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50 Anos de Bienal Aracy Amaral PDF
50 Anos de Bienal Aracy Amaral PDF
cinqüenta anos de
internacional de são paulo
ARACY AMARAL
é historiadora da arte,
professora titular
aposentada da FAU/USP,
tendo sido diretora do
Museu de Arte
Contemporânea da USP. É
autora de, entre outros,
Tarsila – Sua Obra e Seu
Tempo.
Bienais ou
Da impossibilidade de
reter o tempo
nal
ARACY AMARAL
M
elancólica a exposição comemo- infernal de ruídos, quando o visitei. Inda-
rativa das Bienais de São Paulo gando dos vigilantes, informaram-me que
no Parque Ibirapuera, mostra que depois da inauguração a retiraram. Soube,
percorri constrangida pelo nível, recentemente, que a recolocaram em local
em museografia espantosa, ver- definitivo frente à entrada do Prédio das
dadeiro parque de diversões, em Bienais.
cuja entrada em letras garrafais Referente a Ciccillo havia apenas um
repetia-se em cartazes o nome do “verbete”, na visualmente confusa Crono-
jornal patrocinador do evento sobrepondo- logia dos 50 anos, em sala que abrigava em
se estrondosamente à entidade que se montagem improvisada e pobre (a lembrar
pretendia celebrar – a Bienal de São Paulo as despretensiosas embora corretas expo-
por seus 50 anos. Se essa exposição expressa sições do MAM em seus primeiros tempos
o que significa nossa criatividade atual nas da Rua Sete de Abril, há mais de 50 anos!),
artes visuais, então salto fora. Não pode obras do acervo precioso do Museu de Arte
ser, temos possibilidade de formular a apre- Contemporânea da USP, cria também de
sentação de nossos valores fora do caos, ou Ciccillo, pois resultante da doação da cole-
paralelo a ele, com dignidade, sem perda ção do Museu de Arte Moderna de São
de fervor ou qualidade. Na verdade, esse Paulo à Universidade – doação equivoca-
evento não passou de uma exposição da, com certeza, parece-me hoje, depois de
coletiva de arte contemporânea, e nada ter dirigido esse museu e constatado a indi-
mais. Até artistas de elevado nível com bons ferença da Universidade por uma ativação
trabalhos, uns poucos, diluíam-se na geléia cultural na área de artes –, no momento em
geral dessa mostra, e nem deveriam ter que Matarazzo desejou se liberar do fardo
aceito dela participar. É difícil a um artista de carregar duas instituições – o MAM e a
rejeitar convite para participar de uma Bienal, e optando por esta última. Eviden-
exposição: é a possibilidade de mostrar seu temente por seu prestígio e repercussão
trabalho, que é sua vida, sua trajetória. internacional.
Porém, freqüentes vezes, por gesto político, Ciccillo afinal mereceria uma homena-
por ética, por um mínimo de coerência, gem mais reflexiva, sobre seu papel como
deveriam declinar quando o evento é mecenas, apesar de seu autoritarismo, de
comprometedor. Uma artista que aceitou sua mão-de-ferro a discordar e entrar em
participar confiou-me ter sido o convite para choque com os vários diretores do Museu
o evento projetado como uma exposição de de Arte Moderna de São Paulo – Dégand,
“arte, arquitetura e design”. E não essa Milliet, Mendes de Almeida, Lourival,
salada inqualificável que vimos de vídeos Pedrosa – que se sucederam nos quinze anos
cansados no tempo e instalações e projetos de existência da entidade (1948-62). Ele
tridimensionais de gigantismo que não dizia claramente e o ouvi dizer textualmen-
conseguem justificar sua presença. te, farto de polêmicas de artistas, mani-
Essa mostra se intitulou pomposamente festos, debates e discussões: “Faço a Bie-
“Bienal 50 anos/ Uma Homenagem a nal de qualquer jeito, com críticos ou sem
Ciccillo Matarazzo”, o mecenas criador do críticos, com os artistas ou sem os artistas”.
Museu de Arte Moderna de São Paulo e das Ele detinha o poder, o contato com as esferas
Bienais, mas, na verdade, nenhuma home- que tornavam possível a preparação das
nagem lhe era prestada nesse evento, fora Bienais, e exercia esse poder com a aisance
a intenção ou o título. Pensei que houvesse de um administrador experimentado frente
uma exposição de documentação histórica, a seus empreendimentos. Mesmo que no
a lembrar um tempo, mas nada. Parece que fundo não tivesse interesse algum pela arte
um livro está sendo previsto. E nem a es- dita “moderna”. “Venha”, me disse certa
cultura, ou “estátua” de Ciccillo, no sentido vez, “diga-me o que quer dizer isto aqui”,
mais acadêmico do termo, que estaria lá, e assinalava incrédulo com sua bengala
não comparecia no espaço tumultuado, aquela arte estranha que se expunha.