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As visões teológicas sobre o inferno

Escrito por Lucas Banzoli , às 09:30

Tem se falado tanto a respeito do inferno nos últimos dias que eu decidi tecer
alguns comentários a respeito das principais visões teológicas quanto ao inferno,
que vão além daquilo que eu escrevi em meu livro “A Verdade sobre o Inferno”. Há
historicamente quatro visões predominantes sobre este tema, sendo elas:

• Tormento eterno
• Universalismo
• Aniquilacionismo direto
• Aniquilacionismo posterior ao castigo

DE UMA PERSPECTIVA HISTÓRICA

Alguém que vive em pleno século XXI naturalmente irá pensar que a opção número
1, por ser a mais famosa hoje em dia, foi a que mais predominou nos primeiros
séculos da Igreja, mas isso não é verdade. Uma leitura básica nos escritos dos Pais
da Igreja nos mostra que a visão de um tormento eterno só passou a existir em
finais do século II d.C[1], sendo precedida pela visão aniquilacionista e
universalista. Isso é reconhecido até mesmo pelo maior pregador do tormento
eterno que já existiu na Igreja antiga – Agostinho de Hipona –, que em sua época
reconheceu que “existem muitíssimos que apesar de não negarem as Santas
Escrituras não acreditam em tormentos eternos”[2]. A palavra “muitíssimos”, no
original, é imo quam plurimi, que também pode ser traduzida como “maioria”.
Portanto, Agostinho reconhece que em seus dias a maioria dos cristãos não
cria em um tormento eterno.

Basílio, o Grande (329-379 d.C), que foi contemporâneo de Agostinho, também


reconheceu isso. Ele disse: “grande parte dos homens afirma que haverá um fim
à punição daqueles que foram punidos”[3]. A posição predominante nos primeiros
Pais, do primeiro século até meados do segundo, era aniquilacionismo subsequente
à punição. A partir de Orígenes, o primeiro grande universalista, muitos outros Pais
adotaram tal postura, como Ambrósio (o tutor de Agostinho), Clemente de
Alexandria, Gregório de Nissa, Gregório Nazianzeno e até mesmo Jerônimo, antes
de mudar de opinião e passar a atacar severamente Orígenes.

Dos Pais que criam no tormento eterno, destaca-se Irineu, que difundiu tal doutrina
em finais do século II, e o próprio Agostinho, que tornou essa doutrina a mais
famosa nos séculos seguintes, como a visão predominante que marcaria as
próximas eras. Por isso, foi somente depois da época de Agostinho, o bispo mais
famoso da história da Igreja, que a visão de tormento eterno se tornou
predominante na Igreja, como diz J. N. D. Kelly: “por volta do quinto século, em
todos os lugares imperava a rígida doutrina de que, depois desta vida, os
pecadores não terão uma segunda chance e que o fogo que os devorará jamais se
apagará”[4].

Antes disso, como diz a Enciclopédia de Conhecimento Religioso, de Schaff-


Herzog, “nos primeiros cinco ou seis séculos do Cristianismo haviam seis escolas
teológicas, no qual quatro (Alexandria, Antioquia, Cesaréia e Edessa ou Nisibis)
eram universalistas, uma (Éfeso) aceitava imortalidade condicional
(aniquilacionismo); uma (Cartago ou Roma) ensinava punição eterna do ímpio.
Outras escolas teológicas são mencionadas como fundadas por universalistas, mas
a doutrina real delas nesta questão é desconhecida”[5].

Tendo em vista a perspectiva histórica, iremos analisar brevemente cada uma


delas, a partir de agora, sob uma perspectiva ideológica.

DE UMA PERSPECTIVA BÍBLICA

• Tormento eterno. Seus adeptos (Igreja Católica e maioria protestante) creem


que o tormento no inferno não terá fim, será eterno, pelos séculos dos séculos,
independentemente do pecador e não fazendo distinção entre aqueles que pecaram
mais e aqueles que pecaram menos, pois ambos serão punidos com tormentos
eternos na vida futura. Usam passagens bíblicas que, para eles, favorece a
perspectiva imortalista, como o texto de Mateus 25:46, que falaria sobre “vida
eterna” para os justos e “tormento eterno” para os ímpios. Se apegam também a
textos apocalípticos (Ap.14:11; 20:10) que sustentariam tal tese, e às passagens
que falam sobre o “fogo eterno” (Mt.18:8; 25:41; Jd.7).

O problema com essa interpretação é que, em primeiro lugar, Mateus 25:46 não
fala de “tormento” (basanos), mas de “punição” (kolasin)[6]. Todos os léxicos do
grego concordam que essa punição, decorrente da palavra grego kolasis, é a pena
capital – a morte –, significando literalmente “mutilar, cortar fora”[7], “morte e
destruição”[8], “mutilar, deceptar”[9], “extirpar alguém da vida”[10]. Ou seja: o
texto está falando sobre vida eterna e morte eterna, e não sobre vida eterna
ou tormento eterno. O contraste é entre existência e inexistência para sempre, e
não entre existência eterna em ambos os casos.

Outro problema nessa interpretação é a identificação literal de elementos


apocalípticos, que por definição é um livro hiperbólico, e não literal[11]. Além disso,
a comparação de passagens, como Apocalipse 14:11 com Isaías 34:9,10, nos
mostra que a “fumaça que sobe para sempre” não é sinônimo de
um fogo queimando para sempre, pois este mesmo texto de Isaías fala que “os
ribeiros de Edom se tornarão em pez, e o seu pó em enxofre, e a sua terra em pez
ardente. Nem de noite nem de dia se apagará; para sempre a sua fumaça subirá;
de geração em geração será assolada; pelos séculos dos séculos ninguém passará
por ela” (Is.34:9,10), mas não há fumaça subindo até hoje em Edom.

Finalmente, a interpretação sobre o “fogo eterno” falha em não considerar que o


fogo é eterno pelos efeitos da destruição eterna, e não pelo processo. Foi assim em
todas as vezes que a Bíblia usou tal linguagem para algo que aconteceu no mundo
real. Como vimos, Isaías 34:9-10 fala de uma fumaça subindo para sempre em
Edom, mas não há fumaça subindo literalmente até hoje. Semelhantemente,
Jeremias fala de um fogo que consumiria os palácios de Jerusalém e que “não se
apagará” (Je.17:27), mas não há nenhum fogo queimando até hoje ali. Em Ezequiel
vemos que a floresta do Neguebe seria incendiada por uma chama abrasadora
que “não será apagada” (Ez.20:47,48), e Judas fala das cidades de Sodoma e
Gomorra sofrendo a pena do “fogo eterno” (Jd.7), ainda que o fogo que consumiu
estas cidades em Gênesis 19:24 tenha sido temporário, e não eterno. Tais
exemplos nos mostram claramente que a linguagem de “fogo eterno” sempre se
referiu aos efeitos da destruição total, e não a um processo sem fim.

• Universalismo. Seus adeptos defendem essa tese em passagens como 1ª


Coríntios 5:5, que diz:“seja, este tal, entregue a Satanás para destruição da carne,
para que o espírito seja salvo no dia do Senhor Jesus”, e Filipenses 2:10-11, que
diz: “para que ao nome de Jesus se dobre todo o joelho dos que estão nos céus, e
na terra, e debaixo da terra, e toda a língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor,
para glória de Deus Pai” (veja também: Rm.14:11). Para eles, isso significa que
todos os perdidos um dia se dobrarão aos pés de Cristo e serão salvos por ele. Ou
seja: que, no fim das contas, todos irão para o Céu.

Essa interpretação falha em dois aspectos principais: (a) pouca evidência bíblica de
apoio; (b) pouca capacidade de refutação às evidências contrárias. A pouca
evidência se vê pelo fato de que tal tese é apoiada muito mais pelo
sentimentalismo de argumentos passionais do que por evidências Escriturísticas, e
de tais referências oferecidas poderem ser perfeitamente interpretadas de outra
forma. A “destruição da carne” não indica que o pecador de 1Co.5:5 não teria
passado por um arrependimento futuro ainda em vida, mas implica apenas na
morte corporal. Portanto, o espírito salvo no dia do Senhor (ressurreição/volta de
Jesus) não se refere, necessariamente, a um perdido, mas a um salvo.

Textos que mostram todo o joelho se dobrando diante de Cristo também não
implicam necessariamente no universalismo, mas apenas que
todos reconhecerão que Jesus, a quem eles condenaram em vida, realmente é o
Senhor. O que será dessas pessoas depois disso não é dito nestes textos.
Passagens como 2ª Coríntios 6:1-2, Hebreus 3:13 e Hebreus 9:27 indicam que não
existe segunda oportunidade de salvação após a morte. Além disso, se o
universalismo é verdadeiro, não existiria fogo eterno nem pelo processo e nem pelo
efeito, já que o efeito não seria eterno nem irreversível. Seria, então, uma
linguagem inapropriada. Eles também têm grande dificuldade em explicar as 152
passagens bíblicas que falam em aniquilamento dos ímpios e as dezenas de
passagens que falam em castigo, já que, segundo eles, não ocorrerá nem uma
coisa e nem outra com os ímpios.

• Aniquilacionismo direto. Essa visão é compartilhada principalmente pelas


testemunhas de Jeová, e se apoia em centenas de passagens bíblicas que retratam
aniquilacionismo, mas falha em desconsiderar passagens que falam em castigo,
como Lucas 12:47-48, que se refere a pessoas que receberão poucos açoites e
outras que receberão muitos açoites. Se ninguém recebe nenhum açoite, tal texto
não faria sentido. Além disso, a linguagem expressa por Cristo aos fariseus, de
que “estes receberão maior castigo” (Lc.20:47) também não se enquadra no
aniquilacionismo direto, em que os ímpios são destruídos sem serem castigados
antes, pois, desta forma, não haveria um castigo maior para uns em detrimento
dos outros.

Finalmente, a tese do aniquilacionismo direto falha em um aspecto filosófico. Para


que haveria ressurreição de ímpios, se eles serão destruídos imediatamente em
seguida, sem serem castigados antes? As testemunhas de Jeová respondem a tal
argumento alegando que não há ressurreição de ímpios, mas apenas de justos.
Isso, porém, ignora uma série de passagens bíblicas que afirmam claramente que
os ímpios também ressuscitarão, assim como os justos (ex: Dn.12:2; Jo.5:28,29).

• Aniquilacionismo posterior ao castigo. É a visão mais plausível biblicamente.


Ela é apoiada por pelo menos 152 versículos que ensinam que os ímpios serão
destruídos na vida futura[12], ao invés de serem atormentados para sempre. Há
literalmente dezenas de formas de expressar este fato, usadas no AT e no NT,
como, por exemplo, que os ímpios serão:

a)    eliminados (cf. Pv.2:22; Sl.37:9; Sl.37:22; Sl.104:35; Is.29:18-20); 

b)  destruídos (cf. 2Pe.2:3; 2Pe.2:12,13; Tg.4:12; Mt.10:28; 2Pe.3:7; Dt.7:10;


Fp.1:28; Rm.9:22; Sl.145:20; Gl.6:8; 1Co.3:16,17; 1Ts.5:3;2Pe.2:1; Sl.145:20;
Sl.94:23; Pv.1:29; 1Ts.5:3; Jó 4:9; Sl.1:4-6; Sl.73:17-20; Sl.92:6,7; Sl.94:23;
Pv.24:21,22; Is.1:28; Is.16:4,5; Is.33:1; Lc.9:25; Gl.6:8; 1Ts.1:8,9); 

c)    arrancados (cf. Pv.2:22);

d)  mortos (cf. Jo.8:24; Jo.11:28; Jo.6:47-51; Is.65:15; Rm.6:23; Is.11:4; Pv.11:19;


Sl.34:21; Rm.8:13; Sl.62:3; Pv.15:10; Tg.1:15; Rm.8:13; Pv.19:16; Is.66:16;
Jr.12:3; Rm.1:32; Ez.18:21; Ez.18:23,24; Ez.18:16,28; 2Co.7:10; Rm.6:16;
2Co.3:6; Hb.6:1);

e)    exterminados (cf. Sl.37:9; Mc.12:5-9; At.3:23);

f)    executados (cf. Lc.19:14,27);

g)    devorados (cf. Ap.20:9; Jó 20:26-29; Is.29:5,6; Sl.21:9);

h)    se farão em cinzas (cf. 2Pe.2:6; Is.5:23,24; Ml.4:3);


i)    não terão futuro (cf. Sl.37:38; Pv.24:20);

j)    perderão a vida (cf. Lc.9:24); 

k)  serão consumidos (cf. Sf.1:18; Lc.17:27-29; Is.47:14; Sl.21:9; Jó 20:26-29;


Ap.20:9; Is.26:11; Naum 1:10; Sl.21:9; Lc.17:27-29);

l)  perecerão (cf. Jo.10:28; Jo.3:16; Sl.37:20; Jó 4:9; Is.66:17; Sl.37:20; Sl.68:2;


Sl.73:27; At.13:40,41; Is.1:28; Is.41:11,12; 1Co.1:18; Rm.2:12; 2Co.4:3;
2Co.2:15,16; Lc.13:2,3; Lc.13:4,5; 2Ts.2:10);

m)  serão despedaçados (cf.Lc.20:17,18; Mt.21:44; 1Sm.2:10);

n)    virarão estrado para os pés dos justos (cf.At.2:34,35);

o)    desvanecerão como fumaça (cf. Sl.37:20; Sl.68:2; Is.5:24);

p)    terão um fim repentino (cf. Sf.1:18; Pv.24:21,22; Is.29:5,6; 1Ts.5:3; Is.29:18-


20; 2Pe.2:1);

q)  serão como a palha que o vento leva (cf. Sl.1:4-6; Is.5:24; Is.29:5,6);

r)  serão como a palha para ser pisada pelos que vencerem (cf. Ml.1:1,3;
Mt.5:13; Hb.10:12,13);

s)    serão reduzidos ao pó (cf. Sl.9:17; Is.5:24; Is.29:5,6; Lc.20:17,18; Mt.21:44;


2Pe.2:6);

t)     desaparecerão (cf. Sl.73:17-20; Is.16:4,5; Is.29:18-20);

u)    deixarão de existir (cf. Sl.104:35);

v)    serão apagados (cf. Pv.24:20);

w)   serão reduzidos a nada (cf. Is.41:11,12; 1Co.2:6);

x)    serão como se nunca tivessem existido (cf. Ob.1:16);

y)    serão evaporados (cf. Os.13:3);

z)    será lhes tirada a vida (cf. Pv.22:23; Jo.12:25);

aa) não mais existirão (cf. Sl.104:35; Pv.10:25).

Ao mesmo tempo, essa visão não ignora passagens que mostram os ímpios sendo
castigados, pois eles só serão mortos depois de passarem pelo castigo respectivo
aos seus pecados, o tanto correspondente a cada um. Assim sendo, os ímpios
ressuscitarão e serão julgados e condenados, uns a “poucos açoites” (Lc.12:48) e
outros a “muitos açoites” (Lc.12:47), para só depois deste castigo, merecido e
proporcional, serem eliminados.
DE UMA PERSPECTIVA MORAL

• Tormento eterno. Se perguntassem a cem pessoas quantas delas achariam


justo condenar um pecador a blocos intermináveis de bilhões e bilhões de anos
sofrendo tormentos e torturas colossais dentro de um lago de fogo que arde com
enxofre (e para todo o sempre), cem pessoas responderiam que isso é injusto. De
fato, os próprios imortalistas reconhecem isso quando dizem: “Nós certamente não
gostamos daquilo que a Bíblia diz sobre o inferno. Gostaríamos que não fosse
verdade”[13]. Isso atesta que o próprio senso de moralidade presente na
consciência humana contradiz a noção de um tormento eterno, mesmo para
aqueles que creem que esse tormento eterno é bíblico.

Se ainda há alguma dúvida sobre isso ser justo e correto, basta pensarmos na
analogia de um pai com um filho. Se seu filho o desobedece, você não vai pegar
uma cinta e descer em cima dele para sempre. Você obviamente vai castigá-lo por
algum tempo, isto é, pelo tanto correspondente aos seus erros. Se nem nós, meros
seres humanos, somos capazes de castigar alguém a um tormento eterno, quanto
menos Deus, que é muito mais justo e amoroso que nós.

Ele não é um deus sádico que pega uma cinta e bate no filho para sempre, que faz
questão de conceder imortalidade a essa criatura só para que ela passe a
eternidade inteira sofrendo, com a única finalidade de perpetuar o sofrimento. Deus
castigará os ímpios até que eles paguem o último centavo (Lc.12:59; Mt.5:26), e
depois irão para a segunda morte, a morte final e irreversível (Ap.20:14; 21:8), o
completo fim da existência.

Robert Leo Odom discorreu sobre essa mesma questão usando outra analogia:

"Suponha, por exemplo, que o juiz de sua comarca sentenciasse um homem


declarado culpado de assassinato a ser torturado continuamente dia e noite com
água escaldante e ferros em brasa, a fim de mantê-lo sofrendo constantemente a
mais torturante dor. O que os meios de comunicação teriam a dizer sobre isso?
Qual seria a reação das pessoas em geral para com esse tipo de punição? Faz
sentido dizer que o nosso Criador, que é um Deus de justiça e amor, poderia ser
um monstro de crueldade pior do que o mencionado?"[14]

Além disso, a teoria do tormento eterno falha em desconsiderar penas distintas


para pecados distintos. No tormento eterno não há diferenciação: todos serão
punidos com a mesma pena, a de sofrerem eternamente. Assim sendo, não há
qualquer diferença entre Adolf Hitler, que foi responsável pela tortura e assassinato
de pelo menos seis milhões de judeus, e um índio de 12 anos que morreu sem
conhecer a Jesus: ambos seriam condenados para um tormento eterno e
indiscriminado. Mas a Bíblia não ensina isso. Ela faz clara diferença entre os
pecadores, ao ponto do próprio Senhor Jesus dizer:

“Aquele servo que conhece a vontade de seu senhor e não prepara o que ele
deseja, nem o realiza, receberá muitos açoites. Mas aquele que não a conhece e
pratica coisas merecedoras de castigo, receberá poucos açoites” (Lucas 12:47-
48)
Se alguém receberá “poucos” açoites significa, obviamente, que esse castigo não
será eterno, pois o “pouco” presume um fim, ou senão não seria “pouco”! O
contraste que Cristo estabelece aqui demonstra que não haverá uma mesma
punição indiscriminada a todos os pecadores, como um tormento eterno para todo
mundo, mas um castigo que é proporcional aos pecados cometidos por cada um.
Sendo assim, Hitler queimaria muito mais tempo do que aquele índio de 12 anos do
exemplo acima. Isso torna esse mundo justo e respeita o princípio da
proporcionalidade estabelecido em toda a Bíblia, algo que não existe dentro da
visão de tormento eterno.

• Universalismo. A visão universalista é o exato contraponto ao tormento eterno.


Enquanto aqueles falham em desconsiderar penas relativas a pecados relativos,
esta falha no mesmo aspecto, mas, ao invés de condenar todos indistintamente a
um mesmo tormento eterno, dá a vida eterna para todo mundo. Assim sendo,
qualquer pessoa ímpia deste mundo, incluindo os maiores déspotas e genocidas da
humanidade, não sofreriam qualquer punição após a morte, pois no fim
alcançariam a vida eterna com Deus. Não haveria qualquer vantagem em ser justo
aqui na terra, pois ambos acabariam no Céu com Deus, no fim das contas.

Tome como exemplo uma prova de vestibular, cuja faculdade decidiu que apenas
os 30 melhores alunos, com nota superior a 7, seriam aprovados. Então, 30 alunos
que fizeram o vestibular estudaram o ano inteiro para isso, se dedicaram ao
máximo, doaram o melhor de si, abriram mão de muita coisa para passarem neste
vestibular, e, finalmente, conseguiram passar. Por outro lado, havia 100
vestibulandos incompetentes, preguiçosos, irresponsáveis e desleixados, que não
estudaram nada, que ficavam zombando daqueles que estudavam, que preferiam ir
“curtir a vida” e que, no fim das contas, tiraram nota inferir a 2. Mas depois a
faculdade decide aprovar ambos!

Se você fosse o aluno que se aplicou e estudou o ano todo, como se sentiria diante
disso? Sentiria que a justiça foi feita? É claro que não. O universalismo não
estabelece um padrão de mundo justo, mas apenas o sonho de todo e qualquer
pecador. Um mundo justo exige uma pena proporcional a cada um que cometeu
injustiças. Se o universalismo fosse real, não valeria a pena abrir mão desta vida
por amor a Cristo, aceitando sofrimento, tribulação e martírio nesta terra, se os que
não fazem nada disso o alcançarão da mesma forma. Ainda, o sangue de Cristo e a
aceitação pela fé seriam ineficazes em última instância, pois aquele que não tinha
fé em Jesus, que desprezava a Cristo e que zombava de Deus seria salvo tanto
quanto aquele que foi justificado pela fé. Desta forma, teria sido inútil servir e crer
em Jesus. O que mostra que o universalismo não pode ser moralmente justificável.

• Aniquilacionismo direto. O principal problema moral na tese do


aniquilacionismo direto é o fato de que, nele, não há graduação de penas para os
que cometeram atos ímpios aqui na terra. Em outras palavras, um assassino frio e
sanguinário seria condenado à mesma pena de um ladrão de frangos: ambos
morreriam eternamente, sem serem castigados nem mesmo por um segundo. Essa
visão passa claramente a noção de impunidade, já que até mesmo nesta vida
sabemos que é justo e correto punir os criminosos por um tanto correspondente ao
crime. Da mesma forma, aqueles que transgridem a Lei de Cristo também não
merecem passar impunes.

O aniquilacionismo direto (assim como o universalismo) é, assim dizendo, o lado


inverso da moeda do tormento eterno, pois em ambos os casos não haveria
distinção entre os pecadores, nem graduação de pecados ou punição proporcional.
A diferença é que, no primeiro caso, essa impunidade seria em fatores nulos – sem
punição para ninguém – enquanto no outro seria em fatores extremos – punição
para sempre e para todos. Nenhuma das três visões anteriores responde em
termos proporcionais aos pecados de cada um, como a Bíblia parece estabelecer
frequentemente (Lc.12:47,48; Os.12:2; Is.58:18; Sl.62:2; Pv.12:24; Rm.2:5-7;
Lc.20:47; Lc.12:58,59; Mt.12:32-35; Ap.22:12; 2Co.11:15; Dt.25:2; 2Tm.4:14).

• Aniquilacionismo posterior ao castigo. É a única visão moralmente justificável


e que supre as carências das outras visões. Ela não ensina um tormento eterno
desproporcional aos pecados cometidos, nem um castigo infinito por
pecados finitos. Por outro lado, ela também não ensina que todo mundo será salvo
no final, tornando inútil a fé em Cristo, nem um aniquilacionismo direto, que nada
mais é senão impunidade. Ela ensina que primeiro os ímpios serão castigados, cada
um pelo tanto correspondente aos seus pecados, uns mais e outros menos, uns
receberão “muitos açoites” (Lc.12:47) e outros receberão “poucos
açoites” (Lc.12:48), e, somente depois disso, senão eliminados.

Essa visão é a única que trabalha em cima do princípio da proporcionalidade, que é


claramente atestado pela Bíblia. A proporcionalidade é, como sabemos, a base do
padrão de justiça que rege o mundo. Nenhuma das outras três visões respeita o
princípio da proporcionalidade, seja por pregar um tormento eterno para todo
mundo, seja por pregar a salvação final para todos ou então por ensinar uma morte
sem castigo para ninguém. Deus, sabendo que os pecados dos ímpios não
poderiam passar impunes, os castiga pelo tanto correspondente e justo –
proporcional aos pecados de cada um – e em seguida tais vão para a morte eterna,
já que um tormento eterno seria injusto, moralmente injustificável e contra a lei da
proporcionalidade, ao mesmo tempo em que salvar todo mundo seria igualmente
injusto.

Nessa visão não há uma perpetuação do pecado e do sofrimento, como seria caso
para sempre existissem criaturas blasfemando, murmurando e brigando com Deus,
nem ensina a existência de um “ponto negro” em alguma parte do universo, em um
verdadeiro lago de fogo literal onde bilhões de seres humanos sofrem em
tormentos eternos. Ela ensina a total e completa erradicação do pecado na nova
criação, o que só poderia ocorrer caso existisse a completa extinção dos pecadores,
pois o pecado só existe em função da existência de pecadores. Ela também ensina
a total transformação do universo, para uma nova criação onde não existe mais
morte, pecado, blasfêmia, demônios ou ímpios, mas onde Deus é tudo e está em
todos (1Co.15:28), quando “não haverá mais morte, nem pranto, nem clamor, nem
dor; porque já as primeiras coisas são passadas” (Ap.21:4).

Paz a todos vocês que estão em Cristo.

Por Cristo e por Seu Reino,


Lucas Banzoli (apologiacrista.com)

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