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A MODERNA DOUTRINA CONTÁBIL DOS MOVIMENTOS DO PATRIMÔNIO


(Axioma da TRANSFORMAÇÃO)

Prof. Dr. Antônio Lopes de Sá – 23/01/2001

A partir das primeiras décadas do século XX, o estudo das transformações


sofridas pelo patrimônio assumiu lugar de maior destaque na doutrina
cientifica da Contabilidade. A riqueza das células sociais, em seu devir
permanente, gerando sempre novas situações, exigiu modificações de
enfoques metodológicos, dentro de uma lógica de relatividade, antes não
predominante na análise dos fenômenos patrimoniais. Essa alteração
metodológica da doutrina é hoje a responsável pelo melhor aproveitamento
dos recursos da informática, no que concerne a tecnologia contábil.

EVOLUÇÃO E CONTABILIDADE

A ciência, no correr dos séculos, foi gradativamente sendo exigida a satisfazer as mudanças
sociais, na medida em que os comportamentos na produção e os da concentração de capitais também
foram sendo alterados.
Não foi, sem fortes razões, que Hessen afirmou, no inicio deste século XX, que: «cada ciência
analisa uma determinada forma de movimento ou uma série de formas de movimento relacionadas
que se transformam umas nas outras» (página. 30 da obra citada na Bibliografia).
No que tange à riqueza das células sociais, o movimento, as relações do movimento, as
transformações decorrentes, a organização em sistema que sustenta a dinâmica, determinaram, também,
modificações nos campos cientifico e das tecnologias da Contabilidade.
As mudanças sociais entendem alguns estudiosos, provocaram na era moderna, profundas
revoluções no campo cientifico e é inequívoco o que sucedeu a partir do século XV, como crescente
alterar de condições de vida.
Nada se compara, todavia, com o ocorrido nos domínios da eletrônica e de suas aplicações.
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A velocidade da informação passou a exigir velocidade de explicação dos fatos e esta uma melhor
estrutura doutrinária do conhecimento.
A Contabilidade sofreu diretamente o impacto da evolução e a informação, extremamente facilitada,
passou a requerer doutrina de maior vigor na explicação e interpretação dos fenômenos demonstrados.
Destaque principal passou a merecer o exame dos fenômenos ambientais, ou seja, os que envolvem a
célula social, na qual está contido o patrimônio e uma nova visão surgiu a partir da obra de Ceccherelli,
na Itália (ver sobre a matéria meu livro História Geral e das Doutrinas da Contabilidade, edição Atlas) .
Concomitantemente, na Alemanha, na França, em Portugal, progressos expressivos também sucederam,
direcionados sempre para essa dilatação de visão dos fenômenos patrimoniais aziendais .

O AXIOMA DA TRANSFORMAÇÃO

Dentre os fatores relevantes, no campo da teoria, apresentam-se, pois, em nossos dias, em plano
de destaque, os enunciados sobre os movimentos do patrimônio, no que tange à transformação.
Historicamente, desde o século XVI que se tentam classificar os movimentos patrimoniais, mas,
cientificamente a matéria só foi tratada a partir dos fins do século XIX, especialmente com Giovanni Rossi
(ver sobre a matéria meu livro História geral e das Doutrinas da Contabilidade, edição Atlas).
Há mais de meio século, também Zappa, no campo conceptual das «variações», explorou o
tema, mas, sem produzir enunciados lógicos ou teoremas que pudessem alcançar uma generalidade
necessária no âmbito cientifico.
Lopes Amorim, na mesma época, entretanto, preocupou-se com as alterações da situação líquida
patrimonial, enunciou teoremas, mas, sem objetivar os aspectos dos sistemas patrimoniais.
Também não se pode deixar de dar destaque ao valoroso trabalho de Dumarchey, no campo
evolutivo dos estudos sobre a dinâmica e nem aos de Schmalenbach.
Todos esses valiosos progressos contribuíram para a formação de meus raciocínios na construção
da Teoria Geral do Conhecimento Contábil (que acaba de editada na Espanha pelo ICAC, do Ministério de
Economia e Fazenda).
Em minha Teoria das Funções Sistemáticas do Patrimônio, portanto, procurei atribuir à matéria a
profundidade que merecia, a partir de axiomas, dentre os quais o seguinte:

Pm Mo  Tr
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ou seja :

O meio patrimonial (Pm) tende ao movimento, o que implica logicamente em transformação (Tr) da
riqueza, nas células sociais .

Meu entendimento, todavia, de movimento, não se confunde com o do fenômeno circulatório.


Os fenômenos circulantes são movimentos, mas, nem todos os movimentos do patrimônio são de
natureza circulante.
Entendo movimento como tudo aquilo que produz a transformação, quer de necessidade, quer de
finalidade, quer de utilidade ou função, quer de qualidade, quer de quantidade, quer de tempo, quer de
espaço, etc.
Em meu modo de entender, pois:

Todo fato competente para alterar as relações lógicas que determinam o fenômeno
patrimonial é um movimento patrimonial.

Teoricamente o patrimônio tenderia à Estática, se não sofresse a ação de agentes ambientais,


mas, na realidade, essa ação ocorre constantemente, em razão da evolução permanente dos elementos
externos que influem sobre a riqueza (quer administrativos, quer do pessoal, quer do mercado, quer da
sociedade humana, quer das leis, quer da natureza etc.).
Assim, por hipótese, um patrimônio composto de computadores individuais do modelo 386 e
que jamais tivesse sido atualizado, estaria estático; ocorre, todavia, que o Pentium II tornou obsoleto
todo aquele patrimônio hipotetizado e transformou o mesmo em um agregado incompetente para
satisfazer as necessidades atuais.
Não ocorreu, no caso, movimento físico, mas, sim um movimento patrimonial, por perda de
utilidade e conseqüente perda de valor.
Não houve circulação física do componente da riqueza, mas, houve transformação patrimonial
decorrente da alteração qualitativa e da expressão quantitativa que deve ser corrigida, em razão da
capacidade de uso em face do mercado.
Mesmo em estática física houve movimento patrimonial, por efeito dos agentes externos que
reduziram a utilidade dos meios que deveriam suprir necessidades.
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A obsolescência é uma transformação que independe de ação interna na empresa, decorrendo


de fato externo.
Tudo isto confirma o axioma da transformação e que se fundamenta na tendência natural de
todo elemento patrimonial movimentar-se, quer seja para produzir a eficácia ou a ineficácia.
Portanto:

Tr  Ea  Ea - 1
Tr   Cf  Pm

Ou seja: a transformação (Tr) implica em Eficácia (Ea) ou em Ineficácia (Ea ) porque tende a
- 1

alterar a capacidade funcional. Também, a transformação tende a implicar logicamente em diferente


capacidade funcional de um meio patrimonial, quer porque se reduz (exemplo: depreciação), quer
porque se elimina com a utilização (exemplo: consumo), quer porque aumenta (exemplo: ágio) quer
porque oferece alternativa (exemplo: troca).

TEOREMAS DA ESTATICA E MOVIMENTO PATRIMONIAL

Masi admitiu que a dinâmica patrimonial é uma sucessão de estáticas patrimoniais , e, nesse
caso, tanto aceitou os conceitos de equilíbrio estático como de equilíbrio dinâmico .
Ou ainda:
n
DPx   EPx
x 1

Ou seja, a Dinâmica Patrimonial (DP) é uma somatória sucessiva de Estáticas Patrimoniais (EP).
Com esse raciocínio o mestre dos mestres justificou sua obra «Statica Patrimoniale», em dois
volumes, na década de 40, do século XX e a desenvolveu, preocupado com os aspectos estruturais da
riqueza.
Teve a lucidez, todavia, de entender que o movimento da riqueza em muito superava a simples
observação da estrutura e produziu sua obra «Dinamica Patrimoniale», também em dois volumes.
Entendo como o mestre, que ambos os aspectos são relevantes nos estudos contábeis, mas,
reconheço, a partir de minha teoria dos sistemas de funções que a visão dinâmica assumiu um papel de
raro destaque.
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O conceito de movimento mereceu de minha parte ampliações, tal como Ceccherelli o havia prenunciado
em sua monumental obra «Íl linguaggio dei bilanci».
Reconheço como válido o teorema da estática que assim enuncio em meus estudos:

« enquanto um meio patrimonial não produz função, tende a permanecer em seu estado inercial».

Assim, por exemplo, se uma empresa adquire mercadorias e as armazena, elas tenderão a permanecer
nesse estado até que um fato as movimente.
O teorema da inércia visa a enunciar uma tendência de ausência de movimento e que representa uma
realidade temporária.
Por parecer-me o enunciado supra de validade restrita, um outro teorema, produzi com o seguinte texto :

«se um meio patrimonial não exerce a sua função, porque não existe oportunidade, tenderá a
conservar uma Potencialidade Funcional, mas, somente e enquanto conservar a sua capacidade plena
de anulação das necessidades patrimoniais ».

Portanto:
Pf   ( Pm  f )( f  P  0)
Pf Cf

Logo : Potencialidade funcional (Pf), eqüivalendo a capacidade funcional, ocorre, se e somente se, o
meio patrimonial (Pm) implicando em função (f) a função implicar em anulação da necessidade
patrimonial (Pn) .
Ou seja, no exemplo referido, as mercadorias tenderão a permanecer em estado de estática, mantendo
sua potencialidade, enquanto um fato não modificar o que tange à utilidade que as mesmas mercadorias
possam prestar.
Um bem de venda, mesmo sem movimentar-se fisicamente, pode, todavia, perder sua utilidade plena e
que seria a de obter um determinado lucro, se o seu preço no mercado cair ou se ela se tornar obsoleta
(esse o caso da perda de potencialidade) .
Esta a razão pela qual entendo, de forma ampla, como movimento todo fato competente para alterar as
relações lógicas que determinam o fenômeno patrimonial quer seja de natureza essencial, dimensional
ou ambiental, implicando, logicamente, em uma transformação da riqueza das células sociais.
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Admito, pois, que rompe a estática tudo que produz um movimento e que tudo que se movimenta no
patrimônio implica em uma transformação.
Uma coisa é o estado físico de um elemento do patrimônio e outra a capacidade que esse mesmo
elemento tem de suprir a necessidade da empresa ou da instituição.

METODOLOGIA MODERNA DA DINAMICA PATRIMONIAL

A rigor, o movimento patrimonial não deve confundir-se com a simples circulação da riqueza,
quer esta se opere mediante utilização ou não.
Em ciência contábil, no sentido amplo, movimentar é mudar, ou seja, é promover alteração em
qualquer das relações lógicas que ensejam o fenômeno patrimonial (ver sobre a matéria nosso livro
«Teoria da Contabilidade», editora ATLAS) .
Como a dinâmica se opera através de movimentos, são os fenômenos destes decorrentes que
interessam aos estudos dessa parte importante da doutrina contábil e que é a Dinâmica Patrimonial.
Muitos são os teoremas que compõem a Teoria da Dinâmica e todos possuem sua importância
para a análise dos fenômenos patrimoniais.
A doutrina dos movimentos do patrimônio aziendal é vasta e a metodologia hoje se inspira em
uma filosofia que admite a riqueza sempre em movimento tão como em seu aspecto de essencialidade,
superando o da legalidade apenas.
Nem tudo o que é legal é funcional e preferencialmente é o funcional, contabilmente, que
orienta a doutrina moderna da análise do comportamento da riqueza das células sociais.

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