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4 Putnam, J.J. (1911). “A Plea for The Study of Philosophic Methods in Preparation for Psycho-
analytic Work”, The Journal of Abnormal Psychology, 6, pp. 249-264. A fim de evitar confusões
ligadas à data de publicação do presente artigo, precisamos que, no contexto do sexto volume
do Journal of Abnormal Psychology, os números foram editados bimestralmente entre 1911 e
1912, somando ao todo cinco cadernos, a saber: abril-maio, junho-julho, agosto-setembro, ou-
tubro-novembro, dezembro-janeiro. A tradução aqui estabelecida baseou-se nessa edição, por
se tratar da primeira versão publicada do texto.
5 “A necessidade de uma maior ênfase na dimensão construtiva do trabalho psicanalítico”. A esse
propósito, ver: (1911). “Discussion on the Symposium”, The Journal of Abnormal Psychology, 6,
pp. 181.
6 Ver nota atribuída a Morton Prince, publicada em: (1910). “Proceedings of the American Psy-
chopathological Association”, The Journal of Abnormal Psychology, 5, pp. 91.
alemã do texto de Putnam13 – e que Putnam irá por sua vez respondê-los, dando
assim início a um primeiro grande debate entre filosofia e psicanálise no interior
do movimento psicanalítico14 – seria interessante pensar em uma futura publicação
desta segunda versão. Uma tradução das réplicas e tréplicas que se seguiram a sua
aparição seria igualmente importante, justamente para que o teor deste debate possa
se fazer objeto de uma análise filosófica mais profunda e detalhada. Um estudo
complementar a este respeito poderia ser ainda realizado a partir do estudo do
contexto político no interior do qual este mesmo debate se deu. Como dito à guisa
de introdução a este comentário, um trabalho deste porte, sobre o contexto filosófico
e político do debate em questão, já vem sendo realizado pelos autores deste artigo e
será em breve objeto de uma publicação maior.
Sabemos que mais tarde, após a morte de Putnam em 1918, Freud publicará
um obituário bastante elogioso a seu respeito, chamando a atenção para o valor
de seu artigo sobre as contribuições da filosofia à psicanálise15, tom elogioso que
será temperado por diversas críticas não oficiais a este mesmo trabalho. Um artigo
mais longo, escrito em homenagem à Putnam e dedicado às suas contribuições
à psicanálise e à sua trajetória médica, será ainda publicado por Jones16. Uma
versão inglesa do texto de Jones será incluída na coletânea póstuma de Putnam em
192117. Ao mesmo tempo, sabemos que imediatamente após a publicação alemã
da conferência de Putnam sobre a importância da filosofia para o desenvolvimento
da psicanálise, a primeira reação do movimento psicanalítico fora relativamente
hostil. A estes eventos podemos acrescentar o projeto freudiano de “conquista” da
América, sem o qual talvez não seja possível compreender tal ambivalência. Este
13 Ferenczi, S. (1912). “Philosophie und Psychoanalyse (Bemerkungen zu einem Aufsatze des H.
Professor Dr. JAMES J. PUTNAM von der Harvard-Universität, Boston U.S.A)”, Imago, 2,
pp. 519-526. Uma tradução da resposta de Ferenczi ao texto de Putnam se encontra publicada
na versão brasileira de suas obras completas. A este respeito, ver: Ferenczi, S. (1912). Filosofia e
psicanálise. In: Sándor Ferenczi. Obras completas, Vol. I. São Paulo: Martins Fontes, pp. 213-220.
Sabemos, no entanto, que essa tradução não fora feita a partir do original alemão, mas sim de
uma tradução francesa, merecendo, portanto, um consistente trabalho de revisão. Para a resposta
de Theodor Reik, ver: Reik, T. (1913). “James J. Putnam, Über die Bedeutung philosophischer
Anschauungen und Ausbildung für die weitere Entwickelung der psychoanalytischen Bewe-
gung. (Imago, Heft 2.)”, Zentralblatt für Psychoanalyse und Psychotherapie, 3, pp. 43-44.
14 Para a resposta a Ferenczi, ver: Putnam, J.J. (1912). “Antwort auf die Erwiderung des Herrn Dr.
Ferenczi”, Imago, 5, pp. 527-530. Para a resposta a Reik, ver: Putnam, J.J. (1913). “Psychoanalyse
und Philosophie. Eine Erwiderung auf die Kritik von Dr. Otto Reik”, Zentralblatt für Psycho-
analyse und Psychotherapie, 3, pp. 265-269. Seguramente o autor queria se referir a Theodor Reik
e não ao Dr. “Otto” Reik.
15 Freud, S. (1919). “James J. Putnam”, Internationale Zeitschrift für ärztliche Psychoanalyse, 5, pp.
136. Freud cometerá um pequeno lapso nesta nota ao afirmar que a comunicação de Putnam
em Weimar fora realizada em 1912, e não em 1911, ano em que o terceiro congresso psicanalí-
tico internacional fora efetivamente organizado.
16 Jones, E. (1919). “Professor Dr. James Jackson Putnam”, Internationale Zeitschrift für ärztliche
Psychoanalyse, 5, pp. 233-243.
17 Ver o capítulo “Obituary” em: Putnam, J.J. (1921). Ibid., pp. 457-470. A versão inglesa pode ser
considerada como ligeiramente diferente da alemã e mais completa em termos de conteúdo.
für positivistische Philosophie40. Vemos ainda no final dos anos 1920, um psicanalista
como Heinz Hartmann (1894-1970) afirmar em um livro de introdução à
psicanálise, dedicado aos seus fundamentos41, que a ciência criada por Freud não
poderia senão ser enquadrada como uma ciência da natureza. Enfim, em 1929, no
manifesto do círculo de Viena pela “concepção científica de mundo”, Freud será
citado como representante de um saber promissor e bem alinhado com os princípios
do positivismo lógico42.
Nesse sentido, Um apelo para o estudo de métodos filosóficos na preparação para o
trabalho psicanalítico, de Putnam, talvez, em razão mesmo de situar-se em meio a um
período de forte exigência à sistematização teórica pelo qual passou o movimento
psicanalítico, de certo modo sintetiza a força inicial dessa exigência e os inícios
das sistematizações que a psicanálise freudiana passou então a implementar, o que
lhe confere, portanto, desde o ponto de vista estrito de uma história da recepção
filosófica da psicanálise, uma importância crucial: marca, o que se pode designar
“início formal”, do que chamamos hoje, especialmente no Brasil, de “filosofia da
psicanálise”.
Ora, uma história rigorosa da recepção filosófica da psicanálise não pode
prescindir de um marco fundador concreto. Estamos convencidos de que esse texto
de Putnam representa isto: a origem histórica de um diálogo institucionalizado
entre filosofia e psicanálise.
A discussão acerca do mérito filosófico do texto – a tentativa, talvez a primeira
delas, de aproximar Hegel da psicanálise –, nós a reservamos para outro momento43.
Gostaríamos de destacar aqui, apenas para fins de introdução ao tema da “origem
histórica” da recepção filosófica da psicanálise, a relativa, mas permanente, hostilidade
de Freud, bem como de grande parte do movimento psicanalítico nascente, em
relação à filosofia.
40 “Sociedade de filosofia positiva”. Este documento, assinado em 1912 por Freud, em apoio
à fundação de uma tal sociedade – documento também assinado por nomes importantes da
ciência de sua época, como Ernst Mach, Albert Einstein, George Helm, Jacques Loeb, David
Hilbert e Félix Klein – se encontra traduzido para o português e comentado por Fulgêncio, L.
(2000). “Convocação para a fundação de uma “Sociedade para a Filosofia Positivista”, Natureza
Humana, 2(2), pp. 429-438.
41 Hartmann, H. (1927). Die Grundlagen der Psychoanalyse. Stuttgart: E. Klett, 1972, 270 p.
42 Para uma tradução para o português do manifesto assinado em 1929 por Hans Hahn, Otto
Neurath e Rudolf Carnap, ver: Hahn, H. Neurath, O. Carnap, R. (1985). “A concepção científi-
ca do mundo - o círculo de Viena. Dedicado a Moritz Schlick”, Cadernos de História e Filosofia
da Ciência, 10, pp. 5-20.
43 O mesmo pode ser dito em relação ao debate que teve lugar no interior do movimento psica-
nalítico, a começar pelas primeiras considerações críticas dirigidas por Freud ao argumento de
Putnam, que podem ser encontradas em meio às correspondências trocadas pelos dois médicos
a partir do mês de março de 1911. A esse propósito, ver: Hale, N. (1971). James Jackson Putnam
and Psychoanalysis: letters between Putnam and Sigmund Freud, Ernest Jones, William James, San-
dor Ferenczi, and Morton Prince, 1877-1917. Cambridge: Harvard University Press, 384 p.
base, e que é justamente este seu caráter antifilosófico que deve, acima de tudo, ser
preservado, especialmente por uma história da recepção filosófica da psicanálise.
Se o desprezo freudiano pelo pensamento filosófico não constitui um
problema em si mesmo, já que, a rigor, nem Freud é exatamente um filósofo, e nem
a psicanálise é propriamente uma filosofia, o sentido desse desprezo, no entanto,
não pode ser menosprezado.
Nesses termos, pouco importam, na verdade, as declarações explícitas de
Freud, contra ou a favor do pensamento filosófico; aliás, sabemos que, do ponto
de vista conceitual, elas são meramente informativas de determinadas concepções
de filosofia que não vão muito além do que era característico no meio intelectual
geral do final do século XIX. Também têm pouca importância as tentativas, as mais
variadas, de fazer de Freud um filósofo, bem ou malsucedido, e da psicanálise, uma
teoria, mais ou menos filosófica nos termos de estrutura.
Segundo nossa análise, o que é importante, de fato, é descobrir qual o sentido
desta antifilosofia originária que a psicanálise representa, extrair as implicações que
dela decorrem; é saber qual “movimento do pensamento” essa recusa da filosofia põe
em marcha e, principalmente, para onde este movimento nos leva, para qual direção
ele aponta47.
Se com esta posição nós acabamos por reforçar a figura já bastante conhecida
entre nós do Freud “antifilósofo”, isso não deve ser entendido, porém, como uma
determinação teórica fundamental de nossa parte, é apenas uma alternativa para
sustentar o vigor de nossa disposição em não incorrer no erro, que também não
desconhecemos, de impor à psicanálise quaisquer preceitos filosóficos prévios48. Em
suma, nossa posição é a de que é preciso respeitar ao máximo a antifilosofia de Freud
a fim de melhor compreender não apenas a psicanálise como saber, mas também a
filosofia como disciplina.
Com efeito, caberia relativizar aqui nossas informações sobre o tema da
relação de Freud com os filósofos de seu tempo. Duas exceções importantes, tomadas
aqui a título de exemplo, merecem ser mencionadas: a primeira delas é indicada por
Zeljko Loparic e aponta para a figura “esquecida” de Theodor Lipps (1851-1914),
sobre o qual Freud dirá ainda em meados dos anos 1890 ser “a mente mais lúcida
entre os escritores filosóficos da atualidade”49. Seguindo o raciocínio de Loparic, que
47 Cf. Monzani, L.R. (1989). Freud: o movimento de um pensamento. Campinas: Unicamp, 2015, 300 p.
48 Para referências gerais sobre o tema da “antifilosofia” freudiana, cf. Raikovic, P. (1994). Ibid.,
especialmente o primeiro capítulo, já citado acima. Cf. também, Japiassu, H. (1989). Psicanálise:
ciência ou contraciência. Rio de Janeiro: Imago, 176 p.; Birman, J. (2003). Freud e a filosofia. Rio
de Janeiro: Zahar, 80 p.; Simanke, R. Capoulade, F. (2014). “Reflexões sobre a área de pesquisa
filosofia da psicanálise: um depoimento sobre sua constituição em São Paulo”, Analytica, revista
de psicanálise, 3(4), pp. 201-228, notadamente, pp. 202-208.
49 Em correspondência a Fliess datada de 26 de agosto de 1898, em: Masson, J, Schröter, M.
(1986). Ibid.
Tradução52
Um apelo para o estudo de métodos filosóficos na preparação para o trabalho
psicanalítico53
Por James J. Putnam, M.D. em Boston
Para que este trabalho não pareça simplesmente uma crítica do método
psicanalítico e de seus fundadores, começarei dizendo que meu sentimento em
50 Loparic, Z. (2001). “Theodor Lipps: uma fonte esquecida do paradigma freudiano”, Natureza
humana, 3(2), pp. 315-331. Para um trabalho mais aprofundado sobre o mesmo tema, ver: Du-
rand, A. (2003). L’inconscient de Lipps à Freud. Ramonville Saint Agne: Eres, 147 p.
51 A esse respeito, ver: Fichtner, G. (1992). Briefwechsel, 1908-1938 / Sigmund Freud, Ludwig
Binswanger. Frankfurt am Main : Ficher, 340 p., assim como o prefácio de Pierre Fédida à
edição francesa de Binswanger, L. (1981). Analyse existentielle, psychiatrie clinique et psychanalyse:
discours, parcours et Freud. Paris: Gallimard, 378 p.
52 O leitor lusófono tem agora em mãos, muito provavelmente, a primeira tradução portuguesa do
artigo de Putnam ora aqui proposto. Ela foi fruto de um trabalho que durou aproximadamente
três anos, envolveu sucessivas etapas de revisão, tendo sido ainda objeto de uma comunicação
científica e de certo número de discussões acadêmicas em diferentes ocasiões. Caroline Lou-
renzone e Fábio Fernandes, alunos de graduação em filosofia da Universidade Federal do Mato
Grasso do Sul (UFMS), participaram diretamente do processo que resultou na primeira versão
integral traduzida e revisada do artigo. Esta versão recebeu minuciosa revisão técnica de Erick-
son Santos e Cibele Ribeiro. Uma segunda versão da tradução foi estabelecida por Weiny César
Freitas Pinto e Caio Padovan, ambos, além de tradutores e coordenadores do projeto, autores
do comentário de apresentação e das numerosas notas que acompanham a tradução. A terceira
e então definitiva versão da tradução é resultado das sugestões críticas oriundas da avaliação da
M&C e do diálogo com Richard Simanke. Agrademos a ambos pelas contribuições.
53 Lido no Encontro anual da Associação de Psicopatologia Americana, Baltimore, 10 de maio de 1911.
relação ao movimento – para o qual este método é a base –, bem como em relação
a Freud e a seus colegas, é da maior e mais profunda admiração. O que estou
propondo aqui não deve de forma alguma ser tomado como uma crítica à posição
deles, mas sim como uma sugestão de complemento ao método. Este novo ponto
de vista sobre a natureza humana, possibilitado graças ao trabalho destes homens,
me parece ter valor extraordinário e suscetível de verificação em grande extensão.
Mais de uma vez, durante o estudo de um caso particularmente obscuro e depois
de quase concluir que, afinal, eu havia encontrado uma clara exceção às regras que
as observações de Freud e seus colegas pareciam ter estabelecido, uma pesquisa
ainda mais aprofundada da consciência destes pacientes e de suas memórias ocultas
acabou me mostrando que eu estava errado. É realmente extraordinário o critério
[touchstone] colocado em nossas mãos, capaz de nos permitir o reconhecimento dos
reais motivos por detrás das razões aparentes e, sob as falhas e fraquezas, os modos
e hábitos próprios à vida adulta, dando assim visibilidade ao trabalho dos anseios
[cravings] instintivos da imaginação, à busca pelo prazer e à fuga da dor infantil,
que forçam no adulto uma espécie de retorno privando-o da realização de seu mais
alto destino. A enumeração dos ganhos que já foram alcançados, dos caminhos
promissores que nos foram abertos por meio destas frutíferas investigações, bem
como das aplicações do princípio biogênico54 no estudo da personalidade humana,
apresentaria caráter imponente. Não é somente para a medicina que estes avanços
foram conquistados. Mostrou-se de maneira clara que as grandes peças da literatura
universal imaginativa e criativa, especialmente os grandes poemas universais, tais
como as maravilhosas tragédias e epopeias gregas, os contos de fadas e os mitos,
que se mantiveram popular por tanto tempo, e também as manifestações dos
chistes e do humor e de muitos outros modos de expressão ingênuos – por meio
dos quais, instintivamente, o baú dos tesouros escondidos da alma humana acaba
sendo revelado – são todos atravessados pela mesma tendência que se encontra por
detrás dos signos e dos sintomas próprios às histerias, às fobias e às compulsões. Os
simbolismos aí implicados, tais como os simbolismos da linguagem, dos sonhos e
da vida em si, são em grande medida, um simbolismo sexual.
Creio ainda ser possível admitir, com Freud, que o princípio da “conservação
da energia” pode ser aplicado de modo proveitoso ao fenômeno mental, assim como
e o tipo de mundo que deveria ser logicamente aceito por aqueles que, seguindo
de tão perto as exigências da lei da conservação de energia, buscam um universo
estritamente monista fundado nessas supostas leis58. Ora, se fossemos reivindicar
um mundo melhor que esse, deveríamos começar reconhecendo que as fórmulas da
ciência natural não expressam mais do que uma parcela da verdade. É verdade que,
onde os objetivos específicos a que essas ciências servem estão sozinhos em jogo,
é conveniente falar da “conservação de energia” como se fosse um dos princípios
fundamentais subjacentes à vida, e não a mera descrição de uma dada sequência de
fenômenos. Isso não quer dizer, em todo caso, que um estudante de química ou de
física trabalhe apenas com as aparências externas sob as quais a energia real, auto-
realizadora [Self-active]59, se encontraria encoberta, ou que ele fale abertamente
em “átomos” ou “leis invariáveis” como se estes termos realmente representassem
os mais profundos fatos que a mente humana pode alcançar. Ele sabe bem, se for
esperto, que essas fórmulas são apenas modos de se referir às coisas e que seus
estudos nada contribuem para o nosso conhecimento sobre as suas causas reais. Mas
esse hábito complacente de negligenciar o estudo do “real”, necessário como o é na
58 Cf. Traum und Mythus, von Dr. Karl Abraham. Schriften zur Angewandten Seelenkunde;
herausgegeben von Prof. Dr. Sigm. Freud, Viertes Heft, pp. 71,72. [N.T. Referência de Put-
nam ao trabalho de Karl Abraham intitulado “Sonho e mito”, páginas 71 e 72, e publicado
no quarto número da coleção editada na época por Freud: “Escritos de psicologia aplicada”. A
passagem citada pelo autor inclui o primeiro parágrafo do décimo-terceiro capítulo da obra do
psicanalista, intitulado: O determinismo das forças na vida anímica do indivíduo e da coletividade,
onde Abraham argumenta dizendo que Freud fora bem sucedido em demonstrar que “todo
fenômeno psíquico é determinado por causas bem definidas”, concluindo que o “determinismo
das forças na vida psíquica constitui o objeto da investigação psicanalítica”. Encontramos essa
mesma referência ao capítulo treze de Abraham em uma carta enviada por Putnam a Freud no
dia 30 de maio de 1911, cerca de três semanas após leitura do presente texto diante da Associa-
ção de Psicopatologia Americana. Nesta correspondência, Putnam afirma categoricamente que a
“Weltanschauung” científica “é menos útil e menos adaptada que outras à verdade”. Ver Hale,
N.G. (1971). James Jackson Putnam and Psychoanalysis: Letters Between Putnam and Sigmund
Freud, Ernest Jones, William James, Sandor Ferenczi, and Morton Prince, 1876-1917. Cambridge:
Harvard University Press, 379 p.].
59 [N.T. Referência implícita ao trabalho de William Torrey Harris (1835-1909) sobre Hegel,
a saber: Harris, W.T. (1890). Hegel’s Logic. A book on the genesis of the categories of the mind. A
critical exposition. Chicago: S. C. Griggs and Company, 403 p. Putnam citará textualmente esta
obra na versão alemã de seu artigo, lida alguns meses mais tarde no Terceiro Congresso da Asso-
ciação psicanalítica internacional. Segundo Harris, tal como podemos ler no segundo capítulo do
livro supracitado: The Greek and German Philosophical Principles, a noção de Idea em Platão se
aproxima da noção de Begriff (Conceito) em Hegel que, ainda de acordo com Harris, corres-
ponde a chamada Self-activity evocada por Putnam, traduzida por nós pela expressão “auto-rea-
lização”. Para uma análise mais aprofundada desta articulação, ver o décimo terceiro capítulo
desta mesma obra: Analysis of Hegel’s Begriff or notion as Self-Activity – Universal, particular and
singular. Cabe lembrar que Harris era considerado na época como um importante intérprete
do pensamento de Hegel nos Estados Unidos, tendo fundado em 1867 o Journal of Speculative
Philosophy, periódico dedicado à promoção do idealismo hegeliano na América, então repre-
sentado pelos chamados St. Louis Hegelians. A este respeito, ver o primeiro volume de Good,
J.A. DeArmey, M.H. (2001). The St. Louis hegelians, 1. Origins, the dialectic, and the critique of
materialism. Bristol: Thoemmes Press, 184 p.
66 [N.T. O primeiro Kindergarten público dos Estados Unidos, baseado nos princípios pedagógicos
estabelecidos pelo educador alemão Friedrich Fröbel (1782-1852), fora fundado em 1873, em
St. Louis, por Susan Blow (1843-1916). Blow contaria na ocasião com a colaboração de William
Torrey Harris, na época superintendente das escolas públicas de St. Louis. Trata-se aqui do
mesmo filósofo citado por nós há pouco, autor da obra Hegel’s Logic. Harris defendia um modelo
de educação moral baseado no pensamento hegeliano. A esse respeito, ver: McCluskey, N.G.
(1958). Public Schools and Moral Education: The Influence of Horace Mann, William Torrey Harris
and John Dewey. New York: Columbia University Press, 315 p., em particular a terceira parte
dedicada a Harris e, em especial, o sexto capítulo: The defense of Hegel’s institutional morality].
[bad] implica o reconhecimento do bem [good]. A luta entre ambos implica o sentido
de uma possível meta melhor que aquela da qual nos ocupamos neste momento,
e estes elementos melhores da vida mental estão representados em nossa mente
inconsciente e subconsciente. São inconscientes por não poderem ser expressos em
palavras.
Dizemos que a civilização depende de uma transição em direção a objetivos
elevados e mais amplamente sociais desta energia que vinha sendo até agora
despendida em favor dos instintos mais elementares, considerados como dominantes,
especialmente o instinto sexual, cuja grande missão é de perpetuar a raça humana67.
Ora, ainda que essa afirmação possa se aplicar ao caso dos animais, que veem apenas
o que está diante deles, e das plantas que nada veem, está muito longe de abranger
o caso dos homens. Todo homem, assim afirmo, tem a sensação de ser capaz de
efetuar algo por meio de sua “vontade” e também por meio de vagas ideias [visions]
subconscientes nas quais as fórmulas lógicas do raciocínio filosófico se encontram
prefiguradas e o esquema do universo é intuitivamente percebido. Tais sentimentos
são acompanhados por um profundo senso de dever [sense of obligation]68.
O homem pode aprender a negligenciar ou negar essas ideias [visions],
mas as possui da mesma forma e pode ser encorajado a ter consciência deste fato.
Se o fizer, ele aprenderá a ver a verdade do aparente paradoxo de que a mente é
consciente de seus próprios atos, para que o “reconhecimento” que ocorre a cada
momento de nossas vidas não seja meramente a redescoberta de um objeto familiar,
mas a redescoberta de nós mesmos.
A pessoa que chega conscientemente a este estágio do pensamento se torna
não apenas um “metafísico”, mas também alguém mais crítico e reflexivo, uma
pessoa mais bem preparada para tomar ciência de sua origem e destino espirituais,
assim como dos deveres que acompanham esse conhecimento.
Acreditem, não estou disposto a desperdiçar tempo lamentando o fato
de que, até agora, aqueles que carregaram o movimento psicanalítico sob sua
responsabilidade tenham seguido um método exclusivamente científico. Se não
fosse assim, provavelmente eles teriam falhado em alcançar o que alcançaram, e nós
ainda estaríamos incitando nossos pacientes a melhorarem sua condição unicamente
através da força de vontade e da consciência, e com conhecimento insuficiente a
respeito deles.
Mas chegou a hora de darmos um passo maior à frente. O objetivo com o
qual estamos praticamente, se não declaradamente, comprometidos é o de fazer um
estudo completo da vida mental de nossos pacientes, e a realização de um estudo
completo deste tipo seria simplesmente impossível sem uma formação aprofundada
em métodos filosóficos de pesquisa, tanto quanto nos métodos da pesquisa científica,
assim como em algum reconhecimento a respeito das inferências morais, sociais e
intelectuais para os quais tais pesquisas têm conduzido.
Por sorte, aqueles que se interessam pouco pela filosofia, e que se satisfazem
levando a sério a zombaria de Voltaire: “Quand on parle de ce qu’on ne comprend pas
et que ceux qui entendent ne comprennent pas non plus, on fait de la metaphysique”69, até
mesmo eles aceitam e lançam mão de muitas inferências filosóficas e metafísicas,
sem saber.
A lei da conservação de energia não conhece nenhuma consciência,
nenhum dever moral e nenhuma vontade em qualquer sentido real. Nós todos,
no entanto, reconhecemos consciência, vontade e dever, mesmo sem a intenção
de fazê-lo.
Inicialmente, quando comecei, ainda com alguma hesitação, a usar as
poderosas armas que o método psicanalítico colocou em nossas mãos, eu tentei
confiar inteiramente e exclusivamente na análise em si a fim de alcançar resultados
terapêuticos. Na verdade, eu aceitei, não explicitamente, mas implicitamente, a ideia
de que a participação do médico neste processo consistia unicamente em incitar o
paciente a ir adiante, cada vez mais fundo, em direção aos seus próprios complexos,
apenas observando que ele não deveria enganar a si mesmo, que ele não deveria
acreditar muito cedo que o fim de sua jornada de descobertas estava ao alcance de
suas mãos.
Tomei como certo que a função do médico termina quando ele ajuda o
paciente a superar um certo tipo de dificuldade [handicap] capaz de impedir o seu
progresso, forçando-o a se dar conta dos reais fatos em jogo, assim como de que
até então ele não se encontrava sujeito a qualquer tipo de dever, que ele não tinha
nenhuma responsabilidade a assumir pelo caráter do progresso em si.
Além disso, eu acreditava que essas dificuldades [handicaps] a serem superadas
eram de um tipo específico. Não se tratava de dificuldades ligadas à ignorância,
mas sim atribuídas à existência de desfavoráveis complexos emocionais dos tipos
que muito se tem discutido70. Em outras palavras, eu pensava que não era nossa
responsabilidade instruir o paciente, quer dizer, proporcionar o lado positivo da
69 [N.T. Em francês, no original. “Quando alguém fala de algo que não entende e que aqueles
que [o] ouvem tão pouco entendem, faz-se metafísica”. Após análise da passagem em questão,
a autoria da citação não pôde ser confirmada].
70 [N.T. A noção de “complexo” será desenvolvida no interior do movimento psicanalítico a partir
dos estudos realizados pela equipe de pesquisadores do Hospital Burghölzli, em Zurique, na
época dirigida por Carl G. Jung e Eugen Bleuler. Os resultados destes trabalhos serão publica-
dos em uma obra coletiva, organizada por Jung entre 1906 e 1910 e editada em dois volumes
com o título Estudos de diagnóstico por Associação. A esse respeito, ver: Jung, C.G. (1906-1910).
Diagnostische Assoziationsstudien. Beiträge zur experimentellen Psychopathologie, 2 vol. Leipzig:
Johann Ambrosius Barth, 281 p., 222 p.].
326 Modernos & Contemporâneos, Campinas, v. 3, n. 6., jul./dez., 2019.
Weiny César Freitas Pinto / Caio Padovan
reeducação que ele precisava experimentar, mas apenas colocá-lo em uma posição
melhor para que ele pudesse obter sua educação em outro lugar.
Ainda acredito que a principal parcela de nosso trabalho deveria ser daquele
tipo que já indiquei. Mas, pouco a pouco, fui chegando à convicção de que há uma
sutil influência de simpatia e apreciação, frequentemente exprimível em palavras,
ainda que por vezes seja de difícil expressão, que faz do trabalho do médico – aquele
médico que acredita nas verdades que indiquei como tendo sido estabelecidas pelo
estudo filosófico e pela revelação religiosa – um trabalho de maior valor que aquele
realizado pelo homem que não possui esta mesma atitude.
Pode-se pensar que qualquer interesse considerável por parte do médico em
filosofia (e em religião, que em filosofia se expressa de forma simbólica e poética)
prejudicaria sua capacidade de prosseguir com o devido vigor em suas investigações
psicanalíticas. Entretanto, eu sou levado a pensar que este perigo é na verdade uma
quimera. A psicanálise é e deveria ser reconhecida como um instrumento, e não
como uma doutrina. Ela nos leva a nenhuma fé em particular, não nos impede de
ter convicção quanto às verdades universais.
Eu duvido, no entanto, que a psicanálise sozinha nos forneça tudo o que
precisamos. Quase sempre acontece de existirem algumas características no caso de
um paciente as quais podem ser mais bem definidas em termos morais. O paciente
“deveria” [ought] ou “não deveria” [ought not] fazer isso ou aquilo. As bases onde este
estatuto moral do paciente repousa podem ser abordadas por meio da investigação
psicanalítica, mas podem ser mais bem compreendidas, tal como acredito, se o
paciente estiver disposto a fazer aquele tipo de análise mental que o conduzirá a
ver suas obrigações sob a luz do reconhecimento de sua origem e destino. Não
vou afirmar que nós somos obrigados a forçar cada paciente a chegar a conclusões
deste tipo. Isso pode ser às vezes desnecessário e às vezes até mesmo impossível de
realizar. O que podemos e devemos fazer, no entanto, é nos sentirmos totalmente
solidários em relação a todas as inclinações subconscientes ou inconscientes do
paciente, mesmo as mais brutas, no tocante às verdades que sustentamos como
sendo importantes e filosoficamente seguras. Nós podemos e devemos ajudá-lo a
desvendar essa parte de seus anseios inconscientes que apontam não somente em
direção a sua gênese terrena, mas também em direção a sua gênese espiritual. Todo
homem, mesmo sendo ignorante, clama por um equilíbrio moral, um amplo senso
de dever, um senso de valores morais independentes de vicissitudes terrenas, como
um tipo de direito inato, por assim dizer. O homem “normal” é uma pessoa moral,
ou alguém que possui a capacidade de se tornar uma. Ter falhado em se desenvolver
nesse sentido é ter “sintomas” que necessitam atenção. A relevância desta proposição
não é enfraquecida pelo fato óbvio de que o contrário também é verdadeiro; que
um excesso emocional ou verbal destas ideias morais pode também se tornar um
sintoma de doença.
O grande poema no qual Dante descreve sua descida ao inferno guiada por
Virgílio71, sua subida do monte do purgatório e seu voo no paraíso, tipifica a jornada
nas profundezas da memória e da própria alma de alguém, algo que a psicanálise
tornou possível de forma nova e intensificada. Não é desejável entrar em uma
jornada deste tipo, que começa na “selva escura” da introspecção72, a menos que
haja uma boa perspectiva de continuá-la até que se possa ver seu fim lógico. Neste
sentido, o médico deve ao menos ter uma visão clara do melhor resultado possível.
Posso reformular meu argumento da seguinte maneira: o método psicanalítico,
ao qual tanto devemos, não é simplesmente um meio de ensinar o paciente a tornar-
se intimamente familiarizado com sua própria história e motivações. A maioria
dos pacientes aprende por meio do tratamento a pensar racionalmente sobre os
fatos que eles observam, podendo ser conduzidos a realizar este raciocínio de um
modo mais ou menos profundo. Todo processo de raciocínio pode ser percorrido,
em termos gerais, sob uma ou alguma outra das três cabeças [three heads]73. A forma
mais simples de raciocínio é aquela na qual os objetos individuais são notados e
discriminados. Este é o raciocínio ordinário do chamado “bom senso”. Um homem
é um homem, uma vaca é uma vaca, “a maçã caindo não sugere uma lei universal
da natureza, mas um meio de gratificar um apetite individual”74. É, todavia, fato
interessante notar que as pessoas sem formação técnica em ciência ou filosofia, que
tomam os fatos da observação desta mesma forma, demonstram com frequência
uma maior clareza filosófica quando comparadas àquelas da outra classe, as
71 [N.T. Referência de Putnam à Divina comédia, obra atribuída ao poeta florentino Dante Ali-
ghieri (1265-1321)].
72 [N.T. “Selva oscura”, no original italiano, noção evocada por Dante nos primeiros versos do
canto primo da Divina comédia: “A meio caminho de nossa vida, eu me encontrava em uma
selva escura, tendo perdido a verdadeira estrada”. Putnam estabelece aqui um paralelo entre
a selva escura, definida metaforicamente pelo poeta italiano como um período crítico da vida
– marcado por uma crise de ordem moral e intelectual e por um consequente desvio do “bom
caminho” –, e o processo de introspecção que caracteriza o início do trabalho analítico. A voca-
ção moralizante do tratamento psicanalítico concebido por Putnam não poderia encontrar no
universo dantesco uma analogia mais adequada. Sobre a passagem de Dante em questão, ver
Alighieri, D. (1989). La divina commedia. Inferno. Florença: La Nouva Italia, 396 p., p. 4-5., com
os comentários de Natalino Sapegno].
73 [N.T. Provável referência ao trabalho do filósofo, diplomata e educador americano Nicholas
Murray Butler, cuja obra Philosophy, publicada em 1908, seria citada por Putnam mais adiante.
Fazendo menção a algumas noções extraídas de Platão e de Aristóteles, Butler afirma a existên-
cia no homem de “três estágios ou ordens de pensamento”. Na sequência, Putnam descreverá
cada um destes estágios ou ordens por meio de passagens que, apesar de algumas imprecisões,
podem ser consideradas como verdadeiras paráfrases do texto de Butler. A esse respeito, ver:
Butler, N.M. (1908). Phylosophy. New York: The Columbia University Press, 27 p., p. 9.].
74 Cf. Address on Philosophy, by Nicholas Murray Butler, Columbia University, 1908. [N.T. A
passagem em questão se encontra na página 10 do documento citado por Putnam: “A falling
apple suggests not a universal law of nature but a means of gratifying an individual appetite”. Butler
era na época presidente da Columbia University, nos Estados Unidos, e entre 1925 e 1945 fora
presidente da Fundação Carnegie pela Paz Internacional, tendo recebido em 1931 o Prêmio
Nobel da Paz].
daquilo que um homem fizer, ele o faz acompanhado da vaga consciência de que
seus atos são indistintamente fundamentados sobre o reconhecimento dos vínculos
que o ligam, enquanto ser moral, a todos os demais homens e com a fonte de
energia que subjaz o universo. A terceira forma de raciocínio transforma essa vaga
consciência em uma consciência mais clara; a leva para fora do subconsciente e a
traz para dentro de nosso campo de conhecimento e reconhecimento. Seria inútil
tentar fornecer aqui, nesta breve comunicação, uma descrição mais detalhada dos
pressupostos e das conclusões envolvidos nesta forma de raciocínio. Aqueles que
desejam estudá-los podem encontrar aí ampla oportunidade, e sem este estudo
seria impossível realmente conhecer a mente humana. Podemos, de fato, identificar
muitas das dificuldades [handicaps] das quais sofrem nossos pacientes, mas não
podemos simpatizar com os esforços pelos quais eles buscam se elevar a um plano
melhor.
A dura batalha que os líderes do movimento psicanalítico vêm enfrentando
tem sido uma luta baseada na observação rigorosa, ela mesma ligada, assim penso,
a uma simples fase da evolução. Eles têm trabalhado como estudantes de história
natural e não como filósofos pensadores e, na verdade, tenho pensado com frequência
no parentesco entre a atitude de Freud e a de Darwin. Mas Darwin, ainda que
tenha sido um grande líder, não teve sucesso em estabelecer todas as influências
envolvidas na modificação das espécies; e houve pensadores do mais alto mérito
que chegaram a sustentar que uma fraqueza significativa de sua doutrina reside em
seu escasso reconhecimento da influência da consciência e da vontade humana, por
mais irrepresentáveis [unpicturable] que fossem. O grupo daqueles cujas crenças
e argumentos, se bem conduzidos do ponto de vista lógico, os levariam à solução
deste problema, é maior do que parece. Contém não só homens como Bergson,
que faz de seu poussé vitale75 a influência controladora de cada etapa da evolução
biológica, e Judd, o hábil psicólogo de Chicago76, que recentemente escreveu sobre
a influência da consciência e da vontade na evolução da mente e das instituições
humanas, mas também os melhores representantes atuais da economia política,
que romperam definitivamente com as doutrinas laissez-faire de Ricardo e Adam
75 [N.T. Conceito associado à noção de Élan vital, desenvolvida em 1907 pelo filósofo francês
Henri Bergson na importante obra Évolution créatrice. A este respeito, ver a parte final do
primeiro capítulo da obra em questão, “De l’évolution de la vie – mécanisme et finalité”, onde o
conceito de Élan vital será diretamente abordado e discutido, em: Bergson, H. (1907). L’évolu-
tion créatrice. Paris: Felix Alcan, 403 p. Esta obra será citada por Putnam na versão alemã de seu
artigo].
76 [N.T. Charles Hubbard Judd (1873-1946), psicólogo e educador norte-americano, realizou
parte de sua formação na Universidade de Leipzig, sob a orientação de Wilhelm Wundt. Na
época, Judd era professor na Universidade de Chicago, tendo publicado em 1903 a obra Gene-
tic psychology for teachers. Em 1909, o mesmo autor fará uma comunicação diante da American
Psychological Association com o título “Evolução e consciência”, que será publicada um ano mais
tarde em: Judd, C.H. (1910). “Evolution and consciousness”, Psychological Review, 17, pp. 77-
97. Acreditamos que Putnam esteja fazendo referência a este artigo na passagem em questão].
77 [N.T. No original: “the people who do not see visions shall perish from the face of the earth”.
Referência de Putnam aos provérbios de Salomão, mais precisamente ao décimo-oitavo verso
do vigésimo-nono provérbio. Na passagem correspondente da versão inglesa da Bíblia do Rei
Jaime, podemos ler: “Where there is no vision, the people perish; but he that keepeth the law,
happy is he” (Onde não há visão, o povo perece; mas aquele que conserva a lei, feliz ele é). A
noção de “visão” deve ser entendida aqui no sentido de “revelação”, encontrando assim paralelo
na ideia de conhecimento irrepresentável].
cada ato, a mente toma distância de si mesma, apenas para voltar a si própria e se
redescobrir. A obscura realização deste processo de tomada de distância e de retorno
encontra sua expressão simbólica no fenômeno constante de recorrência a mitos
ligados ao Sol, assim como no esforço, no fracasso e na perseverança, observados
em muitos mitos de deuses e heróis. Não só os mitos em si mesmos são simbólicos;
os próprios instintos da infância, que têm sido atualmente usados para explicar os
mitos, são símbolos desses processos mentais mais profundos que se encontram por
detrás deles.
Nós, que praticamos a psicanálise, aprendemos a reconhecer muito bem o
significado do simbolismo. Devemos, então, mais que quaisquer outros, ser capazes
de perceber que estes elementos primários fundamentais, constituintes implacáveis
de cada ato mental, devem conter símbolos que são necessariamente mais profundos
que os demais.
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