que alguns gostavam de
ostentar era “uma nacionalidade auferida através de um estatuto colonial” (LIMA, 2006:
152). Impossível determinar até que ponto a África permanecia como um substrato cultural
na vida dessa gente.

Além do fato já destacado que todas as coisas na Paróquia de Santa Maria estavam
diretamente sob o controle do Rev. Arthur Moss, o super pároco, encontramos ainda outros

75
Entrevista com Gregory Sanches, realizada em 17 de maio de 2010
76
Entrevista com Beatriz White, realizada em 06 de maio de 2010.
77
Essa idéia das sucessivas diásporas, nós tomamos emprestada de Start Hall numa citação de Maria Lima
(2006: 152).
51

indícios de que o comando da comunidade estava inteiramente entregue aos ingleses. Para
isso é suficiente olharmos os nomes presentes nas listas de doações e daqueles que
assumem posição de liderança, são todos de famílias brancas e inglesas, quando muito
aparece o nome do cônsul dos Estados Unidos.

As festas possuíam uma função importante na manutenção dessa identidade, sempre


realizadas conforme os hábitos ingleses nas suas datas comemorativas. Beatriz veio até
nossa entrevista trazendo na bolsa uma caneca que celebrava a coroação do Rei Jorge VI e
da Rainha Elizabeth, em 1937. Ela disse que quando tinha coroação, ou outra data
significativa, às famílias barbadianas que frequentavam a comunidade anglicana recebiam
canecas e cartazes com as fotos dos homenageados, símbolo da autoridade e do poder
britânico. Diz ela: “Quando tinha coroação... (...) cada família aqui recebia uma caneca...
Às vezes não era nem uma... Recebia umas duas canecas dessas... Eles distribuíam e a
[gente] guardava...” 78.

No DVD comemorativo dos 50 anos do livro de Vicente Salles, Cléa Simões nos presenteia
com a interpretação de uma das canções que eram cantadas entre os caribenhos nas festas
da Pará Anglican Church: “bessie down, bessie down, for the sake of the pumpkin, bessie
down” 79. Essa era uma canção originalmente utilizada antes de casamentos no Caribe, com
conotações sexuais, mas depois, mudando um pouco a letra, se transformou numa espécie
de cantiga de roda para crianças. Como Cléa mesma explica, era realizado um concurso
com as crianças para ver quem dançava melhor o bessie down.

“Você tem que por as mãos nas cadeiras, cantando o bessie down,
e rebolando até o chão sem tirar as mãos da cintura e, depois,
esfregar o bumbum no chão e ficar esperando ser convidada para
o bessie up, que era para levantar, e aí você vinha rebolando até
ficar de pé. Quem agüentasse mais é que ganhava o presente, o
premiozinho, né? Coisinha, boneco” 80.

Também Beatriz conta que os ingleses costumavam levar as crianças barbadianas para uma
espécie de passeio, “um dia de lazer” 81, no bosque Rodrigues Alves, em Belém. O bosque
é uma área preservada da floresta Amazônica bem no meio da capital paraense, criado em
78
Entrevista com Beatriz White, realizada em 06 de maio de 2010.
79
O Negro no Pará – Cinco Décadas Depois.
80
Idem.
81
Entrevista com Beatriz White, realizada em 06 de maio de 2010.
52

1883, ao estilo do Bois de Bologne, em Paris. Lá os descendentes dos caribenhos


participavam de brincadeiras diversas: mordida na maçã pendurada num fio, corrida de
saco, dança do bessie down. Ganhavam pequenos presentes, especialmente saquinhos com
doces. E, não podemos deixar de mencionar, nesses dias de lazer era costume se reservar
um momento para cantar o hino da Grã-Bretanha. Entre uma diversão e outra, num pedaço
preservado da floresta tropical, embaixo de castanheiras e samaumeiras, as crianças
entoavam alegremente: “God save our gracious Queen,/ Long live our noble Queen,/ God
save the Queen:/ Send her victorious, /Happy and glorious,/ Long to reign over us:/ God
save the Queen” 82.

Aproveitamos a menção ao hino inglês para já tratarmos de outro assunto intimamente


relacionado com o anterior. Maria Lima, a partir de uma citação do antropólogo Fredrik
Barth, conclui que a língua é “um dos sinais manifestos da identidade étnica, isto é, um
dos signos que as pessoas exibem para mostrar sua identidade, sobretudo em situações de
contato, interação social” (2006: 35). Poderíamos seguir adiante na nossa reflexão, não
parando apenas na questão da identidade étnica, mas tratar da relação que existe entre
linguagem e pensamento. Passando por Humboldt e Chomsky, podemos afirmar que
compreendemos o mundo ao nosso redor somente através da mediação da linguagem.
Como citamos no primeiro capítulo, “a vida cotidiana é sobretudo a vida com a
linguagem, e por meio dela, de que participo com meus semelhantes” (BERGER,
LUCKMANN, 2008: 57) . Ora, dentro dessa perspectiva a língua é um elemento
fundamental, por isso, em todas as ocasiões, na Pará Anglican Church se falava o inglês. O
inglês era a língua oficial. Beatriz afirma: “Inglês. Toda celebração [era em] inglês. A
celebração deixou de ser feita somente em inglês foi quando o Revdo. Hallett veio para
cá...” 83. Não é por acaso que o ensino da língua inglesa, e sua utilização com língua oficial
em muitos países, se difundiu tanto, está inegavelmente associado à expansão do império
britânico.

Nas celebrações, como nos informa Beatriz, era usado o Livro de Oração “de capa
preta” 84, uma referência ao “Book of Common Prayer” de 1662, da Igreja da Inglaterra
que era utilizado nos ofícios da comunidade85. Também outra edição do mesmo Livro de
82
<http://pt.wikipedia.org/wiki/God_Save_the_Queen > Acesso em 13 de junho de 2010.
83
Entrevista com Beatriz White, realizada em 06 de maio de 2010. Observamos que o Rev. Leslie Delbert
Ross Hallett foi o primeiro missionário estadunidense a chegar na cidade de Belém, enviado por Louis
Chester Melcher, bispo da Diocese Central, com sede no Rio de Janeiro, em 1955.
84
Entrevista com Beatriz White, realizada em 06 de maio de 2010.
85
O primeiro Livro de Oração Comum foi utilizado em 1549, durante o reinado de Eduardo VI, na época em
53

Oração era utilizada com frequência, essa contendo a letra dos hinos, “Hymns Ancient &
Modern Standard Edition and The Book of Comum Prayer”. Grande parte desses livros era
conseguido através da SPCK (the Society for Promoting Christian Knowledge), uma das
mais antigas sociedades missionárias inglesas que tem como objetivo a divulgação de
literatura cristã.

Como vimos anteriormente, Arthur Moss, organista e compositor, trabalhava para repassar
para suas comunidades esse gosto pela música. Através de depoimentos de pessoas que
freqüentavam a Paróquia na época, sabemos também que ele utilizava outro livro de hinos
com partitura para que a congregação pudesse acompanhar apropriadamente, mas não
sabemos de que livro se trata. Muito provavelmente era o mesmo hinário, apenas numa
apresentação com as partituras. Nesta mesma lógica, a versão bíblica utilizada era a de
Kong James, também conhecida como “Authorized Version”, tradução inglesa realizada
durante o reinado de James I, publicada pela primeira vez em 1611. Ainda hoje algumas
expressões são usadas por alguns dos descendentes de caribenhos para se referir as
atividades paroquiais, como “service”, numa referência ao “culto”, ou “Office”,
designando o “ofício da palavra”.

Assim podemos entender melhor a preocupação do Rev. Arthur Moss destacada no seu
relatório de 1915, onde registra sua apreensão com a necessidade de criar uma escola de
inglês elementar para as crianças mais humildes da comunidade caribenha, pois muitas
delas não conseguiam mais ler ou escrever em inglês.

“Outra questão que eu gostaria de registrar é a evidente


necessidade que existe aqui de aulas de inglês elementar para
algumas das crianças mais humildes da nossa comunidade
caribenha. [...] Mas, eu recentemente comecei uma pequena escola
dominical na igreja com oito ou nove crianças participando e
descobri que várias delas não podem nem ler nem escrever” 86.

que o Duque de Somerset exercia o governo, e representou na época uma profunda reforma nos ritos da
Igreja. Na Igreja da Inglaterra o Livro de Oração oficial é o de 1662, existindo com autorização do
Parlamento livros alternativos. Na Comunhão Anglicana, com todo o processo mencionado anteriormente de
independência das colônias e a criação de Igrejas autônomas surgiram muitas versões do Livro de Oração
Comum. O Brasil, o LOC é uma tradução da versão estadunidense.
86
“One other matter I which to put on Record is the apparent need which exists here of elementary English
schooling for the humble children of some our West Indian community. (…) But I have recently started a
small Sunday school in church with some 8 or 9 children in attendance and find that several of them can read
nor write” (Relatórios de Arthur Miles Moss)..
54

Dessa forma, os frequentadores da Pará Anglican Church “ostentavam os referências


culturais ingleses” (LIMA, 2006: 25). Características que se evidenciavam em especial
nos negros caribenhos, pois eles deferiam muito dos outros negros que chegaram ao país
como mão-de-obra escrava. As mulheres com os seus chapéus87 ou o cabelo preso em
coque, as roupas muito engomadas, sapatos fechados (LIMA, 2006: 90), os homens em
ternos escuros impecáveis. Os nomes ingleses, “embora os mesmos acabassem sendo
aportuguesados” (LIMA, 2006: 35). Os homens eram trabalhadores especializados que
exerciam sua profissão nas companhias inglesas, engenheiros, contadores, advogados. As
mulheres, na sua maioria, se tornaram governantas ou domésticas muito requisitadas.
Falavam inglês em casa, alguns nunca aprenderam o português. Dalcídio Jurandir, no seu
romance já citado, para descrever a qualidade de vida das pessoas que residiam na Estrada
de Nazaré, escreve: “Defronte delas o caminhão de gelo parando na porta, e as
carrocinhas de leite e pão, o carvoeiro; e os caixeiros das melhores lojas com as finas
mercadorias, os carros de fonfom e modernos sons de buzina; as criadas barbadianas...”
(2004: 295). E, finalmente, tão complicado como os outros itens, eram de uma religião
desconhecida, eram anglicanos. No imaginário popular, como “coletou” do povo o escritor
Inglês de Sousa: “os ingleses não querem saber de santos, que adoram uma cabeça de
cavalo...” (SOUZA, 2006: 67). Imagino que eram realmente pessoas estranhas, não eram
daqui88.

2. Redefinições identitárias.
Não há a menor dúvida da importância da Pará Anglican Church para manutenção da
identidade britânica dos imigrantes, um instrumento de defesa da identidade grupal,
mesmo que essa fosse uma identidade conferida através de um estatuto colonial. Todavia,
por mais alto que fosse o muro em volta da Paróquia de Santa Maria, e realmente era alto89,
os imigrantes estavam imersos num outro contexto cultural, e ele acabaria se infiltrando na
comunidade de qualquer maneira. Como nos diz Frederico Lucena de Meneses: “o choque
87
Entrevista com Gregory Sanches, realizada em 17 de maio de 2010.
88
Obviamente tudo isso levou a deflagração de práticas racistas. Maria Roseane Lima desenvolve essa
questão na sua dissertação.
89
Questiono se esse elemento arquitetônico, “muro alto”, não seria também um signo da separação do grupo,
“ingleses” no solo brasileiro. Mas também me pergunto se isso não seria um resquício do Tratado do
Comércio e Navegação que, como vimos, estabelecia algumas restrições arquitetônicas aos templos
anglicanos. Nessa linha de argumentação surge também a questão da porta do templo que não se encontra na
frente, mas nos fundos. De certa forma já comentei sobre isso ao falar da influência do Tratado que perdura
até os dias de hoje no “jeito de ser” dos anglicanos brasileiros.
55

cultural é inevitável no processo migratório” (2007: 109)

Com a crise econômica os ingleses foram se retirando da região e do país, sua influência
foi declinando após 1912 até chegar ao final na segunda metade do século XX, quando as
companhias inglesas remanescentes fecham as suas portas ou são adquiridas por outras
empresas. Em 1945, Arthur Moss, retorna para Inglaterra, deixando um grande sentimento
de orfandade em muitos anglicanos. Moss havia sido o esteio central daquela comunidade,
não apenas como ministro de culto religioso, mas como uma figura que mantinha a
segurança identitária, que atribuía significado ao mundo, por isso muitos o enxergavam
como um “nobre”, um “super pároco”.

Com o desaparecimento dessa referência agregadora a Paróquia de Santa Maria vai aos
poucos restringindo suas atividades, chegando mesmo a passar longos períodos com as
portas fechadas. Na ausência do capelão os imigrantes de fala inglesa continuaram
realizando alguns eventos, principalmente festividades cívicas. Algumas denominações
cristãs utilizaram suas dependências para realização de seus ofícios religiosos. Como
testemunha Beatriz: “Era a luterana e era a outra, a metodista. Eu frequentava os cultos
(...). Eram os ingleses que vinham para cá também (...). Mas, geralmente vinham fazer
culto e essa igreja não fechou as portas e nós frequentávamos. Mas depois, não tinha mais
ninguém para fazer nada. Parou, parou mesmo” 90.

Os contrastes entre a cultura dos imigrantes e a cultura local eram enormes. As verdades
culturais de cada grupo étnico não eram compatíveis. Mas com o tempo, principalmente
entre os descendentes dos barbadianos, a identidade inglesa e caribenha foi dando lugar a
brasileira. Os mecanismos de defesa foram se abrindo e eles foram se adaptando a
realidade social em volta. Isso tudo catalisado pela ausência do colonizador anglo-saxão e
a perda do “lugar da colônia”. Beatriz representa essa transição de forma muito clara:
91
“Eles, os pais, eram da bandeira inglesa, mas nós não. [Éramos] brasileiros...” A
identidade inglesa, caribenha ou brasileira, como atesta Maria Lima, vai ser utilizada de
forma utilitária pelos descendentes, invocada dependendo das circunstâncias (2006: 108).
Então, os descendentes deixam de ser estranhos para a realidade local e passam a fazer
parte dessa trama enredada na região na construção de um “povo novo”.

Poderíamos apontar como um marco fundamental desse processo a chegada em Belém, em

90
Entrevista com Beatriz White, realizada em 06 de maio de 2010.
91
Idem.
56

1955, do primeiro missionário estadunidense, Rev. Leslie Delbert Ross Hallett, enviado
pelo bispo Louis Chester Melcher, da Diocese Central, com sé na capital do Rio de Janeiro,
que dará início a fase do protestantismo de missão no anglicanismo na Amazônia, com um
trabalho voltado para os brasileiros92.

Ora, não podemos supor que um processo como esse ocorresse sem resistência. E ela vai se
manifestar rapidamente e interferir diretamente no projeto missionário estadunidense. Por
um curto espaço de tempo o Hallett pôde utilizar o templo no terreno do Cemitério
Britânico para realização dos ofícios religiosos, que agora aconteciam nos dois idiomas,
português e inglês. Não se sabe bem a razão, Oswaldo Kickhöfel afirma que o motivo que
transparecia era o receio dos ingleses de perder a sua propriedade (1995: 212), mas em
seguida o missionário é expulso do local e passa a reunir a comunidade anglicana no salão
da casa paroquial, situada a Trav. Padre Eutiquio, 670. Também os documentos
consultados e as pessoas entrevistadas não fornecem indícios para sabermos exatamente
quando isto aconteceu, sabemos que em 1956, o bispo Melcher ainda confirmou sete
pessoas no templo da Paróquia de Santa Maria (KICKHÖFEL, 1995: 212) e, no ano
seguinte, bispo Krischke falou a congregação anglicana ali reunida 93. Todavia, na primeira
reunião da Comissão da Igreja Episcopal Brasileira, realizada já na época do Rev. Alton
Henry Stivers, datada de 26 de outubro de 1958, encontra-se registrado em ata que a
congregação já estava se reunindo no salão da casa paroquial e que foi vista a possibilidade
da abertura de fundos para aquisição e compra de um terreno para construção da “Igreja
local” 94. Ainda encontramos registrado em atas as conversações do Rev. Stivers com a
Comissão que regia a Pará Anglican Church95 na tentativa de resolver o impasse. A
comunidade havia optado pelo nome de São Marcos Evangelista, devido à data da
realização do primeiro ofício, 25 de abril – dia de São Marcos96. O próprio Kickhöfel
conclui que a questão era bem mais profunda, segundo ele a “maior dificuldade,
entretanto, residia na própria cultura inglesa...” (1995:113).

Nesse período, a Paróquia de Santa Maria vai se tornar, então, palco de tensões étnicas.
Alguns descendentes de barbadianos recusaram-se a participar da Igreja Episcopal do

92
Oswaldo Kickhöfel entende que o bispo Melcher enviou Hallett com o duplo propósito: “ministrar aos
ingleses e abrir um trabalho entre os brasileiros” (1995: 212).
93
KRISCHKE, Egmont Machado. Diário Episcopal 1955-1962...
94
Igreja Episcopal Brasileira de Belém – Livro das Minutas – Relatório da Primeira Reunião da Comissão da
Igreja Episcopal Brasileira – 26/11/1958.
95
Livro das Minutas... 14/12/1958.
96
Livro das Minutas... 11/01/1959.
57

Brasil e das celebrações realizadas pelo missionário norte-americano. Beatriz na sua


entrevista diz: “Engraçado a turma daqui nova, eu, Alice, fomos para lá [para a Igreja que
funcionava no salão da casa paroquial]. Mas, todos não acompanharam. (...) Eles eram
ingleses, não é?” 97. Com relação essa questão, Gregory vai ser bem mais explícito na
nossa conversa: “Agora uma coisa que eu gostaria de citar, que eu me lembro assim bem
de memória, é que como nós funcionávamos como Pará Anglican Church, não é? Igreja
Anglicana do Pará. A colônia era muito grande. Na medida em que começou a se falar em
entrar a Igreja dos Estados Unidos, que era Igreja Episcopal do Brasil, nós éramos
crianças ainda, e a gente escutava os murmurinhos, alguns não aceitavam. (...) Porque
naquela época também tinha um problema com os americanos. Os ingleses, os próprios
ingleses, pessoas que estavam aqui também, que eram de colônias inglesas, entendeu?
Tinham uma certa aversão aos americanos”98. Como nos referimos anteriormente,
Gregory nos diz que sua avó proclamava sem receio: “Não vou comungar com
americano” 99. Havia claramente uma facção que não conseguia entender nem digerir a
mudança geográfica do poder e da expressão anglo-saxônica, nem muito menos acreditar
que agora havia uma nova nação escolhida por Deus para levar a salvação ao mundo. Por
isso fechou seu mecanismo de defesa, aferrando-se as tradições coloniais britânicas, e
colocaram-se contra a Igreja Episcopal do Brasil, especialmente os mais velhos.

Outro grupo se colocava ao lado do projeto estadunidense, da Igreja Episcopal do Brasil,


pois já estavam num processo avançado de aculturação. A melhor representante desse
grupo é a Beatriz White, segundo depoimento do Gregory Sanches ela chegou a criar
problemas com os descendentes de barbadianos por causa disso: “(...) aí eu me lembro até
de comentários dentro de casa que a tia Beatriz brigava com as pessoas que chegavam e
falava inglês, queria que todo mundo falasse português. Entendeu? (...) Especialmente a
minha mãe. Ela dizia: ‘Falando inglês, nós somos brasileiros’! Com aquele jeitinho dela,
e nós tínhamos que falar português” 100.

A situação do patrimônio vai ser resolvida com a intervenção do sucessor de Melcher, D.


Edmund Knox Sherrill, que vai tratar a questão das capelanias diretamente, buscando
soluções específicas para cada situação particular. Assim o caso de Belém foi resolvido em
1959, com a entrega do trabalho de capelania e com um contrato de trinta anos cedendo o
97
Entrevista com Beatriz White, realizada em 06 de maio de 2010.
98
Entrevista com Gregory Sanches, realizada em 17 de maio de 2010.
99
Idem.
100
Idem.
58

uso do templo. Em 1960, o terreno é doado definitivamente para Igreja Episcopal do


Brasil. Mas a questão cultural, de forma aberta ou velada, permanece até o tempo presente.

Segundo Émile Durkheim todas as crenças religiosas supõem uma classificação das coisas
em profano e sagrado. Mircea Eliade na mesma linha de raciocínio escreve que para o
homem religioso existe “porções de espaço qualitativamente diferentes das outras. (...)
Há, portanto, um espaço sagrado, e por consequência ‘forte’, significativo, e há outros
espaços não-sagrados, e por consequência sem estrutura nem consistência, em suma,
amorfos” (ELIADE, 2008:25). Então, se isso é algo natural no homem religioso, podemos
entender como plenamente normal que esse embate étnico viesse a se manifestar dentro do
espaço sagrado. Então, percebemos que ele foi entendido como sagrado não apenas por
provocar um sentimento de fascinação diante do Mysterium Tremendum, na perspectiva de
Rudolf Otto, mas também por conservar elementos da identidade étnica dos membros mais
antigos da comunidade.

Devemos considerar aqui também a presença em todo processo de migração da constante


psicológica da perda. Como afirma Frederico Lucena de Menezes: “Seja qual for a razão
para a migração, bem ou mal sucedida há nela uma constante psicológica a ser lembrada:
a perda. Perde-se a referência territorial, os valores culturais e as pessoas conhecidas.
Perde-se também a identidade...” (2007: 120) Temos que reforçar aqui a ideia que viemos
tratando, que perdemos essencialmente as referências que atribuem significado a nossa
existência. E perda tem haver com a experiência da morte em vida, por isso os mecanismos
de defesa reagem para preservar o indivíduo e permitir um modo de vida no mundo. A
religião possui essa capacidade de atribuir significado ao mundo. Por isso é preciso
preservá-la, para nos proteger da perda, do sentimento de morte.

Não é por acaso que o templo da Paróquia de Santa Maria, Pará Anglican Church, mantém
até agora a sua estrutura original, com apenas uma alteração no seu telhado, onde foi
retirada uma pequena torre. É necessário dizer que ele se encontra no entorno do Cemitério
da Soledade, o único do Brasil tombado pelo Instituto Nacional de Patrimônio Histórico
(Iphan) e pelo Ministério Público Federal, desde 1964, por isso também a área não pode
ser descaracterizada. Porém, bem mais do que um assunto de patrimônio histórico, a
conservação do estilo original, referência ao período da capelania, encontra-se relacionado
com o exorcismo da anomia, com o afastamento do sentimento de morte, para “evitar o
perigo, a ansiedade e o desprazer” (CARUSO, 1989: 31). Houve uma tentativa de um
59

clérigo brasileiro no passado de mudar a posição da porta de entrada do templo, que fica
nos fundos da construção, e ele sofreu tão forte oposição que acabou desistindo da ideia.

Com os móveis e utensílios da Paróquia acontece a mesma coisa. Todavia existe uma
grande confusão quanto ao período nos quais os elementos foram incorporados ao
mobiliário. O altar é um exemplo típico dessa questão. Beatriz na sua entrevista reconhece
que o altar original era fixo na parede e o reverendo celebrava de costas para o povo, mas
ela não consegue determinar com precisão quando a mudança aconteceu, acredita que foi
ainda no pastorado de Arthur Moss101. Então, o atual altar teria sido colocado de forma
provisória, provavelmente na espera de uma doação. Resultado, a desengonçada estrutura
de madeira foi preservada e possui status de objeto sagrado na comunidade. A mesma coisa
acontece com uma estante de leitura em forma de águia. O exame realizado por um
restaurador demonstrou que o pé da estante é de uma madeira diferente do restante e foi
inserido em época posterior. Todavia, ninguém sabe ao certo a sua origem. Beatriz,
consultada posteriormente, disse apenas saber que ela já estava lá quando ela passou a ter
consciência das coisas da igreja102. Bem, então existiam aqueles que até hoje enxergam
esses elementos como “sagrados”, “intocáveis”, e outros que percebem sua temporalidade.
Beatriz representa bem esse segundo segmento e sua posição sobre o altar é bem
característica: “inclusive que esse nosso altar é um altar... Assim muito antigo, que já
devia até modificar” 103.

Todavia, precisamos dizer que apesar de todas as mudanças ocorridas durante o processo
de redefinição identitária que se impôs de forma irremediável, existindo inclusive alguns
descendentes que nesse movimento deixaram a própria Igreja Anglicana104, pois ela era
referencial de uma identidade que eles estavam abandonando, a relação da comunidade
com a cultura local permaneceu complicada. Embora para a terceira e quarta gerações os
referenciais caribenhos e britânicos seja apenas uma pálida memória do grupo familiar, o
espaço sagrado ainda é tratado com grande tabu.

Para compreender melhor isso gostaríamos de fazer referência a um pressuposto defendido


por Lauri Wirth, num artigo já citado em outras partes deste texto, de que na América
Latina tanto a cristianização empreendida pelo cristianismo latino quanto a evangelização
101
Entrevista com Beatriz White, realizada em 06 de maio de 2010.
102
Conversa por telefone com Beatriz White no dia 17 de junho de 2010.
103
Entrevista com Beatriz White, realizada em 06 de maio de 2010.
104
Maria Lima menciona, por exemplo, o caso de um dos filhos do casal Scantlebury, que deixou de se
anglicano “para casar na Igreja Católica, com sua mulher brasileira, com quem teve três filhos” (2006: 59).
60

dos protestantismos anglo-saxônicos tiveram como ponto em comum a desconsideração


pela cultura local105. Afinal, precisamos lembrar que o importante para o protestantismo de
imigração era a preservação do espaço cultural.

Apesar do final do período da capelania inglesa, os missionários norte-americanos ainda


estavam preocupados em incutir nas comunidades locais as virtudes fundamentais anglo-
saxônicas. Por isso, essa redefinição identitária ainda encontrava-se balizada por valores
exógenos. Isso transparece de forma explícita em algumas tentativas têm sido feitas ao
longo dos anos para concretizar uma maior aproximação entre a vida da igreja e a cultura
paraense, como a inclusão de músicas e ritmos locais, a utilização de cálices de cerâmica
com desenhos marajoaras, ornamentos com motivos regionais. Mas, essas propostas
representam apenas um apêndice nem sempre tolerado por todos. E, principalmente, não
mexem com a questão fundamental, que são os valores. A cultura local só encontra guarida
em determinados espaços considerados “profanos”, como nos pratos regionais presentes
nos dias festivos.

105
WIRTH, Lauri Emilio. Protestantismos Latino-Americanos entre o Imaginário Eurocêntrico e as
Culturas Locais. In Estudos de Religião, nº 34, junho de 2008.
61

Conclusão.

“Hoje pela manhã me dirigi para o riacho em cuja embocadura


passamos a noite, para visitar uma casa acima. Remamos no bote
pequeno ou ‘montaria’ – e que lindo que era! A natureza selvagem
em simplicidade virginal, estes bosque exóticos, ricos, variegados,
entrelaçavam-nos enquanto nós percorríamos nosso caminho
fluvial através de sua solidão, cujo silêncio era violado apenas
pelo barulho dos remos e pelo bater das asas grandes e pardas das
cigarras, enquanto esvoaçavam para lá e para cá por entre as
folhas compridas e largas da aninga” 106.

Encontramos o texto acima no diário de Richard Holden, primeiro missionário anglicano


que veio trabalhar com o povo das terras tupiniquins107, em 1860. Em diversas partes de
suas anotações ele deixa transparecer esse encantamento diante da exuberância da
natureza. Imaginamos que deve também ter sido esse o sentimento que tomou conta da
maioria dos imigrantes de fala inglesa que desembarcaram pouco depois na região
Amazônica.

Todavia, o referencial anglo-saxônico, mesmo que ele fosse resultado de uma instituição
colonial, num primeiro momento não permitiu aos imigrantes descobrir que para além da
grandiosidade da floresta existia uma rica sociedade sendo gestada. Na sua maioria, eles
estavam impermeáveis aà cultura local, procurando reproduzir aqui seus valores
civilizatórios. Nesse processo no qual os mecanismos de defesas foram aguçados para
permitir enfrentar a anormalidade da imigração, a religião, mais especificamente a Igreja
Anglicana, funcionou perfeitamente como um instrumento para tornar o mundo
humanamente significativo (BERGER: 1985: 41). Afinal, originariamente ela era uma
expressão de fé e prática resultante da cultura britânica, ser anglicano significava ser
inglês.

As gerações seguintes foram aos poucos imergindo na realidade local, já não se


enxergavam súditos do império britânico, a Grã-Bretanha e as ilhas do mar do Caribe
podiam até continuar como um quadro na parede, mas não doíam mais. Esse processo,
106
Diário de Richard Holden.
107
Com isso queremos dizer que foi o primeiro que veio trabalhar dentro da perspectiva do protestantismo de
missão.
62

facilitado pela decadência da presença inglesa e pelo protestantismo de missão, na


expressão estadunidense da Igreja Episcopal do Brasil, levou a uma redefinição identitária.
Expressa de maneira clara na entrevista com Beatriz: ““Eles, os pais, eram da bandeira
inglesa, mas nós não. [Éramos] brasileiros...” 108

Não podemos esquecer que os missionários estadunidenses que chegaram aqui depois
desse período também traziam consigo uma mentalidade anglo-saxônica. De alguma forma
isso foi estratégico para tornar o processo de aculturação menos abrupto, não se rompeu de
uma única vez com o passado. Porém, isso ainda hoje retarda a passagem para a nova
realidade étnica. Situação que se traduz de forma clara no saudosismo das orações em
inglês, na liturgia mais tradicional, na manutenção dos espaços sagrados.

Essa situação cria certa esquizofrenia cultural, pois o mesmo povo que gosta de cantar as
versões dos antigos hinos ingleses também se emociona durante o ofertório em que o grupo
de canto entoa os versos da música “Sabor Açaí” de um conhecido autor paraense, Nilson
Chaves: “Põe tapioca põe farinha d'água/ Põe açúcar não põe nada ou me bebe como um
suco/ Que eu sou muito mais que um fruto/ Sou sabor marajoara/ Sou sabor marajoara/
Sou sabor...” 109

São quase cem anos de história desde a implantação da Pará Anglican Church, fazer
conhecida a história dessa comunidade e dos seus membros, falantes do inglês ou do
português, cidadãos britânicos ou brasileiros, constitui uma importante contribuição para
compressão do cristianismo gestado na região, para além da visão da religião dominante.
De certa forma era esse o desejo de Moss, que tinha essa intenção ao deixar seus registros
na Paróquia de Santa Maria: “Eu posso somente expressar minha esperança que o livro de
relatórios será mantido seguro na igreja para referências futuras”110. Mas, essa história
não acaba aqui, muita coisa ainda está por acontecer. Fica a pergunta de qual será o
sentimento das futuras gerações diante do “lugar da colônia”? Isso não podemos prever...

108
Entrevista com Beatriz White, realizada em 06 de maio de 2010.
109
Á música “Sabor Açaí” é cantada algumas vezes durante o momento do ofertório no Rito Eucarístico.
110
Relatórios de Arthur Miles Moss.
63

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