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DOCÊNCIA EM

SAÚDE
QUÍMICA FARMACÊUTICA
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Bibliotecário responsável: Rodrigo Pereira CRB 1/2167
Portal Educação

P842q Química farmacêutica / Portal Educação. - Campo Grande: Portal


Educação, 2013.

138p. : il.

Inclui bibliografia
ISBN 978-85-8241-947-2

1. Química farmacêutica. I. Portal Educação. II. Título.

CDD 615.19
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO À QUÍMICA FARMACÊUTICA..........................................................................5


2
1.1 HISTÓRIA DA QUÍMICA FARMACÊUTICA ...............................................................................5

1.2 NOÇÕES BÁSICAS....................................................................................................................7

1.3 CLASSIFICAÇÃO DOS FÁRMACOS .........................................................................................8

1.3.1 Estrutura química .......................................................................................................................8

1.3.2 Ação farmacológica ....................................................................................................................9

1.3.3 Classificação fisiológica ..............................................................................................................9

1.3.4 Pró-fármacos .............................................................................................................................10

1.3.5 Tipo de ação dos fármacos e parâmetros físico-químicos .........................................................11

2 INTERAÇÃO FÁRMACO-RECEPTOR .....................................................................................13

3 MODELO CHAVE-FECHADURA..............................................................................................14

4 MODELO DE ENCAIXE INDUZIDO ..........................................................................................17

5 TIPOS DE INTERAÇÕES INTERMOLECULARES ..................................................................22

5.1 FORÇAS ELETROSTÁTICAS ...................................................................................................23

5.2 FORÇAS DE DISPERSÃO ........................................................................................................26

6 INTERAÇÕES HIDROFÓBICAS...............................................................................................28

7 LIGAÇÃO DE HIDROGÊNIO ....................................................................................................29

8 LIGAÇÃO COVALENTE ...........................................................................................................32

9 GRUPO FARMACOFÓRICO ....................................................................................................33


10 RECEPTORES E INTERAÇÃO FÁRMACO-RECEPTOR ........................................................35

10.1 RECONHECIMENTO MOLECULAR DO RECEPTOR ..............................................................41

10.2 CARBONO ASSIMÉTRICO E QUIRALIDADE ..........................................................................42

10.3 COMPLEMENTARIDADE DOS ENANTIÔMEROS ...................................................................47


3
11 MISTURA RACÊMICA E COMPLEMENTARIDADE ................................................................49

12 ISOMERIA GEOMÉTRICA E RECONHECIMENTO MOLECULAR .........................................52

13 ATROPOISOMERISMO ............................................................................................................58

14 FÁRMACOS ESTRUTURALMENTE INESPECÍFICOS ............................................................62

15 PROPRIEDADES FÍSICO-QUÍMICAS E ATIVIDADE BIOLÓGICA .........................................63

16 COEFICIENTE DE PARTIÇÃO E EQUAÇÃO DE HANSCH ....................................................64

17 COEFICIENTE DE IONIZAÇÃO E CÁLCULO DO COEFICIENTE DE IONIZAÇÃO (PKA).....70

18 COEFICIENTE DE PARTIÇÃO VS COEFICIENTE DE IONIZAÇÃO .......................................74

19 METABOLISMO DE FÁRMACOS ............................................................................................76

19.1 REAÇÕES MEDIADAS PELA FAMÍLIA P-450 ..........................................................................80

19.2 REAÇÕES DE FASE I ...............................................................................................................83

19.3 REAÇÕES DE FASE II ..............................................................................................................87

19.4 GRUPO AUXOFÓRICO E GRUPO TOXICOFÓRICO ..............................................................91

19.5 METABOLISMO E TOXICIDADE ..............................................................................................93

20 EFEITOS FARMACOLÓGICOS DE GRUPOS ESPECÍFICOS ................................................97

21 MECANISMO DE AÇÃO DE FÁRMACOS ..............................................................................107

21.1 FÁRMACOS QUE INTERAGEM COM ENZIMAS ....................................................................107

21.2 FÁRMACOS QUE INTERAGEM COM PROTEÍNAS CARREGADORAS ................................108


21.3 FÁRMACOS QUE INTERFEREM COM OS ÁCIDOS NUCLEICOS ........................................108

21.4 FÁRMACOS QUE INTERAGEM COM RECEPTORES ...........................................................109

22 MODIFICAÇÃO MOLECULAR ................................................................................................110

23 LATENCIAÇÃO DE FÁRMACOS ............................................................................................117


4
23.1 CLÁSSICOS .............................................................................................................................121

23.2 BIOPRECURSORES ................................................................................................................122

23.3 MISTOS ....................................................................................................................................122

23.4 FÁRMACOS DIRIGIDOS..........................................................................................................123

24 HIBRIDIZAÇÃO MOLECULAR ................................................................................................125

24.1 OBTENÇÃO DE COMPOSTO COM ÚNICA ATIVIDADE A PARTIR DE HIBRIDAÇÃO


MOLECULAR......................................................................................................................................125

24.2 OBTENÇÃO DE COMPOSTO COM ATIVIDADE DUAL A PARTIR DE HIBRIDAÇÃO


MOLECULAR......................................................................................................................................126

25 DESENVOLVIMENTO DE NOVOS FÁRMACOS E MODELAGEM MOLECULAR.................129

26 INOVAÇÃO DE FÁRMACOS NO BRASIL ..............................................................................133

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................................................135


1 INTRODUÇÃO À QUÍMICA FARMACÊUTICA

A Química Farmacêutica, segundo a International Union of Pure and Applied Chemistry


5
(IUPAC) – em português, União Internacional da Química Pura e Aplicada –, é uma ciência
baseada na química, envolvendo aspectos das Ciências Biológicas, Médica e Farmacêutica,
cujas missões são: planejamento, descoberta, invenção, identificação e preparação de
compostos biologicamente ativos (protótipos); o estudo do metabolismo; a interpretação do
mecanismo de ação em nível molecular; e a construção das relações entre a estrutura química e
a atividade farmacológica.

Essas missões complexas envolvem uma multiplicidade de fatores responsáveis pela


resposta terapêutica de uma substância exógena (p. ex., fármaco) que precisa apresentar
elevada eficácia, reflexo das propriedades farmacodinâmicas (aquelas que regem as interações
responsáveis pelo reconhecimento molecular do fármaco pelo biorreceptor e resultam na
resposta terapêutica desejada) e as farmacocinéticas (aquelas que governam os fatores de
absorção, distribuição, metabolismo e eliminação do fármaco na biofase, resultando no perfil de
biodisponibilidade, além de possuir reduzida toxidez).

1.1 HISTÓRIA DA QUÍMICA FARMACÊUTICA

Povos antigos já possuíam uma ampla coleção de produtos naturais, de diversas


fontes (vegetais, animais e minerais), usados com objetivos medicinais. Entretanto, muitos
desses produtos apresentavam alto grau de toxicidade e esse conhecimento não era muito
difundido, ficando retido a algumas aldeias ou a pequena parte da população de um lugarejo.
Apenas com o advento da imprensa, no século XV, houve ampla circulação das informações
sobre os produtos naturais de uso medicinal, a partir de publicação de herbários e farmacopeias.
A maior divulgação de informações sobre as drogas resultou em um rápido aumento do uso e do
abuso desses produtos. O uso de tais drogas alcançou seu pico no século XVII e com isso
também houve aumento da taxa de toxicidade desses produtos na população. Com o
aperfeiçoamento da comunicação entre médicos e estudiosos nos séculos XVIII e XIX, houve
uma remoção progressiva das preparações que eram ineficazes ou com alto grau de toxicidade 6
dos herbários e das farmacopeias, o que impulsionou o uso racional dos produtos naturais de
uso medicinal.

Durante o século XIX, presenciou-se o isolamento de substâncias puras de plantas, o


que contribuiu para o conhecimento mais aprofundado dos princípios ativos. Já no final do
mesmo século, a busca por medicamentos menos tóxicos resultou na introdução de substâncias
sintéticas com função terapêutica e seu uso foi amplamente disseminado no século XX.
Inicialmente, o desenvolvimento dessas substâncias sintéticas estava relacionado aos produtos
naturais, mas à medida que o conhecimento aumentou, uma ampla faixa de novos compostos
sintéticos foi desenvolvida. Esse conhecimento que resultou na síntese dos mais diferentes
fármacos deve-se ao desenvolvimento de ciências como química orgânica, bioquímica, físico-
química, química computacional, biofísica, biologia molecular, genômica e proteômica.

Durante muitos anos a descoberta de fármacos foi baseada em grande parte por sorte,
porém isso vem mudando. Antes o desenvolvimento de novos fármacos se devia a pesquisa de
poucos indivíduos, mas hoje essa tarefa requer o trabalho de uma grande equipe composta de
especialistas de diversas áreas de conhecimento como medicina, farmácia, farmacologia,
microbiologia, fisiologia, patologia, toxicologia, química orgânica e química farmacêutica.

Nos dias atuais, diversas estratégias modernas estão disponíveis para o desenho
molecular de novos fármacos. Entre essas técnicas podemos ressaltar a abordagem fisiológica,
que se baseia no mecanismo de ação farmacológico pretendido, o que depende da eleição de
um alvo terapêutico. Essa abordagem de desenho ou planejamento molecular de novas
moléculas candidatas a novos fármacos, baseada no mecanismo de ação, fundamenta-se no
prévio conhecimento do processo fisiopatológico envolvido e na escolha correta do melhor alvo
terapêutico (p. ex., receptor), que pode ter a estrutura conhecida ou não.
1.2 NOÇÕES BÁSICAS

Para iniciarmos nosso estudo sobre a química farmacêutica vamos conceituar alguns
7
termos necessários para o melhor entendimento dessa ciência:
 droga – qualquer substância que interaja com o organismo produzindo algum
efeito;
 fármaco – uma substância definida, com propriedades ativas, produzindo efeito
terapêutico;
 medicamento – é uma droga utilizada com fins terapêuticos ou de diagnóstico.
Muitas substâncias podem ser consideradas medicamentos ou não, depende da
finalidade com que foram usadas;
 remédio (re = novamente; medior = curar) – substância animal, vegetal, mineral
ou sintética; procedimento (ginástica, massagem, acupuntura, banhos); fé ou crença;
influência: usados com intenção benéfica;
 protótipo – composto farmacologicamente ativo original, a partir do qual análogos
são desenvolvidos;
 screening farmacológico – seleção de fármacos mais ativos e seguros;
 biofase ou biomacromolécula – alvo molecular das micromoléculas (p. ex.,
fármacos);
 modelagem molecular – todo tipo de estudo que envolve a aplicação de modelos
teóricos utilizando os conceitos de átomo e molécula na descrição de estrutura e
propriedades de interesse em química.
1.3 CLASSIFICAÇÃO DOS FÁRMACOS

Os fármacos podem ser classificados de diversas formas: de acordo com a estrutura


8
química, de acordo com a ação farmacológica, de acordo com a ação sobre os sistemas
fisiológicos e como fármacos ou pró-fármacos, entre outros.

1.3.1 Estrutura química

Os fármacos são agrupados em função da estrutura de seus esqueletos de carbono,


ou das suas classificações químicas (p. ex., esteroides, penicilinas e peptídeos). Mas na química
farmacêutica essa classificação apresenta desvantagens, pois frequentemente os membros de
um mesmo grupo exibem tipos diferentes de atividade farmacológica. Por exemplo, os esteroides
possuem atividades que são muito diferentes: a testosterona é um hormônio sexual, a
espironolactona é um diurético e o ácido fusídico é um agente bactericida.

FIGURA 1 - ESTRUTURA QUÍMICA DOS ESTEROIDES


COM ATIVIDADES BIOLÓGICAS DISTINTAS

FONTE: Thomas, 2003.


1.3.2 Ação farmacológica

Os fármacos podem ser classificados de acordo com a natureza de seu


9
comportamento farmacodinâmico, por exemplo: diuréticos, hipnóticos, anestésicos,
vasodilatadores. Essa classificação é particularmente útil para os médicos e para fins didáticos
nas universidades.

1.3.3 Classificação fisiológica

Há uma classificação baseada no sistema corporal sobre o qual os fármacos agem,


elaborada pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Essa classificação especifica 17 sítios de
ação dos fármacos. Entretanto, existe um sistema mais prático e menos detalhado que é
frequentemente utilizado pelos químicos farmacêuticos. Ele é baseado em quatro classificações:
 agentes que atuam no sistema nervoso central (SNC) – são os fármacos
psicotrópicos, que afetam o humor, e os fármacos neurológicos, que são necessários
nos distúrbios fisiológicos nervosos, como epilepsia e a dor;
 agentes farmacodinâmicos – fármacos que agem funções corporais normais (p. ex.
vasodilatadores);
 agentes quimioterápicos – fármacos antibióticos, antifúngicos e antineoplásicos;
 agentes mistos – fármacos que não se encaixam nas outras classificações (p. ex.,
hormônios).
1.3.4 Pró-Fármacos

São compostos farmacologicamente inertes, mas que são convertidos na forma ativa no
10
organismo, por ação enzimática ou química. Exemplo: a levodopa, utilizada para o tratamento da
síndrome de Parkinson, é um pró-fármaco do neurotransmissor dopamina. Como a dopamina é
muito polar (hidrofílica) para atravessar a barreira hematoencefálica (BHE), mas como nessa
barreira existe um sistema transportador de aminoácidos, esse transporta a levodopa. Quando a
levodopa consegue entrar no cérebro, ele é descarboxilado, formando a dopamina, fármacos ativo
(figura a seguir).

FIGURA 2 - FORMAÇÃO DA DOPAMINA A PARTIR DA LEVODOPA,


APÓS SUA PASSAGEM PELA BHE

FONTE: Thomas, 2003.


1.3.5 Tipo de ação dos fármacos e parâmetros físico-químicos

Outra forma de classificação dos fármacos utilizada por químicos farmacêuticos, para
11
melhor compreensão dos modos de interação entre o fármaco e a biofase necessários para
gerar uma resposta biológica, é relacionada ao seu tipo de ação – que pode ser estruturalmente
inespecífica ou estruturalmente específica.

 Fármacos estruturalmente inespecíficos


São os que dependem exclusivamente de suas propriedades físico-químicas como o
coeficiente de partição e o pKa para promover o efeito farmacológico observado. Os exemplos
clássicos desses fármacos estruturalmente inespecíficos são os anestésicos gerais, que agem
sobre o SNC bloqueando a condução de impulsos nos nervos sensitivos periféricos – e essa
ação farmacológica está diretamente relacionada ao seu coeficiente de partição óleo:gás (como
mostra a figura a seguir).

FIGURA 3 - CORRELAÇÃO ENTRE AS PROPRIEDADES FÍSICO-QUÍMICAS E A ATIVIDADE


BIOLÓGICA DOS FÁRMACOS ESTRUTURALMENTE INESPECÍFICOS

O halotano (a) é mais potente que o isoflurano (b) por apresentar um coeficiente de partição maior.
FONTE: Fraga, 2001.
As principais propriedades físico-químicas de uma micromolécula capazes de alterar
seu perfil farmacoterapêutico são o coeficiente de partição, que expressa a lipofilicidade relativa
da molécula (Log P), e o coeficiente de ionização (pKa), que expressa o grau de contribuição
relativa das espécies neutras e ionizadas.

Como a maioria dos fármacos é absorvida passivamente pela membrana plasmática,


12
destaca-se a importância das propriedades físico-químicas (Log P e pKa) para que o fármaco
atinja concentrações plasmáticas capazes de gerar o efeito biológico. Essas propriedades físico-
químicas serão discutidas mais profundamente em tópicos situados mais adiante neste curso.

 Fármacos estruturalmente específicos


São fármacos que exercem seu efeito biológico pela interação seletiva com uma
determinada biomacromolécula (receptores metabotrópicos, receptores ionotrópicos, enzimas e
ácidos nucleicos). O reconhecimento molecular do fármaco pela biomacromolécula depende do
arranjo espacial dos grupamentos funcionais e das propriedades estruturais da molécula do
fármaco, que devem ser complementares ao sítio de ligação da biomacromolécula, conhecido
como sítio receptor.
2 INTERAÇÃO FÁRMACO-RECEPTOR

A interação entre uma micromolécula com seu sítio de ação no sistema biológico
13
(receptor) ocorre durante a fase farmacodinâmica e é determinada por forças intermoleculares,
como interações hidrofóbicas, eletrostáticas, covalentes e estéricas.

A partir dessas interações intermoleculares entre fármaco e receptor pode ocorrer tanto
uma resposta biológica positiva como negativa. Por exemplo, respostas positivas podem produzir
uma resposta fisiológica imediata, como a abertura de um canal iônico, ou levar a uma série de
eventos bioquímicos que podem resultar na liberação dos chamados segundos mensageiros,
tais como o monofosfato cíclico de adenosina (cAMP). Esses segundos mensageiros promovem
uma sequência de eventos bioquímicos que resultam em uma determinada resposta fisiológica.
Alternativamente, a ligação de uma micromolécula ao receptor pode impedir uma resposta
fisiológica ao dar início à inibição de uma série de eventos biológicos associados, ou
simplesmente impedir que o ligante endógeno normal ligue-se ao receptor. Por exemplo, os β-
bloqueadores (como o propranolol) agem bloqueando os β-receptores, impedindo a ação da
adrenalina (ligante endógeno). Em todos os casos, o mecanismo pelo qual qualquer mensagem
conduzida pela micromolécula é traduzida pelo sistema do receptor em uma resposta tecidual é
conhecido como transdução do sinal.

A ligação de um fármaco a um receptor pode inibir a ação do receptor, ou estimular o


receptor produzindo as respostas fisiológicas que são características da ação do fármaco. Os
fármacos que se ligam a um receptor e produzem respostas semelhantes àquelas do ligante
endógeno são chamados de agonistas, ao passo que os fármacos que se ligam a um receptor,
mas não causam uma resposta, são denominados antagonistas. No entanto, os fármacos não
são os únicos xenobióticos1 que podem ligar-se a um receptor; os vírus, as bactérias e as
toxinas podem ligar-se aos sítios receptores de tecidos específicos, o que pode causar a
ocorrência de efeitos farmacológicos indesejáveis.

1 Xenobióticos (do grego xenos = estranho): compostos químicos estranhos ao organismo (p. ex., fármacos).
3 MODELO CHAVE-FECHADURA

A complementaridade molecular indispensável para a interação do fármaco


14
(micromolécula) com seu receptor pode ser ilustrada pelo modelo chave-fechadura, de maneira
simplificada. Nesse modelo, proposto pelo químico Emil Fischer para explicar as especificidades
entre enzima e substrato, é possível comparar a biomacromolécula como a fechadura, o sítio
receptor com o “buraco da fechadura” e as diversas chaves como ligantes do sítio receptor.
Nesse caso, o ato de “abrir a porta” ou o “não abrir a porta” representariam as respostas
biológicas dessa interação, isto é, gerar resposta biológica ou não gerar. Podemos evidenciar
três principais tipos de chaves (mostradas na Figura 4):
 chave original ou perfeita – que se encaixa de maneira perfeita à fechadura,
permitindo a abertura da porta. Corresponderia ao agonista natural (endógeno), que
interage com o sítio receptor da biomacromolécula, desencadeando uma resposta
biológica;
 chave modificada – com propriedades estruturais semelhantes à chave perfeita
que permitem seu acesso à fechadura e a abertura da porta. Corresponderia a um
agonista modificado da biomacromolécula, sintético ou de origem natural, capaz de
reconhecer o sítio receptor e desencadear uma resposta biológica qualitativamente
idêntica àquela do agonista natural;
 chave falsa – que apresenta propriedades estruturais mínimas que permitem seu
acesso à fechadura, sem ser capaz, entretanto, de permitir a abertura da porta.
Corresponderia ao antagonista, sintético ou de origem natural, capaz de ligar-se ao
sítio receptor, porém, sem promover uma resposta biológica e bloqueando a ação do
agonista endógeno e/ou modificado (chave original ou modificada), ocasionando uma
resposta qualitativamente inversa àquela do agonista.
FIGURA 4 - MODELO CHAVE-FECHADURA DE EMIL FISCHER

15

FONTE: Fraga, 2001.

A partir dos três casos (chave original, chave modificada e chave falsa) podemos
distinguir duas etapas relevantes na interação da micromolécula com a biomacromolécula que
contém a subunidade receptora:
 interação micromolécula-receptor – expressa pelo termo afinidade, que é a
capacidade da micromolécula de se ligar ao sítio complementar de interação;
 geração da resposta biológica – expressa pelo termo atividade intrínseca, que é
a capacidade do sistema ligante-receptor, uma vez ligado, desencadear uma
determinada resposta biológica.

A Tabela 1 apresenta um exemplo para que possamos entender melhor esses dois
termos (afinidade e atividade intrínseca). Temos três substâncias hipotéticas A, B e C,
análogas do agonista AGO que atuam como ligantes de receptores X, em que o fármaco A
atua com propriedades agonistas. Vale destacar que as substâncias A, B e C são ligantes com
afinidades distintas, uma vez que são reconhecidas diferenciadamente pelos sítios localizados
no receptor – o que podemos observar pelos resultados do ensaio de binding (Tabela 1).
Nesse caso, o composto C é aquele que apresenta maior afinidade pelo receptor X, seguido
do derivado B e, por fim, o derivado A. O que é de extrema importância observar é que uma
maior afinidade não traduz a capacidade de o ligante produzir uma determinada resposta
biológica – como podemos evidenciar pela análise comparativa dos derivados B e A, em que B
apesar de apresentar uma afinidade dez vezes maior que o análogo A, apresenta atividade
intrínseca nula, isto é, não gerando resposta biológica (antagonista), diferentemente da
substância A, que é agonista. Podemos concluir que o derivado A é, apesar de apresentar 16
uma menor afinidade por esse receptor, um melhor candidato a fármaco que o derivado B.
Porém, analisando os três análogos testados, o melhor candidato a fármaco é o derivado C,
que além de apresentar maior afinidade (0,05 nM), apresenta atividade intrínseca igual a 1,0,
isto é, age como agonista total do receptor X.

TABELA 1 - AFINIDADE X ATIVIDADE INTRÍNSECA


SUBSTÂNCIA AFINIDADE ATIVIDADE INTRÍNSECA
Ensaio de binding, IC50 (nM)
A 87,0 Agonista (α = 0,7)

B 8,7 Antagonista (α = 0)

C 0,05 Agonista (α = 1,0)

IC50 = concentração de substância necessária para produzir interação com 50% dos receptores.

Atividade intrínseca (α) – α=1,0 (agonista total = produz efeito máximo), α <1,0 e >zero (agonista parcial = não
produz efeito máximo), α=zero (antagonista= não produz efeito).

FONTE: Adaptado de Fraga, 2001.


4 MODELO DE ENCAIXE INDUZIDO

A ideia tradicional de uma complementaridade rígida entre a “chave” e a “fechadura”


17
(entre a micromolécula e o sítio receptor) ganhou força por meio dos estudos sobre complexos
de enzimas proteolíticas com pequenos inibidores e pelo primeiro exemplo de complexo,
cristalográfico proteína anticorpo. Contudo, essa ideia induz o estudante a imaginar tanto o
ligante (chave) quanto o receptor (fechadura) como estruturas rígidas, o que não representa a
realidade.

A existência de uma flexibilidade, um dos fatores que permite que moléculas


estruturalmente semelhantes apresentem “comportamentos diversos”, ou seja, conformações e
orientações relativas distintas, no sítio de ligação do receptor e, consequentemente, afinidades e
atividades intrínsecas diferentes. Podemos observar na Figura 5 um exemplo dessa ideia, onde
os compostos 1 e 2 (Figura 5a) derivados do núcleo pirazolo[4,3-d]piridina, inibidores da enzima
acetilcolinesterase (AChE) e planejados como análogos da tacrina (3)2. Estudos sobre dinâmica
molecular indicaram que a orientação adotada por 1, 2 e 3 no sítio ativo da AChE são diferentes,
mesmo sendo os três compostos estruturalmente similares (Figura 5b).

2 Tacrina: primeiro composto aprovado para o tratamento do mal de Alzheimer.


FIGURA 5

18

a) Estrutura dos compostos 1, 2 e 3; b) visão frontal dos compostos 1 (amarelo), 2 (vermelho) e 3 (rosa) orientados
no sítio ativo da AchE (omitida para fins de clareza).
FONTE: Verli e Barreiro, 2005.

A teoria do encaixe induzido, desenvolvida por Koshland e colaboradores, baseada em


sistemas enzimáticos, sugere que, por meio da ligação, o substrato induz uma mudança
conformacional na subunidade da enzima com a qual interage. Essa mudança pode ser
transmitida às subunidades adjacentes, induzindo na enzima a conformação responsável pelo
processo catalítico. Dessa mesma maneira ocorre a interação de inibidores com enzimas ou
agonistas e/ou antagonistas com receptores. No caso dos ligantes serem agonistas, ao invés da
mudança conformacional no receptor influenciar na catálise poderá, por exemplo, modificar a
condutância de um canal iônico (p. ex., benzodiazepínicos frente ao receptor GABA).

Portanto, a teoria do encaixe induzido considera a capacidade do ligante de induzir


uma modificação na estrutura tridimensional do receptor, ao mesmo tempo em que esse tem a
propriedade de reconhecer uma ou um conjunto de conformações do(s) ligante(s) (diversos
análogos).
O ligante ao gerar uma mudança conformacional de seu receptor pode estar induzindo-o
a adotar a conformação responsável por seu reconhecimento (Figura 6). As alterações
conformacionais observadas como consequência da interação de um fármaco com seu receptor
são de diferentes graus de amplitude e complexidade. Podem envolver uma reorientação da
cadeia lateral de um resíduo de aminoácido de forma a maximizar interações com o ligante e,
portanto, estabilizar o complexo. 19

FIGURA 6

Esquema do processo de indução e seleção de conformações por ligante e receptor, modificando-se mutuamente
no processo de interação do qual poderá resultar uma resposta de interesse terapêutico.
FONTE: Adaptado de Verli e Barreiro, 2005.
As proteínas podem assumir um grande número de conformações praticamente
isoenergéticas e são capazes de sofrer mudanças conformacionais induzidas pela ligação a
substratos ou inibidores. As biomacromoléculas apresentam um número diversificado de
conformações ativas, algumas mais estáveis que outras, de modo que agonistas diferentes
estabilizam populações diferentes de receptores. Desse modo, um agonista pode produzir um
espectro de conformações ativas, enquanto que outro agonista pode estabilizar outro conjunto 20
de conformações do biorreceptor; esse processo é conhecido como seleção conformacional.
Adicionalmente, existe também o conceito de indução conformacional: quando um agonista
induz uma conformação de seu receptor nunca apresentada na sua ausência.

Para exemplificar essa ideia, podemos observar a Figura 7, que mostra a antitrombina
(AT) – uma proteína plasmática relacionada com a inibição da cascata de coagulação, que
quando encontrada livremente (Figura 7b) é inativa como inibidora, mas, ao se ligar à heparina
ou a um pentassacarídeo sintético (Figura 7a) apresenta mudanças conformacionais bastante
expressivas que a tornam uma inibidora do fator Xa da coagulação, 300 vezes mais eficiente
(Figura 7c). Dentre as mudanças existentes nessa complexação, podemos observar:
1) movimentos de cadeias por até 17 Å (formação de α-hélice, marcada por um
círculo verde na Figura 6);
2) movimentos de 30 Å do sítio de ligação (mudanças conformacionais de folhas-β e
alças, marcadas por um círculo vermelho na Figura 6), sugerindo a existência de uma
alteração alostérica.

Esta figura exemplifica como a biomacromolécula sofre modificações em sua estrutura


para o melhor encaixe de seu ligante. Este exemplo mostra que apesar do modelo chave-
fechadura ter sido bastante útil para o entendimento inicial da formação do complexo fármaco-
biomacromolécula e atualmente é de extrema valia para a compreensão inicial do processo por
estudantes de diversas áreas, é o modelo de encaixe induzido o que mais se aproxima da
realidade e atualmente é o mais aceito entre os químicos farmacêuticos.
FIGURA 7

21

a) Estrutura do composto 6; b) forma livre da AT c) forma da AT ligada a 6, apresentando formação de α-hélice


(círculo verde) e mudanças conformacionais de folhas-β e alças (círculo vermelho).
FONTE: Verli e Barreiro, 2005.
5 TIPOS DE INTERAÇÕES INTERMOLECULARES

O grau de afinidade e a especificidade da ligação micromolécula-sítio receptor são


22
determinados por forças intermoleculares:
 eletrostáticas;
 de dispersão;
 hidrofóbicas;
 ligações de hidrogênio;
 ligações covalentes.

Em uma interação fármaco-receptor típica, normalmente ocorre uma combinação


dessas forças e os somatórios delas são responsáveis por gerar uma resposta fisiológica
específica. As interações ocorrem entre o fármaco e a biomacromolécula, como as
biomacromoléculas são em sua maioria receptoras iônicas, metabotrópicos ou enzimas, isto é,
estruturas proteicas, os fármacos (micromoléculas) interagem com aminoácidos (unidades
básicas das proteínas) presentes nos sítios receptores dessas biomacromoléculas (Figura 8).
Por serem, portanto, de grande importância, vamos discuti-las a seguir.

FIGURA 8 - ESQUEMA DA INTERAÇÃO FÁRMACO-SÍTIO RECEPTOR

aa aa
aa
aa aa aa
aa

FONTE: Disponível em: <home.mira.net/~reynella/debate/spetner.htm>. Acesso em: 2 fev. 2012.


5.1 FORÇAS ELETROSTÁTICAS

As forças eletrostáticas são resultantes da interação entre dipolos e/ou íons de cargas
23
opostas, cuja magnitude é diretamente dependente da constante dielétrica do meio e da
distância entre as cargas. A molécula de água apresenta elevada constante dielétrica, pois
apresenta momento de dipolo permanente; e esse fato pode reduzir as forças de atração e
repulsão entre dois grupos carregados e solvatados.

Normalmente, a interação iônica é precedida de dessolvatação dos íons, processo que


envolve perdas entálpicas, mas sendo favorecido pelo ganho entrópico resultante da geração de
água livre (Figura 9). A força da ligação iônica é baixa, de aproximadamente 5 kcal.mol-1 (Figura 9).

FIGURA 9 - DESSOLVATAÇÃO SEGUIDA DE INTERAÇÃO IÔNICA

FONTE: Fraga, 2001.

Alguns aminoácidos apresentam um terceiro grupo ionizável, além da carboxila e da


amina. Esse grupo encontra-se ionizado em pH fisiológico (7,4) tornando o aminoácido básico
– p. ex., arginina e lisina (com carga positiva) ou ácido, como glutamato e aspartato (com
carga negativa). Fármacos que apresentem grupos ionizados (positiva ou negativamente)
podem interagir com aminoácidos presentes em proteínas de sítios receptores, que
apresentam esse terceiro grupo ionizável.

Para exemplificar como pode ocorrer uma ligação iônica na interação fármaco-
receptor, temos o flurbiprofeno, anti-inflamatório não esteroidal que atua inibindo a enzima
prostaglandina endoperóxido sintase (PGHS)3, que provoca sua ação por ligações com resíduos
24
de aminoácidos da enzima, como interação do grupamento carboxilato da forma ionizada com o
resíduo de arginina na posição 120 da sequência primária dessa proteína (Figura 10).

FIGURA 10 - RECONHECIMENTO MOLECULAR DO FLURBIPROFENO PELO RESÍDUO


ARG120 DO SÍTIO ATIVO DA PGHS VIA INTERAÇÃO IÔNICA

FONTE: Fraga, 2001.

3 PGHS: prostaglandina endoperóxido sintase, conhecida popularmente como ciclo-oxigenase (COX).


As forças de atração eletrostáticas ainda podem incluir dois tipos de interações, que
variam energeticamente entre 1 e 7 kcal.mol-1:
 interações íon-dipolo – interação de um íon e uma espécie neutra polarizada
com carga oposta àquela do íon;
 interações dipolo-dipolo – interação entre dois grupamentos polarizados com
cargas opostas (Figura 11). 25

FIGURA 11 - INTERAÇÕES ÍON-DIPOLO E DIPOLO-DIPOLO


E O RECONHECIMENTO FÁRMACO-RECEPTOR

FONTE: Fraga, 2001.

Essa polarização observada e de ocorrência natural é causada pela diferença de


eletronegatividade entre um heteroátomo (p. ex., oxigênio ou nitrogênio) e um átomo de carbono,
produzindo espécies que apresentam um aumento da densidade eletrônica do heteroátomo e
uma redução da densidade eletrônica sobre o átomo de carbono. A ocorrência desse fato está,
como ilustrada na Figura 12, para o grupamento carbonila, em que a interação do substrato
natural endoperóxido cíclico de prostaglandina H2 com a enzima tromboxana sintase (TXS) (que
contém ferro presente no grupo heme), envolve a formação de uma interação íon-dipolo entre o
átomo de ferro do grupamento heme (íon) e o átomo de oxigênio (dipolo), que apresenta carga
parcial negativa.
FIGURA 12 - RECONHECIMENTO MOLECULAR DA PGE2 PELO RESÍDUO FE-HEME DO
SÍTIO ATIVO DA TROMBOXANA SINTASE, VIA INTERAÇÃO ÍON-DIPOLO

26

FONTE: Fraga, 2001.

5.2 FORÇAS DE DISPERSÃO

Essas forças são conhecidas como forças de dispersão de London ou interações de


van der Walls e caracterizam-se pela aproximação de moléculas apolares apresentando dipolos
induzidos. Esses dipolos são resultado de uma flutuação local de densidade eletrônica entre
grupos apolares adjacentes, que não apresentam momento de dipolo permanente. Essas
interações são de fraca energia, variando de 0,5 a 1,0 kcal.mol-1 e ocorrem em função da
polarização transiente de ligações carbono-hidrogênio (Figura 13) ou carbono-carbono.

Apesar de serem interações de baixa energia, as forças de dispersão são de extrema


importância para o processo de reconhecimento molecular do fármaco pelo sítio receptor, uma
vez que normalmente ocorrem inúmeras interações desse tipo que, somadas, acarretam
contribuições energéticas significativas.
FIGURA 13 - INTERAÇÕES DIPOLO-DIPOLO PELA POLARIZAÇÃO
TRANSIENTE DE LIGAÇÕES CARBONO-HIDROGÊNIO

27

FONTE: Barreiro e Fraga, 2008.


6 INTERAÇÕES HIDROFÓBICAS

As interações hidrofóbicas são interações fracas, de aproximadamente 1 kcal.mol -1 e


28
ocorrem em função da interação em cadeias ou subunidades apolares. Essas cadeias ou
subunidades hidrofóbicas presentes tanto no receptor como no ligante encontram-se solvatadas
por camadas de moléculas de água. A aproximação das superfícies hidrofóbicas promove o
colapso da estrutura organizada de água, permitindo assim a interação ligante receptor por meio
de ganho entrópico, associado à desorganização do sistema.

Como há a ocorrência de um grande número de subunidades hidrofóbicas em


peptídeos e fármacos, as interações hidrofóbicas são importantes para o reconhecimento do
ligante pelo receptor. Podemos observar a ocorrência desse tipo de interação no sistema
biológico a partir do exemplo contido na Figura 14, que mostra a interação do fator de ativação
plaquetária (PAF) com o seu biorreceptor, pelo reconhecimento da cadeia alquílica C-16 por uma
“bolsa” lipofílica presente na estrutura da proteína receptora e quando inativa se apresenta
preenchida por moléculas de água.

FIGURA 14 - RECONHECIMENTO MOLECULAR DO PAF VIA INTERAÇÕES HIDROFÓBICAS


COM A BOLSA LIPOFÍLICA DE SEU BIORRECEPTOR

FONTE: Fraga, 2001.


7 LIGAÇÃO DE HIDROGÊNIO

As ligações de hidrogênio são as mais importantes, depois das ligações do tipo


29
covalentes, existentes nos sistemas biológicos, sendo responsáveis pela manutenção das
conformações bioativas de macromoléculas como interações purinas-pirimidinas dos ácidos
nucleicos (Figura 15), por exemplo, que podem ser desfeitas facilmente para duplicação da dupla
fita e logo em seguida refeitas.

As ligações de hidrogênio são formadas entre heteroátomos eletronegativos como


oxigênio, nitrogênio, enxofre e o átomo de hidrogênio de ligações O-H, N-H e CF2-H, como
observado na Figura 16.

Vários fármacos são reconhecidos por ligações de hidrogênio, dos quais podemos
destacar o antiviral Saquinavir. O Saquinavir se complexa ao sítio ativo da protease do vírus
HIV-1 (Figura 17). O reconhecimento do inibidor enzimático envolve fundamentalmente
ligações de hidrogênio com resíduos de aminoácidos do sítio ativo, diretamente ou por
intermédio de moléculas de água (Figura 17).
FIGURA 15 - LIGAÇÕES DE HIDROGÊNIO E A MANUTENÇÃO
DA ESTRUTURA DUPLA FITA DO DNA

30

FONTE: Barreiro e Fraga, 2008.

FIGURA 16 - PRINCIPAIS GRUPOS DOADORES


E ACEPTORES DE LIGAÇÕES DE HIDROGÊNIO

FONTE: Fraga, 2001.


FIGURA 17 - RECONHECIMENTO MOLECULAR DO ANTIVIRAL SAQUINAVIR PELO SÍTIO
DA PROTEASE DO HIV-1 VIA INTERAÇÕES DE HIDROGÊNIO

31

FONTE: Fraga, 2001.


8 LIGAÇÃO COVALENTE

As ligações covalentes são de elevada energia, aproximadamente 77-88 kcal.mol-1, e


32
por esse motivo são dificilmente clivadas em processos não enzimáticos. Portanto, complexos
fármaco-receptor envolvendo ligações covalentes são raramente desfeitos, culminando em uma
inibição enzimática irreversível ou inativação do sítio receptor.

Essa interação, que envolve a formação de uma ligação sigma entre dois átomos que
contribuem cada qual com um elétron, ocorre com fármacos que apresentam grupamentos com
acentuado caráter eletrofílico e bionucleófilos orgânicos.

O ácido acetilsalicílico (AAS) é um exemplo de fármaco que atua como inibidor


enzimático irreversível da enzima PGHS, cujo reconhecimento molecular envolve a formação de
ligações covalentes. O AAS apresenta propriedades anti-inflamatórias, analgésicas e
antipiréticas decorrentes do bloqueio da biossíntese de prostaglandinas, devido à inibição da
enzima PGHS. Essa complexação fármaco-receptor é irreversível, em função da formação de
uma ligação covalente resultante do ataque nucleofílico da hidroxila do aminoácido serina 530 ao
grupamento eletrofílico acetila presente na enzima-alvo (Figura 18).

FIGURA 18 - MECANISMO DE INIBIÇÃO IRREVERSÍVEL DA PGHS PELO ÁCIDO


ACETILSALICÍLICO VIA FORMAÇÃO COVALENTE

FONTE: Fraga, 2001.


9 GRUPO FARMACOFÓRICO

Grupo farmacofórico é o conjunto de características eletrônicas e estéricas que


33
caracterizam um ou mais grupos funcionais ou subunidades estruturais, necessários ao melhor
reconhecimento molecular pelo receptor e, portanto, para o efeito farmacológico desejado.
Farmacóforo não é uma molécula real, nem associações de grupos funcionais; ao contrário, é
um conceito abstrato que representa as diferentes capacidades de interações moleculares de um
grupo de compostos com o sítio receptor. O farmacóforo pode ser considerado como a “parte”
molecular do fármaco essencial à atividade desejada, que se modificado pode reduzir ou eliminar
a atividade farmacológica do fármaco.

A inibição da anidrase carbônica (CA) pelas sulfas diuréticas evidenciou o padrão de


similaridade molecular entre a função sulfonamida (SO2NH2) desses fármacos e o substrato
natural da enzima, o ácido carbônico. A partir dessa constatação, pôde ser evidenciado que o
reconhecimento molecular das sulfonamidas pela CA dependia dessa funcionalidade,
comprovando sua natureza farmacofórica (Figura 19).
FIGURA 19

34

Esquema da interação do substrato natural e do farmacóforo


das sulfas diuréticas –SO2NH2 com o sítio ativo da anidrase carbônica,
ilustrando as ligações-H envolvidas no reconhecimento molecular.
FONTE: Barreiro e Fraga, 2008.
10 RECEPTORES E INTERAÇÃO FÁRMACO-RECEPTOR

A farmacologia entrou em uma nova fase em meados da década de 1970, quando os


35
receptores, que até então eram apenas uma ideia teórica, começaram a surgir como realidade
bioquímica. Após o desenvolvimento de técnicas de marcação de receptores houve a
possibilidade da extração e purificação dos receptores marcados radioativamente. Essa nova
fase da farmacologia, consequentemente, impulsionou a química farmacêutica ao conhecimento
mais detalhado das interações fármaco-biomacromolécula que possuímos atualmente.

Essa abordagem de extração e purificação dos receptores foi utilizada pela primeira
vez com êxito no receptor nicotínico de acetilcolina. Tratando tecidos musculares com
detergentes iônicos foi possível tornar solúvel a proteína receptora ligada à membrana.
Posteriormente, essa proteína pôde ser purificada pela técnica de cromatografia por afinidade,
em que um ligante do receptor, ligado de forma covalente à matriz de uma coluna de
cromatografia, foi utilizado para adsorver o receptor e separá-lo de outras substâncias no extrato
de tecido muscular. Em seguida, o receptor pôde ser eluído da coluna por lavagem com uma
solução contendo um antagonista (p. ex., galamina). Atualmente, abordagens semelhantes vêm
sendo utilizadas para purificar diferentes tipos de receptores.

Com as proteínas receptoras uma vez isoladas e purificadas houve a possibilidade de


analisar a sequência de aminoácidos de um fragmento curto dessas proteínas, permitindo
deduzir a sequência correspondente de bases de RNA mensageiro (mRNA). Em seguida, foram
sintetizadas sondas de oligonucleotídeos, utilizadas para extrair a sequência de DNA total por
métodos convencionais de clonagem de DNA complementar (cDNA), começando a partir de uma
biblioteca de cDNA obtido de uma fonte tecidual rica no receptor de interesse. A partir daí, foram
obtidos os primeiros clones de receptores. Porém, atualmente dispõe-se de diversas estratégias
para clonagem por expressão, que não exigem isolamento prévio e purificação da proteína
receptora.

Assim, muitas informações foram adquiridas ao introduzir o DNA clonado que codifica
receptores individuais em linhagens celulares por transfecção, produzindo células capazes de
expressar os receptores estranhos a elas, numa forma funcional. Desenvolvidas por engenharia
genética, essas células permitem um controle mais rigoroso dos receptores expressos do que o
possível com células naturais ou tecidos intactos, auxiliando nos estudos referentes a esses
receptores.

A partir da clonagem os receptores começaram a ser mais bem compreendidos e


36
consequentemente surgiram classificações em relação a sua forma de ação. Com base na
estrutura molecular e de seu mecanismo de transdução de sinal, podemos distinguir quatro tipos
ou superfamílias de receptores.

 Tipo 1 – Canais iônicos regulados por ligantes


Conhecidos como receptores ionotrópicos, esses receptores são proteínas da
membrana com estrutura semelhante a outros canais iônicos, mas que incorporam um sítio de
ligação (receptor) de ligante, geralmente no domínio extracelular. Tipicamente, são os receptores
sobre os quais atuam os neurotransmissores rápidos.

Exemplos: receptor nicotínico de acetilcolina (Figura 20), receptor GABAA.

 Tipo 2 – Receptores acoplados à proteína G


Esses receptores são conhecidos como receptores metabotrópicos, que consistem
em uma cadeia de aminoácidos que atravessa sete vezes a membrana em formato de
serpentina. Do lado extracelular da membrana podem existir resíduos de açúcar em diferentes
locais N-glicosilados. A ligação do mediador ou de moléculas agonistas, estruturalmente
relacionados, altera a conformação da proteína receptora, habilitando-a a interagir com a
proteína G. As proteínas G estão na camada interna da membrana e consistem em três
subunidades: α, β e ϒ. A associação do ligante ao receptor ativa a proteína G, levando, por
sua vez, à ativação de outra proteína (enzima ou canal iônico) (Figura 21).

Exemplos: receptor muscarínico de acetilcolina, receptores adrenérgicos, receptores


de quimiocinas.
FIGURA 20 - RECEPTOR NICOTÍNICO ATIVADO POR ACETILCOLINA NA PLACA MOTORA

37

A ligação simultânea de duas moléculas de Ach às duas subunidades α resulta na abertura do canal iônico com
entrada de Na+ e saída de K+, despolarização da membrana e disparo do potencial de ação.
FONTE: Lüllmann e colaboradores, 2008.

FIGURA 21 - RECEPTOR METABOTRÓPICO COM SETE DOMÍNIOS


TRANSMEMBRANA ATIVADO POR AGONISTA, COM ATIVAÇÃO DE PROTEÍNA G
E POSTERIOR ATIVAÇÃO DE PROTEÍNA EFETORA

FONTE: Lüllmann e colaboradores, 2008.


 Tipo 3 – Receptores ligados a quinases e receptores relacionados
É um grupo heterogêneo de receptores de membrana que respondem a mediadores
proteicos. Apresentam um domínio extracelular de ligação de ligante conectado a um domínio
intracelular por uma única hélice transmembrana. Em muitos casos, o domínio intracelular é de
natureza enzimática (com atividade de proteinoquinase ou de guanilato ciclase).

38
Exemplo: receptores de insulina (Figura 22), de várias citocinas e fatores de
crescimento (associado à quinase), receptor do fator natriurético atrial (associado à guanilato
ciclase).

FIGURA 22

Receptor de insulina, ativado pela ligação do agonista (insulina), levando a ativação da tirosina quinase, que por sua
vez fosforila resíduos de tirosina em proteínas, resultando em uma cascata de sinalização que culminará em
alteração da função celular.
FONTE: Lüllmann e colaboradores, 2008.
 Tipo 4 – Receptores nucleares
Regulam a transcrição de genes. O termo usado, receptores nucleares, é um tanto
incorreto, visto que alguns se localizam, na verdade, no citoplasma e migram para o
compartimento nuclear na presença do ligante.

Exemplos: receptores dos hormônios esteroides (Figura 23), do hormônio da tireoide,


39
receptor do ácido retinoico, receptor da vitamina D.

FIGURA 23

Receptor dos hormônios esteroides (nucleares): o hormônio se liga ao receptor no citosol; esse complexo, por sua
vez, atravessa a membrana nuclear e interage de forma pareada com o DNA regulando a sua transcrição.
FONTE: Lüllmann e colaboradores, 2008.

Dependendo da complexidade que envolve a transdução de sinal de cada tipo de


receptor, teremos velocidades diferentes para cada resposta, como podemos observar na
Figura 24.
FIGURA 24 - TIPOS DE RECEPTORES E SUAS ESCALAS DE TEMPO DE AÇÃO

40

FONTE: Rang e Dale, 2008.

A melhor compreensão da estrutura e do funcionamento dos receptores impulsionou a


química farmacêutica e o desenvolvimento da modelagem molecular. O conhecimento da
topografia molecular tridimensional (3D) do sítio receptor da biomacromolécula, principal
responsável pelo reconhecimento molecular, permite o desenho de ativadores/inibidores
enzimáticos ou agonistas/antagonista de receptores, por processos de complementaridade
molecular planejada, que podem, por sua vez, discriminar entre interações reversíveis ou
covalentes.
10.1 RECONHECIMENTO MOLECULAR DO RECEPTOR

Sabemos agora que a interação entre a biomacromolécula e a micromolécula


41
apresenta natureza tridimensional dinâmica, como descrito pelo modelo de encaixe induzido. O
reconhecimento molecular entre fármaco e biomacromolécula depende da dimensão molecular
do ligante, das distâncias interatômicas e do arranjo espacial entre os grupamentos
farmacofóricos. A Figura 25 ilustra a natureza 3D do complexo biomacromolécula-micromolécula,
com destaque para o arranjo espacial dos aminoácidos que constituem o sítio ativo.

FIGURA 25

Representação tridimensional do complexo da acetilcolinesterase com o inibidor tacrina (roxo), com destaque para
os resíduos de aminoácidos que compõem o sítio receptor (vermelho).
FONTE: Fraga, 2001.
Dessa forma, podemos considerar que a interação entre o fármaco e uma proteína
deve ser imaginada como uma colisão entre dois componentes flexíveis. Nesse processo, o
choque inicial do ligante com a superfície da proteína deve provocar o deslocamento de
moléculas de água superficiais em garantir o acesso imediato ao sítio ativo, uma vez que o
transporte do ligante sítio de reconhecimento molecular deve envolver múltiplas etapas de
acomodamento conformacional que produzam um modo de interação mais favorável 42
entalpicamente e entropicamente.

10.2 CARBONO ASSIMÉTRICO E QUIRALIDADE

Carbono assimétrico ou quiral é o átomo de carbono que se liga a quatro ligantes


diferentes (Figura 26). Podem existir um ou mais carbonos quirais em uma mesma molécula,
tornando-a uma molécula quiral.

FIGURA 26 - REPRESENTAÇÃO DO CARBONO ASSIMÉTRICO OU QUIRAL

FONTE: Disponível em: <http://www.infoescola.com/quimica-organica/carbono-assimetrico/>.


Acesso em: 15 fev. 2012.
Quiralidade é um atributo geométrico, um objeto que não pode ser sobreposto à sua
imagem especular é dito quiral, enquanto que um objeto no qual a sua imagem especular pode
ser sobreposta ao objeto original, é dito aquiral. Exemplos de quirais são as mãos (Figura 27) e
as conchas marinhas. Essa propriedade de não sobreposição também é exibida por moléculas
orgânicas, que contêm um carbono quiral (Figura 28).

43

FIGURA 27 - IMAGEM ESPECULAR DA MÃO HUMANA

FONTE: Coelho, 2001.


FIGURA 28 - REPRESENTAÇÃO DE UMA MOLÉCULA QUIRAL E DE OUTRA AQUIRAL

44

FONTE: Coelho, 2001.

Quando duas moléculas não podem ser sobrepostas (quirais), elas são tipos de
estereoisômeros, também conhecidos como enantiômeros (do grego enantio = opostos). A única
diferença existente entre esses enantiômeros é a propriedade de desviar o plano da luz
polarizada quando uma solução de cada um deles é submetida a um equipamento chamado
polarímetro.
Sabe-se que uma onda de luz viaja no espaço vibrando em vários planos; mas quando
um feixe de luz é submetido a um cristal, contido no polarímetro, essa luz passa a vibrar em um
único plano. Portanto, quando uma solução contendo um enantiômero é submetida a um
polarímetro, ela pode desviar o plano para a direita ou para a esquerda (Figura 29). Se o plano
for desviado para a direita, a substância é conhecida como dextrorrotatória (do latim dextro =
direita). Se o plano é desviado para a esquerda, a substância é conhecida como levorrotatória 45
(do latim laevu = esquerda). Essa propriedade é conhecida como rotação óptica. Como
convencionado, coloca-se um sinal de menos entre parênteses (-) para nomear uma substância
levorrotatória e um sinal de mais (+) para designar uma substância dextrorrotatória.

Cahn, Ingold e Prelog propuseram uma notação para facilitar o desenho e o


reconhecimento da forma correta em que os substituintes de um carbono assimétrico
orientam-se no espaço, conhecida como notação R e S. Esses pesquisadores estabeleceram
uma regra de prioridade entre os substituintes ligados ao carbono assimétrico. Essa regra
baseia-se no peso molecular dos átomos ligados ao carbono quiral, da seguinte maneira:
 um heteroátomo ( I > Br > Cl > S > O > N) tem maior prioridade do que o carbono;
 uma ligação dupla (-CH=CH2) tem uma prioridade maior do que uma ligação
simples (-CH2-CH2-).

Podemos observar a aplicação dessa regra na Figura 30, que exemplifica utilizando a
molécula do aminoácido fenilglicina.
FIGURA 29

46

a) polarização da onda de luz em um polarímetro. b) desvio do plano de luz ocasionado por um polarímetro.
FONTE: Coelho, 2001.
FIGURA 30 - APLICAÇÃO DA REGRA R E S

47

FONTE: Coelho, 2001.

10.3 COMPLEMENTARIDADE DOS ENANTIÔMEROS

Um dos primeiros relatos da literatura que indicava a relevância da estereoquímica,


mais particularmente da configuração absoluta na atividade biológica, foi feito por Piutti (1886),
descrevendo o isolamento e as diferentes propriedades gustativas dos enantiômeros do
aminoácido asparagina (Figura 31). Essas diferenças de propriedades organolépticas
expressavam diferentes modos de reconhecimento molecular do ligante pelo sítio receptor
localizado nas papilas gustativas, traduzindo sensações distintas [(S)- doce e (R)- amargo].
FIGURA 31 - ESTERIOISÔMEROS DA ASPARAGINA

48

FONTE: Fraga, 2001.


11 MISTURA RACÊMICA E COMPLEMENTARIDADE

Até a década de 1960, quando ocorreu a tragédia decorrente do uso indiscriminado da


49
forma racêmica (mistura em quantidades iguais de dois enantiômeros de uma molécula quiral,
cuja atividade óptica não desvia o plano da luz polarizada, nem para a esquerda, nem para a
direita) da talidomida por gestantes (utilizada como sedativo leve), resultando no nascimento de
crianças com deformações nos membros superiores e inferiores (Figura 32), a importância da
configuração absoluta na atividade biológica das moléculas se manteve adormecida.

Após a tragédia ocorrida, um estudo do metabolismo da talidomida permitiu evidenciar


que o enantiômero (S) era oxidado levando à formação de espécies eletrofílicas reativas do tipo
areno-óxido, que reagem com nucleófilos bio-orgânicos, induzindo teratogenicidade, enquanto o
ananiômero (R) era responsável pelas propriedades sedativas e analgésicas e não sofria esse
processo de oxidação (Figura 33).

Esse episódio é conhecido como o início de uma nova era no desenvolvimento de


fármacos, onde a quiralidade passou a ter grande destaque. E, portanto, uma investigação
cuidadosa do comportamento de fármacos quirais, frente aos processos que influenciam tanto a
fase farmacocinética, quanto a fase farmacodinâmica, passou a ser indispensável antes da
liberação para uso terapêutico.

FIGURA 32 - DEFORMAÇÕES OCASIONADAS PELO USO DA TALIDOMIDA NOS ANOS DE 1960

FONTE: Coelho, 2001.


FIGURA 33 - ESTERIOISOMEROS DA TALIDOMIDA (S-TERATOGÊNICO E R-SEDATIVO)

50

FONTE: Fraga, 2001.

A atividade biológica diferente de substâncias quirais foi pioneiramente proposta por


Easson e Stedman (1933). Esses pesquisadores propuseram que o reconhecimento molecular
de um fármaco, que apresente apenas um carbono assimétrico, deveria envolver a participação
de pelo menos três pontos de reconhecimento pelo biorreceptor. Dessa maneira, o
reconhecimento do antípoda correspondente ao fármaco pelo mesmo sítio receptor não seria tão
eficaz devido à perda de um ou mais pontos de interação complementar.

Um exemplo dessa interação chamada como modelo de três pontos de Easson-Stedman


está ilustrado na Figura 34. Nesse exemplo é considerado o mecanismo de reconhecimento
estereoespecífico do propranolol pelos receptores β-adrenérgicos. O enantiômero (S) é
reconhecido por esses receptores por meio de três principais pontos de interação: a) sítio de
interação hidrofóbica, que reconhece o grupamento lipofílico naftila do propranolol; b) sítio de
doador de ligação de hidrogênio, que reconhece o átomo de oxigênio da hidroxila da cadeia
lateral do propranolol; c) sítio de alta densidade eletrônica, que reconhece o grupamento amina
da cadeia lateral (interações do tipo íon-dipolo). Já o enantiômero (R)-propranolol apresenta-se
praticamente destituído das propriedades β-bloqueadoras para o tratamento da angina de peito,
devido à menor afinidade fármaco-receptor decorrente da perda do ponto de interação (b) (ligação
de hidrogênio), e apresentando por sua vez propriedades indesejadas relacionadas à inibição da
conversão do hormônio da tireoide tiroxina à tri-iodotironina.
FIGURA 34 - RECONHECIMENTO MOLECULAR DOS GRUPOS
FARMACOFÓRICOS DOS ENANTIÔMEROS DO PROPRANOLOL

51

FONTE: Barreiro e Fraga, 2008.


12 ISOMERIA GEOMÉTRICA E RECONHECIMENTO MOLECULAR

Isômeros espaciais são os que só podem ser diferenciados por sua fórmula espacial.
52
Esse tipo de isomeria pode ser dividido em isomeria óptica (que destacamos anteriormente) e
isomeria geométrica. A isomeria geométrica só ocorre em moléculas que apresentam ligação
dupla ou um ciclo.

Átomos de carbono unidos por ligação simples têm possibilidade de rotação livre, por
isso uma das estruturas pode ser convertida na outra pela rotação de um dos carbonos ao
redor do eixo que une os carbonos 2 e 3 da estrutura (Figura 35). Já se os carbonos 2 e 3
estivessem unidos por uma ligação dupla, a situação seria diferente. A dupla ligação impede a
rotação dos carbonos dela participantes. Os carbonos 2 e 3 são trigonais e se dividirmos o
plano a que pertencem todos os carbonos através do eixo da dupla ligação, observaríamos,
claramente, a existência de dois compostos diferentes. Em um exemplo, os grupos metil (CH 3)
se encontram de um mesmo lado (cis-2-buteno) e no outro, estarão de lados diferentes (trans-
2 buteno) (Figura 36).

FIGURA 35

FONTE: Disponível em: <http://luizclaudionovaes.sites.uol.com.br/isomeriageometrica.htm>. Acesso: 15 fev. 2012.


FIGURA 36 - EXEMPLO DE ISÔMEROS GEOMÉTRICOS
(A) CIS-2 BUTENO (B) TRANS-2 BUTENO

53

FONTE: Disponível em: <http://luizclaudionovaes.sites.uol.com.br/isomeriageometrica.htm>. Acesso: 15 fev. 2012.

Os átomos de carbono participantes de um ciclo ou anel também são impedidos de


girar em torno do eixo da ligação, com isso a isomeria geométrica também pode ocorrer em
compostos cíclicos. Para isso, basta que, pelo menos, dois átomos de carbono participantes do
ciclo possuam ligantes diferentes. Os átomos de carbono que apresentam os ligantes diferentes
não precisam ser vizinhos (Figura 37).

FIGURA 37- EXEMPLO DE ISÔMEROS GEOMÉTRICOS DE UM CICLO

FONTE: Disponível em: <http://www.quiprocura.net/isomeria/espacial.htm>. Acesso: 15 fev. 2012.


Alterações da configuração relativa dos grupamentos farmacofóricos de um ligante
alicíclico também podem repercutir diretamente no seu reconhecimento pela biomacromolécula,
uma vez que as diferenças de arranjo espacial dos grupos envolvidos nas interações com o sítio
receptor implicam em perda de complementaridade e, consequentemente, em perda de
afinidade e atividade intrínseca, como ilustra a Figura 38.

54

FIGURA 38 - RECONHECIMENTO MOLECULAR LIGANTE-FÁRMACO

FONTE: Fraga, 2001.


Analisando o desenvolvimento de novos estrogênios sintéticos podemos exemplificar a
importância da isomeria geométrica para a atividade biológica. Podemos observar que o trans-
dietilestilbestrol, cuja configuração relativa dos grupamentos para-hidroxifenila mimetiza o arranjo
espacial das hidroxilas do hormônio estradiol, que representam o grupo farmacofórico para o
reconhecimento desse ligante natural (Figura 39). O cis-dietilestilbestrol apresenta distância
entre os grupamentos farmacofóricos (hidroxilas) inferior à necessária para o reconhecimento 55
adequado pela biomacromolécula e, consequentemente, apresenta atividade estrogênica muito
menos potente que aquela do derivado trans-dietilestibestrol (Figura 39).

FIGURA 39 - RECONHECIMENTO MOLECULAR DOS GRUPOS FARMACOFÓRICOS


DOS ESTEOISÔMEROS CIS E TRANS-DIETIESTIBESTROL

FONTE: Fraga, 2001.

A tragédia da talidomida promoveu um grande desenvolvimento nos estudos


relacionando a quiralidade com propriedades farmacocinéticas, farmacodinâmicas e tóxicas, e
consequentemente um grande conjunto de informações nessa área está disponível, embora para
muitos medicamentos de uso corrente em clínica nenhum estudo com os enantiômeros isolados
tenha sido relatado. Na atualidade, dentre os 100 medicamentos mais vendidos, 20 são quirais
(porém, comercializados em suas formas enantiomericamente puras), enquanto que outros 17
de estrutura quiral (são comercializados como mistura racêmica).

A “Food and Drug Administration” (FDA), dos Estrados Unidos, e outros órgãos
semelhantes existentes em países desenvolvidos estabeleceram protocolos que devem ser
seguidos para a liberação de um novo medicamento, especialmente se a estrutura do princípio
56
ativo for quiral. Para a liberação comercial de uma mistura racêmica é necessária a execução
de todos os ensaios clínicos e toxicológicos com cada enantiômero isoladamente e
comparados com aqueles envolvendo a mistura racêmica. Esses protocolos tiveram um efeito
imediato sobre o tempo e o custo para a liberação de uma nova substância, que totalizava no
passado US$ 20 milhões, atingindo hoje a faixa dos US$ 150 milhões a US$ 250 milhões.

FIGURA 40 - EXEMPLOS DE IMPORTANTES MEDICAMENTOS


QUIRAIS DISPONÍVEIS NO MERCADO

FONTE: Barreiro e colaboradores, 1997.


Para maior segurança e eficácia terapêutica no emprego de fármacos
enantiomericamente puros é desejável a eliminação do isômero inativo (distômero) da
formulação farmacêutica. Mas, devido à complexidade de fatores que regulam a atividade
farmacoterapêutica de um medicamento, além da necessidade de serem considerados,
simultaneamente, fatores econômicos que viabilizem a produção de fármacos com perfil de baixo
custo, baixa toxicidade, produção em larga escala e alta lucratividade, fórmula ideal da indústria 57
farmacêutica moderna, outros fatores pontuais devem ser analisados individualmente, que
podemos analisar, observando a Tabela 2. Nessa tabela, estão contidos os principais fatores
relacionados à decisão de se produzir o racemato ou a substância enantiomericamente pura.

TABELA 2 - CONSIDERAÇÕES ENTRE A PRODUÇÃO DO EUTÔMERO


(ATIVO OU MAIS ATIVO) OU DA MISTURA RACÊMICA
MOTIVOS QUE DETERMINAM A MOTIVOS PARA O DESENVOLVIMENTO
PRODUÇÃO DO EUTÔMERO DO RACEMATO

Ser enantiômero o único isômero Ação sinérgica dos isômeros


ativo

Baixo índice terapêutico da mistura Alto índice terapêutico da mistura

Maior toxicidade do distômero Pouca ou nula toxicidade do distômero

Não haver bioversão de quiralidade Ocorrência de bioinversão de


quiralidade

Acessibilidade econômica Inovação terapêutica

Uso em quadros crônicos

Baixo custo de produção em relação ao


eutômero

FONTE: Adaptado de Barreiro e colaboradores, 1997.


13 ATROPOISOMERISMO

Atropoisomerismo (do grego atropos = sem rotação) é um fenômeno atribuído a um


58
tipo de estereoisomerismo onde a rotação livre em torno de uma ligação simples é impedida,
produzindo uma barreira energética bastante elevada, de modo a permitir o isolamento ou
simplesmente a detecção dos diferentes rotâmeros, nesse caso, chamados atropoisômeros.
Essa isomeria axial é caracterizada pela atividade ótica promovida por um eixo de ligação, e não
da presença de um carbono assimétrico, como elemento de quiralidade. O fenômeno foi
observado pela primeira vez pelos pesquisadores Christie e Kenner (Figura 41), após a
identificação dos atropoisômeros do ácido 6,6’-dinitro-2,2’-difênico, que não se mostraram
interconversíveis à temperatura ambiente.

FIGURA 41 - EQUILÍBRIO ATROPOISOMÉRICO DO ÁCIDO 6,6’-DINITRO-2,2’-DIFÊNICO

FONTE: Santos, 1996.

A nomenclatura dos atropoisômeros pela aplicação das regras de prioridade de Cahn-


Ingold-Prelog pode ser atribuída como R ou S, como exemplificado na Figura 42. Partindo da
projeção da estrutura vista na direção do eixo de ligação do sistema bifenílico, define-se a ordem
de prioridade dos grupos funcionais, iniciando-se por aqueles mais próximos ao observador e,
em seguida, atribuindo-se a configuração absoluta R ou S com base no sentido da rotação
produzida quando se caminha do substituinte de maior prioridade para o de menor prioridade.

A inscrição da configuração absoluta de atropoisômeros deve ser acompanhada pela


introdução do prefixo aR ou do aS (apesar de ser opcional, é bastante utilizado), visando
59
distingui-los de outros tipos de compostos oticamente ativos. As substâncias atropoisoméricas
também podem ser vistos como hélices e suas configurações descritas como P (“Plus”),
referente à rotação no sentido horário, ou M (“Minus”), referente à rotação no sentido anti-
horário. Dessa maneira, as inscrições aR e M são correspondentes, assim como aS e P.

FIGURA 42 - NOMENCLATURA DOS ATROPOISÔMEROS

FONTE: Santos e colaboradores, 1996.

O atropoisomerismo é observado em muitas substâncias de origens natural e sintética,


que apresentam atividade farmacológica, e dessa maneira se tornando essencial seu
conhecimento para diversos campos da Química Medicinal.
São exemplos de substâncias atropoisoméricas de uso medicinal:
 Vimblastina – anticancerígeno de origem natural, inibidor da polimerização de
microtúbulos (Figura 43);
 Vancomicina – antibiótico de origem natural, obtido a partir da fermentação de
cepas da bactéria Streptomyces orientalis;
 Colchicina – inibidor da polimerização de microtúbulos; 60
 Gossipol – produto natural obtido de sementes, troncos e raízes do algodão
(Gossypium sp.), apresentando atividades contraceptivas, antivirais e antiparasitárias
(Figura 44).

FIGURA 43 - ESTRUTURA DA VIMBLASTINA (A) E SEU ATROPOISÔMERO (B)

(b) (a)

FONTE: Santos, 1996.


FIGURA 44 - ESTRUTURA QUÍMICA DOS ATROPOISÔMEROS DO GOSSIPOL

61

FONTE: Santos, 1996.

O atropoisomerismo está presente em diversas substâncias terapêuticas, e esse


fenômeno é capaz de influenciar no perfil de reconhecimento molecular de um determinado
ligante pelo seu receptor, produzindo como consequência importantes diferenças no perfil de
bioatividade de um protótipo.

A estereosseletividade, observada para substâncias apresentando essa propriedade


estrutural, evidencia a importância de se caracterizar o atropoisomerismo em substâncias
bioativas no que se refere a parâmetros como segurança, eficácia, absorção, distribuição,
metabolismo e excreção, a qual tem sido fortemente recomendada em estudos clínicos com
racematos de um candidato a fármaco.

Uma poderosa ferramenta na preparação de novos ligantes quirais eficazes e


seletivos, empregando metodologias de menor custo e complexidade é a possibilidade de
manipulação da estabilidade dos atropoisômeros.
14 FÁRMACOS ESTRUTURALMENTE INESPECÍFICOS

Como já citado neste curso, os fármacos estruturalmente inespecíficos são fármacos


62
que dependem exclusivamente de suas propriedades físico-químicas como o coeficiente de
partição e o coeficiente de ionização para promoverem o efeito farmacológico. Vimos um
exemplo clássico desses fármacos, os anestésicos gerais, em que a potência dessa classe de
fármacos está diretamente relacionada com a sua lipossolubilidade.

Há casos em que a alteração das propriedades físico-químicas decorrentes de


modificações estruturais de uma molécula pode alterar seu modo de interação com a
biomacromolécula. Podemos exemplificar esse fato, destacando a classe dos anticonvulsivantes,
onde pentobarbital (a) é estruturalmente específico sobre o receptor ionotrópico GABA. Porém,
uma simples substituição de um átomo de oxigênio por um átomo de enxofre produz o tiopental
(b), cuja lipossolubilidade é maior e tem ação anestésica inespecífica (Figura 45).

FIGURA 45 - ESTRUTURA QUÍMICA DO PENTOBARBITAL (A) E DO TIOPENTAL (B),


MOSTRANDO A INFLUÊNCIA DA MODIFICAÇÃO ESTRUTURAL NA AÇÃO DOS FÁRMACOS

FONTE: Barreiro e Fraga, 2008.


15 PROPRIEDADES FÍSICO-QUÍMICAS E ATIVIDADE BIOLÓGICA

As propriedades físico-químicas de determinados grupamentos funcionais são


63
fundamentais na fase farmacodinâmica da ação dos fármacos; etapa essa de reconhecimento
molecular, uma vez que a afinidade de um fármaco por seu receptor depende do somatório das
forças de interação dos grupamentos farmacofóricos com sítios complementares do sítio
receptor.

A fase farmacocinética – de absorção, distribuição, metabolização e excreção –


apresenta resultados diretos sobre a biodisponibilidade e no tempo de meia-vida (t1/2) do fármaco
na biofase. Também pode ser afetada de forma drástica pela variação das propriedades físico-
químicas de um fármaco.

As principais propriedades físico-químicas de uma micromolécula capazes de alterar o


perfil farmacoterapêutico são:
 coeficiente de partição – expressa a lipofilicidade relativa das moléculas;
 coeficiente de ionização – expresso pelo valor de pKa, que traduz o grau de
contribuição relativa de espécies ionizada e não ionizada.
16 COEFICIENTE DE PARTIÇÃO E EQUAÇÃO DE HANSCH

Lipossolubilidade (Log P) é conceituada como o coeficiente de partição de uma


64
substância entre uma fase orgânica e uma fase aquosa, isto é, a razão entre a concentração de
fármaco que tende a ficar na fase orgânica e a concentração de fármaco que tende a
permanecer na fase aquosa em um modelo de dois compartimentos (Figura 46). Esse modelo
mimetiza o que ocorre no organismo, dando a informação sobre o perfil de afinidade do fármaco
ao óleo (octanol) ou a água.

FIGURA 46

Octan
ol

Modelo de dois compartimentos, com ênfase para a estrutura do octanol,


constituinte da fase orgânica (com estrutura semelhante a um fosfolipídeo).
FONTE: Adaptado de Barreiro e Fraga, 2008.
Lipossolubilidade é a razão entre a concentração de fármaco na fase orgânica e
concentração de fármaco na fase aquosa (lipossolubilidade = C org/Caqua) (Figura 46), portanto
quanto maior a lipossolubilidade maior a afinidade do fármaco pela fase orgânica (oleosa), ou
seja, maior a facilidade de esse fármaco atravessar as membranas plasmáticas constituídas de
uma bicamada lipídica (fosfolipídios) (Figura 47).

65

FIGURA 47 - ESTRUTURA DE UM FOSFOLIPÍDIO (UNIDADE QUE FORMA


A BICAMADA LIPÍDICA DA MEMBRANA PLASMÁTICA)

FONTE: Lüllmann e colaboradores, 2008.

Hansch e colaboradores demonstraram as correlações existentes entre atividade


biológica e parâmetros físico-químicos (p. ex., lipofilicidade) e também demonstraram que Log P
é uma propriedade aditiva e possui um considerável caráter constitutivo. Por analogia à equação
de Hammett utilizando derivados benzênicos substituídos, eles definiram a constante hidrofóbica
do substituinte, x:

x = Log (Px/PH)
E, portanto, o coeficiente de partição (Log P x) de um derivado funcionalizado com um
substituinte X, pode ser calculado empregando-se a equação a seguir, acrescentando o valor de
contribuição da constante hidrofóbica do substituinte X tabelada ao logaritmo do coeficiente de
partição do derivado não substituído (Log PH).

66
Log Px = Log PH + x

Podemos exemplificar o emprego dessa equação calculando o coeficiente de partição


do paracetamol a partir do benzeno (Figura 48):

FIGURA 48 - USO DA EQUAÇÃO DE HANSCH


NA PREDIÇÃO DO LOG P DO PARACETAMOL

 OH = -1,67
 NHCOCH3 = -0,97
Benzeno
Log PH = 2,13
Paracetamol
Log Px = 0,49 (calculado)
Log Px = 0,46 (experimental)
FONTE: Adaptado de Barreiro e Fraga, 2008.

Nesse exemplo, com a utilização da equação de Hansch, podemos calcular o


coeficiente de partição do paracetamol, conhecendo o coeficiente de partição do benzeno e
utilizando constante hidrofóbica dos substituintes (OH e NHCOCH3), já conhecidos e tabelados:
Log P paracetamol = Log P benzeno + (OH + NHCOCH3)

Log P paracetamol = 2,13 + (-1,67 + (-0,97))

Log P paracetamol = 0,46


67

Podemos observar, então, que o valor de Log P do paracetamol calculado (0,49) é


bastante aproximado do valor obtido experimentalmente (0,46) (utilizando o modelo de dois
compartimentos octanol-água).

A seleção de substâncias com propriedades lipofílicas, desde a Antiguidade é de


grande importância, pois como já vimos facilita a absorção dessa pelas membranas biológicas
até seu sítio de ação. O uso de produtos de fonte natural como remédio foi muito comum na
Antiguidade, período geralmente chamado de pré‐científico, quando já se verificava a
importância da utilização de substâncias botânicas na forma de óleos, tais como os óleos de
oliva, gergelim, rícino, entre outros, graças a sua facilidade de passagens pelas membranas.

Na Índia da Antiguidade, pode-se encontrar escritos de 3000 anos a.C. que indicavam
a utilização de óleos viscosos para o tratamento de diversas doenças. A maior utilização desses
óleos foi observada principalmente no século V a.C.

Claudius Galeno, médico e filósofo grego (129‐216 d.C.), conhecido como o Pai da
Farmácia, foi um importante observador científico dos fenômenos biológicos. Dos mais de 300
tratados escritos por Galeno, cerca de 150 são aceitos atualmente, inclusive suas famosas
prescrições, conhecidas como preparações galênicas, que foram reestudadas em 1963 e tiveram
a composição dos seus inúmeros óleos determinados.

Outro fato notório da história é o trabalho de farmacologia de Pedanius Dioscórides,


médico grego militar nascido na Cicília (40‐90 d.C.), que já descrevia em sua obra “De Materia
Medica”, mais de mil remédios entre óleos, beberagens e unguentos. Dentre seus relatos
destaca‐se que Dioscórides já descrevia o uso de ópio como medicamento e como veneno. Mas,
somente no século XX é que se descobririam os componentes farmacologicamente ativos no
ópio (Figura 49), compostos da classe dos alcaloides, como a morfina (de origem natural do
ópio), que por sua vez pode gerar a heroína – derivado sintético obtido por acetilação da morfina
(Figura 50). E podemos destacar que a heroína apresenta atividade psicotrópica mais elevada
pelo maior transporte e maior absorção cerebral, por apresentar a maior solubilidade em óleo
(lipossolubilidade) devido à ocorrência de grupos hidroxílicos (da morfina) se apresentarem
acetilados (Figura 50). 68

FIGURA 49 - ESQUEMA DA OBTENÇÃO DA TINTURA DE ÓPIO A PARTIR DA PAPOULA

FONTE: Lüllmann e colaboradores., 2008.


FIGURA 50

69

Estrutura química da morfina e da heroína, com destaque para os grupos hidroxílicos encontrados na morfina se
apresentarem acetilados na heroína, tornando-a assim mais lipofílica.
FONTE: (NOGUEIRA, 2009).
17 COEFICIENTE DE IONIZAÇÃO E CÁLCULO DO COEFICIENTE DE IONIZAÇÃO (PKA)

A maioria dos fármacos é de ácido ou de base fraca (Figura 51). Fármacos de natureza
70
básica (BH+) podem ser protonados, levando à formação de espécies catiônicas; enquanto
fármacos de natureza ácida (HA) podem ser desprotonados, levando à formação de espécies
aniônicas (A-), como pode ser observado na Figura 52.

FIGURA 51 - VALORES DE PKA DE ALGUNS FÁRMACOS ÁCIDOS E BÁSICOS

FONTE: Rang e colaboradores, 2004.


FIGURA 52 - GRAU DE IONIZAÇÃO E ABSORÇÃO PASSIVA DE BASE E ÁCIDOS FRACOS

MEIO
+ + EXTRACELULAR + -
BH H + HA H +A
B
71

+ + -
H +B H +A
+
HA
MEIO INTRACELULAR
FONTE: Adaptado de Goodmann e Gilman, 2011.

A constante de ionização de um fármaco é capaz de expressar a contribuição


percentual relativa das espécies ionizadas (BH+ ou A-) e não ionizadas (B ou AH), dependendo
de sua natureza química e do pH do meio. Essa propriedade é fundamental na fase
farmacocinética, pois as espécies não ionizadas, mais lipofílicas, conseguem atravessar a
membrana plasmática por transporte passivo (sem gasto de energia e sem a necessidade de
transportador); já as espécies carregadas são polares e normalmente se encontram solvatadas
por moléculas de água, dificultando o processo de absorção passiva (Figura 50).

Essa propriedade físico-química também se faz importante na fase farmacodinâmica,


devido à formação de espécies ionizadas que podem interagir complementarmente com resíduos
de aminoácidos do sítio receptor da biomacromolécula por ligação iônica ou interações do tipo
íon-dipolo (já discutidas em tópicos anteriores neste curso).

A partir da equação de Henderson-Hasselbach para ionização de ácidos fracos:

pKa = -pH – Log [espécie ionizada]

[espécie não ionizada]


À fração ionizada atribui-se o termo α, de forma que em termos percentuais a fração
não ionizada corresponderia a 100 – α, chegando então à equação para cálculo do percentual de
ácidos, descrita a seguir:

% de ionização (α) = 100 - 100 72

1 + antilog (pH – pKa)

De maneira similar, a equação de Henderson Hasselbach para cálculo do grau de


ionização de bases pode ser desenvolvida produzindo a equação a seguir:

% de ionização (α) = 100 - 100

1 + antilog (pKa – pH)

Essas equações podem ser utilizadas para dar uma previsão de como será o
comportamento farmacocinético (absorção, distribuição e excreção) de fármacos, conhecendo-se
previamente o pH dos principais compartimentos biológicos (mucosa gástrica, pH = 1,0, mucosa
intestinal, pH = 5,0 e plasma, pH = 7,4), permitindo em alguns casos auxiliar na otimização de
propriedades físico-químicas de alguns análogos.

É mostrado a seguir um exemplo (Figura 53), para melhor compreensão dos cálculos
para determinação da porcentagem de ionização dos fármacos. Nesse exemplo ilustramos o
comportamento do ácido acetilsalicílico, fármaco de natureza ácida que apresenta pKa = 3,5,
nas mucosas gástrica (pH = 1,0) e intestinal (pH = 5,0).
FIGURA 53 - GRAU DE IONIZAÇÃO DO ÁCIDO ACETILSALICÍLICO (AAS)
NA MUCOSA GÁSTRICA E NA MUCOSA INTESTINAL

73

FONTE: Adaptado de Barreiro e Fraga, 2008.

Na equação da Figura 53 para fármacos ácidos, calculamos α, porcentagem de


ionização, do AAS nas mucosas gástrica e intestinal. A partir desses valores pode-se obter a
porcentagem de AAS não ionizado, isto é, o apto a atravessar a membrana por difusão passiva:

% de AAS não ionizado = 100 – α


% de AAS não ionizado mucosa gástrica = 99,78%
% de AAS não ionizado mucosa intestinal = 3,07%

Portanto, podemos concluir que o AAS por se tratar de um fármaco ácido apresenta
maior absorção na mucosa gástrica (pH = 1,0).
18 COEFICIENTE DE PARTIÇÃO VS COEFICIENTE DE IONIZAÇÃO

A união de propriedades físico-químicas favoráveis e de alta afinidade do ligante ao


74
seu receptor permite que baixas doses dos fármacos alcancem o efeito terapêutico desejado.
Mas em alguns casos, as diferenças de pKa não são capazes de explicar diferenças no perfil
farmacoterapêutico de determinados fármacos. Como exemplo, temos o caso dos antagonistas
seletivos de receptores β1, metoprolol e atenolol, que apesar de apresentarem pKa similares (9,7
e 9,6, respectivamente) apresentam coeficientes de partição muito distintos (1,88 e 0,16,
respectivamente). Isso se deve à variação dos substituintes de cadeia lateral (-CH2OCH3 vs
CONH2), como podemos observar na Figura 53.

Apesar de esses anti-hipertensivos apresentarem propriedades farmacodinâmicas


similares, a possibilidade de emprego terapêutico é distinta, já que o metoprolol é lipossolúvel
(alto Log P), metabolizado por efeito de primeira passagem, cujo uso clínico é contraindicado
para pacientes com distúrbios no sistema nervoso central (SNC), devido a sua tendência de
atravessar a barreira hematoencefálica (BHE). Já o atenolol, por ser hidrossolúvel (baixo Log P),
tem uso clínico contraindicado para pacientes com problemas renais, devido ao estresse
provocado pela excreção renal do fármaco na forma não modificada (Figura 54).
FIGURA 54 - PERFIL COMPARATIVO DE PROPRIEDADES FÍSICO-QUÍMICAS DO
METOPROLOL E DO ATENOLOL E SUAS CONTRAINDICAÇÕES

75

EFEITO ADVERSO

SNC Estresse renal


FONTE: Adaptado de Barreiro e Fraga, 2008.
19 METABOLISMO DE FÁRMACOS

As características lipofílicas dos fármacos, tão importantes para sua absorção e


76
distribuição pelo organismo, dificultam sua eliminação. A excreção renal do fármaco de forma
inalterada desempenha um papel modesto na eliminação da maioria dos agentes terapêuticos,
porque as substâncias lipofílicas filtradas pelos glomérulos são reabsorvidas em grande parte
para a circulação sistêmica durante a passagem pelos túbulos renais. O metabolismo dos
xenobióticos em metabólitos mais hidrofílicos é essencial para sua eliminação. Na maioria das
vezes, o processo de biotransformação de fármaco leva a perda de sua atividade farmacológica.
Entretanto, alguns sistemas enzimáticos transformam substâncias inativas em substâncias
farmacologicamente ativas ou tóxicas (Figura 55).

O metabolismo ou reações de biotransformação são classificados em dois tipos


(Figura 55):
 reações de fase I ou reações de funcionalização de fármacos;
 reações de fase II ou reações de conjugação.

As transformações enzimáticas promovidas sobre a estrutura química dos fármacos


podem levar a alterações na resposta terapêutica, uma vez que modificações moleculares,
embora algumas vezes simples, podem alterar significativamente o grupo farmacofórico ou seu
arranjo espacial, dificultando sua interação com o sítio receptor. Além disso, essas alterações
podem favorecer novas interações com outras biomacromoléculas, correspondendo a novos e
diversos efeitos biológicos, algumas vezes responsáveis por efeitos tóxicos e/ou teratogênicos.
Em razão desses fatores a OMS recomenda que os estudos sobre o metabolismo de fármacos
sejam parte obrigatória dos programas de avaliação pré-clínica e clínica de qualquer novo
candidato a medicamento.
FIGURA 55 - POSSÍVEIS REAÇÕES DE BIOTRANSFORMAÇÃO QUE UM FÁRMACO PODE
SER SUBMETIDO PARA SUA ELIMINAÇÃO DO ORGANISMO

77

FONTE: Katzung, 2006.

Os sistemas de enzimas envolvidos no processo de metabolismo de fármacos estão


localizados principalmente no fígado. Outros órgãos que também podem apresentar função
metabólica significativa são: trato gastrointestinal (TGI), rins e pulmões. Após a administração
por via oral de um fármaco, uma porcentagem significativa da dose pode ser inativada por
processo metabólico já na mucosa intestinal ou no fígado, antes que o fármaco chegue à
circulação sanguínea; esse processo é conhecido como efeito de primeira passagem.

Em determinada célula, a maior parte da atividade metabólica dos fármacos é


encontrada no retículo endoplasmático liso no citosol, embora essa metabolização possa ocorrer
na mitocôndria, no invólucro nuclear e na membrana plasmática. Os sistemas enzimáticos
envolvidos com as reações de funcionalização de fármacos estão localizados principalmente no
retículo endoplasmático, enquanto os sistemas enzimáticos envolvidos com o processo de
conjugação de fármacos são predominantemente citosólicos.

As enzimas de fase I possibilitam a introdução de grupos funcionais, adicionando aos


xenobióticos os seguintes grupamentos: -OH, -COOH, -SH, -O- ou NH2. A adição desses grupos
funcionais aumenta um pouco a hidrossolubilidade desse composto, mas pode alterar
78
profundamente suas propriedades farmacológicas. Essas reações estão fortemente associadas
à inativação dos fármacos ativos (Figuras 56 e 57).

Já as enzimas de fase II (conjugação) facilitam a eliminação dos fármacos e a


inativação dos metabólitos eletrofílicos potencialmente tóxicos produzidos pela oxidação. Essas
reações produzem metabólitos mais hidrossolúveis com pesos moleculares maiores, o que
facilita sua eliminação (Figuras 56 e 57).

FIGURA 56 - ENZIMAS METABOLIZADORAS DOS XENOBIÓTICOS


Enzimas Reações
“Oxigenases” da fase I
Oxidação de C ou O,
Citocromo P450
desalquilação e outras
Mono-oxigenases contendo flavinas
Oxidação de N, S ou P
(FMO)
Hidrolases do epóxido (mEH, sEH) Hidrólise dos epóxidos
“Transferases” da fase II
Sulfotransferases (SULT) Acréscimo de sulfato
UDP-glicuronosiltransferase (UGT) Acréscimo de ácido glicurônico
Glutationa-S-transferase (GST) Acréscimo de glutationa
N-acetiltranferases (NAT) Acréscimo de grupos acetila
Metiltransferase (MT) Acréscimo de grupos metila
Outras enzimas
Alcooldesidrogenases Redução dos álcoois
Aldeidodesidrogenases Redução dos aldeídos
NADPH-quinona oxidoredutase Redução das quinonas
FONTE: Adaptado de Goodmann e Gilman, 2010.
FIGURA 57 - METABOLISMO DA FENITOÍNA PELAS ENZIMAS
P-450 DA FASE I E PELA UGT DA FASE II

79

Essa reação converte uma molécula muito hidrofóbica em um derivado hidrofílico maior, que é eliminado na bile.
FONTE: Goodmam e Gilman, 2010.
19.1 REAÇÕES MEDIADAS PELA FAMÍLIA P-450

As enzimas P-450 ou CYP constituem uma superfamília de enzimas, em que todas


80
contêm uma molécula de heme ligada de maneira não covalente à cadeia polipeptídica (Figura
58). Essas enzimas estão localizadas no retículo endoplasmático e são responsáveis pelas
reações de fase I, onde o heme liga-se ao O2 como parte do ciclo catalítico dessas enzimas.
Essas enzimas utilizam o O 2 e o H+ derivados do fosfato dinucleotídeo de adenina e
nicotinamida reduzido por cofator (NADPH) para realizar a oxidação dos substratos. O H+ é
fornecido pela NADPH-citocromo P450 oxirredutase. A biotransformação de um substrato
mediado pela CYP consome uma molécula de O2 e produz um substrato oxidado e uma
molécula de água (Figura 59).

FIGURA 58 - LOCALIZAÇÃO DA CYP NA CÉLULA

FONTE: Goodmam e Gilman, 2010.


FIGURA 59 - MECANISMO DE MONO-OXIGENAÇÃO CATALISADA PELO
CITOCROMO P-450 (CICLO DO CITOCROMO P-450)

81

FONTE: Barreiro e colaboradores, 1996.

As CYPs são responsáveis por diversas reações enzimáticas, entre elas estão a O-
desalquilação, a N-desalquilação, a hidroxilação aromática, a N-oxidação, a S-oxidação, a
desalogenação e a desaminação. As CYPs são algumas das enzimas mais estudadas, sendo
responsáveis pela metabolização de 70% dos xenobióticos (Figura 60). Há mais de 50 enzimas
CYP identificadas nos seres humanos. Essas enzimas são complexas e variáveis em sua
regulação e em sua atividade catalítica. Existem 102 genes potencialmente funcionais e 58
pseudogenes nos seres humanos. Com base na semelhança das sequências dos aminoácidos,
esses genes são agrupados em famílias e subfamílias. São denominadas CYP seguidas de um
número que designa a família, uma letra que designa a subfamília e outro número para assinalar
o gene (p. ex., CYP3A4: família 3, subfamília A e gene número 4).
FIGURA 60 - PERCENTUAL DE FÁRMACOS METABOLIZADOS
PELAS PRINCIPAIS ENZIMAS DA FASE I

82

FONTE: Goodmam e Gilman, 2010.

As maiores quantidades de enzimas CYPs são encontradas no fígado, assegurando


dessa forma a eficiência do metabolismo de primeira passagem. Mas essa família de enzimas
também é encontrada em todos TGI e em menores quantidades nos pulmões, nos rins e até
mesmo no SNC.

As diferentes enzimas da família P-450 podem diferir bastante em consequência de


exposições ambientais e hábitos alimentares aos indutores, ou devido às variações
interindividuais resultantes de diferenças polimórficas hereditárias dos indivíduos. Assim,
portanto, padrões específicos de cada tecido podem influenciar no processo de biotransformação
e na eliminação dos fármacos.

As enzimas da família P-450 mais ativas no metabolismo de fármacos pertencem às


subfamílias: CYP2C, CYP2D e CYP3A, onde a CYP3A4 é a mais expressa e envolvida no
metabolismo de aproximadamente 50% dos fármacos utilizados na clínica.
Interações entre fármacos e família P-450

Na maioria dos casos em que são observadas diferenças na taxa de metabolismo de


um fármaco devido a interações farmacológicas, trata-se de fármacos metabolizados por
83
enzimas da família P-450. Quando fármacos são administrados simultaneamente e são
metabolizados pela mesma enzima (p. ex., estatinas e antifúngicos) ocorrem alterações nas
concentrações plasmáticas desses fármacos.

Como a maioria dessas interações é devida às CYP, torna-se essencial a


determinação da especificidade da enzima do CYP que metaboliza determinado fármaco e evitar
assim a administração concomitante de outros fármacos que sejam metabolizados pela mesma
enzima.

Independentemente de serem substratos das CYPs, alguns fármacos podem ser


indutores ou inibidores de determinada enzima dessa família. Assim, administrando-se um
fármaco inibidor de determinada enzima, podemos aumentar a concentração plasmática de outro
fármaco, utilizado concomitantemente, que seja substrato dessa enzima.

19.2 REAÇÕES DE FASE I

A fase I do metabolismo de fármacos se caracteriza por envolver reações redox ou


hidrofílicas responsáveis pela conversão de um fármaco lipofílico em um primeiro metabólito
mais polar (hidrofílico).

Na maioria das vezes, essa etapa envolve a família do citocromo P-450 hepático,
responsável por levar a inserção de um átomo de oxigênio, originário de uma molécula de
oxigênio na estrutura do fármaco, como já pudemos observar na Figura 59.
O principal sistema enzimático envolvido no metabolismo de fármacos é sistema das
enzimas microssomais hepáticas, que compreende o citocromo P-450 e uma flavoproteína,
NADPH-citocromo-C redutase, que associada a lipídeos, formam o sistema de oxidades de
função mista, conhecido como MFO.

Várias reações de conversão de diferentes grupos funcionais podem ocorrer na fase de


84
funcionalização de fármacos (fase I), na Figura 61 podemos observar as possíveis reações do
sistema de enzimas microssomais hepáticas.

FIGURA 61 - PROCESSOS MICROSSOMAIS DE BIOTRANSFORMAÇÃO

FONTE: Barreiro e colaboradores, 1996.


Existem também processos não microssomais, dentre os quais se encontram as
oxidações de álcoois por ação de desidrogenases hepáticas (LAD), também encontradas nos
pulmões e rins. Por ação das LAD, os álcoois primários produzem aldeídos. Essa reação é a
primeira no processo de inativação que sofrem as prostaglandinas por ação da prostaglandina
desidrogenase, enzima plasmática responsável pela oxidação do álcool alílico em C-15,
produzindo um metabólito inativo, que sequencialmente sofre redução da insaturação em C-13 85
e subsequentemente sofre ação da β-oxidase dando origem ao metabólito hidrofílico final
(Figura 62).

FIGURA 62 - REAÇÕES NÃO MICROSSOMAIS ENVOLVIDAS


NA INATIVAÇÃO DA PROSTAGLANDINA E
Desidrogenase

Β-oxidase
Redutase

FONTE: Barreiro e colaboradores, 1996.

Outro complexo enzimático não microssomal é a monoaminoxidase (MAO), capaz de


gerar a cisão oxidativa da ligação C-N de aminas primárias. Nessa reação, ocorre a oxidação do
carbono α ao heteroátomo, que resulta na formação de um aza-cetal, instável, produzindo o
produto de X-dealquilação, onde X é um heteroátomo (N, O, S), como podemos observar na
Figura 63.
FIGURA 63 - PROCESSO DE X-DEALQUILAÇÃO DE FÁRMACOS

86

FONTE: Barreiro e Fraga, 2008.

O metabolismo de fase I compreende também reações hidrolíticas que podem ocorrer


no fígado e no plasma. Essas reações são catalisadas por hidrolases que transformam amidas,
ésteres e outras funções derivadas dos ácidos carboxílicos (ácidos hidroxâmicos, hidrazidas,
nitrilas e carbamatos) em metabólitos polares. Na figura 64, podemos observar exemplos de
reações hidrolíticas.

FIGURA 64 - EXEMPLOS DE BIOTRANSFORMAÇÕES POR HIDRÓLISE ENZIMÁTICA

FONTE: Barreiro e colaboradores, 1996.


A figura 65 mostra as principais reações não microssomais ocorridas.

FIGURA 65 - PRINCIPAIS REAÇÕES DE BIOTRASFORMAÇÃO NÃO MICROSSOMAIS


87

FONTE: Barreiro e colaboradores, 1996.

19.3 REAÇÕES DE FASE II

Os metabólitos de fase I, de modo geral, apresentam um coeficiente de partição menor


que seus fármacos de origem, dependendo do nível de variação estrutural do fármaco. Porém,
essa maior hidrossolubilidade do metabólito de fase I não é suficiente para assegurar sua
eliminação renal, sendo esse o motivo desses metabólitos, subsequentemente, sofrerem
reações enzimáticas de fase II, conhecidas como conjugação, formando conjugados altamente
hidrossolúveis, que são facilmente excretados na urina ou na bile.
As principais reações de conjugação que os fármacos sofrem são: glicuronidação,
sulfatação, conjugação com o glutatião, conjugação com a glicina, acetilação e metilação, que
estão expostas na Figura 66. Podemos destacar que as reações de metilação e acetilação, ao
contrário das demais, não aumentam a polaridade do metabólito, apenas contribuem para sua
bioinativação.

88

FIGURA 66 - REAÇÕES DE CONJUGAÇÃO

FONTE: Barreiro e colaboradores, 1996.

Podemos exemplificar algumas das reações de conjugação:


a) conjugação com ácido glicurônico – os agentes tóxicos absorvidos pelo
organismo que possuem em sua estrutura: -OH, -COOH, -NH2 e –SH estão sujeitos a
serem conjugados pelo ácido glicurônico, por substituição do hidrogênio (Figura 67);
FIGURA 67 - EXEMPLOS DE REAÇÃO DE CONJUGAÇÃO COM O ÁCIDO GLICURÔNICO

89

FONTE: Korolkovas, 1988.

b) sulfatação – conjugação com sulfato ocorre com álcoois, fenóis e aminas


primárias, com reação do substrato com o PAPS (3 – fosfoadenosina – 5 –
fosfosulfato) (Figura 68).
FIGURA 68 - EXEMPLOS DE REAÇÕES DE SULFATAÇÃO

90

FONTE: Korolkovas, 1988.

c) acetilação – aminas aromáticas são acetiladas pela acetilcoenzima A (Figura 69).

FIGURA 69 - EXEMPLO DE REAÇÃO DE ACETILAÇÃO

FONTE: Korolkovas, 1988.

Uma reação que merece destaque é a de conjugação com o glutatião, um tripeptídeo


sulfidrílico (GSH), que promove reações de inativação de eletrólitos biológicos.
19.4 GRUPO AUXOFÓRICO E GRUPO TOXICOFÓRICO

Além do termo grupo farmacofórico discutido anteriormente, é necessário o


91
conhecimento de mais dois termos bastante empregados em química farmacêutica:

 Grupo auxofórico
Segundo a União internacional de Química Pura e Aplicada (IUPAC), grupos
auxofóricos são grupamentos funcionais capazes de apresentar sítios de interação que
promovem o reconhecimento molecular do fármaco pelo biorreceptor. Esse grupo auxilia o
reconhecimento do fármaco pelo receptor somando-se ao reconhecimento primário que é
responsabilidade do grupo farmacofórico.

Esse grupo também pode ser denominado: ponto farmacofórico, grupamento


secundário ou farmacóforos auxiliares.

 Grupo toxicofórico
Também segundo a IUPAC, grupo toxicofórico é(são) subunidade(s) estrutural(is) ou
fragmento(s) molecular(es) responsável(is) por uma resposta tóxica dos fármacos direta ou
indiretamente. E são formados por grupamentos toxicofóricos ou toxicóforos.

A toxicidade de diversas subunidades estruturais relaciona-se a sua propriedade


intrínseca ou a sua capacidade de transformar-se em metabólitos ou intermediários eletrolíticos,
por meio do processo de biotransformação. A Figura 70 ilustra alguns dos principais fragmentos
moleculares com potencial tóxico (grupos toxicofóricos).
FIGURA 70 - SUBUNIDADES ESTRUTURAIS POTENCIALMENTE TOXICOFÓRICAS

92

FONTE: Barreiro e Fraga, 2008.

Para alguns fármacos, o grupo farmacofórico compartilha a mesma estrutura química


do grupo toxicofórico. Um exemplo disso é o cloranfenicol, antibiótico inibidor da biossíntese de
proteínas em micro-organismos patogênicos, cuja presença da função α,α-dicloroacetamida foi
identificada como a principal unidade farmacofórica desse fármaco. Em razão da presença dessa
mesma função na estrutura do cloranfenicol, esse fármaco apresenta propriedades tóxicas
acentuadas e com inúmeros efeitos adversos, desse modo, essa substância tem sido proscrita
em diversos países.

Com elucidação do mecanismo molecular em que a função α,α-dicloroacetamida do


cloranfencol causa a inibição suicida de enzimas fisiológicas foi possível explicar seus efeitos
tóxicos e identificar esse grupo farmacofórico como sendo também um grupamento toxicofórico,
como podemos observar na Figura 71. Essa função confere uma grande labilidade ao grupo
metílicodiclorado, que, por sua vez, sofre hidroxilação enzimática e subsequente transformação
da α-cloridrina transiente no cloreto de ácido correspondente. Esses intermediários, bastante
reativos, sofrem o ataque nucleofílico da lisina (Lys), presente no sítio receptor de enzimas
associadas ao ciclo evolutivo dos micro-organismos e das células do hospedeiro humano,
formando adutos4 fármacos-proteínas ligados de maneira irreversível, responsável pelo potencial
toxicofórico desse antibiótico, de maneira mecanismo-dependente (Figura 71).

93

FIGURA 71 - MECANISMO MOLECULAR DO CLORANFENICOL

FONTE: Barreiro e Fraga, 2008.

19.5 METABOLISMO E TOXICIDADE

O metabolismo de fármacos, tão importante para a excreção de substâncias, apresenta


o seu lado perverso como resultado da oxidação microssômica. A partir da oxidação
microssômica podem ser formados metabólitos tóxicos, que por sua vez podem formar ligação
covalente e/ou não covalente com moléculas-alvo. As interações não covalentes (a peroxidação
lipídica, a produção de espécies tóxicas de oxigênio e as reações causadoras de alteração da

4 Adutos: complexos, no caso de fármacos com proteínas.


concentração de glutation e modificação de grupos sulfidril) podem resultar em citotoxicidade. Já
as interações covalentes de metabólitos reativos à proteína podem produzir um imunógeno; a
ligação ao DNA pode causar carcinogênese e teratogênese.

Na Figura 72 temos o metabolismo do paracetamol, pelo qual podemos exemplificar


vários mecanismos de lesão celular, em que pode ocorrer tanto por interação covalente como
94
para não covalentes. Em doses indicadas para uso terapêutico, o paracetamol é excretado após
conjugação ao ácido glicurônico ou ao sulfato. Nesse processo de excreção, normalmente
ocorrido em doses de emprego clínico, pequenas quantidades são biotransformadas em
metabólitos reativos intermediários (N-acetil-p-benzoquinonaimina, NAPBQI) e eliminados pelo
varredor nucleofílico, glutation (GSH), na forma de ácido mercaptúrico. Como o glutation, no
organismo, tem suprimento limitado e ainda pode ser depletado, por estresse oxidativo, por
formação de adição entre NAPBQI e GSH (ligação covalente), a droga na forma de epóxido ou
quinona pode atingir concentração suficiente para reagir com os constituintes celulares
nucleofílicos, causando uma necrose hepática (mais comum) ou renal.

A dose de uso clínico em adultos de paracetamol varia de 325-650 mg a cada 4-6


horas, não devendo exceder 4 g/dia, devido ao risco de causar hepatotoxicidade. Indutores
potentes do metabolismo microssômico, os hidrocarbonetos policíclicos acarretam o acúmulo de
pequena quantidade de intermediários reativos, que se intercalam na molécula de DNA e
iniciando o processo de carcinogênese. A Figura 73 mostra a classificação dos carcinógenos
químicos.

Podemos observar:
 carcinógenos genotóxicos – causadores de mutação no gene. Podem ser
classificados em:
o primários – causam mutações por ação direta;
o secundários – causam mutações após serem convertidos em metabólitos
reativos.
 carcinógenos epigenéticos – são substâncias que, por si só, não causam
lesão genética, no entanto, aumentam a probabilidade de causar câncer, por diversos
mecanismos, como:
o aumento de concentrações efetoras do genotóxico;
o potencialização da biotransformação do genotóxico;
o diminuição da desintoxicação de um genotóxico;
o inibição do processo de reparo de DNA;
o aumento da proliferação de células que tiveram seu DNA danificado.

95

FIGURA 72 - METABOLISMO DO PARACETAMOL (METABOLISMO X TOXICIDADE)

FONTE: Oshima Franco e Franco, 2003.


FIGURA 73 - CARCINÓGENOS QUÍMICOS

96

FONTE: Oshima Franco e Franco, 2003.

Após o já exposto, podemos ressaltar que a ponte entre metabolismo de xenobióticos e


toxicidade é o metabólito reativo intermediário, ou radical livre, capaz de causar graves danos,
como as mutações, que podem levar à perda de informação e, finalmente, ao câncer. Portanto,
cabe chamar a atenção sobre a responsabilidade do uso de drogas, lícitas ou ilícitas,
terapêuticas ou não, pois essas drogas podem ser bastante prejudiciais ao organismo.
20 EFEITOS FARMACOLÓGICOS DE GRUPOS ESPECÍFICOS

Os fármacos, em sua maioria, agem em um sítio específico (p. ex., enzima ou


97
receptor). Os fármacos com estrutura semelhante (contendo conjunto de grupos químicos
específicos), frequentemente, possuem a mesma atividade farmacológica. Entretanto, esses
fármacos semelhantes estruturalmente apresentam diferenças de potência e efeitos adversos
distintos, devido a pequenas diferenças estruturais entre os fármacos pertencentes a um mesmo
grupo químico. Essas diferenças estruturalmente são referidas como relações estrutura-atividade
(REA ou SAR).

Um estudo de SAR de um protótipo e de seus análogos pode ser usado para


determinar as partes da estrutura do protótipo que são responsáveis por sua atividade biológica
(grupo farmacofórico) e por seus efeitos adversos. Essa informação é bastante relevante, pois
pode ser utilizada para o desenvolvimento de novos fármacos que possuem atividade
aumentada, isto é, sua SAR otimizada. Os objetivos dos estudos de SAR são aumentar a
potência, reduzir os efeitos adversos e facilitar a administração ao paciente de novos fármacos.

Investigações de SAR da maneira tradicional são realizadas preparando-se um grande


número de análogos do protótipo que serão testados em ensaios biológicos e, a partir daí,
obtidas informações entre as mudanças estruturais e sua repercussão no efeito biológico
observado. Ao longo dos anos, vários protótipos foram investigados e obtidos um grande número
de dados, que possibilitou a realização de generalizações amplas sobre os efeitos biológicos de
alterações estruturais específicas. Essas alterações são classificadas como:
 alterações do tamanho e conformação;
 alterações da natureza e do grau de substituição;
 alterações na estereoquímica do protótipo.

Os procedimentos de investigação de SAR tradicionais na busca de novos protótipos


são dispendiosos e demorados; por esse motivo, várias tentativas foram e estão sendo
utilizadas para o aprimoramento da técnica. Essas tentativas são responsáveis pelo
nascimento da modelagem molecular, que vem sendo cada dia mais empregada e com
melhores recursos com o passar do tempo, auxiliando bastante na redução do tempo de dos
custos com estudos de SAR.

 Alterações no tamanho e conformação espacial


a) Alteração do número de grupamentos metila
Alterando-se o número de grupamentos metila em uma cadeia ou em um anel,
98
aumentamos o tamanho e a natureza do composto, tornando-o mais ou menos lipofílico.
Podemos entender melhor essa ideia analisando os exemplos na Figura 74, em que o aumento
de metilas na estrutura do composto da Figura 74a aumenta a atividade antibacteriana do
composto, por aumentar a lipossolubilidade, que facilita sua passagem pelas membranas
biológicas. Porém, esse aumento de atividade só é observado até a adição de seis metilas; com
uma adição de metilas a atividade farmacológica começa a ser reduzida, isso se deve a
formação de micelas. A formação de micelas produz grandes agregados que, devido as suas
dimensões, não conseguem ligar-se aos sítios receptores.

Assim como observado na Figura 74a, em que a adição de metilas aumenta a


atividade farmacológica, na Figura 74b podemos observar o aumento da potência do composto,
sendo observado com a redução da concentração inibitória de 50% (IC50).

FIGURA 74 - EXEMPLO DE VARIAÇÃO DA CURVA DE RESPOSTA


EM FUNÇÃO DO AUMENTO DA INSERÇÃO DE GRUPAMENTOS METILA

a) b)

FONTE: Thomas, G., 2003.


b) Alterando o grau de insaturação
A retirada de insaturações de uma molécula aumenta a sua flexibilidade, o que pode
facilitar o encaixe do análogo nos sítios receptores, fazendo com que assuma uma conformação
mais adequada. Porém, em alguns casos, o aumento de flexibilidade pode resultar na mudança
ou perda de função da molécula.

99
A adição de insaturações aumenta a rigidez estrutural; além de gerar esteroisômeros
com atividades, muitas vezes, distintas. Análogos produzidos pela introdução de insaturações
podem exibir diferentes potências (Figura 75) ou tipos diferentes de atividade farmacológica
(Figura 76).

FIGURA 75 - EXEMPLO DA ADIÇÃO DE INSATURAÇÕES


AUMENTANDO A POTÊNCIA (30 VEZES MAIOR) DA MOLÉCULA DE
PREDNISONA EM RELAÇÃO AO SEU PRECURSOR (CORTISOL)

FONTE: Thomas, 2003.


FIGURA 76 - EXEMPLO DE QUE A ADIÇÃO DE INSATURAÇÃO PODE
GERAR MOLÉCULAS DE ATIVIDADE FARMACOLÓGICA DISTINTA

100

Grupo das Fenotiazinas Protriptilina (Vivactil)


(Antipsicóticos) (Antidepressivo)
FONTE: Thomas, 2003.

c) Introdução ou remoção de um sistema de anéis


A introdução de um sistema de anéis muda a conformação e aumenta o tamanho
global da nova molécula. Na maioria dos casos, o efeito dessas modificações sobre a potência
ou tipo de atividade do análogo não é previsível.

O aumento de tamanho pode ser útil para o preenchimento de uma fenda hidrofóbica,
que exista em um sítio receptor, o que pode fortalecer a interação fármaco-receptor (Figura 77).

FIGURA 77 - ADIÇÃO DE ANEL CICLOPENTIL AUMENTANDO A AÇÃO ANTIDEPRESSIVA


DO ROLIPRAM EM DEZ VEZES EM RELAÇÃO AO SEU PRECURSOR

FONTE: Adaptado de Thomas, 2003.


A adição de sistema de anéis pode ser útil para ser utilizada para produzir análogos
resistentes ao ataque enzimático por meio de impedimento estérico de acesso da enzima ao
grupo funcional necessário para atividade farmacológica (Figura 78).

101

FIGURA 78 - EXEMPLO DE ADIÇÃO DE SISTEMA DE ANÉIS


PARA A PROTEÇÃO DE GRUPO FARMACOFÓRICO

FONTE: Thomas, 2003.

 Introdução de novos substituintes


a) Halogênios
A adição de halogênios aumenta a lipossolubilidade dos novos análogos, portanto, isso
é feito para aumentar a penetração dos compostos nas membranas biológicas. Porém, devido ao
aumento do coeficiente de partição, há maior tendência de acúmulo desses fármacos no tecido
adiposo.
A introdução de um halogênio ou um grupamento que contenha halogênio pode
resultar na mudança de potência, assim como sua posição na estrutura química. Um
exemplo disso é a clonidina, com a sua substituição o,o-cloro (ED50 = 0,01 mg/kg) é mais
potente que o análogo p,m-dicloro (ED50 = 3,00 mg/kg) (Figura 79). Essa alteração de
potência se deve à imposição conformacional na estrutura da clonidina, feita pelos
grupamentos volumosos o,o-cloro, sendo provavelmente responsável pelo aumento de 102
atividade observado.

FIGURA 79 - POSIÇÃO DOS HALOGÊNIOS NA MOLÉCULA ALTERANDO SUA POTÊNCIA

FONTE: Thomas, 2003.

b) Grupamento hidroxi
Com a adição de grupamentos hidroxi a molécula produz um análogo com maior
hidrossolubilidade, reduzindo sua capacidade de atravessar as membranas biológicas, porém
essa adição pode gerar um novo centro de interação com o receptor para a formação de pontes
de hidrogênio.

A introdução de grupamentos hidroxi também pode conferir ações farmacológicas


específicas: como a introdução de hidroxi em grupamentos fenólicos, conferindo-lhes ação
bactericida; e a introdução de hidroxi em álcoois, conferindo ação narcótica.
c) Grupamentos básicos
Todos os grupamentos básicos encontrados nos fármacos (aminas, amidinas e
guanidinas) podem formar sais nos meios biológicos (Figura 80). A introdução desses
grupamentos pode levar à formação de sais nos meios biológicos, reduzindo a lipossolubilidade
dos compostos. Portanto, quanto mais básico for o análogo maior sua solubilidade em água e
menor sua probabilidade de ser transportado pelas membranas. 103

FIGURA 80 - GRUPAMENTOS BÁSICOS

FONTE: Thomas, 2003.

A adição de grupamentos básicos pode aumentar a ligação do análogo ao seu sítio-


receptor por meio de formação de ligações de hidrogênio, entretanto, vários desses fármacos
devem sua atividade à formação de sais, que lhes permitem fazer ligações iônicas com o sítio-
receptor (Figura 81). Acredita-se que muitos anestésicos locais são transportados como bases
livres e convertidos em sais nos sítios de ação onde se ligam aos seus receptores.
FIGURA 81 - FORMAÇÃO DE LIGAÇÕES DE HIDROGÊNIO ENTRE O SÍTIO-ALVO E O
GRUPAMENTO AMINA (A) E FORMAÇÃO DE LIGAÇÃO IÔNICA
ENTRE O SÍTIO-ALVO E OS SAIS DE AMINA

104

FONTE: Thomas, 2003.

d) Metila
Como já discutido anteriormente, a introdução de metilas aumenta a lipossolubilidade
do composto e aumenta sua hidrossolubilidade (Figura 82).

FIGURA 82 - ADIÇÃO DE METILA ALTERANDO O


COEFICIENTE DE PARTIÇÃO DAS MOLÉCULAS

FONTE: Thomas, 2003.

A introdução de metila a uma substância pode impor restrições estéricas a este novo
análogo, como podemos observar no exemplo da Figura 83, em que o análogo o-metil da
difenidramina não exibe atividade anti-histamínica. Sugere-se que esse fato se deve a restrições
de rotação em torno da valência C-O da cadeia lateral, imposta pelo grupamento o-metil,
impedindo que a molécula adote a conformação necessária à atividade anti-histamínica. Já no
análogo que recebeu o grupamento metila na posição para sua atividade é 3,7 vezes maior que
a difenidramina.

105

FIGURA 83 - GRUPAMENTO METILA RESPONSÁVEL POR IMPEDIMENTO ESTÉRICO

FONTE: Thomas, 2003.

e) Ácidos carboxílicos e sulfônicos


A incorporação de grupamentos ácidos na estrutura de um composto resulta,
geralmente, em análogos com maior solubilidade em água e menor capacidade de atravessar as
membranas plasmáticas. De maneira geral, a introdução de ácidos carboxílicos e sulfônicos a
um protótipo produz análogos que podem ser eliminados prontamente.

A adição de grupamento de ácido carboxíco pode resultar na alteração da atividade


biológica do novo análogo: por exemplo, a adição de ácido carboxílico ao fenol (antisséptico),
resultando na formação do ácido salicílico (anti-inflamatório) (Figura 84).
FIGURA 84 - ESTRUTURA DO FENOL E DO ÁCIDO SALICÍLICO

106
FONTE: Thomas, 2003.

f) Grupamentos de enxofre
Geralmente, os grupamentos tiol e sulfeto não são introduzidos nos protótipos nos
estudos de SAR, são metabolizados via oxidação, formando muitas vezes metabólitos
eletrofílicos. Entretanto, grupamentos tióis algumas vezes são introduzidos com o intuito de
melhorar a quelação de metais.

 Alterando os substituintes já existentes na molécula


Análogos também podem ser formados pela substituição de um substituinte já
existente na estrutura de um protótipo por um novo substituinte. A escolha do substituinte é feita
utilizando o conceito de bioisosterismo (que discutiremos mais adiante).
21 MECANISMO DE AÇÃO DE FÁRMACOS

No que diz respeito ao mecanismo de ação dos fármacos, esses podem ser
107
classificados em estruturalmente inespecíficos e estruturalmente específicos (como já discutido
em tópicos anteriores neste curso). Com relação aos fármacos estruturalmente específicos, cuja
interação com o sítio-receptor se faz essencial para a geração de resposta biológica, podemos
destacar os itens apresentados a seguir.

21.1 FÁRMACOS QUE INTERAGEM COM ENZIMAS

Como exemplo de fármacos que interagem com enzimas, temos os


anticolinesterásicos, que, de forma reversível ou irreversível, inativam a acetilcolinesterase. Essa
enzima, que metaboliza a acetilcolina, apresenta dois sítios ativos: o sítio aniônico, ao qual se
liga o grupo trimetilamônio da acetilcolina; e o sítio esterásico, ao qual se liga a carboxila desse
neurotransmissor.

Essa enzima é inativada irreversivelmente pelo edrofônio, pela neostigmina e pela


piridostigmina. O edrofônio liga-se ao sítio aniônico da enzima por meio de uma ligação
eletrostática e ao sítio esterásico por meio de uma ligação de hidrogênio. A neostigmina e a
piridostigmina formam uma ligação covalente com o sítio esterásico da enzima pela transferência
de um grupo carbamato. Apenas após hidrólise da ligação carbamato-enzima, a enzima em
questão torna-se novamente disponível para metabolizar a acetilcolina.

Os anticolinesterásicos irreversíveis são representados pelos organofosforados que


atuam por fosforilação do sítio esterásico, condicionando uma regeneração lenta da enzima.
Os anticolinesterásicos são usados na clínica para a reversão farmacológica do
bloqueio neuromuscular, sendo também empregados em oftalmologia e na “miastenia gravis”.

108
21.2 FÁRMACOS QUE INTERAGEM COM PROTEÍNAS CARREGADORAS

A interação com proteínas carregadoras, proteínas que facilitam o transporte através


da membrana plasmática, é o mecanismo de ação de certos fármacos, pertencentes a distintos
grupos farmacofóricos. São exemplos de substâncias que atuam por esse mecanismo as
anfetaminas, a clorpromazina e os antidepressivos tricíclicos que bloqueiam a captação de
noradrenalina no terminal adrenérgico.

21.3 FÁRMACOS QUE INTERFEREM COM OS ÁCIDOS NUCLEICOS

São exemplos de fármacos que interferem com os ácidos nucleicos, os antibióticos,


como o cloranfenicol, as tetraciclinas, os aminoglicosídeos e a eritromicina. Esses fármacos
interferem com a síntese de proteínas dificultando a tradução da informação genética.

Já outros fármacos interferem com a síntese do RNA, como a rifampicina, ou com a


síntese do DNA, como a azacerina e a feomicina inibindo, respectivamente, o RNA polimerase e
o DNA polimerase.
Fármacos antineoplásicos atuam nas diversas etapas de síntese de proteínas,
interferindo com a síntese dos ribonucleotídeos e dos desoxirribonucleotídeos (mercaptopurinas
e metrotexato) e com a formação do DNA e do RNA (doxorrubicina e fármacos alquilantes).

109

21.4 FÁRMACOS QUE INTERAGEM COM RECEPTORES

A ação sobre receptores é um mecanismo de ação extremamente importante, pois se


trata do mecanismo de ação da maioria dos fármacos em uso clínico atualmente. O conceito de
receptor originou-se quando Paul Ehrlich apresentou a hipótese de que o protoplasma
apresentava estruturas nas quais se acoplavam drogas, toxinas e antígenos. Essas ideias foram
ampliadas por Langley, que propôs que a ação da acetilcolina era em consequência da sua
fixação a uma “substância receptiva”.

Os receptores eram, inicialmente, uma entidade conceitual e passaram a ser uma


realidade concreta depois de serem isolados e caracterizados, como já descritos anteriormente.

A maioria dos fármacos existentes e de uso recorrente na clínica atua sobre receptores
metabotrópicos ou ionotrópicos, por esse motivo são os mais estudados e relevantes.
22 MODIFICAÇÃO MOLECULAR

O químico medicinal dispõe de diversas estratégias de modificação molecular que


110
serão discutidas a partir de agora neste curso, dentre elas estão: o bioisosterismo, a
simplificação molecular, a latenciação de fármacos e a hibridação molecular. Essas estratégias
são de grande importância para a descoberta de novos fármacos.

Na descoberta de novos fármacos, o bioisosterismo ocupa lugar de destaque por sua


enorme versatilidade.

Bioisosterismo é um conceito que se refere a substâncias ou subunidades estruturais


de compostos bioativos que apresentem volumes moleculares, formas, distribuições eletrônicas
e propriedades físico-químicas semelhantes, capazes principalmente de apresentar propriedades
biológicas similares.

O bioisosterismo é uma estratégia de modificação molecular de um protótipo baseada


na troca de fragmentos moleculares que apresentem propriedades físico-químicas similares, por
exemplo, a acidez. A aplicação do bioisosterismo pode estar relacionada à fase farmacocinética
(modulando as propriedades de absorção, distribuição, metabolismo e eliminação) e a fase
farmacodinâmica, visando sua otimização. Uma das motivações para o emprego dessa técnica
de modificação molecular pode estar relacionada à melhoria do perfil farmacodinâmico de um
composto hit5 a partir de screening cego in vitro de uma quimioteca de milhares de substâncias,
visando transformá-lo em um candidato a fármaco mais potente e seguro.

Outra motivação para o emprego dessa técnica é a necessidade de ultrapassar


barreiras patentárias de determinada substância de interesse terapêutico, sendo bastante
utilizada por grupos de pesquisa de laboratórios industriais na busca de uma nova substância
análoga a um fármaco inovador de uma empresa farmacêutica concorrente.

5Hit – molécula que apresente características promissoras no aspecto de desenho de drogas e que se ligue a uma
proteína alvo.
Para aplicação do bioisosterismo de forma segura, de maneira a não prejudicar os
efeitos farmacológicos de uma determinada substância, é necessário um conhecimento
minucioso de suas propriedades estruturais (incluindo suas contribuições farmacofóricas).
Também é necessário conhecimento das vias de inativação metabólica e dos principais fatores
estruturais determinantes das propriedades físico-químicas que regulam sua biodisponibilidade e
seus efeitos adversos, que irão permitir uma previsão abrangente da definição da relação 111
bioisostérica a ser empregada na modificação molecular pretendida.

O bioisosterismo é resultado da aplicação de princípios do isosterismo desenvolvido


por Langmur em 1918, pesquisador que estudava o comportamento químico e a reatividade de
determinadas substâncias que possuíam átomos com o mesmo número de elétrons de valência,
isto é, átomos isoeletrônicos.

Friedman introduziu o termo bioisosterismo (1951) para descrever o fenômeno


observado entre substâncias estruturalmente relacionadas que apresentavam propriedades
similares no mesmo sítio receptor.

Para utilização dessa estratégia de modificação molecular é necessária a regra do


hidreto, uma regra empírica formulada por Grimm em 1925, que estabelecia que a adição de um
átomo de hidrogênio com um par de elétrons (hidreto) a um átomo fornece um pseudoátomo que
apresenta as mesmas propriedades físicas daqueles presentes na coluna posterior da tabela
periódica do átomo inicial (Figura 85).

FIGURA 85 - REGRA DO HIDRETO DE GRIMM

FONTE: Barreiro e Fraga, 2008.


O bioisosterismo é subdividido em duas categorias: clássico (Figura 86) e não clássico
(Figura 87). Em função da valência de átomos, grupamentos ou radicais, incluindo anéis
aromáticos ou não (equivalentes), dividiu-se o bioisosterismo clássico. Já as demais
possibilidades foram classificadas como bioisosterismo não clássico. Com o passar do tempo e a
evolução desses conceitos, incorporaram-se a essa classe de não clássicos grupos funcionais
com propriedades estruturais equivalentes, incluindo o retroisomerismo, subunidades estruturais 112
com sítios de interação equivalentes a biorreceptores (Figura 88).

FIGURA 86 - BIOISOTEROS CLÁSSICOS

FONTE: Barreiro e Fraga, 2008.


FIGURA 87 - BIOISOTEROS NÃO CLÁSSICOS

113

FONTE: Barreiro e Fraga, 2008.

FIGURA 88 - TIPOS DE BIOISOSTERISMO

FONTE: Barreiro e Fraga, 2008.


Para a realização de uma substituição bioisostérica, devem ser considerados os
seguintes fatores:
 tamanho e volume molecular, distribuição eletrônica dos átomos ou as
considerações sobre o grau de hibridização, polarizabilidade, ângulos de ligação e
efeitos indutivos e mesoméricos;
 coeficiente de partição dos compostos bioisostéricos em estudo, de maneira a 114
permitir a previsão da alteração das propriedades físico-químicas;
 reatividade química dos grupos funcionais ou subunidades bioisostéricas,
objetivando principalmente antecipar as alterações nos processos de metabolismo que
possam alterar o perfil de toxicidade relativa dos principais metabólitos;
 fatores conformacionais, incluindo a capacidade de ligações inter ou
intramoleculares nos bioisósteros em estudo.

Podemos observar na natureza vários exemplos de isosterismo (Figura 89). São


exemplos de bioisósteros clássicos: os aminoácidos essenciais serina e cisteína, tirosina e
histidina; as bases pirimidínicas citosina e uracila, adenina e guanina; as xantinas, cafeína e
teofilina; os ácidos, salicílico e antranílico. Exemplos de bioisósteros não clássicos: GABA e
muscinol; glutamato e AMPA.
FIGURA 89 - BIOISÓSTEROS ENCONTRADOS NA NATUREZA

115

FONTE: Barreiro e Fraga, 2008.

Outra estratégia de ligação molecular de ligantes bastante útil na química farmacêutica


medicinal é a simplificação molecular – que é a introdução de mudanças estruturais planejadas
capazes de resultar em uma nova molécula estruturalmente simples, com redução do peso
molecular do número de grupos funcionais e dos centros estereogênicos. Diversos fármacos
foram descobertos pela aplicação dessa estratégia em substâncias de origem natural,
produzindo novas estruturas mais simples, mantendo os efeitos farmacológicos do protótipo
natural e apresentando um perfil de atividade mais adequado, com propriedades
farmacodinâmicas e farmacocinéticas melhores. Essa estratégia de modificação molecular é
bastante conhecida como “striptease” molecular muito aplicada na domesticação terapêutica de
moléculas naturais selvagens.

Podemos exemplificar a aplicação desse conceito no desenho de moléculas bioativas a


partir do protótipo forbol, isolado de Croton tiglium L. Foram identificados três pontos
farmacofóricos principais envolvidos na interação do forbol com o seu biorreceptor: função
116
carbonila do éster ligado ao anel ciclopropânico, hidroxila primária da função álcool alílico e
carbonila α,β-conjugada (Figura 90).

Partindo desses dados e considerando a importância do diacilglicerol (DAG), segundo


mensageiro celular envolvido na resposta biológica induzida pelo forbol, pesquisadores identificaram
o sistema simplificado tetraidrofurânico oxigenado como padrão estrutural capaz de mimetizar a
unidade glicerólica do DAG, possuindo maior restrição conformacional e introduzindo em C-2, a
exemplo do ligante natural, o centro estereogênico dos novos compostos planejados. Esses novos
análogos foram funcionalizados para mimetizarem os pontos farmacofóricos do forbol.

Essas novas substâncias foram sintetizadas e então avaliadas farmacologicamente,


reproduzindo os efeitos terapêuticos do protótipo natural, o éster de forbol.

FIGURA 90 - EXEMPLO DE SIMPLIFICAÇÃO MOLECULAR

FONTE: Barreiro e Fraga, 2008.


23 LATENCIAÇÃO DE FÁRMACOS

A latenciação de fármacos é um processo de modificação molecular que vem sendo


117
bastante utilizado nos últimos anos, tornando-se uma das principais ferramentas no
planejamento de fármacos para o tratamento da AIDS e do câncer.

Já conhecido há muito tempo, o pró-fármaco codeína (derivado da morfina isolado no


século XIX), se converte em morfina para só então promover seus efeitos narcóticos. Mas o
termo pró-fármaco foi utilizado primeiramente por Albert, em 1958, para descrever compostos
que necessitavam passar pelo processo de metabolização prévia para promover efeito
farmacológico. O pesquisador Harper (1959) propôs o termo latenciação de fármacos para o
processo de obtenção de pró-fármacos. Porém, apenas na década de 70, quando pesquisadores
começaram a estudar melhor os processos farmacocinéticos, o planejamento de fármacos
utilizando o processo de latenciação tomou rumo mais promissor.

As barreiras existentes no organismo podem limitar a utilização do fármaco na clínica.


Essas limitações estão relacionadas às fases farmacocinética e farmacêutica (Figura 91).

As principais limitações relacionadas à fase farmacocinética são:


 absorção incompleta do fármaco pelas membranas biológicas,
 metabolismo pré-sistêmico, reduzindo a biodisponibilidade do fármaco,
 absorção ou excreção muito rápida do fármaco, quando são necessários longos
períodos de ação;
 toxicidade relacionada à irritação local ou à distribuição em outros tecidos.

As principais limitações relacionadas à fase farmacêutica são:


 falta de solubilidade adequada, comprometendo a dissolução e
consequentemente a biodisponibilidade dos fármacos;
 falta de estabilidade das formulações;
 propriedades organolépticas indesejáveis.
FIGURA 91

118

FONTE: Chin, 1998.


Os problemas expostos anteriormente podem ser sanados com o desenvolvimento de
pró-fármacos, utilizando a técnica de latenciação de fármacos.

Os seguintes critérios devem ser considerados durante o planejamento do pró-


fármaco:
 existência de grupos funcionais na molécula matriz capazes de sofrer
119
derivatização;
 existência de mecanismos e/ou sistemas no organismo capazes de bioativar o
pró-fármaco;
 estabilidade química do pró-fármaco;
 facilidade e simplicidade da síntese e purificação do pró-fármaco;
 regeneração, in vivo, da molécula matriz, em quantidade suficiente;
 toxicidade do transportador e do pró-fármaco.

A latenciação de fármacos permite, mediante a escolha de transportadores ideais e


desprovidos de atividade biológica, o aprimoramento das propriedades do fármaco. O método de
esterificação é o mais empregado, entre os diversos métodos de preparação de pró-fármacos,
seguido da formação de amidas, imidas e carbamatos. Para outras ligações temos que ter a
devida atenção, na obtenção de pró-fármacos, nos quais a biotransformação não seja enzimática
(p. ex., iminas, bases de Mannich e enaminas).

Na Figura 92 podemos observar tipos de derivados biorreversíveis, comumente


utilizados no processo de planejamento de fármacos latentes.
FIGURA 92 - TIPOS DE PRÓ-FÁRMACOS
DE ACORDO COM O GRUPO FUNCIONAL DO FÁRMACO

120

FONTE: Chin, 1998.


Alguns fármacos, no processo de latenciação de pró-fármacos, ligados diretamente
aos transportadores não são hidrolisados por enzimas lisossômicas, dificultando a liberação da
sua porção ativa. No caso desses fármacos, existe a necessidade de introduzir um agente
espaçante (grupo químico que estabelece a ligação entre o fármaco e o transportador). Como
exemplo há a daunomicina que era liberada de copolímeros hidrossolúveis de N-(2-hidroxipropil)
metacrilamida (HPMA) quando esse fármaco foi ligado ao polímero por diferentes oligopeptídios, 121
observou-se que as endopeptidases hidrolisavam primeiramente o agente espaçante para só
então, por ação de aminopeptidases, liberar a porção ativa do fármaco. O exemplo da
daunomicina demonstra que a utilização de um agente espaçante permite acesso maior e melhor
da enzima, para que só então haja ação farmacológica.

Os pró-fármacos são classificados em:


 clássicos;
 bioprecursores;
 mistos;
 dirigidos.

23.1 CLÁSSICOS

Os pró-fármacos clássicos são capazes de promover a melhoria da atividade


terapêutica devido às seguintes ações: aumento da biodisponibilidade, diminuição da toxicidade,
prolongamento da ação e aumento da seletividade, mediante a escolha de transportador
adequado, geralmente de caráter lipofílico. Essa classe é inativa ou menos, se comparada à
molécula matriz, e deve sofrer reação hidrolítica, química ou enzimática, para liberação de sua
porção ativa.
23.2 BIOPRECURSORES

Os bioprecursores não apresentam transportador, diferentemente dos clássicos,


122
explicados anteriormente. Essa classe constitui-se de moléculas resultantes de modificação
molecular com a formação de um novo composto que deve ser metabolizado, em geral, pelo
sistema redox celular para transformar-se em um metabólito ativo, e só então apresentar sua
ação terapêutica.

23.3 MISTOS

Os mistos são conhecidos assim por possuírem características de pró-fármacos


clássicos e de bioprecursores, ao mesmo tempo.

Exemplo dessa classe (Figura 93) é a utilização dos ésteres da trigonelina como
transportadores (assim como os clássicos) de fármacos de ação central, que atravessam a
barreira hematoencefálica (BHE). Em seguida sofrem ação do sistema redox celular (assim
como os bioprecurssores), tornam-se então carregados, ficando retidos no SNC, que após
sofrerem hidrólise, liberam a porção farmacologicamente ativa. Esse sistema é chamado de
sistema de liberação química ou chemical delivery system (CDS).
FIGURA 93 - EXEMPLO DE PRÓ-FÁRMACO MISTO

123

FONTE: Chin, 1998.

23.4 FÁRMACOS DIRIGIDOS

Aqueles em que são utilizados transportadores capazes de transportar os fármacos do


local de administração até o sítio de ação, de forma seletiva. O objetivo dessa classe é diminuir a
toxicidade apresentada por certos fármacos. Esse objetivo é alcançado pela redução de reações
adversas provocadas pela ação inespecífica do fármaco em outros sítios-alvo.

Entre os transportadores utilizados nessa forma latente, os de maior interesse são


aqueles que interagem especificamente com os sítios presentes na superfície das células-alvo.
Como podemos observar na Figura 94, os fármacos podem ser ativados após a endocitose do
conjugado fármaco-transportador pela célula-alvo mediante ação de hidrolases ácidas presentes
em lisossomos.
FIGURA 94 - FÁRMACO DIRIGIDO ATIVADO APÓS ENDOCITOSE

124

FONTE: Chin, 1998.

O processo de latenciação é de grande interesse como método de desenvolvimento de


novos fármacos, e cada vez mais utilizado na atualidade. Suas vantagens são: economia de
tempo, economia de recursos, reintrodução de fármacos antes descartados por suas
propriedades indesejáveis. Além disso, essa técnica permite o aprimoramento de novos
fármacos, antes mesmo que sejam lançados.

Atualmente, encontram-se estímulos crescentes em se obter fármacos altamente


seletivos, reduzindo assim a tão temida toxicidade, em especial de fármacos utilizados na
terapêutica do câncer.
24 HIBRIDIZAÇÃO MOLECULAR

A hibridização molecular é a reunião de características estruturais, parciais de duas


125
substâncias biotivas distintas em uma nova molécula. Essa reunião origina uma nova substância
que poderá apresentar a atividade de uma das substâncias originais ou conjugar ambas as
atividades em uma única molécula.

Empregando-se a hibridação molecular com o propósito de unir propriedades


biológicas em uma única molécula, é obtido um novo composto, conhecido como dual, misto ou
duplo em propriedades farmacológicas, o que representa uma alternativa terapêutica muito
interessante para determinadas fisiopatologias multifatoriais. Essa atividade dual pode ser
planejada para a inibição de duas enzimas associadas à mesma patologia, por exemplo.

24.1 OBTENÇÃO DE COMPOSTO COM ÚNICA ATIVIDADE A PARTIR DE HIBRIDAÇÃO


MOLECULAR

Para aplicação dessa técnica temos o exemplo da tropisetrona planejada a partir da


hibridação molecular entre os protótipos cocaína e serotonina, desenvolvida em 1983, pelo
laboratório Sandoz (Figura 95). Essa hibridação molecular incluiu a nova substância o núcleo
indólico da serotonina com o sistema bicíclico-octano do alcaloide tropânico da cocaína,
mantendo a função éster presente na cocaína.
FIGURA 95 - HIBRIDAÇÃO MOLECULAR NA GÊNESE DA TROPISETRONA

126

FONTE: Barreiro e Fraga, 2008.

24.2 OBTENÇÃO DE COMPOSTO COM ATIVIDADE DUAL A PARTIR DE HIBRIDAÇÃO


MOLECULAR

Metabólitos do ácido araquidônico estão envolvidos na fisiopatologia da asma, doença


inflamatória com alto índice epidemiológico, deve-se aos leucotrienos (LTs), formados pela ação
da 5-lipoxigenase (5-LOX) e da tromboxana A2, formada pela ação da tromboxana sintase (TXS)
sobre esse ácido essencial. Como esses icosanoides estão envolvidos fortemente com a
fisiopatologia da asma, foi proposto o desenho de um hibrido dual com atividade sobre a 5-LOX
e a TXS.
Para o desenvolvimento do hibrido E-6700, inibidor duplo de TXS e 5-LOX, foi utilizado
o derivado E-3040, da classe dos compostos 2-amino-6-hidroxibenzotiazola com propriedades
inibidoras de 5-LOX (Figura 96).

Como a inibição da enzima 5-LOX depende de propriedades redox do inibidor e


sabendo das propriedades redox dos derivados benzoquinônicos do derivado AA-861, inibidor de
127
5-LOX, pesquisadores do laboratório japonês Esai planejaram a substância E-6700, derivado
benzoquinônico funcionalizado, apresentando o anel piridínico distante de um grupamento ácido
carboxílico, como requisito estrutural necessário à atividade inibidora de TXS, identificado no
protótipo ozagrel, enquanto a presença do sistema benzoquinona, originário do protótipo AA-861,
assegura propriedades redox essenciais para a atividade 5-LOX. O composto final dessa
hibridação molecular apresentou alta potência frente as duas enzimas (inibição da formação de
LTB4 – IC50 = 0,82 µM e inibição da formação de TXB2 – IC50 = 0,07 µM).
FIGURA 96 - GÊNESE DO DERIVADO DUAL 6700, INIBIDOR DE TXS E 5-LOX

128

FONTE: Barreiro e Fraga, 2008.


25 DESENVOLVIMENTO DE NOVOS FÁRMACOS E MODELAGEM MOLECULAR

Os estudos clássicos de relação estrutura-atividade (REA ou SAR) exigiam e exigem a


129
síntese de diversos análogos, estruturalmente relacionados a um composto protótipo, e a
realização de sucessivos ensaios in vitro e in vivo de atividade biológica. Após décadas de
investigações de SAR, foi possível estabelecer algumas generalizações sobre a influência de
mudanças estruturais específicas nos efeitos biológicos (discutidas em tópicos anteriores neste
curso), incluindo o tamanho e o formato da cadeia carbônica, a natureza e o grau de substituição
e a estereoquímica de um composto protótipo. As técnicas tradicionais de modificação molecular
e SAR são, ainda, importantes na descoberta de novos fármacos, no entanto, são dispendiosas
e requerem extenso período de investigação, eventualmente bem-sucedido.

A disponibilidade de programas computacionais de química e os bancos de dados em


rede são fundamentais e necessários para o planejamento de novos fármacos, atualmente,
culminando no desenvolvimento de fármacos. A partir dessas ferramentas, podem-se obter
informações que permitem uma análise rápida da atividade biológica versus propriedades físico-
químicas, de uma série de novos análogos de interesse farmacológicos, sem a necessidade de
sintetizá-los.

Novos fármacos podem ser desenvolvidos pela análise de dados teóricos de estrutura-
atividade de forma tridimensional, obtidos por técnicas de modelagem molecular, recentemente
utilizada.

Para iniciar uma análise utilizando as técnicas de modelagem molecular é necessário:


 proporcionar a visualização tridimensional e realizar a análise conformacional de
fármacos;
 analisar o tamanho e o formato do grupo farmacofórico;
 verificar a importância da natureza e o grau de substituição de grupos funcionais;
 observar os aspectos estereoquímicos dos fármacos e sua relação com a
atividade biológica;
 relacionar a estrutura e as propriedades físicas de uma mesma série de novos
fármacos;
 predizer os mecanismos moleculares envolvidos na ação dos fármacos.

Hoje, pode-se utilizar alguns programas de desenho de moléculas bidimensionais


disponíveis e de fácil utilização, como ChemWindow, Isis Draw e ChemDraw. Esses programas
130
permitem a elaboração de figuras e diagramas com qualidade e exatidão e facilitam o trabalho
de documentação e publicação científica.

Outros programas permitem o cálculo e a representação de várias propriedades


moleculares, como: fórmula e massa moleculares, massa exata e análise teórica elementar.
Programas mais complexos e completos, como ChemDraw Ultra8, fornecem, adicionalmente, o
nome químico correto (segundo a IUPAC) dos compostos químicos e podem predizer os
deslocamentos químicos de RMN 1H e 13C, pontos de fusão e congelamento, refratividade
molar, calor de formação e Log P.

A visualização tridimensional (3D) dos fármacos, conseguida por meio da utilização do


programa Chem3D7A, é possível pela construção das ligações, passo a passo, observando as
informações sobre comprimento e ângulo de ligação. Moléculas mais complexas (p. ex., de alto
peso molecular) são desenhadas utilizando vários recursos, como o uso de ferramentas de
desenho, subestruturas disponíveis nesse programa e uso de caixa de diálogo, cujas fórmulas
representadas linearmente são digitadas. Em paralelo, são realizadas conversões de moléculas
desenhadas em ChemDraw, para o modelo tridimensional em Chem3D, por uma simples cópia e
cola no computador (como exemplificado para sulfametoxazol na Figura 97).
FIGURA 97 - CONVERSÃO DA ESTRUTURA DO SULFAMETOXAZOL
EM 3D NA FORMA DE LIGAÇÕES CILÍNDRICAS

131

FONTE: Carvalho, 2002.

As moléculas podem ser representadas de diversas formas, graças ao programa em


3D: arame (3a), bastões (3b), esferas e cilindros (3c) e “space filling” (3d), como podemos
observar na Figura 98.

FIGURA 98 - DIFERENTES REPRESENTAÇÕES DO SULFAMETOXAZOL

FONTE: Carvalho, 2002.


O trabalho se inicia logo após as moléculas serem desenhadas na forma
tridimensional. Durante a geração de uma determinada estrutura, podem ocorrer distorções na
molécula, com formação desfavorável de comprimentos e ângulos de ligações e ângulos
diédricos, pois não estão, necessariamente, na conformação mais estável após serem
desenhadas em 3D.

132
Átomos não ligados interagem em uma mesma região do espaço e provocam repulsão
estérica e eletrostática. Para corrigir essas distorções as moléculas podem ser otimizadas por
meio do processo de minimização de energia. Esse processo se dá a partir de dois modelos
matemáticos existentes:
 mecânica molecular;
 mecânica quântica.

Podem ocorrer interações que não sejam previsíveis, que estão relacionadas a:
sobreposição de orbital molecular, distribuição de densidade eletrônica ou interferências
estéricas. Esses problemas podem ser solucionados com a utilização de métodos
computacionais, e devem ser solucionados para que haja uma seleção racional de novos
fármacos. A minimização de energia e a análise conformacional são usadas interativamente para
otimizar a geometria de uma molécula.

Fatores relacionados ao tamanho da molécula, disponibilidade de parâmetros e dados


armazenados e recurso computacional vão determinar os métodos de escolha para a
minimização de energia. Os modelos moleculares gerados pelos programas de computador são
resultantes de equações matemáticas que estimam as posições e propriedades dos elétrons e
núcleos. Os cálculos realizados exploram as características de uma estrutura, fornecendo uma
molécula sob nova perspectiva.

Como podemos notar até o momento, a utilização dessas ferramentas, expostas


simplificadamente aqui neste tópico, são de grande importância e requerem amplo treinamento
do químico medicinal para domínio de todas as ferramentas disponíveis para uma análise real da
possível ação de novos análogos candidatos a fármacos.
26 INOVAÇÃO DE FÁRMACOS NO BRASIL

Com a chegada da indústria farmacêutica no país, as dificuldades específicas da área


133
de Fármacos e Medicamentos têm início, por motivos históricos. Assim que a indústria
farmacêutica se instalou no Brasil, houve a substituição das boticas (local onde se dispensavam
medicamentos – em sua maioria, manipulados), pelas primeiras farmácias comerciais (que não
mais manipulam, vendem apenas medicamentos industrializados).

Com as empresas multinacionais instalando-se no Brasil, o país consolida sua


atividade industrial farmacêutica. As multinacionais instaladas passaram a realizar apenas a
quarta etapa da cadeia industrial farmacêutica, isto é, transformação princípio ativo do
medicamento ou insumo farmoquímico, desenvolvido no exterior, em medicamento.

A partir da nova realidade houve um desenvolvimento desordenado das ciências


farmacêuticas no país, onde a inovação infelizmente não foi desenvolvida, consolidando-se
apenas os métodos analíticos aplicados ao controle de qualidade de fármacos e medicamentos.

Já as poucas indústrias nacionais passaram a se dedicar aos medicamentos similares


ou de fórmulas licenciadas, não havendo nenhuma perspectiva de inovação em pesquisa de
novos fármacos e tecnologias farmacêuticas.

Em 1968, foi realizada a reforma universitária que provocou o enfraquecimento das


instituições de ensino farmacêutico, restritas ao sistema público, federal e estadual, e onde se
desenvolvem pesquisas ainda muito modestas, quando comparadas ao sistema atual (que ainda
deixa a desejar frente a países de primeiro mundo, mas que vem ganhando notoriedade nos
últimos anos). Com a realização dessa reforma e a criação dos institutos básicos, as Faculdades
de Farmácia foram sendo esvaziadas de seus principais grupos de pesquisa na área. Com a
perda da maioria de seus grupos de pesquisa e da competência científica que representavam,
reduziu-se enormemente a capacidade de pesquisa em Fármacos e Medicamentos, nas
Universidades de Ensino Farmacêutico da época.
Mediante essa realidade perdeu-se, então, as vocações específicas do profissional
farmacêutico para com a pesquisa e desenvolvimento de fármaco e medicamento, ampliando-se
o âmbito profissional para outros focos, reduzindo-se, praticamente, sua atuação a dispensação,
atenção farmacêutica, manipulação de fórmulas magistrais e nas indústrias ficando restritas
apenas às atividades de controle de qualidade.

134
Por conta das circunstâncias expostas, e que são um histórico pesado do país, não se
criaram as condições capazes de favorecer as atividades de pesquisa científica em fármacos e
medicamentos nas instituições de ensino farmacêutico e também dentro das indústrias
instaladas no Brasil.

Essas circunstâncias, infelizmente, até o momento se fazem presentes no contexto da


pesquisa e do impulsionamento de inovação na área de fármacos e medicamentos no país.

Porém, ao se considerar o atual nível de capacitação científica do país, nas áreas de


ponta do conhecimento científico em Ciências da Saúde, Biológicas, Farmacêuticas e Químicas,
constata-se condições extremamente propícias e favoráveis à inovação em fármacos e
medicamentos no Brasil, se houver uma articulação entre essas ciências e os estudos
relacionados ao desenvolvimento de fármacos e medicamentos.
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