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Tem se falado tanto a respeito do inferno nos últimos dias que eu decidi tecer
alguns comentários a respeito das principais visões teológicas quanto ao inferno,
que vão além daquilo que eu escrevi em meu livro “A Verdade sobre o Inferno”. Há
historicamente quatro visões predominantes sobre este tema, sendo elas:
• Tormento eterno
• Universalismo
• Aniquilacionismo direto
• Aniquilacionismo posterior ao castigo
Alguém que vive em pleno século XXI naturalmente irá pensar que a opção número
1, por ser a mais famosa hoje em dia, foi a que mais predominou nos primeiros
séculos da Igreja, mas isso não é verdade. Uma leitura básica nos escritos dos Pais
da Igreja nos mostra que a visão de um tormento eterno só passou a existir em
finais do século II d.C[1], sendo precedida pela visão aniquilacionista e
universalista. Isso é reconhecido até mesmo pelo maior pregador do tormento
eterno que já existiu na Igreja antiga – Agostinho de Hipona –, que em sua época
reconheceu que “existem muitíssimos que apesar de não negarem as Santas
Escrituras não acreditam em tormentos eternos”[2]. A palavra “muitíssimos”, no
original, é imo quam plurimi, que também pode ser traduzida como “maioria”.
Portanto, Agostinho reconhece que em seus dias a maioria dos cristãos não
cria em um tormento eterno.
Dos Pais que criam no tormento eterno, destaca-se Irineu, que difundiu tal doutrina
em finais do século II, e o próprio Agostinho, que tornou essa doutrina a mais
famosa nos séculos seguintes, como a visão predominante que marcaria as
próximas eras. Por isso, foi somente depois da época de Agostinho, o bispo mais
famoso da história da Igreja, que a visão de tormento eterno se tornou
predominante na Igreja, como diz J. N. D. Kelly: “por volta do quinto século, em
todos os lugares imperava a rígida doutrina de que, depois desta vida, os
pecadores não terão uma segunda chance e que o fogo que os devorará jamais se
apagará”[4].
O problema com essa interpretação é que, em primeiro lugar, Mateus 25:46 não
fala de “tormento” (basanos), mas de “punição” (kolasin)[6]. Todos os léxicos do
grego concordam que essa punição, decorrente da palavra grego kolasis, é a pena
capital – a morte –, significando literalmente “mutilar, cortar fora”[7], “morte e
destruição”[8], “mutilar, deceptar”[9], “extirpar alguém da vida”[10]. Ou seja: o
texto está falando sobre vida eterna e morte eterna, e não sobre vida eterna
ou tormento eterno. O contraste é entre existência e inexistência para sempre, e
não entre existência eterna em ambos os casos.
Essa interpretação falha em dois aspectos principais: (a) pouca evidência bíblica de
apoio; (b) pouca capacidade de refutação às evidências contrárias. A pouca
evidência se vê pelo fato de que tal tese é apoiada muito mais pelo
sentimentalismo de argumentos passionais do que por evidências Escriturísticas, e
de tais referências oferecidas poderem ser perfeitamente interpretadas de outra
forma. A “destruição da carne” não indica que o pecador de 1Co.5:5 não teria
passado por um arrependimento futuro ainda em vida, mas implica apenas na
morte corporal. Portanto, o espírito salvo no dia do Senhor (ressurreição/volta de
Jesus) não se refere, necessariamente, a um perdido, mas a um salvo.
Textos que mostram todo o joelho se dobrando diante de Cristo também não
implicam necessariamente no universalismo, mas apenas que
todos reconhecerão que Jesus, a quem eles condenaram em vida, realmente é o
Senhor. O que será dessas pessoas depois disso não é dito nestes textos.
Passagens como 2ª Coríntios 6:1-2, Hebreus 3:13 e Hebreus 9:27 indicam que não
existe segunda oportunidade de salvação após a morte. Além disso, se o
universalismo é verdadeiro, não existiria fogo eterno nem pelo processo e nem pelo
efeito, já que o efeito não seria eterno nem irreversível. Seria, então, uma
linguagem inapropriada. Eles também têm grande dificuldade em explicar as 152
passagens bíblicas que falam em aniquilamento dos ímpios e as dezenas de
passagens que falam em castigo, já que, segundo eles, não ocorrerá nem uma
coisa e nem outra com os ímpios.
c) arrancados (cf. Pv.2:22);
f) executados (cf. Lc.19:14,27);
r) serão como a palha para ser pisada pelos que vencerem (cf. Ml.1:1,3;
Mt.5:13; Hb.10:12,13);
Ao mesmo tempo, essa visão não ignora passagens que mostram os ímpios sendo
castigados, pois eles só serão mortos depois de passarem pelo castigo respectivo
aos seus pecados, o tanto correspondente a cada um. Assim sendo, os ímpios
ressuscitarão e serão julgados e condenados, uns a “poucos açoites” (Lc.12:48) e
outros a “muitos açoites” (Lc.12:47), para só depois deste castigo, merecido e
proporcional, serem eliminados.
DE UMA PERSPECTIVA MORAL
Se ainda há alguma dúvida sobre isso ser justo e correto, basta pensarmos na
analogia de um pai com um filho. Se seu filho o desobedece, você não vai pegar
uma cinta e descer em cima dele para sempre. Você obviamente vai castigá-lo por
algum tempo, isto é, pelo tanto correspondente aos seus erros. Se nem nós, meros
seres humanos, somos capazes de castigar alguém a um tormento eterno, quanto
menos Deus, que é muito mais justo e amoroso que nós.
Ele não é um deus sádico que pega uma cinta e bate no filho para sempre, que faz
questão de conceder imortalidade a essa criatura só para que ela passe a
eternidade inteira sofrendo, com a única finalidade de perpetuar o sofrimento. Deus
castigará os ímpios até que eles paguem o último centavo (Lc.12:59; Mt.5:26), e
depois irão para a segunda morte, a morte final e irreversível (Ap.20:14; 21:8), o
completo fim da existência.
Robert Leo Odom discorreu sobre essa mesma questão usando outra analogia:
“Aquele servo que conhece a vontade de seu senhor e não prepara o que ele
deseja, nem o realiza, receberá muitos açoites. Mas aquele que não a conhece e
pratica coisas merecedoras de castigo, receberá poucos açoites” (Lucas 12:47-
48)
Se alguém receberá “poucos” açoites significa, obviamente, que esse castigo não
será eterno, pois o “pouco” presume um fim, ou senão não seria “pouco”! O
contraste que Cristo estabelece aqui demonstra que não haverá uma mesma
punição indiscriminada a todos os pecadores, como um tormento eterno para todo
mundo, mas um castigo que é proporcional aos pecados cometidos por cada um.
Sendo assim, Hitler queimaria muito mais tempo do que aquele índio de 12 anos do
exemplo acima. Isso torna esse mundo justo e respeita o princípio da
proporcionalidade estabelecido em toda a Bíblia, algo que não existe dentro da
visão de tormento eterno.
Tome como exemplo uma prova de vestibular, cuja faculdade decidiu que apenas
os 30 melhores alunos, com nota superior a 7, seriam aprovados. Então, 30 alunos
que fizeram o vestibular estudaram o ano inteiro para isso, se dedicaram ao
máximo, doaram o melhor de si, abriram mão de muita coisa para passarem neste
vestibular, e, finalmente, conseguiram passar. Por outro lado, havia 100
vestibulandos incompetentes, preguiçosos, irresponsáveis e desleixados, que não
estudaram nada, que ficavam zombando daqueles que estudavam, que preferiam ir
“curtir a vida” e que, no fim das contas, tiraram nota inferir a 2. Mas depois a
faculdade decide aprovar ambos!
Se você fosse o aluno que se aplicou e estudou o ano todo, como se sentiria diante
disso? Sentiria que a justiça foi feita? É claro que não. O universalismo não
estabelece um padrão de mundo justo, mas apenas o sonho de todo e qualquer
pecador. Um mundo justo exige uma pena proporcional a cada um que cometeu
injustiças. Se o universalismo fosse real, não valeria a pena abrir mão desta vida
por amor a Cristo, aceitando sofrimento, tribulação e martírio nesta terra, se os que
não fazem nada disso o alcançarão da mesma forma. Ainda, o sangue de Cristo e a
aceitação pela fé seriam ineficazes em última instância, pois aquele que não tinha
fé em Jesus, que desprezava a Cristo e que zombava de Deus seria salvo tanto
quanto aquele que foi justificado pela fé. Desta forma, teria sido inútil servir e crer
em Jesus. O que mostra que o universalismo não pode ser moralmente justificável.
Nessa visão não há uma perpetuação do pecado e do sofrimento, como seria caso
para sempre existissem criaturas blasfemando, murmurando e brigando com Deus,
nem ensina a existência de um “ponto negro” em alguma parte do universo, em um
verdadeiro lago de fogo literal onde bilhões de seres humanos sofrem em
tormentos eternos. Ela ensina a total e completa erradicação do pecado na nova
criação, o que só poderia ocorrer caso existisse a completa extinção dos pecadores,
pois o pecado só existe em função da existência de pecadores. Ela também ensina
a total transformação do universo, para uma nova criação onde não existe mais
morte, pecado, blasfêmia, demônios ou ímpios, mas onde Deus é tudo e está em
todos (1Co.15:28), quando “não haverá mais morte, nem pranto, nem clamor, nem
dor; porque já as primeiras coisas são passadas” (Ap.21:4).