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ELEGIBILIDADE E INELEGIBILIDADES
Belo Horizonte
CONHECIMENTO JURÍDICO
2018
É proibida a reprodução total ou parcial desta obra, por qualquer meio eletrônico,
inclusive por processos xerográficos, sem autorização expressa do Editor.
Conselho Editorial
Adilson Abreu Dallari Egon Bockmann Moreira Marcia Carla Pereira Ribeiro
Alécia Paolucci Nogueira Bicalho Emerson Gabardo Márcio Cammarosano
Alexandre Coutinho Pagliarini Fabrício Motta Marcos Ehrhardt Jr.
André Ramos Tavares Fernando Rossi Maria Sylvia Zanella Di Pietro
Carlos Ayres Britto Flávio Henrique Unes Pereira Ney José de Freitas
Carlos Mário da Silva Velloso Floriano de Azevedo Marques Neto Oswaldo Othon de Pontes Saraiva Filho
Cármen Lúcia Antunes Rocha Gustavo Justino de Oliveira Paulo Modesto
Cesar Augusto Guimarães Pereira Inês Virgínia Prado Soares Romeu Felipe Bacellar Filho
Clovis Beznos Jorge Ulisses Jacoby Fernandes Sérgio Guerra
Cristiana Fortini Juarez Freitas Walber de Moura Agra
Dinorá Adelaide Musetti Grotti Luciano Ferraz
Diogo de Figueiredo Moreira Neto Lúcio Delfino
CONHECIMENTO JURÍDICO
E37 Elegibilidade e inelegibilidades / Luiz Fux, Luiz Fernando Casagrande Pereira, Walber
de Moura Agra (Coord.); Luiz Eduardo Peccinin (Org.). – Belo Horizonte : Fórum, 2018.
555 p.
CDD 341.28
CDU 342.8
FUX, Luiz; PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande; AGRA, Walber de Moura (Coord.);
PECCININ, Luiz Eduardo (Org.). Elegibilidade e inelegibilidades. Belo Horizonte: Fórum, 2018.
555 p. (Tratado de Direito Eleitoral, v. 3.) ISBN 978-85-450-0498-1.
PARTE I
A ELEGIBILIDADE COMO DIREITO FUNDAMENTAL
CAPÍTULO 1
ANVERSO E REVERSO DAS RELAÇÕES DESENCONTRADAS ENTRE
ELEGIBILIDADE E MORALIDADE
JOSÉ ARMANDO PONTE DIAS JUNIOR...................................................................................... 17
1.1 Introdução................................................................................................................................... 17
1.2 Das relações entre moralidade e elegibilidade...................................................................... 18
1.3 Considerações finais ................................................................................................................. 30
Referências.................................................................................................................................. 31
CAPÍTULO 2
A ELEGIBILIDADE E SEUS IMPEDIMENTOS NO DIREITO COMPARADO E NOS
PACTOS INTERNACIONAIS
FREDERICO FRANCO ALVIM.......................................................................................................... 35
2.1 Introdução................................................................................................................................... 35
2.2 Elegibilidade: conceito e condições impostas no arranjo brasileiro................................... 37
2.3 Os direitos políticos negativos no arranjo brasileiro............................................................ 39
2.3.1 As causas de perda e suspensão de direitos políticos no Direito brasileiro..................... 40
2.3.2 As inelegibilidades no Direito brasileiro ............................................................................... 42
2.3.2.1 Espécies de inelegibilidades no arranjo nacional................................................................. 43
2.4 A elegibilidade e seus impedimentos nos pactos internacionais ...................................... 47
2.4.1 Declaração Universal dos Direitos Humanos........................................................................ 51
2.4.2 Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos............................................................. 51
2.4.3 Convenção Europeia de Direitos do Homem........................................................................ 52
2.4.4 Código de Boa Conduta em Matéria Eleitoral ...................................................................... 55
2.4.5 Convenção Americana de Direitos Humanos....................................................................... 56
2.5 A elegibilidade e seus impedimentos no Direito Comparado............................................ 60
2.5.1 A elegibilidade e seus impedimentos na Argentina............................................................ 60
2.5.2 A elegibilidade e seus impedimentos no México.................................................................. 66
2.5.3 A elegibilidade e seus impedimentos na Espanha............................................................... 71
2.5.4 A elegibilidade e seus impedimentos em Portugal.............................................................. 76
2.6 Conclusão.................................................................................................................................... 81
Referências.................................................................................................................................. 85
CAPÍTULO 4
A JUSFUNDAMENTALIDADE DO DIREITO A SER VOTADO: PROVOCAÇÕES
E REFLEXÕES ACERCA DAS INELEGIBILIDADES EM TEMPOS DE
“FICHA LIMPA”
LUIZ EDUARDO PECCININ............................................................................................................ 111
4.1 Considerações iniciais..............................................................................................................111
4.2 Teoria, prática e problemas do sistema de aferição das inelegibilidades em
tempos de “Ficha Limpa”....................................................................................................... 112
4.3 Inelegibilidade e novas perspectivas para a democracia brasileira................................. 118
4.4 Considerações finais................................................................................................................ 129
Referências................................................................................................................................ 130
PARTE II
CONDIÇÕES DE ELEGIBILIDADE
CAPÍTULO 1
O ALISTAMENTO ELEITORAL COMO CONDIÇÃO PARA O EXERCÍCIO
DA CIDADANIA
PETER PANUTTO, AGNESE CAROLINE CONCI MAGGIO................................................... 135
1.1 Introdução................................................................................................................................. 135
1.2 Princípio democrático.............................................................................................................. 135
1.3 Dos princípios constitucionais eleitorais.............................................................................. 136
1.4 Dos direitos políticos............................................................................................................... 138
1.4.1 Suspensão e perda dos direitos políticos............................................................................. 139
1.5 Alistamento eleitoral .............................................................................................................. 140
1.5.1 Alistamento eleitoral e cidadania ativa................................................................................ 140
1.5.2 Alistamento eleitoral, cidadania passiva e elegibilidade................................................... 142
1.5.3 A inelegibilidade e sua relação com o alistamento eleitoral............................................. 145
1.6 Conclusão.................................................................................................................................. 146
Referências................................................................................................................................ 146
CAPÍTULO 3
NACIONALIDADE, CIDADANIA E ELEIÇÃO DE ESTRANGEIRO
ANDREIVE RIBEIRO DE SOUSA................................................................................................... 163
3.1 Introdução................................................................................................................................. 163
3.2 A condição jurídica do estrangeiro....................................................................................... 164
3.3 A nacionalidade, a cidadania e o exercício dos direitos políticos por estrangeiros
no Brasil..................................................................................................................................... 165
3.3.1 A nacionalidade, seus modos de aquisição e perda........................................................... 166
3.3.2 A cidadania, suas espécies e modos de aquisição.............................................................. 169
3.3.3 O estrangeiro e os direitos políticos no Brasil: o direito de votar e ser votado.............. 169
3.4 Conclusão.................................................................................................................................. 172
Referências................................................................................................................................ 173
CAPÍTULO 4
A INCOMPATIBILIDADE DA AUTOAPLICABILIDADE DO ART. 15, III,
DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL COM A PLENITUDE DO GOZO DOS DIREITOS
POLÍTICOS: UMA RELEITURA HERMENÊUTICA DA JURISPRUDÊNCIA
ALEXANDRE DE CASTRO NOGUEIRA....................................................................................... 175
4.1 Introdução................................................................................................................................. 175
4.2 Da incidência do art. 15, III, da CF/88: norma constitucional de suspensão dos
direitos políticos na condenação criminal........................................................................... 177
4.2.1 Da impossibilidade de se autoaplicar o art. 15, III da CFRB/88: relendo a
jurisprudência........................................................................................................................... 179
4.3 A autoaplicabilidade do art. 15, III, e o desrespeito à necessidade de
fundamentação das decisões judiciais.................................................................................. 185
4.3.1 Breves considerações principiológicas sobre a impossibilidade de perda de
mandato eletivo sem previsão legal ..................................................................................... 187
4.3.2 A necessidade do uso do circulo hermenêutico para a superação de posições
voluntaristas: por um roteiro hermenêutico........................................................................ 189
4.4 Conclusão.................................................................................................................................. 192
Referências................................................................................................................................ 194
CAPÍTULO 6
A CANDIDATURA DO MILITAR A MANDATO ELETIVO
FERNANDO DE CASTRO FARIA................................................................................................... 221
6.1 Introdução................................................................................................................................. 221
6.2 Questões terminológicas relativas aos militares................................................................. 223
6.3 Inelegibilidades e condições de elegibilidade próprias dos militares............................. 224
6.4 Desincompatibilização: hipóteses e prazos......................................................................... 228
6.5 Considerações finais................................................................................................................ 231
Referências................................................................................................................................ 232
PARTE III
CONDIÇÕES DE “REGISTRABILIDADE”
CAPÍTULO 1
REQUISITOS DE REGISTRABILIDADE
WALBER DE MOURA AGRA........................................................................................................... 237
1.1 Introdução................................................................................................................................. 237
1.2 Condições de elegibilidade..................................................................................................... 239
1.3 Conceito de inelegibilidade.................................................................................................... 241
1.4 Requisitos de registrabilidade eleitorais.............................................................................. 243
1.5 Considerações finais................................................................................................................ 251
Referências................................................................................................................................ 252
CAPÍTULO 2
O DIREITO DE SER CANDIDATO E SUAS LIMITAÇÕES POR LEI ORDINÁRIA
CAETANO CUERVO LO PUMO, EVERSON ALVES DOS SANTOS..................................... 253
2.1 Introdução................................................................................................................................. 253
2.2 Direitos políticos...................................................................................................................... 254
2.3 As condições de elegibilidade e as causas de inelegibilidade no ordenamento
jurídico....................................................................................................................................... 257
2.4 Do registro de candidato......................................................................................................... 262
PARTE IV
INELEGIBILIDADES CONSTITUCIONAIS
CAPÍTULO 1
REELEIÇÃO NO PODER EXECUTIVO: VIABILIDADE DE SUA ADOÇÃO E
DESACERTO DE SUA APLICAÇÃO NO BRASIL
RAFAEL NAGIME............................................................................................................................... 275
1.1 Delimitação do tema................................................................................................................ 275
1.2 Eleição e reeleição..................................................................................................................... 275
1.3 Reeleição: inexistência de óbices para sua aplicação.......................................................... 277
1.4 Conclusões e perspectivas...................................................................................................... 282
Referências................................................................................................................................ 283
CAPÍTULO 2
A INELEGIBILIDADE DO CHEFE DO EXECUTIVO PARA OUTROS CARGOS,
DESINCOMPATIBILIZAÇÃO POR RENÚNCIA E IMPACTO SOBRE A
ELEGIBILIDADE DO VICE
EMMA ROBERTA PALÚ.................................................................................................................... 285
2.1 Introdução................................................................................................................................. 285
2.2 Princípios constitucionais eleitorais...................................................................................... 286
2.2.1 Princípio democrático e soberania popular......................................................................... 286
2.2.2 Princípio republicano.............................................................................................................. 287
2.2.3 Princípio da igualdade............................................................................................................ 288
2.2.3.1 Abusos de poder econômico, político e midiático.............................................................. 288
2.3 Inelegibilidade. Inata e cominada......................................................................................... 290
2.4 Reeleição e desincompatibilização. Necessidade do chefe do Executivo se
desincompatibilizar para postular cargo diverso............................................................... 291
2.4.1 Elegibilidade do vice em caso de renúncia do chefe do Executivo.................................. 293
2.4.2 Vedação do uso da máquina administrativa como forma de impulsionar a
campanha eleitoral. Desproporcionalidade entre o Executivo e o Legislativo.............. 294
2.5 Argentina: candidaturas testimoniales..................................................................................... 296
2.6 Conclusão.................................................................................................................................. 297
Referências................................................................................................................................ 298
CAPÍTULO 3
CASOS DE FAMÍLIA: UMA GENEALOGIA DA INELEGIBILIDADE REFLEXA POR
PARENTESCO NA JURISPRUDÊNCIA DO TSE
VOLGANE OLIVEIRA CARVALHO.............................................................................................. 299
3.1 Introdução................................................................................................................................. 299
3.2 O personalismo político no Brasil......................................................................................... 300
3.2.1 Família e eleições: uma tecitura antiga ................................................................................ 302
3.3 As inelegibilidades no Direito brasileiro.............................................................................. 305
CAPÍTULO 4
A PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA NO BRASIL CONTEMPORÂNEO: ASPECTOS
ELEITORAIS E CRIMINAIS
VIRGÍNIA AFONSO DE OLIVEIRA MORAIS DA ROCHA,
MATEUS SALLES BITTENCOURT................................................................................................. 321
4.1 Linhas introdutórias: a presunção de inocência como limitação ao poder de
punir e sua derrocada no Brasil atual................................................................................... 321
4.2 A relativização no âmbito eleitoral: Lei da Ficha Limpa................................................... 325
4.3 A relativização no âmbito criminal: execução provisória da pena.................................. 328
4.4 Hermenêutica constitucional e presunção de inocência: dos limites da atividade
interpretativa à prevenção contra a eleição de inimigos................................................... 330
4.5 Conclusões................................................................................................................................ 336
Referências................................................................................................................................ 337
PARTE V
INELEGIBILIDADES INFRACONSTITUCIONAIS
APÓS A “LEI DA FICHA LIMPA” (LC Nº 135/2010)
CAPÍTULO 1
A INELEGIBILIDADE PROCLAMADA POR ATORES NÃO JUDICIAIS
(OU A LEI DA “FICHA LIMPA” E SEUS EXCESSOS)
RODRIGO TOSTES DE ALENCAR MASCARENHAS.............................................................. 341
CAPÍTULO 2
INELEGIBILIDADES DECORRENTES DO ABUSO DE PODER: INTERPRETAÇÃO
RESTRITIVA E CONFORMAÇÃO JURISPRUDENCIAL SOBRE AS ALÍNEAS “D”
E “H” DO INCISO I, DO ART. 1º DA LC Nº 64/90
GUILHERME DE ABREU E SILVA.................................................................................................. 349
2.1 Introdução................................................................................................................................. 349
2.2 As espécies de abuso de poder.............................................................................................. 350
2.3 Inelegibilidade da alínea “d” do inciso i, do art. 1º da LC nº 64/90. Pontos
controversos e posição atual da jurisprudência.................................................................. 353
2.4 Inelegibilidade da alínea “h” do inciso i, do art. 1º da LC nº 64/90. Pontos
controversos e posição atual da jurisprudência.................................................................. 355
CAPÍTULO 3
A DESPROPORCIONAL ATUAÇÃO DA JUSTIÇA ELEITORAL QUANDO DA
DECLARAÇÃO DE INELEGIBILIDADES DECORRENTES DE DESAPROVAÇÃO DE
CONTAS: UMA BREVE ANÁLISE SOB A PERSPECTIVA DO DEVIDO PROCESSO
LEGAL E DO PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL
ORLANDO MOISÉS FISCHER PESSUTI...................................................................................... 369
3.1 Introdução................................................................................................................................. 369
3.2 Aspectos controvertidos do art. 1º, I, alínea “g”, da Lei Complementar nº 64/90:
uma análise acerca da verificação do elemento doloso...................................................... 371
3.3 O respeito ao devido processo legal e ao princípio do juiz natural no julgamento
da inelegibilidade decorrente da desaprovação de contas................................................ 377
3.4 A necessidade da concepção do “direito como integridade” na proteção
do ius honorum........................................................................................................................... 382
3.5 Conclusão.................................................................................................................................. 387
Referências................................................................................................................................ 387
CAPÍTULO 4
RENÚNCIA NA PENDÊNCIA DE PROCESSO DE CASSAÇÃO DE MANDATO
E AS INELEGIBILIDADES DECRETADAS PELO PODER LEGISLATIVO:
O PARADOXO DO ART. 1º, I, K, DA LEI COMPLEMENTAR Nº 64/90
RUBENS BEÇAK, LUÍS FELIPE CIRINO....................................................................................... 391
4.1 Introdução................................................................................................................................. 391
4.2 Inelegibilidade decorrente da perda do mandato decretada pelo Poder Legislativo... 392
4.3 A renúncia na pendência de processo cassatório............................................................... 396
4.4 Conclusão.................................................................................................................................. 400
Referências................................................................................................................................ 401
CAPÍTULO 5
INCONSTITUCIONALIDADE PARCIAL DA LC Nº 135/2010 – LEI DA FICHA LIMPA
PEDRO ROBERTO DECOMAIN..................................................................................................... 403
5.1 Introdução................................................................................................................................. 403
5.2 O artigo 1º, inciso I, letra “k”, da LC nº 64/90, na redação da LC nº 135/2010................. 404
CAPÍTULO 7
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA, INELEGIBILIDADE E A APLICAÇÃO DO
ART. 1º, I, “L” DA LEI COMPLEMENTAR Nº 64/1990 PELA JUSTIÇA ELEITORAL
DANIEL WUNDER HACHEM, LUZARDO FARIA..................................................................... 427
7.1 A Lei de Improbidade Administrativa como instrumento jurídico de combate à
corrupção no Brasil.................................................................................................................. 427
7.2 As espécies de ato de improbidade administrativa: enriquecimento ilícito,
prejuízo ao erário e violação a princípios............................................................................ 429
7.3 Os requisitos necessários para a configuração das espécies descritas no art. 9º e no
art. 10 da Lei nº 8.429/92 e a autonomia existente entre elas............................................. 432
7.4 A Lei da Ficha Limpa e o anseio popular pela moralização da política brasileira........ 434
7.5 O ato doloso de improbidade administrativa como hipótese de inelegibilidade:
os elementos necessários para a incidência do art. 1º, I, “l” da Lei Complementar
nº 64/1990 .................................................................................................................................. 436
7.6 A inelegibilidade por ato doloso de improbidade administrativa na visão do
Tribunal Superior Eleitoral: algumas controvérsias acerca da aplicação prática do
art. 1º, I, “l” da Lei Complementar nº 64/1990...................................................................... 440
7.7 Conclusão.................................................................................................................................. 444
Referências................................................................................................................................ 445
CAPÍTULO 8
A INELEGIBILIDADE DECORRENTE DA EXCLUSÃO DO SERVIDOR PÚBLICO:
RESTRIÇÃO DEMOCRÁTICA OU MORALISTA?
TAILAINE COSTA.............................................................................................................................. 449
8.1 Introdução................................................................................................................................. 449
8.2 Servidor público e a demissão, a exoneração e a aposentadoria compulsória:
maneiras de punição................................................................................................................ 450
CAPÍTULO 9
ADI Nº 4.650 E AS MUDANÇAS NO FINANCIAMENTO DE CAMPANHAS
ELEITORAIS. CONDENAÇÕES PRETÉRITAS E AÇÕES EM CURSO AINDA
PODERIAM PRODUZIR EFEITOS, DENTRE ELES, O DA INELEGIBILIDADE DOS
“DOADORES ILÍCITOS”?
ANDERSON ALARCON................................................................................................................... 463
9.1 Introdução................................................................................................................................. 463
9.2 O financiamento das campanhas eleitorais no Brasil pré-decisão do STF nos
autos da ADI nº 4.650: doadores, modalidades de doação, limites, representações
eleitorais e inelegibilidade...................................................................................................... 464
9.3 A decisão do STF nos autos da ADI nº 4.650........................................................................ 467
9.4 O controle judicial de constitucionalidade no Brasil: a teoria da nulidade e os
efeitos temporais da declaração de inconstitucionalidade................................................ 471
9.5 Da inconstitucionalidade por arrastamento do artigo 81, §3º, da Lei nº 9.504/97 e
da inconstitucionalidade parcial, por arrastamento, do artigo 1º, inciso i, alínea ‘p’,
da Lei Complementar nº 64/90: qual deverá ser o destino das representações
eleitorais ainda em curso ou já transitadas em julgado? E quais serão os efeitos
pró-futuro no que se refere à hipótese de inelegibilidade? .............................................. 474
9.6 Da reforma eleitoral introduzida pela Lei nº 13.165/2015, da retroatividade da
norma mais benéfica e o destino das representações eleitorais em curso ou já
transitadas em julgado............................................................................................................ 478
9.7 Conclusão.................................................................................................................................. 479
Referências................................................................................................................................ 481
CAPÍTULO 10
O EFEITO SUSPENSIVO DO §2º DO ARTIGO 257 DO CÓDIGO ELEITORAL
ALCANÇA TAMBÉM AS INELEGIBILIDADES DECORRENTES DE
CONDENAÇÕES ELEITORAIS (ALÍNEAS “D” E “J”)?
RODRIGO TERRA CYRINEU.......................................................................................................... 483
10.1 Introdução................................................................................................................................. 483
10.2 O efeito suspensivo recursal na sistemática de contencioso eleitoral e seu alcance......... 485
10.3 A peculiar situação do recurso eleitoral dos Presidentes de Câmaras Municipais
enquanto substitutos imediatos do Prefeito e Vice e a analogia ao leading case “
Renan Calheiros” (ADPF 402) do Supremo Tribunal Federal........................................... 493
10.4 Conclusão.................................................................................................................................. 495
Referências................................................................................................................................ 496
CAPÍTULO 1
O IMPACTO DE ALTERAÇÕES FÁTICAS E JURÍDICAS SUPERVENIENTES AO
REGISTRO SOBRE A ELEGIBILIDADE
MANOEL VERÍSSIMO F. NETO..................................................................................................... 501
1.1 Introdução................................................................................................................................. 501
1.2 Dos direitos políticos............................................................................................................... 502
1.3 Das condições de elegibilidade.............................................................................................. 502
1.4 Das causas de inelegibilidade................................................................................................ 503
1.5 Perda superveniente de condição de elegibilidade............................................................. 505
1.6 Da cessação da causa de inelegibilidade.............................................................................. 505
1.6.1 Da contagem do prazo de inelegibilidade............................................................................ 510
1.7 Do impacto das alterações fáticas e jurídicas supervenientes ao registro nas
eleições municipais.................................................................................................................. 512
1.8 Conclusão.................................................................................................................................. 515
CAPÍTULO 2
ANTECIPAÇÃO DO REGISTRO DE CANDIDATURA: UMA REFLEXÃO EM FAVOR
DA ESTABILIDADE DO PROCESSO ELEITORAL
RODOLFO VIANA PEREIRA, ROBERTA MAIA GRESTA....................................................... 517
2.1 Introdução................................................................................................................................. 517
2.2 O registro de candidatura como etapa necessária do processo eleitoral: pode a
lei criar procedimento que acarreta restrição ao exercício do sufrágio?......................... 519
2.3 A racionalidade procedimental do registro de candidatura em face da
autenticidade eleitoral............................................................................................................. 525
2.4 A temporalidade adequada da decisão quanto a candidaturas validamente
habilitadas................................................................................................................................. 529
2.5 Habilitação prévia ao registro: solução ou agravamento do problema atual?............... 541
2.6 Considerações finais................................................................................................................ 546
Referências................................................................................................................................ 548
A ELEGIBILIDADE COMO
DIREITO FUNDAMENTAL
1.1 Introdução
Parece incontroverso, mesmo ao senso comum, que há, ou que ao menos deveria
haver, forte elo e íntima vinculação entre elegibilidade e moralidade para o exercício
do mandato eletivo, mesmo porque, se escorreitos predicados morais são exigidos
para a assunção a qualquer cargo público, semelhante exigência seria ainda mais re-
comendável quando se tratasse do exercício de mandato eletivo, pilastra ainda sólida
das democracias representativas.
As relações entre elegibilidade e moralidade, contudo, notadamente no atual
cenário político brasileiro, andam um tanto desencontradas e nem sempre são tão
harmônicas como deveriam ser.
Tais desencontros, por sua vez, decerto que contribuem para muitas das diversas
mazelas atualmente associadas ao modelo representativo brasileiro, tais como “a perda
do significado da representatividade”, “o desprestígio dos parlamentos”, “o corpora-
tivismo da classe política” (AIETA, 2006, p. 123), “o rompimento de padrões éticos,
ameaçando a legalidade do mandato e manchando de ilegitimidade a representação
popular” (AMARAL, 2001, p. 50), ou ainda a “fragilidade partidária”, “a desintegração
parlamentar”, a “colonização econômica e política do espaço democrático” (MARTINS,
2007), além de outras tantas que o senso comum sem muito esforço consegue apontar,
nem sempre com a erudição dos doutos, mas com a sabedoria que lhe é própria.1
1
“O senso comum, por sua vez, não é inútil. Não existe humilhação alguma, mas simples e louvável ato de
humildade, em o intérprete, quando necessário, enfrentar o objeto interpretando tendo em vista os simples
Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e
secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:
I - plebiscito;
II - referendo;
III - iniciativa popular.
[...]
§9º. Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua
cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do
mandato, considerada a vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das
dados do senso comum, que, de resto, já são [...] uma espécie de Filosofia em estado bruto (FALCÃO, 2004, p.
237)”.
2
Em nossa pesquisa especificamente voltada a essa temática (DIAS JUNIOR, 2014), identificamos na norma do
art. 14, §9ºº, da Constituição Federal, o comando definidor do direito fundamental do povo de escolher seus
representantes dentre candidaturas moralmente respaldadas por juízo de prognose favorável no tocante ao
exercício do mandato eletivo, ou, simplesmente, o direito fundamental à moralidade das candidaturas. Estamos
certos, contudo, que, uma vez estabelecido um direito fundamental pelo Texto Constitucional, pouco importa
o nome que se lhe dê, desde que se lhe confira efetividade, mais valendo sua essência que sua aparência, seu
conteúdo que sua forma.
3
Comumente a doutrina se preocupa mais com a definição de inelegibilidade do que com a própria definição de
elegibilidade. Isso se explica pelo fato do predomínio do entendimento de que a regra, em direitos políticos, é
a elegibilidade, sendo a inelegibilidade a exceção, o que justificaria a maior preocupação terminológica com a
configuração desta. Quanto a tal questão, confira-se, por todos, Barroso (2005, p. 59-68).
4
Segundo o artigo 25 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, “todo cidadão terá o direito e a
possibilidade, sem qualquer das formas de discriminação mencionadas no artigo 2 e sem restrições infundadas:
a) de participar da condução dos assuntos públicos, diretamente ou por meio de representantes livremente
escolhidos; b) de votar e de ser eleito em eleições periódicas, autênticas, realizadas por sufrágio universal
e igualitário e por voto secreto, que garantam a manifestação da vontade dos eleitores; c) de ter acesso, em
condições gerais de igualdade, às funções públicas de seu país”.
5
Não é nosso objetivo aqui esboçar um estudo aprofundado acerca das diversas teorias que buscam uma
justificação racional, social ou metafísica para a natureza dos direitos humanos, o que pouco contribuiria para
o desenvolvimento do que aqui pretendemos expor. Em perfunctório e despretensioso apanhado, todavia,
podemos dizer que se agrupam essas teorias em universalistas e relativistas, derivando as primeiras, amiúde,
de concepções jusnaturalistas, segundo as quais os direitos humanos, inerentes à condição humana, seriam
produto de leis naturais, constituindo um único código moral, assistindo os direitos humanos a todas as pessoas
simplesmente em virtude de sua humanidade (TRINDADE, 2003), comportando ainda o universalismo outras
teorias, segundo as quais os diversos povos ostentariam distintos códigos morais, compartilhando entre si,
todavia, alguns valores comuns, os quais passariam a constituir dos direitos humanos, sendo tais teorias,
com alguma variação entre si, denominadas por Beitz (2009, p. 73-95) como “Agreement Theories”. As teorias
relativistas, ao revés, partindo de uma concepção pragmática e se contrapondo à visão jusnaturalista, afirmam
que os direitos humanos são resultados de uma construção social contínua, como o faz Ávila (2014, p. 305) ao
defender que “os direitos humanos devem se fundamentar a partir das diferentes práticas sociais, levando-se
em consideração crenças, intenções e experiências humanas”, uma vez que “em razão dos comprometimentos
próprios da vida social, os seres humanos não apenas se autoconstroem, como também se autorregulam”. Para
Beitz (2009), os direitos humanos são uma prática social, um discurso político, um projeto de política pública
com específicos propósitos e meios de ação, visando a desempenhar certo papel na vida política global, tendo
por conteúdo a proteção de interesses cuja urgência e cujo largo alcance justificam considerá-los como uma
prioridade política, capazes de despertar o interesse da comunidade internacional quando não satisfeitos no
plano interno de determinado Estado.
6
Em pesquisa dedicada a essa temática (DIAS JUNIOR, 2014), discorremos com profundidade acerca desse
assunto, mostrando que a referência aos prazos de cessação das inelegibilidades feita pela norma do art. 14, §9º,
da Constituição Federal, mesmo em se considerando que os contornos normativos atuais do referido dispositivo
foram estabelecidos em sede de Revisão Constitucional (Emenda Constitucional de Revisão nº 4, de 1994), não
pode ser tida como atecnia do constituinte nem como norma inconstitucional.
7
Segundo Alexy (2008, p. 322), a análise das restrições a direitos fundamentais exige uma teoria ampla do suporte
fático, teoria essa “que inclui no âmbito de proteção de cada princípio de direito fundamental tudo aquilo que
milite em favor de sua proteção”. Para Alexy (2008, p. 328), “a teoria ampla do suporte fático tem vantagens
claras” sobre as teorias restritas, que têm como uma de suas debilidades a não fundamentação da exclusão
definitiva da proteção do direito fundamental como resultado de um sopesamento entre princípios (ALEXY,
2008, p. 321).
relação com a doutrina dos limites imanentes e, por conseguinte, com as restrições não
expressamente autorizadas pela Constituição.
Diante disso, afastada a teoria da imanência, passa a nos interessar o enquadra-
mento da moralidade no contexto da teoria externa das restrições, que, relacionando
restrição e âmbito de proteção ou domínio normativo, trata direitos e restrições como
conceitos diversos.
Pela teoria externa, os direitos não possuem restrições imanentes, originárias, de
maneira que as restrições aos direitos fundamentais lhe são exteriores, e podem resultar
de regras ou princípios constitucionalmente válidos, embora nem todas as restrições
tenham necessariamente hierarquia de norma constitucional.
De fato, por dois modos os direitos fundamentais podem vir a sofrer restrição
externa, surgindo daí a diferença entre restrições externas diretamente constitucionais
e restrições externas indiretamente constitucionais, identificando-se as primeiras com
as “restrições de hierarquia constitucional” (ALEXY, 2008, p. 286) e as últimas com as
restrições veiculadas por leis expressamente referidas pela constituição, ou, nas pala-
vras de Alexy (2008, p. 291), com as restrições “que a Constituição autoriza alguém a
estabelecer”.
Une os dois tipos de restrição externa o fato de que hão de ter por fundamento
a Constituição, e se devem destinar à “salvaguarda de direitos ou interesses consti-
tucionalmente protegidos” (MIRANDA, 2000, p. 338). De fato, a restrição a direitos
fundamentais sem arrimo constitucional afronta a força normativa da Constituição,
não se coadunando, pois, com o cenário constitucional contemporâneo.
Válidas, portanto, apenas são as restrições externas estabelecidas por leis às quais
a Constituição expressamente se referiu e as que decorram do estabelecido na própria
Constituição.
Costumam-se associar restrições diretamente constitucionais a restrições cons-
titucionais imediatas, em contraposição a restrições constitucionais mediatas, consis-
tentes estas nas restrições oriundas de leis expressamente referidas pela Constituição
(MIRANDA, 2000, p. 331).
Assim, pode-se dizer que são direta ou imediatamente constitucionais quaisquer
restrições positivadas no próprio texto constitucional, não significando isso dizer que
apenas a restrição estabelecida na mesma norma jurídica que consagra o direito pode ser
tida como restrição direta ou imediatamente constitucional, sendo certo que qualquer
restrição a um direito fundamental que esteja positivada no texto da constituição, ainda
que em dispositivo diverso daquele que definiu o direito fundamental, há de ser tida
como restrição diretamente constitucional, o que decorre, aliás, do próprio princípio
da unidade constitucional.
O enunciado normativo do art. 14, §9º, da Constituição Federal de 1988, ao dispor
que lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade a fim de proteger,
dentre outros valores, a moralidade para o exercício do mandato, acaba diminuindo o
domínio normativo do direito à elegibilidade, uma vez que já o condiciona ao exame
da moralidade, não se podendo entender que, nesse caso, por fazer referência à lei
complementar, teria a restrição sede na lei e não na Constituição.
Ora, a Constituição não diz que lei complementar poderá estabelecer inelegi-
bilidades quaisquer, mas tão somente que visem ao resguardo da moralidade e dos
demais valores estampados expressamente no texto do seu art. 14, §9º, de maneira que
à lei complementar, em tal caso, cabe apenas desenvolver o princípio inscrito no texto
constitucional, auxiliando em seu processo de densificação.
Silva (2007, p. 107), embora classificando a norma do art. 14, §9º, de nossa
Constituição, como norma de eficácia jurídica limitada,8 dela se utiliza como exemplo de
“normas constitucionais de contenção da eficácia de outras”, deixando ainda mais claro
que a contenção do direito à elegibilidade é feita exclusivamente pela norma do art. 14,
§9º, ainda que tal dispositivo careça de lei complementar que, auxiliando no processo
de densificação de seus conceitos indeterminados, como a moralidade, por exemplo,
forneça-lhe mais precisa configuração, possibilitando-lhe uma mais completa aplicação.
Da simples leitura do texto do art. 14, §9º, de nossa Constituição, portanto, é
possível constatar, na linha do que dissemos antes, que a moralidade para o exercício
do mandato é uma restrição externa, direta e imediatamente constitucional, ao direito
fundamental à elegibilidade, e, sendo restrição externa diretamente constitucional,
decorre necessariamente de uma colisão de direitos, colisão esta que, nas palavras de
Canotilho (2003, p. 1270), pode ser “autêntica” ou “imprópria”.
Conforme Canotilho (2003, p. 1270), se o direito fundamental colidir com um
interesse protegido constitucionalmente, com um “bem jurídico da comunidade”,
como, por exemplo, “saúde pública”, “patrimônio cultural”, “integridade territorial”,
“defesa nacional”, “família”, estaremos diante de uma “colisão de direitos em sentido
impróprio”, ao passo em que, colidindo o direito fundamental com outro direito fun-
damental, estaremos diante de uma “colisão autêntica de direitos fundamentais”, que
ocorre “quando o exercício de um direito fundamental por parte do seu titular colide
com o exercício do direito fundamental por parte de outro titular”.
No caso da moralidade para o exercício do mandato, embora, em sentido amplo,
acabe refletindo interesse constitucionalmente protegido, no caso a legitimidade da
soberania popular, além do próprio valor da moralidade e, em última análise, a própria
democracia representativa, desfigurada na medida em que se permitem candidaturas
sem respaldo de juízo satisfatório de prognose no tocante à moralidade para o exercício
do mandato, não se pode deixar de concebê-la, à luz do nosso texto constitucional, em
sentido mais específico e estrito, como um direito fundamental, assim sob critério subs-
tancial como sob critério formal.
Analisados sob critério substancial, ou, em outras palavras, sob critério material
ou de conteúdo, direitos fundamentais, na definição de Carl Schmitt (apud ALEXY, 2008,
p. 66), são “aqueles direitos que constituem o fundamento do próprio Estado e que, por
isso e como tal, são reconhecidos pela Constituição”.
Para Sarlet (2007, p. 86), são os que contêm “decisões fundamentais sobre a estru-
tura básica do Estado e da sociedade”, enquanto que, para Alexy (2008, p. 522), são os
que propiciam “decisões sobre a estrutura normativa básica do Estado e da sociedade”.
Em termos mais práticos, sob o aspecto material, direitos fundamentais são os
direitos mais importantes, que expressam “valores consensualmente reconhecidos no
meio social”, no dizer de Sarlet (2007, p. 105), podendo estar ou não expressamente
referidos no catálogo constitucional de direitos fundamentais.
Ora, o Brasil é um Estado Democrático, e, como tal, toda a sua estrutura política
e social há de ter por alicerce a moralidade, em todas as suas facetas, porquanto não se
concebe sociedade democrática em que não haja moralidade.
8
É importante destacar que, para Silva (2007, p. 81), “não há norma constitucional alguma destituída de eficácia”,
de maneira que todas elas, ainda as de eficácia limitada, em maior ou menor grau, irradiam sempre efeitos
jurídicos.
Como deixa claro Miranda (2000, p. 329), a moral assim como a ordem pública e o
bem-estar são limites para qualquer direito em uma sociedade democrática, de maneira
que fica difícil sustentar a legitimidade do poder político sem qualquer consideração
à moralidade.
No mais, dentre os elementos essenciais da democracia, está elencado “o res-
peito pela vontade popular como base da legitimidade do governo”, elemento esse
expressamente identificado nas reuniões de Estrasburgo e Sintra, duas das “Reuniões
Satélites preparatórias da II Conferência Mundial de Direitos Humanos” (TRINDADE,
2003, p. 197), daí decorrendo que o regime democrático representativo não prescinde
de um processo eleitoral autêntico, guiado pela moralidade das candidaturas, no qual
seja assegurado o respeito à vontade do cidadão não apenas no instante do pleito, mas
durante todo o exercício do mandato eletivo pelo representante.
Não por outra razão o artigo 25 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos
faz referência expressa à escolha de representantes por meio de eleições autênticas, que
assegurem a manifestação fidedigna da vontade do cidadão representado, parecendo-
nos evidente que um pleito eleitoral sério, legítimo e autêntico exige daqueles que
pleiteiam o mandato eletivo a satisfação plena dos requisitos de moralidade para o
exercício do mandato eletivo.
O direito a uma representação política digna, à moralidade para o exercício do
mandato eletivo, ou, com maior precisão, o direito de escolher representantes dentre
candidaturas moralmente respaldadas por juízo de prognose favorável no tocante ao
exercício do mandato eletivo, portanto, revela conteúdo decisivamente constitutivo
das estruturas básicas do Estado Democrático e da própria sociedade, e, nesse sentido,
revela-se inequivocamente como um direito fundamental: o direito fundamental à mora-
lidade das candidaturas.
Outrossim, denotativamente,9 sob um critério formal,10 nem todo direito funda-
mental é necessariamente extraído mediante uma simples análise textual do dispositivo
constitucional que o encerra, o que reforça a fundamentalidade do direito a candidaturas
moralmente respaldadas, na medida em que eventualmente venha a argumentar que
referido direito não se acha estabelecido sob o modelo convencional, no qual a norma
de direito fundamental é extraída diretamente, sem rodeios, do dispositivo ou do
enunciado normativo.
Casos haverá, não raros nem mesmo poucos, em que a norma de direito fun-
damental nem é extraída nem se origina diretamente, ou de modo evidente, do texto
constitucional, exigindo do intérprete um mais complexo raciocínio na construção
dessas normas (PEREIRA, 2006, p. 81).
Essa possibilidade, aliás, é aceita por Alexy (2008, p. 72-73), que denomina tais
normas de “normas atribuídas”, exigindo do intérprete, como diz Pereira (2006, p. 81),
uma concretização mais sofisticada da norma.
Como assinala Pereira (2006, p. 81), a construção de normas de tal naipe pode
ser deduzida da interpretação conjugada de diferentes dispositivos constitucionais,
podendo mesmo ser extraída do sistema constitucional como um todo.
9
Segundo Galuppo (2003, p. 213), entender os direitos fundamentais sob o viés denotativo é analisá-los pela
extensão de seu conjunto, e não por seus atributos.
10
Conforme Alexy (2008, p. 68), pode-se dizer que, sob o aspecto formal, são direitos fundamentais, em primeiro
lugar, as disposições que a própria Constituição reconhece, expressamente, como direitos fundamentais,
“independentemente daquilo que por meio delas seja estabelecido”.
E tanto assim é que qualquer cidadão, aqui entendido na acepção mais restrita
de eleitor (ou seja, cidadão ativo, membro do povo ativo a que se refere Miranda), em
defesa de sua posição jurídica, pode levar ao conhecimento da Justiça Eleitoral, quando
do procedimento de registro de candidaturas, notícia fundamentada de inelegibilidade
em relação a qualquer candidato, visando ao indeferimento do registro de sua candi-
datura, sendo claro que tal notícia de inelegibilidade equivale a um pedido formal de
impugnação de registro de candidatura.
Em reforço dessa posição ativa do eleitor, cumpre considerar, no mais, que o
fenômeno da representação política, com a conotação que atualmente ostenta, não há
de cingir o cidadão a uma posição passiva e inerte de representado, cabendo-lhe o papel
ativo e dinâmico de se fazer representar, tornando “recíproca e não unidirecional” a
relação entre representantes e representados (COSTA, 2013, p. 115-116), convertendo
o cidadão, por conseguinte, em titular de posições ativas aptas a resguardar a auten-
ticidade do pleito eleitoral, o pacto de confiança legitimador do mandato eletivo, o
respeito à moralidade para o exercício do mandato eletivo e a efetividade do seu direito
de intervir na condução dos assuntos públicos.
Cabe ao cidadão, portanto, nessa perspectiva, não estando circunscrito a um ser
representado inerte e passivo, posicionar-se ativamente no sentido de se fazer representar
(COSTA, 2013), empoderando-se e reconduzindo a relação de representação política
a um patamar inserido no âmbito do domínio e da proteção do direito humano que
lhe assiste de participar efetivamente da condução dos assuntos públicos, como lhe
assegura o artigo 25 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, adotado pela
XXI Sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 1966, e promulgado no Brasil
pelo Decreto Presidencial nº 592/1992.
Tal constatação apenas reforça a fundamentalidade do direito à moralidade das
candidaturas, contribuindo para o que Pereira (2008, p. 136) denomina de “interação
produtiva entre os princípios representativo e participativo”, sendo esta uma rara hi-
pótese, na democracia brasileira, em que o viés participativo implica um procedimento
de controle da correta constituição dos mandatos políticos.11
Quando nos deparamos, portanto, sob nosso cenário constitucional, com a ele-
gibilidade e com a moralidade para o exercício do mandato, percebemos que estamos
diante de um caso de colisão autêntica de direitos.
Nessa hipótese, como já vimos quando da análise da doutrina de Alexy (2008),
ambos os direitos, quando contrapostos no caso concreto, restringir-se-ão mutuamente,
na medida em que os princípios definidores de direitos fundamentais, e aqui estamos
diante de dois deles, são comandos de otimização dos quais derivam consequências
jurídicas prima facie, devendo, pois, serem cumpridos na maior medida possível na
solução de um caso concreto, contribuindo cada um deles para a plena concretização
de todo o conjunto principiológico.
Essa ponderação entre direitos fundamentais no caso concreto, todavia, há de
ser feita de forma a não devassar o núcleo essencial de qualquer dos direitos, sob pena
de maculá-lo em sua essência, retirando-lhe a própria natureza.
A ponderação entre direitos fundamentais definidos por normas de cunho
principiológico permite que, no caso concreto, um deles seja deslocado para que outro
prevaleça, mas esse deslocamento deverá ser o menor possível, e deverá ser feito na
11
Cf. PEREIRA (2008, p. 121-137).
medida necessária para que melhor se realize o conjunto dos princípios jusfundamentais,
não sendo permitido que de um procedimento de ponderação resulte um deslocamento
tão grande de um dos direitos fundamentais a ponto de corroer seu núcleo essencial,
o qual há de ser sempre preservado.
Com respeito, porém, a esse conteúdo essencial dos direitos fundamentais,
distinguem-se duas teorias principais, a saber: a teoria absoluta e a teoria relativa.
De acordo com a teoria absoluta do núcleo essencial, “o conteúdo de um direito é
sempre o mesmo, sem importarem as circunstâncias de cada caso em particular” (LOPES,
2004, p. 7), de modo que o núcleo essencial seria imutável e constante, fundamentando-
se sobre critério predeterminado, com destaque, dentro da teoria absoluta do conteúdo
essencial, para a versão que afirma a identidade do núcleo essencial com a dignidade da
pessoa humana, que, dessarte, seria o núcleo comum a todos os direitos fundamentais.
A teoria relativa do conteúdo essencial, por seu turno, segundo Lopes (2004, p.
8), “defende a tese de que o conteúdo essencial de um direito fundamental só pode
ser conhecido analisando-se, em cada caso concreto, os valores e interesses em jogo”,
sendo, assim, um conceito variável, relativo, encontrável apenas no caso concreto, após
a ponderação entre os princípios. Nas palavras de Alexy (2008, p. 297), na teoria relativa
“o conteúdo essencial é aquilo que resta após o sopesamento”.
Para a teoria relativa, portanto, o núcleo essencial acha-se preservado na medida
em que a restrição imposta a dado direito fundamental encontre respaldo na ponderação
efetuada à luz da proporcionalidade, o que, por si só, já justifica a restrição (PEREIRA,
2006, p. 371).
Na doutrina de Alexy (2008), destaca-se o sistema da ponderação concreta,
porquanto a colisão entre normas principiológicas, da qual resulta restrição recíproca,
resolve-se por meio da ponderação entre os direitos fundamentais definidos por tais
normas, estabelecendo-se uma relação de precedência em face de sua aplicação ao caso
concreto.
Como sustenta Alexy (2008, p. 297-298), “restrições que respeitem a máxima da
proporcionalidade não violam a garantia do conteúdo essencial nem mesmo se, no caso
concreto, nada restar do direito fundamental”. Em casos tais, segundo Alexy (2008, p.
298), “a garantia do conteúdo essencial é reduzida à máxima da proporcionalidade”.
Volvendo ao direito fundamental à elegibilidade, entendemos que apenas no caso
concreto, após a ponderação efetuada à luz da proporcionalidade, é que se poderão
determinar os contornos do núcleo essencial do direito à elegibilidade, núcleo esse que
restará preservado uma vez corretamente ponderado, tendo-se em conta o imperativo
da proporcionalidade.
Somente no caso concreto, após racional ponderação, é que poderá a Justiça
Eleitoral estabelecer, para os casos em que a lei já não tenha estabelecido,12 e diante das
peculiaridades de cada situação fática, até quando determinada conduta já praticada
pode acarretar inelegibilidade por ausência de moralidade para o exercício do mandato,
preservando-se, assim, o núcleo essencial do direito à elegibilidade.
Cautela ainda maior no tocante à preservação do núcleo essencial da elegibili-
dade talvez se imponha quando da densificação do conteúdo do direito à moralidade
das candidaturas.
12
No Direito brasileiro, a Lei Complementar nº 64/90 traz diversas hipóteses de inelegibilidade em atenção à
norma do art. 14, §9º, da Constituição Federal, e, em todas elas, o prazo de inelegibilidade é determinado.
em tal proceder há ausência de moralidade, porquanto jamais poderia ser tida por
criminosa conduta que achasse respaldo na moralidade.
Quando falamos, portanto, do direito fundamental à moralidade das candida-
turas, estamos incluindo em seu domínio normativo prima facie, embora não de modo
exclusivo, o direito do povo de escolher seus representantes dentre candidatos que
não tenham atentado contra a probidade administrativa e que não tenham interferido
na normalidade e na legitimidade de eleições mediante abuso do poder político ou
econômico.
A partir dessas considerações, e a par de todas as dificuldades inerentes ao
processo de interpretação e aplicação de normas de textura aberta, há de cumprir o
intérprete constitucional, em especial o Poder Judiciário no exercício da jurisdição cons-
titucional, com a sua missão de densificar o campo normativo do direito fundamental
à moralidade das candidaturas, fixando-lhe, em cada caso concreto, conteúdo que, a
um mesmo tempo, melhor satisfaça a força normativa do comando do art. 14, §9º, da
Constituição Federal, e melhor preserve o núcleo essencial do direito igualmente fun-
damental à elegibilidade.
Conquanto complexa, estamos convencidos de que o Poder Judiciário cumprirá
com êxito sua missão constitucional, desde que, e sempre que, ao ponderar o direito à
moralidade das candidaturas e o direito à elegibilidade, em cada caso concreto que for
chamado a resolver, afaste-se do moralismo, do populismo e do legalismo.
Com efeito, como já tivemos oportunidade de expor mais aprofundadamente
(DIAS JUNIOR, 2014), se a adesão ao moralismo, pelo extravasamento das perspectivas
subjetivistas do julgador, flerta com a insegurança jurídica e compromete o direito à
elegibilidade, o tentador caminho do populismo, pelo qual a moralidade das candida-
turas é aferida a partir do resultado do pleito, deixando ao povo a tarefa de aquilatá-la
por ocasião do exercício do direito de sufrágio, conquanto satisfaça a segurança jurídica,
compromete a força normativa do art. 14, §9º, da Constituição, tomando-se a moralidade
pelo cume e não pela base, pela aparência e não pela essência.
Como reconhece Durkheim (2002, p. 63), a definição das coisas pelos cumes, pela
maneira como se exteriorizam, não passa de um esboço inicial, que não pode ter por
objetivo expressar a essência da realidade, sendo apenas um ponto de partida para que
se comece a analisar determinado conceito.
Se não se pode valer o intérprete aplicador do moralismo e do populismo para
a solução de conflitos concretos envolvendo a moralidade das candidaturas e o direito
à elegibilidade, igualmente há que se afastar do cômodo caminho do legalismo, pelo
qual fica a moralidade das candidaturas reduzida às hipóteses de inelegibilidade
expressamente elencadas pela Lei Complementar nº 64/90 (Lei das Inelegibilidades).
De fato, tal opção legalista, que reduz a moralidade à legalidade estrita, revigora
anacrônicos postulados positivistas, em insensato retrocesso, desconsiderando ainda
a lição de Verdú (2007, p. 121), no sentido de que, em uma sociedade em que se busca
dar mais prestígio às aspirações sociais, a segurança jurídica deve ser concebida sob
uma óptica dinâmica, incompatível com a concepção estática oriunda dos mesmos
postulados ideológicos que mantêm o imobilismo social.
Entender que somente as figuras de inelegibilidade elencadas pela Lei
Complementar nº 64/90, com todas as suas alterações, traduzem os casos possíveis
de violação ao direito à moralidade das candidaturas é ser conivente com a procras-
tinação de um perigoso quadro de ilusão constitucional, ao qual facilmente se chega,
como alerta Hesse (1991, p. 27), sempre que a interpretação constitucional não propicia
resguardar aquilo que entendem por segurança jurídica, olvidando, em alguns casos
propositalmente, que a realização de um valor como a moralidade dificilmente ocorre
no campo da exclusiva objetividade e dificilmente se compatibiliza com o resguardo
de uma segurança jurídica estaticamente concebida, propiciadora da manutenção do
atual status político-social.
Diante disso, entendemos que a determinação do conteúdo do direito à morali-
dade das candidaturas há de ser realizada segundo a maneira que melhor conjugue os
campos da subjetividade e da objetividade, a partir da identificação de vetores e para-
digmas extraídos do ordenamento jurídico, notadamente da legislação complementar
que positiva figuras de inelegibilidade, procedendo-se, a partir daí, diante de casos
concretos, a intervenções restritivas proporcionais no direito à elegibilidade, visando
a compatibilizá-lo com o direito à moralidade das candidaturas.
Desse modo, reconhecemos e valorizamos a inevitável subjetividade do intér-
prete aplicador do comando inserto no art. 14, §9º, da Constituição, que não há de ficar
adstrito às figuras legais de inelegibilidade, impedindo-o, por outro lado, de dar vazão
a particulares ideologias e a personalíssimos padrões morais, porquanto haverá ele de
demonstrar, convincentemente, a existência de um liame entre a inelegibilidade que
reconheceu no caso concreto e qualquer dos padrões de imoralidade das candidaturas
extraídos do próprio ordenamento jurídico.
É evidente, contudo, que o campo das decisões judiciais não é o das ciências
exatas, mas sim o da argumentação, e, como ensinam Perelman e Olbrechts-Tyteca
(2005, p. 1), o campo da argumentação é o do verossímil, do plausível, do provável,
escapando à certeza do cálculo.
Assim, estando a questão inserida no âmbito das plausibilidades, probabilidades
e verossimilhanças, não é garantido o êxito da argumentação judicial em toda e qualquer
circunstância, mas o reexame da causa pelas sucessivas instâncias, segundo os mesmos
paradigmas, decerto reduzirá sensivelmente a possibilidade de desacerto da decisão,
propiciando o sadio reencontro entre moralidade e elegibilidade.
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DIAS JUNIOR, José Armando Ponte. Anverso e reverso das relações desencontradas entre elegibilidade
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PECCININ, Luiz Eduardo (Org.). Elegibilidade e inelegibilidades. Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 17-33.
(Tratado de Direito Eleitoral, v. 3.) ISBN 978-85-450-0498-1.
2.1 Introdução
Os direitos políticos correspondem a um conjunto de prerrogativas assecuratórias
da participação dos cidadãos na modulação de soluções aplicáveis aos assuntos públicos
de seus respectivos Estados. Constituem, pois, elementos jurídicos que outorgam ao
corpo de governados a possibilidade de exercer a participação em suas diversas formas
de exteriorização, conferindo à ordem estatal uma importante nota de democratização.
Em sentido amplo, quando coincidem com a noção de “direitos de participação”,
asseguram liberdades públicas associadas aos “direitos políticos menores” (MIRANDA,
207, p. 108), como os direitos de opinião, oposição, greve, associação, reunião, petição
e fiscalização do tratamento conferido à res publica. É esse o significado assimilado por
Pimenta Bueno (1958, p. 458), quando os conceitua como garantias cívicas “[...] que
autorizam o cidadão ativo a participar na formação ou exercício da autoridade nacio-
nal, a exercer o direito de vontade, [...] a ocupar cargos políticos e a manifestar suas
opiniões sobre o governo do Estado”. Assim também a impressão de Dalla Via (2004,
p. 330), para quem os direitos políticos compõem uma categoria nem sempre concisa
de faculdades várias que têm como escopo comum o engajamento político.
No domínio eleitoral, os direitos políticos são encarados sob uma ótica estrita,
que os cinge às faculdades de conduzir ou nomear os condutores do Estado mediante
a celebração do rito democrático procedimental. Nessa linha, encampam as prerroga-
tivas que conferem aos nacionais a possibilidade de participar ativa e passivamente da
estrutura de governo (ALMEIDA, 2011, p. 74), surgindo como ferramentas idôneas à
efetivação da democracia mediante a competição aberta pelo voto popular (AMAYA,
2016, p. 46), ou como determinações legais que afetam o direito dos indivíduos a
1
Anote-se que os direitos políticos stricto sensu possuem, ainda, uma terceira dimensão. Como aponta Marcelo
Peregrino Ferreira (2016, p. 235), a categoria em tela engloba (i) uma dimensão do eleitor (direito de manifestar
as preferências políticas), (ii) uma dimensão subjetiva do candidato (direito de se submeter à apreciação do elei-
torado como alternativa para o exercício de um cargo representativo) e, ademais, (iii) uma dimensão estrutural,
como corolário para o funcionamento e para a legitimação do Estado Democrático de Direito.
2
Ferreira (2016, p. 59-60) destaca que a fundamentalidade dos direitos políticos para a ordem brasileira é de ser
extraída não apenas do elemento topográfico (as prerrogativas em questão constam do Título II da Constituição,
intitulado “Dos direitos e garantias fundamentais”), mas ainda em virtude “[...] do conteúdo que encetam, em
face da opção do constituinte pelo regime democrático”. Ingo Sarlet (In: SARLET et al., 2017, p. 333-334) dis-
corre sobre os critérios de justificação da fundamentalidade de direitos dispersos no texto maior, destacando
que a equiparação aos direitos integrantes do rol do art. 5º da Carta depende, basicamente, de uma análise de
substância e relevância, tendo como norte a sintonia com os princípios que orientam a ordem constitucional. Já
Canotilho (2003, p. 404) sugere que o predicado da fundamentalidade material é de ser extraído do cotejo com
o objeto e com a importância das prerrogativas formalmente inscritas no catálogo das garantias sobressalentes.
Serão assim materialmente fundamentais as normas constitucionais cujos valores possuam natureza análoga à
natureza de direitos formalmente fundamentais. Os direitos de participação, como visto, compartilham as matri-
zes axiológica e teleológica de diversas outras prerrogativas fundamentais, pelo que devem gozar de idêntico
status, independentemente de onde estejam situados no mapa da Constituição.
3
Pese o encaixe como direito fundamental, os direitos políticos se diferenciam de outras prerrogativas constitu-
cionais em vários aspectos. Para Jorge Amaya (2016, p. 46), “[...] mientras los derechos civiles se dirigen a todos
los individuos, para permitirles realizar con integridad su destino personal en el marco de una sociedad libre,
los derechos políticos se dirigen a todos los individuos, para posibilitarles la participación en la expresión de la
soberanía nacional”. Por sua vez, Velloso e Agra (2012, p. 68) ensinam que os direitos em estudo: “Não são de
livre disposição, no que se afastam dos direitos individuais; podem ser utilizados de per si, por todos os compo-
nentes da organização política, em que se diferenciam dos direitos coletivos; não se direcionam principalmente
aos hipossuficientes sociais, no que destoam dos direitos sociais; inexiste sua determinação pelo nascimento,
apartando-se de simetrias com o direito de nacionalidade, não obstante a existência de uma zona de interseção
entre essas duas prerrogativas”.
4
Sobre os direitos políticos como categoria dos direitos do homem, vide: PICADO, 2007, p. 50; ADÉN, 2013, p.
391; FERREIRA, 2016, p. 9; AMAYA, 2016, p. 245; PICCATO RODRÍGUEZ, 2006, p. 86; BIDART CAMPOS, 2008,
p. 177; MORENO HERNÁNDEZ, 2011, p. 582; DALLA VIA, 2012, p. 05.
5
No caso particular da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, os Estados-parte assumem o compromis-
so de respeitar os direitos humanos nela previstos, e de garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que
esteja sujeita a sua jurisdição (art. 1.1). Se o exercício desses direitos não estiver assegurado por disposições legis-
lativas ou de outro caráter, os países se comprometem a adotar, conforme seus procedimentos constitucionais e
as disposições da Convenção, as medidas necessárias à efetivação daqueles direitos (art. 2). Esse esquema inter-
nacional de garantia é também composto pelas medidas a cargo do Poder Judiciário, como acrescenta Cristina
Adén (2013, p. 390).
6
Preocupação cada vez mais recorrente no trabalho da doutrina, valendo citar o pertinente protesto de Bastos
Júnior e Santos (2015, p. 248): “Desde a edição da Lei da Ficha Limpa (LC nº 135/2010), experimenta-se um pro-
cesso de exacerbação do papel a ser assumido pela Justiça Eleitoral como instância de controle da legitimidade
dos pleitos eleitorais. De instância arbitral de contenção dos excessos, a Justiça Eleitoral assume um papel de
instância reformadora da política (e dos vícios por si detectados). Ao agir desta forma, com o escopo de zelar
pela legitimidade do pleito, a pretensão de depuração moral dos candidatos a ser controlada pelo Judiciário
(nas impugnações do registro de candidatura) acaba por minar, em última instância, a própria legitimidade
democrática do sistema de representação política”.
A opção constitucional pelo sufrágio universal conduz a que todo cidadão tenha,
em regra, o direito de ser votado, desde que preencha alguns requisitos colocados pela
Constituição. No Brasil, esses requisitos formam o conjunto das condições de elegibi-
lidade, as quais permitem a participação do indivíduo na vivência política do Estado,
mediante o desempenho das funções relativas ao exercício dos mandatos representativos
outorgados pela vontade popular.7
Nos termos do art. 14, §3º, da Constituição da República Federativa do Brasil
(CRFB), são condições de elegibilidade, na forma da lei: a) nacionalidade brasileira; b)
pleno exercício dos direitos políticos; c) alistamento eleitoral; d) domicílio eleitoral na
circunscrição do pleito; e) filiação partidária; f) idade mínima.8 A doutrina adverte que
essas condições são taxativas, de sorte que não se confere ao legislador infraconstitu-
cional liberdade para a criação de condições adicionais, em função de flagrante falta de
uma norma autorizativa. A esse respeito, Velloso e Agra (2012, p. 76) explicam: “Como
os direitos políticos são prerrogativas essenciais à cidadania, deixar sua regulamentação
ao talante de mandamentos infraconstitucionais serviria para reduzir a amplitude desse
direito, quando sua finalidade é justamente o contrário, ampliar com maior intensidade
possível a inserção da população nas decisões do sistema democrático”.
Ademais, entende-se que as condições de elegibilidade não convivem com a
modalidade implícita. Nessa direção, Rodolfo Viana Pereira (2014, p. 282) defende que:
O constituinte originário não deu azo a qualquer entendimento em sentido diverso, pois
implicaria, no mínimo, a pressuposição de que a atividade hermenêutica judicial estaria
apta a produzir limites a direitos fundamentais, interferindo na disputa eleitoral e no jogo
democrático a partir de alicerces erodidos. Sustentar o contrário apresenta-se equivocado
por, pelo menos, dois motivos essenciais: Primeiro, significaria inaugurar a hipótese de a
minoria parlamentar, sem anteparo constitucional, criar empecilhos, via lei ordinária, ao
exercício dos direitos políticos. A reserva constitucional em matéria de elegibilidade e de
inelegibilidade (neste caso também com autorização de regulação via lei complementar) faz
parte da arquitetura protetiva da democracia, aí incluída a cláusula da anualidade prevista
no artigo 16 da Carta Maior e a taxatividade das hipóteses de cassação de direitos políticos,
insculpidas no artigo 15 do mesmo diploma. Em segundo lugar, importaria transferir a
decisão sobre a qualidade da representação política para a magistratura, desvirtuando a
lógica democrática e desestabilizando a separação de poderes. Isso implicaria o reforço
negativo do ativismo judicial, aprofundando o cariz oligárquico do regime político e
rompendo, igualmente, com os valores republicanos.
7
Na doutrina estrangeira, as condições de elegibilidade são definidas como requisitos limitantes do sufrágio
passivo, representantes de “qualidades especiais” que devem ser cumpridas por aqueles que desejam exercer
quaisquer cargos de representação (PICCATO RODRÍGUEZ, 2006, p. 89).
8
Conforme a Constituição, os postulantes a cargos eletivos devem possuir a idade mínima de: a) 35 anos para
Presidente e Vice-Presidente da República, e para Senador; b) 30 anos para Governador e Vice-Governador de
Estado e do Distrito Federal; c) 21 anos para Deputado Federal, Deputado Estadual ou Distrital, Prefeito, Vice-
Prefeito e Juiz de Paz; e 18 anos para Vereador.
Liberato e Rodrigues (2016, p. 110) aduzem que a lei eleitoral “[...] também pode exigir
a comprovação de requisitos não expressamente mencionados no texto constitucional,
desde que estes conformem as condições constitucionalmente previstas, delimitando-as,
especificando-as ou fixando formas de cumprimento da exigência”.
9
Nessa esteira, Pedro Lenza (2008, p. 686) apresenta os direitos políticos negativos como “[...] formulações cons-
titucionais restritivas e impeditivas das atividades político-partidárias, privando o cidadão do exercício de seus
direitos políticos, bem como impedindo-o de eleger um candidato (capacidade eleitoral ativa) ou de ser eleito
(capacidade eleitoral passiva)”.
10
Registre-se, todavia, que “[...] a excepcionalidade das restrições políticas não impede que o intérprete busque
o real sentido de suas normas de regência; nesse diapasão, impeditivos de natureza política podem inclusive
admitir leituras extensivas, desde que, obviamente, e com máximo cuidado, surjam como resultado de hipóteses
indubitavelmente comportadas pelo espírito da regra a ser decifrada. É o que ocorre, p. ex., com inelegibilida-
des reflexas direcionadas aos cônjuges, que acabam por abarcar situações de uniões estáveis e homoafetivas. A
ideia de que normas atinentes a restrições políticas não admitem hermenêutica elástica é, com efeito, um lugar-
comum na jurisprudência, embora em seu seio abundem exemplos que tranquilamente a desmentem” (ALVIM,
2016, p. 136).
arbitrária de direitos políticos. É o que se extrai de seu art. 15, que veda em termos
categóricos a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão somente se admi-
te nos casos elencados nos incisos que o seguem, criadores das hipóteses de perda e
suspensão de direitos políticos. Ao revés do que ocorre nas hipóteses lícitas de perda e
suspensão, a cassação de direitos políticos é “[...] casuística, persecutória e sem tempo
certo; tem destinatários específicos, não é universal e nem decorre de hipóteses genéri-
cas, abstratas e justificáveis, sendo por todas essas razões repelida em toda ordem que
se julgue democrática” (ALVIM, 2016, p. 136).
11
Rodrigues, Jorge e Liberato (2016, p. 152) explicam: “Nesse diapasão, é de se dizer que perda e suspensão não
são a mesma coisa, mas uma coisa é certa, a de que nem uma nem outra podem levar a uma sanção perpétua de
privação de direitos políticos. A suspensão é a privação por prazo determinado dos direitos políticos e a perda
é a privação por prazo indeterminado dos direitos políticos. Mas, em ambos os casos, poderá haver reaquisição
dos direitos políticos. Daí decorre que uma vez cessada a causa suspensiva o indivíduo retoma automatica-
mente os seus direitos políticos sem ter que passar novamente por um alistamento eleitoral, já que teria havido
apenas suspensão e não perda dos direitos políticos. Já no caso da perda dos direitos políticos, uma vez cessada
a causa que deu origem a perda dos direitos políticos será necessário que o indivíduo readquira os seus direitos
políticos. Porém, nem na perda e, logicamente, nem na suspensão, há a perpetuidade da privação dos direitos
políticos”.
12
O art. 15 elenca as causas de perda e suspensão sem especificá-las. A maioria doutrinária coincide em elencar
como hipóteses de suspensão a incapacidade civil absoluta, a condenação criminal transitada em julgado e a
improbidade administrativa; e como causa de perda, o cancelamento de naturalização por sentença transitada
em julgado. A celeuma gira em torno da recusa em cumprir obrigações a todos imposta ou cumprimento de
prestação alternativa, que alguns classificam como hipótese de perda, em virtude do fato de que constituições
anteriores o faziam expressamente, ao passo que outros a qualificam como caso de suspensão, tanto porque
não veicula fato irreversível como porque a Lei nº 8.239/91 assim a trata expressamente. Melhor se apresenta a
segunda corrente: embora a perda da nacionalidade para aquisição de outra (art. 12, §4º, II, CF) não conste do rol
do art. 15, é evidente que a hipótese implica restrição de direitos políticos, visto que estes apenas se franqueiam
aos nacionais. Logo, identifica-se no fato subjacente outra hipótese de perda de direitos políticos, além daquelas
do artigo comentado. Também assim, erige-se uma outra cláusula de suspensão de direitos políticos fora da lista
em estudo, consistente no efetivo exercício de cláusula de reciprocidade de direitos políticos em Portugal, em
virtude do disposto no art. 12 do Decreto nº 70.436/72. A distinção entre as causas de perda e suspensão, em todo
o caso, possui uma relevância eminentemente teórica, já que, na prática, as espécies surtem efeitos equivalentes:
se surgem antes do alistamento eleitoral, impedem a sua realização; se surgem depois, determinam o registro
da restrição no sistema de gerenciamento do cadastro eleitoral (ALVIM, 2016, p. 137).
13
Considerando a evidente diferença entre as consequências jurídicas dos variados crimes, assim como as funções
desempenhadas pelas penas, Moreno Hernández (2011) oferta uma interessante e incisiva crítica ao regime
mexicano, que, tal como o brasileiro, prevê a suspensão de direitos políticos por causas criminais de uma ma-
neira abstrata e inespecífica. À vista de seus argumentos, é lícito acreditar que o princípio da pena adequada e a
necessidade de respeito aos direitos humanos tornam desejável uma revisão da opção política, reservando uma
medida tão extrema a delitos mais gravosos, como, a propósito, se encontra na Argentina, país onde a supressão
automática das prerrogativas políticas só ocorre com a imposição de penas restritivas de liberdade superiores a
três anos.
14
É de se questionar a razoabilidade da imposição de restrições de direitos políticos em virtude da imposição de
medidas de segurança. Isso porque as medidas de segurança, ao contrário das penas corporais, encontram fun-
damento não na culpabilidade, mas na periculosidade do agente. Excluída a culpabilidade, por exemplo, por-
que aquele que violou a lei não estava em condições de conhecê-la, surge como solução mais justa a preservação
dos direitos políticos, dada a patente falta de fundamento lógico para a negação de um direito fundamental.
da Lei nº 8.429/92), o que equivale a dizer que a supressão das prerrogativas políticas,
nesse caso, não constitui um efeito imediato da condenação. Também assim, necessário
que a decisão de condenação por improbidade administrativa realize expressa menção
sobre a perda dos direitos políticos, de modo que estes permanecerão incólumes diante
de eventuais omissões.
A última causa de restrição alude à denominada escusa de consciência, garantida
pelo art. 5º, VIII, da CRFB, a dispor que “ninguém será privado de direitos por motivo
de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-
se de obrigação a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada
em lei”. Casos típicos de escusa de consciência são aqueles levantados por cidadãos
que tencionam escapar ao cumprimento do serviço militar obrigatório (art. 143, §1º,
CF) ou a participações como jurados em tribunais do júri (art. 453, CPP). No primeiro
caso, a suspensão deve ser comunicada pelo Comando Militar, que o fará com fulcro
na Lei nº 8.239/91; no segundo, a comunicação cabe ao juiz do Tribunal do Júri, com
base na legislação penal adjetiva. A restrição em estudo cessa com o cumprimento da
obrigação (geral ou alternativa), a qual deverá ser comprovada mediante a apresentação
de certidão.
[...] pela opção que o constituinte fez pelo sistema representativo, orientando-se preci-
puamente pelos princípios maiores – ou super princípios – da preservação do regime
democrático e da supremacia da soberania popular, aos quais se subordinam os da (i)
normalidade e legitimidade das eleições e (ii) probidade e moralidade para o exercício das
funções públicas eletivas. Não há regime democrático que se sustente sem que a repre-
sentação – extraída das urnas – atenda ao interesse público de lisura, não só da disputa,
como também do exercício do mandato, sob pena de desencantamento do seu soberano,
o povo, e daí o seu enfraquecimento. E, para a efetivação desses princípios, impõem-se
15
Na distinção de Novelino (2016, p. 501): “A inelegibilidade absoluta está relacionada a características pessoais,
atingindo todos os cargos eletivos e não podendo ser afastada por meio de desincompatibilização. Por seu cará-
ter excepcional, apenas a própria Constituição pode prever tais hipóteses, como o faz em relação aos inalistáveis
(estrangeiros e conscritos) e aos analfabetos (CF, art. 14, §4º). As inelegibilidades relativas em razão do cargo
eletivo e em razão do parentesco estão relacionadas à Chefia do Poder Executivo, podendo ser afastadas, em
certos casos, mediante desincompatibilização (CF, art. 14, §§5º a 7º)”.
restrições e limites à capacidade eleitoral passiva daqueles que trazem na sua vida, atual
ou pregressa, registros de fatos, circunstâncias, situações ou comportamentos – não ne-
cessariamente ilícitos – tidos como suficientes pelo ordenamento jurídico para despertar
a necessidade de preservação daqueles valores.
o caso de restrições atraídas pela realização de ilícitos eleitorais graves, como a compra
de votos, gasto ilícito de recursos ou abuso de poder.16
Walber Agra (2011, p. 45) chama a atenção para o fato de que o reconhecimento
da natureza de uma inelegibilidade como inata ou cominada pode levar a consequên-
cias distintas. Entre elas, vale destacar: a inelegibilidade inata advém exclusivamente
de sua tipificação jurídica, enquanto a inelegibilidade cominada, para além da previsão
normativa, necessita de um pronunciamento judicial ou administrativo que constate
a realização de uma conduta antijurídica; a inelegibilidade cominada pode ser aferida
no momento do pedido do registro ou posteriormente, quando o fato subsuntivo
ocorreu após a mencionada solicitação; paralelamente, as inatas sempre existem no
momento do registro de candidatura, ainda que somente sejam notadas depois.
As inelegibilidades são ainda chamadas “próprias”, quando vêm de condições
impeditivas previstas na Constituição ou em lei complementar, ou “impróprias”, quando
se refiram não à presença de um óbice normativo, mas, sim, à ausência de um requisito
para a apresentação de candidatura. Assim, resume-se que a inelegibilidade imprópria
leva esse nome porque não é, propriamente, uma inelegibilidade; não coincide com a
presença de um obstáculo, mas à falta de cumprimento de requisito mandatório para
postulação em disputa eletiva (ALVIM, 2016, p. 154).
Já quanto à amplitude dos efeitos impeditivos que carregam, as restrições em
exame comportam a divisão entre inelegibilidades absolutas e inelegibilidades relativas.
As inelegibilidades absolutas correspondem a hipóteses gerais, previstas na Constituição
Federal e na Lei Complementar nº 64/90, que impedem o cidadão sobre os quais incidam
de concorrer a toda e qualquer espécie de cargo eletivo. Por sua vez, as inelegibilidades
relativas constituem hipóteses que recaem especificamente sobre determinados cargos
ou pleitos, não impedindo que os cidadãos por elas atingidos concorram a cargos outros
sobre os quais não operem incidência. Diferenciam-se das inelegibilidades absolutas
porque não fulminam toda e qualquer pretensão eletiva e porque, em certos casos,
admitem afastamento mediante o procedimento de desincompatibilização.
As inelegibilidades relativas surgem ora de relações de parentesco, ora do exercí-
cio de cargos públicos, ora ainda de limites impostos à reeleição. Encontram justificativa
na preservação da igualdade de oportunidade entre os candidatos, isto é, no imperativo
equilíbrio da disputa, buscando depurá-la da influência abusiva de fatores políticos ou
colocando óbice ao intento antirrepublicano de perpetuação no poder, prestigiando a
renovação periódica da representação. Da mesma forma que as absolutas, também as
inelegibilidades relativas podem ser encontradas na Constituição (art. 14, §§ 5º a 7º) e
na Lei Complementar nº 64/1990 (art. 1º, incs. II a VI).
As inelegibilidades positivadas no ordenamento brasileiro podem ser melhor
visualizadas nas tabelas a seguir, que agrupam os impedimentos à elegibilidade de
acordo com os seus respectivos propósitos sobressalentes, a saber: a) a preservação
do equilíbrio da disputa; b) a garantia da idoneidade dos eleitos; e c) o respeito ao
princípio republicano.
16
Autoridade no tema, Adriano Soares da Costa (2016, p. 193-199) sintetiza os conceitos em análise da seguinte
forma: inelegibilidade inata como ausência de elegibilidade; inelegibilidade cominada como obstáculo ou perda
da elegibilidade. Em sua classificação, as inelegibilidades cominadas distinguem-se, ainda, em inelegibilidades
cominadas simples (válidas para essa eleição) e inelegibilidades cominadas potenciadas (válidas para eleições
futuras).
TABELA 1
Impedimentos tendentes a assegurar a igualdade na competição eleitoral
TABELA 2
Impedimentos tendentes a assegurar a idoneidade dos eleitos
(Continua)
(Conclusão)
TABELA 3
Impedimentos tendentes à preservação do princípio republicano
17
As diferenças ontológicas entre as diversas espécies de documentos internacionais são assim explicadas por
Plascencia Villanueva (BARRENA, 2012, p. 07): o convênio é um escrito celebrado entre Estados com grau de
formalidade menor do que o de um tratado que, normalmente, envolve assuntos econômicos ou comerciais
pendentes entre os aderentes; já os pactos correspondem a tratados solenes, escritos e condicionais entre duas
o Brasil acaba por se alinhar a outros países do mundo que procederam à abertura
política em prévias ondas de democratização.
No domínio eleitoral, o processo de consolidação se conclui com a conformação de
regulamentos estabelecidos em acordo com as regras e princípios gerais estipulados, en-
tre outros, na Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem (DADDH, 1948);
na Declaração Universal de Direitos Humanos (DUDH, 1948); no Pacto Internacional
de Direitos Civis e Políticos (PIDCP, 1966); na Convenção Americana sobre Direitos
Humanos (CADH, 1969); e no Código de Boa Conduta em Matéria Eleitoral (CBCME,
2002).
Em linhas gerais, esses instrumentos asseguram a participação política, a perio-
dicidade dos mandatos e a realização de eleições autênticas que devem primar pela
concessão de um sufrágio universal, igual e secreto (AMAYA, 2016, 52).18 A opção pela
conformação de princípios genéricos, segundo Sarlet (2016, p. 705), decorre da cons-
tatação de que os direitos de participação, a rigor, dizem respeito ao processo político
interno dos Estados, pelo que esses possuem margem de ação relativamente grande
para a configuração, nos planos constitucional, infraconstitucional e jurisprudencial,
de seu respectivo modelo democrático e do conteúdo e alcance dos respectivos direitos
a ele inerentes.
Logo, diversamente do que ocorre em outros setores, no que se aplica aos direitos
políticos e sua formatação concreta, o direito internacional dos direitos humanos sói
parar no estabelecimento de algumas “pautas mínimas”. A esse respeito, Adén (2013,
p. 394) acresce que as posturas eleitorais minimalistas surgem, nos pactos, em função
da premência de que se lhes confira uma operatividade ampla.19 Nesse diapasão, são
escassos os documentos internacionais que contemplam balizas mais específicas, como
adiante se verá.
Antes, esclareça-se que os países signatários de convenções relativas ao tema ficam
obrigados a não editar, em seus respectivos ordenamentos internos, regras eleitorais
restritivas de direitos políticos que escapem aos fundamentos nelas plasmados, os quais
surgem como verdadeiros “limites para o desenvolvimento legislativo” (AMAYA, 2016,
p. 60) de restrições aplicáveis ao direito de ser candidato. Portanto, é forçoso notar que
normas eventualmente exorbitantes daquelas fronteiras devem ser reputadas proibidas
ou ilegais, na medida em que representam um “exercício ilegítimo do direito estatal de
legislar” (BIDART CAMPOS apud AMAYA, 2016, p. 53).
Isso por certo acontece no cenário nacional, haja vista que a Constituição “[...]
faz ver a superioridade dos tratados internacionais sobre a legislação infraconstitucio-
nal [...], reconhecendo a sua prevalência sobre o direito ordinário”, como afirma Luiz
Guilherme Marinoni20 (SARLET et al., 2017, p. 1.370-1.371) e como reconhece o próprio
Supremo Tribunal Federal, desde o exame do Recurso Extraordinário nº 466.343, no
ou mais partes, nos quais se estabelecem direitos e obrigações aos quais as partes devem, reciprocamente, dar
cumprimento; por outro lado, as declarações consistem em documentos de caráter político nos quais se enume-
ram direitos e liberdades considerados essenciais; os códigos, por fim, aludem a conjuntos unitários, ordenados
e sistematizados de normas a respeito de uma determinada matéria.
18
Conforme arts. 21, DUDH; 25, PIDCP; e 23, CADH.
19
Dessa forma, os tratados internacionais de modo geral evitam regulamentar questões específicas que dependem
de aspectos ideológicos e culturais de cada Estado, como por exemplo sistemas eleitorais ou normas que im-
põem limites à reeleição.
20
Marinoni (SARLET et al, 2016, p. 1.370-1.371) ampara a sua afirmação numa análise conjugada de diversos dis-
positivos constitucionais, a saber os arts. 4º, parágrafo único; 5º, §§2º, 3º e 4º.
qual se discutiu sobre a legitimidade da prisão civil do depositário infiel. Naquele jul-
gamento, a Corte Suprema firmou posição pela superioridade normativa dos diplomas
internacionais.
Outrossim, em seu art. 5º, §2º, a CRFB rege que os direitos e garantias nela inscritos
são complementados por outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados,
ou dos tratados internacionais dos quais o Estado brasileiro seja parte. A respeito do
tema, Marcelo Peregrino Ferreira (2016, p. 75) leciona que a Carta de 1988 acabou por
criar “[...] um vaso de comunicação com o espaço internacional pela possibilidade de
incorporação de direitos e garantias surgidos neste cenário no ordenamento interno”.21
Como consequência, a Constituição Federal, em sua leitura (2016, p. 83):
[...] termina por, expressamente, incluir, no rol dos direitos com fundamento constitucional,
todos aqueles em que a República Federativa do Brasil seja parte. Autoriza-se, ou melhor
dizendo, preconiza-se a recepção pela ordem interna, no ordenamento jurídico brasileiro,
dos direitos e garantias fundamentais fixados em tratados internacionais. Daí dizer que
esses direitos previstos nos documentos internacionais pactuados pelo Brasil são norma
de incidência no país com todas as consequências dessa assertiva.22
21
A nova realidade, conforme o autor (2016, p. 76-77), aponta, ineludivelmente, para a existência de: “[...] um pro-
cesso dialogal concernente aos direitos humanos, sendo o reconhecimento, na seara internacional, producente
de significativas alterações no ordenamento doméstico com um fluxo contínuo e benfazejo de avanços na sua
construção. Avista-se um novo paradigma, assim, cuja marca se assenta na porosidade dos sistemas local, regio-
nal e internacional de proteção dos direitos humanos com sujeições e ganhos recíprocos na temática dos direitos
e garantias individuais em contraposição à pirâmide normativa de Kelsen”.
22
Sarlet (2016, p. 337) aclara que a Constituição, a despeito de se valer da expressão “tratados internacionais”,
pretende abarcar os diversos tipos de instrumentos internacionais, entre os quais as convenções, pactos interna-
cionais e diplomas afins.
23
Sobre o controle difuso, veja-se a indispensável lição de Marcelo Peregrino Ferreira (2016, p. 210-211): “E aos
juízes no Brasil, de todas as instâncias, de igual forma compete esse cotejo convencional, fortes na ‘teoria da
dupla compatibilidade material vertical’. O esquema apresentado por Sagués ilustra o papel do juiz nacional
agora elevado à condição de juiz interamericano: ‘Com efeito, se o juiz local deve fazer uma interpretação de
sua constituição ‘conforme’ o Pacto de San José da Costa Rica e na jurisprudência do Tribunal Interamericano
de Direito Humanos, o controle de constitucionalidade que também deve praticar tem que começar a partir de
uma Constituição convencionalizada, a saber (i) a constituição depurada de seus elementos não convencionais,
e (ii) além disso, conformada ou reciclada de acordo com o referido Pacto e a jurisprudência do Tribunal’”.
Ferreira, no entanto, observa que a ação dos juízes nacionais “deve ser coincidente com a interpretação dada
pela Convenção Americana, sob pena da existência de um controle de convencionalidade ‘à brasileira’, desto-
ante da tentativa internacional de uniformização de um ‘mínimo ético irredutível’ no campo dos direitos hu-
manos”. Ainda sobre o tema, Bastos Júnior e Santos (2015, p. 243) consideram que “de acordo com a construção
pretoriana da Corte Interamericana de Direitos Humanos, o exercício do controle de convencionalidade incum-
be primariamente aos próprios juízes nacionais e, de forma subsidiária, às instâncias de controle supranacio-
nal”. Conforme os autores (2015, p. 249): “Em decorrência do art. 25 (proteção judicial) c/c art. 2 (dever de adotar
disposições de direito interno) da Convenção, a Corte reconhece que todos os magistrados nacionais possuem
um poder-dever de realizar a confrontação da legislação nacional em relação às obrigações internacionais assu-
midas pelo país. Esta faculdade impõe aos togados um dever de dupla verificação de compatibilidade vertical
(controle de constitucionalidade e controle de convencionalidade). É justamente em face desse poder-dever que
os magistrados devem, a despeito de decisão vinculante emanada da Suprema Corte, negar vigência às regras
infraconstitucionais das inelegibilidades que sejam consideradas incompatíveis com a obrigação conferida aos
cidadãos nos termos do art. 23.2 da Convenção”.
24
Entendimento explicitado pelo Comitê de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas no Comentário
Geral nº 25 (1996), conforme anotado por Marcelo Peregrino Ferreira (2016, p. 68). Ferreira ainda recorda (2016,
p. 168) que o mesmo Comitê, no caso Gorji-Dinka versus Camarões, assentou que “os direitos de votar e ser eleito
não podem ser suspensos, salvo se houver estipulação legal objetiva e razoável. Neste caso, entendeu-se a violação
do direito do candidato pela retirada de seu nome na lista de candidatos com fundamento em seu antecedente
judicial. Afirmou-se, novamente, que somente a condenação poderia afastar o exercício do direito político”.
25
O Comitê de Direitos Humanos é o órgão criado para monitorar o cumprimento das obrigações pactuadas entre
os Estados signatários, cabendo-lhe ainda a publicação de comentários gerais e a emissão de pareceres a pedido
de interessados. Frise-se que o Comitê não é o único órgão responsável por aplicar o tratado. A quase universal
ratificação do Pacto implica que os tribunais nos quais os Estados dirimem controvérsias – sejam regionais ou
universais – formarão parte, com frequência, do cabedal de normas jurídicas aplicáveis a um caso concreto.
Assim, também os tribunais nacionais e internacionais especializados podem aplicar e interpretar os termos do
Pacto (BARRENA, 2012, p. 59).
26
Aliás, chama a atenção o fato de que o texto original simplesmente prescindia do assunto. Pérez-Moneo (2011,
p. 694) noticia que a exclusão era estratégica, fundada no receio manifestado por alguns Estados de que a previ-
são os pudesse vincular à adoção de sistemas eleitorais de tipo proporcional (opção historicamente descartada
pelo Reino Unido). Dado o impasse, o tratamento eleitoral, ainda que mínimo, viria apenas com a inclusão do
Protocolo nº 1, no ano de 1952.
27
“No incluye el Convenio Europeo las elecciones presidenciales. Podemos preguntarnos si no cabría una inter-
pretación evolutiva, al igual que se ha hecho con los municipios, en vez de literal del precepto. La respuesta es
complicada. Parece ir en contra de los criterios del Convenio de Viena que conceden importancia a los términos
literales del Convenio, pero podría resultar lógico pues existe una evidente representación política. Parecería
coherente que si el mantenimiento de las libertades fundamentales ‘se apoya sustancialmente en un régimen
político verdaderamente democrático’, este derecho garantice también la participación en las elecciones presi-
denciales, dado que hay que tener ‘a la vista la estructura constitucional del Estado de que se trate’ y que entre
las funciones propias de la Jefatura del Estado esta la de participar, al menos, en la fase final del procedimiento
legislativo (sanción y promulgación de las leyes)” (DALLA VIA, 2012, p. 18).
28
O processo de mutação na postura da CEDH é dessa forma descrito por Dalla Via (2012, p. 08): “En Europa
el precepto ha sufrido una lenta evolución. Fue inicialmente tan sólo una simple garantía institucional de la
existencia de elecciones libres y periódicas, una obligación internacional de los estados de organizar elecciones.
[...] Pero esta comprensión se transformó en 1987, en el importante Caso Mathieu-Mohin y Clerfayt, pasando a
[...] el Estado está legitimado para limitar el ejercicio de los citados derechos, sometiéndolos
a condición o regulando determinados límites al respecto. La Corte trata de justificar estas
limitaciones conectándolas con la idea de preservación de la democracia. Así dice que
“el pluralismo y la democracia se fundan sobre un compromiso que exige concesiones
concebirse como un derecho fundamental al sufragio activo y pasivo de los ciudadanos. Cabe hablar, parafra-
seando a Jellinek, de una mutación del Convenio Europeo, una transformación de la norma por el cambio de
jurisprudencia sin reformarse la disposición. El contenido de la garantía ha resultado notablemente extendido
tras superar el TEDH las iniciales desconfianzas de los Estados que temían se les impusiera un concreto sistema
electoral. Pero no ha sido así. El TEDH no se ha detenido desde entonces en la revisión de las irregularidades de
todo tipo en las elecciones, avanzando lentamente en su garantismo mediante una prudente aproximación prag-
mática, típicamente europea, especialmente en las democracias emergentes, pero también en las consolidadas”.
29
Gómez Fernández (2008, p. 292-293) igualmente sente que, apesar de sua redação equívoca, o TEDH entende
que o art. 3º da Convenção de Roma tem o seguinte conteúdo básico: por um lado, o reconhecimento de direi-
tos subjetivos de índole individual, o direito ao voto, o direito a apresentar-se como candidato em eleições e o
direito ao exercício do mandato no caso dos eleitos; por outro lado, o mandado dirigido ao Estado no sentido
de assegurar a realização de eleições periódicas livres, em condições que assegurem a liberdade de expressão
da opinião do povo. Segundo o autor, em um primeiro momento duvidava-se se o art. 3º contemplaria ou não
direitos subjetivos, mas a dúvida foi dissipada já nas primeiras sentenças do Tribunal sobre o tema.
30
Gómez Fernández (2008, p. 295) frisa que, nesses precedentes, o Tribunal põe em manifesto que os direitos
enunciados no art. 3 do Protocolo Adicional são cruciais para o estabelecimento e a manutenção dos fundamen-
tos de uma verdadeira regida pela proeminência do direito. Ademais, diz a Corte que esse artigo “[...] consagra
un principio característico de un régimen realmente democrático”.
31
Uma rápida pesquisa basta para que se repare a evidente discrepância entre o número de casos envolven-
do direitos políticos decididos pelo TEDH e pela Corte Interamericana de Direitos Humanos. Enquanto na
Europa a jurisprudência é farta e crescente, no continente americano apuram-se tão somente alguns casos, como
os célebres Yatama versus Nicarágua (2005), Castañeda Gutman versus México (2008) e López Mendoza versus
Venezuela (2011). Como explica Dalla Via (2012, p. 10), a desproporção se explica em função do fato de que no
velho continente – sobretudo nos países do Leste, que ainda completam uma longa fase de transição democrá-
tica – não é tão comum a institucionalização de tribunais e organismos eleitorais especializados, o que faz com
que as demandas rumem a um alto tribunal apto a solucioná-las.
diversas por parte de los individuos, que deben aceptar en ocasiones la limitación de
ciertas libertades de las cuales gozan a fin de garantizar una mayor estabilidad del país en
su conjunto” (Refah Partisi y otros c. Turquía, §99). El problema que se plantea entonces
es el de una justa conciliación entre los imperativos de la defensa de la sociedad demo-
crática de un lado, y los de la salvaguarda de los derechos individuales de otro (Partido
Comunista Unificado de Turquía y otros, §32).
Segundo o próprio TEDH (Py versus França, 2005), deve-se reconhecer que os
Estados, nesse âmbito, possuem uma “ampla margem de apreciação nacional”, o que
significa que contam com uma larga liberdade para regular e desenvolver os direitos
políticos e, inclusive, para estabelecer requisitos e condições de exercício ou limitações
atendendo a suas concretas circunstâncias sociais e históricas, dado que são eles, os
Estados, os que têm os inputs de maior qualidade para decidir essas questões (PÉREZ-
MONEO, 2011, p. 696). A aplicação da teoria da margem de apreciação nacional por
parte do Tribunal Estrasburgo é também consequência da ideia de que a lei internacional
não tem o objetivo de criar um modelo uniforme de democracia representativa para
todos os países, mas apenas impedir que os diferentes entes comunitários infrinjam os
direitos fundamentais (DALLA VIA, 2012, p. 15).
Sem embargo, como decidido no caso Etxberría versus Espanha (2009), a capaci-
dade normativa do Estado não é absolutamente livre, haja vista que o TEDH atua como
última instância de controle da vulneração desses direitos, exigindo que a regulação
estatal não restrinja as prerrogativas de tal forma que as torne irreconhecíveis ou as
prive de efetividade. Para isso, à Corte incumbe a aplicação sistemática dos devidos
“testes de proporcionalidade” sobre a legitimidade dos objetivos e a proporcionalida-
de dos meios utilizados para a regulamentação do exercício das capacidades políticas
(PÉREZ-MONEO, 2011, p. 696).
Nesse diapasão, Gómez Fernández (2008, p. 302) revisita o repertório jurispru-
dencial para concluir que o filtro de controle elaborado pelo TEDH, no que se refere aos
impedimentos à elegibilidade, deve verificar, ao menos, os seguintes aspectos: a) se as
exigências estabelecidas pelos Estados não são graves a ponto de impedir o exercício
do direito (isso porque a finalidade das condições impeditivas do sufrágio passivo
deve respeitar a liberdade de escolha dos eleitores, liberdade que resulta limitada se
se restringem de forma injustificada as opções políticas submetidas a votação); b) se
o organismo encarregado de verificar a concorrência das condições de elegibilidade é
imparcial, objetivo e justo em suas decisões; c) se as condições de elegibilidade perse-
guem uma finalidade legítima;32 e d) se as condições de elegibilidade, na medida do
32
Nessa esteira, o TEDH já considerou legítimo o impedimento à candidatura de funcionários públicos na região
onde atuam, se a finalidade é garantir a neutralidade política (Gitonas e outros versus Grécia, 1997); a exigência
de conhecimento do idioma oficial do Estado, quando a finalidade é garantir o bom funcionamento da institui-
ção a cuja eleição se concorre (Podkolzina versus Letônia, 2004), assim como a residência no Estado em que se
celebram as eleições, quando se tenciona que os mandatários conheçam de maneira profunda os problemas que
assolam a sociedade (Melnychenko versus Ucrânia, 2004). Em sentido contrário, em Aziz versus Chipre (2004) o
Tribunal reputou ilegítima a exclusão do sufrágio de uma minoria nacional, censurando a Constituição cipriota
no ponto em que previa a realização de duas eleições distintas, para turco-cipriotas e grego-cipriotas; e no caso
Labita versus Itália (2002), reputou-se afrontosa a exclusão do sufrágio passivo de um suposto mafioso não
condenado, com base apenas nas informações de um ex-comparsa em um procedimento de delação premiada;
em Albanese versus Itália (2006), o TEDH reputou ilegítima norma que excluía a elegibilidade de indivíduos
declarados falidos em processos civis. Por fim, para a análise sobre a legitimidade dos fins perseguidos são
emblemáticas duas decisões contrárias em relação a regras semelhantes: em Py versus França (2000), o TEDH
julgou legítima a exigência de residência habitual para a candidatura nas eleições da Nova Caledônia; a mesma
exigência, entretanto, foi considerada ilícita em Melnychenko versus Ucrânia (2004), pois, naquele caso, a inten-
ção era afastar do pleito ex-líderes da oposição democrática que se encontravam no exílio.
possível, não são absolutas, permitindo a valoração das circunstâncias pessoais de cada
indivíduo nos diversos casos concretos.33
33
A partir de um excerto relativo à causa Melnychenko versus Ucrânia (2004), Gómez Fernández (2008, p. 303)
resume a posição do TEDH em relação aos direitos políticos passivos: “Si bien es cierto que los Estados disponen
de un amplio margen de apreciación para establecer las condiciones de elegibilidad in abstracto, el principio de
efectividad de los derechos exige que el procedimiento que permita determinar la elegibilidad se acompañe de
las garantías para evitar la arbitrariedad”.
34
A tarefa principal da Comissão de Veneza é assessorar os países membros do Conselho da Europa em matéria
constitucional, com o fim de aprimorar o funcionamento das instituições democráticas e reforçar o esquema de
proteção dos direitos humanos naquele território (HERNÁNDEZ SANTOS, 2014, p. 04).
que a privação do exercício do direito de voto e de elegibilidade pode ser prevista, des-
de que submetida às seguintes condições cumulativas: a) a regra supressiva deve estar
prevista em lei; b) deve também respeitar o princípio da proporcionalidade; c) deve ser
fundamentada por interdição cujos motivos respeitem à saúde mental ou a condenações
por crimes graves; e d) a privação dos direitos políticos ou a interdição por motivos
relacionados com a saúde mental devem ser impostas por decisões necessariamente
advindas de um tribunal.35 A necessidade de intervenção judicial para a suspensão dos
direitos cívicos é, com efeito, bastante salutar, na medida em que “garante natural dos
direitos individuais” uma autoridade reconhecidamente democrática em função de
sua independência e sujeição ao ordenamento jurídico (PÉREZ-MONEO, 2011, p. 699).
35
Marcelo Peregrino Ferreira (2016, p. 191) observa que, à semelhança do que ocorre com a Convenção Americana
de Direitos Humanos, também o sistema europeu inadmite qualquer possibilidade de impedimento à elegi-
bilidade constituídos por autoridades administrativas e, tampouco, por condenações que não sejam oriundas
de crimes graves. Como se verá, a constatação oferece suporte ao argumento de que o regime brasileiro de
inelegibilidades extrapola a liberdade de configuração outorgada pelo sistema interamericano de proteção dos
direitos políticos, notadamente quando cria hipóteses de inelegibilidade decorrentes de atos administrativos ou
de decisões judiciais de índole não criminal (eleitorais ou cíveis).
36
“Pontua-se a relevância desta norma porque, além de assegurar o gozo dos direitos políticos, afirma-se a ne-
cessidade do acesso e de oportunidade para tanto. A participação nos assuntos públicos e igualdade na busca
das funções públicas deve ser vista, também, pela lente do oferecimento de oportunidades para a fruição desses
direitos políticos. A ‘oportunidade’ foi definida no caso López Mendoza vs. Venezuela (§107) como a criação
pelo Estado de condições e mecanismos, de ‘medidas positivas’ para a efetividade do direito” (Ferreira, 2016,
p. 150).
37
Anote-se, todavia, que a Corte Interamericana de Direitos Humanos rechaça o uso casuístico dos critérios legíti-
mos, registrando que a legitimidade de sua aplicação depende de que as leis que os veiculem o façam por razões
de interesse geral e de acordo com os propósitos para os quais foram estabelecidos (CIDH, OC 6/86).
38
No mesmo sentido, na apreciação da causa Yatama versus Nicarágua (2005), disse a CIDH que, no sistema
americano, a restrição aos direitos políticos “deve constar de lei; não ser discriminatória; basear-se em critérios
razoáveis; atender a um propósito útil e oportuno que a torne necessária para satisfazer um interesse público
imperativo e ser proporcional a este objetivo. Quando há várias opções para alcançar esse fim, deve se escolher
o que restrinja menos o direito protegido e guarde maior proporcionalidade com o propósito que persegue” (cf.
FERREIRA, 2016, p. 172).
39
Ao menos em dois casos a CIDH decidiu que a nacionalidade é um critério legítimo para a aquisição de direitos
e responsabilidades próprios do pertencimento a uma comunidade política. No caso Castañeda Gutman versus
México (2008), afirma-se que os direitos políticos possuem a particularidade de ser reconhecidos aos cidadãos
de cada Estado, à diferença de quase todos os demais direitos previstos na Convenção, que se estendem a todas
as pessoas. Do mesmo modo, no Caso López Mendoza versus Venezuela (2011), a Corte confirma que os titulares
dos direitos políticos são apenas os cidadãos (DALLA VIA, 2012, p. 11).
À cidadania como nacionalidade vem-se então agregando um conceito mais lato de cida-
dania como participação política para além desse vínculo ou ultrapassando-o em novos
moldes; um status activae civitatis baseado no jus domicilii; uma democracia mais inclusiva
ligada à necessidade de enfrentar os mesmos problemas – pelo menos, a nível local – por
aqueles que vivem em certa área e que se espera que aceitem os valores de liberdade e
igualdade da comunidade de acolhimento.
40
No direito internacional, não é incomum que se excluam dos direitos políticos as pessoas que residam fora do
território nacional. Como exemplo, mencione-se que a Constituição portuguesa, antes da revisão constitucional
de 1997, privava do voto presidencial os portugueses residentes no estrangeiro. Jorge Miranda (2007, p. 125),
entretanto, noticia que a regra foi suplantada em favor de uma política de extensão do sufrágio calcada numa
“nova ideia de país”, “mais ligada às pessoas do que ao território”. Na doutrina, em favor da exclusão pelo
critério de residência veja-se, v.g., Bidart Campos (2008, p. 175), que critica a opção permissiva adotada pelo
legislador argentino: “[...] los ciudadanos que no son habitantes de nuestro Estado, porque no viven acá, no
deben ser electores de autoridades argentinas, y ello por la muy simple razón de que si la constitución afirma
en su art. 45 que son elegidas por el ‘pueblo’, hay que formar parte de ese Pueblo, y no de la población de otro
Estado. Discrepamos, por eso, con la solución que en 1991 adoptó la ley 24.007”. Em sentido contrário, Moreno
Hernández (2011, p. 582) advoga a ideia de que os direitos políticos, como direitos humanos, devem ser con-
cedidos às pessoas sem distinções de origem, credo, orientação sexual ou nacionalidade. Logo, por pensar que
“[...] los derechos políticos no se acomodan muy bien al concepto en razón de que estos son ejercidos sólo por
los ciudadanos de un Estado y vedados a quienes no lo son [...]”, o professor mexicano tece críticas ao art. 33 da
sua Constituição.
41
O professor espanhol reporta que na América Latina a exigência de um mínimo de instrução consta das cartas
constitucionais de Brasil, Bolívia e Venezuela (que exigem a alfabetização); El Salvador (que exige “notória ins-
trução”) e Chile (que exige diploma de ensino médio ou equivalente).
42
Veja-se, nesse caminho, a posição de Ileana Fraquelli (2011, p. 31): “No corresponde imponer a los procesados
con prisión preventiva limitaciones que no sean estrictamente necesarias para asegurar su detención y segu-
ridad, o aquellas que faciliten la administración de justicia. Sostener lo contrario importaría aplicar una pena
anterior a la condena, menoscabar un derecho fundamental, como es el de participar del acto electoral y por
ende no respetar la dignidad humana aplicándole un trato degradante, que va más allá de la naturaleza de esta
medida de coerción personal”.
43
No primeiro caso, a Corte Interamericana julgou não autorizada regra que aplicava a inabilitação em decorrên-
cia de sanção disciplinar por irregularidade na execução orçamentária. No segundo caso termina com recomen-
dações da CIDH, no sentido de que o governo colombiano proceda à adequação de seu regulamento interno e,
ademais, torne sem efeitos os atos administrativos sancionatórios que impuseram a inabilitação ao reclamante,
em razão de supostas irregularidades cometidas no exercício da função de prefeito de Bogotá.
44
No Brasil, Volgane Carvalho (2014, p. 112-113) discorre sobre as diferentes leituras conferidas à regra convencio-
nal. Esclarece que, em contraposição a uma corrente literal, que enxerga no art. 23.2 “um rol taxativo de limita-
ções que não poderia ser alargado pelo direito interno”, há autores que enxergam a CADH como “um conjunto
normativo sistêmico, evitando pinçar excertos do texto e interpretá-los em um ambiente estéril”. A segunda
corrente cuida de procurar a mens legislatoris e, nessa busca, chega à “compreensão de que o rol de limitações
apresentado pela norma continental não tem caráter definitivo, pois isso implicaria deixar de reconhecer as
peculiaridades regionais. Assim, cada país poderá estabelecer em seus ordenamentos jurídicos internos as medi-
das limitadoras do exercício dos direitos fundamentais que compreender mais adequadas a suas necessidades,
desde que obedeçam aos princípios gerais do regime democrático. É dizer: desde que sejam proporcionais e
razoáveis, serão válidos”. Esse antagonismo de visão por vezes aparece no seio da própria CIDH, como revelam
as divergências plasmadas nos votos concorrentes dos juízes Diego García-Sayán e Eduardo Vio Grossi profe-
ridos na apreciação do caso Castañeda Gutman versus México (confira-se BASTOS JÚNIOR e SANTOS, 2015,
p. 238-239).
45
Anote-se, por importante, a dissidência de Marcelo Peregrino Ferreira (2016, p. 150-154), quem considera que a
cláusula que evidência “dever ser lida numerus clausus [...], dada a repercussão desses direitos fundamentais”.
Na visão do autor, a Convenção nega espaço para a limitação de direitos políticos com base em outros funda-
mentos, entre os quais o “propósito moralizante” chancelado pelo Supremo Tribunal Federal quando confirmou
a constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa. Para Ferreira (2016, p. 186), a leitura dada pela Corte ao caso
Castañeda Gutman é excepcional e só foi possível porque se entendeu que a medida relativa à filiação partidária
não restringia, mas antes promovia o exercício dos direitos políticos protegidos pelo art. 23 da Convenção.
pleno exercício dos direitos políticos, estabelece um sufrágio universal, igual, secreto
e obrigatório, e promove a igualdade real de condições entre homens e mulheres no
acesso aos cargos eletivos. Pedicone de Valls (2000, p. 208-209) entende que a reforma
incorporou à Carta expressões contidas apenas de maneira subjacente no formato an-
terior, conferindo o status de normas explícitas aos direitos de votar e ser votado, além
de participar das atividades políticas por intermédio dos partidos políticos, os quais
passaram a ser definidos como instituições fundamentais para o sistema democrático
daquele país.
Sintética, a Constituição argentina é, no que toca à regulação da participação,
ainda escassa em pormenores, limitando-se, em geral, a qualificar o modelo de sufrágio
com as características anteriormente mencionadas. Em termos específicos, o documento
orgânico apenas formula, em dispositivos esparsos, umas quantas exigências eleitorais
específicas para o acesso à representação nos diferentes espaços de poder (Senado,
Câmara dos Deputados e Presidência), além de retratar uma exigência geral e abstrata
alusiva à idoneidade para a ocupação de funções públicas (art. 16).46
No mais, entende a doutrina que a Constituição é terminativa naquilo que opta
por regulamentar. Desse modo, grassa na literatura acadêmica a percepção de que em
matéria de sufrágio passivo o legislador infraconstitucional argentino somente pode
fixar requisitos positivos ou negativos quando silente o texto maior. Consoante Bidart
Campos (apud PÉREZ CORTI, 2006, p. 256/257):
[...] como principio general ha de tenerse presente que cuando la constitución establece
las condiciones de elegibilidad para un cargo o función, ellas no pueden ser ampliadas
ni disminuidas por la ley ni por ninguna otra norma; en cambio, cuando guarda silencio,
aquellas condiciones pueden ser fijadas por los órganos competentes del poder constituido,
tanto como cuando expresamente se remite a la ley [...].
Ademais, é preciso gizar que, naquele país, a Carta Política (art. 75, inciso 22)
confere hierarquia constitucional a todas as normas provenientes de tratados relati-
vos aos direitos humanos, independentemente da necessidade de recepção mediante
quórum qualificado, à diferença do que ocorre no Brasil (art. 5º, §3º, CRFB). No ponto,
veja-se que, muito embora a própria a CIDH admita restrições ao sufrágio passivo fora
do catálogo do art. 23.2 do Pacto de San José (como visto em Castañeda Gutman versus
México), a jurisprudência entende que a expressão “exclusivamente” utilizada pelo
legislador convencional é determinante para denotar que o rol em questão é numerus
clausus e de interpretação extensiva. Assim, a Corte Suprema de Justiça da Nação (CSJN)
tende a rechaçar a possibilidade de criação de hipóteses de inelegibilidade alheias
aos critérios do Pacto naquele país (vide, p. ex., CSJN, Fallos 325:524). No diapasão da
jurisprudência argentina, conclui-se que, naquele país, a margem de ação reservada à
atividade legislativa comum é, no particular, bastante restrita, dado que duplamente
condicionada (à existência de omissão constitucional e à conformidade com o que consta
do catálogo de fundamentos inscrito no art. 23.2 da CADH).
46
O requisito de idoneidade imposto pelo art. 16 como única condição para o acesso a empregos públicos também
alcança, segundo Bidart Campos (2008, p. 176), os cargos representativos. Para o constitucionalista, nesse caso
a lei há de buscar tanto a idoneidade ética como uma “idoneidade técnica”, referente à reunião de aptidões ne-
cessárias ao exercício dessas funções específicas. Nada obstante, Bidart Campos reconhece que, nesse mister, o
legislador não pode se valer de proscrições ou discriminações arbitrárias que bloqueiem o acesso àqueles cargos,
sob pena de violar o que garante a CADH.
La interdicción para los primeros se ha basado en la relación de dependencia que surge del
voto de obediencia de los religiosos que pertenecen a órdenes o congregaciones, conforme
47
Armagnague (2010, p. 58), entre outros autores, aponta para o patente anacronismo na exigência de renda men-
sal mínima para a postulação de candidaturas. O estudioso pondera que o sufrágio qualificado pela riqueza
econômica é, em geral, próprio de sistemas medievais, onde a terra constituía o bem mais importante. Em sua
visão, chega a ser desnecessário assinalar quão injusta e discriminatória se revela essa espécie de segregação
legal.
48
Cumpra constar que, em caráter absolutamente excepcional, é possível pensar em exclusões políticas vitalícias
compatíveis com o sistema continental de proteção dos direitos humanos. O que se exige é que tais limita-
ções apresentem, indubitavelmente, finalidades razoáveis e proporcionais. Nessa linha, diga-se que a Comissão
Interamericana de Direitos Humanos (Informe 30/93) chancelou a vitaliciedade de uma causa da Constituição
da Guatemala que previa a inelegibilidade permanente do General Ríos Montt. No documento, a Comissão
declarou que o impedimento de sujeitos que tenham liderado movimentos ou governos de ruptura da ordem
institucional não ofende os princípios jurídicos da relação internacional e de defesa comum da consolidação de-
mocrática da região, para fazer efetivo o funcionamento do sistema constitucional e para defender a integridade
dos direitos de seus cidadãos.
TABELA 4
Impedimentos previstos na Constituição argentina
Previsão legal
Hipótese
(Constituição Nacional)
49
A compreensão do esquema argentino resulta complicada em função de sua intrincada taxionomia. O modelo
comporta distintas espécies de impedimentos, de sorte que o catálogo dos direitos políticos passivos ganha
vida no direito positivo mediante quatro diferentes institutos: incapacidades, inabilitações, incompatibilidades
e inelegibilidades. A despeito das distinções conceituais, para as quais se remete ao estudo de Pérez Corti (2012),
as espécies têm como denominador comum o efeito prático de obstaculizar o acesso à competição eleitoral.
50
O rol original de excluídos era consideravelmente mais extenso. Diplomas posteriores – Leis nºs 24.904 de 1997,
25.858 de 2004 e 26.571 de 2009 –, todavia, foram paulatinamente suprimindo outras hipóteses de exclusão
do cadastro, tornando mais amplo o espectro da participação. Da mesma forma, o antigo inciso “d” do art.
3º perdeu vigência em função de haver sido declarado inconstitucional pela CSJN (LL 2002-E-133, citado por
Fraquelli, 2011, p. 24, e por Adén, 2013, p. 407), que entendeu impossível negar o sufrágio aos presos provisó-
rios, em função do que prescreve o art. 23.1, “b”, da CADH, incorporada ao ordenamento argentino pelo art.
75, inciso 22, da Constituição Nacional. Para a CSJN, a privação do sufrágio dos réus processados constitui uma
restrição inadmissível de um direito fundamental, a qual não guarda qualquer relação nem com os fins da prisão
nem com as necessidades referentes à organização do sistema carcerário.
TABELA 5
Impedimentos previstos na legislação ordinária argentina
3 Condenação por violação à lei nacional sobre jogos de azar Art. 1º, Código Eleitoral Nacional
4 Sanção pela infração de deserção qualificada Art. 1º, Código Eleitoral Nacional
6 Exercício ativo em cargo das Forças Armadas, da Força de Art. 33, Lei Orgânica Nacional dos
Segurança Nacional ou do Poder Judiciário Partidos
7 Recebimento direto ou indireto de contribuições partidárias Art. 42, Lei Orgânica Nacional dos
oriundas de fontes vedadas Partidos
8 Imposição de pena de prisão por tempo superior a três anos Arts. 12 e 19, Código Penal
51
Pérez Corti (2013, p. 84) menciona também a existência de inabilitações provocadas por normas situadas fora da
legislação eleitoral. Nesse diapasão, os crimes de atentado ou resistência e de nomeação ou aceitação de nome-
ação irregular para cargos públicos (arts. 238 e 253 do Código Penal argentino).
[...] una estructura federal de conformidad con la cual las entidades federativas gozan de
amplia autonomía en lo que atañe a su régimen interior, incluyendo el ámbito electoral
por lo que respecta a las autoridades locales. En este sentido, la Constitución se limita
a señalar los lineamientos básicos a que habrán de sujetarse los sistemas, autoridades y
procedimientos electorales en las entidades federativas y que constituyen, finalmente, una
proyección de los mismos principios que rigen la materia en ámbito federal.
52
A jurisprudência argentina registra casos em que a inelegibilidade decorrente da decretação da pena de inabili-
tação especial surte efeito mesmo antes do trânsito em julgado. Nessa linha: “Un ciudadano sobre el que pesan
dos sentencias condenatorias de primera instancia – que no han adquirido firmeza – por la comisión de delitos
contra la administración pública, que incluyen la accesoria de inhabilitación especial perpetua, la que específica
e inexorablemente se relaciona con el ejercicio de cargos públicos, no reúne la condición de idoneidad suficiente
para ser candidato al cargo público – en el caso, senador nacional por una provincia que pretende” (CNE, Fallos
L.L. 2.004-B-996, cf. ARMAGNAGUE, 2010, p. 56).
53
“Algunos de esos requisitos aluden a calidades o condiciones intrínsecas de la persona, es decir, se trata de
propiedades inherentes al individuo. Otros requisitos tienen que ver con situaciones de tipo accidental, como
la incompatibilidad con ciertos cargos oficiales. Estas incompatibilidades pueden ser absolutas o relativas. Son
absolutas si no permiten despojarse de un cargo determinado para acceder a la condición de funcionario electo
pertence atualmente não somente aos partidos políticos, mas ainda aos candidatos
independentes que cumpram com as formalidades especificamente traçadas para tal
alternativa.54
Além disso, a Carta fixa regras de elegibilidade diferentes para as consultas
destinadas ao preenchimento de cargos nos Poderes Legislativo e Executivo nacionais.
Quanto às Casas Legislativas, os arts. 55 e 58 estipulam, respectivamente, os requisitos
para a ocupação dos cargos de deputado e senador. Assim, a aptidão para concorrer ao
Senado ou à Câmara dos Deputados depende, inicialmente, da reunião dos seguintes
condicionantes: a) cidadania nata; b) idade mínima de vinte e um anos (deputado) ou
vinte e cinco anos (senador) no dia da eleição;55 c) pleno exercício dos direitos (o que
implica a não incidência em hipóteses de privação de prerrogativas políticas); e d) nasci-
mento ou residência efetiva pelo mínimo de seis meses no Estado em que dá a eleição.56
Ao lado das referidas condições positivas, as regras em tela agregam, em fórmulas
confusas, as contrapostas condições negativas, relevadoras de impedimentos aplicáveis
às eleições legislativas. Assim, enfrentam óbices à concorrência naqueles pleitos: a) os
cidadãos em serviço ativo no exército federal, ou que ocupem posições de comando
na polícia ou na gendarmaria rural no distrito onde se desenvolve a eleição no período
de noventa dias antes dela; b) os titulares de organismos a que a Constituição confere
autonomia (como o Banco do México), assim como os Secretários e Subsecretários de
Estado e os titulares de quaisquer organismos descentralizados ou desconcentrados da
administração pública federal (como a petrolífera PEMEX), exceto quando desligados
definitivamente de suas funções nos noventa dias que antecedem as eleições; c) os mi-
nistros da Suprema Corte de Justiça, os magistrados e o Secretário do Tribunal Eleitoral
do Poder Judiciário da Federação, os Conselheiros dos conselhos locais ou distritais do
Instituto Nacional Eleitoral e o Diretor Executivo daquele Instituto, exceto se afastados
definitivamente de seus encargos três anos antes da data das eleições. Outrossim, a fração
V do art. 55 prevê que: d) os Governadores dos Estados e o Chefe de Governo da Cidade
do México não poderão ser eleitos nas entidades de suas respectivas jurisdições durante
o período de seus mandatos, ainda que abdiquem definitivamente de seus postos.57
Os pretensos candidatos ao Legislativo nacional tampouco podem ser ministros
de culto religioso. Esse impedimento se baseia no caráter laico do Estado mexicano e no
princípio da separação entre as funções públicas e as desempenhadas pelas confissões
o si claramente establecen que después de haber ocupado cierto puesto, nunca más podrá volverse a ocupar”
(ANDRADE SÁNCHEZ, 2010, p. 74).
54
Artigo com redação dada pela Reforma Constitucional de 2012, posterior ao exame do célebre caso Castañeda
Gutman versus México pela CIDH, em 2008.
55
Historicamente, o ordenamento mexicano tem evoluído no sentido de afrouxar as exigências de caráter etário
relativas às eleições para o cargo de senador. O texto original (1917) exigia a idade mínima de 35 anos, a qual foi
reduzida para 30 em 1972 e, posteriormente, para os atuais 25, na Reforma de 1999.
56
A condição de originário do Estado depende do quanto disposto nas constituições estaduais. Como regra, essas
normalmente definem a qualidade em função do nascimento ou da filiação. Lembrando que as eleições mexica-
nas são regidas pelo sistema de voto distrital misto, cabe pontuar que nas eleições proporcionais a origem local
toma como parâmetro as unidades federativas abrangidas pelo território em que se dá a disputa (ANDRADE
SÁNCHEZ, 2010, p. 75).
57
Andrade Sánchez (2010, p. 78) repara que a Constituição deixa de elencar a figura do Presidente entre as auto-
ridades que se enquadram no espectro das incompatibilidades. Em sua visão, o legislador constituinte parte da
premissa de que ao ocupante do cargo máximo do Executivo provavelmente não interessariam cargos políticos
de menor estatura; nada obstante, parece-lhe conveniente o fechamento da brecha, visto não ser absurda a
hipótese de que a um presidente pareçam atrativos o poder formal, a disponibilidade orçamentária ou o foro
privilegiado outorgados aos membros do Congresso Nacional.
58
De todo modo, a lei mexicana é ainda contundente em afastar a influência do poder religioso sobre os pleitos
eleitorais. Basta reparar que o art. 404 do Código Penal eleva à condição de crime a realização de proselitismo
político no contexto de missas, cultos ou qualquer tipo de cerimônia religiosa.
59
“La no reelección inmediata de los legisladores en un tema muy debatido, y existe la idea de que debería remo-
verse este impedimento para hacer más profesional la tarea legislativa. También se argumenta que ello permi-
tiría al elector premiar o castigar a los representantes populares y que la práctica internacional absoluta va en
el sentido de permitir la reelección inmediata, ya que sólo Costa Rica y México tienen una disposición similar.
En contra se aduce que favorecería el enquistamiento de grupos de poder, especialmente mediante la práctica
de poner condiciones al financiamiento de las campañas; cerraría las vías de acceso a la permeabilidad polí-
tica y sería un principio para abrir el camino a la reelección presidencial, que está absolutamente prohibida”
(ANDRADE SÁNCHEZ, 2010, p. 79).
60
ALÉM DA CONDIÇÃO DE MEXICANO POR NASCIMENTO, exige-se a não aquisição de outra nacionalidade
(art. 32 da Constituição). É necessário ainda que o candidato seja filho de mãe ou pai mexicano, nato ou natu-
ralizado. Originalmente, a Constituição (1917) exigia que ambos os pais fossem mexicanos natos, mas a regra
resultou atenuada na Reforma de 1993.
61
Segundo o art. 36 da Constituição, o cidadão mexicano tem as seguintes obrigações: a) inscrever-se perante a
administração municipal, declarando bens, profissão e fontes de renda, e ademais requerendo a entrada no
Registro Nacional de Cidadãos; b) alistar-se na Guarda Nacional; c) votar em eleições e consultas populares, nos
termos da lei; d) desempenhar os cargos de eleição popular da Federação ou das entidades federativas, que em
nenhum caso serão gratuitos; e) desempenhar os cargos de vereança no município onde resida, assim como as
funções eleitorais e a de jurado.
TABELA 6
Impedimentos previstos na Constituição mexicana
Previsão legal
Hipótese (Constituição Política dos
Estados Unidos Mexicanos)
Cabe alertar que a fração II do art. 38 da Constituição conflita com o que consta do
art. 46 do Código Penal Federal mexicano. Ao tempo em que a Carta Política reza que os
direitos ou prerrogativas do cidadão ficam suspensos pela sujeição a processo criminal
por delito reprimido com a pena de prisão, o Código Penal prevê que a suspensão tem
início com a efetiva produção da prisão. A contradição, obviamente, acarreta dúvidas
a respeito do momento em que se produz a suspensão de direitos políticos no Direito
mexicano. No enfrentamento do processo SUP-JDC-85/2007, conhecido como “caso
Pedraza”, o Tribunal Eleitoral do Poder Judiciário da Federação (TEPJF) considerou
que a suspensão dos direitos políticos a que se refere o art. 38-II da Constituição não
opera ipso facto, submetendo-se à necessidade de materialização da prisão provisória.62
Logo, acabou por prevalecer a tese de que a mera formalização do auto de prisão não
é condição suficiente para a suspensão dos direitos políticos, o que só ocorre quando
o processado seja colocado em prisão provisória (GARCÍA MANRIQUE, 2011, p. 548).
Sem embargo, a Suprema Corte de Justiça nega a existência de antinomia, tor-
nando despicienda a questão sobre qual norma deverá prevalecer. Como resume García
Manrique (2011, p. 551-552), entende o tribunal que no ordenamento jurídico mexicano
a suspensão dos direitos políticos opera em três instâncias distintas: a) como medida
62
No mesmo caso o TEJPF acabou por considerar legítima a causa de suspensão inscrita no art. 38-V da
Constituição. O acórdão registra que o constituinte andou bem em suspender os direitos políticos dos foragidos
da justiça, apoiando-se basicamente em duas razões: a) que o foragido, por sua situação, não está em condições
adequadas para exercer seus direitos políticos, visto que se apresenta como um cidadão “invisível e não localizá-
vel”; e que o foragido não acredita um elemento essencial referente ao “bom cidadão”: o respeito às autoridades
e às normas da comunidade (GARCÍA MANRIQUE, 2011, p. 564-565).
provisória associada a um processo, durando o que dura este; b) como pena acessória
à prisão, durando o que dura esta; e c) como pena autônoma (frações II, III e VI do art.
38 da Constituição). Assim sendo, o art. 46 refere-se apenas a uma delas, a contemplada
na fração III, pelo que não pretende regular os efeitos do auto formal de prisão, mas
exclusivamente os efeitos da pena de prisão em matéria de suspensão de direitos.
A necessidade de efetiva prisão foi reforçada pelo TEPJF no deslinde do processo
SUP-JDC 85/2007, no bojo do qual se deixou de suspender os direitos políticos de um
cidadão que permanecia solto sob fiança. No relato de García Manrique (2011, p. 555),
para chegar a tal conclusão, o Tribunal parte de duas premissas: a) o catálogo de direi-
tos constitucionais não é um catálogo fechado, podendo ser ampliado pelo legislador
ordinário e, também, por convênios internacionais; b) o rol de direitos fundamentais
deve ser interpretado de maneira extensiva. Fincado nesses argumentos, o Tribunal
conclui que a Constituição estabelece bases para admitir que a suspensão constante
do art. 38-II não é absoluta e que, ademais, a solução se demonstra de acordo com o
previsto no art. 25 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, que estabelece
que a suspensão das prerrogativas políticas não deve ser indevida. O acórdão, inclusive,
faz menção à Observação Geral nº 25 do Comitê de Direitos Políticos da ONU, que,
em 1996, aclarou que se entende por indevida a privação do direito de voto dirigida a
pessoas que não tenham sido condenadas.
63
De acordo com o Tribunal Constitucional espanhol, a prerrogativa do art. 23.2 compreende não somente o aces-
so ao cargo, mas o direito à permanência no mesmo (ius in officium). Conforme a Corte, o dispositivo assegura
“no solo el acceso igualitario a las funciones y cargos públicos, sino también que los que hayan accedido a los
mismos se mantengan en ellos sin perturbaciones ilegítimas y los desempeñen de conformidad con lo que la Ley
disponga, ya que en otro caso la norma constitucional perdería toda eficacia si, respetando el acceso a la función
o cargo público en condiciones de igualdad, su ejercicio pudiera resultar mediatizado o impedido sin remedio
jurídico” (sentença 161/1988, ratificada nas sentenças 32/1985, 24/1989 e 11/1996, cf. ÁLVAREZ CONDE; TUR
AUSINA, 2016, p. 448).
Segue-se que, malgrado a Constituição disponha que são elegíveis todos os espa-
nhóis em pleno gozo dos direitos políticos (art. 68.5), a elegibilidade supõe a observância
das exigências fixadas pelo art. 6 da Lei Orgânica do Regime Eleitoral Geral (LOREG).
Os requisitos em questão são: a) maioridade;64 b) nacionalidade (ou residência65); e c)
não incidência em situações de incompatibilidade ou causas de inelegibilidade.66
No que tange aos direitos políticos negativos, no sistema espanhol são também
formados pela junção de hipóteses de inelegibilidade e incompatibilidade. Na dicção do
art. 3 da LOREG, ficam afastados das capacidades políticas ativa e passiva, em primeiro
lugar, (a) os condenados por sentença judicial transitada em julgado a pena principal
ou acessória de privação do direito de sufrágio durante o tempo de seu cumprimento.
Nesses casos, a supressão opera independentemente de qual seja a situação do conde-
nado (esteja em regime de prisão, esteja em liberdade condicional). A restrição surge
como efeito automático da pena privativa de liberdade, produzindo efeitos concretos
a partir do início do cumprimento da pena (ALCUBILLA, In: ALCUBILLA; GARCÍA-
CAMPERO, 2009, p. 180).
Ademais, suspendem-se os direitos políticos (b) dos indivíduos declarados
incapazes em virtude de sentença judicial transitada em julgado que, expressamente,
considere-os inaptos ao exercício do sufrágio, assim como os (c) dos internados em
hospital psiquiátrico com autorização judicial, sempre que da autorização conste ex-
pressamente a incapacidade para o exercício daqueles direitos.
Outrossim, ficam inelegíveis, em função do prescrito no art. 6, 2, da LOREG:
(d) os condenados, por sentença judicial com trânsito em julgado, a pena privativa de
liberdade, pelo tempo que dure a condenação; e (e) os condenados por sentença, ainda
que passível de recurso, a crimes que o ordenamento espanhol considera mais graves, a
saber os delitos de rebelião e terrorismo, além de crimes contra a Administração Pública
ou contra as Instituições de Estado quando o édito condenatório haja estabelecido a pena
de inabilitação para o exercício do sufrágio passivo ou a inabilitação política absoluta
ou especial, ou ainda quando haja imposto a pena de suspensão de emprego ou cargo
público nos termos descritos pela legislação penal.
64
O ordenamento não estipula nenhuma discriminação etária quando da regulação dos direitos políticos ativos e
passivos. Nesse contexto, ao atingir a maioridade o cidadão espanhol fica simultaneamente habilitado a votar e
a concorrer a qualquer cargo de representação política. A opção faz com que a Espanha tenha, potencialmente, a
classe política mais jovem de toda a Europa (ALCUBILLA, In: ALCUBILLA; GARCÍA-CAMPERO, 2009, p. 180).
65
Para as eleições municipais e do Parlamento Europeu dispensa-se a nacionalidade espanhola em favor do re-
quisito de residência, cumulado com a condição de cidadania europeia (art. 13, Constituição espanhola, c/c arts.
117.1 e 210 (bis), LOREG, e art. 8.1 do Tratado Constitutivo da União Europeia).
66
No país em exame, as incapacidades correspondem a situações restritivas inescapáveis e alheias à vontade do
agente que as enfrenta; por outro lado, as inelegibilidades decorrem de opções voluntárias (notadamente da
acumulação de cargos) que podem, via de regra, ser afastadas pela vontade do agente mediante o desligamento
(ALCUBILLA, In: ALCUBILLA; GARCÍA-CAMPERO, 2009, p. 180). Em paralelo com a legislação brasileira,
as incompatibilidades espanholas correspondem às nossas inelegibilidades absolutas, ao tempo em que suas
inelegibilidades remetem às inelegibilidades relativas, afastáveis mediante atos de desincompatibilização. A fim
de evitar confusões, no presente estudo o termo “inelegibilidade” é usado indistintamente, tal como ocorre no
Direito nacional.
TABELA 7
Impedimentos previstos na Lei Orgânica do Regime Eleitoral Geral
67
Segundo o art. 10 da Lei Orgânica 6/2002, a dissolução judicial de um partido político será determinada pelo
órgão competente nos seguintes casos: a) quando incorra em crimes de associação ilícita tipificados no Código
Penal; ou b) quando vulnere de forma continuada, reiterada e grave os princípios democráticos ou procure de-
teriorar ou destruir o regime de liberdades ou impossibilitar ou eliminar o regime democrático. Por outro lado,
a declaração de ilegalidade pode ocorrer, nos termos do art. 9, mediante alguma das seguintes condutas, reali-
zadas de forma reiterada e grave: a) vulnerar sistematicamente as liberdades e direitos fundamentais, promo-
vendo, justificando ou eximindo de culpa os atentados contra a vida ou a integridade das pessoas, ou a exclusão
ou persecução das pessoas por razões de ideologia, religião ou crenças, nacionalidade, raça, sexo ou orientação
sexual; b) fomentar, propiciar ou legitimar a violência como método para o alcance de objetivos políticos ou
para fazer desaparecer as condições necessárias para o exercício da democracia, do pluralismo e das liberdades
políticas; c) complementar e apoiar politicamente a ação de organizações terroristas para a consecução de seus
fins de subverter a ordem constitucional ou alterar gravemente a paz pública, tratando de submeter os poderes
públicos, grupos ou pessoas em geral a um clima de terror, ou contribuir para multiplicar os efeitos da violência
terrorista e do medo e da intimidação gerada pela mesma. O apartado 3 do art. 9 dispõe que as circunstâncias
mencionadas serão constatadas quando um partido produza, reiterada ou cumulativamente, algumas das se-
guintes condutas: a) dar apoio político expresso ou tácito ao terrorismo, legitimando ações terroristas para a
obtenção de fins políticos à margem dos canais pacíficos e democráticos, ou isentando de culpa ou minimizando
seu significado e a violação de direitos fundamentais que os atos comportam; b) acompanhar a ação de violência
com programas e atuações que fomentem uma cultura de enfrentamento e confrontação civil ligada à atividade
de terroristas, ou que tencionem intimidar, fazer desistir, neutralizar ou isolar socialmente aqueles que se opo-
nham à mesma, fazendo-lhes viver cotidianamente em um ambiente de coação, medo, exclusão ou privação bá-
sica das liberdades e, em particular, da liberdade para opinar e participar livre e democraticamente dos assuntos
públicos; c) incluir regularmente em seus órgãos diretivos ou em suas listas eleitorais pessoas condenadas por
delitos de terrorismo que não hajam condenado publicamente os fins e os meios terroristas, ou manter um am-
plo número de filiados com dupla filiação a organizações ou entidades vinculadas a grupos terroristas ou vio-
lentos, salvo se tenham sido adotadas medidas disciplinares contra esses indivíduos tendentes à sua expulsão;
d) utilizar como instrumentos da atividade do partido, conjuntamente com os próprios ou em substituição dos
mesmos, símbolos, mensagens ou elementos que representem ou se identifiquem com o terrorismo ou violência
e com as condutas associadas ao mesmo; e) ceder, em favor de terroristas ou seus colaboradores, os direitos e
prerrogativas que o ordenamento concedem aos partidos políticos; f) colaborar habitualmente com entidades ou
grupos que atuem de forma sistemática de acordo com uma organização terrorista ou violenta, ou que ampare
ou apoie o terrorismo; g) apoiar desde as instituições que governa, com medidas administrativas, econômicas
ou quaisquer outras, as entidades mencionadas no parágrafo anterior; h) promover, dar cobertura ou participar
de atividades que tenham por objeto recompensar, homenagear ou distinguir as ações terroristas ou violentas
ou aqueles que as cometem ou com elas colaboram; i) dar cobertura a ações de desordem, intimidação ou coação
social vinculadas ao terrorismo ou à violência.
68
A declaração de ilegalidade do Batasuna foi objeto da Sentença de 27 de março de 2003, proferida pela Sala
Especial do Tribunal Supremo da Espanha. A agremiação afetada recerrou, sem êxito, tanto ante o plenário do
Tribunal Constitucional como, posteriormente, perante a CEDH (Herri Batasuna versus Espanha, 2009).
TABELA 8
Impedimentos tendentes a assegurar a igualdade de
oportunidades entre os concorrentes na Espanha
TABELA 9
Impedimentos tendentes a garantir a neutralidade política
do cargo ou função pública na Espanha
TABELA 10
Impedimentos tendentes a assegurar a transparência e a
objetividade do processo eleitoral na Espanha
69
No caso das eleições presidenciais, o ordenamento reúne condições semelhantes às do direito brasileiro. O art.
122º da Carta lusitana exige, nesse caso, tanto a nacionalidade originária como a idade superior a 35 anos.
70
Como resume Humberto Alves (2016, p. 104), são estes os cargos atrativos de incompatibilidades segun-
do a lei portuguesa: Presidente da República; membros do Governo; membros do Tribunal Constitucional,
Supremo Tribunal de Justiça, Tribunal de Contas, Conselho Superior da Magistratura, e do Conselho Superior
da Administração; Procurador-Geral e Provedor de Justiça; Deputados ao Parlamento Europeu; Membros do
Governo das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira; Embaixadores nomeados de fora do serviço diplo-
mático; Governadores civis e vice-governadores; Presidentes de conselhos municipais e vereadores designados
para tempo inteiro ou mensagens a tempo parcial; Funcionários e empregados de outras organizações públicas
estaduais; Os membros da Comissão Nacional de Eleições; membros dos gabinetes ministeriais ou o equivalente
legal; Funcionários de organizações internacionais ou estrangeiras estaduais; Presidente e Vice-Presidente do
Conselho Económico e Social; membros da Alta Autoridade para a Comunicação Social; membros do Conselho
de empresas estatais, empresas com capitais estatais ou empresas em que o Estado é o acionista maioritário, bem
como instituições públicas independentes.
71
Sem prejuízo da necessidade de respeito ao princípio da reserva legal, a doutrina portuguesa acusa a existência
de hipóteses de inelegibilidades implícitas em conformidade com o texto constitucional. No particular, veja-se
a lição de Jorge Miranda (2007, p. 137): “As incapacidades eleitorais passivas ou inelegibilidades acarretam res-
trições a um direito fundamental, pelo que têm de ser entendidas restritivamente. No entanto, aqui, como em
relação a outros direitos, têm de ser admitidas outras restrições além das expressamente cominadas nos precei-
tos constitucionais – as únicas são as referentes à inelegibilidade do Presidente da República (arts. 123º e 130º,
nº 3) – ou por eles autorizadas – as respeitantes aos militares e agentes militarizados dos quadros permanentes
em serviço efectivo, bem como aos agentes dos serviços e das forças de segurança (art. 270º). Tem de se admitir
outras impostas pelos princípios ou por interesses constitucionalmente protegidos (art. 18º, nº 2, 2ª parte)”.
TABELA 11
Impedimentos explicitamente previstos na Constituição portuguesa
(aplicáveis apenas ao Presidente da República)
Previsão legal
Hipótese
(Constituição da República Portuguesa)
TABELA 12
Impedimentos implicitamente decorrentes da Constituição portuguesa
TABELA 13
Impedimentos gerais para todos os cargos das Autarquias Locais
Previsão legal
Cargo ocupado / condição ostentada
(Lei Orgânica nº 1/2001)
TABELA 14
Impedimentos especiais (válidos para os círculos locais
onde os agentes exercem funções ou jurisdição)
câmaras municipais ou de juntas de freguesia só podem ser eleitos para três mandatos
consecutivos.
2.6 Conclusão
Os estudos de Direito Comparado buscam, como regra, identificar as semelhanças
e diferenças evidenciadas entre ordenamentos jurídicos distintos com o propósito de
avaliar o estádio evolutivo, a afinação e a qualidade de um arranjo normativo particular.
Quando envolvem os tratados, esses estudos permitem ainda um julgamento direcio-
nado ao grau de conformação do sistema de direito interno em relação aos direitos e
garantias assegurados em um nível comunitário supraestatal.
No presente caso, o tema da elegibilidade foi objeto de um duplo esforço com-
parativo, a envolver, num primeiro momento, o conjunto de diplomas transnacionais
com maior ascendência sobre a matéria política (Declaração Universal dos Direitos
Humanos, Convenção Americana de Direitos Humanos, Pacto Internacional de Direitos
Civis e Políticos, Convenção Europeia de Direitos do Homem e Código de Boa Conduta
em Matéria Eleitoral) e, em seguida, a configuração do direito à candidatura em quatro
sistemas estrangeiros selecionados para um exame por amostragem entre a América e
a Europa (Argentina, México, Espanha e Portugal).
À vista das informações levantadas, conclui-se, em primeiro lugar, que os pac-
tos internacionais pertinentes ao esquema de proteção dos direitos políticos adotam,
em geral, posturas distantes, cautelosas e minimalistas, notadamente direcionadas à
celebração de garantias gerais sob fórmulas relativamente abstratas, atinentes à cele-
bração de eleições legítimas, com sufrágio universal e voto secreto (casos nos quais se
enquadram a Declaração Universal dos Direitos Humanos, o Convênio Europeu sobre
Direitos Humanos e o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos).
No entanto, verificou-se que, em alguns casos, o âmbito de alcance desses docu-
mentos tem sido alargado pela ação jurisprudencial, mediante a assunção sistemática
de posturas ativas em favor da proteção dos direitos políticos fundamentais (emblemá-
tico, nessa linha, o trabalho desenvolvido pela Corte Europeia de Direitos Humanos).
Por outro lado, em nível transnacional a tônica abstinente é quebrada pela
Convenção Americana de Direitos Humanos e pelo Código de Boa Conduta em Matéria
Eleitoral, coincidentes em estipular fronteiras claras para a limitação de direitos polí-
ticos no ordenamento interno dos Estados sob sua jurisdição. Nos termos da CADH, a
regulação do exercício dos direitos políticos no âmbito interno dos países signatários
deve exclusivamente se fundar em motivos de idade, nacionalidade, residência, idioma,
instrução, capacidade civil ou mental ou condenação, por juiz competente, em processo
penal. Noutra banda, o CBCME prescreve que o exercício do sufrágio pode estar con-
dicionado à idade mínima, à nacionalidade ou à residência, e que a privação do direito
do voto e da elegibilidade deve constar de lei, respeitar o princípio da proporcionalida-
de ser fundamentada por interdição em função da saúde mental ou condenação pela
prática de crimes graves.
Em um segundo exame horizontal, realizado agora entre os países constantes da
amostra, verifica-se (ao menos no que diz com o universo selecionado) a pertinência de
críticas hoje presentes na doutrina, no sentido de que o regime brasileiro de inelegibili-
dades é excessivamente pródigo (BASTOS JÚNIOR; SANTOS, 2015, p. 224) e claramente
dissonante do quadro encontrado na cena estrangeira (FERREIRA; ORTIZ, 2017, p. 03).
TABELA 14
Impedimentos à elegibilidade no Direito Comparado72
(ponderação quantitativa da seleção amostral)73 74
Total de
Condições de Causas de
impedimentos
elegibilidade suspensão Entraves
decorrentes
(comuns a ou perda Inelegibilidades legais à
de direitos
todos os cargos de direitos candidatura74
políticos
nacionais) políticos
negativos73
Brasil 6 5 17 22 28
5 18 (deputado)
(+) 1 (Senador /
19 (senador)
Argentina Presidente) 7 6 13
(+) 1
20 (presidente)
(Presidente)
4 20
México (+) 1 6 2 8 21
(Presidente) (presidente)
Espanha 3 3 5 8 11
Portugal 1 6 3 9 10
Fonte: elaboração própria
72
Os números foram obtidos a partir de um exercício de aproximação conceitual, por meio da qual as restrições
identificadas no Direito estrangeiro foram classificadas em função de sua natureza, consoante a taxionomia
própria ao Direito brasileiro. Desse modo, as exigências etárias e de nacionalidade foram classificadas como
“condições de elegibilidade” independentemente da nomenclatura que recebem nos respectivos sistemas, e
assim por diante.
73
Número obtido a partir da soma das causas de perda/suspensão de direitos políticos com as hipóteses de
inelegibilidade.
74
O termo “entrave” é utilizado de forma neutra, isenta de carga valorativa. Nesse sentido, também os requisitos
positivos (como a idade mínima e a nacionalidade) são contabilizados como entraves ao sufrágio passivo, uma
vez que a sua falta evidentemente neutraliza o exercício daquela prerrogativa.
75
As causas de perda e suspensão parecem absurdas a Marcelo Peregrino Ferreira (2016, p. 257-258): “No plano
constitucional, causa espécie a previsão normativa de perda e suspensão de direitos políticos, ainda que seja ve-
dada a sua cassação (art. 15 e art. 37, §4º). Isto porque, como salientado, mesmo nos casos de comoção social, os
direitos políticos, de acordo com o artigo 27 da Convenção Americana de Direitos Humanos, não podem sofrer
turbação. Em particular, nos casos de recusa de cumprimento de obrigação a todos imposta ou prestação alter-
nativa – a objeção de consciência – a suspensão de direitos políticos destoa do parâmetro mínimo convencional”.
76
É preciso lembrar, contudo, que o caráter exaustivo do rol do art. 23.2 da Convenção Americana é matéria contro-
versa no universo da doutrina. Com efeito, a exclusividade do rol de fundamentos legitimadores de limitações
de prerrogativas políticas (posição majoritária entre os autores brasileiros, como Bastos Júnior e Santos, além de
Marcelo Peregrino Ferreira) é posta em xeque tanto pela alternativa da hermenêutica sistemática (defendida v.g.,
por Bidart Campos, Pérez Corti, Dalla Via e Salas Cruz) como por autores que se vergam ao pragmatismo, ante
a casuística oferecida pelos julgados da CIDH; nesse sentido, Scott Davidson (apud SALAS CRUZ, 2015, p. 214),
embora acredite que a lista de potenciais restrições do art. 23.2 deva ser vista exclusiva, inadmitindo ampliações,
percebe na jurisprudência da Corte Interamericana alguns julgados que debilitam essa visão.
77
Como se nota, apenas as inelegibilidades inatas (previstas na alínea “a”) sobrevivem ao filtro de convencionali-
dade proposto pelos especialistas.
78
Em suas palavras (2016, p. 321-322): “A lei brasileira, com o objetivo de atingir tal importante desiderato, tentou
aprisionar em conceitos objetivos aquelas pessoas indesejáveis para a participação em eleições. Para as eleições
de 2014, estimam-se como inelegíveis (‘pessoas potencialmente inelegíveis’), fichas-sujas, o surpreendente nú-
mero preliminar de 346.742 (trezentos e quarenta e seis mil setecentos e quarenta e duas) pessoas. Ao fazê-lo,
diminuindo, sobremaneira, o universo de candidatos e promovendo o expurgo de centenas de milhares de pes-
soas de seus direitos políticos, terminou por afastar, igualmente, o direito de voto dos cidadãos e da livre escolha
de seus representantes na tríplice dimensão dos direitos políticos apresentada”. Marcelo Peregrino Ferreira
acrescenta que o direito individual coletivo à candidatura tem, como contraface, um direito coletivo de opção
dos cidadãos, como decidido pela CIDH em Chitay Nech versus Guatemala (2010), em julgado do qual o autor
pinça o seguinte excerto: “O Tribunal nota que no desenvolvimento da participação política representativa, os
eleitos exercem sua função por mandato e designação e em representação de uma coletividade. Esta dualidade
recai tanto sobre o direito do indivíduo que exerce o mandato ou designação (participação direta) como no
direito da coletividade representada. Neste sentido, a violação do primeiro repercute na vulneração do segun-
do”. Cuida-se de argumento reproduzido na Corte Europeia em Zanodka versus Letônia (2006) e explorado em
valioso trabalho de Bill Bowring (2007), professor da Universidade de Londres.
de autoridades políticas (alíneas “b”, “c”, “g” e “k”); d) as inelegibilidades geradas por
presunção (art. 1º, inciso I, alínea “i” e inciso II, alíneas “b”, “d”, “f”, “g”, “h”, “i” e “j”);
e) as inelegibilidades fundadas em condenação judicial civil (art. 1º, inciso I, alíneas
“c”, “d”, “g”, “h”, “j”, “l”, “n”, “p”); e f) aquelas violadoras da coisa julgada ou em
retroatividade maligna.
Tudo pesado, há razões de sobra para que a comunidade jurídica brasileira co-
mece a repensar o quadro regente do sufrágio passivo no sistema nacional. É evidente
que, no país, o acesso à candidatura, tanto em número como em substância, tem sido
dificultado em termos provavelmente carentes de paralelo no cenário mundial. Assim
sendo, urge clamar por uma reforma estrutural que resgate a função legitimadora da
oferta eleitoral, regulamentando o instituto da elegibilidade em termos razoáveis e dis-
cretos, compatíveis com a lógica universalmente reinante entre os países democráticos
e, especialmente, com o conteúdo dos pactos internacionais protetivos dos direitos
humanos, a fim de que não se debilite o exercício do direito fundamental de acesso às
funções políticas nem o gozo do direito fundamental de escolha dos representantes.
Nesse diapasão, já não é dado olvidar que a configuração aplicável ao regime das
prerrogativas políticas determina, em medida importante, tanto a qualidade como o
modelo de democracia que se planeja construir.
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(Tratado de Direito Eleitoral, v. 3.) ISBN 978-85-450-0498-1.
CLARISSA MAIA
3.1 Introdução
Em um estado formulado sob o modelo de democracia no qual o princípio funda-
mental da soberania popular destina aos seus cidadãos a titularidade da vontade sobre
os assuntos políticos da comunidade, a definição dos direitos e garantias de participação
popular é a nota essencial para a própria caracterização da sociedade.
Revela-se, então, a inequívoca importância de se auferir o conteúdo e a correta
extensão daquilo que se denomina de direitos políticos, os quais, na festejada classifica-
ção de Jellineck, são decorrentes do status civitates, englobando as dimensões do direito
subjetivo de votar – jus suffragii – e do direito subjetivo de ser votado – jus honorum – e,
assim, participarem os cidadãos das decisões políticas do Estado (apud SARLET, 2007,
p. 183-184).
Verifica-se, pois, que os direitos políticos formam o microssistema jurídico de
princípios e prerrogativas que prescreve a cidadania e informa as diversas maneiras de
exercício da soberania popular em uma democracia, tendo estes o relevo de serem os
primeiros direitos reconhecidamente fundamentais ao indivíduo, posto que se inserem
nas garantias de liberdade contra o arbítrio estatal.
Desta forma, com referência ao Estado brasileiro, tal qual se extrai da Constituição
Federal de 1988, os direitos políticos pertencem à categoria de direitos e garantias
fundamentais de primeira geração (ou dimensão), pois são pressupostos de primeira
hora e insubstituíveis para a conformação livre da esfera pública, haja vista formarem
estruturalmente a base do regime democrático sob o qual se assenta a garantia de pre-
servação de todos os demais direitos fundamentais (GUEDES, 2013, p. 660).
1
Sobre o Poder Moderador, explica Andrei Koerner (1998, p. 42): “[...] o Poder Moderador, que era irresponsável,
e o Poder Executivo, que se fundava na responsabilidade política do gabinete, não eram distintos claramente.
Manteve-se uma zona de incerteza, que ‘transformava o monarca, de fato, em fonte do poder absoluto’. O
imperador tinha, entre outras atribuições, o poder de fazer os ministérios, dissolver a câmara, convocar novas
eleições e escolher os senadores vitalícios”.
2
“Art. 92. São excluidos de votar nas Assembléas Parochiaes. I. Os menores de vinte e cinco anos, nos quais se não
comprehendem os casados, e Officiaes Militares, que forem maiores de vinte e um anos, os Bachares Formados,
e Clerigos de Ordens Sacras. II. Os filhos familias, que estiverem na companhia de seus pais, salvo se servirem
Officios publicos. III. Os criados de servir, em cuja classe não entram os Guarda livros, e primeiros caixeiros
das casas de commercio, os Criados da Casa Imperial, que não forem de galão branco, e os administradores das
fazendas ruraes, e fabricas. IV. Os Religiosos, e quaesquer, que vivam em Communidade claustral. V. Os que
não tiverem de renda liquida annual cem mil réis por bens de raiz, industria, commercio, ou Empregos [...] Art.
94. Podem ser Eleitores, e votar na eleição dos Deputados, Senadores, e Membros dos Conselhos de Provincia
todos, os que podem votar na Assembléa Parochial. Exceptuam-se I. Os que não tiverem de renda liquida annual
duzentos mil réis por bens de raiz, industria, commercio, ou emprego. II. Os Libertos. III. Os criminosos pronun-
ciados em queréla, ou devassa” (BRASIL, 1824).
3
Segundo relata Afonso Arinos em sua obra “A Câmara dos Deputados – Síntese histórica”, naquela época, o voto
era extremamente censitário, pois abrangia pouco mais de 1% da população. Como lembra este autor, existiam
cerca de 12 milhões de habitantes em 1881 e apenas 150 mil eleitores (FRANCO, 1973, p. 03).
4
Brasil. Lei nº 387, de 19 de agosto de 1866. Rio de Janeiro. Disponível em: <http://camera.gov.br/internet/colecoes/
Legislacao>. Acesso em: 12 dez. 2017.
5
Brasil. Decreto nº 842, de 19 de setembro de 1855. Rio de Janeiro. Disponível em: <http://camera.gov.br/internet/
colecoes/ Legislacao>. Acesso em: 12 dez. 2017.
6
A lei recebeu o nome do autor do seu projeto, o Deputado do Partido Liberal José Antônio Saraiva.
instituindo o voto direto e secreto; embora fossem mantidas, sob as mesmas exigências
anteriores para alistabilidade e elegibilidade, a comprovação de renda e posição social
e ainda a exclusão do voto do analfabeto.
A Lei Saraiva também ampliou as incompatibilidades eleitorais, impôs penalida-
des rigorosas contra as fraudes e expandiu o voto aos naturalizados, católicos e libertos.
Com a proclamação da República o direito de sufrágio foi ampliado, mas ain-
da permaneceu a exclusão das mulheres e dos analfabetos e foram estabelecidas na
Constituição de 1891 outras exceções no parágrafo 1º do art. 70, incluindo também os
mendigos, as praças de pré e os religiosos de ordens monásticas, companhias, congre-
gações ou comunidades sujeitas a voto de obediência.7
Não obstante ainda se manter restritivo, uma considerável parcela da população
adquiriu sua cidadania, em destaque os trabalhadores rurais para os quais foi permitido
participar das eleições. Entretanto, o direito de voto não foi acompanhado da autonomia
social e econômica, razão pela qual esses trabalhadores mantiveram-se sob o domínio
patriarcal dos latifundiários aos quais eram vinculados.
Criou-se, então, uma grande base de eleitores sem qualquer emancipação política,
pois eram estes absolutamente subjugados pelo dono das terras para o qual serviam.
Assim sendo, os fazendeiros eram detentores de expressivo volume de votos tutelados
sob o seu mando, os quais funcionavam como moeda de troca para uma relação direta
com os detentores do poder público. A este sistema de trocas de favorecimentos Victor
Nunes Leal (1998, p. 273-274) denomina de “coronelismo”, explicando-o nos seguintes
termos:
[...] Eis aí a debilidade particular do poder constituído, que o levou a se compor com o
remanescente poder privado dos donos de terras no peculiar compromisso do ‘coronelis-
mo’. Despejando seus votos nos candidatos governistas nas eleições estaduais e federais,
os dirigentes políticos do interior fazem-se credores de especial recompensa, que consiste
em ficarem com as mãos livres para consolidarem sua dominação no município. Essa
função eleitoral do ‘coronelismo’ é tão importante que sem ela dificilmente se poderia
compreender o do ut des que anima todo o sistema.
O quadro do coronelismo já era percebido nos períodos precedentes. Contudo, faltava-
lhe o ingrediente político conquistado na República com a ampliação do sufrágio e com
a “política dos governadores”, que se instala com o federalismo e fortalece a política
localizada e a autonomia de governo dos estados.
Por estas razões, a Primeira República, embora figurado na Constituição de 1891 como
alvorecer de uma cidadania inclusiva, não se apresentou efetivamente sob o signo da
universalidade do sufrágio. Ao contrário disto, observa-se nestes anos a consolidação de
um regime oligárquico, pautado no comando econômico, social e político de uma minoria,
que excluía a participação popular da competição eleitoral.
Com efeito, uma candidatura independente era absolutamente inviável, não precisamente
por restrições jurídicas a capacidade eleitoral passiva, mas por domínio do sistema de
poder e do processo eleitoral, notabilizado por diversos meios de fraude as quais caracte-
rizaram a “mentira eleitoral” vivenciada neste período, tal qual descreve Alexa Machado
Campos (2007, p. 43) nas seguintes palavras:
A democracia política tinha um conteúdo apenas formal: a soberania popular significa-
va a ratificação das decisões palacianas e a possibilidade de representação de correntes
7
BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil. Decretada e promulgada em 24 de fevereiro de
1891. Rio de Janeiro. Disponível em: <http://camera.gov.br/internet/colecoes/ Legislacao>. Acesso em: 12 dez.
2017.
democratizantes era anulada pelo voto descoberto, a falsificação eleitoral, o voto por
distrito e o chamado terceiro escrutínio, pelo qual os deputados e senadores cujo os
mandatos fossem contestados submetiam-se ao reconhecimento de poderes por parte da
respectiva casa do Congresso.
(...) entre a Constituição jurídica e a Constituição sociológica havia enorme distância; nesse
passo se cavara também o fosso social das oligarquias e se descera ao precipício político
do sufrágio manipulado, que fazia a inautenticidade da participação do cidadão no ato
soberano de eleição dos corpos representativos.
8
Importa destacar que o processo de redemocratização após a derrocada do Estado Novo foi protagonizado pelo
Poder Judiciário, pois a chefia provisória do Executivo ficou a cargo do presidente do STF, a quem também
coube a chefia de organização da justiça eleitoral e a presidência da Assembleia constituinte.
9
BRASIL. Emenda Constitucional nº 01, de 17 de outubro de 1969. Promulgada a emenda à Constituição de 1967.
Brasília, 17 de outubro de 1969. Disponível em: <http://camera.gov.br/internet/colecoes/ Legislacao>. Acesso em:
20 de nov. 2015.
10
Cumpre observar que quando promulgada a Emenda de Revisão nº 04 em 1994 já haviam transcorrido 24 anos
da aprovação da Lei Complementar nº 05/1970, bem como cerca de 12 anos do movimento contrário a esta que
resultou na Lei Complementar nº 42, de 1982. Ao contrário do despertar de esperanças no processo democrá-
tico da década de 1980, vivenciava-se a desilusão de um Presidente da República que sofrera impeachment e
de inúmeros casos de corrupção sendo investigados pelas Comissões Parlamentares de Inquérito, com ampla
repercussão da opinião pública. Portanto, sem as devidas ressalvas e contextualizações ao ambiente democrá-
tico inserido, foram simplesmente ressuscitados os termos “probidade administrativa e a moralidade para o
exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato”.
“motivos ponderosos”: cidadania portuguesa (cfr., porém, art. 15º/3 e 4 da CRP, relativo à
cidadania da União Europeia e à cidadania da CPLP”), residência, inexistência de doenças
psiquiátricas ou de penas de restrição temporária.
Com este viés, o autor diferencia elegibilidade das condições de elegibilidade, afirmando
serem estas os pressupostos para o nascimento daquela, que, sendo um estado jurídico,
decorre necessariamente de um fato jurídico, in casu, o registro de candidatura válido
(COSTA, 2013, p. 67):
11
Situação que ocorre quando o réu em AIJE não é o candidato, mas cabo eleitoral que em nome da candidatura
de terceiro pratica o ato abusivo, sendo, pois, nos termos da Lei Complementar nº 64/60, condenado à pena de
inelegibilidade.
que esta penalidade, a par de efetivamente não trazer consequências práticas ao réu
condenado, causa constrangimentos à sua orbita jurídica, posto que atinge e restringe
o seu direito político subjetivo.
12
Há também diversos autores que contestam a presença de um corpo coerente de postulados e propostas que
se dissociem de modelos preexistentes do constitucionalismo e sejam capazes de revelar a novidade. Esta é a
opinião de Elival da Silva Ramos em “Ativismo judicial: parâmetros dogmáticos. São Paulo: Saraiva, 2010” e
Dimitri Dimoulis em “Positivismo jurídico: introdução a uma teoria do direito e defesa do pragmatismo jurídico-
-político. São Paulo: Método, 2006”. Sob outra vertente, Luís Roberto Barroso admite o neoconstitucionalismo
como fenômeno mundial e aferível à realidade brasileira por reconhecer presentes os seus caracteres: “como
marco teórico, o conjunto de mudanças que incluem a força normativa da Constituição, a expansão da jurisdição
constitucional e o desenvolvimento de uma nova dogmática da interpretação constitucional”. Cf. BARROSO,
Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito: o triunfo tardio do direito constitucional
no Brasil. Revista da Procuradoria Geral do Estado, São Paulo: Centro de Estudos da PGE, 63/64: 1-49, p. 216, jan./
dez. 2006.
13
Sobre o tema, explica Claudio Ladeira de Oliveira (2008, p. 5448): “(...) a referência à corrupção nas instituições
abertamente políticas é, há muito, recorrente na imprensa e nos diálogos públicos, de um modo tal que parece
pertencer à fauna e flora nacional, o que acaba por estimular um sentimento de rejeição da política que tende a
abranger de modo difuso os partidos políticos, as instâncias parlamentares e o poder executivo. Com isso a po-
lítica ‘prática’ ganha conotações não exatamente virtuosas, o que confere ares de ‘extravagância de intelectual’
à tentativa de usar a política legislativa como critério moralmente legítimo para qualquer coisa. Em segundo
lugar, especialmente nas faculdades de direito, mas também em grande parte na sociedade civil, as instituições
‘não diretamente’ políticas do Judiciário e do Ministério Público são vistas como parcialmente responsáveis pela
consolidação das instituições democráticas e pela atuação direta no combate à corrupção”.
Empreendemos uma cruzada pela moralidade na Política e o Direito Eleitoral foi eleito
a trilha de salvação. Veja: não a educação, não a formação para a cidadania e sim, as re-
gras sobre propaganda, recursos em campanha e habilitação à candidatura. Ocorre que,
constantemente, os ímpetos higienistas carregam doses importantes de autossuficiência
e de certeza. Reforçados pelo argumento do apoio popular, não costumam ser contidos
pelas barreiras e limites impostos pela Constituição.
(...) Segundo seus apoiadores, a delimitação dos requisitos para o exercício do direito ao
sufrágio passivo não está contida apenas no rol das competências constitucionais, podendo
ser deduzida pelo intérprete a partir do próprio sistema jurídico.
14
Como bem pontua Gilberto Guerzoni Filho: “Efetivamente, o processo de transição teve lugar com uma tônica
antipolítica e antipartidária, buscando, efetivamente, afastar os políticos da gestão do sistema eleitoral e entre-
gá-la a um órgão supostamente neutro e o mais distante possível do seu objeto. Ou seja, no Brasil, a implantação
de um sistema eleitoral democrático se caracterizou não pelo amadurecimento do sistema político-partidário,
mas pela desconfiança sobre este”. Cf. GUERZONI FILHO, Gilberto. A Justiça Eleitoral no Brasil: a desconfiança
como elemento fundamental de nosso sistema eleitoral. Revista de Informação Legislativa, Brasília, ano, 41, n. 161,
p. 43, jan./mar. 2004.
Assim foi que, inspirados pelo clamor popular de moralização no quadro políti-
co nacional, ante os diversos exemplos de detentores de mandato eletivo com notória
indignidade para exercerem cargos públicos, e baseados no princípio da moralidade
pública e na diretriz hermenêutica da força normativa da Constituição, uma corrente
doutrinária e jurisdicional da qual se destacou como grande expoente o então Ministro
do STF e Presidente do TSE, Carlos Ayres Brito, desenvolveu uma tese na qual se de-
fendia que a moralidade seria uma condição implícita de elegibilidade.
Desta forma, quando do exame das condições de elegibilidade para deferir o
registro de candidatura, o Juiz eleitoral deveria igualmente analisar a vida pregressa do
candidato e auferir se este teria uma reputação ilibada para, no caso de eleito, exercer
uma função pública.
Segundo os defensores desta tese a Emenda nº 04/94, que formulou o texto atual
do artigo 14, §9º, da Constituição Federal, ao prescrever que para proteger a probida-
de administrativa a moralidade do candidato para o exercício de mandato deverá ser
considerada, introduziu assim nova condição de elegibilidade vinculada ao princípio
da moralidade.
Argumentam os que se filiam à tese da moralidade como condição implícita de
elegibilidade que, no confronto entre o princípio da universalidade do sufrágio e o
princípio da moralidade, prevaleceria este em razão do perfil normativo que se revela
nos direitos políticos, pois, segundo afirmam, embora os direitos políticos sejam con-
siderados direitos fundamentais, são estes de uma categoria diferente dos demais, haja
vista não serem envolvidos com a órbita jurídica que relaciona diretamente o indivíduo,
mas sim com a coletividade.15
Desta forma, em sessão do Tribunal Superior Eleitoral, quando em julgamento
do Recurso Ordinário 1069 TRE-RJ, em 15 de setembro de 2006, o Ministro Carlos Ayres
Brito defendeu a tese da moralidade como condição implícita de elegibilidade na qual
reconheceu aos direitos políticos, sobretudo à sua vertente de elegibilidade, um perfil
normativo diverso dos demais direitos fundamentais de primeira geração.
Nas palavras do Ministro Carlos Ayres Brito, os direitos e garantias fundamen-
tais se alinham em blocos ou subconjuntos classificados em razão da vinculação com
protoprincípios constitucionais distintos. Assim, estaria o bloco dos direitos políticos
mais próximo dos princípios da soberania popular e do princípio da democracia repre-
sentativa ou indireta, que possuem valores coletivos. Em razão disto, “os titulares dos
direitos políticos não exercem tais direitos para favorecer imediatamente a si mesmos,
diferentemente, pois, do que sucede com os titulares de direitos e garantias individuais
e os titulares dos direitos sociais”.16
15
Nas palavras do Ministro Carlos Ayres de Brito no julgamento da ADPF 144: “Nos princípios políticos, o exer-
cício da soberania popular e da democracia representativa não existe para servir aos titulares do direito, mas
à coletividade, em favor da polis”. ADPF 144/DF- STF, Rel. Celso de Mello. Julgada em 06 de agosto de 2008.
Disponível em: <http: www. tse.gov. br>. Acesso em: 18 set. 2017.
16
RO 1069 proveniente do TRE-RJ, Rel. Ministro Marcelo Henriques Ribeiro de Oliveira, julgado em 20.09.2006.
Disponível em: <http: www. tse.gov. br>. Acesso em: 18 set. 2017.
17
RO 1069 proveniente do TRE-RJ, Rel. Ministro Marcelo Henriques Ribeiro de Oliveira, julgado em 20.09.2006.
Disponível em: <http: www. tse.gov. br>. Acesso em: 18 set. 2017.
18
O voto do Relator foi acompanhado por oito ministros da Corte Constitucional: Menezes Direito, Cármen Lúcia,
Ricardo Lewandowski, Eros Grau, Cezar Peluso, Ellen Gracie, Marco Aurélio e Gilmar Mendes; nos quais todos
referendaram a preservação do princípio-garantia da presunção de inocência e sua necessária observância, tam-
bém, na esfera de fruição dos direitos políticos e das capacidades eleitorais.
19
“A suposição de que o Poder Judiciário possa, na ausência de lei complementar, estabelecer critérios de avaliação
da vida pregressa de candidatos para o fim de definir situações de inelegibilidade importaria na substituição da
presunção de não culpabilidade consagrada no art. 5º, LVII, da Constituição (‘ninguém será considerado culpado até
o trânsito em julgado de sentença penal condenatória’) por uma presunção de culpabilidade contemplada em lugar
nenhum da Constituição (qualquer pessoa poderá ser considerada culpada independentemente do trânsito em
julgado de sentença penal condenatória). Essa suposição não me parece plausível”, “(...) o justiçamento não é
meio idôneo de se construir uma democracia madura, sendo a presunção de inocência de natureza bifronte:
neutraliza os excessos do Estado e gera garantias aos cidadãos. É dizer, o poder de plantão não tem a vida
civil das pessoas ao seu dispor. Os que defendem – digo eu – essa inelegibilidade conjectural não se dão conta
do Estado Leviatã, totalitário, à base dessa cosmovisão tuteladora dos indivíduos, que ficariam submetidos à
vontade de um denunciador qualquer, ainda que revestido de múnus público. A presunção de inocência é uma
conquista dos cidadãos, oposta aos seus pares e ao Estado” (ADPF 144-DF, REL. Ministro Celso de Melo, julga-
do em 06.08.2008).
20
ADPF 144-DF, REL. Ministro Celso de Melo, julgado em 06.08.2008.
21
Como explica Dimoulius (2006), diferente do moralismo, o positivismo jurídico entende inaceitável que se utili-
ze de preceitos morais para corrigir norma de direito válido, considerando este ato como “descumprimento de
normas vigentes”.
3.5 Conclusão
Tendo-se em vista a relevância da forma como são reconhecidos e exercidos os
direitos políticos em uma sociedade democrática, extrai-se destes a categorização de
fundamentalidade vinculada às primeiras liberdades públicas do cidadão, a partir da
qual serão assentadas as garantias de fruição dos demais direitos fundamentais.
Considerando-se a essencialidade dos direitos políticos para a caracterização do
regime democrático, tem-se a partir deste sistema uma troca recíproca de informações,
que por um lado decorre da soberania popular, mas por outro é responsável pela pró-
pria gestação deste fundamento. Ou seja, a ideia e a forma de exercício da soberania
popular em um Estado Democrático são consequências da maneira como se percebem
e se exercitam os direitos políticos nesta comunidade, ao tempo em que a existência
dos direitos políticos advém do princípio da soberania popular.
Assim sendo, entende-se que a definição axiomática do microssistema constitu-
cional dos direitos políticos, vinculada aos princípios norteadores da universalidade,
inclusão e pluralidade, se coadune com o espírito político consagrado na Constituição
Federal de 1988.
Não obstante, percebe-se que a atual pauta corretiva e relativista do moralismo
jurídico se desenvolve em profusão no Direito Eleitoral, especialmente no que diz res-
peito à fruição da capacidade eleitoral passiva, pois fundado na ideia de “demonização
da política”, a qual atribui à jurisdição eleitoral o papel de reserva moral do processo
eleitoral, busca-se promover uma higienização da política, limitando-se as candidaturas
por meio da ampliação de restrições ao exercício da elegibilidade.
Contudo, atenta-se ao fato que a própria história brasileira demonstrou que exa-
tamente nas passagens mais autoritárias da política nacional, ou seja, nos momentos
em que existiram reservas às liberdades públicas e garantias individuais, a ideia de
restringir a capacidade política passiva foi associada à presença de elementos vincula-
dos à moralidade do indivíduo, levando em consideração a sua vida pregressa e com
vistas à probidade administrativa.
Destarte, aludidos condicionamentos de caráter moral, embora sejam razoáveis –
sobretudo quando compatibilizado aos valores republicanos tão prestigiados na
Constituição de 1988 – são critérios fluidos e subjetivos, próprios de escolhas autoritárias.
Se antes esta tarefa competia direta, ou indiretamente ao Executivo, que se utilizava
dos mesmos artifícios para excluir da disputa partidária os que ameaçavam seus inte-
resses; atualmente atribui-se à Justiça Eleitoral a seleção prévia daqueles que tenham
presumida conduta moral para serem sujeitos ao crivo popular. Em ambos os casos, o
fundamento para o filtro moral se perfaz na desconfiança em relação à capacidade de
escolha do eleitor, por consequência, apequena-se a democracia.
Observa-se hodiernamente que a legitimidade das eleições e a sua reivindicação
moral são pautadas pela Justiça Eleitoral de forma corretiva, educadora e disciplinante
direcionada à própria configuração política do Estado. Ou seja, verifica-se na jurisdi-
ção eleitoral a pretensão de promover o implemento de um perfil político ao Estado
brasileiro, cujo desenho, por mais que inspirado em valores republicanos, é idealizado,
mas não propriamente real.
Conclui-se, enfatizando a crítica ao predomínio deste fluido moralismo jurídico
que contamina toda a jurisdição eleitoral – desde o juiz eleitoral singular até a Corte
Constitucional quando em julgamento de questão político-eleitoral –, pois se entende
que a ordem constitucional consagrada em 1988 é capaz de estabilizar a política pelos
valores nela consagrados, sabidamente destacados sob o signo do sufrágio universal
e do pluralismo político.
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2
COSTA, Adriano Soares da. Instituições de Direito Eleitoral: Teoria da Inelegibilidade – Direito Processual
Eleitoral. 9. ed. v. 1. Belo Horizonte: Fórum, 2013, p. 176.
3
Lei Complementar nº 64/90: “Art. 2º Compete à Justiça Eleitoral conhecer e decidir as arguições de inelegibilidade”.
4
Competência já prevista desde o Código Eleitoral, da Lei nº 4.737/65: “Art. 237. A interferência do poder econô-
mico e o desvio ou abuso do poder de autoridade, em desfavor da liberdade do voto, serão coibidos e punidos”.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L4737.htm>. Acesso em: 15 maio 2017.
5
Propagandeada, pois, ao final, foi apresentada como Subemenda Substitutiva Global ao Projeto de Lei
Complementar nº 168/1993. Além disso, o projeto teve 29 emendas, modificando por completo o PL que anga-
riou apoio popular.
6
Melhor nomenclatura seria Lei da “Ficha Suja”, o que prevê a LC nº 135/2010.
7
Junto aos crimes contra a economia popular, a fé pública, a administração pública, o patrimônio público, o mer-
cado financeiro, pelo tráfico de entorpecentes e os crimes eleitorais, já presentes na redação original, a “Ficha
Limpa” acrescentou à alínea “e” os crimes contra o patrimônio privado, o mercado de capitais e os previstos
na lei que regula a falência, contra o meio ambiente e a saúde pública, de abuso de autoridade, de lavagem ou
ocultação de bens, direitos e valores, de racismo, tortura, terrorismo e hediondos, de redução à condição análoga
à de escravo; contra a vida e a dignidade sexual e os praticados por organização criminosa, quadrilha ou bando.
8
“Art. 5º. (...) LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
9
“STF decide pela constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa”. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/
cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=200495>. Acesso em: 8 jan. 2018.
10
“Art. 16. A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à
eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência”.
11
“Gilmar Mendes diz que Lei da Ficha Limpa foi ‘feita por bêbados’”. Disponível em: <http://agenciabrasil.ebc.
com.br/politica/noticia/2016-08/gilmar-mendes-diz-que-lei-da-ficha-limpa-foi-feita-por-bebados>. Acesso em:
08 jan. 2018.
12
MASCARENHAS, Rodrigo Tostes de Alencar. A Lei da “Ficha Limpa”: Uma responsabilidade prospectiva? A
que preço? In: Revista da Seção Judiciária do Rio de Janeiro, v. 19, n. 34, p. 246-247. ago. 2012.
13
MASCARENHAS, Rodrigo Tostes de Alencar. A Lei da “Ficha Limpa”: Uma responsabilidade prospectiva? A
que preço? In: Revista da Seção Judiciária do Rio de Janeiro, v. 19, n. 34, p. 250-251, ago. 2012.
14
“Artigo 23. Direitos Políticos. 1. Todos os cidadãos devem gozar dos seguintes direitos e oportunidades: a. de
participar na direção dos assuntos públicos, diretamente ou por meio de representantes livremente eleitos; b. de
votar e ser eleitos em eleições periódicas autênticas, realizadas por sufrágio universal e igual e por voto secreto
que garanta a livre expressão da vontade dos eleitores; e c. de ter acesso, em condições gerais de igualdade, às
funções públicas de seu país. 2. A lei pode regular o exercício dos direitos e oportunidades a que se refere o
inciso anterior, exclusivamente por motivos de idade, nacionalidade, residência, idioma, instrução, capacidade
civil ou mental, ou condenação, por juiz competente, em processo penal”.
15
FERREIRA, Marcelo Ramos Peregrino. O controle de convencionalidade da lei da ficha limpa: direitos políticos e
inelegibilidades – edição atualizada com a Lei nº 13.165, de 29 de setembro de 2015. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2016, p. 318.
16
FERREIRA, Marcelo Ramos Peregrino. O controle de convencionalidade da lei da ficha limpa: direitos políticos e
inelegibilidades – edição atualizada com a Lei nº 13.165, de 29 de setembro de 2015. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2016, p. 321-322.
17
Sendo três deles também membros do Supremo Tribunal Federal, o que limita qualquer escopo de reformar suas
decisões junto à Corte Constitucional.
18
Quanto à amplitude do poder de cognição do juiz eleitoral, vale notar aqui o próprio art. 23 da LC nº 64/90:
“Art. 23. O Tribunal formará sua convicção pela livre apreciação dos fatos públicos e notórios, dos indícios e
presunções e prova produzida, atentando para circunstâncias ou fatos, ainda que não indicados ou alegados
pelas partes, mas que preservem o interesse público de lisura eleitoral”.
19
Como prevê o art. 1º, I, “m”, do diploma: “m) os que forem excluídos do exercício da profissão, por decisão
sancionatória do órgão profissional competente, em decorrência de infração ético-profissional, pelo prazo de 8
(oito) anos, salvo se o ato houver sido anulado ou suspenso pelo Poder Judiciário;”.
nas regras no meio do jogo democrático e mesmo após este ter sido encerrado e os
resultados proclamados”.20
No Brasil, a Justiça Eleitoral não somente exerce uma função jurisdicional, mas
também cumpre os papéis de administrar o corpo eleitoral e as eleições, de editar atos
normativos necessários a tal função, além de responder às consultas em tese que lhes
forem formuladas.21 É incontroversa a importância do papel da Justiça Eleitoral na ve-
rificação das inelegibilidades, a partir do estabelecido no art. 14, §9º, da Constituição.
Porém, é igualmente fundamental sua função de proteger o processo democrático e
sua estabilidade, de bem aplicar o Direito Eleitoral, mas sem afetar a segurança jurídi-
ca dos players do jogo eleitoral e a estabilidade do próprio regime democrático. Não é
isso que tem sido verificado, principalmente nos casos de eleições municipais, com um
maior número absoluto de candidaturas e, naturalmente, mais sujeitos à interferência
da Justiça Eleitoral em situações de inelegibilidade.
Nas eleições de 2012 – as primeiras sob a égide integral da LC nº 153/2010, foram
936 candidatos a prefeito impugnados, dos mais de 17 mil registrados. Dos impugnados,
26% renunciaram a sua candidatura antes do julgamento final e da data do pleito, diante
do temor da não contabilização de seus votos.22 Dos que insistiram nas candidaturas,
60% não tiveram seus votos computados ou nem mesmo chegaram a disputar o pleito.
De modo geral, 19,7% daqueles candidatos tiveram seus registros indeferidos e outros
39,3% somente foram declarados aptos a disputar o pleito após a interposição do recurso
cabível. Das impugnações, 66% foram fundamentadas com base em rejeição de contas
de gestores, o que evidencia a relevância dos julgamentos proferidos pelos tribunais
de contas na “filtragem” dos futuros candidatos.23
Já no pleito de 2016, uma análise superficial dos dados fornecidos pelo Tribunal
Superior Eleitoral evidencia o considerável grau de incerteza em torno das candidatu-
ras que chegaram a disputar o pleito. Dos 16.568 candidatos a prefeito registrados, 779
foram declarados inaptos, sendo que 439 tiveram seu registro indeferido e outros 317
renunciaram antes do dia da eleição. Decorrente da nova redação do art. 224, §3º, do
Código Eleitoral,24 somente no Paraná, até o momento de conclusão deste artigo, oito
municípios tiveram de retornar às urnas para eleições suplementares, após elegerem
candidatos a prefeito que tiveram seu registro de candidatura indeferido após a data
20
COELHO, Margarete de Castro. A democracia na encruzilhada: reflexões acerca da legitimidade democrática da
Justiça Eleitoral brasileira para a cassação de mandatos eletivos. Belo Horizonte: Fórum, 2015, p. 108-110.
21
Artigo 23, Código Eleitoral (Lei nº 4.737/1965).
22
Ainda nas eleições de 2012, era possível a substituição de candidaturas a qualquer tempo, possibilidade supri-
mida após a reforma implementada pela Lei nº 13.165/2015 e a reforma do §3º do art. 13 da Lei nº 9.504/97: “§3º
Tanto nas eleições majoritárias como nas proporcionais, a substituição só se efetivará se o novo pedido for apre-
sentado até 20 (vinte) dias antes do pleito, exceto em caso de falecimento de candidato, quando a substituição
poderá ser efetivada após esse prazo”.
23
A partir de dados fornecidos pelo Tribunal Superior Eleitoral. DE ABREU E SILVA, Guilherme. A experiência
da lei da ficha limpa nas eleições de 2012: Uma análise do perfil dos impugnados e dos reflexos da aplicação da lei.
2015. 88 f. Dissertação (Mestrado em Ciência Política) – Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade
Federal do Paraná, 2015, p. 59-60.
24
Redação conferida pela Lei nº 13.165/2015. “§3º A decisão da Justiça Eleitoral que importe o indeferimento do
registro, a cassação do diploma ou a perda do mandato de candidato eleito em pleito majoritário acarreta, após
o trânsito em julgado, a realização de novas eleições, independentemente do número de votos anulados”.
25
Foz do Iguaçu, Guaraqueçaba, Moreira Salles, Piraí do Sul, Nova Laranjeiras, Nova Fátima, Primeiro de Maio e
Quatiguá. Disponível em: <http://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/>. Acesso em: 16 jan. 2018.
26
Dados fornecidos pelo TSE. Disponível em: <http://www.tse.jus.br/eleicoes/estatisticas/estatisticas-eleito-
rais-2016/candidaturas>. Acesso em: 16 jan. 2018.
27
Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=21351 65>.
Acesso em: 16 jan. 2018.
28
José Jairo Gomes, em clara interpretação ampliativa do dispositivo, defende “a conjuntiva e no texto da alínea l
deve ser entendida como disjuntiva (ou), pois é possível cogitar-se de lesão ao patrimônio público por ato doloso
do agente sem que haja enriquecimento ilícito”. GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2012,
p. 195.
29
EMENTA: “Inelegibilidade. Condenação à suspensão de direitos políticos por ato doloso de improbidade ad-
ministrativa. 1. Configura a inelegibilidade da alínea l do inciso I do art. 1º da Lei Complementar nº 64/90 a
condenação à suspensão dos direitos políticos por ato doloso de improbidade administrativa, consistente no
pagamento ilegal de gratificação a servidores e no desvio de bem público. 2. O ato doloso de improbidade admi-
nistrativa pode implicar o enriquecimento ilícito tanto do próprio agente, mediante proveito pessoal, quanto de
terceiros por ele beneficiados. Recurso especial não provido”. TSE, Recurso Especial Eleitoral nº 27558, Acórdão
de 20.09.2012, Relator Ministro Arnaldo Versiani Leite Soares, Publicado em Sessão, Data 20.09.2012.
TSE, Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 21617, Acórdão de 09.10.2012, Relatora Min. Fátima
Nancy Andrighi, Publicado em Sessão, Data 09.10.2012.
30
TSE, Recurso Ordinário nº 44853, Relator Ministro Gilmar Ferreira Mendes, Publicado em Sessão, Data
27.11.2014.
31
TSE, Recurso Ordinário nº 106738, Acórdão, Relator Min. Gilmar Ferreira Mendes, Publicação: Publicado em
Sessão, Data 16.09.2014.
32
“IX todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob
pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advoga-
dos, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não
prejudique o interesse público à informação;”.
33
NOGUEIRA, Alexandre de Castro. O uso inadequado da interpretação da lei das inelegibilidades na justiça eleitoral: crí-
ticas à interpretação teleológica como recurso hermenêutico interpretativo tradicional. 2014. 186 f. Dissertação
(Mestrado em Direito) – Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade do Vale do Rio dos Sinos,
2014, p. 176.
34
Um bom exemplo é o julgado no Recurso Especial Eleitoral nº 129-22 (Rel. Min. Nancy Andrighi, Julgado em
04.10.2012), no qual o TSE reconheceu a incidência da inelegibilidade da alínea “e” do art. 1º, I, decorrente de
condenação por crime previsto na lei de licitações, ainda que não previsto no rol taxativo da LC nº 64/90: “2.
Não se cuida de conferir interpretação extensiva ao dispositivo, mas de realizar uma interpretação sistemática e
teleológica, tendo em vista o fato de que a LC 64/90 destina-se a restringir a capacidade eleitoral passiva daque-
les que não tenham demonstrado idoneidade moral para o exercício de mandato eletivo, tais como os gestores
públicos que tenham cometido crimes previstos na Lei de Licitações”.
35
NOGUEIRA, Alexandre de Castro. O uso inadequado da interpretação da lei das inelegibilidades na justiça eleitoral: crí-
ticas à interpretação teleológica como recurso hermenêutico interpretativo tradicional. 2014. 186 f. Dissertação
(Mestrado em Direito) – Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade do Vale do Rio dos Sinos,
2014, p. 169-170.
36
Previstas no art. 23, IX, do Código Eleitoral (Lei nº 4.737/1965): “Art. 23 - Compete, ainda, privativamente, ao
Tribunal Superior, (...) IX - expedir as instruções que julgar convenientes à execução deste Código;”.
caráter normativo geral”.37 Como alerta Eneida Desiree Salgado, a Justiça Eleitoral ad-
ministra as eleições e impõe suas regras e seu entendimento, constrói o Direito Eleitoral
mediante resoluções e insere na dinâmica do processo eleitoral (mesmo durante a dis-
puta) “institutos e categorias que não se coadunam com os princípios constitucionais
estruturantes e com os valores plasmados na Constituição”.38
No caso específico aqui tratado, com base em valores como a “probidade admi-
nistrativa” e a “moralidade para exercício de mandato”, presentes no art. 14, §9º, da
Constituição, a Justiça Eleitoral procura se substituir à vontade do eleitor e ampliar o já
extenso rol de inelegibilidades da LC nº 64/90 a casos fora de seu âmbito de incidência
objetivo. Aliado a sucessivas reformas políticas que alteram substancialmente o processo
eleitoral a cada dois anos e a uma jurisprudência que, igualmente, é revista – para o bem
e para o mal – junto com os humores dos membros dos tribunais, tem-se um cenário
de claríssima insegurança jurídica e, consequentemente, instabilidade democrática.
Diante de candidatos lançados à loteria de um processo de registro, de eleitores
condenados a votar em quem nem poderia ter se candidatado, de municípios gover-
nados por mandatários provisórios, é fundamental um debate sobre elegibilidades e
inelegibilidades de uma perspectiva constitucional e de acordo com a jusfundamenta-
lidade do direito de ser votado. Repensar o papel da Justiça Eleitoral sobre a aferição
dos impedimentos, o alcance e os limites da interpretação da LC nº 64/90 e propor ca-
minhos para uma maior estabilidade democrática são fundamentais para a estabilidade
e previsibilidade democráticas.
37
As outras duas facetas do ativismo são “a declaração de inconstitucionalidade de atos normativos emanados
do legislador, com base em critérios menos rígidos que os de patente e ostensiva violação da Constituição” e
“a imposição de condutas ou de abstenções ao Poder Público, notadamente em matéria de políticas públicas”.
BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática. In: Anuario Iberoamericano
de Justicia Constitucional. n. 13. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2009, p. 22-24.
38
SALGADO, Eneida Desiree. Princípios constitucionais eleitorais. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2015, p. 20-21.
39
A este sistema de conceitos, Bobbio ainda acrescenta o uso prescritivo axiológico do termo democracia (“a tipo-
logia das formas de governo em seu uso prescritivo comporta não apenas um juízo absoluto sobre a bondade ou
não desta ou daquela forma, mas também um juízo relativo sobre a maior ou menor bondade de uma forma com
respeito às outras. Nesta perspectiva, a disputa em torno da democracia não se refere apenas ao problema de
saber se a democracia é ou não uma forma boa ou má, mas estende-se ao problema de saber se ela é melhor ou
pior do que as outras, ou seja, qual é a sua colocação num ordenamento axiológico das constituições”) e seu uso
histórico (no qual a tipologia das formas de governo serve para “traçar as linhas de desenvolvimento do curso
histórico da humanidade entendido como um suceder-se de uma determinada constituição a outra segundo
um certo ritmo. Trata-se de ver que posto a democracia ocupou em alguns dos grandes sistemas”). BOBBIO,
Norberto. Estado, governo e sociedade: para uma teoria geral da política. 14. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2007,
p. 137-149.
40
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Representatividade e democracia. In: ANTUNES ROCHA, Cármen
Lúcia; VELLOSO, Carlos Mário da Silva (Coord.). Direito eleitoral. Belo Horizonte: Del Rey, 1996, p. 44.
41
Primeiro a homens, alfabetizados e detentores de propriedade e somente muito após, na primeira metade do
século XX, a mulheres.
42
COSTA, Pietro. Soberania, representação, democracia: ensaios de história do pensamento jurídico. Curitiba: Juruá,
2010, p. 216-219.
43
MANIN, Bernard. La democracia de los modernos: los principios del gobierno representativo. In: Revista
Sociedad, Buenos Aires: UBA, n. 6, abr. 1995.
44
BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. 9. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 186.
45
“Com efeito, o Estado Social contemporâneo compreende direitos da primeira, da segunda, da terceira e da
quarta geração numa linha ascendente de desdobramento conjugado e contínuo, que principia com os direitos
individuais, chega aos direitos sociais, prossegue com os direitos da fraternidade e alcança, finalmente, o último
direito da condição política do homem: o direito à democracia”. BONAVIDES, Paulo. Do Estado Social ao Estado
Liberal. 9. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 16-17.
46
“Art. 77. A eleição do Presidente e do Vice-Presidente da República realizar-se-á, simultaneamente, no primeiro
domingo de outubro, em primeiro turno, e no último domingo de outubro, em segundo turno, se houver, do ano
anterior ao do término do mandato presidencial vigente”.
47
“Art. 28. A eleição do Governador e do Vice-Governador de Estado, para mandato de quatro anos, realizar-se-á
no primeiro domingo de outubro, em primeiro turno, e no último domingo de outubro, em segundo turno, se
houver, do ano anterior ao do término do mandato de seus antecessores, e a posse ocorrerá em primeiro de
janeiro do ano subsequente, observado, quanto ao mais, o disposto no art. 77”.
48
“Art. 32. O Distrito Federal, vedada sua divisão em Municípios, reger-se-á por lei orgânica, votada em dois
turnos com interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços da Câmara Legislativa, que a promul-
gará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição. (...) §2º A eleição do Governador e do Vice-
Governador, observadas as regras do art. 77, e dos Deputados Distritais coincidirá com a dos Governadores e
Deputados Estaduais, para mandato de igual duração”.
49
“Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias,
e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios
estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos:
I - eleição do Prefeito, do Vice-Prefeito e dos Vereadores, para mandato de quatro anos, mediante pleito direto e
simultâneo realizado em todo o País;”.
50
“Art. 45. A Câmara dos Deputados compõe-se de representantes do povo, eleitos, pelo sistema proporcional, em
cada Estado, em cada Território e no Distrito Federal”.
51
“Art. 27. O número de Deputados à Assembleia Legislativa corresponderá ao triplo da representação do Estado
na Câmara dos Deputados e, atingido o número de trinta e seis, será acrescido de tantos quantos forem os
Deputados Federais acima de doze. §1º Será de quatro anos o mandato dos Deputados Estaduais, aplicando- sê-
lhes as regras desta Constituição sobre sistema eleitoral, inviolabilidade, imunidades, remuneração, perda de
mandato, licença, impedimentos e incorporação às Forças Armadas”.
52
“Art. 46. O Senado Federal compõe-se de representantes dos Estados e do Distrito Federal, eleitos segundo o
princípio majoritário”.
53
“Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura,
observados os seguintes princípios: (...) I - ingresso na carreira, cujo cargo inicial será o de juiz substituto, me-
diante concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas
as fases, exigindo-se do bacharel em direito, no mínimo, três anos de atividade jurídica e obedecendo-se, nas
nomeações, à ordem de classificação;”.
54
“Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: (...) § 3º O ingresso na carreira do Ministério Público
far-se-á mediante concurso público de provas e títulos, assegurada a participação da Ordem dos Advogados
do Brasil em sua realização, exigindo-se do bacharel em direito, no mínimo, três anos de atividade jurídica e
observando-se, nas nomeações, a ordem de classificação”.
55
“Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão: (...) II - justiça de paz, remunerada,
composta de cidadãos eleitos pelo voto direto, universal e secreto, com mandato de quatro anos e competência
para, na forma da lei, celebrar casamentos, verificar, de ofício ou em face de impugnação apresentada, o pro-
cesso de habilitação e exercer atribuições conciliatórias, sem caráter jurisdicional, além de outras previstas na
legislação”.
56
KIM, Richard Pae. Elegibilidade, condições de elegibilidade, inelegibilidade e a Lei da Ficha Limpa: fundamen-
talidade dos direitos políticos e a moldura constitucional. In: GUILHERME, Walter de Almeida; KIM, Richard
Pae; SILVEIRA, Vladimir Oliveira da. Direito eleitoral e processual eleitoral: temas fundamentais. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2012, p. 98.
57
Súmula TSE nº 13: “Não é auto-aplicável o §9º do art. 14 da Constituição, com a redação da Emenda Constitucional
de Revisão n° 4/94”.
de preceito fundamental”, motivo pelo qual “deve ser evitado qualquer resultado
interpretativo que reduza ou debilite, sem justo motivo, a máxima eficácia possível
dos direitos fundamentais”.58 Especificamente à matéria aqui tratada, Walber Agra
explicita que “as inelegibilidades apenas podem ser normatizadas através de normas
constitucionais ou por meio de lei complementar porque representam uma limitação
clara à soberania popular”, base de toda a estrutura de legitimidade do Estado Social
Democrático de Direito. Assim, após normatização, tendo em vista seu caráter restritivo,
as causas e hipóteses de inelegibilidades devem ser interpretadas de forma mitigada,
cerceada, não extensiva de modo a impedir o regime democrático de se desenvolver,
ainda mais “quando essas restrições representam tautológico acinte às garantias fun-
damentais dos cidadãos”.59
O primeiro problema a ser enfrentado, destacado anteriormente, é o próprio
raciocínio subjacente e a regulação em si das inelegibilidades, principalmente após a
aprovação da Lei da “Ficha Limpa”.
Como bem destaca Marcelo Peregrino Ferreira, a pretensão do ordenamento
eleitoral brasileiro é sem precedentes. A pretexto de proteger o direito do cidadão à
boa Administração ou mesmo uma “mal explicada moralidade”, terminou por reduzir
dramaticamente os direitos políticos. Violou, ainda, a primeira fase da ponderação no
processo de restrição a direitos fundamentais, a adequação, já que “não há qualquer
relação entre a boa Administração (inclua-se aqui a moralidade no exercício das funções
públicas) e a restrição de direitos políticos”.60 A lei brasileira, diminuindo de forma
exasperada o universo de candidatos “terminou por afastar, igualmente, o direito
do voto dos cidadãos e da livre escolha de seus representantes”, direito individual e
subjetivo que também se compõe de um direito coletivo de opção dos cidadãos.61 Esse
juízo, prévio até ao próprio processo eleitoral, é contraditório com o funcionamento do
regime democrático, já que a exclusão de candidatos “representa, em última análise,
uma grande desconfiança da escolha popular a demandar uma tutela estatal, o que
destoa – e muito – do regime democrático”, além de apagar do processo democrático
o aprendizado do eleitor, acomodando-o com mais certezas que a própria realidade
permite.62
Tal pensamento tem notáveis opositores.
Para o Min. Luiz Fux, a LC nº 135/2010 “representa um marco histórico no forta-
lecimento de nossas instituições democráticas” e da própria sociedade, que há muito
reclama por ética no manejo da coisa pública. Segundo o Ministro do Supremo, ao “es-
tabelecer critérios mais rigorosos para o exercício do ius honorum, o legislador ordinário
não apenas prestigiou a vontade popular soberana”, mas também “deu concretude aos
cânones constitucionais de moralidade e de ética, encartados no art. 14, §9º, que devem
58
FREITAS, Juarez. A interpretação sistemática do Direito. 3. ed., rev. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 206-207.
59
AGRA, Walber de Moura. Temas polêmicos do direito eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 152.
60
FERREIRA, Marcelo Ramos Peregrino. O controle de convencionalidade da lei da ficha limpa: direitos políticos e
inelegibilidades – edição atualizada com a Lei nº 13.165, de 29 de setembro de 2015. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2016, p. 321.
61
FERREIRA, Marcelo Ramos Peregrino. O controle de convencionalidade da lei da ficha limpa: direitos políticos e
inelegibilidades – edição atualizada com a Lei nº 13.165, de 29 de setembro de 2015. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2016, p. 322.
62
FERREIRA, Marcelo Ramos Peregrino. O controle de convencionalidade da lei da ficha limpa: direitos políticos e
inelegibilidades – edição atualizada com a Lei nº 13.165, de 29 de setembro de 2015. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2016, p. 324-325.
63
FUX, Luiz; FRAZÃO, Carlos Eduardo. Novos paradigmas do direito eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2016,
p. 121-122.
64
FUX, Luiz; FRAZÃO, Carlos Eduardo. Novos paradigmas do direito eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2016, p. 123.
65
REIS, Márlon Jacinto. O princípio constitucional da proteção e a definição legal das inelegibilidades. In:
REIS, Márlon Jacinto; OLIVEIRA, Marcelo Roseno de; CASTRO, Edson Resende de (Org.). Ficha Limpa: Lei
Complementar nº 135, de 4.6.2010 interpretada por juristas e responsáveis pela iniciativa popular. São Paulo:
Edipro, 2010, p. 31.
66
URBANO, Maria Benedita Malaquias Pires. Representação política e parlamento: Contributo para uma teoria
político-constitucional dos principais mecanismos de proteção do mandato parlamentar. 2004. 840 f. Tese
(Doutorado em Ciências Jurídico-Políticas) – Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Coimbra, 2004,
p. 295.
67
ALCÂNTARA, Adriana Soares. A função interpretativa das decisões do Tribunal Superior Eleitoral e a segu-
rança jurídica como princípio constitucional. In: Suffragium: Revista do Tribunal Regional Eleitoral do Ceará,
Fortaleza, v. 1, n. 1, p. 31-32, jan./jun. 2015.
68
SALGADO, Eneida Desiree. Princípios constitucionais eleitorais. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2015, p. 36.
69
GUEDES, Néviton. Comentário aos artigos 14 a 16. In: CANOTILHO, Joaquim José Gomes; MENDES, Gilmar
Ferreira; SARLET, Ingo Wolfgang; STRECK, Lenio Luiz (Coord.). Comentários à Constituição Federal do
Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013, p. 658.
70
Ao menos as democracias constitucionais contemporâneas, pós Declaração Universal dos Direitos Humanos de
1948.
71
GUEDES, Néviton. Comentário aos artigos 14 a 16. In: CANOTILHO, Joaquim José Gomes; MENDES, Gilmar
Ferreira; SARLET, Ingo Wolfgang; STRECK, Lenio Luiz (Coord.). Comentários à Constituição Federal do
Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013, p. 657-658.
Todavia, para Stephen Holmes, não se pode mais ver essa relação entre cons-
titucionalismo e democracia como se fossem opostos: os princípios fundamentais, as
garantias individuais (como o direito ao voto, à elegibilidade, a liberdade de expressão
e de reunião, a igualdade, etc.) e os objetivos fundamentais expressos na Constituição
devem ser vistos uma “autoatadura” obrigatória ao povo soberano para que ele continue
a ter o direito de tomar livremente suas decisões, de errar, de aprender com estes erros
e de corrigi-los, em suma, buscam rechaçar decisões e normas que tendencialmente
“autodestruirão” a própria democracia e a capacidade de os cidadãos governarem a
si mesmos.72 Cumpre, assim, buscar uma interpretação que concilie e conforme ade-
quadamente as diferentes formas de exercício da cidadania com o núcleo essencial
de princípios e garantias fundamentais previstos pelo Constituinte como necessários
para a própria sobrevivência da democracia, não em oposição ou mera tensão, mas em
complementação e autoimplicação.
Portanto, não subsiste o argumento do Ministro Fux de que deve ser dada sempre
uma leitura ampliativa da LC nº 135/2010 em razão de sua “teleologia subjacente”, a fim
de maximizar a moralidade e a ética do mandato. Ou, pior, de que reduzir seu alcance
representaria uma “fraude à manifestação legítima e soberana da sociedade brasileira”
que se colocou como signatária do esboço da lei. A exegese da limitação da elegibilidade
deve encontrar seu significado dentro do quadro normativo constitucional e do núcleo
essencial de princípios e garantias fundamentais expressamente protegidos pelo texto
da Carta, pouco importa o número de apoiadores da “Ficha Limpa”. A moralidade e a
probidade do §9º do art. 14 não são autoaplicáveis, mas somente nos casos e hipóteses
assim previstas na redação literal a restritiva da (já larga) Lei de Inelegibilidades, com
o norte de que a regra é a elegibilidade, não o impedimento.
A ideia de democracia constitucionalmente adequada revela-se formalmente (por
expressa disposição do artigo 1º, parágrafo único), na recusa de qualquer “ordem de
domínio” arbitrária, “que não se origine da vontade soberana do povo, ou a ela se
mantenha alheia”, e materialmente, sustenta-se sobre princípios fundamentais que são
hoje pedras regulares de todo o ordenamento constitucional, o que revela a vontade do
Constituinte por um projeto de robusta democracia substancial, que “não se basta com a
vontade soberana do povo”, mas que esta vontade se legitime.73 Qualquer ato político
decisório, seja ele tomado por intermédio dos representantes eleitos, seja respaldado
pela aprovação popular do plebiscito ou referendo, deve observar os princípios funda-
mentais encartados no artigo 1º, respeitar integralmente os direitos e garantias individuais
72
“Nos encontramos aquí ante otra norma fundamental del constitucionalismo: no se puede acceder voluntaria-
mente a ceder voluntaria. mente el derecho de acceder. Aquí tal vez se encuentre una “solución” a la paradoja
de la democracia constitucional. Para conservar la voluntariedad, se debe restringir la propia voluntariedad. La
prohibición de venderse a sí mismo como esclavo implica lógicamente la aceptación de un compromiso previo:
la apertura en un aspecto presupone la clausura en otro. El compromiso previo es moralmente permisible, siem-
pre que refuerce la prohibición de la autoesclavización. Entre sus otras funciones, la obligación constitucional
es un intento de impedir la posibilidad de que la nación (o cualquier generación) se venda a sí misma (o a su
posteridad) como esclava”. HOLMES, Stephen. El precompromiso y la paradoja de la democracia. In: ELSTER,
Jon; SLAGSTAD, Rune. Constitucionalismo y democracia. México: Fondo de Cultura Económica, 1999, p. 217-262.
Disponível em: <https://comision21ub.files.wordpress.com/2016/03/holmes-stephen-el-precompromiso-y-la-
paradoja-de-la-democracia.pdf>. Acesso em: 05 jan. 2018, p. 25-26.
73
GUEDES, Néviton. Comentário aos artigos 14 a 16. In: CANOTILHO, Joaquim José Gomes; MENDES, Gilmar
Ferreira; SARLET, Ingo Wolfgang; STRECK, Lenio Luiz (Coord.). Comentários à Constituição Federal do
Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013, p. 658-659.
74
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:”..
75
“Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a
segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma
desta Constituição”.
76
“Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim
assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
I - soberania nacional; II - propriedade privada; III - função social da propriedade; IV - livre concorrência; V -
defesa do consumidor; VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o
impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; VII - redução das
desigualdades regionais e sociais; VIII - busca do pleno emprego; IX - tratamento favorecido para as empresas
de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. Parágrafo
único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autoriza-
ção de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei”.
77
GUEDES, Néviton. Comentário aos artigos 14 a 16. In: CANOTILHO, Joaquim José Gomes; MENDES, Gilmar
Ferreira; SARLET, Ingo Wolfgang; STRECK, Lenio Luiz (Coord.). Comentários à Constituição Federal do Brasil. São
Paulo: Saraiva/Almedina, 2013, p. 659.
78
“Art. 58. O Congresso Nacional e suas Casas terão comissões permanentes e temporárias, constituídas na forma
e com as atribuições previstas no respectivo regimento ou no ato de que resultar sua criação. §1º Na constituição
das Mesas e de cada Comissão, é assegurada, tanto quanto possível, a representação proporcional dos parti-
dos ou dos blocos parlamentares que participam da respectiva Casa. (...) §3º As comissões parlamentares de
inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos
regimentos das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto
ou separadamente, mediante requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato determinado
e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova
a responsabilidade civil ou criminal dos infratores”.
79
CLÈVE, Clèmerson Merlin. Para uma dogmática constitucional emancipatória. Belo Horizonte: Fórum, 2012,
p. 39-40.
80
CLÈVE, Clèmerson Merlin. Para uma dogmática constitucional emancipatória. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 41.
81
COELHO, Margarete de Castro. A democracia na encruzilhada: reflexões acerca da legitimidade democrática da
Justiça Eleitoral brasileira para a cassação de mandatos eletivos. Belo Horizonte: Fórum, 2015, p. 109-111.
revisão judicial dos mandatos eletivos: quinze dias depois da diplomação.82 Do mesmo
modo, a lei e a jurisprudência também definiram prazos decadenciais curtos para a
ação de investigação judicial eleitoral (AIJE), art. 22 da Lei nº 64/90,83 o recurso contra
expedição de diploma (RCED), art. 262 do Código Eleitoral, e as representações eleitorais
da Lei nº 9.504/97. Por fim, é fundamental lembrar que o princípio da anterioridade
eleitoral, presente no art. 16 da Constituição, postula que “a lei que alterar o processo
eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que
ocorra até um ano da data de sua vigência”.
Como se vê, é amplo o prazo de anterioridade para vigência de qualquer nor-
ma que altere as regras do jogo eleitoral e são curtos os marcos temporais para que o
resultado de um pleito seja contestado. Mesmo considerados prazos maiores para a
impugnação de mandatos no Projeto de Constituição da Comissão de Notáveis, de seis
meses a dois anos, ao final prevaleceu o vetor da “segurança jurídica dos mandatos –
importante para a estabilidade da democracia –, com a definição do prazo curto de
quinze dias para a AIME (a orientar todos os demais prazos para as ações de cassação)”:
é nítida a opção da Constituição pela estabilidade democrática, que permeia todo o
ordenamento jurídico eleitoral, constitucional e legal.84
Para Emerson Garcia, “a fixação de um determinado lapso temporal dentro do
qual poderá o legitimado infirmar a vontade popular é imperativo de ordem pública,
imprescindível à paz social”.85 A disposição de prazos decadenciais exíguos para a con-
testação dos resultados eleitorais representa “a própria segurança do estado de Direito
Representativo e Democrático”,86 inspira-se em um “postulado de segurança jurídica,
de normalidade e de harmonia das instituições”.87
Em suma, para o controle de legitimidade (judicial ou administrativa) das eleições,
os prazos são restritos em razão da necessidade de estabilidade ao processo democrá-
tico. A democracia não convive bem com revisões constantes dos resultados eleitorais
e com alterações súbitas de humor da definição das regras do jogo eleitoral, dentre
elas, na exegese das inelegibilidades, o que tem constantemente ocorrido no meio do
processo e, não raro, após a proclamação dos eleitos. É preciso deixar claro novamente:
não somente por culpa do Judiciário, mas do Legislativo e de suas constantes reformas
no ordenamento jurídico eleitoral.
82
“§10 O mandato eletivo poderá ser impugnado ante a Justiça Eleitoral no prazo de quinze dias contados da
diplomação, instruída a ação com provas de abuso do poder econômico, corrupção ou fraude”.
83
“Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à
Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e
circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder
econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em
benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito:”.
84
PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande. Parecer complementar apresentado na Ação de Investigação Judicial Eleitoral nº
194358, acerca da possibilidade de tardia ampliação objetiva das demandas eleitorais em curso. Parecer jurídico, abril de
2017. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/dl/parecer-temer-luiz-fernando-casagrande.pdf>. Acesso em:
10 jan. 2018.
85
GARCIA, Emerson. Ação de impugnação de mandato eletivo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000. p. 188-191
86
AMADO, Maria Elisa Padre Ataíde Ribeiro. O Contencioso eleitoral no Direito Constitucional Português. Trabalho
apresentado à Comissão Nacional de Eleições. Lisboa, 1994.
87
BARBOSA, Marcos Elias de Freitas. Anotações sobre a Ação de Impugnação de Mandato Eletivo. Revista de
Processo, Revista dos Tribunais, v. 17, n. 68, p. 105-110, out./dez. 1992.
88
“Art. 16-A. O candidato cujo registro esteja sub judice poderá efetuar todos os atos relativos à campanha elei-
toral, inclusive utilizar o horário eleitoral gratuito no rádio e na televisão e ter seu nome mantido na urna
eletrônica enquanto estiver sob essa condição, ficando a validade dos votos a ele atribuídos condicionada ao
deferimento de seu registro por instância superior. Parágrafo único. O cômputo, para o respectivo partido ou
coligação, dos votos atribuídos ao candidato cujo registro esteja sub judice no dia da eleição fica condicionado
ao deferimento do registro do candidato”.
89
“Político ficha-suja é irregistrável, afirma Luiz Fux”. Disponível em: <https://www.gazetaonline.com.br/noticias/
politica/2018/02/politico-ficha-suja-e-irregistravel-afirma-luiz-fux-1014118155.html>. Acesso em: 09 fev. 2018.
90
“Chefe do TSE afronta a lei ao defender que há candidatos ‘irregistráveis’”. Disponível em: <https://blogdosakamoto.
blogosfera.uol.com.br/2018/02/08/chefe-do-tse-afronta-a-lei-ao-defender-que-ha-candidatos-irregistraveis/>.
Acesso em: 09 fev. 2018.
91
“Para advogados, Fux não pode tratar político condenado como ‘irregistrável’”. Disponível em: <https://www.conjur.
com.br/2018-fev-19/advogados-fux-nao-impedir-condenado-candidate>. Acesso em: 09 fev. 2018.
92
“Art. 1º São inelegíveis: I - para qualquer cargo: (...) e) os que forem condenados, em decisão transitada em jul-
gado ou proferida por órgão judicial colegiado, desde a condenação até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos
após o cumprimento da pena, pelos crimes: 1. contra a economia popular, a fé pública, a administração pública
e o patrimônio público; (...) 6. de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores;”.
o entendimento de que ele tenha o direito a, ao menos, registrar sua candidatura, ainda
que posteriormente indeferida.
Assim, tem-se mais uma vez o indicativo de que o Tribunal Superior Eleitoral
está aberto a novas mudanças de entendimento ao tratar das inelegibilidades, mesmo
que de modo manifestamente contrário à lei e à sua própria jurisprudência. Deixa-se
de lado a literalidade da norma jurídica, já muito restritiva, para favorecer um dito
“princípio geral da moralidade” na hermenêutica das inelegibilidades. Escamoteia-se
a segurança jurídica e a estabilidade das eleições em prol de viradas jurisprudenciais
que prejudicam a previsibilidade do processo para cidadãos, partidos, candidatos e
pretensos candidatos: nem mesmo a possibilidade de formalização do registro de can-
didatura por possíveis incidentes na “Ficha Limpa” é certa este ano.
É preciso manter vivo o debate e a provocação que aqui se faz. Como bem ensina
Clèmerson Merlin Clève, “representação, democracia indireta, povo, cidadania” são
fundamentos da legitimação do poder e, por sua vez, o Direito Eleitoral “não é outra
coisa senão a regulação do método ou procedimento democrático de legitimação do
poder político”. E arremata: “falhando o direito eleitoral, falha o procedimento legiti-
mador, esmorecem os canais de comunicação entre a ação do Estado e a vontade po-
pular, aparecem as ‘crises políticas’. Por outro lado, “bem elaborado o direito eleitoral
e suas instituições, serão mais estreitas as distâncias que separam o poder da massa
de cidadãos”.93
Não faz parte do escopo do art. 14, §9º, da Constituição de 1988 subsidiar obs-
táculos desproporcionais e irrazoáveis a candidaturas ou interpretação extensiva das
hipóteses de inelegibilidade para exclusão maciça de candidatos. Menos ainda permitir
empregar diretamente um “princípio geral da proteção” ou mesmo da moralidade para
escamotear outros valores igualmente caros à democracia e consagrados constitucio-
nalmente, como a segurança jurídica e a estabilidade democrática. É papel do Direito
Eleitoral e de seus operadores manter essa vigilância constante.
Referências
AGRA, Walber de Moura. Temas polêmicos do direito eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2012.
ALCÂNTARA, Adriana Soares. A função interpretativa das decisões do Tribunal Superior Eleitoral e a
segurança jurídica como princípio constitucional. In: Suffragium: Revista do Tribunal Regional Eleitoral do
Ceará, Fortaleza, v. 1, n. 1, p. 11-34, jan./jun. 2015.
AMADO, Maria Elisa Padre Ataíde Ribeiro. O Contencioso eleitoral no Direito Constitucional Português. Trabalho
apresentado à Comissão Nacional de Eleições. Lisboa, 1994.
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Representatividade e democracia. In: ANTUNES ROCHA, Cármen
Lúcia; VELLOSO, Carlos Mário da Silva (Coord.). Direito eleitoral. Belo Horizonte: Del Rey, 1996.
BARBOSA, Marcos Elias de Freitas. Anotações sobre a Ação de Impugnação de Mandato Eletivo. Revista de
Processo, v. 17. n. 68, p. 105-110, out./dez. 1992.
BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática. In: Anuario
Iberoamericano de Justicia Constitucional, n. 13. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2009,
p. 17-32.
BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. 9. ed. São Paulo: Malheiros, 2009.
CLÈVE, Clèmerson Merlin. Temas de direito constitucional. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2014.
93
CLÈVE, Clèmerson Merlin. Temas de direito constitucional. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2014, p. 210-211.
VELLOSO, Carlos Mário da Silva; AGRA, Walber de Moura. Elementos de Direito Eleitoral. São Paulo: Saraiva,
2009.
Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):
PECCININ, Luiz Eduardo. A jusfundamentalidade do direito a ser votado: provocações e reflexões acerca
das inelegibilidades em tempos de “Ficha Limpa”. In: FUX, Luiz; PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande;
AGRA, Walber de Moura (Coord.); PECCININ, Luiz Eduardo (Org.). Elegibilidade e inelegibilidades. Belo
Horizonte: Fórum, 2018. p. 111-132. (Tratado de Direito Eleitoral, v. 3.) ISBN 978-85-450-0498-1.
CONDIÇÕES DE ELEGIBILIDADE
PETER PANUTTO
1.1 Introdução
O alistamento eleitoral se desponta como uma temática relevante para inserção
da pessoa humana na seara político-social, considerando seus reflexos no exercício da
cidadania sob a ótica eleitoral, tanto para o exercício da cidadania ativa como passiva.
Neste sentido, será contextualizado o alistamento eleitoral na Carta Magna,
abordando-se conceitos relevantes para o seu enquadramento, especialmente os prin-
cípios constitucionais aplicáveis ao Direito Eleitoral e, especificamente, aos institutos
do alistamento eleitoral, direitos políticos e elegibilidade.
Importante analisar também, para além das regras do alistamento eleitoral, suas
exceções, tão relevantes para a condição dos militares, à privação temporária ou defi-
nitiva dos direitos políticos, e ainda as pessoas com deficiência e os índios integrados
e não integrados.
Ademais, será objeto de estudo o alistamento eleitoral como condição de elegibi-
lidade, ao lado da nacionalidade, do pleno exercício dos direitos políticos, do domicílio
eleitoral e da filiação partidária.
Finalmente, serão abordadas situações de inelegibilidade e a consequente impos-
sibilidade do exercício da cidadania passiva, sempre mirando o instituto do alistamento
eleitoral.
[...] princípio democrático não elimina a existência das estruturas de domínio, mas implica
uma forma de organização desse domínio. Daí o caracterizar-se o princípio democrático
como princípio de organização da titularidade e exercício do poder. Como não existe uma
identidade entre governantes e governados e como não é possível legitimar um domínio
com base em simples doutrinas fundamentantes é o princípio democrático que permite
organizar o domínio político segundo o programa de autodeterminação e autogoverno: o
poder político é constituído, legitimado e controlado por cidadãos (povo), igualmente legi-
timados para participarem no processo de organização da forma de Estado e de governo.1
[...] nas democracias como a brasileira, a participação no governo se dá por dois modos
diversos: por poder contribuir para a escolha dos governantes ou por poder ser escolhi-
do governante. Distinguem-se, por isso, duas faces da cidadania: a ativa e a passiva. A
cidadania ativa consiste em poder escolher; a passiva em, além de escolher, poder ser
escolhido. Essa distinção importa que, se para ser cidadão passivo é mister ser cidadão
ativo, não basta ser cidadão ativo para sê-lo também passivo.2
1
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Edições Almedina, 2003.
p. 290.
2
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 142.
3
CUNHA, André Luiz Nogueira da. Direitos políticos: representatividade, capacidade eleitoral e inelegibilidades.
São Paulo: Juarez de Oliveira, 2004. p. 25.
4
ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. São Paulo:
Verbatim, 2011. p. 98.
O mesmo art. 5º da Constituição Federal, agora em seu inc. II, traz o princípio
da legalidade, dentro do qual “[...] os indivíduos encontram o fundamento de suas
prerrogativas, assim como a fonte de seus deveres. É princípio, pois, genérico do nosso
direito esculpido como direito fundamental”.6
A verificação do princípio da legalidade é patente quando se trata do alistamento
eleitoral, porquanto decorrem da lei os requisitos essenciais para o alistamento, o pro-
cedimento por meio do qual os indivíduos são alistados, os documentos relacionados
ao procedimento e daí, com o cumprimento de referidos atos, averiguar-se-ão, também
sob o manto da lei, se estão preenchidas as condições de elegibilidade.
Essencial citar que do princípio genérico da legalidade pode-se extrair o princí-
pio específico da vedação da restrição de direitos políticos, isto é, eventual restrição de
direitos políticos será definida por lei, sob pena de vedação ao exercício da cidadania.
Outrossim, merece destaque no âmbito constitucional, político e eleitoral o
princípio da proporcionalidade, o qual vem em socorro a conflitos de valores que de-
vem ser sopesados pela intermediação desse princípio, respeitada sempre a unidade
constitucional.7
Onde ocorram colisões não se deve, através de uma precipitada “ponderação de bens” ou,
inclusive, de uma abstrata “ponderação de valores”, realizar um dos bens com o sacrifício
do outro. Pelo contrário, o princípio da unidade da Constituição exige um trabalho de
“otimização”: faz-se necessário estabelecer os limites de ambos os bens a fim de que os
dois alcancem uma efetividade ótima. A fixação desses limites deve observar em cada
caso concreto o princípio da proporcionalidade; não deve ir além do necessário para a
concordância entre ambos os bens jurídicos. “Proporcionalidade” significa, nesse contexto,
uma relação entre duas magnitudes variáveis, concretamente aquela que corresponda
melhor a essa tarefa de otimização e “meios” variáveis.8
5
PANUTTO, Peter. Inelegibilidade: um estudo dos direitos políticos diante da Lei da Ficha Limpa. 1. ed. São Paulo:
Verbatim, 2013. p. 26.
6
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 24.
7
“Agindo na tutela do Estado Democrático de Direito, o princípio da proporcionalidade foi um dos pilares do
julgamento das Ações Declaratórias de Constitucionalidade 29 e 30 e da Ação Direta de Inconstitucionalidade
4.578, quando do exercício do controle difuso de constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal, as quais
tiveram como objeto a lei complementar 135/10, denominada Lei da Ficha Limpa. Referida lei, por autorização
do artigo 14, §9º, da Constituição Federal, criou novos casos de inelegibilidade de modo a tutelar a moralidade
considerando a vida pregressa do candidato e a probidade administrativa. Nesse contexto, houve a necessidade
de se harmonizar os valores constitucionais da elegibilidade, como os direitos políticos passivos do cidadão, e o
direito da coletividade de ter representantes eleitos que atendam aos requisitos da probidade e da moralidade”.
PANUTTO. Op. cit. p. 29.
8
HESSE, Konrad. A Interpretação Constitucional. Tradução de Inocêncio Mártires Coelho. In: Temas Fundamentais
do direito constitucional. Textos selecionados e traduzidos por Carlos dos Santos Almeida, Gilmar Ferreira
Mendes, Inocêncio Mártires Coelho. São Paulo: Saraiva: 2009. p. 113-114.
9
PANUTTO. Op. cit. p. 27.
10
CANOTILHO. Op. cit. p. 306.
11
PANUTTO. Op. cit. p. 27.
12
GONÇALVES, Luiz Carlos dos Santos. Direito Eleitoral. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2012. p. 24/25.
13
VELLOSO, Carlos Mário da Silva; AGRA, Walber de Moura. Elementos de Direito Eleitoral. São Paulo: Saraiva,
2009. p. 44.
lhe propicia, quer ativa, quer passivamente, a participação no polo epicêntrico das
decisões políticas”.14
Por fim, “o sufrágio materializa o princípio democrático na medida em que os
cidadãos podem eleger seus representantes para o exercício das funções públicas exe-
cutivas e legislativas, legitimando os eleitos para o exercício do poder”.15
Cassação é o remédio empregado pelas ditaduras militares para retirar os direitos políticos
de seus adversários, sem lhes permitir devido processo legal, contraditório e ampla defesa.16
A perda dos direitos políticos significa que deixou de existir a situação que autorizava
o seu exercício. A suspensão significa que temporariamente os direitos não poderão ser
exercidos. A distinção entre perda e suspensão reside no fato de que, ocorrendo a perda,
a requisição demandará iniciativa do interessado. Ao contrário, nas figuras de suspensão,
bastará o decurso do tempo para a reaquisição dos direitos.17
Neste contexto, importa analisar julgado que retrata a relevância das consequên-
cias da suspensão dos direitos políticos relativamente ao exercício da cidadania passiva,
no tocante à aferição das condições de elegibilidade:
14
CAGGIANO, Monica Herman Salen. Direito eleitoral: temas fundamentais/ Walter de Almeida Guilherme,
Richard Pae Kim, Vladmir Oliveira da Silveira, coordenadores. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2012. p. 79.
15
PANUTTO. Op. cit. p. 24.
16
VELLOSO, AGRA. Op. cit. p. 45.
17
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 9. ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 383, nota 2.
A tendência natural ao exercício da cidadania pelo voto, por parte do eleitor brasileiro já
foi objeto de registro. Esse revela, de fato, uma verdadeira vocação para as urnas, quase parte
da índole nacional formatada ao longo dos anos. Desde os primeiros tempos coloniais,
aliás, desvenda-se esta prática, em especial a nível local, como exposto no nosso estudo.
Confirmando esta postura, Cláudio Lembro, em recente obra publicada, anota que: “O
brasileiro possui tradição eleitoral. É tão antiga – registra o jurista – quanto a própria
existência do Brasil europeu. (...) Vai votar porque valoriza este momento superior da
cidadania”.19
18
TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. ACÓRDÃO Nº 22.611. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL N° 22.611 -
CLASSE 222 - RIO GRANDE DO SUL (39ª - Zona - Rosário do Sul). Relator: Ministro Gilmar Mendes. Recorrente:
José Antônio dos Santos Alvienes. Advogado: Dr. Ian Rodrigues Dias e outros. Disponível em: <http://www.tse.
jus.br/jurisprudencia/decisoes/jurisprudencia>. Acesso em: 30 nov. 2017.
19
CAGGIANO. Op. cit. p. 78
A despeito da regra geral para a prática da cidadania ativa, o §2º, do art. 14,
da Carta Constitucional excepciona ao estabelecer a impossibilidade de alistamento
e, por conseguinte, do voto, aos estrangeiros e, durante o período do serviço militar
obrigatório, dos conscritos.20
Dessa maneira, todo brasileiro pode adquirir sua cidadania ativa, ou seja, ad-
quirir o direito de votar, desde que atinja a idade mínima legal, bem como não “esteja
realizando o serviço militar obrigatório, e ainda não esteja privado de seus direitos
políticos, temporária ou definitivamente”.21
Os conscritos ficam com sua cidadania suspensa durante o serviço militar obri-
gatório para garantir a regra da preservação da independência do voto, já que os mi-
litares das mais baixas patentes ou graduações podem ser induzidos pelos superiores
hierárquicos no momento de manifestar suas preferências políticas, tendo tal dispositivo
passado por várias transformações até chegar à forma atual, a qual privilegia o voto dos
militares profissionais, ou seja, engajados nas forças armadas, e não apenas na situação
de prestação do serviço militar obrigatório.22
Importante destacar a situação dos portugueses, os quais, desde que tenham
residência permanente no Brasil, poderão adquirir direitos políticos ativos e passivos
(neste último caso apenas para os cargos em que não se exija a nacionalidade brasileira
nata), alistando-se como eleitores, desde que haja reciprocidade desse direito em relação
aos brasileiros, conforme artigo 12, §1º, da Carta Magna.23
Nessa particularidade do exercício da cidadania ativa, questão relevante é das
pessoas com deficiência, as quais também têm obrigatoriedade do alistamento e do voto,
mas possuem dificuldades quanto ao exercício destes direitos, dado que nem sempre
o cidadão tem à sua disposição meios para a locomoção e também para acesso à urna
eleitoral, pois, por vezes, a própria Justiça Eleitoral não está devidamente amparada
para recebê-los. Nestes casos, o não exercício do voto não acarreta as punições legais,
desde que sejam feitas as regulares comunicações à Justiça Eleitoral.
Para que o voto do cidadão com deficiência seja viabilizado, a Justiça Eleitoral
disponibiliza procedimento específico de comunicação prévia de modo a organizar a
seção eleitoral que irá receber esse eleitor, a depender do tipo de sua deficiência.24
O tema apresenta ainda algumas questões cruciais, como o é a do exercício da
cidadania ativa pelo denominado preso provisório, ou seja, o que aguarda a condena-
ção ou aquele condenado por sentença ainda passível de recurso, devendo o Estado
fornecer meios para o exercício da cidadania ativa a esses cidadãos, fato que redun-
dou regulamentação da matéria pelo Tribunal Superior Eleitoral, o qual, no exercício
de sua função de garantidor dos direitos políticos, editou para as eleições de 2010 a
Resolução nº 23.219, a qual “dispõe sobre a instalação de seções eleitorais especiais
20
Sobre a obrigatoriedade do alistamento e do voto, dispõe o art. 6º do Código Eleitoral: “O alistamento e o voto
são obrigatórios para os brasileiros de um e outro sexo, salvo: I - quanto ao alistamento: a) os inválidos; b) os
maiores de setenta anos; c) os que se encontrem fora do país. II - quanto ao voto: a) os enfermos; b) os que se en-
contrem fora do seu domicílio; c) os funcionários civis e os militares, em serviço que os impossibilite de votar”.
21
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 99.
22
CUNHA. Op. cit. p. 69.
23
GONÇALVES. Op. cit. p. 29.
24
Tribunal Superior Eleitoral. Justiça Eleitoral atua para assegurar exercício do voto a pessoas com deficiência.
Disponível em: <http://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2014/Janeiro/justica-eleitoral-atua-para-assegurar-
exercicio-do-voto-a-pessoas-com-deficiencia>. Acesso em: 13 nov. 2017.
[...] Alistamento. Voto. Indígena. Categorização estabelecida em lei especial. ‘Isolado’. ‘Em
vias de integração’. Inexistência. Óbice legal. Caráter facultativo. Possibilidade. Exibição.
Documento. Registro Civil de Nascimento ou administrativo da FUNAI. 1. A atual ordem
constitucional, ao ampliar o direito à participação política dos cidadãos, restringindo o alis-
tamento somente aos estrangeiros e aos conscritos, enquanto no serviço militar obrigatório,
e o exercício do voto àqueles que tenham suspensos seus direitos políticos, assegurou-os,
em caráter facultativo, a todos os indígenas, independentemente da categorização esta-
belecida na legislação especial infraconstitucional anterior, observadas as exigências de
natureza constitucional e eleitoral pertinentes à matéria, como a nacionalidade brasileira
e a idade mínima. 2. Os índios que venham a se alfabetizar, devem se inscrever como
eleitores, não estando sujeitos ao pagamento de multa pelo alistamento extemporâneo, de
acordo com a orientação prevista no art. 16, parágrafo único, da Res.-TSE 21.538, de 2003.
3. Para o ato de alistamento, faculta-se aos indígenas que não disponham do documento
de registro civil de nascimento a apresentação do congênere administrativo expedido pela
Fundação Nacional do Índio (FUNAI).27
25
PANUTTO. Op. cit. p. 41-42.
26
CERQUEIRA, Thales Tácito. Direito Eleitoral esquematizado. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 83.
27
Tribunal Superior Eleitoral. Ac. de 6.12.2011 no PA nº 180681, Rel. Min. Nancy Andrighi. Disponível em: <http://
www.tse.jus.br/jurisprudencia/jurisprudencia-por-assunto>. Acesso em: 9 nov. 2017.
28
GONÇALVES. Op. cit. p. 30.
29
Cabe observar que a comprovação da idade mínima ao cargo eletivo disputado se dá na data da posse, salvo
quando fixada em dezoito anos, hipótese em que será aferida na data-limite para o pedido de registro, conforme
art. 11, §2º, da Lei nº 9.504/97, com redação dada pela Lei nº 13.165/2015.
30
PANUTTO. Op. cit. p. 50.
31
DECOMAIN, Pedro Roberto. Elegibilidade e Inelegibilidades. São Paulo: Dialética, 2004. p. 12.
32
TELLES, Olívia Raposo da Silva. Direito Eleitoral Comparado – Brasil, Estados Unidos, França. São Paulo: Saraiva,
2009. p. 07.
33
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 336.
34
A redação original do §1º do artigo 12 da CF era: “Aos portugueses com residência permanente no País, se
houver reciprocidade em favor de brasileiros, serão atribuídos os direitos inerentes ao brasileiro nato, salvo os
casos previstos nesta Constituição” (sob grifos). A Emenda Constitucional de Revisão nº 3, de 1994, suprimiu a
expressão nato, de modo a clarear a compreensão do dispositivo.
35
PANUTTO. Op. cit. p. 52.
36
PANUTTO. Op. cit. p.53.
37
BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva,
2011. p. 769.
38
Conforme art. 9º, da Lei nº 9.504/97, com redação dada pela Lei nº 13.488/2017.
39
O tema está em julgamento no Supremo Tribunal Federal, o qual reconheceu a repercussão geral da matéria
tratada no Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1054490, no qual um cidadão recorre de decisão que inde-
feriu sua candidatura avulsa a prefeito do Rio de Janeiro (RJ) nas eleições de 2016. Disponível em: <http://www.
stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=358255>. Acesso em: 4 dez. 2017.
40
RABELLO FILHO, Benjamin Alves. Partidos Políticos no Brasil: doutrina e legislação. Belo Horizonte: Del Rey,
2001. p. 35.
41
COSTA, Adriano Soares da. Instituições de Direito Eleitoral. Belo Horizonte: Del Rey, 2000. p. 155.
42
MENDES, Antonio Carlos. Introdução à Teoria das Inelegibilidades. São Paulo: Malheiros, 1994. p. 115.
43
PANUTTO. Op. cit. p. 69.
44
O inc. I do art. 5º do Código Eleitoral proibia o alistamento eleitoral dos analfabetos, o qual foi revogado pelo
art. 14, §2º, da Constituição Federal.
desnecessária, desta forma, a tipificação expressa de sua inelegibilidade pelo artigo 14,
§4º, da Constituição Federal.45
Cabe ressaltar que os menores de 18 anos embora alistáveis são inelegíveis por
não preencherem a idade mínima para os cargos públicos elencados no art. 14, §3º, VI,
da Constituição Federal.
1.6 Conclusão
A abordagem realizada trouxe, de forma concentrada, os principais aspectos
do exercício da cidadania, enquadrada em um Estado Democrático de Direito que
dispôs a seus cidadãos, em determinadas condições, a prática dos direitos políticos,
seja ativamente na escolha dos representantes de governo, seja passivamente, para a
representação do povo em prol da sociedade.
Por sua vez, abordou-se a base constitucional de suporte ao tema, trazidas as
disposições e regramentos dos institutos do alistamento eleitoral e sua relação com a
elegibilidade, sempre calcada nos princípios constitucionais correlatos, com relevância
aos princípios do regime democrático e da legalidade.
Apresentou-se então o importante instituto do alistamento eleitoral e seus
requisitos, de modo a viabilizar o exercício da cidadania ativa e passiva, exsurgindo,
in casu, a relevância do pleno gozo dos direitos políticos, suscitadas as situações em
que é possível o alistamento, bem como estipuladas as exceções a essa possibilidade,
dentre outros casos peculiares, tal qual como é a situação da pessoa com deficiência e
também dos índios.
Neste sentido, o alistamento eleitoral externa sua relevância quando verificado
como condição de elegibilidade constitucional, à qual ainda se agregam outras dis-
posições infraconstitucionais, para viabilizar o exercício da cidadania, tornando sua
abordagem enriquecedora para o pleno exercício da democracia.
Referências
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BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2000.
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Saraiva, 2011.
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Richard Pae Kim, Vladmir Oliveira da Silveira, coordenadores. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2012.
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DECOMAIN, Pedro Roberto. Elegibilidade e Inelegibilidades. São Paulo: Dialética, 2004.
45
PANUTTO. Op. cit. p. 72.
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 1994.
______. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2011.
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exercício da cidadania. In: FUX, Luiz; PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande; AGRA, Walber de Moura
(Coord.); PECCININ, Luiz Eduardo (Org.). Elegibilidade e inelegibilidades. Belo Horizonte: Fórum, 2018.
p. 135-147. (Tratado de Direito Eleitoral, v. 3.) ISBN 978-85-450-0498-1.
2.1 Introdução
O sistema eleitoral é amplo e complexo, subdividindo-se em vários institutos e
com contribuição de vários outros ramos do Direito, além do Direito Eleitoral, e mesmo
de outras áreas de conhecimento. Tal se deve por ser o fenômeno eleitoral um misto de
várias implicações que ocorrem antes e depois da eleição.
Em verdade, a eleição é o fato típico para o qual se dirige o sistema eleitoral,
mas, muito diferentemente, a Justiça Eleitoral e o Sistema Eleitoral não se organizam
por conta da eleição, o Sistema Eleitoral é coordenado como uma ferramenta aplicada
de conhecimento que garante, no caso brasileiro, a democracia e a participação demo-
crática a seu próprio modo.
Nos dizeres da própria Justiça Eleitoral brasileira, sua razão de ser “é a de pro-
porcionar o pleno exercício da cidadania a todos os brasileiros. Na busca desse objetivo,
várias ações têm sido desenvolvidas. Entre elas, pode-se destacar a atitude expansionista,
que leva a cidadania aos brasileiros onde quer que eles estejam”.1
No caso brasileiro, nosso Sistema Eleitoral serve, dentre outras coisas, para
escolher seus mandatários; para fazer isso através da participação cidadã, passiva e
ativamente; legitimar os escolhidos por ato próprio – diplomação – e por ato derivado
externo – posse; regular vários procedimentos, mesmo antes e após as eleições, com foco
na promoção da participação de toda a sociedade – v.g. doação financeira e participação
nas mídias – e também procedimentos não relacionados à eleição, como a vida partidária.
Como exemplo das outras áreas de Direito que abastecem o sistema eleitoral,
temos o Direito Civil, o Direito Criminal, os direitos processuais de ambos. Por vezes o
Sistema Eleitoral se utiliza também dos conhecimentos do Direito Administrativo, entre
1
BRASIL, Tribunal Superior Eleitoral. O sistema eleitoral brasileiro. Brasília: TSE, 2009, p. 47.
O domicílio civil, para ser caracterizado, leva em conta dois requisitos: um objetivo e
outro subjetivo. O primeiro diz respeito a circunstâncias que não são influenciadas pela
vontade do indivíduo. Trata-se apenas do lugar propriamente dito, ou seja, é o local físi-
co, a residência. O segundo requisito – subjetivo – envolve a vontade de permanecer de
modo definitivo naquele lugar objetivamente indicado. Logo, é totalmente dependente
da vontade, motivo pelo qual é chamado de subjetivo. Portanto, para que haja o domicílio
civil, juntam-se o lugar com a vontade de permanecer definitivamente nele. Essa vontade
é o elemento essencial e decisivo para caracterizar o domicílio civil.3
Assim é que o domicílio civil é a sede jurídica da pessoa, onde ela se presume pre-
sente para efeitos de direito. É o lugar prefixado pela lei onde a pessoa presumivelmente
2
DIAS, Gustavo Holanda; Instituto do domicílio à luz da legislação, doutrina e jurisprudência brasileiras e
alienígenas (Portugal e Argentina), disponível em: <https://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.
asp?id=1166>, acesso em: 22 dez. 2017.
3
Disponível em: <http://www.tse.jus.br/o-tse/escola-judiciaria-eleitoral/publicacoes/revistas-da-eje/artigos/
revista-eletronica-eje-n.-5-ano-3/domicilio-eleitoral>.
4
ALMEIDA, Roberto Moreira de. Curso de Direito Eleitoral. 5. ed. Salvador: Juspodivm, 2011.
5
CÂNDIDO, Joel José. Direito eleitoral brasileiro. 13. ed. Bauru: Edipro, 2008.
6
RAMAYANA, Marcos. Direito Eleitoral. 10. ed. Niterói: Impetus, 2010.
Em verdade, não exercer a cidadania, seja pela falta de alistamento ou pelo não
exercício do voto obrigatório, gera, via de regra, as mesmas penalidades de multa – que
têm valores distintos caso a caso – e cerceamento de direitos. Assim, nos parece que a
definição de alistamento eleitoral adotada por Roberto Moreira de Almeida é a mais
adequada.
Portanto, como bem evidenciado, o domicílio eleitoral não se confunde com o
ato de alistamento; sendo que este exterioriza aquele pela inscrição em zona eleitoral. O
domicílio eleitoral se concretiza com a inscrição na circunscrição, se for a primeira inscri-
ção; ou com a transferência para o local desejado, geralmente onde deseja candidatar-se.
Como um bom exemplo disso, nas palavras de Eduardo Alckmin, advogado
especialista em Direito Eleitoral, “em relação ao candidato, a jurisprudência é ainda
mais flexível. Basta que se demonstre a existência de vínculo com aquela comunidade.
E aí o eleitor fará sua parte: saber se aquela pessoa tem ou não condições de governar
aquela comunidade”.7
7
Disponível em: <http://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2013/Agosto/conheca-a-diferenca-entre-
o-domicilio-eleitoral-e-o-domicilio-civil>.
8
BRASIL, Tribunal Superior Eleitoral. O sistema eleitoral brasileiro. Brasília: TSE, 2009, p. 47.
9
BRASIL, Tribunal Superior Eleitoral. O sistema eleitoral brasileiro. Brasília: TSE, 2009, p. 47.
10
BRASIL, Tribunal Superior Eleitoral. O sistema eleitoral brasileiro. Brasília: TSE, 2009, p. 47.
11
BRASIL, Tribunal Superior Eleitoral. O sistema eleitoral brasileiro. Brasília: TSE, 2009, p. 47.
12
BRASIL, Tribunal Superior Eleitoral. O sistema eleitoral brasileiro. Brasília: TSE, 2009, p. 47.
do título eleitoral” (p. 27), o que denota as primeiras linhas de alistamento, mas ainda
sem a institucionalização do domicílio eleitoral. Relembra-se, dessa época também, o
Coronelismo, que tinha intrínseca relação com o voto de cabresto. Isso nos faz pensar
que o alistamento, neste caso, servia mais como uma nova forma de declaração de posse
das vontades, neste caso, da vontade eleitoral.
Na mesma obra13 consta a descrição do nascedouro da Justiça Eleitoral, bem como
suas atribuições, dentre elas o alistamento eleitoral.
Código Eleitoral de 1932 criou a Justiça Eleitoral, que passou a ser responsável por todos
os trabalhos eleitorais – alistamento, organização das mesas de votação, apuração dos
votos, reconhecimento e proclamação dos eleitos. Além disso, regulou em todo o país as
eleições federais, estaduais e municipais (p. 29).
Nessa mesma época, como também se verifica na obra citada,14 por decorrência
da Revolução Constitucionalista, houve uma dupla necessidade de alistamento, dada
a obrigação de eleição de representação de classe.
13
BRASIL, Tribunal Superior Eleitoral. O sistema eleitoral brasileiro. Brasília: TSE, 2009, p. 47.
14
BRASIL, Tribunal Superior Eleitoral. O sistema eleitoral brasileiro. Brasília: TSE, 2009, p. 47.
Getúlio Vargas, por exemplo, foi inscrito pelo PTB para concorrer ao Senado no Rio Grande
do Sul e em São Paulo e para deputado federal em sete estados e no Distrito Federal. O
ex-presidente recebeu mais da metade dos votos do recebidos pela bancada do PTB, aju-
dando com seus votos a eleger diversos deputados do partido. Como Vargas optou pela
cadeira de senador pelo Rio Grande do Sul, as cadeiras que ele garantiu para a Câmara
dos Deputados foram ocupadas pelos suplentes (p. 45).15
Naquele diploma eleitoral de 1945, não havia definição do que era o domicílio
eleitoral, nem exigência de comprovação, tampouco era imperativo tempo de filiação
partidária para ser candidato. As restrições para o pleito vinham no Título II do Capítulo
III, que tratava “Das condições de elegibilidade”. Vale trazer os dispositivos de interesse.
Como pode ser verificado dos detalhes do art. 26, daquele instrumento não
havia entre as condicionantes da inscrição eleitoral a necessidade de comprovação de
domicílio, servindo apenas a autodeclaração.
Desde então, passando por várias formas de escolha e registro de candidatos,
algumas histórias merecem ser comentadas, dentre as quais a situação das candidaturas
15
NICOLAU, Jairo. História do Voto no Brasil. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2002.
quando da criação dos Estados do Amapá e Rondônia, com especial realce para o en-
tão ex-Presidente da República José Sarney, que, transferindo seu domicílio eleitoral
em 1990, se candidatou e foi eleito na única vaga para o Senado Federal pelo Amapá
para o ano de 1991, por não ter conseguido apoio da cúpula do Partido do Movimento
Democrático Brasileiro – PMDB do Maranhão à sua candidatura e após batalha judicial
para o deferimento de seu registro.
Nesta peleja judicial, destaca-se que o candidato José Sarney transferiu seu título
de eleitor dentro do prescrito no art. 55, §1º, do Código Eleitoral, no prazo de até 101
dias antes da eleição, porém com desprezo ao inciso III do mesmo artigo, que prevê
“residência mínima de 3 (três) meses no novo domicílio, atestada pela autoridade po-
licial ou provada por outros meios convincentes”.
As principais linhas de defesa apresentadas por José Sarney foram de que, como
era ex-presidente da República, não estava obrigado a exercer sua ação política somente
em seu Estado de origem, e a segunda é que, por ter assegurado todas as liberdades no
Brasil, não pode ser impedido de pleitear o julgamento do voto popular, em qualquer
lugar do País.
Ao final, Sarney conseguiu o deferimento do registro a uma semana do pleito,
depois da candidatura impugnada pelo TSE, em recurso ao STF versando sobre com-
posição da chapa com preenchimento da segunda suplência. A questão do domicílio,
que já havia sido resolvida a favor do candidato, foi devolvida ao TRE do Pará para
novo julgamento quanto à legitimidade dos impugnantes, o que restou prejudicado
ante a eleição vitoriosa para o Senado.
Destes dias até hoje, a principal mudança é a que passou a exigir que até um
ano antes da eleição o candidato tivesse o domicílio eleitoral definido e com registro
na circunscrição onde pretendia concorrer, o que foi recentemente alterado para que
tal requisito seja cumprido no prazo de 6 meses antes da eleição.
Outra medida que se relaciona com o domicílio é a implantação da biometria pelo
TSE em todo o território nacional, momento em que o domicílio eleitoral precisará ser
comprovado por todos os eleitores ao procederem ao recadastro (arts. 7º e 8º da Res.-TSE
nº 23.335/2011). Tal recadastramento, com a implantação universal da biometria, ajudará
no controle do eleitorado ao mesmo tempo em que servirá de banco de informações
para outras medidas, a exemplo de aplicações no sistema de segurança nacional.
domicílio estar ligado aonde o inscrito tenha propriedade rural (TSE - REspe nº 21826/
SE-DJ 1.10.2004, p. 150); entre outras análises circunstanciais.
Rômulo Pizzolatti,16 em sua obra Conceito Jurídico de Domicílio Eleitoral, con-
tribui com a análise geral e criminal quanto às questões do domicílio, tecendo consi-
derações quanto ao caráter circunstancial das decisões, que não podem ser tidas por
precedentes, ante a casuística de cada caso, como segue:
O sentido da lei eleitoral começou a sofrer redefinição a partir das decisões que se impres-
sionaram demasiado com o caso concreto e buscaram solução de equidade, deixando de
lado a solução normativa. Assim é que o Tribunal Superior Eleitoral concedeu, por maioria,
a onde impetrada, por entender não haver justa causa para ação penal, por crime do art.
350 do Código eleitoral, em caso em que o paciente havia indicado como seu endereço,
para fins de transferência de domicílio eleitoral, o lugar onde prestava serviços médicos,
embora residisse efetivamente em outro município (Acórdão n. 210, JTSE, v. 6, n. 1, p.
11-16). Em outro julgado criminal, Acórdão n. 13.459, o TSE não conheceu do recurso inter-
posto pela Procuradoria Regional Eleitoral contra o acórdão que absolvera o réu, também
processado por infringência ao art. 350 do Código Eleitoral. Aqui, o TSE entendeu que
não havia crime de falsidade ideológica no caso de réu que declarara residir, para fins de
transferência de domicílio eleitoral, em município onde possuía interesses patrimoniais
(JTSE, v, 6, n.1, p. 376-380). Tais julgados, entretanto, não possuem a força de precedentes,
visto que motivados pelas particularidades dos respectivos casos concretos, reveladora
da ausência do elemento subjetivo (dolo) por parte dos acusados. (p. 2)
§3º O eleitor ficará vinculado permanentemente à seção eleitoral indicada no seu título,
salvo:
I - se se transferir de zona ou Município hipótese em que deverá requerer transferência.
II - se, até 100 (cem) dias antes da eleição, provar, perante o Juiz Eleitoral, que mudou de
residência dentro do mesmo Município, de um distrito para outro ou para lugar muito
distante da seção em que se acha inscrito, caso em que serão feitas na folha de votação
e no título eleitoral, para esse fim exibido as alterações correspondentes, devidamente
autenticadas pela autoridade judiciária.
Por fim, com a recente alteração normativa, o Código Eleitoral passou a exigir
domicílio eleitoral anterior a 6 meses da eleição para fins de candidatura, permanecendo
as demais definições temporais para transferência de zona eleitoral.
16
PIZZOLATTI, Rômulo. Conceito jurídico de domicílio eleitoral. Resenha eleitoral – Nova Série. Florianópolis, vol.
3, n. 1, p. 15, jan./jun. 1996.
Por fim, ainda em análise da perspectiva de quem quer ser eleito, o legislador
evita que determinados candidatos obtenham vantagem indevida simplesmente realo-
cando eleitores no local onde pretendem se eleger, é a prática da transferência ilícita de
eleitores, fazendo-os ir como rebanho de votos a seguir seu senhor. Posto isso, a ideia
principal da transferência de zona eleitoral, via de regra, é a de mudança de domicílio
mesmo que não imposta pela Justiça Eleitoral ao eleitor.
Domicílio eleitoral. Transferência. Residência. Antecedência (CE, art. 55). Vínculos pa-
trimoniais e empresariais. Para o Código Eleitoral, domicílio é o lugar em que a pessoa
mantém vínculos políticos, sociais e econômicos. A residência é a materialização desses
atributos. Em tal circunstância, constatada a antiguidade desses vínculos, quebra-se a
rigidez da exigência contida no art. 55, III.
(Ac. nº 4.769, de 2.10.2004, rel. Min. Humberto Gomes de Barros.)
[...] A norma sobre domicílio eleitoral como condição de elegibilidade (CF, art. 14,
§3º, IV), posta na Lei Eleitoral do ano, não se confunde com a regra geral das condi-
ções para a transferência de título do eleitor (CE, art. 55, §1º, I). Recurso a que se nega
provimento. NE: [...] Não se confunde, portanto, no trato do domicílio eleitoral, a lei
constitucionalmente prevista para estabelecer condição de elegibilidade (domicílio elei-
toral de candidato), com a norma geral do Código Eleitoral que versa sobre condições
de transferência do título eleitoral do eleitor. [...] Veja os arts. 9º e 91 da Lei nº 9.504/97.
(Ac. nº 12.005, de 29.7.94, rel. Min. Torquato Jardim.)
Crime eleitoral. CE, art. 350, c.c. arts. 71, caput, 29, caput, e 62, I do Código Penal. Declaração
falsa para fins eleitorais. Com o advento da Lei nº 6.996, de 7.6.82, exige-se, para instruir
pedido de transferência de domicílio eleitoral apenas declaração de próprio punho firma-
da pelo interessado, sob as penas do art. 350 do CE. Tal documento, ainda que firmado
perante a autoridade policial, com base em declarações testemunhais, não se descaracte-
riza como particular, não estando sujeito, assim, a qualquer verificação. Recurso especial
conhecido e desprovido.
(Ac. nº 11.045, de 20.2.90, rel. Min. Sydney Sanches.)
17
OLIVEIRA, Vinícius de. Considerações sobre o conceito jurisprudencial de domicílio eleitoral – legitimidade,
insegurança jurídica e a obsolescência parcial da correição e da revisão do eleitorado. Revista Brasileira de Direito
Eleitoral – RBDE, Belo Horizonte, ano 6, n. 10, p. 233-239, jan./jun. 2014.
A solução para o problema, a nosso ver, é a adoção de uma súmula que defina com maior
precisão o conceito de domicílio eleitoral ou, melhor ainda, uma alteração na legislação.
É preciso que a construção pretoriana do conceito de domicílio eleitoral torne-se norma
jurídica, e que chegue a isso por via legislativa, para que se evitem as críticas de usurpação
da competência legislativa do Congresso Nacional.
(...)
O conceito jurisprudencial também traz alguns impactos práticos sobre as normas eleito-
rais. Conforme o art. 92, III, da Lei n 9.504/97 e as Resoluções nºs 2.538/2003, 21.490/2003
e 21.372/2003, será determinada a correição do eleitorado (conferência por amostragem
da efetiva residência de eleitores e de vínculos) de determinado Município sempre que o
eleitorado atingir entre 65% e 80% da população projetada pelo IBGE para o ano anterior
e a revisão do eleitorado (conferência de todos os eleitores) sempre que esta proporção
atingir mais que 80%.
2.8 Conclusão
Verifica-se que o conceito de domicílio é antigo, datando do Direito Romano, e
sendo de grande valia para as relações sociais desde então. Hoje há diversos entendi-
mentos para o conceito de domicílio, destacando-se o civil, o tributário e o eleitoral.
O conceito eleitoral é mais abrangente, entretanto, sofre de imprecisão, talvez pela
sua recente admissão formal e porque tem sua definição alargada pela jurisprudência
casuística. Essa imprecisão, pode-se dizer, tanto quanto a jurisprudência não são firmes
em definitivo, podendo o conceito de domicílio eleitoral ser alterado por vicissitudes
ainda não experimentadas social e judicialmente.
Como possível exemplo de um campo que venha a relativizar o conceito de do-
micílio eleitoral podemos citar as redes sociais, o mundo virtual, pois não se pode negar
a interferência deste no curso do processo eleitoral e, portanto, que suas consequências
jurídicas hão de se materializar em algum domicílio. Melhor esclarecendo, a medida
judicial será eficaz para retirar o conteúdo indesejado da exposição na internet, mas
como sancionar a pessoa que o colocou lá com a perda de direitos políticos se não for
possível identificá-la? Esclarecendo, será impossível, se não identificada a pessoa do
transgressor, encaminhar o comando sancionatório judicial a devida zona eleitoral para
averbação da suspensão do direito político.
Sabendo que o controle de atos na rede mundial ainda irá requerer grande
dispêndio de força e dedicação, ao menos para o que se já se tratou até hoje sobre o
conceito de domicílio eleitoral, tanto o legislador quanto o Judiciário, ou este ou aquele,
deveriam criar bases mais seguras e estáveis quanto à sua definição, seja por meio de
formalização legal ou estratificação de súmula que abrangesse o atual estado da arte
sobre o domicílio eleitoral.
Referências
BRASIL, Tribunal Superior Eleitoral. O sistema eleitoral brasileiro. Brasília: TSE, 2009, p. 47.
DIAS, Gustavo Holanda; Instituto do domicílio à luz da legislação, doutrina e jurisprudência brasileiras e
alienígenas (Portugal e Argentina), disponível em: <https://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.
asp?id=1166>, acesso em: 22 dez. 2017.
<http://www.tse.jus.br/o-tse/escola-judiciaria-eleitoral/publicacoes/revistas-da-eje/artigos/
revista-eletronica-eje-n.-5-ano-3/domicilio-eleitoral>.
ALMEIDA, Roberto Moreira de. Curso de Direito Eleitoral. 5. ed. Salvador: Juspodivm, 2011.
CÂNDIDO, Joel José. Direito eleitoral brasileiro. 13. ed. Bauru: Edipro, 2008.
RAMAYANA, Marcos. Direito Eleitoral. 10. ed. Niterói: Impetus, 2010.
<http://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2013/Agosto/conheca-a-diferenca-entre-o-domicilio-eleitoral-
e-o-domicilio-civil>.
NICOLAU, Jairo. História do Voto no Brasil. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2002.
PIZZOLATTI, Rômulo. Conceito jurídico de domicílio eleitoral. Resenha eleitoral – Nova Série, Florianópolis,
vol. 3, n. 1, p. 15, jan./jun. 1996.
OLIVEIRA, Vinícius de. Considerações sobre o conceito jurisprudencial de domicílio eleitoral – legitimidade,
insegurança jurídica e a obsolescência parcial da correição e da revisão do eleitorado. Revista Brasileira de
Direito Eleitoral – RBDE, Belo Horizonte, ano 6, n. 10, p. 233-239, jan./jun. 2014.
MEYER, Lúcia Luz. Alistamento e Domicílio Eleitoral: noções básicas ao exercício da cidadania.
<http://tribunadainternet.com.br/ums-historia-de-domicilio-eleitoral/>.
<https://pt.wikipedia.org/wiki/Domic%C3%ADlio_eleitoral>, acesso em: 21 dez. 2017.
Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):
ALMEIDA, Vladimir Belmino de. Reflexões sobre domicílio eleitoral. In: FUX, Luiz; PEREIRA, Luiz
Fernando Casagrande; AGRA, Walber de Moura (Coord.); PECCININ, Luiz Eduardo (Org.). Elegibilidade
e inelegibilidades. Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 149-161. (Tratado de Direito Eleitoral, v. 3.) ISBN
978-85-450-0498-1.
NACIONALIDADE, CIDADANIA E
ELEIÇÃO DE ESTRANGEIRO
3.1 Introdução
A Constituição da República de 1988 é taxativa ao afirmar que não podem alistar-
se como eleitores os estrangeiros (art. 14, §3º). No mesmo sentido, prescreve ser condição
de elegibilidade a nacionalidade brasileira (art. 12, §3º, I). Não bastasse, ainda no campo da
elegibilidade, assevera serem privativos de brasileiro nato os cargos de Presidente e Vice-
Presidente da República, assim como aqueles decorrentes da respectiva linha sucessória
(art. 12, §3º, I a IV).
Não obstante, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), 1.542 estran-
geiros participaram como candidatos nas eleições de 2016. O número representaria
0,3% do total de pessoas participando do pleito.1 Em 2012 o número de estrangeiros em
disputa foi de 1.450, com quase 200 candidatos eleitos: 28 prefeitos e 158 vereadores.2
Essa proporção de estrangeiros eleitos inclusive se manteve em relação ao registrado
em 2008, quando 12,7% dos 1.770 candidatos conquistaram uma vaga. Na época, foram
eleitos 34 prefeitos e 255 vereadores estrangeiros.3
Esses dados, com efeito, se não analisados com o rigor técnico devido, põem em
dúvida o próprio texto constitucional, ao passo que dão a impressão de que estariam
1
VELASCO, Clara. Mais de 1,5 mil candidatos são estrangeiros; veja países de origem. G1, São Paulo, 11 set. 2016.
Disponível em: <http://g1.globo.com/politica/eleicoes/2016/blog/eleicao-2016-em-numeros/post/mais-de-15-
mil-candidatos-sao-estrangeiros-veja-paises-de-origem.html>. Acesso em: 21 jan. 2018.
2
NATALIA, Godoy. Pelo menos sete estrangeiros são candidatos na eleição deste ano. G1, Brasília, 26 jul. 2014.
Disponível em: <http://g1.globo.com/politica/eleicoes/2014/noticia/2014/07/pelo-menos-sete-estrangeiros-sao-
candidatos-na-eleicao-deste-ano.html>. Acesso em: 21 jan. 2018.
3
LAMAS, Aline. Quase 200 candidatos estrangeiros são eleitos no país. G1, São Paulo, 20 out. 2012. Disponível em:
<http://g1.globo.com/politica/eleicoes/2012/noticia/2012/10/quase-200-candidatos-estrangeiros-sao-eleitos-no-
pais.html>. Acesso em: 21 jan. 2018.
sendo credenciados à participação política passiva indivíduos que não seriam titulares
dos direitos políticos de votar e ser votado, ou seja, indivíduos inalistáveis, já que es-
trangeiros, não detentores da nacionalidade brasileira, em flagrante violação ao disposto
nos §§2º e 3º, do art. 14, da CR/88.
Daí, portanto, o objetivo deste trabalho, de analisar os conceitos de nacionalidade
e de cidadania, para que se possa entender quem é o nacional e quem é o estrangeiro,
bem como quais são as formas e os requisitos para a aquisição da nacionalidade no
ordenamento jurídico nacional, tudo com especial enfoque para se concluir pela pos-
sibilidade ou pela impossibilidade de eleição do estrangeiro.
4
Para uma melhor compreensão sobre a condição jurídica do estrangeiro, e como a soberania estatal lida com
as questões pertinentes à presença de estrangeiros em seu território, no tocante aos preconceitos contra estes e
à própria resistência em lhes conferir direitos em igualdade com os nacionais, inclusive a partir de um ponto
de vista evolutivo, ver Naturalização e Direitos do Estrangeiro no Brasil, de Bruno Alexandre Rocha. ROCHA,
Bruno Alexandre. Naturalização e Direitos do Estrangeiro no Brasil. Boletim Jurídico, 2 set. 2014. Disponível em:
<https://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=3705#sobre>. Acesso em: 21 jan. 2018.
5
ROCHA, Bruno Alexandre. Naturalização e Direitos do Estrangeiro no Brasil. Boletim Jurídico, 2 set. 2014.
Disponível em: <https://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=3705#sobre>. Acesso em: 21 jan.
2018.
6
COULANGES, Foustel de. A Cidade Antiga. Tradução de Frederico Ozanam Pessoa de Barros, Versão para
eBook, eBooksBrasil, 2006.
7
ALFOLDY, Géza. História Social de Roma. Madrid: Alianza Editorial S.A., 1996.
8
O direito das gentes, tradução do jus gentium dos romanos, foi empregado constantemente ao lado do direito
natural para designar um direito comum a todos os homens. À medida, porém, que o direito das gentes pas-
sava, no decurso do tempo, a ser entendido como atinente às relações entre homens agrupados em sociedades
políticas distintas, e em que essas mesmas sociedades passavam a demandar um direito próprio que as regesse,
cuidou-se de encontrar designação específica a respeito. Foi assim que Francisco de Vitória se referia no final do
século XVII, a um inter gentes, designação que não prosperou. VETTEL, Emer de. O direito das gentes, Prefácio e
Tradução: Vicente Marotta Rangel. Brasília: Editora Universidade de Brasília: Instituto de Pesquisa de Relações
Internacionais, 2004.
9
ROCHA, Bruno Alexandre. Naturalização e Direitos do Estrangeiro no Brasil. Boletim Jurídico, 2 set. 2014.
Disponível em: <https://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=3705#sobre>. Acesso em: 21 jan.
2018.
10
REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público, Curso Complementar. 8. ed., rev. e atual. São Paulo: Saraiva,
2000.
nacionalidade e cidadania não são a mesma coisa. Doutro lado, a constituição da ci-
dadania e a construção da nacionalidade também não são processos antagônicos nem
contraditórios. Pelo contrário, são processos sociais que em verdade se complementam,
pois a cidadania se processa no marco da nacionalidade.11
Desse modo, apesar da dificuldade em se distinguir nacionalidade de cidadania,
no Direito brasileiro, essa distinção é bem clara e quase que unanimemente aceita por
todos os doutrinadores, entendendo-se que a nacionalidade é o vínculo jurídico que
liga o indivíduo ao Estado e a cidadania representa um conteúdo adicional, de caráter
político, que possibilita o gozo de certos direitos políticos.12
11
RUBEN, Guilhermo Raúl. O que é nacionalidade. São Paulo: Brasiliense, 1984.
12
ROCHA, Bruno Alexandre. Naturalização e Direitos do Estrangeiro no Brasil. Boletim Jurídico, 2 set. 2014.
Disponível em: <https://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=3705#sobre>. Acesso em: 21 jan.
2018.
13
DOLINGER, Jacob. Direito Internacional privado: parte geral. 8. ed. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.
O item i traz o critério do ius solis. Porém, deve-se atentar para a ressalva con-
tida na segunda parte da assertiva, que condiciona a nacionalidade ao fato de que os
pais não estejam a serviço de seu país. Tal exceção deve-se à questão dos funcionários
estatais das embaixadas e consulados de governos estrangeiros. Isso porque, quando
um Estado envia uma nacional ou um casal de nacionais a serviço para outro País e
estes venham a ter filhos, a nacionalidade dos pais é transmitida de forma automática.
O item ii traz o critério ius sanguinis, porém acrescido do denominado elemento
funcional: estar a serviço da República Federativa do Brasil. Isto é, estar a serviço da
administração direta (União, Estado, Distrito Federal ou Município) ou da administra-
ção indireta (autarquias, sociedades de economia mista, etc.). Ou seja, quando o Brasil
envia uma nacional ou um casal de nacionais a serviço em outro País e estes venham
a ter filhos, a nacionalidade dos pais brasileiros é igualmente transmitida de forma
automática.
O item iii traz outra hipótese de aquisição da nacionalidade originária pelo cri-
tério do ius sanguinis. Aqui é necessário que se preencham duas condições para que se
possa adquirir a nacionalidade originária: a opção pela nacionalidade e a fixação de
residência. Essa é a hipótese mais controversa de nacionalidade originária, pois pode
gerar brasileiros natos que nada teriam a ver com a cultura brasileira.14
Essa hipótese, aliás, está reforçada na Lei nº 13.445/2017 – Lei de Migração – segun-
do a qual o filho de pai ou de mãe brasileiros nascido no exterior e que não tenha sido
registrado em repartição consular poderá, a qualquer tempo, promover ação de opção
de nacionalidade, devendo o órgão de registro informar periodicamente à autoridade
competente os dados relativos à opção de nacionalidade, conforme regulamento (art.
63, caput, e parágrafo único).
No segundo caso de aquisição de nacionalidade, a secundária ou adquirida, a
CR/88 prescreve que poderão ser naturalizados os estrangeiros i) que, na forma da
lei, adquiram a nacionalidade brasileira, exigidas aos originários de países de língua
portuguesa apenas residência por um ano ininterrupto e idoneidade moral; e ii) de
qualquer nacionalidade, residentes na República Federativa do Brasil há mais de 15
anos, ininterruptos e sem condenação penal, desde que requeiram a nacionalidade
brasileira. (art. 12, II, a e b)
No caso do item i a naturalização é ordinária e será concedida àquele que pre-
encher as seguintes condições: a) ter capacidade civil, segundo a lei brasileira; b) ter
residência em território nacional, pelo prazo mínimo de 4 (quatro) anos;15 c) comunicar-se
em língua portuguesa, consideradas as condições do naturalizando; e d) não possuir
condenação penal ou estiver reabilitado, nos termos da lei (art. 64, I, c/c art. 65, I a IV,
da Lei nº 13.445/2017). Dos originários de países lusófonos (países que adotam a lín-
gua portuguesa como idioma oficial), por força do próprio texto constitucional, serão
14
Porém, de se ter em mente que, no caso, mesmo se o indivíduo for filho de pai brasileiro ou de mãe brasileira
e, ao completar 18 anos, não optar pela nacionalidade, sofrerá impedimentos à vida civil, uma vez que docu-
mentos como título de eleitor, CPF, documento de identidade e CNH não poderão ser solicitados aos órgãos
competentes, porque, perante a lei brasileira, ele será um estrangeiro.
15
Esse prazo de residência será reduzido para, no mínimo, 1 (um) ano se o naturalizando preencher quaisquer das
seguintes condições: a) ter filho brasileiro; b) ter cônjuge ou companheiro brasileiro e não estar dele separado
legalmente ou de fato no momento de concessão da naturalização; c) haver prestado ou poder prestar serviço
relevante ao Brasil; ou d) recomendar-se por sua capacidade profissional, científica ou artística (art. 66, da Lei
nº 13.445/2017). O preenchimento das condições descritas nas letras c e d será avaliado na forma disposta em
regulamento (art. 66, parágrafo único, da Lei nº 13.445/2017).
exigidas apenas residência por um ano ininterrupto e idoneidade moral (art. 12, II, a,
segunda parte).
De se ressaltar, porém, que a naturalização pela forma ordinária é ato discricioná-
rio do Poder Executivo.16 Ademais, mesmo no caso dos originários de países de língua
portuguesa, embora reduzidas as exigências, não está garantida a concessão para estes,
havendo, portanto, a possibilidade de mesmo estando presentes todas as condições o
pedido ser indeferido. Trata-se de mera facilitação quanto aos requisitos.
No caso do item ii a naturalização é extraordinária e será concedida à pessoa de
qualquer nacionalidade fixada no Brasil há mais de 15 (quinze) anos ininterruptos e
sem condenação penal, desde que requeira a nacionalidade brasileira (art. 64, II, c/c 67,
da Lei nº 13.445/2017). Aqui, ao contrário da naturalização ordinária, em que o critério
para a concessão é a discricionariedade, nesta hipótese extraordinária de concessão da
naturalização, presentes as condições, o estrangeiro tem direito à nacionalidade brasi-
leira. Trata-se de direito subjetivo do naturalizado e, portanto, de ato administrativo
vinculado.17
Vale registrar, ademais, que a Lei de Migração (Lei nº 13.445/2017) prevê ainda
duas outras formas de naturalização: a especial (art. 64, III) e a provisória (art. 64, IV).
A naturalização especial18 será concedida ao estrangeiro que se encontre em uma das
seguintes situações: a) seja cônjuge ou companheiro, há mais de 5 (cinco) anos, de in-
tegrante do Serviço Exterior Brasileiro em atividade ou de pessoa a serviço do Estado
brasileiro no exterior; ou b) seja ou tenha sido empregado em missão diplomática ou
em repartição consular do Brasil por mais de 10 (dez) anos ininterruptos (art. 68). A
naturalização provisória, por sua vez, poderá ser concedida ao migrante criança ou
adolescente que tenha fixado residência em território nacional antes de completar 10
(dez) anos de idade e deverá ser requerida por intermédio de seu representante legal,
sendo convertida em definitiva se o naturalizando expressamente assim o requerer
no prazo de 2 (dois) anos após atingir a maioridade (art. 70, caput, e parágrafo único).
Finalmente, quanto aos portugueses com residência permanente no Brasil, con-
forme disposto no §1º do art. 12 da CR/88, caso haja reciprocidade em favor de brasi-
leiros, ser-lhe-ão atribuídos os direitos inerentes ao brasileiro naturalizado, ressalvados
os casos previstos na Lei Maior (quase-nacionalidade). Vale ressaltar que não ocorre,
neste caso, a dupla cidadania. O português conserva sua nacionalidade de origem,
sendo-lhe assegurado direitos de brasileiro naturalizado, conforme disposto no Decreto
nº 70.391/1972 (Convenção sobre Igualdade de Direitos e Deveres entre Brasileiros e
Portugueses, mais conhecida como Tratado de Reciprocidade entre Brasil e Portugal).
Por último, quanto à perda da nacionalidade, esta somente poderá ocorrer nas
hipóteses taxativas do art. 12, §4º, da CR/88, quais sejam: a) cancelamento da naturaliza-
ção por atividade nociva ao interesse nacional, em razão de sentença judicial transitada
em julgado (perda necessária) e b) aquisição voluntária de outra nacionalidade (perda
voluntária), salvo no caso de reconhecimento de outra nacionalidade originária pela lei
estrangeira e de imposição da naturalização pelo Estado estrangeiro para o brasileiro
16
MELLO FILHO, José Celso de; MARTINS, Ives Gandra Martins da Silva. Comentários à Constituição do Brasil. São
Paulo: Saraiva, 1988.
17
PEÑA DE MORAES, Guilherme Braga. Nacionalidade: Lineamento da Nacionalidade Derivada e da Naturalização
Extraordinária. Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2000.
18
A naturalização especial pressupõe ainda que estejam presentes os seguintes requisitos: a) ter capacidade civil,
segundo a lei brasileira; b) comunicar-se em língua portuguesa, consideradas as condições do naturalizando; e
c) não possuir condenação penal ou estiver reabilitado, nos termos da lei (art. 69).
19
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2003.
20
MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito internacional privado. Rio de Janeiro: José Olympio, 1935.
21
LOPES, Cristiane Maria Sbalqueiro. O direito a não discriminação dos estrangeiros. Disponível em: <file:///C:/Users/
ARS/Downloads/2_O%20direito%20a%20nao%20discriminacao%20dos%20estrangeiros.pdf>. Acesso em: 21
jan. 2018.
22
VON BAHTEN, Gustavo Luiz. Voto de estrangeiros nos países do Cone Sul: Uma análise de direito comparado. 7 set.
2013. Disponível em: <http://www.humanas.ufpr.br/portal/conjunturaglobal/files/2013/04/O-voto-de-estran-
geiros-nos-pa%C3%ADses-do-Cone-Sul-Uma-an%C3%A1lise-de-direito-comparado.pdf>. Acesso em: 21 jan.
2018.
23
SENADO FEDERAL. Proposta de Emenda à Constituição n° 25, de 2012. Autor: Senador Aloysio Nunes Ferreira e
outro(s) Sr(s). Senador(es). Brasília, DF. 15 fev. 2012. Disponível em: <http://legis.senado.leg.br/mateweb/arqui-
vos/matepdf/108198.pdf>. Acesso em: 21 jan. 2018.
Com efeito, o referido debate legislativo deixa claro que a PEC nº 25/2012 é antes
de tudo o resultado dos reflexos da ambiguidade e da complexidade das mudanças de
posicionamento adotadas pelo Estado-nação brasileiro frente aos fenômenos migratórios
das últimas décadas. Trata-se, portanto, da mudança de certas representações desses
fenômenos para tornar aceitável, social e nacionalmente, a ideia de que um indivíduo
que não tem a nacionalidade do país no qual ele reside pode ser considerado parcial
e condicionalmente como membro da comunidade nacional desse país e participar
ativamente da vida política pública nacional.24
De fato, não é outra a postura que se espera do Estado-nação brasileiro. O reco-
nhecimento dos direitos e garantias civis para estrangeiros deve ser amplo e indepen-
dente de sua situação migratória, uma vez que esses direitos não admitem restrição.
Não se pode retroceder em matéria de cidadania, que deve ser abrangente e inclusiva
e atender a todos os indivíduos sujeitos à jurisdição nacional.
3.4 Conclusão
Apesar dos inegáveis avanços da CR/88 no campo dos direitos fundamentais e de
cidadania, de acordo com o §2º, do art. 14, os estrangeiros não podem alistar-se como
eleitores no Brasil. Estão, portanto, alijados de sua cidadania ativa e passiva. A única
exceção a esta regra está prevista no §1º, do art. 12, que estende o direito ao voto aos
portugueses com residência permanente no País, se houver, em Portugal, reciprocidade
em favor de brasileiros.
Mesmo tal direito, todavia, não é automaticamente exercido pelos cidadãos
portugueses, uma vez que devem primeiramente fazer uma solicitação neste sentido
ao Ministério da Justiça e, tendo seu pedido deferido através de portaria, realizar a
inscrição no Tribunal Regional Eleitoral competente.
Há, contudo, uma Proposta de Emenda Constitucional, a PEC nº 25/2012, de
autoria do Senador Aloysio Nunes Ferreira, já aprovada na Comissão de Constituição,
Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado Federal, que estende aos estrangeiros com resi-
dência permanente no país o direito ao voto nas eleições municipais no Brasil.
Impõe-se, pois, a defesa de tal PEC, firme na certeza de que o reconhecimento
dos direitos e garantias civis para estrangeiros deve ser amplo e independente de sua
situação migratória, sem qualquer restrição, não se admitindo retroceder em matéria
de cidadania, a qual deve ser abrangente e inclusiva, a atender a todos os indivíduos
sujeitos à jurisdição nacional.
Como impulso ao desenvolvimento dessa nova cidadania, portanto, defende-se
e almeja-se a extensão do direto ao voto, pelo menos em eleições locais, para o estran-
geiro residente e radicado no Brasil. Tudo isso objetivando, ao menos, a abertura de
um espaço de discussão para que a velha distinção entre nacionais e não nacionais não
remonte necessariamente à separação dicotômica estabelecida juridicamente entre
cidadão e estrangeiro.
24
CORDE, Marine Lila. O direito de voto dos estrangeiros no Brasil: um olhar antropológico sobre os debates
relativos à PEC 25/2012. Disponível em: <file:///C:/Users/ARS/Downloads/Trabalho%20completo_Marine%20
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VETTEL, Emer de. O direito das gentes, Prefácio e Tradução: Vicente Marotta Rangel. Brasília: Editora
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Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):
SOUSA, Andreive Ribeiro de. Nacionalidade, cidadania e eleição de estrangeiro. In: FUX, Luiz; PEREIRA,
Luiz Fernando Casagrande; AGRA, Walber de Moura (Coord.); PECCININ, Luiz Eduardo (Org.).
Elegibilidade e inelegibilidades. Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 163-173. (Tratado de Direito Eleitoral, v.
3.) ISBN 978-85-450-0498-1.
A INCOMPATIBILIDADE DA AUTOAPLICABILIDADE
DO ART. 15, III, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL COM A
PLENITUDE DO GOZO DOS DIREITOS POLÍTICOS:
UMA RELEITURA HERMENÊUTICA
DA JURISPRUDÊNCIA
4.1 Introdução
Os direitos políticos são conferidos a todos os cidadãos e referem-se, com mais
destaque, à possibilidade, no caso do Brasil uma obrigação, de votar e ser votado. Dizem
respeito ao exercício da cidadania no que tange à participação popular no processo
político, em seus mais variados níveis, de um país, sendo que quando se conquista
o direito ao exercício de um cargo eletivo isso acontece por conta do Direito Político
passivo, o de ser votado.
São tão importantes que a Constituição Federal de 1988 (CF) destina um capítulo
somente para dispor a respeito deles (Capítulo IV – Dos Direitos Políticos), trazendo
hipóteses de sua suspensão e perda, a exemplo do que determina o inciso III do art. 15
da CF/88, onde se trata de uma possibilidade de perda ou suspensão de direitos polí-
ticos, que é o caso de “condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem
seus efeitos”.
Tal situação merece especial atenção da academia, pois se multiplicam, nos
Tribunais Pátrios, decisões que fixam o entendimento no sentido da autoaplicabilidade
deste dispositivo, sem qualquer tipo de filtro ou parâmetro, ainda que sua aplicação
não esteja disposta em uma decisão judicial criminal condenatória, retirando mandatos
alegando o fato da autoaplicabilidade do dispositivo citado ser um efeito de decisões,
sendo um entrave ao gozo pleno de um dos direitos políticos mais sagrados, que é o
do exercício de um mandato eletivo conquistado pelo voto popular.
Essa situação se perfaz grave, pois está acontecendo sem que haja qualquer tipo
de previsão de legal de procedimento para a retirada do mandato, admitindo essa
situação até mesmo sem o mínimo de contraditório e ampla defesa, sem análise da
gravidade do crime, de sua relação com a administração pública, enfim, sem nenhum
parâmetro aparente.
Essa posição conta com aval de boa parte da doutrina sobre o tema, fato que
tem um potencial muito grande de causar sérios transtornos ao exercício de um direito
fundamental do cidadão, vez que não há nenhuma regulamentação legal deste dispo-
sitivo, diferentemente do que ocorre com o inciso V (Lei Federal nº 8.429, de 1992) do
mesmo art. 15 da CF/88.
É comum acontecerem situações em que, após o trânsito em julgado de uma de-
cisão em processo penal que nada tem relacionado com problemas com a administração
pública e que o juiz da causa não determina a perda de um mandato vigente, outro
Magistrado, de outro ramo da Justiça, que nada teve relacionado com a condução do
processo penal que gerou a decisão que transitou em julgado, determina a retirada de
um cidadão do seu mandato eletivo sem observar a legislação vigente no país que deve
ser observada nesses casos (art. 92 do Código Penal – CP) ou até mesmo a legislação
municipal quando se trata da perda de mandatos de Prefeito ou Vereador.
Ao não considerar uma legislação vigente (art. 92 do CP), tem-se a completa
desconsideração de um texto legal sem qualquer tipo de enfrentamento da sua cons-
titucionalidade ou ausência, sendo um problema de igual proporção o fato de haver
doutrina, neste caso pode-se dizer até majoritária, que insiste, inspirando a jurispru-
dência, na autoaplicabilidade do dispositivo constitucional aqui citado sem nenhum
direcionamento, sem o respeito aos princípios constitucionais, agindo para retirar
abruptamente mandatos eletivos legitimamente conferidos pelo povo, atropelando
ainda diversos outros direitos fundamentais dos cidadãos.
O certo é que há quem pregue (estando aparentemente com a ala majoritária que
trata da questão, pelo menos levando em conta as decisões judiciais sobre casos dessa
natureza) que quando um indivíduo é condenado penalmente e essa pena transita em
julgado haverá perda ou suspensão do exercício dos direitos políticos, com automática
perda do mandato eletivo (ainda que não se preocupem em dizer quem é o poder com-
petente para tanto, ou a Justiça competente, ou diga qual o procedimento a ser adotado,
prazos, enfim qual o caminho a percorrer para retirar esse mandato, sem preocupação
com o tamanho da pena ou a natureza do crime cometido).
Entretanto, há o entendimento de que se não houver in concretu os elementos do
art. 92, §1º, do CP, quais sejam, a aplicação de pena privativa de liberdade por tempo
igual ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação
de dever para com a administração pública; ou quando for aplicada pena privativa de
liberdade por tempo superior a quatro anos nos demais casos – não há fundamento
jurídico para a perda de um mandato eletivo.
Por causa do texto do artigo 15, III, CF/88, e por não correlacionarem esse dis-
positivo ao art. 92 do CP, a doutrina majoritária insiste na autoaplicabilidade daquele,
com automática perda de mandato, isto é, admite que ainda que o juiz da condenação
criminal nada diga sobre perda de mandato, este deve ser retirado, sem a observação da
legislação local, ou dos princípios constitucionais que protegem a restrição de direitos
fundamentais.
Contudo, defende-se, no presente trabalho, a necessidade de existir elo entre o
efeito secundário da pena e o fato típico que foi executado, respeitando a legislação
vigente, tendo em vista que a norma ordinária descreve perfeitamente em quais situa-
ções haverá efetiva perda de mandato, e que, mesmo quando isso acontecer, não será
de maneira automática, senão fundamentada, como deve ser toda e qualquer decisão
judicial, e expressa na decisão condenatória criminal que isso será tratado.
Dessa forma não resistiriam a um filtro constitucional os dribles hermenêuticos
praticados por aqueles que querem impor a restrição de um direito decorrente do exer-
cício de um direito fundamental encartado na Constituição Federal, ou seja, daqueles
que defendem o uso do Direito a partir de um olhar subjetivo que busca um resultado
processualmente direcionado ao seu entendimento pessoal, ainda que não consiga
ter esse uma fundamentação jurídica, pois não pode haver determinação implícita de
perda de direitos fundamentais, seja na norma legislada, seja em uma decisão judicial.
Além do que já foi descrito, a interpretação mais cara à maioria dos doutrinadores
que tratam sobre o tema fere de morte os princípios da razoabilidade e da proporcio-
nalidade, haja vista o fato de o acessório, nesses casos, ter efeitos mais gravosos que
os da pena primeira.
Ademais, aceitar que, sem qualquer tipo de procedimento definido em Lei, um
juiz que não participou do processo que culminou em uma decisão criminal condena-
tória, e de outro ramo da Justiça, determine a perda de um mandato é concordar com
uma decisão que não foi validamente fundamentada, pior ainda se aqueles que tiverem
seus direitos retirados sequer tenham sido ouvidos sobre a perda do mandato, pois o
dever de fundamentação tem uma relação intrínseca com o direito ao contraditório,
como bem se pode apreender do texto do Código de Processo Civil (CPC) de 2015.
Necessário, pois, que os representantes da Justiça adotem um agir que respeite
esses direitos, visto que isso se trata de uma garantia do cidadão contra o arbítrio estatal.
Isso significa dizer que uma fundamentação válida não se limita a explicar a decisão,
uma vez que existe diferença entre fundamentação e mera motivação.
Portanto, há fatos e normas e o intérprete/aplicador deve cumprir o seu papel
no processo de compreensão sem negar qualquer um de seus elementos e calcado nos
limites constitucionais impostos.
Assim, o presente trabalho tem por mister expor um entendimento diferencia-
do para a questão, levando em conta o que mais tem prevalecido nos Tribunais sobre
o tema, pregando uma análise à luz da Hermenêutica Jurídica Contemporânea que
privilegia todos os dispositivos, constitucionais e infraconstitucionais, aplicáveis ao
caso, a partir da adoção de um caminho, que chamo de Roteiro Hermenêutico, que
respeite os direitos dos cidadãos e auxilie no sentido do sistema judicial dar respostas
constitucionalmente adequadas a casos como este.
CF. Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará
nos casos de: [...] III - condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem
seus efeitos.
Para conhecimento, de acordo com Jellinek (apud DUTRA, 2017), a prática dos
direitos políticos corresponde ao status ativo, ou seja, quando o indivíduo participa
genuinamente da formação da vontade estatal, sendo de profunda importância para o
desenvolvimento de uma sociedade organizada em um Estado Democrático de Direito,
pelo simples fato das democracias cuidarem das escolhas dos seus dirigentes por meio
de um processo eleitoral e “qualquer limitação do universo de pretendentes é limitação
da própria soberania popular e deve ser tratada com o máximo de zelo” (FERREIRA;
ORTIZ, 2017, p. 2).
Quando de uma decisão criminal transitada em julgado vem à incidência de tal
dispositivo constitucional, a doutrina brasileira majoritária1 defende a autoaplicabili-
dade do dispositivo. Como relata o teor do voto do Ministro revisor da ação Penal 470,
Ricardo Lewandowski, não raro:
[...] a suspensão dos direitos políticos, inclusive no caso de condenação criminal transitada
em julgado, traz como consequência a perda do mandato eletivo [...] esse efeito acessório
da condenação leva à cessação do exercício do mandato do político que dela foi alvo (STF.
AP 470/MG. RELATOR MIN. RICARDO LEWANDOWSKI).
Neste caso o julgador exarou o seu entendimento assentado numa decisão judicial
criminal que poderia ter como efeito a aplicação do art. 15, III, da CF de 1988, ou seja,
cumprindo o seu papel de julgador e não deixando margens para que outro julgador
fizesse aquilo que é dever que quem profere a decisão judicial criminal condenatória.
Quando o julgador se omite, a decisão transita em julgado e não há discussão do
tema da execução da pena, aí é que o campo das distorções jurídicas se perfaz, sendo
o entendimento da autoaplicabilidade uma maneira de fazer com que alguém perca
o mandato.
Neste caso várias possibilidades acontecem na prática, como se verá mais adiante,
desde um mero expediente, a Justiça Eleitoral e o juiz eleitoral (mesmo não sendo o juiz
da condenação criminal) determinam que a Câmara Municipal retire imediatamente
o mandato do cidadão com a condenação criminal, sem qualquer análise do tempo da
pena, natureza ou gravidade do crime, da legislação municipal (Lei Orgânica ou do
Regimento Interno da Casa Legislativa), até o juiz da Justiça Comum também adotar
decisão em caminho semelhante, quando a Casa Legislativa ao tomar conhecimento
de decisão deste tipo não adota providências para retirar o mandato do condenado.
Há, inclusive, apoio de entendimento encontrado na atuação das Cortes, in verbis:
1
A saber: Luciano Dutra, Jairo Gomes, Paulo Gustavo Branco, Alexandre de Moraes, dentre outros.
O artigo 15, inciso III, da Constituição Federal, aduz que, quando for caso de condenação
criminal que já transitou em julgado, na qual houver suspensão de direitos políticos en-
quanto perdurarem seus efeitos, a norma do artigo citado será autoaplicável, local que fica
claro que a determinação deve ser colocada na decisão restritiva de direitos, não implican-
do em perda de mandato se o cidadão estiver no exercício de um (GOMES, 2017, p. 40).
2
Enunciado de prejulgado nº 01/1992 TRE/RS, segundo o qual “A norma do artigo 15, III, da Constituição Federal
é autoaplicável”.
Sem adentrar na análise das decisões anteriores, que cegam perante a existência
de alguns dispositivos legais vigentes no Brasil, encontra-se posição sobre o mesmo
caso, mesma situação, desta feita compreendendo a vigência de legislação aplicável ao
art. 92, parágrafo único, do Código Penal:
CF. Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: [...] IV - os crimes políticos
e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União
ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e
ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral.
CP. Art. 92 - São também efeitos da condenação: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de
11.7.1984). I - a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo: (Redação dada pela
Lei nº 9.268, de 1º.4.1996): (a) quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual
ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com
a Administração Pública; (Incluído pela Lei nº 9.268, de 1º.4.1996); (b) quando for aplicada
pena privativa de liberdade por tempo superior a 4 (quatro) anos nos demais casos. (Incluído
pela Lei nº 9.268, de 1º.4.1996) [...] Parágrafo único - Os efeitos de que trata este artigo não
são automáticos, devendo ser motivadamente declarados na sentença.
3
Art. 926. Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente.
4
DIREITOS POLÍTICOS – CONDENAÇÃO CRIMINAL – SUBSTITUIÇÃO DA PENA RESTRITIVA DA
LIBERDADE PELA RESTRITIVA DE DIREITOS – ARTIGO 15, INCISO III, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL –
ALCANCE – AFASTAMENTO DA SUSPENSÃO NA ORIGEM – REPERCUSSÃO GERAL CONFIGURADA.
Possui repercussão geral a controvérsia sobre a suspensão de direitos políticos, versada no artigo 15, inciso III,
da Constituição Federal, tendo em vista a substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos
(STF - RG RE: 601182 MG - MINAS GERAIS, Relator: Min. MARCO AURÉLIO, Data de Julgamento: 03.03.2011,
Data de Publicação: DJe-068 11.04.2011).
É evidente que não se pode inventar, sem que haja o mínimo de fundamentação
jurídica e legal, trâmites que gerem a perda de um mandato eletivo, porém a prática,
baseada em posições como a posta anteriormente, mostra que a Justiça Eleitoral não
vem entendendo nesse sentido, havendo decisões que declaram a extinção do mandato
através de simples petição e sem contraditório, inovando um rito processual legal para
a perda de um mandato eletivo:
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Resolução nº 22.676, de 13 de dezembro de 2007 – Brasília/DF. Art. 3º A classificação dos feitos observará as
seguintes regras: [...] §4º Os expedientes que não tenham classificação específica, nem sejam acessórios ou inci-
dentes, serão incluídos na classe Petição (PET).
Casos como esses ensejaram decisões também como a do TJMG, que analisou
demanda nesse sentido, inclusive sob a ótica do RE 601182/MG, em que o STF reconhe-
ceu, como já dito anteriormente, a Repercussão Geral sobre o tema, no entanto, ante
o não pronunciamento do Supremo sobre o mérito da lide, entendeu aquele Tribunal
pela adoção da medida mais favorável ao réu:
Essa análise tem mais pertinência com o contexto geral que engloba a questão,
do ponto de vista infraconstitucional e constitucional, com destaque para a ótica cons-
titucional, especificamente, para as garantias fundamentais previstas no art. 5º da CF:
“XLVI. A lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes:
e) suspensão ou interdição de direitos”. Destarte, fica claro que a adoção automática da
suspensão dos direitos políticos viola tal dispositivo.
Ainda em tempo, é imperioso destacar que a condenação criminal transitada
em julgado configura, na forma do art. 15, III da Constituição Federal, a hipótese de
suspensão de direitos políticos enquanto durarem os efeitos da pena, e não de perda
de mandato, posto que a suspensão de tais direitos não implica necessariamente perda
de cargo eletivo, como não enseja diretamente a perda de função pública.
Nenhuma construção interpretativa, que não corra o risco grande de incluir a
vontade pessoal do julgador nas letras da sua decisão, pode chegar à conclusão diversa
e isso, indiscutivelmente, não pode encontrar guarida em um ambiente constitucional
como o brasileiro, como já tive oportunidade de colocar, pois, “quem faz o direito não é
Judiciário; não se pode admitir a criação de novas normas, novos direitos por decisões
judiciais, ainda mais em uma Justiça que visa a garantir a manutenção do sistema de-
mocrático, que é o caso da Justiça Eleitoral” (NOGUEIRA, 2015, p. 108).
Dizer que algo é consequência de um dispositivo constitucional sem que haja
nada, nenhuma lei ou ato normativo que sequer leve a esse raciocínio é algo temeroso
e que agride os direitos fundamentais, impede o exercício pleno dos direitos políticos
do cidadão. Prova disso é que a Constituição Federal apartou dos efeitos da suspensão
dos direitos políticos a perda automática de mandato eletivo, quanto a tal situação é
impossível divergir.
Tanto o é que, ao tratar sobre improbidade administrativa, expressamente previu
a possibilidade de aplicação das penas de suspensão de direitos políticos e de perda
de função pública:
CF. Art. 37. [...] §4º: Os atos de improbidade administrativa importarão à suspensão dos direi-
tos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário,
na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível (grifo nosso).
O juiz não pode qualificar como delito, todos (ou somente) os fenômenos que considere
imorais, ou, em todo caso, merecedores de sanção, apenas (e todos) os que, independen-
temente de sua valoração, venham formalmente designados pela lei como pressupostos
de pena [...] a submissão do juiz é somente à lei (FERRAJOLI, 2006, p. 30).
Dentro de tal cenário, cumpre trazer à baila o dever de fundamentação das deci-
sões judiciais, que é o avesso à invocação de meros precedentes, e da Justiça, do ponto de
CF. Art. 93. Inc. IX. Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e
fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença,
em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos
nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique
o interesse público à informação.
[...] não há no Novo Código de Processo Civil nenhum dispositivo que demande do ma-
gistrado argumentações exaustivas, citações intermináveis de doutrinadores ou páginas
e páginas de precedentes, mas simplesmente um mandamento, de todo já contido na
própria Constituição da República, de adequação dos fatos às normas, de respeito aos
limites semânticos dos textos, de coerência e cautela na indicação dos precedentes e de
atenção às teses pertinentes suscitadas pelas partes (TORRANO, 2015, s.p.).
Aduz o §1º do art. 489 (CPC) as hipóteses nas quais não se considera fundamen-
tada uma decisão judicial. O detalhamento desse dispositivo deve-se à necessidade de
servir como orientação normativa e exigência ao magistrado de que suas decisões não
devem ser superficiais, de que há a necessidade de o processo ser construído por meio
de um contraditório substancial, contribuindo tanto para a eficiência processual como
na formação sólida de precedentes, vejamos o referido dispositivo legal:
CPC. Art. 489. [...] §1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja
ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: I – se limitar à indicação, à reprodução ou à
paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida;
II – empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua
incidência no caso; III – invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra
decisão; IV – não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em
tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador; V – se limitar a invocar precedente ou
enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar
que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos; VI – deixar de seguir enunciado
de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência
de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.
O §1º do art. 489 (CPC/2015), então, é basilar na busca por estabelecer critérios
objetivos para a fundamentação das decisões e por aproximar, definitivamente, civil
law e commom law (BAHIA et al., 2015), levantando a bandeira de um direito jurispru-
dencial, não podendo ser ignorado nos casos de “reconhecimento”, “declaração” ou
de retirada de um mandato eletivo por “efeito” de uma decisão criminal que não trata
do tema, sem que haja previsão legal nesse sentido.
Ao entender pela perda automática de um mandato eletivo, a partir de qualquer
decisão criminal transitada em julgada, sem nenhum tipo de filtro, há uma clara decisão
judicial sem fundamentação jurídica, a partir de uma interpretação construtiva extensiva
que visa restringir o exercício de direito fundamental, o que não guarda consonância
com os dispositivos delineados neste tópico.
Código Eleitoral. Art. 71. São causas de cancelamento: [...] II - a suspensão ou perda
dos direitos políticos; §1º A ocorrência de qualquer das causas enumeradas neste artigo
acarretará a exclusão do eleitor, que poderá ser promovida ex officio, a requerimento de
delegado de partido ou de qualquer eleitor.
Código Eleitoral. Art. 72. Durante o processo e até a exclusão pode o eleitor votar valida-
mente. Parágrafo único. Tratando-se de inscrições contra as quais hajam sido interpostos
recursos das decisões que as deferiram, desde que tais recursos venham a ser providos
pelo Tribunal Regional ou Tribunal Superior, serão nulos os votos se o seu número for
suficiente para alterar qualquer representação partidária ou classificação de candidato
eleito pelo princípio majoritário. [...].
Código Eleitoral. Art. 77. O juiz eleitoral processará a exclusão pela forma seguinte: I -
mandará autuar a petição ou representação com os documentos que a instruírem: II - fará
publicar edital com prazo de 10 (dez) dias para ciência dos interessados, que poderão
contestar dentro de 5 (cinco) dias; III - concederá dilação probatória de 5 (cinco) a 10 (dez)
dias, se requerida; [...]; IV - decidirá no prazo de 5 (cinco) dias.
Código Eleitoral Art. 80. Da decisão do juiz eleitoral caberá recurso no prazo de 3 (três)
dias, para o Tribunal Regional, interposto pelo excluendo ou por delegado de partido.
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MANDADO DE SEGURANÇA Nº 125-02.2016.6.18.0000 - PIAUÍ - Juazeiro do Piauí (34ª Zona Eleitoral - Castelo
do Piauí) - Voto do juiz do TRE-PI, Dr. Jose Wilson Ferreira de Araújo Junior: “Neste ponto, entendo que o
magistrado eleitoral extrapolou suas atribuições, visto que caberia apenas a comunicação da perda dos direitos
políticos para, mediante ato vinculado da Câmara Municipal, o poder legislativo declarar a perda do mandato.
Permitir tal exasperação jurisdicional é, no meu entender, ferir o princípio constitucional da independência
dos poderes. Até porque essa previsão de perda do mandato também está prevista no art. 76, da Lei Orgânica
daquele município”.
de mandato, não se aplica por simetria a Vereadores e Prefeitos7 por falta de previsão
no texto constitucional neste sentido.
Isso é uma verdadeira afronta à autonomia municipal garantida pela CF/88 nos
seus arts. 29, em seu caput, e 30, I, quando dizem:
CF. Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício
mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que
a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição
do respectivo Estado e os seguintes preceitos: [...]
CF. Art. 30. Compete aos Municípios: I - legislar sobre assuntos de interesse local.
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Decisão: A Câmara Municipal de Terenos/MS e seu presidente Clayton Cleone Melo Welter requerem a sus-
pensão do acórdão proferido pela 4ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do
Sul nos autos do Agravo de Instrumento nº 1401842-35.2014.8.12.0000, cuja possui o seguinte teor: [...] Quanto
aos parlamentares federais, a CF tem duas regras: (1) “perderá o mandato o Deputado ou Senador [...] que
sofrer condenação criminal em sentença transitada em julgado” (art. 55, VI). (2) nessa hipótese, “[...] a perda do
mandato será decidida pela Câmara... ou pelo Senado, por voto secreto e maioria absoluta [...]” (art. 55, § 2º).
A perda do mandato, por condenação criminal, não é automática: depende de um juízo político do plenário da
casa parlamentar (art. 55, § 2º). [...] Já isso não se passa com os Vereadores. A Constituição só reconhece a “invio-
labilidade... por suas opiniões, palavras e votos no exercício do mandato e na circunscrição do Município” (art.
29, VIII). Os Vereadores possuem imunidade material. Não têm imunidade processual. Podem ser processados
independentemente de licença da Câmara. Logo, não socorre aos Vereadores o que acima se disse. Vereador,
condenado criminalmente, perde o mandato, independentemente de deliberação da Câmara, como consequên-
cia da suspensão de seus direitos políticos. Não há possibilidade alguma de se estender os Vereadores o trata-
mento dos Parlamentares Federais e Estaduais.
de um Capítulo da CF/88, quando esse direito, enquanto bem, deveria ser preservado
tanto quanto o texto constitucional se preocupa com os direitos políticos.
Daí a importância da hermenêutica contemporânea, do pensamento (ou movi-
mento) jurídico-filosófico, apresentado e defendido no Brasil por Lenio Streck (2012), cujo
fundamento está na viragem linguística, pensamentos de Gadamer (STEIN; STRECK,
2000), a partir de Heidegger.
Essa maneira de encarar e pensar o Direito serve a todos os seus ramos e vem
a romper com a filosofia da consciência através da ciência hermenêutica,8 associada à
compreensão de Habermas, trazida também por Streck (2011), cuja premissa básica,
pode se adiantar, seria a (re)formulação de uma teoria da decisão, livre de subjetivismo,
em que a pré-compreensão do intérprete/aplicador não é ignorada, mas posicionada
com a sua devida importância (mínima) no processo de compreensão, buscando uma
resposta correta, ou constitucionalmente adequada (STRECK, 2011).
Stein e Streck (2000) apresentam que a virada hermenêutica na filosofia anuncia
uma mudança na concepção tradicional do conhecimento, mudança essa que se ini-
ciou com Gadamer ao negar à hermenêutica uma mera posição de adjetivo da filosofia
(filosofia hermenêutica), antes trazida por Heidegger (2002).
Conforme ensina Streck (2011), a hermenêutica filosófica, trazida por Gadamer,
não anula a existência da pré-compreensão ou pré-juízos a que está sujeito o intérprete/
aplicador, mas rechaça o assujeitamento do sentido das coisas, ou seja, repele a equivo-
cada ignorância da existência da linguagem, do que está além dos valores pessoais do
intérprete, e de onde a sua reflexão pessoal sobre o objeto não passa de uma luz tênue
em todo esse processo.
É de se notar que toda essa revolução no processo de compreensão, estando o
sujeito em interação com o objeto,9 fazendo ele parte da história, não dá espaço para a
imposição de sentido das coisas a depender de quem a vê, posto que o “compreendido
está o compreender” (STRECK, 2011, p. 87), mas possibilita a compreensão de maneira
uniforme, independentemente de método, e de “escolhas de métodos”.10
Por tais razões, Streck (2008) apresenta a existência de uma resposta constitucio-
nalmente adequada que pode:
[...] negar a possibilidade de que possa existir (sempre) – para cada caso – uma resposta
conformada à Constituição – portanto, uma resposta correta sob o ponto de vista herme-
nêutico – pode significar a admissão de discricionariedades interpretativas, o que se mostra
antitético ao caráter não relativista da hermenêutica filosófica e ao próprio paradigma do
novo constitucionalismo principiológico introduzido pelo Estado Democrático de Direito,
incompatível com a existência de múltiplas respostas (STRECK, 2008, p. 145).
8
Hermenêutica por métodos.
9
Círculo hermenêutico.
10
Primeiro passo para o subjetivismo hermenêutico.