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Resenha Crítica

O artigo “Mandando Montesquieu às favas: o caso do não cumprimento dos


preceitos constitucionais de independência dos três poderes da república” publicado em 2011
na Revista de Administração Pública (RAP) propõe analisar como a tripartição de poderes
abordada na Constituição Federal (CF) de 1988 tornou-se um processo descontrolado quanto
as atribuições e competências de cada poder. Além disso, avalia os impactos causados nas
formulações e implementações de políticas públicas. Para atingir seu objetivo o autor realiza
uma pesquisa bibliográfica e dados secundários sobre esta temática.
O artigo em questão está estruturado em seis tópicos: Introdução; As transações
entre os poderes do Estado: de Aristóteles a Montesquieu; Características gerais do
presidencialismo brasileiro; Quando o Executivo usurpa o poder legiferante; Quando o
Judiciário usurpa o poder legiferante; e Algumas considerações críticas. O texto foi
estruturado de forma a introduzir o leitor na ideia central e objetivo do texto, realizando uma
análise do funcionamento do sistema político brasileiro e o modelo tripartite de poderes. Para
isso o autor remete a sugestões de divisões de poderes realizadas por Aristóteles, Locke e
Montesquieu. Em seguida realiza algumas considerações sobre o presidencialismo, elencando
algumas características e alguns pontos para reflexão sobre inconsistências existentes. Com
toda fundamentação realizada, o autor passa a analisar a usurpação das competências
realizadas entre o Poder Executivo e o Legislativo, e o Poder Judiciário e o Legislativo.
Finalizando assim com algumas considerações críticas sobre a temática abordada.
O autor inicia o texto criticando como o Brasil possui um sistema de governo
presidencialista, porém, com características marcantes do parlamentarismo. Sugerindo,
portanto, através de seus referenciais uma ingovernabilidade, devido não só ao excesso de
competências da União, consagrada na CF de 1988, mas principalmente após a ratificação da
escolha do presidencialismo como sistema de governo. A partir disso, o autor identifica
diversas deficiências e limitações no sistema político brasileiro, considerando como mais
graves as competências e atribuições atípicas dos poderes.
Conforme explicita o autor, o principal objetivo da separação de poderes estatal é
a mitigação da tirania por parte do governante. Pensamento compartilhado por diversos
autores, entre eles, Aristóteles, que sugere a existência de três poderes, onde o legislador
prudente deveria garantir um bom governo, onde houvesse ordem e bem-estar social. Em
seguida o autor remete a Locke e seu posicionamento sobre a bipartição de poderes, dividindo
em Legislativo e Executivo. Para Locke o Legislativo teria atribuições direcionadas para ação
do Estado na defesa da comunidade através da elaboração de leis; o poder Executivo teria
basicamente três funções: executiva (garantir a execução das leis), federativa (política e
relações internacionais) e a política (agir em prol do bem público). O autor identifica que
neste modelo existe supremacia do poder Legislativo sobre o Executivo. E por fim, o texto
remete a visão de Montesquieu de modelo tripartite de poderes, separando em Legislativo,
Executivo das coisas que dependem do direito da sociedade, e Executivo relacionado ao
direito civil. Montesquieu defende que a liberdade dos poderes deve ser limitada pela
liberdade dos demais, garantindo assim a mitigação do abuso do poder. Após essa abordagem
o autor remete ao sistema de governo presidencialista demonstrando quais são as suas
principais características, destacando-se: tripartição de poderes elaborada por Montesquieu;
Presidente como chefe de Estado e chefe de Governo; Eleição popular; Independência entre
Executivo e Legislativo; e possibilidade de responsabilização penal e política do Presidente da
República. Apesar desta separação e independência entre os poderes Executivo e Legislativo,
o autor critica a necessidade de articulações entre estes poderes, visto que para realizar suas
principais atividades, há uma considerável dependência. Como exemplo, o autor nos traz a
aprovação de leis elaboradas pelo chefe do Executivo, que precisa de maioria parlamentar
para que o projeto saia vitorioso. A formação dessa maioria parlamentar é dificultada por
algumas questões, elencadas a seguir pelo autor. Primeiramente é citado o multipartidarismo
em um sistema bicameral é um dos principais pontos, visto que o Brasil possui diversos
partidos políticos ativos, sendo este número elevado para obtenção de maioria no parlamento.
Em segundo lugar o autor considera as alianças e coligações políticas ferramentas de ocasião,
de caráter imediatista, e sem reais intenções de formulações de políticas que atendam ambas
as linhas de pensamento. Em seguida o autor retoma a articulação entre o Executivo e
Legislativo, pois cita que a formação ministerial são arranjos multipartidários, tendo que o
chefe do executivo barganhar cargos para dar cumprimento as suas atividades. E por fim,
demonstra-se a necessidade de uma cláusula de barreira, como ferramenta que garanta um
maior equilíbrio na quantidade de partidos políticos ou coligações parlamentares. Este
mecanismo legal estabeleceria uma quantidade mínima de votos para assegurar a existência
de partidos ou coligações. O autor aborda a lei 9.096/1995 que tentou assegurar esta cláusula
de barreira, porém o Supremo Tribunal Federal (STF) considerou inconstitucional. Por todos
os pontos elencados, o autor sugere que o Brasil é um país de “presidencialismo de coalizão”,
demonstrando ser um sistema de governo instável e de alto risco.
Com a elucidação do modelo tripartite e funcionamento do sistema de governo
presidencialista brasileiro, o autor propõe analisar como o Poder Executivo e o Poder
Judiciário usurpa o Poder Legislativo. Para isso, ele analisa inicialmente que a função
legislativa abrange sete espécies normativas, das quais uma delas demonstra a usurpação do
Poder Executivo: as medidas provisórias (MPs). A CF de 1988 prevê que o Poder Executivo
poderá adotar medidas provisórias em caso de urgência e relevância, ou seja, sempre que
houver necessidade de agir de forma que a eficácia, eficiência e efetividade da gestão pública
não seja prejudicada. Para o autor, esta é a principal forma de usurpação do poder, e seu
pensamento é fundamentado não somente por esta previsão legal, mas principalmente pelo
histórico dos governos Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) e Lula (2003-2010) que
tiveram uma média mensal de 3,47 e 4,31 MPs editadas, respectivamente. O autor sugere
então uma reflexão sobre o uso das MPs se realmente são mecanismos utilizados em caso de
urgência ou se foram utilizados conforme conveniência do chefe do executivo. Sugere
também uma dupla irresponsabilidade que os poderes delegam, o Executivo implica que o
Legislativo não age tempestivamente, e o Legislativo alega que o Executivo usurpa as suas
prerrogativas. Em relação ao Judiciário, há a mesma dupla irresponsabilidade citada
anteriormente, onde o Judiciário age devido a falta de atualização da lei, ou inexistência de
previsões legais. Além disso, o autor aborda alguns casos específicos, como o número de
representantes nas câmaras municipais e as alianças e coligações de conveniência. O primeiro
caso o autor remete a casos de municípios que atendendo a CF de 1988, aumentaram o
número de vereadores de 9 para 21 (Município de Erechim), mas devido a limitações
orçamentárias, o Ministério Público entrou com ações judiciais para retomar o número de 9
vereadores. O STF acatou a ação do Ministério Público solicitando a Câmara de Vereadores
voltar ao número inicial, alegando ferir o princípio da moralidade. O segundo caso, o autor
remete a verticalização das coligações partidárias, objeto de questionamento pelo legislativo,
que buscava seu fim, porém, o Tribunal Superior Eleitoral, por considerar que os partidos
políticos possuem caráter nacional, negou a solicitação. Desta forma, o Congresso Nacional
aprovou a Emenda Constitucional nº 52 em 2006, que acabava com a verticalização. Ainda
assim, houve manifestação do STF que considerou válida apenas para eleições posteriores a
2006.
O autor conclui o texto realizando algumas críticas e considerações sobre o tema,
refletindo principalmente sobre o motivo da usurpação de poderes sobre o Legislativo. Seus
argumentos são que existem matérias que em razão da sua complexidade e dinamicidade não
devem ser trazidas em textos constitucionais, como exemplo, regulação das taxas de juros.
Além disso, o autor acredita que alguns procedimentos legislativos facilitam os desvios de
conduta e fazem os parlamentares agirem em causa própria, como: lista aberta na votação,
valorizando o candidato e não o partido; exclusão de votos nulos e brancos, para estabelecer o
quociente eleitoral; proporcionalidade plena para as cadeiras do parlamento; foro privilegiado.
Desta forma, o autor identifica que as interferências dos outros poderes decorrem de um fato
originário, sendo de extrema importância uma reforma política, que aparenta ser utópica
devido a sua elaboração ocorrer do próprio legislativo. Por fim, o autor aborda outros casos de
usurpação de poderes como entre o Judiciário e o Executivo, ilustrando através de exemplo
esta interferência.
O artigo possui grande relevância, pois demonstra como os dispositivos legais não
tem sido suficiente, ou tem sido distorcidos ou interpretados ambiguamente conforme
conveniência de poderes. Além disso, demonstra a utopia de uma tripartição de poderes no
Brasil, onde deveria haver nem concentração nem separação absoluta de poderes. O autor
realizou uma análise de importantes autores sobre o tema de separação de poderes, mas não
desenvolveu seu pensamento na conclusão. Houve falta de consideração sobre a existência ou
não da tirania abordada por Aristóteles no modelo tripartite e pontuação das divergências
entre o modelo proposto por Montesquieu e aplicação no Brasil. O autor também sugeriu
explicitar os impactos causados nas formulações e implementações de políticas públicas que
as interferências entre poderes causam, porém, trouxe uma abordagem muito sintética sobre o
tema. A Constituição Federal, no seu título IV, artigo 44 ao 135, aborda como ocorre a
organização dos poderes, demonstrando o funcionamento, atribuições, processos,
responsabilidades, entre outros dispositivos, dos poderes e órgãos, como Ministério Público e
Advocacia (BRASIL, 1988). Como abordado pelo texto a própria CF de 1988 prevê
interferências entre poderes, sendo estas executadas as vezes pela ineficiência do parlamento,
as vezes pela praticidade em contornar a situação pelos demais poderes. Para o autor, o
sistema de governo presidencialista pautado por fundamentos legais parlamentarista é o
principal motivo destas divergências. Salto e Almeida (2016) corroboram do pensamento do
autor quando as coalizões partidárias e as consequências advindas dela, como agendas
modificadas conforme conveniências, autorizações legislativas, entre outros. Limongi (2006)
considera que o nosso sistema de governo é um presidencialismo de coalizão. A forma
proposta por nossa constituição corroborou para isso, e hoje, as coalizões são necessárias para
um bom andamento da governabilidade (LIMONGI 2006; SALTO E ALMEIDA, 2016).
A artigo foi elaborado por três autores, onde o principal (primeiro autor) é Ivan
Antônio Pinheiro, Professor associado do Programa de Pós-Graduação em Administração da
Escola de Administração da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Possui
Doutorado em Administração pelo PPGA/EA/UFRGS. Possui mais de 40 artigos e 5 livros
publicados, com temas diversificados, mas todos na área de Administração. Suas áreas de
interesses estão divididas no setor público e no setor privado, sendo elas, respectivamente,
estrutura, funcionamento e Reformas do Estado, políticas públicas, regulação, PPP e outros
arranjos cooperativos; gestão da criatividade e inovação, estruturas e processos
organizacionais, gestão da produção e da qualidade total. Atua como palestrante e revisor de
periódicos nacionais como: Revista de Administração Pública, Revista de Administração de
Empresas, Revista Eletrônica de Administração, entre outros, bem como de Congressos e
Seminários nacionais e internacionais.
DIEGO FILLIPE DE SOUZA
Mestrado Profissional em Administração Pública – PROFIAP Semestre 2016.1

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Promulgada em 05 de


outubro de 1988. Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em:
15 Abr. 2017.
LIMONGI, Fernando. A democracia no Brasil: presidencialismo, coalizão partidária e
processo decisório. Novos estud. - CEBRAP, São Paulo , n. 76, p. 17-41, Nov. 2006 .
Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?
script=sci_arttext&pid=S010133002006000300002&lng=en&nrm=iso>. Acessado em: 15
Abr. 2017

PINHEIRO, Ivan Antônio; VIEIRA, Luciano José Martins; MOTTA, Paulo Cesar Delayti.
Mandando Montesquieu às favas: o caso do não cumprimento dos preceitos constitucionais de
independência dos três poderes da república. Revista de Administração Pública, v. 45, n. 6,
p. 1733-1759, 2011. Disponível em <
http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rap/article/view/7057>. Acesso em: 13 Abr. 2017

SALTO, Felipe; ALMEIDA, Mansueto (org.) Finanças Públicas: da contabilidade criativa


ao resgate da credibilidade. São Paulo: Record, 2016.

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