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Esses dias decidi desacelerar a hipervelocidade com que conduzia minhas faculdades

cognitivas, que até mesmo estava me fazendo pular etapas essenciais para alcançar e ter a
consciência das grandes obras nacionais e mundiais; estava travando meu acesso, compreensão
e valorização de grandes experiências individuais que de tão grandes tornaram-se humanas em
múltiplos sentidos, orientando-me por uma escada com um único degrau, um único nível, que
estava metros e metros acima de minha cabeça, nem mesmo sendo necessário o comentário
sobre os meus pés. Essa velocidade era a ambição e vontade ingênuas minhas de querer
conseguir cultura literária e vivência para assimilar situações diversas da vida e do viver
cotidiano sem ter lido sequer um único livro e apresentando apenas 16-17 anos de velhice.
Nessa ocasião, minha primeira investida visando adquirir capacidade de proporcionar boas
conversas e explanações para as pessoas em meu entorno -- o que me apareceu como uma
tarefa difícil por conta da preguiça e procrastinação que me eram de costume e pela ausência do
hábito da leitura, que não me fora herdado nem mesmo estimulado por parte de minha família
--, comprei e estava destinado a ler integralmente e já de cara, como primeiro livro de minha
vida, a obra mais recente de Olavo de Carvalho, mais especificamente ''O mínimo que você
precisa saber para não ser um idiota'', influenciado pelo seu vasto conhecimento em filosofia,
ciência política, sua cultura -- que ficam evidentes em muitos de seus vídeos, senão todos --,
visando municiar-me com informações amplas para ingressar no embate ideológico-cultural, que
está em alta no Brasil e no mundo de hoje em dia, é febre entre os jovens, a diferença seria a de
que eu teria lido pelo menos um livro antes de inventar adentrar nessa história de discussão de
ideias. A questão é que, se eu fizesse isso, seria um militante. Um militante a bradar em defesa
do olavismo cultural como doutrina de vida e visão de mundo muito acertadas e dignas de
penetrar, via invasão, todo o país (ou o mundo) -- sem nenhum contrapeso ou contra-
argumentação, como um dogma inquestionável.
Por seu rico vocabulário e interessantíssimas análises, Olavo certamente me fez perceber
certas coisas, e muitas delas muito pertinentes a situações com que me deparo, mas
simultaneamente fez-me concluir que seus argumentos e críticas só tinham (e têm) razão de ser
e só eram (são) possíveis porque oriundos de muita leitura, imaginário literário e experiência
consequentes de sua razoável longa vivência. Para se ter noção, publicou seu primeiro livro com
quase 50 anos.
Em minha leitura de seu livro, deparei-me com várias citações a autores brasileiros e mundiais,
muitos deles clássicos e/ou notavelmente importantes e agregadores em seus espaços, mas não
conseguia associar suas linhas de argumentação em total plenitude justamente por não ter lido
esses. Eram muitas análises críticas e afrontosas ao estado em que se encontra a cultura
brasileira nos últimos mais de 30 anos, e todas essas sendo por mim vislumbradas mas não
causando tanta indignação devido à minha ignorância quanto aos bons e velhos autores
nacionais; portanto, vinda a insatisação e indignação ''artificiais'', seriam estas os pilares que
sustentariam a revolta de minha parte ante a lambança cultural-intelectual atual com o objetivo
de propor o que em seu lugar? Algo do nível de Machado, por exemplo, sem sequer ter ciência
nem ter lido uma única obra de sua autoria?
Foi então que eu me decidi, e a decisão acarretou ótimas consequência para o meu
aprimoramento, inclusive sendo o pontapé inicial dos acontecimentos que perrmitiram-me de
agora estar escrevendo este texto: não adianta querer ''pular'' (ou sacrificar) degraus na suposta
escada cognitiva e já ir lendo e ouvindo críticas de certas coisas, observações elaboradas apenas
para tornar-me um militante raivoso e inculto, mas não sem antes fritar minha cabeça em ordem
de resolver problemas muito distantes de minha capacidade. Por sorte e bondade divina,
lembrei-me de nada mais, nada menos que uma edição de Dom Casmurro que estava em meu
guarda-roupa -- e havia sido de minha mãe em seu tempo de retorno à escola mas por ela nunca
fora lido --, cuja leitura de minha parte estava sendo procrastinada (nesse ponto nem mais
cogitada) por pelo menos sete anos.
Vislumbrando o narrar de uma história literária com personagens caricatos e enredo intrigante
como a de Machado, logo me dei conta de que aquele negócio de discussão política como
obrigação primordial para um jovem de dezessete anos era a maior burrice que eu já havia
empreendido. O negócio é ser humilde, sensato e inteligente (e esperto) e desenvolver o hábito
da leitura, conservá-lo, adquirir imaginário literário, bagagem de histórias ouvidas e lidas,
aproveitar o fluir de nossas inspirações e com elas trazer à luz nossas próprias histórias.
Valorizemos a nossa realidade mais simples e evidente e então poderemos subir os degraus, um
por um, com uma naturalidade e satisfação dignas de uma experiência real que, por ser tão boa,
vira sonho e, depois, retorna a si mesma em sua condição física e verdadeira, num ciclo e
caminho certos de prosperidade, até chegarmos no ápice das glórias que Papai do Céu nos
permite.

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