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Sim, precisamos continuar compreendendo a dor para discutirmos o movimento humano. Texto
original publicado por Anoop Balachandran. - University of Miami | UM · Department of
Kinesiology & Sport Sciences.
Boa leitura!
O que significa toda essa conversa sobre lesão e dor não ter uma relação e como a dor
está no cérebro?
Costumávamos acreditar (algumas pessoas ainda acreditam) que a dor e a lesão estão
altamente correlacionadas e utilizaríamos a medida da dor como um indicador de dano
ao tecido. Infelizmente, quando começamos a aprender mais sobre dor e lesão, fica claro
que a dor não é um indicador preciso nem de lesão e nem de dano. Para
entendermos melhor, temos que compreender um conceito muito importante:
Mas o que faz o cérebro pensar que isso é realmente ameaçador ou que estamos em
perigo, e então criar alguma dor?
Você está me dizendo que se eu cortar minha mão, não sentirei dor?
Muitas pessoas que são resistentes a aceitar este conceito podem estar somente
considerando exemplos nos quais elas tiveram uma lesão e então sentiram dor. A=B.
Infelizmente, essa relação não é tão clara como podemos pensar. Podemos estar
subconscientemente ignorando as incontáveis vezes em que tivemos uma lesão e não
sentimos nenhuma dor (ou uma dor não proporcional à extensão da lesão). Já
experimentamos uma boa quantidade de contusões e cortes, com pouca pista sobre
como ou quando aconteceu.
Esqueça as pequenas contusões e cortes. É bem conhecido o fato de que 40% das
pessoas atendidas em salas de emergência com ferimentos horríveis não sentem
nenhuma dor ou pouca dor, mesmo depois de longos atrasos no atendimento (1). E veja
você, essas pessoas estão alertas, racionais e coerentes (‘não estão em estado de choque’
como a maioria das pessoas tendem a acreditar). Se um pé-de-cabra atravessado no
pescoço ou um braço amputado não resulta em dor, por que acharíamos que a lesão é
um indicador preciso de dor?
Então como essas lesões horríveis podem resultar em NENHUMA dor? Como vimos,
nociceptores enviam sinais de perigo, e finalmente cabe ao cérebro produzir uma
resposta. Na maioria das vezes essas lesões horríveis aconteceram em um contexto no
qual a sobrevivência da pessoa estava em jogo, o que é muito mais ameaçador do que a
lesão (por exemplo: foco na lesão ou mantenha a vida).
E quando o tempo passa e o cérebro conclui que você está fora de perigo, ele então foca
de volta no braço amputado. Não posso trabalhar, não posso levantar meus filhos, eu sei
e já vi a luta dos amputados, posso ver o sangue no curativo: todas essas crenças,
atitudes e pistas sensoriais estão só aumentando o nível do medo ou da ameaça da lesão
no cérebro, o que resulta na dor.
E veja, essas coisas estão acontecendo em uma fração de segundo e estão fora do nosso
controle consciente.
Fantasmas são reais?
Se o cérebro envia uma resposta de dor e a nocicepção é apenas uma das entradas,
podemos sentir dor sem nocicepção?
Sim.
Um exemplo clássico é a dor do membro fantasma, que nos deixa perplexos há anos. Na
dor do membro fantasma, esqueça dano e nocicepção; as pessoas não têm mais uma
parte do corpo, e ainda assim sentem dor (na parte do corpo que está faltando). A dor do
membro fantasma é um exemplo excepcional de como a dor ocorre na ausência de
nocicepção. Nós também percebemos muitos exemplos a nossa volta nos quais pessoas
experimentam dor sem nenhum dano ou lesão.
Agora, como os pesquisadores estudam essas questões? Aqui estão dois estudos
populares:
Estudo 1: Os participantes deste estudo eram tocados com um objeto de metal frio (-
20o) para provocar uma resposta nociceptiva. A eles também era mostrado uma de cada
duas luzes coloridas, uma vermelha e a outra azul. Antes de serem tocadas, era
explicado que a luz tinha muita relação com o estímulo frio.
Agora o que elas descobriram? Embora os estímulos fossem idênticos, 8 entre 10
pessoas sentiram mais dor quando a luz vermelha era mostrada do que com a luz azul.
Se você pensar sobre isso, verá que aprendemos que o vermelho sempre sinaliza perigo.
Embora houvesse variações individuais, ficou claro que a cor da luz alterava a dor, mas
não a nocicepção. As fibras nociceptivas provocavam a mesma resposta em ambas as
condições, mas cada dor era dramaticamente diferente. (3)
Eu tenho uma dor lombar crônica há anos devido a 2 hérnias de disco como é mostrado
na minha ressonância magnética. Como toda essa conversa sobre cérebro já muda o
tratamento para dor crônica?
Uma vez que agora este guia sobre a dor descreveu a biologia da dor, é um bom
momento para falar sobre o gerenciamento da dor. Como vocês corretamente
observaram, a dor aguda é bastante direta e bem compreendida. Como o nome indica,
ela é simplesmente aguda ou de duração curta. Nos ferimos, ‘podemos’ sentir dor, a
cura assume o controle, a dor desaparece e voltamos ao normal (normalmente entre 3 e
6 meses). Ninguém fica realmente preocupado com a dor aguda, o que preocupa a todos
é a dor crônica.
A dor crônica sempre foi um mistério. Por que essa dor deve durar por muitos anos
quando o ferimento teve tempo suficiente para a cura? Múltiplos ferimentos por balas e
grandes amputações se curam em meses, então por que essa pequena lesão no seu joelho
ou ombro dura por muitos anos?
Ou como pode haver um grande número de pessoas que tem o mesmo tecido
disfuncional, mas não sentem nenhuma dor? Sabemos que em torno de 40% da
população tem hérnias de disco, mas não tem nenhuma dor. E vejam, essas pessoas
também não acabam sentindo dor anos depois. Esta é a razão exata do porque
o American College of Physicians se apresentou com diretrizes dizendo: “Os médicos
não devem rotineiramente obter diagnóstico por imagem ou outros exames de
diagnóstico em pacientes com dor lombar inespecífica”.
Agora sabemos claramente que descobertas anormais no raios-X e na ressonância
magnética (como hérnias de disco, abaulamento de disco, articulação degenerativa e
assim por diante) NÃO estão claramente relacionadas no início, na gravidade, no
prognóstico ou na duração da dor lombar. Se 40% da população geral têm hérnia de
disco, eu suspeito que todos que levantam pesos terão uma ou duas hérnias de disco. (5)
(6)
Antes de compreendermos o papel do cérebro na dor, sempre achávamos que a dor era
um indicador preciso de dano e que a nocicepção era equivalente a dor. Então a dor
crônica sempre significava que ainda havia uma lesão a ser curada. Portanto, todos os
nossos tratamentos eram focados na reparação de danos nos tecidos e nas disfunções (o
modelo biomecânico). Mas agora sabemos que na dor crônica, a lesão foi curada há
muito tempo atrás e o que está mantendo a dor é o sistema nervoso sensível e o
cérebro. Ou em outras palavras, o cérebro ainda acha que há uma ameaça e, portanto
ainda produz dor.
Você se lembra da última vez que você obteve um corte ou uma contusão? Que não
somente a área afetada, mas até mesmo a área ao redor estava dolorida até com o mais
leve toque (definido como hiperalgesia e alodinia). O que vemos aqui é uma crescente
sensibilidade do sistema nervoso. Em outras palavras, tanto o limiar de ativação dos
nociceptores é diminuído E a resposta dos nociceptores é aumentada. Lembre-se que
músculos, articulações, pele são somente o hardware, o sistema nervoso é o software e
onde toda a ação acontece.
Na dor crônica, essa sensibilidade do sistema nervoso ainda é mantida. O cérebro
acredita que há uma ameaça e envia um sinal de dor. Então simplesmente flexionar sua
lombar com um pequeno peso, que parecia muito inofensivo, é agora ameaçador o
suficiente para provocar dor.
De duas maneiras:
A abordagem de cima para baixo significa mudar sua atitude, crenças, conhecimento
(neurofisiologia da dor) em relação à sua dor e por sua vez, reduzir o valor da ameaça
da dor. As pessoas se machucam, vivenciam a dor, a cura começa e elas se recuperam.
Mas em algumas pessoas a dor dura para sempre. E por que isso acontece? De acordo
com um dos mais bem aceitos modelos – o modelo da crença de evitar o medo – as
pessoas que aumentaram o medo de repetir a lesão e a dor, são bons candidatos para a
dor crônica.
A falta de conhecimento ou o conhecimento incorreto, crenças (ferir-se sempre significa
dano, minha dor aumentará com qualquer atividade e assim por diante), linguagem de
diagnóstico provocativa e terminologias usadas por médicos terapeutas como hérnia de
disco, pontos-gatilho, desequilíbrio muscular e falha no tratamento podem aumentar
esse medo ou ameaça.
Educar para diminuir a ameaça é A TERAPIA aqui. Agora temos alguma evidência
muito boa para mostrar que apenas a educação da fisiologia da dor ou a abordagem de
cima-para-baixo é suficiente para diminuir a dor e melhorar a função. (7)
A abordagem de Baixo para Cima é o que vemos a nossa volta: cirurgia, fixação
postural, pontos gatilho, desequilíbrio muscular, reeducação do movimento, terapia
manual, acupuntura e a lista continua crescendo. Quase todos os tratamentos ai fora
estão tentando diminuir a movimentação nociceptiva sem muita consideração à
abordagem de cima-para-baixo. Isto acontece apenas porque esses tratamentos estão
fundamentados no modelo de dor desatualizado.
Agora suspeitamos que os efeitos positivos da terapia manual podem ser mais devido
aos mecanismos neurais, do que devido às explicações sobre patologia no tecido e na
articulação que são sempre mostradas. Então até a abordagem de baixo-para-cima está
trabalhando através da sensibilização do sistema nervoso. Embora não seja intencional,
há mecanismos de cima-para-baixo claramente em ação até mesmo nas abordagens de
baixo-para-cima (como o efeito placebo, um modelo explicativo acreditável, a crença no
terapeuta).
O que é necessário é uma abordagem combinada que leve em conta o “indivíduo por
inteiro” e é ai onde o modelo biopsicossocial de tratamento para a dor entra. O modelo
biopsicossocial acessa a biologia (nervos, músculos, articulações) e o psicológico
(crenças, pensamentos, medo) e os aspectos sociais (trabalho, cultura & conhecimento).
Então o que há de errado com alguns dos tratamentos atuais que são fundamentados no
velho modelo biomecânico da dor?
Uma boa pergunta é: Se estiver funcionado, devemos nos preocupar com toda essa
conversa sobre cérebro?
É estimado que 1 entre 4 pessoas na América tem dor crônica, e era 1 entre 7 nos anos
90. Esses números nos dizem que a abordagem atual não está funcionando (mesmo se
pensávamos que estava). Além do mais, nenhum dos nossos tratamentos mostra
qualquer efeito específico. Isto significa que para dor lombar: terapia manual,
acupuntura, exercícios de uma forma geral, tudo parece provocar efeitos semelhantes.
(8)
Agora estou confuso. Devo dizer as pessoas para não ficarem com as costas arqueadas
quando se levantarem, porque isso pode aumentar a ameaça no cérebro? Devo parar
com o Foam Rolling e outros métodos de prevenção à lesão?
Não. Simplesmente como não aconselharia a qualquer pessoa a atravessar a rua com os
olhos fechados, não aconselharia a ninguém a pegar um haltere de 200kg com as costas
arredondadas. O conselho simples para evitar carga extrema na extensão final do
movimento ainda é bom. Então, a forma adequada é sempre recomendada.
O que não queremos fazer é enfatizar demais ou exagerar os nossos exemplos para
prevenção de lesão e dor. Alguns exemplos comuns são: pedir para alguém se sentar
com 20% de tensão abdominal, sempre fique ereto e nunca numa posição curvada, falar
sobre a hérnia discal como se fosse o fim do mundo, os joelhos nunca devem passar a
frente dos dedos dos pés, a rotação da coluna vertebral é ruim e assim por diante.
Se você não tem qualquer evidência clara e está somente especulando, e a maioria é
especulação, é melhor cortar esse ego e evitar a conversa. Você pode fazer muito mais
mal do que bem.
Você deve parar com o foam rolling e com outras técnicas de prevenção de lesão?
Esta é uma boa pergunta, mas uma pergunta melhor é: Essas técnicas realmente
previnem lesões em primeiro lugar? A maioria das coisas que você frequentemente
escuta são somente ‘reclamações’. Se você acha que elas realmente ajudam, se você tem
evidências suficientes e o cliente tem preocupações sobre lesões, então siga em frente e
faça isso. Mas temos que ter cuidado é com a linguagem que usamos para explicar essas
técnicas. Por exemplo, uma maneira melhor de apresentar o foam rolling é dizer que é
bom para melhorar a mobilidade e a circulação do sangue ao invés de dizer que é outra
ferramenta para exorcizar os pontos gatilhos do mal
.
A dor pode ser prevenida?
Em segundo lugar, precisamos nos preocupar é com a dor que pode tornar-se persistente
ou com a dor que se mantêm mesmo quando o tecido é curado. E o melhor modo de
prevenir a cronicidade da dor é ter um conhecimento melhor da sua fisiologia e de como
a dor é uma resposta do cérebro ao invés de uma simples reação à lesão.
Tem sido mostrado que as pessoas relatam menos dor e com menos frequência depois
que recebem educação/orientação sobre a dor. Por quê? Simplesmente porque você
reduziu o nível de ameaça no seu cérebro. A educação sobre a dor pode servir também
para reduzir a intensidade da dor nas lesões agudas. Então jogue fora todos esses medos
e crenças desnecessárias sobre dor e lesão.
E sobre a postura?
Quase todas as modalidades de tratamentos por ai explicam que a dor crônica está
fundamentada no modelo estrutura-patologia. Estivemos estudando e pesquisando
postura por mais de 30 anos e ainda não temos nenhuma evidência para mostrar que a
postura causa dor. Na verdade, temos evidências muito boas para mostrar que a postura
não está correlacionada com a dor. E se você tem me acompanhado até agora, não é
algo tão surpreendente. É?
O que temos que compreender é que a dor é apenas uma parte de uma reação complexa
de estresse. Se você se ferir, o corpo responde liberando adrenalina, ativando grandes
grupos de músculos para banir a ameaça, desativando pequenas posturas e estabilizando
os músculos, mudando sua marcha ou postura para evitar uma posterior lesão,
diminuindo a digestão, gerando inchaço, inflamação e assim por diante.
Tudo faz um sentido perfeito já que o copo quer se proteger e escapar de novas ameaças
ou lesões. Uma vez que a dor torna-se crônica ou a ameaça torna-se crônica, essas
reações complexas de proteção são também mantidas. Você ainda manterá essas
posturas evasivas anatômicas ou de dor, seus músculos principais ou posturais ainda
estão menos ativados, os músculos superativos tendem a diminuir e se tornarem
propensos a desencadear pontos, e o inchaço e inflamação se espalham.
A maioria das reações mencionadas acima que frequentemente são acusadas pela causa
da nossa dor são apenas consequências de um sistema bem concebido de resposta a
ameaças – a postura apenas passou a ser uma delas.
Há tempo e lugar para correção postural, mas eu só faço isso principalmente para
melhorar estética e função.
O que dizer sobre fortalecer os músculos para aliviar a dor? Eu achava que músculos
fracos eram o problema.
Fortalecer os músculos pode ter ou não ter muito impacto na dor. O que torna o
fortalecimento bom é que serve para aumentar a tolerância dos tecidos, assim a área
afetada não é lesionada outra vez.
O alívio da dor que as pessoas têm quando fazem exercícios poderia ser explicado pelos
efeitos não-específicos do exercício. Por exemplo: você conseguiu convencer e
confortar seu cliente de que o movimento é bom e não é para ser temido, especialmente
para a parte do corpo em questão. Você também os orientou que a dor é devido a
músculos fracos ou desequilibrados e isso logo se resolverá.
Mais uma vez, embora a dor possa ser resolvida, nós usamos um modelo explicativo
que está infundido mais na crença de que a dor é devido à patologia tecidual, ou à
disfunção ou fragilidade tecidual. E isso meu amigo, não é bom.
Referências
(1) http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/7145438
(2) http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/13345630
(3) http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/17449180
(4) http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/2038488
(5) http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/2312537
(6) http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/16946663
(7) http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/22133255
(8) http://www.amazon.com/Wall-Melzacks-Textbook-Pain-Consult/dp/0702040592