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SEÇÃO ARTIGOS COMPLETOS/ COMPLETE PAPERS

MONITORAMENTO DA MICROBIOTA FÚNGICA ANEMÓFILA EM UNIDADE DE TERAPIA


INTENSIVA

MONITORING AIRBONE FUNGI IN THE INTENSIVE CARE UNIT AIRBONE FUNGI IN THE
HOSPITAL UNIT

1,2 1 1 1,2*
Lurdeti Bastos da Silva , Bárbara Sandi Pozzer , Camila Conzati Ecker , Melissa Orzechowski Xavier
1
Laboratório de Micologia. Faculdade de Medicina (FAMED). Universidade Federal de Rio Grande (FURG). Rio Grande,
RS, Brasil.
2
Programa de Pós Graduação em Ciências da Saúde (PPGCS). Faculdade de Medicina (FAMED). Universidade
Federal de Rio Grande (FURG). Rio Grande, RS, Brasil.
*Endereço para correspondência: Rua Prof. Carlos Henrique Nogueira, 268. Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil. CEP:
96020-560. E-mail: melissaxavier@ig.com.br

RESUMO
Este estudo teve como objetivo monitorar a aeromicrobiota fúngica filamentosa da Unidade de Terapia
Intensiva (UTI) de um Hospital Universitário (HU) do sul do Rio Grande do Sul, Brasil. A coleta das amostras
foi realizada semanalmente durante o período de um ano, utilizando a técnica de sedimentação. O estudo
contabilizou 450 amostras, das quais 60% (270/450) evidenciaram isolamento de fungos filamentosos.
Destas 270 amostras positivas (858 UFCs), 88% (n=237) foram identificados como hialohifomicetos (n=669
UFCs), 41,5% (n=112) como feohifomicetos (n=181 UFCs) e 2% (n=5) como zigomicetos (n=08 UFCs).
Dentre as amostras positivas para hialohifomicetos, em 40% (92/237) foram isolados fungos do gênero
Aspergillus (n=330 UFCs), sendo A. fumigatus isolado em 50% (46/92) do total de amostras positivas para
este gênero. O estudo comprovou a presença constante de fungos potencialmente patogênicos na
aeromicrobiota da UTI Geral do HU, evidenciando, nos períodos de reforma, a presença massiva do
Aspergillus fumigatus.
Palavras-Chave: fungos anemófilos; infecção nosocomial; doenças respiratórias; fungos filamentosos;
Aspergillus.

ABSTRACT
This study aimed to monitor the filamentous fungal aeromicrobiota in the Intensive Care Unit (ICU) of a
University Hospital (UH) from southern Rio Grande do Sul, Brazil. Samples were collected weekly during the
period of one year using the sedimentation technique. A total of 450 samples were collected in the present
study and 60% of them (270/450) were positive for the filamentous fungi isolation. Of these 270 positives
samples (858 CFU), 88% (n=237) were identified as hialohyphomycetes (n=669 CFU), 41,5% (n=112) as
pheohyphomycetes (n=181CFU) and 2% (n=5) as zygomycetes (n=08 CFU). Among the positive samples to
hialohyphomycetes, in 40% (92/237), the genus Aspergillus (n=330CFU) were isolated, being A. fumigatus
isolated in 50% (46/92) of the Aspergillus positive samples. This study confirmed the constant presence of
potentially pathogenic fungi in the ICU aeromicrobiota, showing the high concentration of Aspergillus
fumigatus in the periods of reform.
Key Words: airborne fungi; nosocomial infection; respiratory diseases; filamentous fungi; Aspergillus.

INTRODUÇÃO ambientais tais como: estação do ano,


umidade relativa do ar, pluviometria,
Os fungos anemófilos se caracterizam temperatura e pressão (1-7).
como fungos de dispersão aérea. Sua Muitos casos clínicos de asma e rinite
ocorrência é influenciada por fatores alérgica associada a mudanças climáticas

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estão intimamente relacionados à microbiota placas foram dispostas a uma altura de cerca
anemófila (2,5). Neste ínterim, Aspergilose de um metro e meio do chão em cinco
Broncopulmonar Alérgica e Asma Severa recintos da UTI, incluindo o expurgo
com Sensibilização aos Fungos emergem destinado à lavagem de material, o expurgo
como as principais síndromes clínicas destinado à eliminação de resíduos, área
decorrentes da hipersensibilização a coletiva de leitos, posto de enfermagem e
alérgenos fúngicos (2,5,8). Tais álérgenos leito de isolamento. Foi distribuída uma placa
pertencem a várias categorias como por recinto, durante os períodos da manhã e
proteases, glicosidades, componentes de tarde, totalizando 10 coletas por dia, sendo
produção de proteínas, proteínas de resposta que, no período da manhã as coletas
ao estresse oxidativo e enzimas, substâncias precederam a rotina diária de higienização e
capazes de causar lesão às vias aéreas. desinfecção de superfícies, enquanto que, no
Todo este arsenal alérgeno provoca reações período da tarde, as amostras foram
de hipersensibilidade que podem ser coletadas posteriormente à higienização da
desencadeadas por múltiplos antígenos, unidade.
incluindo antígenos recombinantes de As amostras coletadas foram
diversos gêneros fúngicos (5,9,10). incubadas a 25°C com observação diária do
Além dos quadros alérgicos, os cultivo. Após sete dias, foram realizadas
fungos anemófilos desempenham um papel avaliações macro e micromorfológicas para
relevante como agentes de infecções identificação fúngica e contagem das
oportunistas invasivas nosocomiais (11,12). Unidades Formadoras de Colônias (UFC). A
Neste contexto, Aspergillus fumigatus se partir das características morfológicas os
destaca como o patógeno responsável por fungos filamentosos foram identificados e
mais de 80% das infecções fúngicas categorizados como zigomicetos, demáceos
oportunistas invasivas de sítio respiratório, ou hialohifomicetos. Dentre os
das quais a Aspergilose Pulmonar Invasiva hialohifomicetos, foram identificadas e
(API) emerge como infecção prevalente em quantificadas as colônias do gênero
pacientes de UTI (11-13). Aspergillus.
Sob a perspectiva de contribuir com As variáveis estudadas quanto ao
as estratégias para gestão de riscos isolamento fúngico foram estação do ano,
ambientais para a saúde no ambiente higienização, tipo de ventilação (ventilação
hospitalar este estudo teve como objetivo natural com janelas abertas ou artificiais por
pesquisar a aeromicrobiota fúngica ar-condicionado), áreas funcionais de
filamentosa de uma unidade de terapia assistência ao paciente e períodos de
intensiva como proposta de cunho preventivo reforma e construção hospitalar em áreas
de doenças respiratórias no ambiente crítico. contíguas a UTI. Os dados foram
computados e para análise estatística dos
METODOLOGIA resultados foi utilizado o teste de qui-
quadrado para variáveis categóricas e
O estudo se desenvolveu na Unidade Kruskal-Wallis para variáveis quantitativas,
de Terapia Intensiva (UTI) Adulto do Hospital seguido da comparação múltipla LSD das
Universitário da Universidade Federal do Rio médias das ordens quando cabível, a partir
Grande, RS, Brasil, a qual comporta seis do programa SPSS 19.0. O projeto foi
leitos, dispostos em uma área de 217m² aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa
atendendo, anualmente, cerca de 180 na Área da Saúde da Universidade Federal
usuários pelo Sistema Único de Saúde (SUS) do Rio Grande - CEPAS/FURG (Projeto
do Município do Rio Grande e região sul do nº404513/2010). Ata de aprovação nº
Estado. 15/2010.
O monitoramento da aeromicrobiota
fúngica filamentosa ocorreu semanalmente, RESULTADOS E DISCUSSÃO
durante o período de um ano, de março de
2011 à março de 2012, utilizando a técnica A investigação científica sobre a
de sedimentação (Setlle Plate) com microbiota fúngica anemófilada da UTI-Geral
exposição por 15 minutos de placas de Petri do HU resultou em 450 amostras coletadas
contendo Ágar Sabouraud dextrose no período de um ano (março de 2011 a
acrescido de cloranfenicol (0,01mg/ml). As março de 2012), das quais 60% (270/450)

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apresentaram resultado positivo para 2% (n=5). Fungos demáceos foram mais
isolamento de fungos filamentosos viáveis. isolados no outono (p<0,001) em períodos
Neste estudo foi observado que as estações isentos de reforma e construção (p=0,04) e
de outono e inverno apresentaram número em períodos de ventilação artificial (p=0,03).
significativamente maior de amostras O número de amostras positivas para o
positivas e o verão apresentou o menor isolamento de hialohifomicetos foi
número (p<0,001). significativamente maior em períodos isentos
Das 270 amostras positivas para de reforma hospitalar (p=0,003), em períodos
fungos filamentosos, hialohifomicetos foram de ventilação natural (p=0,028) e nas
isolados em 88% (n=237), feohifomicetos em estações mais frias do ano (p<0,001) (Tabela
41,5% (n=112) e zigomicetos em cerca de 1).

Tabela 1. Número de amostras positivas (NAP) e de UFC para isolamento de fungos anemófilos
na UTI-Geral, de acordo com as variáveis estudadas.
Total Hialohifomicetos Feohifomicetos Zigomicetos
VARIÁVEIS NAP (UFC) NAP (UFC) NAP (UFC) NAP (UFC)
270 (858) 237 (669) 112 (181) 5 (8)
RECINTO
R1 (n=90) 53a (167) 49a (127) 23a (40) 0a (zero)
R2 (n=90) 56a (162) 49a (121) 26a (41) 0a (zero)
R3 (n=90) 60a (236) 53a (186) 26a (48) 1a (2)
R4 (n=90) 58a (158) 48a (129) 21a (27) 2a (2)
R5 (n=90) 43a (135) 38a (106) 16 a (25) 2a (4)
VENTILAÇÃO
Artificial (n=210) 118a (321) 100a (204) 61a (110) 4a (7)
Natural (n=240) 152a (537) 137b (465) 51b (71) 1a (1)
HIGIENIZAÇÃO
Pré (n=225) 137a (418) 121a (338) 55a (74) 4a (6)
Pós (n=225) 133a (440) 116a (331) 57a (107) 1a (2)
ESTAÇÃO DO ANO
Outono (n=120) 93a (266) 74a (162) 54a (99) 3a (5)
Inverno (n=130) 86ab (365) 80ab (312) 31b (52) 1a (1)
Primavera (n=100) 61b (168) 55b (143) 20b (23) 1a (2)
Verão (n=100) 30c (59) 28c (52) 7c (7) 0a (zero)
REFORMA HOSPITALAR
Sim (n=190) 123a (486) 115a (432) 39a (51) 2a (3)
Não (n=260) 147a (372) 122b (237) 73b (132) 3a (5)
R1 expurgo (lavagem de material), R2 expurgo (eliminação de resíduos), R3 área coletiva de leitos, R4
posto de enfermagem e R5 leito de isolamento. Letras iguais correspondem a valores sem diferença
significativa considerando a variável em questão e letras diferentes correspondem a valores com p<0,05.

Quanto a contagem de UFCs fúngicas somente sofreu interferência significativa da


viáveis, foi observado um total de 858 UFCs variável sazonalidade, sendo que, cerca de
nas 270 amostras positivas, das quais, 78% 75% (631/858) das UFCs fúngicas do
eram representadas por hialohifomicetos ambiente foram isoladas nas estações mais
(n=669 UFC), 21% (n=181 UFC) por fungos frias do ano (p<0,001).
demáceos e aproximadamente 1% (n=08 Comparando o grupo dos
UFC) por zigomicetos. A quantidade de hialohifomicetos com o dos feohifomicetos,
UFCs dos fungos filamentosos em geral as variáveis estudadas tipo de ventilação e

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reforma hospitalar assumiram influência totalizando 330 UFCs. Considerando o tipo
inversa no aspecto quantitativo das de ventilação da unidade, o isolamento deste
amostras, representando um número de gênero foi representado por um número
UFCs de hialohifomicetos maior nos períodos maior de amostras positivas (65%) (p=0,007)
de ventilação natural (465/669) e de reforma e de UFCs isoladas nos períodos de
hospitalar (432/669) enquanto que o número ventilação natural (282/330) (p=0,004). O
de UFCs de fungos demáceos foi maior em período de reforma hospitalar representou
períodos de ventilação artificial (110/181) e 66% (61/92) das amostras positivas para
na ausência de reforma hospitalar (132/181) Aspergillus spp. (p<0,001) bem como uma
(Tabela 1). Com relação à sazonalidade, a quantidade significativamente mais elevada
menor concentração de UFCs tanto de (285/330) (p<0,001) de UFCs deste gênero
hialohifomicetos (52/669) quanto de fungos isoladas. As estações de inverno e primavera
demáceos (07/181) foi obtida na estação de representaram 72% (66/92) das amostras
verão (p<0,001) (Tabela 1). positivas, com maior número de UFCs de
Dentre as amostras positivas para Aspergillus spp. no ambiente (p<0,001)
hialohifomicetos, em cerca de 40% (92/237) (Tabela 2).
foram isolados fungos do gênero Aspergillus,

Tabela 2. Número de amostras positivas (NAP) e de UFCs para isolamento de fungos do gênero
Aspergillus viáveis na aeromicrobiota da UTI-Geral do HU de acordo com as variáveis estudadas
(n total= 92 NAP/330 UFCs)
Aspergillus spp. Aspergillus spp. A. fumigatus A .fumigatus
Variáveis
(NAP=92) (UFC=330) (NAP=46) (UFC=139)
RECINTO
R1 (n=90) 19a 47a 13a 17a
R2 (n=90) 15a 54a 4a 4b
R3 (n=90) 25a 110a 12a 42a
R4 (n=90) 21a 69a 10a 37a
R5 (n=90) 12a 51a 7a 38a
VENTILAÇÃO
Artificial (n=210) 32a 48a 13a 20a
Natural (n=240) 59b 282b 33b 119b
HIGIENIZAÇÃO
Pré (n=225) 44a 151a 20a 74a
Pós (n=225) 48a 179a 26a 65a
ESTAÇÃO DO ANO
Outono (n=120) 20a 29a 2a 3a
Inverno (n=130) 37b 190b 15b 33b
Primavera (n=100) 29b 105b 26c 100c
Verão (n=100) 6c 6c 3a 3a
REFORMA HOSPITALAR
Sim (n=190) 61a 285a 41a 132a
Não (n=260) 31b 45b 5b 7b
R1 expurgo (lavagem de material), R2 expurgo (eliminação de resíduos), R3 área coletiva de leitos, R4
posto de enfermagem e R5 leito de isolamento. Letras iguais correspondem a valores sem diferença
significativa considerando a variável em questão e letras diferentes correspondem a valores com p<0,05.

Aspergillus fumigatus foi isolado em para fungos do gênero Aspergillus,


50% (46/92) do total de amostras positivas totalizando 139 UFC. A maior frequência de
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isolamento desta espécie (57%, 26/46) O ambiente estudado se trata de uma
(p<0,001) bem como a maior quantidade de área crítica de acesso restrito com grande
UFCs isoladas (100/139) (p<0,001) ocorreu movimentação de pessoas atuando na
na primavera (Tabela 2). As variáveis assistência ao paciente, convivendo em um
caracterizadas como área funcional de ambiente controlado, sob ventilação natural
assistência ao paciente e higienização da (quando o ar condicionado não está
unidade não apresentaram influência disponível) ou artificial cujos condicionadores
significativa no isolamento de A. fumigatus. de ar não possuem filtros de alta eficiência
No entanto, 89% (41/46) das amostras (High-efficiency particulate absorption -
positivas para este gênero ocorreu em HEPA). Sendo assim, a maior frequência de
períodos de reforma (p<0,001), com uma hialohifomicetos observada dentre o total de
quantidade significativamente maior de UFCs isolados é explicada pelo fato dos fungos
neste período (132/139) (p<0,001). Da hialinos, principalmente do gênero
mesma forma, na variável tipo de ventilação Aspergillus se adaptarem e prevalecerem em
72% (33/46) das amostras positivas para A. ambientes fechados (1, 5,14).
fumigatus ocorreram nos períodos de Neste ínterim, a presença massiva
ventilação natural (p=0,008) apresentando representada pelo gênero Aspergillus aponta
um maior número de UFCs neste período para o risco potencial de desenvolvimento
(119/139) (p=0,007). Dentre as demais das síndromes clínicas descritas como
espécies potencialmente patogênicas deste doenças ocupacionais de hiperreatividade
gênero isoladas, A. nidulans representou aos epítopos fúngicos, aos quais a equipe de
17% das amostras positivas e A. niger 2%. profissionais está exposta, tais como:
Rinossinusite Fúngica Alérgica (4,15)
DISCUSSÃO Aspergilose Broncopulmonar Alérgica (2,16)
e Asma Severa com Sensibilização a Fungos
A relação entre os níveis de (5,8,14). Em adição, cabe salientar a
exposição a fungos anemófilos e o aumento relevância dos anemófilos na epidemiologia
da incidência das doenças respiratórias de das infecções fúngicas invasivas em
etiologia fúngica em Unidade de Terapia pacientes imunossuprimidos, multi-invadidos
Intensiva, alerta para a relevância destes e submetidos à terapia antimicrobiana de
agentes no panorama epidemiológico das amplo espectro, quimioterápicos e
doenças do trato respiratório nos serviços de corticosteroides (11-13,17).
atenção à saúde pública (11). Neste Embora a unidade estudada não seja
contexto, a proposta de monitoramento uma unidade que se caracterize como uma
ambiental da UTI Geral do HU possibilitou a unidade de transplantes com pacientes
descrição parcial do perfil da aeromicrobiota neutropênicos, nela encontram-se internados
fúngica local, observando a prevalência de pacientes oncológicos, pacientes com
fungos filamentosos hialinos e demáceos. A Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica e
alta prevalência detectada destes fungos no aqueles acometidos da Síndrome da
ar resulta da sua ampla habilidade de Imunodeficiência Adquirida (HIV/AIDS),
produção de conídios e exploração de considerados como o segundo grupo de risco
substratos orgânicos, assim como, da sua para infecções oportunistas de cunho
capacidade de disseminação pelas correntes invasivo. Diante deste perfil é relevante
aéreas (1, 3, 5-7,14). considerar a estimativa de Meeserman
Considerando a relevância clínica de (2007), (18) baseada em achados de
tais agentes nas exacerbações alérgicas do necropsia, os quais evidenciam que 50%
trato respiratório (asma, rinite e sinusite) e dos casos de API ocorrem em pacientes com
sabendo que cerca de 50% dos pacientes Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica,
sob cuidados intensivos apresentam teste enquanto que os neutropênicos representam
cutâneo positivo para um ou mais alérgenos de 10 a 15% dos casos. Sob esta
de fungos5, a exposição ambiental perspectiva, a prevalência do A. fumigatus
evidenciada no estudo aponta para o risco de dentre os isolados do gênero Aspergillus
desenvolvimento das afecções respiratórias evidenciada no estudo remete ao potencial
alérgicas em pacientes predispostos risco para Aspergilose Pulmonar Invasiva,
internados nesta unidade (1, 5,8,14). emergente como infecção oportunista em

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pacientes submetidos à terapia intensiva (11- em que a umidade relativa do ar é elevada e
13,16,18-20). a intensidade dos ventos provoca o aumento
A área funcional de assistência ao da disseminação dos propágulos (2, 5, 8)
paciente possui inter-relação com o ambiente conforme relatado em estudos sobre o
externo por intermédio de janelas, as quais acréscimo da demanda em setores de
permitem a migração dos propágulos emergência para casos de asma grave com
fúngicos para o interior da UTI. Esta pode ser sensibilização a fungos e morte por asma
provavelmente, a causa da prevalência de (8,22).
fungos hialinos nos períodos de ventilação No entanto, o fator de risco ambiental
natural (1, 2,5). Considerando que o sistema predominante para o desenvolvimento dos
de ventilação artificial é de distribuição surtos de doenças respiratórias,
central e, no suprimento o ar percorre principalmente API é a reforma e construção
galerias chegando à unidade pelas aberturas hospitalar. Nestes eventos, o aumento da
do teto, se presume uma ampla concentração das partículas aéreas favorece
disseminação de bioaerossóis pelas a dispersão de bioaerossóis potencialmente
correntes aéreas, de modo que o paciente patogênicos no ambiente e consequente
internado no leito de isolamento permanece disseminação dos propágulos fúngicos
tão exposto quanto àqueles internados na infectante (1, 23,24). Estes dados convergem
área coletiva de leitos. Entretanto, nos aos resultados encontrados na presente
períodos de ventilação artificial foi observado investigação de anemófilos realizada na UTI
um maior número de amostras positivas para Geral do HU-FURG, cujos isolados de A.
fungos demáceos. Estes fungos se fumigatus, patógeno oportunista responsável
caracterizam por apresentarem pela doença, prevaleceram
macroconídios de massa molecular maior significativamente nos períodos de reforma.
que os hialohifomicetos, permanecendo por Nestes períodos, o aumento da concentração
menor tempo em suspensão aérea com de propágulos fúngicos no ambiente pode
deposição mais rápida na superfície, seu determinar a ocorrência de surtos
elevado potencial hidrofílico e taxa de nosocomiais facilitando a colonização do
crescimento lento determinam a sua trato respiratório pelo A. fumigatus nos
prevalência em ambientes úmidos (3). pacientes internados na UTI, submetidos à
O monitoramento da microbiota ventilação mecânica (23,24). A supressão do
anemófila descreveu a sazonalidade como sistema mucociliar e as alterações estruturais
fator de relevância no isolamento fúngico das vias aéreas decorrentes do
com características peculiares para cada procedimento invasivo, somadas a
gênero. Tais resultados estão em imunossupressão e exposição ambiental ao
consonância com estudo prévio realizado em patógeno, predispõem a infecção (13, 19,
diversos setores deste mesmo hospital (6). 20).
Da mesma forma, de acordo com uma Considerando que a colonização ou
investigação utilizando técnica semelhante infecção pelos propágulos fúngicos ocorre
realizada por Sales et al (2011) (7) em prioritariamente por via inalatória, as
unidade crítica hospitalar, foi observado um estratégias para a gestão de riscos têm como
maior número de UFCs fúngicas viáveis no prioridade minimizar a exposição do paciente
ar na estação do outono. Em contraponto, há ao patógeno a partir do controle sistemático
estudos que associam as estações de das condições estruturais e organizacionais
primavera e verão aos quadros de da área de assistência ao paciente crítico
exacerbação da sintomatologia respiratória (24,25). Para este fim, o monitoramento
relacionada à intensa proliferação de fungos ambiental é preconizado e inclui contagem
no ambiente (6,21). de partículas fúngicas dispersas por dia a
Sobre este aspecto, é coerente partir da amostragem do ar, medições
destacar que a exacerbação dos sintomas da frequentes dos diferenciais da pressão de
asma possui características sazonais, ventilação e monitoramento de casos clínicos
frequentemente relacionadas ao clima frio de aspergilose e outras infecções fúngicas
e/ou devido ao aumento dos níveis de invasivas para identificar tendências na
aeroalérgenos suspensos nas épocas do ano suspeita de surtos (26).
O estudo comprovou a presença
CONCLUSÃO constante de fungos potencialmente

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patogênicos na aeromicrobiota da UTI Geral equipe funcional, evidenciando, nos períodos
do HU, demonstrando a prevalência de de reforma, a presença massiva do
fungos filamentosos hialinos e demáceos e Aspergillus fumigatus.
consequente exposição dos pacientes e

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Enviado: 22/10/2015
Revisado: 19/11/2015
Aceito: 20/04/2016

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