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mudanças climáticas
Vo l u m e 1 - P r i m e i r o r e l at ó r i o d e ava l i a ç ã o n a c i o n a l
Erico Leiva
Fabiana Soares
Unidade de Apoio Técnico do Grupo de Trabalho 1
Papier Brasil
Revisão ortográfica
Duoeme Brasil
Projeto gráfico
Ficha Técnica
PBMC, 2014: Base científica das mudanças climáticas. Contribuição do Grupo de Trabalho 1 do
Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas ao Primeiro Relatório da Avaliação Nacional sobre Mu-
danças Climáticas [Ambrizzi, T., Araujo, M. (eds.)]. COPPE. Universidade Federal do Rio de Janeiro,
Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 464 pp.
ISBN: 978-85-285-0207-7
4 VOLUME 1
ÍNDICE GERAL
SUMÁRIO EXECUTIVO 9
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 23
8 VOLUME 1
SUMÁRIO EXECUTIVO
Os Relatórios de Avaliação elaborados pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas
(IPCC) têm destacado, progressivamente, o papel das forçantes antrópicas sobre o processo de aquecimento
global. Estas avaliações baseiam-se na análise acumulada de grandes quantidades de dados observacionais,
sobre os quais são utilizadas técnicas mais ou menos sofisticadas visando à compreensão dos mecanismos
atuantes e das margens de incerteza em suas determinações.
Ciente do potencial de contribuição do Brasil para a compreensão das mudanças climáticas globais,
e da necessidade de uma abordagem nacionalizada sobre o tema, foi instituído em Setembro de 2009 o
Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC). O PBMC é um organismo científico nacional criado pelos
Ministérios da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e do Meio Ambiente (MMA). Com estrutura espelha-
da no Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, o PBMC objetiva fornecer avaliações científicas
sobre as mudanças climáticas de relevância para o Brasil, incluindo os impactos, vulnerabilidades e ações
de adaptação e mitigação. As informações científicas levantadas pelo PBMC são sistematizadas por meio de
um processo objetivo, aberto e transparente de organização dos levantamentos produzidos pela comunidade
científica sobre as vertentes ambientais, sociais e econômicas das mudanças climáticas. Desta forma, o Painel
poderá subsidiar o processo de formulação de políticas públicas e tomada de decisão para o enfrentamento
dos desafios representados por estas mudanças.
As sínteses de cada Capítulo são apresentadas a seguir, e foram organizadas de modo a responder a
questões-chaves específicas de cada domínio da pesquisa. O conjunto das respostas a estas questões forma
a primeira contribuição do Grupo de Trabalho 1 (GT1) – Base Científica das Mudanças Climáticas para o
Primeiro Relatório de Avaliação Nacional (RAN1) do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas.
Esta questão é abordada no Capítulo 2 do GT1. Conforme apresentado a seguir, os resultados des-
critos revelam o grande impacto da variabilidade interanual, que pode produzir alterações por um fator maior
que quatro nas chuvas sazonais em certas regiões, como a Amazônia.
Estudos de tendência da temperatura utilizando dados de estação sobre a América do Sul limitam-
-se, na sua maioria, ao período entre 1960-2000. Os resultados mais significativos referem-se às variações
de índices baseados na temperatura mínima diária, que indicam aumento de noites quentes e diminuição
de noites frias na maior parte da América do Sul, com consequente diminuição da amplitude diurna da
temperatura, especialmente na primavera e no outono. Estes resultados são mais robustos para as estações
localizadas nas costas leste e oeste dos continentes e são confirmados para séries em períodos mais longos.
10 VOLUME 1
e o centro-oeste e leste do Brasil limitam o estabelecimento de conclusões acuradas para estas regiões usan-
do dados de estação. Estudos recentes mostraram que fatores como mudança de uso da terra e queima de
biomassa podem influenciar a temperatura nestas regiões, sobretudo na Amazônia e no Cerrado; porém a
magnitude e extensão espacial do sinal de longo prazo dessas influências sobre a temperatura em superfície
ainda precisam ser investigados. Conforme será discutido nas próximas seções, o efeito da mudança de uso
da terra e da liberação de calor antrópico nos grandes centros urbanos, conhecido como ilha de calor urba-
na, podem ser importantes agentes contribuindo para o aumento da temperatura média global.
Dados de reanálises, desde 1948, fornecem evidência de aumento de temperatura em baixos níveis
na atmosfera de forma mais acentuada em direção aos trópicos do que nos subtrópicos da América do Sul
durante o verão austral. Neste caso, a temperatura média anual de superfície nos trópicos tem apresentado
tendência positiva desde então, enquanto nos subtrópicos há tendência negativa desde meados da década
de 1990. O aumento da temperatura também foi verificado sobre o Atlântico Tropical, sugerindo que pos-
sam ter ocorrido mudanças no contraste oceano-atmosfera e, portanto, no desenvolvimento do sistema de
monções. Estas mudanças podem causar alterações no regime de precipitação e nebulosidade e criar efeitos
de retroalimentação ainda desconhecidos na temperatura e no clima local. Mudanças nos campos médios
globais e na TSM, antes e após o período conhecido como “climate shift”, no final dos anos 70, podem ter
exercido importante papel no regime de temperaturas e respectivas tendências e precisam ser considerados
para se avaliar corretamente o efeito do aquecimento global sobre a América do Sul. Neste contexto, tam-
bém é importante avaliar o impacto de oscilações climáticas naturais interdecenais sobre a temperatura na
América do Sul.
Questão 2: Qual o papel dos oceanos, e em particular do Atlântico tropical e subtropical sul, como indutor
e como indicador das variabilidades climáticas de origem natural e antrópica observadas no Brasil e na
América do Sul ?
O Capítulo 3 trata do sistema oceânico, que participa de forma decisiva no equilíbrio climático.
Devido à sua grande extensão espacial, e à alta capacidade térmica da água, é indiscutível que o aumento
do conteúdo de calor dos oceanos e o aumento do nível do mar são indicadores robustos de aquecimento
do planeta. Apesar da grande dificuldade de se observar o oceano, com a cobertura espacial e temporal
necessária para melhor monitorar e entender mudanças nos oceanos e as respostas dessas mudanças no
clima, há de se reconhecer que grandes progressos têm sido obtidos nos últimos anos. Observações remotas
por satélite tem sido realidade já há algumas décadas e programas observacionais in situ, como o sistema
de bóias perfiladoras Argo, tem permitido a obtenção de conjuntos de dados valiosos desde a superfície até
profundidades intermediárias do oceano. Recentemente vários esforços têm sido despendidos na reavaliação
de dados históricos, possibilitando interpretações mais confiáveis por mais longos períodos de tempo.
Com base em um número considerável de trabalhos publicados nas últimas décadas, o Quarto Re-
latório de Avaliação do Clima do IPCC (IPCC-AR4, 2007) concluiu, de forma inequívoca, que a temperatura
do oceano global aumentou entre 1960 e 2006. Apesar das controvérsias decorrentes de alguns pequenos
enganos no IPCC-AR4, a grande maioria dos estudos científicos realizados nos últimos 5 anos têm confirma-
do, de forma indiscutível, o aquecimento das águas oceânicas. Em particular, a TSM do Atlântico tem au-
mentado nas últimas décadas. No Atlântico sul, esse aumento é intensificado a partir da segunda metade do
Século XX, possivelmente devido a mudanças na camada de ozônio sobre o Polo Sul e também ao aumento
dos gases de efeito estufa. De forma consistente com um clima mais quente, o ciclo hidrológico tem também
se alterado, refletindo em mudanças na salinidade da superfície do mar. Esses estudos mostram que a região
subtropical do Atlântico Sul está se tornando mais quente e mais salina.
Os estudos analisados pelo IPCC-AR4 e outros mais recentes também apontam para variações no
conteúdo de calor e na elevação do nível do mar, em escala global. Variações nessas propriedades promo-
vem alterações nas características das diferentes massas de água, o que fatalmente leva a alterações nos
padrões de circulação do oceano. Por sua vez, mudanças na circulação oceânica resultam em alterações na
forma como o calor e outras propriedades biológicas, físicas e químicas são redistribuídas na superfície da
Terra.
O nível do mar está aumentando. Grande parte das projeções de aumento do nível do mar para
todo o Século XXI deve ser alcançada ao longo das primeiras décadas, o que faz com que se configurem
perspectivas mais preocupantes do que aquelas divulgadas no início dos anos 2000. Variações de 20 a 30
cm, inicialmente esperadas para o fim do Século XXI, já devem ser atingidas, em algumas localidades, até
meados do século ou até antes disso. Deverá haver também maior variabilidade espacial da mudança no
nível do mar entre os distintos locais do globo. Na costa do Brasil são poucos os estudos realizados com base
em observações in situ. Mesmo assim, taxas de aumento do nível do mar na costa sul-sudeste já vêm sendo
reportadas pela comunidade científica brasileira desde o final dos anos 80 e início dos anos 90.
O aumento do nível do mar assim como o aumento de temperatura atmosférica, mudanças no volu-
me e distribuição das precipitações e concentrações de CO2 afetarão de modo variável o equilíbrio ecológico
de manguezais, dependendo da amplitude destas alterações e das características locais de sedimentação e
espaço de acomodação.
Ao longo da extensão da linha de costa brasileira são vários os trechos em erosão, distribuídos irre-
gularmente e muitas vezes associados aos ambientes dinâmicos de desembocaduras de rios. Diversas são as
áreas costeiras densamente povoadas que se situam em regiões planas e baixas, nas quais os já existentes
problemas de erosão, drenagem e inundações serão amplificados em cenários de mudanças climáticas.
Importantes massas de água estão se alterando. As “águas modo” (águas de 18oC) do Oceano Sul e as
Águas Profundas Circumpolares se aqueceram no período de 1960 a 2000. Essa tendência continua du-
rante a presente década. Aquecimento similar ocorreu também nas águas modo da Corrente do Golfo e da
Kuroshio. Os giros subtropicais do Atlântico Norte e Sul têm se tornado mais quentes e mais salinos. Como
consequência, segundo conclusão do IPCC-AR4 e de estudos mais recentes, é bastante provável que pelo
menos até o final do último século a Célula de Revolvimento Meridional do Atlântico (CRMA) venha se alte-
rando significativamente em escalas de interanuais a decenais.
No Atlântico Sul, vários estudos nos últimos anos sugerem variações importantes nas propriedades
físicas e químicas das camadas superiores do oceano, associadas com alterações nos padrões da circulação
atmosférica. Esses estudos mostram que, em consequência ao deslocamento do rotacional do vento em
direção ao pólo, o transporte de águas do Oceano Índico para Atlântico sul, fenômeno conhecido como
o “vazamento das Agulhas”, vem aumentando nos últimos anos. Análises de dados obtidos remotamente
por satélite e in situ mostram mudanças no giro subtropical do Atlântico Sul associados a mudanças na sa-
linidade das camadas superiores. Resultados de observações e modelos sugerem que o giro subtropical do
Atlântico Sul vem se expandindo, com um deslocamento para sul da região da Confluência Brasil-Malvinas.
Há também fortes indícios que as características dos eventos de El Niño no Pacífico estão mudando
nas últimas décadas. Como consequência, tem havido uma mudança nos modos de variabilidade da TSM no
Atlântico Sul. Essas alterações nos padrões de TSM favorecem precipitações acima da média, ou na média
sobre o norte e nordeste brasileiro, e mais chuvas no sul e sudeste do Brasil.
12 VOLUME 1
1.2.3 CAPÍTULO 4: INFORMAÇÕES PALEOCLIMÁTICAS BRASILEIRAS
Questão 3: Quais as evidências observacionais do clima do passado que contribuem para o entendimento
das variabilidades climáticas observadas no presente, e para a inferência de cenários prognósticos de
mudanças no clima do Brasil e do continente sul americano ?
Esta questão é abordada no Capítulo 4, que traz o conjunto de estudos paleoclimáticos desenvol-
vidos com registros continentais e marinhos brasileiros e, subordinadamente, de outros países da América
do Sul e dos oceanos adjacentes. As análises realizadas permitem afirmar que as mudanças na insolação
recebida pela Terra em escala temporal orbital foram a principal causa de modificações na precipitação e
nos ecossistemas das regiões tropical e subtropical do Brasil, principalmente aquelas regiões sob influência
do Sistema de Monção da América do Sul. Valores altos de insolação de verão para o hemisfério sul foram
associados a períodos de fortalecimento do Sistema de Monção da América do Sul e vice-versa.
Na escala temporal milenar foram observadas fortes e abruptas oscilações no gradiente de tempera-
tura do Oceano Atlântico, bem como, na pluviosidade associada ao Sistema de Monções da América do Sul
e à Zona de Convergência Intertropical. A causa destas mudanças climáticas abruptas reside aparentemente
em marcantes mudanças na intensidade da Célula de Revolvimento Meridional do Atlântico. Períodos de
enfraquecimento desta célula foram associados a um aumento na precipitação das regiões tropicais e sub-
tropicais do Brasil.
Marcantes alterações na circulação da porção oeste do Atlântico Sul foram reconstituídas para o
Último Máximo Glacial (de 23 a 19 cal ka AP), a última deglaciação (de 19 a 11,7 cal ka AP) e o Holoceno
(de 11,7 a 0 cal ka AP). Dentre elas pode-se citar: (i) uma diminuição na profundidade dos contatos entre as
massas de água intermediária e profunda durante o Último Máximo Glacial que foi caracterizado por uma
célula de revolvimento de intensidade similar à sua intensidade atual; (ii) um aquecimento das temperaturas
de superfície do Atlântico Sul durante eventos de diminuição na intensidade da Célula de Revolvimento Me-
ridional do Atlântico em períodos específicos da última deglaciação (e.g., Heinrich Stadial 1 (entre ca. 18,1
e 14,7 cal ka AP) e Younger Dryas (entre ca. 12,8 e 11,7 cal ka AP)); e (iii) o estabelecimento de um padrão
similar ao atual de circulação superficial na margem continental sul do Brasil entre 5 e 4 cal ka AP.
O nível relativo do mar na costa do Brasil atingiu até 5 m acima do nível atual entre ca. 6 e 5 cal ka
AP e diminuiu gradativamente até o início do período industrial.
Análises paleoantracológicas indicam que por um longo período do Quaternário tardio o fogo tem
sido um fator de grande perturbação em ecossistemas tropicais e subtropicais e, juntamente com o clima, de
suma importância na determinação da dinâmica da vegetação no passado geológico.
A Pequena Idade do Gelo (de ca. 1500 a 1850 AD) foi caracterizada na porção Subtropical da Amé-
rica do Sul ao sul da linha do Equador por um aumento na precipitação que provavelmente está associado
a um fortalecimento do Sistema de Monção da América do Sul e a uma desintensificação da Célula de Re-
volvimento Meridional do Atlântico. Entretanto, os mecanismos climáticos associados não estão consolidados
e o número de registros paleoclimáticos e paleoceanográficos disponíveis em ambientes subtropicais deste
evento é particularmente reduzido.
Questão 4: Como os principais processos biogeoquímicos seriam afetados pelas mudanças climáticas nos
biomas e sistemas hídricos brasileiros ?
No Brasil são esperadas mudanças profundas e variáveis no clima conforme a região do país. É
esperado que essas mudanças afetem os ecossistemas aquáticos e terrestres do Brasil. Neste quesito, o país
é um dos mais ricos do mundo, tendo seis biomas terrestres (Amazônia, Mata Atlântica, Pantanal, Pampa,
Cerrado e Caatinga), que englobam alguns dos maiores rios do mundo, como o Amazonas, Paraná e São
Francisco; e uma costa com cerca de 8.000 km, contendo pelo menos sete grandes zonas estuarinas e toda
a plataforma continental. O foco principal deste capítulo será investigar como os principais processos bio-
geoquímicos seriam afetados pelas mudanças climáticas nos principais biomas e bacias brasileiras.
Devido à falta de informações espaciais compatíveis com as escalas dos biomas brasileiros, as aná-
lises feitas neste capítulo serão concentradas em regiões de cada bioma onde informações encontram-se
disponíveis. Ao mesmo tempo em que esse tipo de limitação nos impede de fazer uma generalização para
um determinado bioma, serve como um alerta sobre a limitação destas informações em escalas compatíveis
com as grandes áreas de nossos biomas. Há uma carência de informações crítica para determinados biomas
como o Pampa, o Pantanal e a Caatinga. Um volume maior de informações se encontra na Amazônia e, se-
cundariamente, no Cerrado. Somente recentemente estudos têm sido desenvolvidos na Mata Atlântica, mas
ainda concentrados em algumas poucas áreas.
A Mata Atlântica estoca quantidades apreciáveis de carbono e nitrogênio em seus solos, principal-
mente em maiores altitudes. Os aumentos previstos para a temperatura do ar na região Sudeste do Brasil
levaria a um aumento nos processos de respiração e decomposição, gerando um aumento nas perdas de
carbono e nitrogênio para a atmosfera. A pergunta que permanece por falta de informações é se essas per-
das seriam compensadas por um aumento na produtividade primária líquida do sistema. Nos campos sulinos
do Pampa, similarmente à Mata Atlântica, os solos detêm um apreciável estoque de carbono. Portanto, au-
mentos na temperatura previstos para o futuro aumentariam as emissões de CO2 para a atmosfera.
14 VOLUME 1
De forma geral há uma grande incerteza em relação aos efeitos de alterações climáticas nos recursos hí-
dricos do Brasil. As bacias hidrográficas mais importantes do país, segundo seus atributos hidrológicos e ecológicos
são a do Amazonas, Tocantins-Araguaia, Paraná, Paraguai e São Francisco. Essas bacias cortam regiões que devem
sofrer diferentes impactos relacionados à alterações de temperatura e precipitação (volume e frequência de chuvas),
com efeitos distintos na disponibilidade de água ao uso humano assim como na manutenção de processos ecoló-
gicos. Regionalmente, o aumento de eventos extremos associados à frequência e volume de precipitação também
é previsto. Os cenários apontam para diminuição na pluviosidade nos meses de inverno em todo país, assim como
no verão no leste da Amazônia e Nordeste. Da mesma forma, a frequência de chuvas na região Nordeste e no
Leste da Amazônia (Pará, parte do Amazonas, Tocantins, Maranhão) deve diminuir, com aumento na frequência de
dias secos consecutivos. ste cenário deverá impor um maior comprometimento dos já escassos recursos hídricos da
região Nordeste. Em contraste, o país deve observar o aumento da frequência e da intensidade das chuvas intensas
na região subtropical (região Sul e parte do Sudeste) e no extremo oeste de Amazônia.
Questão 5: Como as mudanças antrópicas sobre o campo de aerossóis podem interferir sobre a precipitação
e a circulação atmosférica ? Quais as incertezas na representação dos processos envolvendo a modelagem
de aerossóis e nuvens?
Neste capítulo é apresentada uma revisão de algumas das principais contribuições científicas para a
caracterização dos aerossóis atmosféricos sobre o Brasil, incluindo o papel exercido por suas fontes naturais
e antrópicas, como queima de biomassa, poluição urbana, dentre outras, e para o entendimento dos proces-
sos de microfísica de nuvens.
Ainda que em anos recentes tenha sido observada uma redução nas taxas de desmatamento é certo
que as queimadas na Amazônia são ainda a principal fonte antrópica de partículas de aerossol em escala
continental na América do Sul e no Brasil. Em menor escala, mas com importante impacto no clima regional,
também ocorrem queimadas nas culturas de cana de açúcar. Por outro lado, há uma importante contribui-
ção de emissões antrópicas situadas em regiões urbanas, fruto principalmente de emissões veiculares. Ainda
que não sejam majoritárias no conteúdo total de emissões, as partículas de aerossol das emissões urbanas
exercem papel importante no clima urbano e na saúde pública das metrópoles brasileiras.
Diversos experimentos realizados na região amazônica, quase todos dentro do contexto do experi-
mento LBA (Experimento de Larga Escala da Biosfera Atmosfera da Amazônia), foram capazes de qualificar e
quantificar a composição do aerossol presente na atmosfera amazônica. A composição do aerossol natural
na região amazônica pode ser observada durante a estação chuvosa, quando atividades relacionadas às
queimadas são desprezíveis. A conclusão geral dos trabalhos focados na região é de que o aerossol natural
amazônico é uma soma das contribuições do transporte de aerossol marinho para dentro do continente, de
episódios de transporte de poeira do Saara, e de emissões biogênicas da vegetação. Em termos de contribui-
ção absoluta à massa do material particulado, as emissões biogênicas primárias são dominantes.
A maioria dos estudos das propriedades dos CCN e das nuvens na América do Sul se concen-
tra na Região Amazônica (e, em menor extensão, sobre o Nordeste). Esse número limitado de expe-
rimentos de campo, e a inexistência de medidas em grande parte do Brasil, impõem óbvias limita-
ções à representação dos processos microfísicos em modelos aplicados sobre o território nacional.
Os chamados efeitos indiretos dos aerossóis constituem os mecanismos através dos quais estes modi-
ficam a microestrutura das nuvens, com consequências para suas propriedades radiativas e seu ciclo de vida.
Jones e Christopher (2010) estudaram as propriedades estatísticas da interação aerossóis-nuvens-precipita-
ção sobre a América do Sul em busca de indicativos do efeito indireto dos aerossóis sobre os processos as-
sociados a nuvens quentes. Os autores trabalharam com a hipótese de que se os efeitos indiretos (e também
o semidireto) se manifestarem, em condições poluídas, como consequência da redução nos processos de
colisão e coalescência ou aumento na estabilidade, deveria haver uma diminuição na precipitação estrati-
forme em comparação com condições mais limpas no mesmo ambiente. Comparando amostras sem chuva,
com chuva e chuva intensa, concluíram, porém, que as condições atmosféricas de grande escala são mais
importantes para o desenvolvimento da precipitação do que a concentração de aerossóis.
A fumaça produzida a partir das queimadas na Amazônia produz efeitos significativos sobre a micro-
estrutura das nuvens, com uma redução no diâmetro médio das gotículas, inibindo a colisão-coalescência.
Esta noção é corroborada por Freud et al. (2008) que discutem que há um aumento consistente em cerca
de 350 m na altitude sobre a base da nuvem na qual a colisão-coalescência dispara a formação de chuva
quente para cada 100 núcleos de condensação (a uma supersaturação de 0,5%) adicionados por cm3. Indí-
cios no mesmo sentido são também apresentados por Costa e Pauliquevis (2009), cujos resultados apontam
para altitudes de chuva quente (isto é, a altitude em que o processo de formação de chuva quente se inicia)
indo de 1200-2300 m, em ambientes marítimos e costeiros, a 5400-7100 m em ambientes influenciados
por queimadas.
Como apontam Wang e Penner (2010), o fato de nuvens cirrus cobrirem tipicamente mais de 20% do
planeta faz com que as mesmas sejam importantes para o balanço radiativo planetário. Nuvens convectivas
profundas, particularmente nos trópicos, são responsáveis por mecanismos de transporte vertical cruciais
para a circulação geral atmosférica. Nesse sentido, os aerossóis cumprem um papel significativo na micro-
estrutura de nuvens cumulonimbus, sendo que suas estimativas apontam para valores de diâmetro efetivo de
10 a 20% menores sobre o continente do que sobre o oceano e com uma marcada variabilidade sazonal
nessa variável em regiões com queima de biomassa como a Amazônia. Medidas in situ das propriedades
microfísicas de nuvens frias e de fase mista sobre o Brasil, no entanto, são extremamente limitadas, havendo
indicações de dados coletados apenas durante um experimento de campo, o TRMM-LBA (Tropical Rainfall
Measuring Mission - Large-Scale Biosphere–Atmosphere Experiment in Amazonia).
A modelagem dos processos envolvendo nuvens na maior parte dos modelos globais e regionais
utilizados para previsão de tempo e clima e para as simulações de mudanças climáticas no Brasil e no mun-
do ainda se caracteriza pela utilização de um grande número de simplificações nos processos envolvendo
nuvens. É particularmente significativo que as escalas dos movimentos convectivos não sejam explicitamente
resolvidas na maioria desses modelos. Isto se dá em função da limitação de recursos computacionais e pelo
fato dos modelos atualmente disponíveis dependerem significativamente de parametrizações de convecção.
16 VOLUME 1
Outro aspecto importante a ser considerado é a variabilidade na forma da distribuição de tamanho das
gotículas, que é ao mesmo tempo um fator fisicamente relevante no desenvolvimento da precipitação, assim
como a fase gelo, que se constituem em fontes de incerteza importantes na modelagem dos processos de
nuvens.
Questão 6: Quais são as estimativas da forçante radiativa e dos efeitos radiativos, sobre a atmosfera e a
superfície, causados por agentes naturais e antrópicos, sobre o Brasil e a América do Sul ?
O clima é controlado por diversos fatores, chamados agentes climáticos, que podem ser naturais
ou originados de atividades humanas (antrópicos). Um certo agente climático pode contribuir para aquecer
o planeta, como por exemplo, os gases de efeito estufa antrópicos, enquanto outro agente pode tender a
resfriá-lo, como as nuvens. Ao tomador de decisões seria conveniente conhecer qual a influência quantitati-
va de cada agente climático. Por exemplo, conhecer qual a contribuição de cada agente para as variações
de temperatura na superfície do planeta, ou mesmo no Brasil. No entanto, como qualquer ferramenta de
modelagem do clima, os modelos climáticos atuais mais avançados, que vêm progressivamente fornecendo
resultados cada vez mais confiáveis e consistentes para previsões de mudanças climáticas, devem ser alimen-
tados com estimativas seguras das forçantes radiativas. No Capítulo 7 discutem-se estimativas da forçante
radiativa e efeitos radiativos, sobre a atmosfera e a superfície, causadas por agentes naturais e antrópicos
sobre o Brasil.
O conceito de forçante radiativa, tal como definido no relatório IPCC-AR4, é um passo intermediário
que não necessita, em princípio, de modelos climáticos para seu cálculo, por isso, os valores de forçante ra-
diativa podem ser mais objetivamente interpretáveis. Uma forçante radiativa positiva significa que um agente
tende a aquecer o planeta, ao passo que valores negativos indicam uma tendência de resfriamento. Uma
inconveniência do conceito de forçante radiativa é que em geral ela é expressa em termos de potencia (Wm -2,
ou Watt por metro quadrado), que é uma unidade menos familiar que a temperatura (em graus Celsius). Uma
vez determinado o valor da forçante radiativa de um agente, pode-se usar esse valor em modelos climáticos
que procurarão traduzi-lo, por exemplo, em termos de mudanças de temperatura na superfície, ou mudanças
no volume de chuvas. Dependendo do modelo climático escolhido e das condições em que ele é utilizado,
um mesmo valor de forçante pode dar origem a diferentes respostas. É nesse contexto que o conceito de
forçante radiativa oferece um meio de comparação entre diferentes agentes climáticos, independentemente
da precisão dos modelos climáticos atuais. A quantificação numérica da intensidade da forçante radiativa
permite ao tomador de decisão visualizar quais os agentes mais significativos, classificando-os por ordem de
magnitude relativa. Calcular a forçante radiativa de um agente climático é como definir uma escala padrão,
que permite a possibilidade de se estimar a intensidade de sua perturbação sobre o clima, para algum local
ou região do globo.
Este capítulo apresenta a definição formal de forçante radiativa, do potencial de aquecimento global
e do potencial de temperatura global, que são variáveis utilizadas para padronizar uma metodologia de com-
paração, e que permitem estimar quantitativamente os efeitos de diferentes agentes climáticos. O capítulo
apresenta uma revisão bibliográfica de estudos recentes, efetuados sobre o Brasil ou sobre a América do Sul,
que identificaram alguns dos principais agentes climáticos naturais e antrópicos atuantes no país. Embora
a intenção fosse apresentar, em números, a contribuição para a forçante radiativa atribuída aos diferentes
agentes, a inexistência de trabalhos científicos no país para vários deles trouxe outra dimensão ao capítulo.
Os efeitos climáticos mais significativos em escalas de dezenas a centenas de anos, no Brasil, são os efeitos
radiativos de nuvens, a forçante radiativa dos gases de efeito estufa, a forçante de mudança de uso do solo,
e a dos aerossóis (fumaça) emitidos em queimadas por fontes antrópicas.
Nuvens exercem um efeito radiativo natural, mas suas propriedades podem ser alteradas pela ação
humana (e.g. efeitos indiretos de aerossóis, mudança de propriedades da superfície, entre outros). Essas al-
terações podem envolver processos de retroalimentação, com possíveis impactos sobre o ciclo hidrológico,
causando alterações na disponibilidade de água doce, ou na frequência de ocorrência de eventos extremos
de precipitação, como secas ou tempestades severas. Os resultados compilados neste capítulo mostram que
no clima presente as nuvens constituem o agente climático mais importante do ponto de vista de balanço de
radiação sobre a Amazônia, reduzindo em até 110 Wm-2 a radiação à superfície, e contribuindo com cerca
de +26 Wm-2 no topo da atmosfera. Isso significa que as nuvens na Amazônia atuam causando em média
um resfriamento da superfície, mas um aquecimento do planeta. Cabe ressaltar que o modo como os estudos
consideram a distribuição vertical das nuvens desempenha um papel fundamental nos resultados obtidos:
nuvens altas tendem a contribuir com um efeito de aquecimento do planeta, enquanto nuvens baixas tendem
a resfriá-lo. Desse modo, é importante destacar que esse resultado não pode ser automaticamente estendido
para outras regiões, com padrões de nuvens e características de superfícies diferentes da região amazônica.
No Brasil, a principal fonte de gases de efeito estufa e aerossóis antrópicos é a queima de biomassa,
utilizada como prática agrícola ou na mudança da cobertura do solo. Como técnica agrícola, as queimadas
são empregadas no combate de pragas e na limpeza de lavouras com objetivo de facilitar a colheita, como
no caso do cultivo da cana de açúcar. O uso de queimadas para alteração do uso do solo é observado es-
pecialmente na região amazônica. No caso dos gases de efeito estufa, grande parte do esforço das pesquisas
no Brasil atualmente se concentra na elaboração de inventários de emissão. Não se encontram na literatura
científica estimativas de cálculos da forçante radiativa desses gases considerando as condições das emissões
brasileiras.
18 VOLUME 1
As mudanças antrópicas no uso do solo, como por exemplo, o processo de longo prazo de urbani-
zação das cidades brasileiras, ou a conversão de florestas para a agropecuária na região amazônica desde
1970, resultaram em modificações de propriedades da superfície vegetada como, por exemplo, o albedo
(refletividade da superfície). No caso da Amazônia em geral, substitui-se uma superfície mais escura (floresta),
por superfícies mais brilhantes (e.g. plantações, estradas, construções, etc.), o que implica em uma maior
fração da luz solar sendo refletida de volta ao espaço. Encontrou-se um trabalho sobre a mudança de albedo
em regiões desmatadas desde 1970 na Amazônia, que estimou em 7,3±0,9 Wm -2 como o a magnitude
dessa forçante antrópica. Note-se que esse valor é semelhante à forçante de aerossóis antrópicos, porém, é
importante salientar que o desmatamento na Amazônia tem caráter virtualmente “permanente” (i.e. a maioria
das áreas degradadas em geral não volta a ser recomposta como floresta primária), enquanto aerossóis de
queimada têm vida média da ordem de dias. Essas observações indicam a necessidade de se realizar estu-
dos mais aprofundados sobre a forçante originada nos processos de mudança de uso do solo, em especial
incluindo-se o efeito da urbanização histórica e da expansão agropecuária em nível nacional e em várias
escalas temporais.
Aerossóis também interagem com nuvens, modificando suas propriedades. As nuvens modificadas,
por sua vez, interagem com a radiação solar. Dessa forma, define-se a forçante indireta (i.e. mediada pela
interação com nuvens) de aerossóis. As estimativas de forçante radiativa para os efeitos indiretos de aerossóis
encontradas na literatura apresentaram uma ampla gama de valores. A maioria dos resultados tem sinal ne-
gativo, variando entre cerca de -9,5 a -0,02 Wm -2 para diferentes tipos de superfície, indicando condições de
resfriamento climático. Este é um tópico que ainda necessita de mais estudos de caracterização e verificações
independentes, para que esse componente da forçante antrópica sobre o Brasil possa ser adequadamente
representado em modelos climáticos.
Não foram encontrados trabalhos avaliando a forçante radiativa no Brasil devido ao aerossol de
origem urbana, ao aerossol natural de poeira oriunda da África, ou de erupções vulcânicas, nem à formação
de trilhas de condensação pelas atividades da aviação comercial. Essas forçantes radiativas, por hora desco-
nhecidas podem, ou não, ser comparáveis àquelas devidas a gases de efeito estufa e aerossóis antrópicos.
Os trabalhos analisados na elaboração deste capítulo evidenciam a existência de lacunas significativas em
estudos de forçantes radiativas no Brasil. Conhecer com precisão a magnitude dessas forçantes, e aprimorar
a compreensão de seus impactos, resultará em melhorias nos modelos de previsão de tempo e clima. Tais
modelos são ferramentas importantes para instrumentalizar a tomada de decisões políticas e econômicas
diante das mudanças climáticas que vêm atuando no país.
Questão 7: Qual a capacidade dos modelos numéricos em reproduzir o clima presente e futuro sobre
o Brasil e a América do Sul ?
Este tema é abordado no Capítulo 8 do GT1. Nele são descritas as características e desenvolvimen-
tos do modelo global atmosférico do CPTEC e modelos regionais climáticos. O Modelo de Circulação Glo-
bal Atmosférico do CPTEC/INPE, base do Modelo Brasileiro do Sistema Climático Global (MBSCG) tem sido
desenvolvido desde a sua versão inicial CPTEC/COLA de 1994. A variação sazonal da precipitação, pressão
ao nível do mar, ventos em altos e baixos níveis, bem como a estrutura vertical dos ventos e temperatura têm
sido bem representados pelo MCGA CPTEC/COLA. Os principais centros associados a ondas estacionárias
nos dois hemisférios são razoavelmente bem reproduzidos. Entretanto, a precipitação é subestimada princi-
palmente na região da Amazônia e centro-sul da America do Sul, e superestimada no Nordeste do Brasil e
nas regiões de convergência intertropical (ZCIT) e do Atlantico Sul (ZCAS). Embora erros sistemáticos sejam
mais destacados nas regiões tropicais, as melhores correlações entre anomalias de precipitação do modelo
observadas ocorrem nessa região, que inclui o extremo norte do Nordeste do Brasil e leste da Amazônia.
Por exemplo, Marengo et al. (2009) utilizando três modelos regionais (HadRM3P, Eta-CCS e Re-
gCM3) cujas simulações foram realizadas com as mesmas condições de contorno do modelo global Ha-
dAM3P, obtiveram simulações do clima atual e projeções de clima futuro para o final deste século sobre a
América do Sul (AS). Em relação ao clima atual, os autores mostraram que os modelos têm um viés negativo
de precipitação na parte mais norte da AS e também um viés negativo que domina quase todo o continente
com exceção da parte mais central, que se mostrou mais dependente da sazonalidade. Os resultados in-
dicaram que o Eta-CCS apresenta um maior aquecimento no oeste da Amazônia quando comparado aos
modelos RegCM3 e HadRM3P, enquanto que estes últimos apresentam maior aquecimento na região leste
da Amazônia. Os autores destacam ainda que as projeções destes modelos diferem em relação às regiões
onde são verificados os maiores aquecimentos (acima de 8ºC), por exemplo, na Amazônia oriental ou na
Amazônia ocidental, dependendo do modelo regional utilizado. Conforme mencionado em Marengo et al.
(2010, 2011) estas incertezas só podem ser reduzidas com avanços no conhecimento do sistema climático.
Outro fenômeno de importância para o clima da AS é o Jato de Baixo Nível (JBN). Os resultados
de Soares e Marengo (2009), com a utilização do modelo HadRM3P, indicaram um total de 169 casos de
JBNs detectados no período 1980-1989, enquanto que as ocorrências entre 2080 e 2089 totalizaram 224,
evidenciando assim o impacto do SRES A2 na frequência de ocorrência de JBNs da AS.
Apesar dos acelerados avanços teóricos e computacionais verificados nos últimos anos, as projeções
climáticas são cercadas de imperfeições e incertezas, oriundas da própria dinâmica do sistema climático.
Existem pelo menos duas principais fontes de incerteza inerentes às projeções do clima: aquelas relacionadas
aos cenários de emissões, e aquelas relacionadas à modelagem do clima e suas parametrizações. Embora
os cenários de emissões sejam baseados em um conjunto de suposições coerentes e fisicamente consistentes
sobre suas forçantes, tais como demografia, desenvolvimento sócio-econômico e mudanças tecnológicas,
não se pode afirmar exatamente como estes vão evoluir ao longo das próximas décadas. Em relação às in-
certezas na modelagem do clima, técnicas diferentes de regionalização e/ou parametrização podem produzir
diferentes respostas locais, ainda que todas as simulações sejam forçadas pelo mesmo modelo global, além
da possibilidade de erros advindos dos próprios Modelos Climáticos Globais (MCGs).
Questão 8: Quais as mudanças climáticas projetadas para curto e longo prazo que irão afetar os principais
biomas brasileiros ?
20 VOLUME 1
Cenários futuros do clima são projeções ou simulações geradas por modelos que levam em con-
sideração os diferentes cenários de emissões globais de gases do efeito estufa (GEE) propostos pelo IPCC.
Atualmente, a melhor ferramenta científica disponível para a geração das projeções de mudanças ambien-
tais é o downscaling (regionalização) dinâmico, cuja técnica consiste em usar um modelo climático regional
“aninhado” a um modelo climático global (maiores detalhes sobre modelagem encontram-se no Capítulo 9).
Os resultados científicos consensuais das projeções regionalizadas de clima nos diferentes biomas do Brasil,
considerando os períodos de início (2011-2040), meados (2041-2070) e final (2071-2100) do século XXI,
são sumariados neste capítulo.
Em geral, as projeções climáticas possuem desempenho (skill) relativamente melhor nos setores nor-
te/nordeste (Amazônia e Caatinga) e sul (Pampa) do Brasil, e desempenho pior no centro-oeste e sudeste
(Cerrado, Pantanal e Mata Atlântica). As projeções consensuais para os biomas brasileiros, baseadas nos
resultados científicos de modelagem climática global e regional, são as seguintes:
CAATINGA: Aumento de 0,5º a 1ºC na temperatura do ar e decréscimo entre 10% e 20% na chuva durante
as próximas três décadas (até 2040), com aumento gradual de temperatura para 1,5º a 2,5ºC e diminuição
entre 25% e 35% nos padrões de chuva no período de 2041-2070. No final do século (2071-2100) as
projeções indicam condições significativamente mais quentes (aumento de temperatura entre 3,5º e 4,5ºC) e
agravamento do déficit hídrico regional com diminuição de praticamente metade (40 a 50%) da distribuição
de chuva.
CERRADO: Aumento de 1ºC na temperatura superficial com diminuição percentual entre 10% a 20% na
precipitação durante as próximas três décadas (até 2040). Em meados do século (2041-2070) espera-se
aumento entre 3º e 3,5ºC da temperatura do ar e redução entre 20% e 35% da pluviometria. No final do
século (2071-2100) o aumento de temperatura atinge valores entre 5º e 5,5ºC e a retração na distribuição
de chuva é mais crítica, com diminuição entre 35% e 45%.
PANTANAL: Aumento de 1ºC na temperatura e diminuição entre 5% e 15% nos padrões de chuva até 2040,
mantendo a tendência de redução nas chuvas para valores entre 10% e 25% e aumento de 2,5º a 3ºC de
temperatura em meados do século (2041-2070). No final do século (2071-2100) predominam condições de
aquecimento intenso (aumento de temperatura entre 3,5º e 4,5ºC) com diminuição acentuada nos padrões
de chuva de 35% a 45%.
MATA ATLÂNTICA: Como este bioma abrange áreas desde o sul, sudeste até o nordeste brasileiro, as proje-
ções apontam dois regimes distintos. Porção Nordeste (NE): Aumento relativamente baixo nas temperaturas
de 0,5º a 1ºC e decréscimo nas chuvas em torno de 10% até 2040, mantendo a tendência de aquecimento
entre 2º e 3ºC e diminuição pluviométrica entre 20% e 25% em meados do século (2041-2070). Para o
final do século (2071-2100) esperam-se condições de aquecimento intenso (aumento de 3º a 4ºC) e dimi-
nuição entre 30% e 35% nos padrões de chuva regional. Porção Sul/Sudeste (S/SE): Até 2040 as projeções
PAMPA: No período até 2040 prevalecem condições de clima regional de 5% a 10% mais chuvoso e até
1ºC mais quente, mantendo a tendência de aquecimento entre 1º e 1,5ºC e intensificação das chuvas
entre 15% e 20% até meados do século (2041-2070). No final do século (2071-2100) as projeções são
mais agravantes com aumento de temperatura de 2,5º a 3ºC e chuvas de 35% a 40% acima do normal.
Em virtude do alto grau de vulnerabilidade das regiões norte e nordeste do Brasil, ressalta-se que
as projeções mais preocupantes para o final do século são para os biomas Amazônia e Caatinga, cujas
tendências de aquecimento na temperatura do ar e de diminuição nos padrões regionais de chuva são
maiores do que a variação média global. Em termos de atribuição de causa física, sugere-se que essa
mudança climática de redução na pluviometria associa-se aos padrões oceânicos tropicais anomalamen-
te mais aquecidos sobre o Pacífico e Atlântico (esperados num clima futuro de aquecimento global), os
quais modificam o regime de vento de forma a induzir diminuição no transporte de umidade e prevalência
de circulação atmosférica descendente (células de Hadley e Walker) sobre o Brasil tropical, inibindo a
formação de nuvens convectivas e explicando assim as condições de chuva abaixo do normal.
22 VOLUME 1
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24 VOLUME 1
CAPÍTULO 2
SUMÁRIO EXECUTIVO 27
2.1 INTRODUÇÃO 28
2.3.2 TEMPERATURA 43
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 55
26 VOLUME 1
SUMÁRIO EXECUTIVO
Tendo em vista as dimensões continentais do Brasil assim como a diversidade de seus regimes cli-
máticos e das influências sobre seu clima, é necessário ressaltar a necessidade de estudos observacionais
para bem conhecê-lo, em termos de características, mecanismos e variabilidade. O conhecimento do clima
presente é o primeiro passo para se conhecer o clima futuro. Este se aproxima gradualmente a cada ano, de
tal forma que a adaptação ao futuro próximo deve ser parte da solução do problema geral de adequação
ao futuro distante.
Assim, a adaptação ao clima do próximo ano ou da próxima década, haja ou não aquecimento
global e outras mudanças antrópicas, deve ser uma das prioridades nacionais, principalmente em países em
desenvolvimento.
Vários estudos aqui descritos revelam o grande impacto da variabilidade interanual, que pode pro-
duzir alterações por um fator maior que 4 nas chuvas sazonais em certas regiões, como a Amazônia, aqui
entendida como a bacia hidrográfica do Rio Amazonas e seus tributários. A maior fonte de variabilidade in-
teranual são os eventos El Niño e La Niña. As variações decenais/interdecenais apresentam menor diferença
entre fases opostas – alterações por até o fator 2 –, mas são relevantes em termos de adaptação, já que, por
serem persistentes, podem causar tanto secas prolongadas, como décadas com mais eventos extremos de
chuva.
Mesmo análises de séries relativamente longas devem ser encaradas com cautela, tendo em vista
que os resultados são extremamente dependentes do período analisado. A grande maioria das tendências
detectadas na precipitação do Brasil pode ser explicada por alterações de fase em oscilações interdecenais e
são, portanto, impróprias para serem consideradas provas de mudanças climáticas.
Por exemplo, as principais tendências detectadas são consistentes com a variação produzida na se-
gunda metade do século XX pelo primeiro modo interdecenal de chuvas anuais. Este, por sua vez, está signifi-
cativamente correlacionado ao modo de tendência de temperatura da superfície do mar, mas também com a
oscilação multidecenal do Oceano Atlântico (OMA) e com a oscilação interdecenal do Oceano Pacífico (OIP
ou IPO. em inglês). Estes resultados apontam tendências negativas no norte e oeste da Amazônia e positivas
no sul da mesma, positivas no Centro-Oeste e Sul do Brasil, mas ausentes no Nordeste. A tendência de au-
mento da precipitação entre 1950 e 2000 no Sul do Brasil e em outras partes da baixa Bacia Hidrográfica
dos rios Paraná e da Prata, principalmente entre os períodos anterior e posterior à década de 1970, aparece
em outros modos interdecenais. Principalmente, está presente no quarto modo de chuvas anuais. Séries um
pouco mais longas respaldam tal propensão, mas, na última década, ela registra inversão.
Para verificar se as tendências associadas com o primeiro modo interdecenal de precipitação são
devidas apenas à mudança de fase da OMA ou se seriam parte de comportamento consistente de mais longo
período, precisariam ser obtidas:
ii) consistência entre estas tendências e as mudanças de precipitação apontadas nessas regiões pelas proje-
ções climáticas feitas por numerosos modelos.
Tais resultados são mais robustos para as estações localizadas nas costas leste e oeste dos continentes
e são confirmados para as séries em períodos mais longos. Embora a influência da variabilidade dos ocea-
nos Atlântico e Pacífico no comportamento das temperaturas do ar sobre a América do Sul no longo prazo
precise ser levada em conta, a influência antrópica sobre seus valores extremos parece ser mais provável do
que sobre os extremos de precipitação.
A enorme escassez de dados de estação sobre vastas áreas tropicais, como a Amazônia, o Centro-
-Oeste e o leste do Brasil, limitam o estabelecimento de conclusões acuradas para estas regiões. Estudos
recentes mostraram que fatores como a mudança de uso da terra e a queima de biomassa podem influen-
ciar a temperatura do ar nestas regiões, especialmente na Amazônia e Cerrado. Porém, não se conhece a
magnitude e a extensão espacial do sinal dessas influências no longo prazo sobre a temperatura do ar em
superfície. Já o efeito da mudança de uso da terra e da liberação de calor antrópico nos grandes centros
urbanos sobre o fenômeno de ilha de calor urbana tem sido bem estudado e documentado.
Dados de análises reelaboradas desde 1948 fornecem evidência de que, durante o verão austral,
a temperatura nos baixos níveis da atmosfera tem aumentado de forma mais acentuada em direção aos
trópicos do que nos subtrópicos da América do Sul. A temperatura média anual junto à superfície tropical
apresentou, desde então, tendência positiva, enquanto que, nos subtrópicos, há tendência negativa desde
meados da década de 1990.
O aumento de temperatura do ar também foi verificado sobre o Atlântico Tropical, sugerindo que
possam ter ocorrido mudanças no contraste Oceano-Atmosfera e, portanto, no desenvolvimento do sistema
de monções. Tais alterações podem causar modificações no regime de precipitação e nebulosidade e criar
feedbacks – ou retroalimantações – ainda desconhecidos da temperatura e do clima locais. Variações nos
campos médios globais e na TSM entre antes e após o período conhecido como climate shift, no final dos
anos 1970, podem ter exercido importante papel no regime de temperaturas atmosféricas e suas respectivas
tendências. Elas precisam ser consideradas para que se possa avaliar corretamente o efeito do aquecimento
global sobre a América do Sul.
Neste contexto, também é importante avaliar o impacto de oscilações climáticas naturais interdece-
nais sobre a temperatura do ar em território sul-americano.
2.1 INTRODUÇÃO
Neste capítulo do volume elaborado pelo GT1 para o Relatório de Avaliação Nacional 1, são
apresentados resultados observacionais relativos a variações de parâmetros ambientais que podem repre-
sentar efeitos da variabilidade climática natural de longo período e, em alguns casos, da ação humana.
28 VOLUME 1
As séries temporais são produto de interações complexas do sistema climático terrestre, represen-
tando um efeito combinado de oscilações intra e interanuais, decenais e interdecenais, e até de escalas de
tempo maiores, tais como milhares a milhões de anos. Separar essas variações naturais das antrópicas não
é uma tarefa fácil. Talvez nem seja possível, na maioria dos casos, tendo em vista que tais resultados são,
geralmente, baseados em observações feitas durante períodos relativamente curtos, bem inferiores às escalas
de tempo paleoclimatológicas tratadas no capítulo 4 deste volume.
Portanto, é necessário cautela na atribuição das causas das variações observadas. De qualquer
maneira, quer sejam variações naturais que venham a ser revertidas após uma ou mais décadas, quer sejam
tendências causadas por ação humana, tais variações necessitam ser conhecidas para que seja possível
planejamento de adaptação de modo a enfrentá-las em seus aspectos negativos ou delas tirar o máximo
proveito.
A magnitude, tanto das variações naturais como das mudanças climáticas antrópicas, tem repercus-
sões para a sociedade, já que diversas atividades econômicas, particularmente a hidroeletricidade e a agri-
cultura, são afetadas pelas variações de longo prazo – a do elemento climático precipitação, em particular.
Antes de apresentar as variações climáticas, este capítulo revisa, a seguir, os aspectos básicos dos
regimes de precipitação na América do Sul, com foco no Brasil, para que a variabilidade climática possa
ser enfatizada nas estações do ano em que apresenta maior impacto.
Na Figura 2.1 deste capítulo, um painel abrangente exibe os regimes sazonais de precipitação da
América do Sul (Grimm, 2011). A maior parte do Brasil está sob o efeito do regime de monção, coerente
com volumes totais elevados de chuva no período de primavera e verão e valores baixos nos meses de
outono e inverno.
A precipitação mais intensa começa na primavera no centro do Brasil (em torno de 10°S, onde
a estação chuvosa é dezembro-janeiro-fevereiro, DJF) e avança para sul e para norte, de modo que em
parte do Brasil a estação mais úmida é janeiro-fevereiro-março (JFM) e nas proximidades do equador é
março-abril-maio (MAM), ou mesmo mais tarde. A rigor, a precipitação já é intensa no noroeste do Brasil
antes do que em sua área central, não por ser parte da estação chuvosa do primeiro, mas sim porque,
naquela região, a precipitação é intensa durante o ano inteiro. No Brasil central, a variação de precipita-
ção entre as estações é influenciada pela migração sazonal do sistema de alta pressão do Atlântico Sul.
Ao sul do equador, o inverno é a estação seca na faixa tropical (0-25°S), com exceção de regiões
costeiras junto ao Atlântico. Na maior parte do Sul do Brasil, onde há disponibilidade de vapor de água
durante todo o ano, condições dinâmicas na atmosfera favorecem máximos relativos de precipitação no ou-
tono, inverno e primavera em diferentes regiões, embora ocorra precipitação durante o ano inteiro. O Sul do
Brasil é uma região de transição entre os regimes de monção de verão e de regime de inverno em latitudes
médias, tendo sua precipitação bem distribuída ao longo do ano (Grimm, 2009a). Existem vários trabalhos
atuais que descrevem a variabilidade do período chuvoso sobre a região monçônica, assim como os regimes
de precipitação (e.g., Marengo et al., 2001; Raia e Cavalcanti, 2008; Krishnamurthy e Misra, 2010; Nieto-
-Ferreira e Rickenbach, 2010; Reboita et al., 2010; Carvalho et al., 2011; Grimm, 2011). Neles, em geral,
podemos verificar que as monções sul-americanas têm passado por várias transições nos últimos anos.
30 VOLUME 1
A variabilidade dos totais anuais de precipitação e sua associação com a temperatura da super-
fície do mar (TSM) enfatizam a grande influência de eventos El Niño-Oscilação Sul (ENOS) na América
do Sul. O primeiro modo dos totais anuais, representado na Figura 2.2, explica 23,55% da variância e
tem um padrão de correlação com TSM que reproduz as principais características do padrão ENOSnas
anomalias de TSM global, especialmente no Oceano Pacífico. Também mostra anomalias de precipitação
negativas (ou positivas) ao Sul de 23°S, sobre o sudeste da América do Sul, principalmente na região meri-
dional do Brasil, durante episódios La Niña (ou El Niño). Exibe ainda, anomalias positivas (ou negativas) no
nordeste da América do Sul, especialmente no leste da Amazônia e na área setentrional do Nordeste do Brasil.
Para que se tenha ideia do impacto desse modo sobre a precipitação numa área de 2°×2º na parte
setentrional do Nordeste, localizada em torno de 43ºW e 3ºS e cuja chuva média mensal é de 168,7 mm,
vale notar que a precipitação média mensal caiu para 54,2 mm em 1983, ano de registro de um fenômeno
El Niño, enquanto que em 1985, quando ocorreu um episódio La Niña, esse valor subiu para 243,4 mm. Por
outro lado, em uma área de 2°×2º no Sul do Brasil – situada em torno de 53ºW e 27ºS e cuja chuva média
mensal é de 122,2 mm –, tal indicador atingiu 176,4 mm em 1983, caindo para 92,8 mm em 1985.
Tais contrastes entre fases opostas de ENOS podem ser ainda mais fortes em estações específicas,
como será mostrado adiante.
As anomalias de TSM associadas com ENOS são as maiores responsáveis pelas anomalias de
precipitação no sudeste da América do Sul no outono. Já as anomalias no Atlântico tropical, mais espe-
cificamente a diferença entre as anomalias de TSM ao sul e ao norte do equador, são mais conectadas
com variações de chuva no nordeste e noroeste da América do Sul.
A conexão da chuva no Nordeste do Brasil com ENOS não é tão forte quanto aquela mantida
com o gradiente latitudinal de TSM, descrita em Moura e Shukla (1981) e, posteriormente, por outros.
Contudo, a influência do El Niño Oscilação Sul pode ser considerada forte, sendo intensificada caso esse
gradiente de temperatura sobre o mar for positivo (ou negativo) durante os eventos El Niño (ou La Niña).
Durante o inverno, o primeiro modo de variabilidade também tem conexão com ENOS, causando
impacto maior na variabilidade da precipitação incidente sobre o Sul e o Norte do Brasil, mas com sinais
opostos (Grimm, 2011).
O primeiro modo de precipitação da primavera, representado na Figura 2.3 deste capítulo, ex-
plica 30,16% da variância. Exibe um padrão dipolo, com regiões de variações inversas no centro-leste e
sudeste do continente (Grimm e Zilli, 2009; Grimm, 2011). Pode, portanto, produzir oscilações na inten-
sidade e localização da ZCAS. Apresenta forte correlação com anomalias de TSM associadas com ENOS,
especialmente as subtropicais no Pacífico Central Sul. Estas anomalias parecem ser importantes para
causar variações de chuva no sudeste e centro-leste da América do Sul através de teleconexões que são
mais fortes na primavera (Barros e Silvestri, 2002; Cazes-Boezio et al., 2003; Grimm e Ambrizzi, 2009).
Há na primavera um forte impacto de ENOS. Por exemplo, em uma área de 2°×2º no Sudeste,
em torno de 42ºW e 17ºS, cuja precipitação média mensal na primavera é de 78,8 mm, a chuva média
mensal de primavera no ano de 1982, marcado pela ocorrência de El Niño, foi de 22,1 mm, enquanto
que em 1971, ano de ocorrência de La Niña, ficou em 116,7 mm. Já em uma área de 2°×2º no Sul do
Brasil – ao redor de 53ºW e 28ºS –, cuja precipitação média mensal na primavera é de 170,8 mm, esse
mesmo indicador de chuva média mensal durante a primavera de 1982 acusou 295,3 mm e 104,1 mm
em 1971.
Em ambas estas regiões, a primavera é parte da estação chuvosa e nelas há bacias contribuintes
a reservatórios de importantes usinas hidroelétricas.
No verão, o primeiro modo, exibido na Figura 2.4, explica 26,52% da variância e se assemelha
ao primeiro de primavera. Mostra o bem conhecido dipolo de variações entre as anomalias no centro-
-leste e no sudeste da América do Sul. Contudo, as anomalias no centro-leste são mais fortes e extensas
que na primavera, enquanto no sudeste da América do Sul são mais fracas.
Embora este modo pareça uma continuação das anomalias registradas durante a primavera, não
é este o caso, pois, como demonstrado em Grimm et al. (2007) e Grimm e Zilli (2009), há tendência
de inversão dessas anomalias de precipitação da primavera para o verão, devido a interações superfí-
cie-atmosfera causadas na primavera por anomalias de umidade do solo no centro-leste do Brasil e por
anomalias de TSM junto à costa do Sudeste do Brasil.
32 VOLUME 1
A correlação entre este primeiro modo de verão com a TSM denota a existência de mais fracas
forçantes remotas do que na primavera, já que há menos anomalias de TSM remotas a ele associadas.
As maiores ocorrem no sudoeste do Atlântico e são, na realidade, causadas pela influência das variações
de nebulosidade sobre o centro-leste do Brasil e o oceano próximo a esta região.
Na região da ZCAS, é particularmente grande a variação produzida por este modo. Tanto é assim
que, em uma área de 2°×2º no Sudeste – em torno de 45ºW e 17ºS –, na qual a precipitação média
mensal no verão é de 176,3 mm, o mesmo índice no verão de 1970 foi 65,1 mm e, em 1979, de 259,5
mm.
A variabilidade associada ao ENOS durante o verão está representada no segundo modo, que
pode ser visualizado na Figura 2.5 e explica 12,04% da variância. Ao contrário do que se passa na pri-
mavera, ele apresenta o mesmo sinal de variações no centro-leste e no Sul do Brasil. Para o mesmo sinal
de anomalias de TSM durante a primavera e o verão – cuja comparação pode ser observada nos mapas
de correlação nas figuras 2.3 e 2.5 –, o comportamento anômalo da chuva registrado no centro-leste é
oposto, coerentemente com os mecanismos explicados em Grimm et al. (2007) e Grimm e Zilli (2009).
A variabilidade interdecenal é aqui considerada como aquela com escala de tempo acima de oito
anos (Grimm e Saboia, 2015). Seus efeitos são, por vezes, confundidos com os de mudanças climáticas
antrópicas devido ao relativamente curto período das séries de dados disponíveis.
Ao se analisar a evolução temporal, poder-se-ia dizer que houve nela uma tendência decrescente,
principalmente entre 1970 e 2000. Contudo, isso simplesmente indicaria a mudança de uma fase posi-
tiva, predominante desde a década de 1960 até meados dos anos 1970, para uma fase predominante-
mente negativa, vigente de meados da década de 1970 até meados da década de 1990. Trata-se de uma
possibilidade concreta, pois este modo está significativamente associado ao de variabilidade interdecenal
de TSM conhecido como OMA, cujas escalas de tempo de variação são longas.
Tal modo de TSM mostra variações semelhantes aos de precipitação no período em que ambos
se sobrepõem, ou seja, de 1950 a 2000, apresentando, predominantemente, uma fase positiva anterior
a meados da década de 1970 e outra, negativa, que se estende até meados da década de 1990 – ver
Parker et al., 2007. Essa associação é verificada ao se correlacionar o modo de precipitação, seja com
um índice OMA, baseado na TSM do Atlântico Norte, ou com a série temporal do modo de TSM OMA.
Em ambos os casos, a correlação é altamente significativa.
34 VOLUME 1
Também seria possível ajustar tendências a alguns dos outros modos de variabilidade interdecenal
da precipitação anual durante o período que se estende de 1950 a 2000, mas não é possível afirmar tra-
tar-se, de fato, de tendências consistentes ou do produto de mudança de fase de oscilação natural entre
décadas durante esse período.
A próxima seção deste capítulo analisa as tendências possivelmente associadas à mudança climá-
tica antrópica.
Ao se levar em conta que a primavera e o verão austrais fazem parte da estação chuvosa na maior
parte do Brasil, é interessante conhecer as oscilações climáticas de longa duração em tais períodos e as
relações entre as mesmas.
O primeiro modo interdecenal de primavera, que explica 18,4% da variabilidade (Grimm e Sa-
boia, 2015), é semelhante ao primeiro interanual de primavera, representado na Figura 2.3 deste capítu-
lo. Isso deixa bem clara a modulação entre décadas à qual está submetido o impacto de ENOS (Kayano
e Andreoli, 2007). Este modo é mais fortemente conectado ao modo de TSM denominado Oscilação
Interdecenal do Pacífico (OIP, IPO em inglês, Parker et al., 2007). A OIP é associada à Oscilação Dece-
nal do Pacífico (ODP, PDO em inglês) apenas no Pacífico norte, possuindo outras características em nível
global.
Quando a OIP está em sua fase positiva, reforça (ou enfraquece) episódios El Niño (ou La Niña),
enquanto em sua fase negativa ocorre o oposto. Assim, nas últimas duas décadas anteriores a 2000,
quando a fase do modo OIP era positiva, houve aumento de precipitação da primavera no sudeste da
América do Sul – incluindo o Sul do Brasil. Ao mesmo tempo, no centro-leste do continente sul-america-
no, ocorreu redução de chuva.
O primeiro modo interdecenal de verão, que explica 17,9% da variabilidade (Grimm e Saboia,
2015), exibe igualmente um dipolo de oscilação entre o centro-leste e o sudeste da América do Sul. Sua
evolução temporal é muito similar àquela do primeiro modo da primavera. Contudo, o sinal das anoma-
lias é oposto, mostrando que a tendência à reversão entre essa estação do ano e o verão, demonstrada
em Grimm et al. (2007) e Grimm e Zilli (2009), ocorre também em escalas de tempo interdecenais e não
apenas interanuais.
Assim, a grande maioria das tendências detectadas na precipitação do Brasil pode ser explicada
por mudanças de fase em oscilações interdecenais.
É impossível afirmar que existe uma tendência consistente nos modos interdecenais de preci-
pitação para o período de 1950 a 2000, por ser este relativamente curto e, portanto, tal tendência
poder apenas ser efeito de mudança de fase em oscilação interdecenal. Contudo, quando se estuda a
variabilidade global da TSM, em um período de 100 anos ou mais, o primeiro modo de variabilidade
Cabe ressaltar, contudo, que as séries de TSM não são muito confiáveis nas primeiras décadas do
século XX, por se basearem em poucas observações (Rayner et al., 2003).
Quando a série temporal de variação do modo de tendência da TSM é correlacionada com séries
médias de precipitação de 1950 a 2000 em áreas de 2,5° × 2,5° na América do Sul, aparecem correla-
ções significativas em várias regiões do Brasil, como se indicassem também tendências de longo período
na precipitação, conforme retratado na Figura 2.7. Entretanto, como as séries de precipitação são mais
curtas do que as de TSM, só é possível correlacioná-las no período em que os dois tipos de dados se
sobrepõem, ou seja, ao longo da segunda metade do século XX.
Como nessas cinco décadas houve mudança de fase para uma importante oscilação interdecenal
de longo período, a OMA (ou terceiro modo de Parker et al., 2007), esta troca pode ter influenciado a
correlação mencionada. Na realidade, foi isto o que se deu, em boa parte pelo menos, pois as regiões
e o sinal de correlação significativa de precipitação sobre a América do Sul de 1950 a 2000 são muito
semelhantes, tanto com o modo de TSM de tendência (o primeiro modo de Parker et al., 2007) como com
o OMA (o terceiro modo de Parker et al., 2007). Embora a correlação com este último não seja mostrada
neste capítulo, ela é similar ao primeiro modo interdecenal de precipitação, representado na Figura 2.6.
As regiões em que estas correlações indicam aumento de precipitação são partes do Centro-Oeste, sul da
Amazônia e Sul do Brasil, além de outras áreas da baixa Bacia Hidrográfica dos rios Paraná e da Prata,
como o Nordeste da Argentina e Uruguai, conforme se observa na Figura 2.7.
Os padrões de correlação da Figura 2.7 são muito semelhantes aos padrões espaciais do pri-
meiro modo interdecenal de precipitação anual, representado na Figura 2.6. Este modo, por sua vez,
tem maior correlação justamente com o primeiro modo de TSM, indicador de tendência, mas também é
significativamente correlacionado com o terceiro – OMA –, cuja tendência é similar ao longo do período
de 1950 a 2000. Há também correlação com o modo ODP de TSM – não mostrada, mas revelada pela
correlação forte com a TSM no Pacífico Norte extratropical. Todos esses modos tiveram variações seme-
lhantes no período de 1950 a 2000, que explicam tais correlações. A mais forte, no entanto, é com o
primeiro modo.
Estes resultados concordam com estudos anteriores feitos sobre tendências e variações interdece-
nais na Amazônia. Por exemplo, Marengo (2004) apontou que em meados da década de 1970, o norte
dessa região passou a receber menos precipitação, enquanto sobre a sua porção sul a incidência de
chuvas aumentava, em consonância com a Figura 2.6. O autor atribuiu tais fatos a variações de TSM no
Oceano Pacífico, o que, por sua vez, concorda com o fato de que este modo esteja muito associado a
um modo de TSM com padrão igual ao do ODP. Também, o fato de Zeng et al. (2008) terem associado
a seca de 2005 no sul da Amazônia à TSM mais quente no Atlântico Tropical Norte corrobora a ideia de
que o modo exibido à Figura 2.6 deste capítulo esteja muito associado com o modo de TSM OMA.
36 VOLUME 1
Color sig.: cp1 Rot. and rainfall: Annual 1950 – 2000 - color
O relatório IPCC-AR4 (2007) aponta que na parte baixa da Bacia Hidrográfica dos rios Paraná e
da Prata, a maioria dos modelos indica aumento de precipitação de verão (DJF) em um cenário de mu-
dança antrópicas, o que é coerente com os resultados acima.
Por outro lado, os modelos não apontam significativas mudanças na precipitação do Centro-
-Oeste do Brasil, conforme se observa na Figura 2.8 deste capítulo. Ao contrário, indicam até mesmo
diminuição. Esse comportamento distinto pode sugerir que as variações exibidas para esta região pelo
primeiro modo de precipitação, aqui visualizado na Figura 2.6, e as fortes correlações identificadas entre
precipitação nesta região e o modo de tendência de TSM, mostradas na Figura 2.7, não acusam efeito
de mudança do clima. Infelizmente, as séries de precipitação nesta região são muito curtas.
No Norte do Brasil, as anomalias de precipitação exibidas na Figura 2.6, assim como as correla-
ções positivas mostradas na Figura 2.7, ambas indicando tendência de diminuição de chuva entre 1950
e 2000, mostram coerência apenas parcial com a projeção de redução de precipitação feita para parte
dessa região durante os meses de verão, DJF, em um cenário de mudança climática. Contudo, também
nesta região, as séries são, de modo geral, curtas.
Estes aspectos são mais facilmente visíveis na Figura 2.8 deste capítulo, que mostra as mudanças
projetadas para a precipitação a partir de uma média ponderada dos resultados de 19 modelos usados
na elaboração do IPCC-AR4 (Nohara et al., 2006).
Porém, a tendência de maior incidência de chuvas indicada para o Centro-Oeste do Brasil, como
representado nas figuras 2.6 e 2.7, não é coerente com as mudanças projetadas para esta região na
Figura 2.8. Tampouco a diminuição de chuva projetada para o extremo norte da América do Sul encontra
correspondência nas figuras 2.6 e 2.7.
Uma indicação de que pelo menos na baixa Bacia Hidrográfica do Rio da Prata e pelo menos no
século XX há tendência crescente de precipitação é mostrada pela série de precipitação de verão numa
estação nesta região, conforme representado na Figura 2.9a deste capítulo. O padrão de correlação
desta série com TSM, exibido à Figura 2.9b, reproduz bem o primeiro modo de tendência de TSM (Parker
et al., 2007). Contudo, há tendência decrescente na precipitação desta estação nas últimas décadas do
século passado. Portanto, é necessária cautela na suposição de que a tendência crescente se manterá.
38 VOLUME 1
2.3. OBSERVAÇÕES SOBRE MUDANÇAS CLIMÁTICAS NA AMÉRICA DO SUL
As análises de variabilidade interdecenal e/ou mudanças climáticas no Brasil tem usado, em geral,
séries curtas de observações e com descontinuidades provocadas por vários motivos (vide seção 2.3.5). O
problema principal destas análises reside no fato de que as tendências, qualquer que seja a metodologia
utilizada, são muito sensíveis ao período utilizado, dando lugar a resultados geralmente não conclusivos
e com pouca confiabilidade de representar mudanças climáticas. Não é possível separar com confiança
as variações naturais das antrópicas na maioria dos resultados apresentados. Apesar das limitações, os
estudos apresentados nas próximas seções são úteis no sentido de apresentar variações observadas em
padrões de precipitação, temperatura e outras variáveis.
Nesta seção serão revistos vários estudos de mudanças climáticas realizados para o Brasil. Como
a variabilidade climática natural de chuvas e vazões associada à variabilidade climática natural em esca-
la global ou em certos oceanos é muito forte na América do Sul (e.g., Grimm, 2011; Grimm e Saboia,
2015), tais estudos podem revelar tendências que são devidas a fatias temporais desta variabilidade na-
tural, pois estes estudos são geralmente baseados em séries relativamente curtas.
Há alguns estudos identificando tendências climáticas na chuva e vazões da Amazônia (e.g., Chu
et al., 1994; Dias de Paiva e Clarke,1995; Marengo, 2004; Chen et al., 2003). Chu et al. (1994) mos-
traram um aumento sistemático da convecção sobre o norte da Amazônia desde 1975 até o início dos
anos 1990, que poderia indicar um aumento de chuva na região. Por outro lado, Dias de Paiva e Clarke
(1995), usando dados de 48 estações, das quais aproximadamente 1/3 começa no início da década de
1960 (e bem poucas antes disto) e 2/3 no início da década de 1970 (ou final da de 1960), mostram
tendência de aumento na parte central/leste da Amazônia e de diminuição na parte oeste/noroeste.
Marengo (2004), usando dados que têm mais confiabilidade no período 1950-1999, aponta tendências
negativas em toda a bacia e, a nível regional, tendência negativa no norte da Amazônia e positiva no
sul. O trabalho de Obregón e Nobre (2003) mostra que entre as décadas de 1950 a 1990 houve uma
diminuição significativa de precipitação no extremo noroeste da Amazônia, com a presença de variabili-
dade interdecenal muito conspícua. Análises de tendências climáticas para o período de 1965 a 2006,
efetuadas pelo Servicio Nacional de Meteorologia e Hidrologia del Perú (SENAMHI, 2010), mostram que
as precipitações anuais na região da selva (Amazônia) apresentam diminuição estatisticamente significa-
tiva, coerente com o mostrado no oeste da Amazônia. Já na região montanhosa, há predomínio de ten-
dência positiva, mas são escassos os valores estatisticamente significativos e as regiões sul, centro e norte
apresentam características regionais próprias. Com base em 18 longas séries de estações situadas ao
longo do Amazonas (1925–2007, com falhas), Satyamurty et al. (2009) concluíram que, na média destas
estações, não há tendência significativa e que, portanto, não se pode afirmar que a chuva na Amazônia
esteja sofrendo mudança significativa. Algumas estações mostram tendência positiva, outras mostram ten-
dência negativa, sendo a tendência na maioria delas não significativa e de forma alternada no espaço. É
interessante notar que a maioria destas estações está ao sul do Rio Amazonas e próxima do rio, portanto,
numa região de fracos componentes do primeiro modo interdecenal de chuva anual (Figura 2.6, Grimm
e Saboia, 2015). Contudo, entre as estações no oeste da bacia, a maioria apresenta tendência negativa,
e uma das séries mostradas como exemplo de tendência negativa (Benjamin Constant) mostra variação
interdecenal muito semelhante à deste primeiro modo (Figura 2.6), indicando que a tendência revelada
na realidade se deve à mudança de fase deste modo.
Embora haja algumas discrepâncias no conjunto de resultados acima descritos, devido a di-
ferentes períodos e diferentes conjuntos de dados analisados, a maioria deles concorda com as va-
riações do primeiro modo de variabilidade interdecenal apresentado na Figura 2.6. Este modo mos-
tra que há variações opostas de precipitação em regiões diferentes da Bacia Amazônica. Este modo,
como já citado anteriormente, é muito ligado com os modos AMO e PDO que, entre 1950 e 1990
apresentaram mudanças de fase que produziram a maioria das tendências acima detectadas:
Algumas aparentes discrepâncias nas tendências são também visíveis no estudo de outros pa-
râmetros relacionados, como o transporte de umidade na Bacia Amazônica. Por exemplo, para Costa
e Foley (1999) houve redução no transporte de umidade no período 1979-96, enquanto para Curtis e
Hastenrath (1999) houve tendência positiva no período 1950-99.
Na Região Sul do Brasil, o aumento das chuvas no período 1950-2000 pode também ser obser-
vado nos registros hidrológicos, como a vazão do Rio Iguaçu e do alto Paraná (Liebmann et al., 2004).
Tendências positivas neste período também foram observadas nas vazões dos Rios Paraguai, Uruguai
e Paraná, no seu trecho inferior, e no Rio Paraná, em Corrientes (Robertson e Mechoso, 1998). Foram
observados incrementos da chuva em partes da bacia do Paraná/Prata, de cerca de 6% para o período
de 1971 a 1990 em relação a 1930-1970 (Obregon e Nobre, 2003; Tucci e Braga, 2003). Milly et al.
(2005) também observaram aumento de vazão na Bacia do Paraná/Prata entre os períodos 1900-1970
e 1971-1998 (Figura 2.10). Essas variações de vazão são consistentes com o modo 1 de variabilidade
interdecenal de totais anuais (Figura 2.6) e com o modo 4 (não mostrado). É interessante notar que os
aumentos nas vazões geralmente são maiores que os aumentos na precipitação das bacias, o que tem
sido explicado pela mudança no uso do solo (Tucci e Clarke, 1998; Collischonn, 2001; Liebmann et al.,
2004). No Norte da Argentina, o aumento das chuvas produziu o aumento do nível da Laguna Mar Chi-
quita (Piovano et al., 2002) e a extensão da fronteira agrícola.
Em algumas bacias do Sudeste e Nordeste do Brasil, os registros do Rio Paraíba do Sul em Resen-
de, Guaratinguetá e Campos, e do Rio Parnaíba em Boa Esperança (Região Sudeste); e do São Francisco
em Juazeiro (Região Nordeste), apresentam tendências hidrológicas nas vazões e cotas que não são
40 VOLUME 1
consistentes com redução ou aumento na chuva nas bacias, indicando que é pouco provável que o clima
esteja mudando significativamente nestas regiões (Marengo et al., 1998; Marengo e Alves, 2005). Isto é
coerente com o modo 1 da Figura 2.6, no qual não há fortes componentes nesta região, e com o cam-
po de correlações na Figura 2.7. No caso do Rio Paraíba do Sul (Marengo e Alves, 2005), as vazões e
cotas apresentam uma tendência negativa sistemática desde 1920 e a chuva durante a estação chuvosa
(DJF) no vale do Paraíba do Sul, não apresenta tendência negativa que poderia explicar as reduções nas
vazões. Assim, é possível que as variações observadas sejam provocadas pelo gerenciamento regional da
água e causas relacionadas à atividade humana.
O primeiro modo interdecenal de totais anuais de precipitação (Figura 2.6) não mostra fortes
componentes no Nordeste do Brasil. Contudo, o segundo modo (não mostrado) revela que naquela
região há forte variabilidade decenal, com períodos em torno de 12 anos e maiores, associada principal-
mente com a variabilidade do Atlântico (Grimm e Saboia, 2015), mas sem clara tendência no período
1950-2000, podendo esta assumir diferentes sinais de acordo com o período analisado. Um exemplo
desta dependência das tendências em relação ao período analisado pode ser achado na comparação de
diferentes estudos: enquanto Santos e Brito (2007) detectaram tendência positiva no Rio Grande do Norte
e Paraíba no período 1935-2000, Lacerda et al. (2009) identificaram tendência negativa em Pernambuco
no período 1965-2004. A inspeção do modo de variabilidade interdecenal com mais fortes componentes
no Nordeste do Brasil no período 1900-1993 (figura não mostrada, ver Grimm e Saboia, 2013) revela
que realmente as tendências da chuva no Nordeste nestes dois períodos são opostas e que no longo pra-
zo pode não haver tendência.
Os principais aspectos descritos acima estão consistentes com as tendências calculadas para o
período 1951-2000 por Obregon e Marengo (2007) e apresentadas na Figura 2.11: tendências negati-
vas no norte e oeste da Amazônia, positivas no sul da Amazônia, positivas no Centro-Oeste e Sul do Bra-
sil, ausência de tendência no Nordeste. Contudo, conforme já alertado, tais tendências podem dever-se à
mudança de fase de modo de variabilidade interdecenal no período analisado. As Figuras 2.12a-d mos-
tram as tendências da precipitação total sazonal. As estações de verão (DJF) e outono (MAM) apresentam
padrões similares ao da tendência anual, com valores que variam de acordo com a estação chuvosa de
cada região. Nas outras estações, a distribuição é relativamente diferente e a intensidade das tendências é
menor. Ressalta-se que no extremo noroeste da Amazônia e na Região Sul as tendências seguem padrões
similares que ao do total anual. Já no Centro-Leste do Brasil (MG, BA, ES) as tendências na primavera e
verão são opostas na maioria das estações, o que é consistente com a relação entre os primeiros modos
interdecenais de primavera e verão, descrita na Seção 2.2.3 e mostrada em Grimm e Saboia (2015).
42 VOLUME 1
2.3.2 TEMPERATURA
A América do Sul possui a maior parte do seu território localizado em áreas tropicais e subtropi-
cais. Mudanças sazonais em padrões de temperatura em regiões tropicais são primariamente controladas
por alterações da massa de ar dominante que induz variações em nebulosidade e consequentes mu-
danças nos balanços de energia (e.g., McGregor e Nieuwolt, 1998), enquanto nas regiões subtropicais
estas mudanças são devidas principalmente à passagem de ciclones extratropicais (frentes frias), que não
apenas provocam mudança de nebulosidade, mas também a alteração da massa de ar dominante (de
tropical para polar). Mudanças na cobertura do solo também contribuem para variações regionais de
temperatura. Por exemplo, alterações das vegetações nativas por agricultura ou pastagem alteram a eva-
potranspiração e o albedo, influenciando diretamente o clima (Sampaio et al., 2007). Mudanças no uso
da terra frequentemente alteram a emissão de gases de efeito estufa que levam a mudanças climáticas
e indiretamente influenciam a temperatura local (Bonan, 2008; Macedo et al., 2008; Searchinger et al.,
2008; Giorgescu et al., 2009, 2011; Loarie et al., 2011). A queima de biomassa vegetal e consequente
emissão de aerossóis podem ter um efeito significativo na temperatura da superfície devido à absorção
e reflexão da radiação solar pelos aerossóis e pela aumentada cobertura de nuvens induzida por eles,
conforme foi demonstrado por Davidi et al. (2009) para a estação seca na Amazônia.
Tendências nas temperaturas médias, desvios-padrão, e extremos foram avaliadas para o verão
(dezembro-fevereiro) e inverno (junho-agosto) entre 1959-98 sobre a Argentina (Rusticucci e Barrucand,
2004). Os autores mostraram uma tendência negativa no número de noites frias e dias quentes, enquanto
que o número de noites quentes e dias frios aumentou em várias localidades, sobretudo durante o verão.
Quintana-Gomez (1999) analisou tendências de temperatura na Venezuela e na Colômbia entre 1918-
1990 e mostrou evidência de que houve um aumento sistemático das temperaturas mínimas e decréscimo
na amplitude do ciclo diurno com uma taxa acelerada, particularmente nos últimos 25 anos da análise.
Sobre o Brasil, vários estudos foram feitos para diferentes regiões. Para a Amazônia, Marengo
(2003) encontrou uma tendência de aquecimento de 0,85 ºC (em 100 anos) estimada até 2002. Maren-
go e Camargo (2008) investigaram tendências na temperatura mínima e máxima e na amplitude térmica
diurna e derivaram índices para temperaturas extremas entre 1960-2000 nos estados do Sul do Brasil
(Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul). Verificaram que a maior parte das estações meteorológicas
mostra um acentuado aumento nas temperaturas noturnas (inferidas pelas temperaturas mínimas) compa-
rativamente a um ligeiro aumento das temperaturas diurnas (inferidas pelas temperaturas máximas) duran-
te todo o ano. Como consequência, tem havido um decréscimo na amplitude térmica diurna no período
analisado. As tendências de aquecimento foram mais fortes no inverno comparativamente com o verão.
Marengo e Camargo (2008) também chamam atenção ao fato de que a frequência maior de eventos
El Niño durante os últimos 20 anos da análise (i.e., 1982-2002) comparativamente ao período anterior
(1960-1980) poderia ter exercido um papel não desprezível na ocorrência de temperaturas mais altas e
na tendência de extremos no Sul do Brasil. Foram usados índices de temperaturas extremas usando limites
pré-determinados de temperaturas máximas e mínimas, com a finalidade de detectar dias frios e quen-
tes. O estudo mostrou que a frequência de dias considerados quentes, segundo estes índices, aumentou
durante o verão e inverno, especialmente durante as duas últimas décadas da análise. As tendências po-
sitivas observadas nas temperaturas mínimas e nos dias mais quentes durante o inverno ocorreram mes-
mo durante anos em que se observaram eventos extremos frios (ou friagens), como 1975, 1994, 2000.
Mais recentemente, Obregon e Marengo (2007) apresentaram uma análise observacional das
tendências da temperatura em 25 localidades Brasileiras durante o período 1961-2000 (Figura 2.13),
apontando para uma predominância de aumento das temperaturas médias, máximas e mínimas, tanto
para valores anuais como sazonais, com alguns casos de tendências negativas. A máxima tendência ob-
servada das temperaturas médias anuais foi de 0,6 ºC/década, numa localidade do Nordeste. Para as
temperaturas máximas anuais, a máxima tendência observada foi de 0,6 ºC/década, enquanto para as
temperaturas mínimas anuais foi de 1,4 ºC/década. Por outro lado, Salati et al. (2007) fizeram uma aná-
lise de diferenças de temperaturas médias, máximas e mínimas anuais, entre 1991-2004 e 1961-1990
para diferentes regiões do Brasil. As diferenças foram positivas, variando de 1,5°C, para a temperatura
mínima na Região Norte, a 0,3°C, para a temperatura máxima da Região Sul.
44 VOLUME 1
Figura 2.13 Tendência para o período de 1961 a 2000
da temperatura do ar média anual (painel superior),
máxima média anual (painel central) e mínima
média anual (painel inferior), em ° C por década.
Círculos com contornos grossos indicam significância
estatística na análise não paramétrica do Teste Mann-
Kendal no nível de significância de 0,05.
Fonte: Obregón e Marengo (2007).
De acordo com o estudo de Obregon e Marengo (2007), a distribuição das tendências da tem-
peratura média anual mostra valores negativos em duas estações sobre a parte norte da Amazônia e
em uma no extremo leste de Minas Gerais, com valores significativos de até -0,4 ºC/década. Em outras
estações (oeste da Amazônia, Nordeste e Centro do Brasil), os valores são positivos e significativos, entre
+0,3 ºC/década e +0,4 ºC/década (~1,2 a 1,6 ºC em 40 anos), na maioria dos casos. O valor extremo
positivo é observado em Pesqueira (Nordeste) com valor aproximado de +0,6 ºC/década (Figura 2.13,
painel superior). Sobre a maior parte das estações observa-se um incremento da temperatura máxima
média anual (Figura 2.13, centro), com valores até de 0,6 ºC/década (~2,5 ºC/40 anos), que são sig-
nificativos estatisticamente, com exceção da Região Sul. Também se observam pontos isolados sobre a
Amazônia e sobre o Sudeste com valores negativos significativos em torno de -0,2 ºC/década a -0,3 ºC/
década (entre -0,8 a -1,2 ºC/40 anos). Valores positivos de tendências da temperatura mínima média
anual (Figura 2.13, painel inferior) são observados sobre todas as estações analisadas. Os valores máxi-
mos são observados sobre o estado de Tocantins com valor de +1,4 ºC/década. Valores não significati-
vos são observados somente sobre parte do extremo noroeste da Amazônia, Rio de Janeiro e leste do Rio
Grande do Sul.
Os efeitos da mudança de uso da terra sobre a temperatura são especialmente fortes em centros
urbanos, que são as paisagens mais alteradas em relação aos ecossistemas e processos naturais. A ele-
vação das temperaturas em grandes cidades é geralmente explicada em termos dos processos básicos
de balanço de energia na superfície, como trocas de radiação de onda curta e de onda longa e fluxos
de calor sensível e calor latente (Blake et al., 2011). Em relação à radiação de onda curta (ou radiação
solar), o albedo (ou refletividade) das cidades é muito menor que as superfícies naturais, devido às dife-
rentes coberturas (por ex., asfalto escuro, coberturas de edifícios, etc.) e aprisionamento de radiação nos
“canyons” urbanos. Isto produz eficiente absorção de radiação de onda curta. Os profundos “canyons”
Apesar de alguns estudos indicarem que há discrepâncias entre dados observados e dados de
reanálises do National Centers for Environmental Predictions/National Center for Atmospheric Research
NCEP/NCAR (Kalnay et al., 1996), devido a diversas razões, como mudanças nos sistemas de observa-
ções, problemas do modelo em representar bem a topografia real, processos de convecção e precipita-
ção, processos de superfície, etc. (Rusticucci e Kousky, 2002; Kalnay e Cai, 2003; Cai e Kalnay, 2005;
Nuñez et al., 2008), o uso de dados de reanálise permite estudos espacialmente mais abrangentes, com
dados homogeneamente distribuídos. Por exemplo, Collins et al. (2009) investigaram a variação da tem-
peratura do ar a 2 m da superfície na América do Sul, usando dados dessa reanálise, entre 1948 e 2007.
No verão austral (DJF), a maior parte do continente tem temperatura entre 21 ºC e 24 ºC durante 1948-
1975, mas para 1976-2007 a temperatura média está acima de 24 ºC. No inverno (JJA), a temperatura
cresceu na região tropical (20°S-10°N, 80°-35°W) no período mais recente, indicando que o Nordeste
e o Centro do Brasil estão mais quentes. Nos últimos 7 anos (2001-2007) houve maior aquecimento na
região tropical do continente, especialmente no Nordeste e sobre o Atlântico Norte, em comparação a
períodos anteriores, e resfriamento é observado em parte da região subtropical (60°-20°S, 75°-50°W)
(Figura 2.14). Os resultados indicam que as variações de temperatura não são predominantemente pro-
duzidas por ENOS, mas por outra variabilidade natural (como a oscilação interdecenal PDO/IPO) e/ou
pode ser antrópica.
46 VOLUME 1
Em estudo recente, Carvalho et al. (2012) também utilizaram dados da reanálise NCEP/NCAR
para investigar mudanças no sistema de monções da América do Sul e examinaram o aquecimento de
baixos níveis (850 hPa). Foram utilizados dados médios em 5 dias no período que se estende entre 1948-
2009 e com resolução espacial de 2,5º latitude por 2,5º longitude. O nível de 850 hPa foi escolhido por
se tratar de um nível próximo à superfície (em torno de 1460 m de altitude), mas que se encontra acima
da topografia média sobre áreas tropicais da América do Sul (com exceção dos Andes). Esse estudo exa-
minou a variação interanual das áreas com T≥ 18 ºC e T≤ 15 ºC. Temperaturas maiores ou iguais a 18
ºC em 850 hPa são observadas sobre áreas continentais durante todo o ano. Portanto, o monitoramento
de áreas com T≥ 18 ºC pode ser utilizado como uma aproximação para inferir o aquecimento em baixos
níveis sobre áreas de terra, em contraste com áreas oceânicas. Por outro lado, temperaturas inferiores a
15 ºC em 850 hPa são observadas em latitudes subtropicais e sobre os oceanos. Portanto, o monitora-
mento da evolução de áreas com este limiar representa o efeito de aquecimento ou resfriamento sobre os
oceanos. A Figura 2.15 mostra a evolução dos limiares T=18 ºC e T=15 ºC a cada 5 anos, iniciando em
1948 para os meses de outubro (Figura 2.15a,b), novembro (Figura 2.15c,d), dezembro (Figura 2.15e,f)
e janeiro (Figura 2.15g,h). Em meses de inverno (maio-julho) áreas com T≥18 ºC migram para a América
do Norte acompanhando o ciclo sazonal solar, retornando para a América do Sul em agosto. Os resul-
tados destes estudos evidenciam que o aquecimento em baixos níveis da atmosfera durante o verão tem
se expandido muito mais em direção ao equador e Leste do Brasil nos últimos 60 anos do queem direção
aos subtrópicos e extratrópicos. Esta expansão está, em grande parte, relacionada com a maior extensão
geográfica da América do Sul em latitudes tropicais. A diminuição das áreas com T=18 ºC sobre o con-
tinente em DJF comparativamente a outubro e novembro (Figura 2.16) deve-se ao papel do aumento de
nebulosidade e diminuição da radiação solar direta no pico da monção de verão sobre a temperatura em
baixos níveis. Carvalho et al. (2012) mostraram que o aumento de temperatura não é uniforme sobre as
áreas tropicais. Existem evidências que o aquecimento está sendo mais pronunciado sobre Goiás e To-
cantins na última década (i.e, entre 2000-2009), comparativamente com períodos anteriores. A migração
da isoterma T=15 ºC em direção às mais altas latitudes sobre o Atlântico Tropical (Figura 2.15b,d,f) está
provavelmente associada com a tendência de aumento de TSM nesta região do Atlântico em décadas re-
centes (e.g, Seager et al., 2010). Estas mudanças na temperatura dos baixos níveis têm papel importante
para os contrastes-oceano atmosfera e para o desenvolvimento e manutenção do sistema de monções.
48 VOLUME 1
A Figura 2.16 mostra a evolução temporal das áreas com temperaturas maiores que 18 ºC que
interceptam a América do Sul em setembro, outubro e novembro (adaptado de Carvalho et al., 2012)
com respectivas tendências lineares (todas significativas ao nível de 5%). Mudanças de regime da média
(shifts) foram testadas para as séries temporais mostradas na Figura 2.16, de acordo com o método des-
crito em Rodionov (2004). Este método está baseado em um processamento sequencial de dados pelo
qual são testadas diferenças na média entre dois segmentos de dados de comprimento L. Diferentes va-
lores de L foram utilizados. Mostra-se que para 8≤ L ≤10 existe uma mudança de regime para as áreas
com T≥18 ºC em novembro entre 1976 e 1977. Para o mês de setembro, a mudança de regime ocorre
em 1997 e em outubro existe uma mudança de regime em 2001. Um grande número de estudos tem
discutido a ocorrência de mudança rápida (shift) no clima global em meados e fim dos anos 70 (Zhang
et al., 1998; Deser et al., 2004; Deser e Phillips, 2006; Kayano et al., 2009). Existem fortes evidências
de que a transição do clima nos anos 70 esteve associada com mudanças na TSM dos oceanos Pacífico
e Indico, e existe evidência substancial de que estes oceanos têm sofrido aquecimento desde 1977 com
impactos globais. Mais estudos precisam ser feitos para compreender as mudanças de regime observadas
nas áreas com T≥ 18 ºC no final dos anos 90 e início dos anos 2000, assim como a influência da varia-
bilidade climática interdecenal sobre a temperatura na América do Sul.
Septiembre
Área 18 C 850hPa (km2)
Octubre
Noviembre
As Regiões Sul e Sudeste do Brasil são altamente vulneráveis com relação a eventos extremos de
precipitação, devido à alta concentração demográfica e por estarem sujeitas à ação de sistemas meteoro-
lógicos que podem causar intensa precipitação. A ocorrência de secas nessas regiões também é um fator
Os casos de precipitação intensa no Sudeste do Brasil tem sido relacionados com a ação de siste-
mas sinóticos, como sistemas frontais (Lima et al., 2009; Vasconcellos e Cavalcanti, 2010a) e a Zona de
Convergência do Atlântico Sul (ZCAS) (Carvalho et al., 2002; Lima et al., 2009). No Estado de São Paulo,
onde tem ocorrido muitos casos de enchentes, alagamentos e deslizamentos de encostas, a maioria dos
casos extremos de precipitação é registrada de outubro a março (Liebmann et al., 2001). É nessa época
que há ocorrência da ZCAS, a qual pode permanecer por vários dias sobre o Sudeste do Brasil. A maioria
dos eventos extremos diários nesse estado foi associada com intensa ZCAS em Carvalho et al. (2002).
Na Região Sudeste do Brasil, 53% dos eventos extremos no período de novembro a março ocorreu na
presença de frentes frias e 47% foi associado à ZCAS (Lima et al., 2009).
Outros casos de precipitação extrema ocorrem em anos neutros com relação ao ENOS, e podem
ser associados a outras forçantes, como variabilidade intrasazonal, teleconexões, intensificação de siste-
mas sinóticos, situações de bloqueio, ou sistemas de mesoescala. Alguns exemplos: a seca nas regiões
Central e Sudeste do Brasil, em 2000/2001 (Cavalcanti e Kousky, 2004), a qual provocou uma crise ener-
gética no Brasil; a intensa precipitação na Bacia do Prata em 2001/2002 e 2002/2003 (Silva e Berbery,
2006), e a seca prolongada na Amazônia em 2005 (Marengo et al., 2008). Outro caso recente de seca
na Amazônia foi registrado em 2010 (Marengo et al., 2011). O evento Catarina, considerado um sistema
híbrido tropical-extratropical, estudado por Pezza e Simmonds (2005), embora não tenha causado intensa
precipitação, foi acompanhado por ventos intensos que causaram sérios prejuízos na região afetada.
Fatores locais, como a topografia e a proximidade da costa, intensificam a precipitação nas áreas
costeiras, o que influi nos extremos dessas regiões, principalmente sob a ação de sistemas sinóticos. Ca-
sos extremos na Serra do Mar no verão de 1983 e no outono de 2005, associados a sistemas convectivos
embebidos em sistemas frontais, tiveram contribuição da topografia e da brisa marítima (Vasconcellos e
Cavalcanti, 2010a). Teleconexões e modos de variabilidade no Hemisfério Sul têm influência na precipi-
tação sobre o Brasil. O modo anular do Hemisfério Sul ou Oscilação Antártica e o padrão Pacific-South
America (PSA) foram identificados como padrões dominantes em casos extremos de verões chuvosos e
secos no sudeste do Brasil, quando também ocorreu o dipolo de precipitação entre o Sudeste do Brasil
e Argentina (Vasconcellos e Cavalcanti, 2010b). Alterações produzidas na superfície em grandes centros
urbanos podem também alterar padrões de precipitação, embora o impacto de centros urbanos sobre a
precipitação não seja tão bem estabelecido como o impacto sobre a temperatura (Blake et al., 2011). Em
São Paulo, a ocorrência de eventos extremos de precipitação mostra tendência positiva entre 1933-2010
(Silva Dias et al., 2012). Durante a estação seca, índices climáticos de grande escala e as anomalias de
TSM regionais explicam grande parte da tendência e variabilidade observadas, mas, na estação chuvosa,
tal percentual cai. Os autores sugerem que outro possível mecanismo influindo na ocorrência crescente
de eventos extremos de precipitação na estação chuvosa é a presença da área urbana com seus efeitos
50 VOLUME 1
de “ilha de calor” e de poluição. Pereira Filho et al. (2007) concluem que de 1936 a 2005 a precipitação
média diária mensal aumentou significativamente em São Paulo, principalmente no período chuvoso.
Alguns índices têm sido usados para análises de extremos de precipitação (Haylock et al., 2006),
como R95t (fração da precipitação total anual devida a dias com precipitação que excedem o percentil
95), R10 (número de dias com precipitação ≥ 10 mm), CDD (número de dias consecutivos sem chuva),
SPI (anomalias de precipitação normalizadas pelo desvio padrão). Observações em estações de superfície
de 1960 a 2000 mostram que houve tendência positiva em casos extremos de precipitação no Sul e Su-
deste do Brasil, enquanto no Nordeste do Brasil, a tendência foi negativa (Haylock et al., 2006). Tendên-
cias positivas no número de casos no Sul e Sudeste do Brasil também foram registradas por Marengo et
al. (2010a), Penalba e Robledo (2010), Rusticucci et al. (2010). Contudo, Lacerda et al. (2010) mostram
que na década de 2000 ocorreram recordes históricos de totais diários de chuva no estado de Pernam-
buco, especificamente nas bacias hidrográficas do Una e do Mundaú. Estudos realizados para o período
1965-2005 por Lacerda et al. (2009) na microrregião do Pajeú no Sertão de Pernambuco mostraram
que há aumento dos dias secos, da duração média dos veranicos e dos máximos veranicos. Os veranicos
são definidos como um número de dias consecutivos sem chuva, considerando todos os valores da série
menores ou iguais a 5 mm. Santos e Brito (2007) usaram índices de extremos climáticos propostos pelo
IPCC-AR4 para diagnosticar o aumento do número de dias com chuva e número de dias muito úmidos
e aumento das chuvas superiores a 50 mm nos estados do Rio Grande do Norte e Paraíba, utilizando
série histórica com 65 anos de dados observacionais. Essas tendências devem ser alvo de investigação
mais profunda e detalhada, pois podem estar associadas a variações das anomalias de TSM nos oceanos
Atlântico e Pacífico tropical, que podem explicar grande parte da variabilidade climática observada na Re-
gião Nordeste. Santos e Brito (2007) demonstraram que há forte correlação dos dias consecutivos secos
com a dinâmica da vegetação do bioma Caatinga, que é mais influenciada pela ocorrência de extremos
de precipitação e de veranicos do que a dinâmica da vegetação típica do setor leste do Nordeste, que é
composto, predominantemente, pela Mata Atlântica. Silva e Azevedo (2008) mostraram para o município
de Irecê, na Bahia, que houve diminuição no total anual de precipitação e aumento na intensidade das
chuvas maiores que 20 mm, no período 1970-2006. Ressalta-se que os estudos citados acima, utiliza-
ram o método proposto por Frich et al. (2002), para obtenção dos índices climáticos extremos, e que
esta mesma metodologia foi utilizada para elaboração dos índices citados no relatório do IPCC-AR4. O
aumento de casos extremos no Sul e Sudeste e diminuição no Nordeste em cada década no período de
1951 a 2003 foi mostrado em Alexander et al. (2006). Contudo, Blain e Kayano (2011) não acharam
significativas tendências climáticas nas séries mensais do Índice Padronizado de Precipitação de Campinas
(SP) no longo período 1890-2007. Períodos de seca, indicados pelo índice CDD (dias consecutivos sem
chuva) apresentaram tendência negativa na Região Centro-Oeste e Sul do Brasil (Rusticucci et al., 2010).
Tal como no caso das precipitações totais mensais, sazonais ou anuais, também as tendências de
eventos extremos dependem dos períodos analisados.
Entretanto, atualmente não existem evidências de aumento na atividade global de raios em res-
posta ao aquecimento global (Pinto Jr., 2009), embora existam evidências locais em centros urbanos
(Pinto Jr. e Pinto, 2008; Pinto Jr. et al., 2013) como indicando altas correlações entre a temperatura su-
perficial do ar e a atividade de raios em intervalos curtos de tempo (Williams, 2005; Price e Asfur, 2006a;
Sekiguchi et al., 2006).
Mudanças nos extremos de temperaturas têm uma influência maior no Sul e Sudeste do Brasil,
regiões que são frequentemente afetadas por incursões de massas de ar frio. No inverno, muitas vezes
há ocorrência de geadas e perdas agrícolas nessas regiões, porém algumas incursões atingem o sul da
Amazônia em casos conhecidos como friagens. Ondas de calor também têm um impacto maior nas Re-
giões Sul e Sudeste do Brasil, onde as temperaturas são mais amenas do que nas Regiões Centro-Oeste
e Norte do país.
Extremos de temperatura na América do Sul têm sido estudados através de índices, os quais
podem ser encontrados em Rusticucci e Barrucand (2004), Vincent et al. (2005), Marengo e Camargo
(2008), Rusticucci et al. (2010), Marengo et al. (2010a). Tendências positivas na temperatura mínima e
número de noites quentes foram observadas em várias áreas do sudeste da América do Sul (Marengo e
Camargo, 2008; Rusticucci e Barrucand, 2004; Rusticucci e Renom, 2008). Em particular, para o Sul do
Brasil, foi observada uma diminuição no número de noites frias no Paraná e Santa Catarina, enquanto
um pequeno aumento ocorreu no Rio Grande do Sul (Marengo e Camargo, 2008). Menor frequência
de noites frias no Sul do Brasil ocorreu em invernos de anos El Niño, comportamento também observado
no Norte da Argentina por Rusticucci e Vargas (2005). O aumento de temperatura em inverno de anos
El Niño no sudeste da América do Sul também foi reportado por Barros et al. (2002), que verificaram
também o comportamento oposto durante inverno de anos La Niña. Análises com dados de estações no
Rio Grande do Sul, para o período de 1913 a 2006, indicaram tendência de aumento das temperaturas
mínimas e diminuição das temperaturas máximas (Sansigolo e Kayano, 2010). Em uma escala decenal, as
temperaturas mínimas mais baixas no Rio Grande do Sul ocorreram nos anos 1920, e as mais altas nos
anos 1990. As temperaturas máximas mais baixas no verão foram registradas nos anos 1970 e as mais
altas, na década de 1940 (Sansigolo e Kayano, 2010). A temperatura mínima em Campinas (Figura 2.17)
também exibe tendência positiva no período 1890-2010 (Blain e Lulu, 2011). Nesta localidade, o perí-
odo compreendido entre 2001 e 2010 é o primeiro intervalo de 10 anos (desde 1890) em que nenhum
valor de temperatura inferior a 3 ºC foi observado. Antes desse período decenal, os maiores intervalos de
tempo (anos consecutivos) sem o registro de valores inferior a 3 ºC ocorreram entre 1934-1941 e entre
1944-1950 (ambos com oito anos).
O impacto sobre extremos de temperatura parece ser maior do que sobre valores médios, pois a
análise de Vincent et al. (2005) para várias localidades da América do Sul indicou tendências maiores para
o número de noites frias (negativa), noites quentes (positiva) e amplitude diurna (negativa), enquanto dias
frios e dias quentes não apresentaram tendências (Vincent et al., 2005). Na média das estações, para o pe-
ríodo de 1960 a 2000, houve uma tendência negativa no número de noites frias e tendências positivas no
número de noites quentes. O mesmo comportamento foi observado nas análises realizadas por Alexander
et al. (2006) para o sudeste da América do Sul, no período de 1951 a 2003. Renom et al. (2010) encon-
traram associação significativa entre o número de noites frias no Uruguai e a fase negativa do modo anu-
lar do Hemisfério Sul no período de verão de 1949-1975, que não continuou no período de 1976-2005.
52 VOLUME 1
No inverno, a correlação entre o número de noites quentes e a TSM no Pacífico Tropical foi alta durante
o primeiro período e enfraqueceu no segundo. Ondas de calor na região da Bacia do Rio da Prata foram
relacionadas com forte subsidência na região, associadas com a ZCAS intensificada ao norte (Cerne e
Vera, 2010).
Nas últimas décadas houve um enorme avanço no entendimento de como a superfície terrestre
interage com a atmosfera através de trocas de energia na forma de radiação e de calor sensível e latente.
Estes avanços relacionam-se a desenvolvimentos tanto nas técnicas de modelagem como na crescente
disponibilidade de equipamentos sofisticados para estudar in situ os processos radiativos e a partição da
energia disponível em fluxos de calor sensível e calor latente (evapotranspiração) da superfície terrestre.
Atualmente, os modelos computacionais de interação superfície-atmosfera incluem não apenas processos
biofísicos, mas também processos de realimentação (”feedbacks”) com processos de assimilação e libe-
ração de carbono da biosfera.
No projeto ARME, que envolveu uma colaboração entre cientistas brasileiros e britânicos, foram
realizadas as pioneiras medições das condições microclimáticas próximas à superfície na floresta Amazô-
nica, durante um período de 25 meses, na Reserva Ducke, próximo a Manaus, AM. Medições adicionais
do balanço de energia, incluindo componentes de radiação, calor sensível e calor latente (Shuttleworth
et al., 1984a, b; Moore e Fisch, 1986; Shuttleworth, 1988), foram realizadas durante quatro campanhas
intensivas (Fisch et al., 2000).
No início dos anos 1990, com o crescimento do interesse científico internacional sobre possíveis
efeitos do desmatamento na Amazônia no clima, o projeto ABRACOS foi elaborado, concentrando me-
dições em 3 localidades: Manaus (AM), Ji-Paraná (RO) e próximo a Marabá (PA) (Gash et al., 1996). Em
cada localidade, pares de sítios experimentais foram instalados e as condições climáticas e de umidade
do solo foram monitoradas por até 4 anos. O valor do albedo da floresta tropical, determinado pioneira-
mente pelas medições do ARME, foi confirmado pelos dados observados durante o ABRACOS, com uma
faixa de 0,11 a 0,13. Porém, as séries de dados mais longas disponíveis mostravam que em todos os sítios
de floresta havia variações sazonais no albedo, correlacionadas à umidade do solo (Culf et al., 1995).
O albedo nos dois outros sítios de floresta foi ligeiramente maior do que no sítio de Manaus, com uma
média para os três sítios de 0,13. Na média, o albedo das áreas de pastagem foi aproximadamente 0,18
(Culf et al., 1995), variando de 0,16 com índices de área foliar baixos, a 0,2 com índices de área foliar
altos (Wright et al., 1996). O balanço de radiação também é afetado pela temperatura da superfície,
que é bem maior em vegetação de pastagem do que em áreas de floresta, causando maiores valores de
emissão de radiação de onda longa. No final dos anos 1990, o estabelecimento do projeto LBA con-
solidou a tendência de realização de grandes projetos interdisciplinares, coletando dados em períodos
de um ano ou prazos mais longos. Von Randow et al. (2004) analisaram uma longa série de dados de
fluxos coletados em dois sítios de pastagem e floresta em Rondônia, mostrando diferenças marcantes
Os dados observados são a matéria prima essencial para a análise de variabilidade climática,
detecção de tendências, ou qualquer outro estudo relacionado com mudanças climáticas. Na maioria
dos estudos de variabilidade climática de longo prazo e de mudanças climáticas existem três problemas
concomitantes. O primeiro é a escassez de séries longas e contínuas de variáveis climáticas, o que limita
a detecção de mudanças de valores médios mensais, sazonais, anuais e, principalmente, de frequência
e intensidade de eventos extremos, ocorridos ao longo de um período razoavelmente longo (um século
ou mais), independentemente das oscilações climáticas naturais. O segundo, associado intrinsecamente
ao primeiro, é a heterogênea densidade espacial de postos de observação, que são muito dispersos em
certas regiões, distribuídos de acordo com algumas características geográficas regionais (por exemplo,
na Amazônia os postos localizam-se ao longo dos grandes rios), o que limita a caracterização climática
regional e/ou local apropriada (Molion e Dallarosa, 1990; Stott e Thorne, 2010).
O terceiro problema é a presença de dados errados ou espúrios (Grimm e Saboia, 2015). Neste
aspecto, um dos maiores problemas nos dados de precipitação do Brasil é a existência de zeros espúrios
que, em algum momento, foram inseridos no lugar de dados faltantes. Outros problemas comuns: exis-
tência de dados duvidosos, decorrentes de falhas na anotação ou digitação (por exemplo, 2476,7 mm
mês-1), duplicação de dados em estações muito distantes entre si (mais de 1000 km), alteração irreal de
regime climático em uma estação, por mudança de local ou outro motivo, como cópia de dados de outra
estação. É, portanto, essencial uma verificação cuidadosa dos dados, para detecção e correção destes
problemas, antes da realização de estudos climáticos.
Adicionalmente, os instrumentos estão sendo modernizados (de mecânicos para eletrônicos), com
uma maior taxa de aquisição de dados. Os convencionais mediam, em geral, três vezes ao dia (tempera-
tura) e agora podem coletar observações a cada hora, ou mesmo a cada minuto.
Num continente vasto como a América do Sul e num país grande como o Brasil, afetado
por diferentes tipos de clima, é importante o estudo da variabilidade e da mudança climática atra-
vés de observações meteorológicas confiáveis e bem distribuídas. Em uma publicação de 90 anos
atrás (Henry, 1922) foram apresentadas normais climatológicas de 94 estações do Serviço Meteoro-
lógico Brasileiro, calculadas para o período 1909-1919 (11 anos). Chamava-se a atenção para a fal-
ta de observações em vastas áreas do Brasil, como as regiões Norte e Centro-Oeste, que na épo-
ca possuíam apenas 11 estações para cobrir aproximadamente 4 milhões de km². Embora tenha
havido expansão da rede de estações pluviométricas desde o trabalho de Henry (1922), ainda há
áreas com insuficiente cobertura no Norte e Centro-Oeste do Brasil, como mostrado na Figura 2.18.
54 VOLUME 1
Além disto, grande parte das estações coleta apenas dados pluviométricos, sem informações de tempe-
ratura, vento, umidade, evaporação, etc. Há necessidade de mais investimento na rede de observações
para que se possa descrever mais precisamente o clima e suas variações.
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64 VOLUME 1
ÍNDICE
SUMÁRIO EXECUTIVO 67
3.1 INTRODUÇÃO 68
3.6.4 SÍNTESE 81
3.7.4 SÍNTESE 87
3.8.2 SÍNTESE 93
3.9.3 SÍNTESE 97
3.11. RELAÇÕES ENTRE MUDANÇAS CLIMÁTICAS E OS PRIMEIROS NÍVEIS DA REDE TRÓFICA MARINHA 102
66 VOLUME 1
SUMÁRIO EXECUTIVO
O oceano participa de forma decisiva no equilíbrio climático. Devido à sua grande extensão
espacial e à alta capacidade térmica da água, é indiscutível que o aumento do conteúdo de calor dos
oceanos e o aumento do nível do mar são indicadores robustos de aquecimento do planeta. Apesar da
grande dificuldade de se observar o oceano com a cobertura espacial e temporal necessária para melhor
monitorar e entender suas mudanças e as respostas destas no clima, há de se reconhecer que grandes
progressos têm sido obtidos nos últimos anos. Observações remotas por satélite tëm sido realidade já há
algumas décadas e programas observacionais in situ, como o Argo, têm permitido a obtenção de con-
juntos de dados valiosos desde a superfície até profundidades intermediárias do oceano. Recentemente,
vários esforços têm sido despendidos na reavaliação de dados históricos, permitindo interpretações mais
confiáveis por mais longos períodos de tempo (e.g., Stott et al., 2008; Hosoda et al., 2009; Roemmich e
Gilson, 2009; Durack e Wijffels, 2010; Helm et al., 2010).
Com base em um número considerável de trabalhos publicados nas últimas décadas, o Quarto
Relatório de Avaliação do Clima do Painel Internacional de Mudanças Climáticas (em inglês, Intergover-
nmental Panel on Climate Change - Assessment Report 4; IPCC-AR4, 2007) concluiu de forma inequívoca
que a temperatura do oceano global aumentou entre 1960 e 2006. Apesar das controvérsias decorrentes
de alguns enganos no IPCC-AR4, como por exemplo, o debate sobre o derretimento das geleiras do Hi-
malaia, a grande maioria dos estudos científicos realizados nos últimos anos tem confirmado, de forma
indiscutível, o aquecimento das águas oceânicas. A temperatura da superfície do mar (TSM) no Atlântico
tem aumentado nas últimas décadas. No Atlântico Sul, esse aumento é intensificado a partir da segunda
metade do século XX, possivelmente devido a mudanças na camada de ozônio sobre o polo Sul e também
ao aumento dos gases de efeito estufa (Arblaster e Meehl, 2006; Rayner et al., 2006). De forma consis-
tente com um clima mais quente, o ciclo hidrológico tem também se alterado, refletindo em mudanças
na salinidade da superfície do mar. Estudos mostram que a região subtropical do Atlântico Sul está se
tornando mais quente e mais salina.
Os estudos analisados pelo IPCC-AR4 (2007) e outros mais recentes (Leuliette e Miller, 2009;
Letetrel et al., 2010; Leuliette e Scharroo, 2010) também apontam para variações no conteúdo de calor e
na elevação do nível do mar, em escala global. Variações nessas propriedades promovem alterações nas
características das diferentes massas de água, o que fatalmente leva a alterações nos padrões de circu-
lação do oceano. Por sua vez, mudanças na circulação resultam em alterações na forma como o calor e
outras propriedades biológicas, físicas e químicas são redistribuídas na superfície da Terra.
O nível do mar está aumentando. Grande parte das projeções de aumento do nível do mar para
todo o século XXI deve ser alcançada ao longo das primeiras décadas, o que faz com que se configurem
perspectivas mais preocupantes do que aquelas divulgadas no início do ano 2000. Variações de 20 a
30 cm esperadas para o final do século XXI já devem ser atingidas, em algumas localidades, até meados
do século ou até antes disso.Deverá haver também maior variabilidade espacial da resposta do nível do
mar entre os distintos locais do globo. Na costa do Brasil são poucos os estudos realizados com base em
observações in situ. Mesmo assim, taxas de aumento do nível do mar na costa sul-sudeste já vêm sendo
reportadas pela comunidade científica brasileira desde o final dos anos 80 e início dos anos 90 (Mesquita
et al., 1986, 1995, 1996; Silva e Neves, 1991; Harari e Camargo, 1994; Muehe e Neves, 1995; Neves
e Muehe, 1995).
Ao longo da extensão da linha de costa brasileira são vários os trechos em erosão, distribuídos
irregularmente e muitas vezes associados aos dinâmicos ambientes de desembocaduras. Diversas são as
áreas costeiras densamente povoadas que se situam em regiões planas e baixas, nas quais os já existentes
problemas de erosão, drenagem e inundações serão amplificados em cenários de mudanças climáticas.
Importantes massas de água estão se alterando, de acordo com o IPCC-AR4 (2007). As “águas
modo” (águas de 18oC) do Oceano Sul e as Águas Profundas Circumpolares se aqueceram no período
de 1960 a 2000. Essa tendência continua durante a presente década. Aquecimento similar ocorreu tam-
bém nas “águas modo” da Corrente do Golfo e da Kuroshio. Os giros subtropicais do Atlântico Norte e
Sul têm se tornado mais quentes e mais salinos. Como consequência, segundo conclusão do IPCC-AR4
e de estudos mais recentes, é bastante provável que pelo menos até o final do último século a Célula de
Revolvimento Meridional do Atlântico (CRMA) vinha se alterando significativamente em escalas de intera-
nuais a decenais.
No Atlântico Sul, vários estudos nos últimos anos sugerem variações importantes nas proprieda-
des físicas e químicas das camadas superiores do oceano, associadas com alterações nos padrões da
circulação atmosférica. Esses estudos mostram que, em consequência ao deslocamento do rotacional do
vento em direção ao polo, o transporte de águas do Oceano Índico para o Atlântico Sul, fenômeno co-
nhecido como o “vazamento das Agulhas”, vem aumentando nos últimos anos. Análises de dados obtidos
remotamente por satélite e in situ mostram mudanças no giro subtropical do Atlântico Sul associadas a
mudanças na salinidade das camadas superiores. Resultados de observações e modelos sugerem que o
giro subtropical do Atlântico Sul vem se expandindo, com um deslocamento para sul da região da Con-
fluência Brasil-Malvinas.
Há fortes indícios que as características dos eventos de El Niño no Pacífico estão mudando nas
últimas décadas. Como consequência, tem havido uma mudança nos modos de variabilidade da TSM no
Atlântico Sul. Essas alterações nos padrões de TSM favorecem precipitações acima da média ou na média
sobre o Norte e Nordeste brasileiro e mais chuvas no Sul e Sudeste do Brasil.
Este capítulo apresenta uma síntese das mudanças observadas em processos oceânicos e costei-
ros no Atlântico Sul e no Brasil.
3.1 INTRODUÇÃO
É indiscutível a importância do oceano nas variabilidades e possíveis mudanças no equilíbrio
climático. Devido à grande extensão dos oceanos e à alta capacidade térmica da água, o aumento do
conteúdo de calor dos oceanos e o aumento do nível do mar são indicadores robustos de aquecimen-
to do planeta. Com base em um número considerável de trabalhos publicados nas últimas décadas, o
IPCC-AR4 (2007) concluiu que a temperatura global do oceano aumentou cerca de 0,10 ºC no período
de 1961 a 2003. Estudos recentes confirmam que a temperatura global do oceano tem aumentado (e g.:
Domingues et al., 2008; Lyman e Johnson, 2008; Ishii e Kimoto, 2009; Levitus et al., 2009; Gourestki e
Reseghetti, 2010; Lyman et al., 2010). Há evidências claras do aumento do conteúdo de calor nas cama-
das superiores do oceano (e.g., Roemmich e Gilson, 2009; Carson e Harrison, 2010). Análises de dados
de batitermógrafos descartáveis (XBTs) mostram uma tendência de aquecimento global dos oceanos de
0,64 W m-2 nos primeiros 700 m da coluna de água. Adicionalmente, os dados obtidos até 2000 m de
profundidade com os perfiladores Argo (uma rede global de 3000 flutuadores derivantes que medem a
temperatura e a salinidade dos primeiros 2000 metros da coluna de água no oceano) sugerem um aque-
cimento significativo abaixo de 700 m, desde 2003.
68 VOLUME 1
Os estudos analisados pelo IPCC-AR4 e outros mais recentes (Leuliette e Miller, 2009; Letetrel et
al., 2010; Leuliette e Scharroo, 2010) também apontam para variações no conteúdo de calor e na eleva-
ção do nível do mar, em escalas regional e global. Variações nessas propriedades promovem alterações
nas características das diferentes massas de água, o que leva a alterações nos padrões de circulação do
oceano. Por sua vez, mudanças na circulação oceânica resultam em alterações na forma como o calor e
outras propriedades biológicas, físicas e químicas são redistribuídas bem como alterações na circulação
atmosférica e padrões de precipitação.
Segundo o IPCC-AR4, importantes massas de água estão se alterando. As “águas modo” (águas
de 18 ºC referidas como “mode waters” no idioma inglês e traduzidas como “águas modais” por alguns
autores brasileiros) do Oceano Sul e as Águas Profundas Circumpolares se aqueceram no período de
1960 a 2000. Essa tendência continua durante a presente década (e.g., Sarmiento et al., 2004; Dou-
glass et al., 2012). Aquecimento similar ocorreu também nas “águas modo” da Corrente do Golfo e da
Kuroshio (Kwon et al., 2010; Joyce, 2012). Os giros subtropicais do Atlântico Norte e Sul têm se tornado
mais quentes e mais salinos (Durack e Wijffels, 2010; Lumpkin e Garzoli, 2011). Como consequência,
é bastante provável que, pelo menos até o final do último século, a Célula de Revolvimento Meridional
do Atlântico (CRMA) vinha se alterando significativamente em escalas de tempo interanuais a decenais
(IPCC-AR4, 2007).
No Atlântico Sul, vários estudos nos últimos anos sugerem variações importantes nas proprieda-
des físicas e químicas das camadas superiores do oceano, associadas com alterações nos padrões da
circulação atmosférica (Biastoch et al., 2008, 2009; Lumpkin e Garzoli, 2011; Sato e Polito, 2008). Esses
estudos mostram que, como resultado do deslocamento do rotacional do vento em direção ao polo, o
transporte de águas do Oceano Índico para o Atlântico Sul, fenômeno conhecido como o “vazamento
das Agulhas” vem aumentando nos últimos anos. Análises de dados obtidos remotamente por satélite e
in situ mostram mudanças no giro subtropical do Atlântico Sul associadas a mudanças na salinidade das
camadas superiores (Sato e Polito, 2008; Goni et al., 2011). Resultados de observações e modelos suge-
rem que o giro subtropical do Atlântico Sul vem se expandindo, com um deslocamento para sul da região
da Confluência Brasil-Malvinas (Goni et al., 2011; Lumpkin e Garzoli, 2011).
Os oceanos cobrem 71% da superfície do planeta, suportam quase a totalidade do ciclo hidroló-
gico do globo (97%) e, sobre sua superfície, ocorrem mais que 80% dos fluxos associados com suas varia-
ções (Schmitt, 1995). Esses fluxos fazem parte dos processos de interação entre o oceano e a atmosfera e
influenciam diretamente a salinidade na superfície. Desta forma, a distribuição da salinidade nos oceanos
reflete o balanço de larga escala do fluxo de água doce que entra e sai do sistema que compõe o ramo
marinho do ciclo hidrológico global (Figura 3.1). Na determinação do sinal da salinidade nos oceanos
devem ser contabilizados diferentes fatores, tais como: a evaporação (E), a precipitação (P), a descarga de
rios e o fluxo total de água doce pela superfície dos continentes, bem como derretimento de gelo marinho
e de geleiras continentais. Uma vez introduzidos no oceano, a influência desses fatores pode ser modifi-
cada localmente por processos advectivos e de mistura causados pelas correntes oceânicas. Portanto, é
de se esperar que mudanças no ciclo hidrológico sejam acompanhadas por flutuações na salinidade em
diferentes locais e profundidades.
A salinidade da superfície do mar (SSM) é, em grande parte, regulada pela troca de água entre o
oceano e a atmosfera através da evaporação e precipitação. Regiões de alta salinidade são, por via de
regra, regiões onde a evaporação supera a precipitação e vice-versa. Outros fatores que contribuem para
os padrões de SSM são os efeitos advectivos da circulação oceânica e o derretimento de gelo em altas
latitudes. Segundo a relação de Clausius – Clapeyron, a pressão de vapor da água aumenta em cerca de
7% por grau Celsius, a uma temperatura média de cerca de 14 ºC. Dessa forma, apesar das incertezas
das observações hidrológicas, espera-se que com o aumento da TSM ocorra também uma aceleração do
ciclo hidrológico, com modificações e efeitos de retro-alimentação associados com a dinâmica atmosféri-
ca (Held e Soden, 2006; Wentz et al., 2007). Estudos baseados em dados globais de salinidade mostram
mudanças de salinidade da superfície do mar de forma consistente com o aumento da temperatura do
planeta (Boyer et al., 2005a, 2007; Roemmich e Gilson, 2009; Durack e Wijfels, 2010). No Atlântico Sul
há também indicações de aumento da salinidade no giro subtropical (Sato e Polito, 2008).
Nas proximidades de 24ºS no Atlântico Sul, a termoclina tem se tornado menos salina, com o
decréscimo de aproximadamente 0,05 de salinidade, entre 1983 e 2009 (McCarthy et al., 2011). No
período anterior (1958 – 1983), foi observado um leve acréscimo de salinidade. Esse decréscimo da
salinidade é atribuído a uma intensificação do ciclo hidrológico, em concordância com a observação de
um regime de precipitação aumentado na região (Piola, 2010). As observações de salinidade aumenta-
da em regiões com excesso de evaporação e de decréscimo de salinidade em regiões com excesso de
precipitação sugerem que essas mudanças constadas por McCarthy et al. (2011) foram causadas por
uma amplificação do ciclo hidrológico (Durack e Wijffels, 2010). Entretanto, dados de oxigênio dissolvido
sugerem que o aumento de salinidade observado entre 1958 e 1983 no sudeste do Atlântico Sul está
associado ao aumento de influência do Oceano Índico através do “vazamento das Agulhas” (McCarthy
et al., 2011).
Análises de dados de satélite, observações in situ e dados do projeto PIRATA (Prediction e Rese-
arch Moored Array in the Tropical Atlantic - programa de monitoramento do Atlântico Tropical por meio
de bóias ancoradas) mostram mudanças no giro subtropical do Atlântico Sul associadas às alterações na
salinidade da camada superior (Sato e Polito, 2008). Próximo à 38ºS esses autores encontraram tendên-
cias opostas nas séries de tempo do armazenamento de calor, devido aos efeitos halinos, em cada lado
da Zona de Convergência do Atlântico Sul.
70 VOLUME 1
3.2.2 TENSÃO DE CISALHAMENTO DO VENTO E FLUXOS DE MOMENTUM
Importantes alterações no padrão de circulação na camada superior do oceano, em resposta a
mudanças nos fluxos de momentum associados com a tensão de cisalhamento do vento, têm sido repor-
tadas no Atlântico Sul nos últimos anos (Hurrell e van Loon, 1994; Meehl et al., 1998; Thompson e Walla-
ce, 2000; Sato e Polito, 2008; Lumpkin e Garzoli, 2011; Goni et al., 2011). O modo de variabilidade
atmosférica mais conhecido pelo acrônimo SAM (Southern Annular Mode, Carvalho et al., 2005) o qual
descreve o movimento norte-sul dos ventos de oeste ao redor da Antártica, é um dos padrões dominantes
de variabilidade no Hemisfério Sul (e.g., Marshall, 2002). Estudos recentes reportam que esse modo de
variabilidade vem sofrendo uma alteração desde a década de 1960, possivelmente devido a um deslo-
camento para sul e intensificação dos ventos de oeste no Hemisfério Sul (Limpasuvan e Hartmann, 1999;
Gille, 2002; Thompson e Solomon, 2002; Marshall, 2003; Cai et al., 2003; Lumpkin e Garzoli, 2011).
Essa mudança afeta o transporte meridional de calor, através da modificação do transporte de Ekman
e da ressurgência de águas profundas, resultando em um resfriamento e diminuição da salinidade das
águas intermediárias (Oke e England, 2004).
Por ser o vento um dos principais forçantes da circulação oceânica, as alterações nos ventos no
hemisfério estão afetando a circulação no Atlântico Sul. Por exemplo, o deslocamento para sul do rota-
cional zero dos ventos de oeste, latitude que define o limite sul do giro subtropical, está causando uma
expansão desse giro no Atlântico Sul, com uma migração para sul da confluência Brazil-Malvinas (e.g.,
Biastoch et al., 2009; Lumpkin e Garzoli, 2011; Goni et al., 2011), que termina por modular a CRMA,
mais conhecida como Meridional Overturning Cell, ou MOC (Biastoch et al., 2008, 2009; Beal et al.,
2011) e a Corrente Circumpolar Antártica (Toggweiler e Samuels, 1995; Gnanadesikan, 1999). Experi-
mentos numéricos com modelos de alta resolução (eddy-permitting models) sugerem ainda que o aumen-
to no transporte de Ekman para norte, associado com ventos de oeste intensificados no Hemisfério Sul, é
largamente compensado por fluxos turbulentos em direção ao polo, os quais tendem a reduzir anomalias
na ressurgência de águas profundas (Farneti e Delworth, 2010).
O quarto relatório de avaliação do clima do IPCC (IPCC-AR4, 2007) discute mudanças da tem-
peratura da superfície do mar. No Atlântico, conforme mostra a Figura 3.1 (Rayner et al., 2006), é obser-
vado um aumento da ordem de 0,5 ºC desde a década de 1930. O Atlântico Sul, entretanto, apresenta
uma tendência negativa até o final dos anos 60. A partir da década de 1970, também o Atlântico Sul
apresenta uma tendência de aumento. É interessante notar que nessa mesma década ocorreu um resfria-
mento em latitudes médias do Atlântico Norte, com o sinal propagando para sul e norte até meados da
década de 1980 (Rayner et al., 2006).
Figura 3.1. Variação temporal entre 1900 e 2005 da média zonal das anomalias de temperatura da superfície do mar entre
as latitudes 30˚S e 60˚N no Atlântico, com relação à media do período de 1961 (Rayner et al., 2006). O Atlântico Sul, que
apresentava uma anomalia negativa até o final da década de 1960, passa ter uma anomalia positiva a partir dos anos 70.
Por sua vez, o Atlântico Norte apresenta uma anomalia positiva consistente desde os anos 30, exceto por uma anomalia
negativa em latitudes médias, a qual se propagou para sul e norte, chegando a atingir o Atlântico Sul por volta de 1980.
3.2.4 SÍNTESE
Os estudos mais recentes discutidos nesta Seção são consistentes com a indicação de que a tem-
peratura da superfície do mar no Atlântico tem aumentado nas últimas décadas. No Atlântico Sul, esse
aumento é intensificado a partir da segunda metade do século XX, possivelmente associado às mudanças
na camada de ozônio sobre o polo Sul e também ao aumento dos gases de efeito estufa. De forma con-
sistente com um clima mais quente, o ciclo hidrológico tem também se alterado, refletindo em mudanças
na salinidade da superfície do mar. Estudos mostram que a região subtropical do Atlântico Sul está se
tornando mais quente e mais salina.
A Figura 3.2, que sumariza resultados de recentes estudos baseados em um amplo conjunto da-
dos incluindo XBT, Argo e outros, no período 1993 – 2008, mostra que o conteúdo de calor na camada
de 0 a 700 m do oceano global está aumentando a uma taxa média, para todo o planeta, de 0,64±
0,29 W m-2 (Lyman et al., 2010; Trenberth, 2010). Esses estudos reforçam a percepção geral de que o
oceano vem aquecendo de forma consistente com o desequilíbrio radiativo de origem antrópica. Entre-
tanto, Trenberth (2010) chama a atenção para discrepâncias com medidas de radiação no topo da at-
mosfera, o que sugere algum problema com os dados oceânicos ou com o seu processamento. Pesquisa
independente (von Schuckmann et al., 2009), baseada em dados Argo para toda a camada de 0 a 2000
m aponta um aumento do conteúdo de calor da ordem de 0,77±0,11 W m-2 no oceano global e 0,54
W m-2 para toda a Terra (linha azul na Figura 3.2). Esse aumento no armazenamento de calor em toda a
profundidade coberta pelos flutuadores Argo é um indicativo de que o oceano está se aquecendo abaixo
dos 700 m.
Figura 3.2. Variação do conteúdo de calor na camada de 0 a 700 m do oceano global (linha preta). A tendência positiva da
ordem de 0,64 W m-2 indica o aquecimento da camada superior do oceano. A linha azul representa a variação do conteúdo
de calor para 0-2000 m, baseada em 6 anos de dados Argo. A taxa de aumento de 0,5 m-2 sugere que uma parte do
aquecimento está acontecendo em profundidades superiores a 700 m (Trenberth, 2010).
72 VOLUME 1
No Atlântico Sul pouco se sabe a respeito da variação do conteúdo de calor nas camadas supe-
riores do oceano. Análise de dados Argo (não publicadas) parece indicar que o Atlântico Sul e o Índico
apresentam uma tendência positiva nos últimos seis anos. Estudos baseados em dados de anomalias da
elevação da superfície do mar obtidos por satélite e dados das bóias PIRATA (Arruda et al., 2005) mostram
uma tendência positiva na região da retroflexão da Corrente das Agulhas no período de 1993 a 2002.
Como o oceano recebe calor em sua superfície, o aquecimento das camadas profundas nas regi-
ões de formação das massas de água ocorre nas camadas inferiores do oceano. São duas as regiões mais
importantes: o Atlântico Norte, onde é formada a Água Profunda do Atlântico Norte (APAN) e a região ao
redor da Antártica, onde é formada a Água de Fundo Antártica (AFA).
No Atlântico Norte, desde 2004, tem havido um esforço multinacional para monitorar o trans-
porte meridional de calor, através da manutenção de uma rede observacional em uma seção transversal
ao longo de 26,5ºN (Rapid/MOCHA Array) (Cunningham et al., 2007; Kanzow et al., 2007; Kanzow et
al., 2010). Dados coletados nessa seção mostram intensas variabilidades em escala sazonal, mas dado
o curto comprimento dessa série de dados, a determinação de uma tendência de longo período é prati-
camente impossível.
No Atlântico Sul a situação é ainda mais precária. Somente nos últimos dois anos deu-se início à
implementação de uma rede transoceânica para o monitoramento da célula meridional do Atlântico ao
longo de 34,5ºS (Rede SAMOC, http://www.aoml.noaa.gov/phod/samoc).
3.3.4 SÍNTESE
Alterações no ciclo hidrológico global são previstas como consequência das alterações climáticas
de origem antrópica (Held e Soden, 2006; Solomon et al., 2007). Dentro de um cenário de aquecimento
global, o aumento da temperatura na troposfera poderá acarretar um aumento da capacidade de arma-
zenar e transportar vapor d’água (Emori e Brown, 2005; Bindoff et al., 2007; Meehl et al., 2007; Trenber-
th et al., 2007), fazendo com que haja um aumento da amplitude do ciclo hidrológico, i.e., aumento de
evaporação em regiões dominadas por processos de evaporação e mais chuvas em regiões dominadas
pela precipitação (Durack e Wijffels, 2010). Consequentemente, essa amplificação dos processos de
superfície irá afetar o sinal da salinidade nos oceanos. Portanto, a detecção de mudanças na salinidade
nos oceanos é um indicador das tendências no sinal da precipitação e evaporação instrumental para
inferências sobre mudanças no ciclo hidrológico.
Os estudos de Antonov et al. (2002) e Boyer et al. (2005a) constataram que as águas de super-
fície dos trópicos e subtrópicos se tornaram mais salgadas enquanto que as águas de altas latitudes se
tornaram mais doces durante a segunda metade do século XX. A análise de dados globais de salinidade
realizada por Boyer et al. (2005a) mostra evidências de mudanças de longo termo da salinidade e do
fluxo de água doce na região dos giros oceânicos e em escalas de bacia nos 50 anos.
74 VOLUME 1
Tendências da salinidade das camadas próximas à superfície mostram que regiões geralmente do-
minadas por evaporação apresentam aumento de salinidade em todas as bacias oceânicas. Em regiões de
alta latitude, em ambos os hemisférios, as águas superficiais que são normalmente associadas com maior
precipitação mostram tendências de diminuição da salinidade (Antonov et al., 2002; Boyer et al., 2005b).
Apesar de não ser um fator determinante, o derretimento do gelo, a advecção e as mudanças na célula de
revolvimento meridional também podem contribuir para as anomalias na salinidade (Häkkinen, 2002).
Análise de dados obtidos no período de 1950 a 1990, entre 50ºS e 60ºN, evidencia uma dimi-
nuição da salinidade próxima às regiões polares e um grande aumento de salinidade nas camadas supe-
riores das regiões tropicais (Curry et al., 2003). Nas camadas superiores (acima de 500 m), verificou-se
uma tendência de aumento de 0,1 a 0,4 entre as latitudes de 25ºS a 35ºN. Ao sul de 25ºS registrou-se
uma tendência de diminuição da salinidade, com um decréscimo de 0,2 psu (Practical Salinity Units, em
Inglês). Análise de arquivos históricos e dados do programa Argo mostram aumento da salinidade em
regiões dominadas pela evaporação e diminuição naquelas onde a precipitação predomina (Durack e
Wijffels, 2010). Isto indica que as tendências da salinidade ocorrem em resposta à amplificação do ciclo
hidrológico.
Essas alterações da salinidade podem também indicar mudanças da dinâmica da circulação dos
oceanos. Cálculos da anomalia do calor armazenado no Atlântico Sul, separando-se as contribuições ter-
mostéricas e halostéricas, sugerem tendências opostas devido a efeitos halinos, em cada lado da Corrente
do Atlântico Sul (Sato e Polito, 2008). Do lado norte há uma tendência de decréscimo na contribuição
halostérica, o que implica em uma tendência de diminuição da altura da superfície em escalas interanu-
ais, possivelmente devido ao aumento da salinidade da Corrente do Brasil. Ao sul, os cálculos apontam
para uma tendência de elevação, em decorrência de diminuição da salinidade da Corrente das Malvinas.
Essas tendências opostas de variação da altura contra o gradiente médio de pressão em cada lado da
corrente implicam em uma diminuição das velocidades geostróficas (Goni e Wainer, 2001).
Curry et al. (2003) observaram uma tendência média de diminuição de salinidade ao norte de
40ºN de 0,03 psu em águas profundas associadas às massas d’água do Mar do Labrador (AML) e uma
diminuição da salinidade de 0,02 psu, na Água Intermediária da Antártica (AIA), no Atlântico Sul. Esse
estudo mostra ainda que para uma faixa entre 30ºN e 40ºN, há um aumento na salinidade de 0,05 psu
na massa água do Mar do Mediterrâneo. Durack e Wijffels (2010) também apresentam uma análise da
variação da salinidade desde a superfície até 2000 m de profundidade no Atlântico.
Dados obtidos em seções transatlânticas cobrindo toda a profundidade do oceano indicam que a
região da termoclina tem se tornado menos salina a 24ºS, com diminuição de 0,05 psu de salinidade en-
tre 1983 e 2009 (McCarthy et al., 2011). Em período anterior, entre 1958 e 1983, esses mesmos dados
indicam um aumento na salinidade de 0,03 psu. A tendência de diminuição de salinidade no segundo
período, que ocorreu consistentemente ao longo de toda a seção, reverteu a tendência de aumento do
primeiro período. Os resultados da análise indicam que a diminuição da salinidade está relacionada
com a intensificação do ciclo hidrológico. O aumento na salinidade pode ser também explicado com o
aumento do vazamento da Corrente das Agulhas na forma de anéis que trazem águas mais salinas do
Oceano Índico para o Atlântico (Biastoch et al., 2009).
O ciclo hidrológico sobre os continentes conta com um excesso de precipitação sobre a evapo-
ração. Esse excedente de volume de água doce chega aos oceanos via descarga fluvial e é transportado
para fora de sua região de origem pelas correntes oceânicas. A descarga fluvial total no Atlântico é
de 0,608 Sv (1 Sv = 1x106 m3 s-1) (Dai e Trenberth, 2002). A amplitude do ciclo sazonal é de 0,27 Sv,
Estudos baseados em dados do GRDC (Global Runoff Data Center) e outros mostram uma ten-
dência linear negativa na descarga global de água doce nos oceanos (Dai et al., 2009). Embora não seja
uma tendência significativa, o coeficiente de correlação entre a série analisada e o índice El Niño 3,4 é
de 0,50 (Referencia). Essa correlação se deve à mudança na taxa de precipitação induzida pelo El Niño,
sendo que a correlação entre a descarga total no Atlântico e a precipitação nas bacias a ele associadas
é de 0,58.
3.4.4 SÍNTESE
Há indicações que a salinidade do Oceano Atlântico Tropical e Equatorial está aumentando nas
últimas décadas (Curry et al., 2003; Donners e Drijfhout, 2004; Boyer et al., 2005a; Durack e Wijffels,
2010). Este aumento é mais pronunciado nas camadas acima da termoclina, porém também se manifesta
de forma relativamente clara no oceano profundo (Donners e Drijfhout, 2004).
Em altas latitudes, onde se formam as massas d’água que ocupam o fundo dos oceanos globais,
nota-se uma diminuição de 0,1 a 0,5 psu de salinidade ao norte de 45oN, da superfície até o fundo
(Curry et al., 2003). Já no Hemisfério Sul, também há evidências de redução da salinidade, porém esta
restringe-se aproximadamente aos primeiros 500 m do oceano (Curry et al., 2003).
Em médias latitudes no Hemisfério Sul, múltiplos estudos (e.g., Sato e Polito, 2008; Durack e
Wijffels, 2010; McCarthy et al., 2011) apontam para um aumento da salinidade associada do lado norte
da Corrente do Atlântico Sul, dentro do giro subtropical, e diminuição da salinidade ao sul da mesma. A
consequência da variação halostérica é uma redução do fluxo para leste, desacelerando o giro.
A falta de dados e baixa significância estatística de alguns dos resultados obtidos por esses estu-
dos, especialmente no Atlântico Sul, demonstram que, para a determinação das mudanças da salinidade,
é fundamental estabelecer programas observacionais de longa duração no oceano profundo.
O Oceano Atlântico Sul é marcado pela sua circulação média caracterizada pelo giro anticiclôni-
co fechado, chamado Giro Anticiclônico do Atlântico Sul (Peterson e Stramma, 1991). Esse giro é mantido
pela circulação geostrófica forçada pela ação dos ventos na superfície do mar, sendo muito semelhante
em forma e extensão ao giro atmosférico subtropical que domina o Oceano Atlântico Sul.
76 VOLUME 1
A Corrente Sul Equatorial transporta uma mistura de águas formadas ao sul da região de conflu-
ência das Correntes do Brasil e das Malvinas com águas transportadas do Índico para o Atlântico, através
dos anéis e filamentos na região de retroflexão da Corrente das Agulhas, ao Sul da África. Essa mistura
de águas contribui para o ramo superior da Célula Meridional do Atlântico - CMA (Peterson e Stramma,
1991).
Mudanças nas características de massas de água na região subtropical do Atlântico Sul podem
ter impactos substanciais na temperatura de superfície do Atlântico Norte, sobre a atmosfera e na célula
meridional de circulação do Atlântico Sul (Weijer et al., 1999, 2002; Graham et al., 2011). Análises de
dados hidrográficos históricos têm revelado que de 1955-1969 para 1985-1999 as camadas superiores
do Oceano Atlântico entre 25ºS e o equador se tornaram mais salgadas em cerca de 0,05 psu a 0,5
psu (Curry et al., 2003). Em contraste, águas sub-termoclínicas e sub-polares entre 45ºS e 10ºS têm se
tornado menos salinas, em cerca de 0,05 psu a 0,1 psu. Tendências similares na temperatura e salinidade
do oceano são observadas quando dados recentes dos flutuadores Argo (2004-2008) são comparados
com dados hidrográficos históricos (Roemmich e Gilson, 2009). As mudanças observadas são consis-
tentes com a evidência de aquecimento recente de águas mais densas ao sul de 50ºS (Y > 27,5 kg m-3,
onde Y representa a “anomalia de volume específico”, ou seja, a diferença entre o volume de água do
mar em qualquer ponto do oceano e o volume específico da água do mar com salinidade 35 partes por
mil e temperatura 0 oC, sob a mesma pressão) e resfriamento de águas mais leves (27,0 > Y > 27,2
kg m-3) mais ao norte (Gille, 2002; Böning et al., 2008). Similarmente, redução de salinidade de forma
coerente em toda a bacia tem sido observada ao longo de 24ºS em toda a termoclina no período 1983-
2009 (McCarthy et al., 2011). O afloramento de inverno dessas águas reflete uma região de precipitação
aumentada (Piola, 2010). A observação de salinidade aumentada sobre regiões com excesso de evapo-
ração e salinidade diminuída sobre regiões com excesso de precipitação sugere que essas mudanças são
causadas por uma amplificação do ciclo hidrológico (Durack e Wijffels, 2010). Entretanto, dados de oxi-
gênio dissolvido sugerem que o aumento de salinidade observado de 1958 a 1983 no leste do Atlântico
Sul está associado ao aumento de influência do Oceano Índico através do aumento do “vazamento das
Agulhas” (McCarthy et al., 2011).
Os modos de variabilidade climática relacionados com variações dos oceanos mais relevantes
para o clima do Brasil são: El Niño-Oscilação Sul (ENSO, sigla em inglês para El Niño–Southern Os-
cillation), modo zonal do Atlântico, modo meridional do Atlântico Tropical e modo dipolo subtropical do
Atlântico Sul.
O ENSO é caracterizado por um aquecimento ou resfriamento anormal das águas do Oceano Pacífico
Equatorial Leste. No primeiro caso, é denominado El Niño e no segundo, recebe o nome de La Niña.
Essas alterações da TSM deflagram uma série de mudanças na circulação atmosférica, que afetam o cli-
ma de várias regiões do mundo. Modo dominante de variabilidade global em escala interanual, o ENSO
responde por boa parte dela no que diz respeito à cobertura de nuvens, às temperaturas globais extre-
mas, às alterações nos padrões de precipitação e à taxa de retirada de calor e CO2 da atmosfera pelos
oceanos (Bousquet et al., 2000; Jones et al., 2001; Trenberth et al., 2002; Curtis e Adler, 2003; England
et al., 2014). No Brasil, eventos de El Niño causam secas no Norte e no Nordeste, e chuvas intensas ou
até mesmo enchentes, no Sudeste e Sul. Em contrapartida, os eventos La Niña ocorrem, quase sempre,
associados a episódios de seca, no Sudeste e no Sul, e de precipitação acima da média, no Norte e no
Nordeste (Grimm, 2003).
78 VOLUME 1
Já o modo dipolo subtropical do Atlântico Sul é o principal modo de variabilidade desse oceano
em escalas de tempo interanual e decenal (Figura 3.4c). Caracteriza-se por anomalia de TSM com sinais
opostos entre polos equatorial e outro, subtropical, ambos separados por uma linha fictícia ao longo de
30° S (Venegas et al., 1997; Wainer e Venegas, 2002; Sterl e Hazeleger, 2003). Uma fase positiva deste
modo, com anomalias positivas de TSM no polo equatorial acompanhadas por anomalias negativas no
polo subtropical, provoca o deslocamento da ZCIT para Sul e acarreta chuvas no Norte e no Nordeste do
Brasil (Haarsma et al., 2003).
3.6.2 ALTERAÇÕES DOS MODOS DE VARIABILIDADE DAS PORÇÕES TROPICAL E SUL DO OCE-
ANO ATLÂNTICO DEVIDAS A MUDANÇAS NO ENSO
Evidências observacionais recentes sugerem que eventos canônicos de El Niño, com aquecimento
no Leste do Pacífico Equatorial, estão ficando menos frequentes e que, outro tipo de El Niño, com aqueci-
mento no centro do Pacífico Equatorial, chamado Modoki, está ficando mais comum nas últimas décadas
(Ashok et al., 2007; Ashok e Yamagata, 2009). A ocorrência de El Niño canônico diminuiu de 0,21 ao
ano no período de 1870 a 1990 para 0,11 ao ano no período de 1990 a 2007. Já os eventos El Niño
Modoki aumentaram de 0,05 ao ano para 0,41 ao ano nos mesmos períodos (Yeh et al., 2009).
Comparações entre as simulações feitas para os séculos XX e XXI, nas quais a concentração de
CO2 é mantida constante e igual a 700 ppm – partes por milhão –, conforme projeção de mudanças
climáticas A1B – um dos possíveis cenários construidos pelo IPCC acerca da evolução das emissões de
gases do efeito estufa –, sugerem maior frequência da ocorrência de El Niño Modoki (Yeh et al., 2009).
Acreditava-se que esta alteração estivesse ligada à mudanças ocorridas no estado básico dos oceanos,
causadas pelo aquecimento global, em particular, na estrutura da termoclina do Pacífico Equatorial. A
profundidade média desta última diminuiria no Pacífico Oeste, e aumentaria no Pacífico Leste, devido à
redução dos ventos alísios e ao enfraquecimento da circulação de Walker, provocados pelo aquecimento
global. Tal circunstância propiciaria maior variabilidade de TSM no Pacífico Equatorial Central; mas não
na sua porção leste. Porém, isto não foi o observado, houve uma intensificação dos alísios no Pacífico
na última década que levou a maior ocorrência de eventos de La Niña e El Niño Modoki (England et al.,
2014).
Resultados otidos por Rodrigues et al. (2011) sugerem que, eventos de El Niño são os respon-
sáveis pelo desenvolvimento das anomalias de TSM no Atlântico. Estas, por sua vez, junto com as mu-
danças na circulação atmosférica causadas pelo próprio El Niño, determinam o padrão de precipitação
sobre o Brasil. Assim, El Niño Modoki causam anomalias de TSM positivas no Atlântico Sul Tropical e,
negativas no Atlântico Sul Subtropical, como se pode observar à Figura 3.5. Tal padrão configura a fase
negativa do dipolo do Atlântico Sul. Observou-se que, das onze fases negativas do dipolo do Atlântico
Sul estabelecidas no período de 1950 a 2005, nove ocorreram em anos de El Niño Modoki. Verificou-se
também que, durante estes eventos, a língua de água fria do Atlântico não se desenvolveu – fase positiva
do Atlântico Niño – ao mesmo tempo em que as anomalias de TSM no Atlântico Norte Tropical foram
negativas, estabelecendo, assim, uma fase igualmente negativa do modo meridional. Foltz e McPhaden
(2010) confirmaram a existência da interação entre os modos zonal – Atlântico Niño – e meridional no
Atlântico Tropical. Consequentemente essas anomalias de TSM no Atlântico tropical permitem que a ZCIT
mova-se para Sul, e traga chuvas ao Norte e Nordeste do Brasil.
Já os eventos El Niño canônico causam anomalias de TSM negativas no Atlântico Sul Tropical e,
positivas, no Atlântico Norte Tropical, impedindo que a ZCIT se movimente para Sul e cause chuvas no
Nordeste. Nota-se que os padrões de precipitação sobre o Brasil, em anos nos quais se registrou esse
tipo de fenômeno, são opostos aos verificados naqueles em que ocorreram eventos de El Niño Modoki,
o que se pode observar nos painéis à direita, na Figura 3.5. Isto também se aplica, a eventos La Niña
(Rodrigues e McPhaden, 2014). No passado, as secas ocorridas no Sul e/ou no Sudeste em anos de even-
tos La Niña, eram acompanhadas por chuvas intensas no Norte e/ou no Nordeste. Porém, nos eventos
La Niña, registrados em 2007/08 e 2010/11, se observou uma inversão destes padrões sobre o Brasil.
1) fases negativas do modo dipolo do Atlântico Sul – ou seja, polo equatorial quente e polo subtropical
frio;
2) anomalias quentes de TSM no Atlântico Equatorial, caracterizando uma fase positiva do Atlântico Niño;
3) anomalias menos quentes ou neutras de TSM no Atlântico Norte Tropical, caracterizando uma fase
negativa do modo meridional, em que o gradiente de TSM é negativo.
Esses padrões de TSM favorecem precipitações acima ou na média sobre o Nordeste brasileiro
e menos chuvas sobre o Sudeste e o Sul do Brasil, como exibido à Figura 3.5. Porém, ainda não se tem
uma previsão do que acontecerá com os eventos de La Niña que, potencialmente terão o efeito oposto e
já foram mais frequentes na última década (England et al., 2014). Os eventos de La Niña, ocorridos em
2005/06 e 2010/11, já acarretaram secas extremas na Amazônia (Lewis et al., 2011), tendo a primeira
delas sido considerada evento que se repete a cada 100 anos (Marengo et al., 2008). Duas estiagens de
comparáveis magnitudes porém, já ocorreram em um intervalo de três anos (Lewis et al., 2011; Marengo
et al., 2011). E a La Niña de 2011/12 causou a pior seca no Nordeste brasileiro dos últimos 30 anos.
Morioka et al. (2011) também mostraram que, depois do El Niño canônico de 1997/98, fases
negativas do dipolo subtropical do Atlântico Sul foram mais frequentes, mas como o número total desses
eventos é pequeno não se pode estabelecer tendência estatisticamente significativa.
3.6.3 ALTERAÇÕES DOS MODOS DE VARIABILIDADE DAS PORÇÕES TROPICAL E SUL DO OCE-
ANO ATLÂNTICO DEVIDAS A MUDANÇAS EM SUA CIRCULAÇÃO TERMOALINA
Alguns trabalhos com modelos numéricos já mostraram que a diminuição – ou até a interrupção
– da circulação termoalina pode ocasionar alterações nos modos de variabilidade do Atlântico. Haarsma
et al. (2008) mostraram que, com o colapso da circulação referida, a resposta de TSM seria caracterizada
por uma fase negativa do modo meridional, isto é, anomalias de TSM frias no Atlântico Norte Tropical
acompanhadas por TSM quentes no Atlântico Sul Tropical.
80 VOLUME 1
Além disso, as características do modo zonal – o Niño do Atlântico – seriam alteradas, a língua
de água fria se enfraqueceria e sua variabilidade interanual ficaria reduzida. Por outro lado, a variabili-
dade na região de ressurgência de Benguela aumentaria. Em consequência de tais alterações de TSM, a
precipitação aumentaria sobre o Norte e o Nordeste, com a migração para Sul da ZCIT, principalmente
no inverno austral.
Por outro lado, de acordo com Haarsma et al. (2011), apenas a interrupção da entrada de águas
do Oceano Índico no Atlântico – a rota quente do braço superior da circulação termoalina no Atlântico
– geraria um resfriamento do Atlântico Sul. Isto se deve ao fato de que, a entrada de águas do Índico
acontece através da retroflexão da Corrente das Agulhas, no sul da África, que acaba soltando anéis ou
vórtices que se propagam para o Atlântico (Beal et al., 2011). Como as águas provenientes do Oceano
Índico aprisionadas nesses anéis são mais quentes e salinas, interrompida sua entrada, o Atlântico se res-
friaria. O impacto disso resultaria em gradiente meridional positivo de TSM no Atlântico Tropical, o que
empurraria a ZCIT para Norte, causando secas, nas regiões Norte e Nordeste do Brasil.
Porém, estudos recentes baseados em observações e modelos diversos, mostraram que houve
uma migração para Sul do sistema de ventos sobre o Atlântico Sul, principalmente dos cinturões de
ventos de Oeste, ocasionando um aumento da entrada de águas do Oceano Índico no Atlântico e não,
uma diminuição (Biastoch et al., 2008, 2009). Tais efeitos provocaram o aquecimento e a salinização
do Atlântico Sul. Curry e Mauritzen (2005), assim como Sato e Polito (2008), já constataram elevação
da temperatura e intensificação da salinidade nas camadas superiores, situadas a profundidade de até
1.000 metros do citado oceano, nas últimas décadas. Ambas as mudanças nos ventos e nas característi-
cas termoalinas do Atlântico, por sua vez, podem ter modificado os modos de variabilidade do Atlântico
Sul – mas, estudos observacionais ainda não foram conduzidos e conclusões a esse respeito não podem
ser tiradas.
3.6.4 SÍNTESE
Há fortes indícios de mudança nas características dos eventos de El Niño no Oceano Pacífico du-
rante as últimas décadas. Desde o forte evento canônico de 1997/98, todas as demais ocorrências do El
Niño foram do tipo Modoki (Yeh et al., 2009). Como consequência, houve um enfraquecimento da alta
pressão do Atlântico Sul que acarretou:
1) fases negativas do modo dipolo subtropical do Atlântico Sul – ou seja, polo equatorial quente e,
subtropical, frio;
2) anomalias quentes de TSM no Atlântico Equatorial, caracterizando uma fase positiva do modo
zonal, isto é , Atlântico Niño; e
3) anomalias menos quentes ou até neutras no Atlântico Norte Tropical, caracterizando fase negativa
do modo meridional – com gradiente meridional de TSM negativo, portanto.
Em termos dos efeitos das mudanças climáticas na circulação termoalina do Atlântico, observa-
ções e modelos apontam para um enfraquecimento da sua célula meridional, mas um fortalecimento no
vazamento das Agulhas. O impacto de ambos seria o mesmo no Atlântico Sul em termos de aumento de
temperatura e da salinidade. No entanto, inexistem estudos observacionais que possam definir o efeito de
tal processo sobre os modos de variabilidade e as consequentes alterações nos padrões de precipitação
sobre o Brasil.
82 VOLUME 1
como é o caso dos Países Baixos no norte da Europa, assim como ilhas tropicais que podem ser per-
manentemente inundadas. No Brasil, muitas cidades da orla marítima são totalmente vulneráveis a este
tipo de influência, inclusive capitais de vários Estados da Federação (Neves e Muehe, 2008). Estimativas
encontradas na literatura são: Recife (1946-1987) – 5,43 cm/déc (cm por década); Belém (1948-1987) -
3,50 cm/déc; Cananéia-SP (1954-1990) – 4,05 cm/déc; Santos-SP (1944-1989) – 1,13 cm/déc. (Harari
e Camargo, 1994; Harari et al., 1994; Mesquita et al. 1995, 1996).
Com o aumento do nível médio do mar, é possível associar ocorrências de eventos extremos de
inundações nas regiões costeiras mais frequentes. Não obstante, a ocorrência desses eventos possui de-
pendência direta com o comportamento dos sistemas atmosféricos transientes, cujas projeções também
envolvem considerações acerca de alterações do comportamento atmosférico sobre águas superficiais
mais aquecidas em boa parte do globo.
Trabalhos envolvendo modelagem climática acoplada em que diferentes cenários são simulados
em função da concentração dos gases do efeito estufa, como Meehl et al. (2005), indicam que mesmo
com uma estabilização das concentrações de CO2 aquelas do final do século XX e uma estabilização do
aumento de temperatura por volta de 2020-2030, o nível do mar continuará a apresentar taxas crescen-
tes de aumento, podendo alcançar valores até 3 vezes superiores aos aumentos experimentados neste
mesmo período.
Padrões espaciais do aumento do nível do mar no período 1950-2000 a partir de dados de alti-
metria e reconstruções históricas baseadas em dados de marégrafos foram identificados por Church et al.
(2004), os quais identificaram uma diminuição do nível do mar na porção oeste do Atlântico Sul (Figura
3.6).
Levitus et al. (2005) apresentam uma compilação da variação do calor armazenado nos oceanos
no período 1955-2003, com base em séries históricas retrabalhadas e inúmeros dados atualizados, de-
tectando um aumento de 14,5x1022 J nos primeiros 3000 metros, o que correspondente a um aumento
médio de temperatura de 0,037 oC. Mais de 50% deste aumento ocorreu na Bacia do Atlântico. Poste-
riormente, Lombard et al. (2005a) analisando o efeito estérico no período 1950-1999 com base em duas
diferentes bases de dados oceânicos (Levitus et al., 2005; Ishii et al., 2003), esbarraram nas limitações
inerentes aos conjuntos de dados e mesmo complementando a análise com 10 anos de dados altimé-
tricos (1993-2003), não puderam fazer estimativas de prazo mais longo. Em seguida, Lombard et al.
(2005b) contestaram Cabanes et al. (2001), pois, ao isolar e re-estimar separadamente os efeitos combi-
nados, encontraram taxas de 1,4+/-0,5 mm ano-1 devido unicamente ao efeito eustático (acréscimo de
volume), o qual tem sido identificado como dominante nas últimas décadas e será melhor detalhado na
seção seguinte.
Figura 3.7. Projeções do aumento do nível do mar para o século XXI. A projeção de amplitude do aumento médio do nível do mar
em escala global obtida pelo IPCC-AR (2001) é mostrada pelas linhas e sombreado (o sombreado escuro representa o envelope
médio de todos os cenários SRES, o sombreado claro é o envelope para todos os cenários, e as linhas nas extremidades incluem
incertezas adicionais relativas ao gelo continental). A atualização do IPCC-AR4 feita em 2007 está mostrada pelas barras plotadas
em 2095, a barra magenta é o range projetado pelos modelos e a barra vermelha é o range extendido, porém pobremente
quantificado, que permite incluir a potencial contribuição de uma resposta dinâmica do gelo sobre a Groelândia e Antártica
ao aquecimento global. Observe que o IPCC-AR4 afirma que “valores maiores não podem ser excluídos, mas o entendimento
destes efeitos é muito limitado para avaliar sua probabilidade ou fornecer uma melhor estimativa ou um limite superior para o
aumento do nível do mar”. A inserção mostra a projeção de 2001 em comparação com a taxa observada estimada a partir de
marégrafos (azul) e satélite altimétricos (laranja) (baseado em Church et al., 2001; Meehl et al., 2007; Rahmstorf et al., 2007).
Woodworth et al. (2009) enfatizam a complexa quantificação das mudanças nas taxas de au-
mento do nível do mar ao redor do globo (Figura 3.8), fazendo as devidas associações com mudanças
de longo prazo na pressão atmosférica, no vento e no conteúdo de calor. Estes autores também fazem
menção a séries temporais locais dos índices climáticos ao longo do século XX e suas correspondências
com a variabilidade das taxas de aumento do nível do mar nas distintas partes do globo terrestre.
Projeções ainda mais alarmantes foram recentemente apresentadas por Grinsted e Moore (2010),
cujos resultados com base em reconstruções paleo-geológicas apontam para um aumento de 1 metro
do nível do mar até 2100, ao invés dos valores entre 0,3 e 0,4 m inicialmente determinados pelo IPCC
(Figura 3.9).
84 VOLUME 1
Figura 3.9. Nível do mar projetado com base no cenário A1B do IPCC usando reconstruções de temperatura (Moberg et al.,
2005). Distribuição empírica de probabilidade do nível de mar obtida a partir de conjunto inverso de Monte Carlo com 2
milhões de realizações. A linha preta fina representa a média, a faixa cinza escuro representa um desvio-padrão, a faixa
cinza claro representa os percentis de 5 e 95%. A linha preta grossa representa o nível médio global reconstruído (Jevrejeva
et al., 2006) estendido para 1700 usando o nível do mar de Amsterdam (van Veen, 1945). Caixa mostra a estimativa do
cenário A1B do IPCC. Inserções mostram as projeções e ajustes aos dados GSL em maior detalhe.
Resultados de recentes compilações de dados para Port Saint Louis nas Ilhas Falklands foram
apresentados por Woodworth et al. (2010). Ao confrontar os dados da década de 1980 com as medições
realizadas por James Clark Ross em 1842, e também com as recentes medições maregráficas de 2009
em conjunto com dados altimétricos, fica evidente um aumento da taxa de aumento do nível do mar das
décadas recentes em relação ao século passado (0,75mm ano-1 de 1842 a 1980 versus 2,5 mm ano-1 de
1992 em diante – que inclui dados de satélite e marégrafos). De certa forma, estes aspectos refletem a
complexidade de fatores que estão regendo o comportamento do nível do mar nas décadas recentes, e o
degelo dos glaciares continentais é o ponto a ser destacado a seguir.
Determinações pioneiras do aumento do nível do mar devido ao degelo dos glaciares foram
apresentadas por Meier (1984), que já naquela época afirmava que a contribuição dos glaciares poderia
representar de 1/3 a 1/2 do aumento do nível do mar. De acordo com este autor, as estimativas de au-
mento de temperatura de 1,5 a 4,5 ºC até o final do século XXI estariam associadas a variações positivas
de 8 a 25 cm no nível médio do mar, e isso sem considerar o efeito das grandes porções de gelo presentes
na Groenlândia e em outras partes do globo. Mais de uma década depois, Gregory (1998) apresentou
estimativas de degelo em escala regional com base em campos de temperatura oriundos de modelagem
acoplada climática pioneira com o HADCM3 (Hadley Centre Coupled Model, version 3) associada ao
efeito do aumento dos gases do efeito estufa e também com a inclusão de aerossóis. Foram encontradas
variações alarmantes de 5 metros no nível médio do mar, sendo quase a metade deste aumento devido
unicamente ao degelo (132 mm de contribuição dos glaciares de modo geral, sendo 76 mm apenas do
degelo da Groenlândia). Nesta mesma linha, Rignot et al. (2003) apresentaram estimativas da contri-
buição do degelo na Patagônia para o aumento do nível médio do mar, comparando dados da missão
SRTM2000 (NASA Shuttle Radar Topographic Mission, Edition 2000) com material cartográfico histórico
referente aos 63 maiores glaciares da região. Este estudo revelou que a perda de massa apenas nestes
glaciares no período 1968/1975 a 2000 foi equivalente a um aumento de 0,04± 0,002 mm ano-1 no
nível médio do mar. Mais recentemente entre 1995 e 2000, a diminuição da espessura destes glaciares
devido ao aumento na temperatura e à diminuição da precipitação equivale a uma taxa de aumento de
nível do mar de 0,105±0,011 mm ano-1, a qual supera a contribuição dos glaciares do Alasca no au-
mento do nível do mar.
PRIMEIRO RELATÓRIO DE AVALIAÇÃO NACIONAL 85
Alley et al. (2005) afirmam que o comportamento dos glaciares da Antártica e da Groenlândia
é crucial e dominante para a taxa de aumento do nível do mar ao longo do século XXI, e que se forem
completamente derretidos, podem gerar um aumento de até 70 metros no nível do mar. As taxas de au-
mento do nível do mar têm suas maiores incertezas em função deste comportamento. Além disso, Alley et
al. (2005) levantam a questão da influência do aporte de água doce em regiões específicas do globo na
circulação oceânica de larga escala, que por sua vez pode afetar o transporte meridional de calor. Um
dado interessante em escala de tempo geológica é a variação do nível do mar e da existência de glaciares
ao longo da história do planeta em função da concentração de CO2: durante a última época em que não
havia gelo permanente no planeta, cerca de 35 milhões de anos atrás, a concentração de CO2 atingia
1250±250 ppmv e o nível do mar era 73 metros acima do nível atual; por outro lado, no último máximo
glacial, cerca de 21000 anos atrás, as concentrações de CO2 eram as menores registradas (185 ppmv),
e o nível do mar encontrava-se 120 metros abaixo do nível atual.
Recentemente, Mitrovica et al. (2009) discutem a questão de um aumento não homogêneo do ní-
vel do mar em função da atração gravitacional que a massa congelada exerce no oceano adjacente. Em
suas considerações, estes autores analisaram o impacto do colapso da WAIS (West Antarctic Ice Shelf), o
qual mudaria a posição do polo Sul em cerca de 200 metros na direção oeste. Este pequeno deslocamen-
to no eixo de rotação aliado ao efeito gravitacional seria determinante sobre o nível do mar sendo que
o sul da América do Sul iria experimentar menores aumentos do que o aumento eustático homogêneo,
enquanto maiores aumentos seriam observados no Pacífico Norte, no Atlântico Norte e no Índico.
D’Onofrio et al. (2009) analisaram séries de nível do mar no período 1956-2005 referentes a Mar
Del Plata, Argentina, e puderam indicar tendências relevantes que também podem ser de grande valia
para a costa brasileira. Estes autores fizeram uma caracterização da Maré Meteorológica (diferença entre
a maré observada e a maré astronômica) Positiva (MMP) baseada na sua intensidade, duração e freqüên-
cia, e seus resultados mostraram um aumento no número médio de MMPs por década. Considerando to-
dos os eventos, a última década (1996-2005) exibiu um aumento médio de 7% quando comparada com
as décadas anteriores. Um resultado similar foi encontrado para a média decenal das alturas máximas
de MMPs. Nesse caso, a média de altura das últimas duas décadas excedeu a das prévias décadas em
cerca de 8 cm. A média decenal da duração máxima anual desses eventos meteorológicos mostrou um
aumento de 2 horas nas últimas três décadas. Os autores atribuem uma possível explicação para essas
alterações em frequência, altura e duração de MMPs em Mar Del Plata a um aumento do nível relativo do
mar.
Especificamente para a costa brasileira, Campos et al. (2010) utilizaram dados de elevação do
nível do mar do Porto de Santos-SP e campos de vento e pressão em superfície das reanálises do modelo
do NCEP (Kalnay et al., 1996) (base de dados continuamente atualizada representando o estado da at-
mosfera, com a incorporação de observações e de previsão numérica de tempo, elaborada pelo National
Centers for Environmental Prediction, USA), abrangendo o Atlântico Sul para o período de 1951 a 1990,
com o intuito de identificar a influência atmosférica em escala sinótica sobre o oceano, para eventos ex-
tremos de maré meteorológica na costa sudeste brasileira. Os autores identificaram a variabilidade sazo-
nal e concluíram que o outono e o inverno apresentaram a maior ocorrência de extremos positivos (40,2%
e 30,8%, respectivamente), enquanto que a primavera e o inverno ficaram com maior número de extre-
mos negativos (47,2% e 32,3%, respectivamente). Os resultados mostram que os casos mais importantes
86 VOLUME 1
de elevações positivas do nível do mar ocorrem com a evolução e persistência de sistemas de baixa pres-
são sobre o oceano, com ventos de sudoeste acima de 8 m s-1, juntamente com o anticiclone da retaguar-
da posicionado sobre o continente. Estes autores apresentam ainda uma estatística sobre a ocorrência de
eventos extremos positivos e negativos para o período 1951-1990 (Tabela 3.1).
Tabela 3.1a. Quantificação dos eventos superiores a +2 desvios–padrão (d.p.), considerando a série
filtrada de valores diários de elevação do nível do mar. Fonte: Campos et al. (2010).
Tabela 3.1b. Quantificação dos eventos inferiores a -2 desvios-padrão (d.p.), considerando a série
filtrada de valores diários de elevação do nível do mar. Fonte: Campos et al. (2010).
Dessa forma, os autores indicam que as flutuações de escala sinótica associadas a condições
específicas possuem um comportamento típico, as quais apresentam pouca variação ao longo dos anos,
conforme evidenciado nas tabelas de quantificação de ocorrências (Tabela 3.1a,b). Há pequenas varia-
ções também no total de casos ao comparar as décadas consideradas, com tendência ao aumento do
número de extremos positivos de 1951 a 1980. No caso de extremos negativos, os totais são em torno
de 70 casos, com exceção da década 1961-1970, com apenas 52. Em termos percentuais, as variações
interdecenais do total de eventos positivos estão em 13%, enquanto as variações negativas em 23%. Con-
siderando todo o período analisado, Campos et al. (2010) encontraram uma média anual de 12 eventos
de maré meteorológica acima de +0,38 metros e 7 eventos de maré meteorológica abaixo de -0,38
metros. É importante destacar que o período analisado por estes autores não inclui as décadas mais re-
centes, de modo a não permitir maior correspondência com os trabalhos referentes à costa da Argentina.
3.7.4 SÍNTESE
O comportamento do nível relativo do mar deve ser analisado e projetado considerando a con-
tribuição do aumento da temperatura das águas, o chamado efeito estérico, assim como o acréscimo
em função do degelo dos glaciares continentais, o efeito eustático, além da parcela devida ao efeito
isostático, que é referente à movimentação vertical do continente. O monitoramento destes parâmetros,
também em parte realizado nas duas últimas décadas por satélites, evidencia que o problema é bastan-
te complexo e que diferentes comportamentos são constatados ao redor do globo. De acordo com as
determinações recentes, grande parte das projeções de aumento do nível do mar para todo o século XXI
Neste subcapítulo foram apresentadas considerações acerca do conhecimento atual das tendên-
cias do nível relativo do mar em escala global, tentando enfatizar quando possível os diversos tipos de
determinações sobre o Atlântico Sul e, em especial, na costa do Brasil. Estudos realizados com base em
observações in situ são pouco numerosos, basicamente em função da baixa disponibilidade de séries
longas de nível do mar. Mesmo assim, taxas de aumento do nível do mar na costa sul-sudeste já vêm
sendo reportadas pela comunidade científica brasileira desde o final dos anos 80 e início dos anos 90,
com base nas séries maregráficas de Cananéia, Santos, Ilha Fiscal e Recife (Mesquita et al., 1986, 1995,
1996; Silva e Neves, 1991; Harari e Camargo, 1994; Neves e Muehe, 1995; Muehe e Neves, 1995).
Por outro lado, são relativamente numerosos os estudos em escala global, sejam de cunho obser-
vacional ou numérico, que consideram a complexa combinação de fenômenos que resultam nas varia-
ções de escala global do nível do mar, cujos resultados ainda mantém razoáveis discordâncias acerca do
seu comportamento em longas escalas de tempo.
Ao longo das últimas décadas, a comunidade científica tem utilizado diferentes abordagens na
tentativa de quantificar a contribuição das trocas de carbono inorgânico entre a atmosfera e os oceanos
(Gruber et al., 1996; Sabine et al., 2004). A despeito destas tentativas, uma abordagem metodológica
conclusiva ainda não foi atingida (Vázquez-Rodríguez et al., 2009). Apesar disto, Sabine e Feely (2007)
estimaram que cerca de 1/3 do CO2 de origem antrópica que chega à atmosfera é absorvido pelos ocea-
nos, se concentrando nas camadas superficiais, acima da termoclina (Sabine et al., 2004). A capacidade
de absorção do CO2 atmosférico depende da integração de processos físicos, ligados à circulação, como
também da ação da bomba biológica, os quais exportam o carbono das camadas superficiais dos ocea-
nos para o oceano profundo e finalmente para os sedimentos (Cardinal et al., 2005).
Simulações de variações de estados de equilíbrio das trocas entre a atmosfera e o oceano são
constantemente verificadas através da aplicação de modelos numéricos, os quais necessitam ser valida-
dos por dados em larga escala temporal, ou seja, por monitoramentos e por estudos paleoceanográficos.
Para tal, programas internacionais que visam o estudo da variabilidade de parâmetros oceanográficos
e seus efeitos sobre diversos ciclos biogeoquímicos, tais como GEOSECS (Geochemical Ocean Sections
Program); WOCE (World Ocean Circulation Experiment); JGOFS (Joint Global Ocean Flux Study); OACES
(Ocean Atmospehere Carbon Exchange); BOFS (Biogeochemical Ocean Flux Study); SOLAS (Surface Oce-
an Lower Atmosphere Study); CARBOCEAN (Marine Carbon Sources and Sinks Assessment), dentre outros,
têm contribuído com dados desde a década de 1970. A despeito destes programas internacionais, o
88 VOLUME 1
Oceano Atlântico Tropical, em especial a margem oeste do Atlântico Sul, ainda representa uma das regi-
ões menos estudadas do planeta. Neste sentido, um importante esforço observacional foi decorrente do
Programa REVIZEE (Programa Nacional de Avaliação do Potencial Sustentável de Recursos Vivos da Zona
Econômica Exclusiva), realizado no período 1995-2001.
O Programa REVIZEE, coordenado pelo Ministério do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos
e da Amazônia Legal, destinou-se a proceder um levantamento dos potenciais sustentáveis de captura
dos recursos vivos na Zona Econômica Exclusiva (ZEE) brasileira. Para tal, foram realizados cruzeiros
oceanográficos em distintos períodos do ano, com a obtenção de dados físicos, químicos, biológicos e
geológicos. Estas campanhas permitiram registrar a variabilidade sazonal da estrutura termohalina, da
composição química da água do mar, da biota e das características geológicas do assoalho oceânico
(Hazin, 2009). A partir destes levantamentos foi possível construir cartas de distribuição espacial média
de Temperatura (°C), Salinidade, Alcalinidade total (TA, do inglês Total Alkalinity; μmol kg-1), Carbono
Inorgânico Dissolvido (DIC, do inglês Dissolved Inorganic Carbon; μmol kg-1), e Fluxo de CO2 na interface
oceano-atmosfera (FCO2, mmol CO2 m-2 d-1), na borda oeste do Atlântico Tropical Sul, adjacente às Regi-
ões Norte e Nordeste do Brasil (Figura 3.10). Valores positivos de FCO2 na Figura 3.10 indicam liberação
de CO2 do oceano para a atmosfera, enquanto que valores negativos de FCO2 representam a captura de
dióxido de carbono atmosférico. Os resultados obtidos a partir dos cruzeiros oceanográficos do Programa
REVIZEE indicam valores de Alcalinidade total na fronteira oeste do Atlântico Tropical Sul oscilando em
torno de 2310±200 μmol kg-1. Para a região marinha localizada entre 5oS e 15oS, obtém-se um valor
médio ligeiramente superior (2380±22 μmol kg-1) à média calculada para a área setentrional (5oS-5oN)
(2245±250 μmol kg-1), refletindo claramente a influência do aporte continental das águas amazônicas
na Região Norte. Estes valores estão de acordo com as estimativas de Millero et al. (1998) para a região
compreendida entre 30ºN e 20ºS (2180-2450 μmol kg-1), de Key et al. (2004) e Lee et al. (2006), estes
utilizando bancos de dados globais. A distribuição espacial de concentração de DIC, obtida a partir dos
dados do Programa REVIZEE, fornece um valor médio de 1940±170 μmol kg-1 para toda a região, repe-
tindo-se, entretanto, o padrão verificado para a TA, ou seja, com uma média espacial superior nas águas
da borda leste (2003±60 μmol kg-1) quando comparado à região oceânica setentrional (1880±200
μmol kg-1). Estes valores de DIC estão igualmente próximos das estimativas de Goyet et al. (1998) para
a região compreendida entre 5ºN e 15ºS (1920-2075 μmol kg-1), situando-se ainda levemente acima
dos valores indicados nas cartas globais de distribuição de DIC elaboradas por Key et al. (2004) para a
mesma região de estudo.
A distribuição espacial dos fluxos médios oceano-atmosfera de CO2 na borda oeste do Atlântico
Tropical, obtida a partir das observações do Programa REVIZEE, também é apresentada na Figura 3.10.
Os cálculos indicam que a região se comporta, globalmente, como um sumidouro de dióxido de carbono
atmosférico (-0,74 ±3 mmol CO2 m-2 d-1), apesar das estimativas de fluxo por sub-regiões se mostrarem
com sinais opostos. Enquanto que as águas da borda leste (5oS-15oS) apresentaram um valor médio de
fluxo de CO2 positivo (+0,47±3 mmol CO2 m-2 d-1), ou seja, funcionam como uma fonte de dióxido de
carbono para a atmosfera, a porção norte da área de estudo (5ºN-5ºS) se caracteriza como sumidouro
de CO2 (-1,8±3 mmol CO2 m-2 d-1). As razões desta situação, aparentemente controversa, ainda são
pouco discutidas na literatura. As cartas globais de Takahashi et al. (2002) indicam fluxos médios de CO2
variando de -1,5 a +2 mmol CO2 m-2 d-1 para a região localizada entre 14ºN e 14ºS, com uma tendên-
cia à ocorrência de valores negativos (sumidouro) na área marinha sob influência da pluma do Rio Ama-
zonas. Esta característica de sumidouro associada à porção norte da área de estudo é também verificada
a partir dos trabalhos de Ternon et al. (2000), Körtzinger (2003), Lefèvre et al. (2010) e Subramaniam et
al. (2008). Estes últimos autores sugerem o incremento da produção primária nas águas sob influência da
pluma do Amazonas como mecanismo indutor da maior intensidade de captura de CO2 atmosférico nesta
região. Para a borda leste, Oudot et al. (1995) confirmam que a região funciona basicamente como fonte
de CO2 para a atmosfera. Em ambos os casos, entretanto, maiores estudos devem ser realizados visando
a identificação e, sobretudo, a quantificação dos mecanismos envolvidos.
Os níveis de CO2 atmosférico têm aumentado em aproximadamente 40% desde o período Pré-in-
dustrial até hoje, passando dos 280 ppmv (partes por milhão volume) para 390 ppmv em 2011 (Mauna
Loa – NOAA/ESRL), sendo 50% deste acréscimo ocorrido nas últimas três décadas (Feely et al., 2009). A
concentração de CO2 atmosférico é atualmente a maior dos últimos 800.000 anos (Luthi et al., 2008),
o que aumenta a necessidade de melhorar o entendimento do equilíbrio entre a atmosfera e a superfície
dos oceanos.
A absorção do CO2 atmosférico pelos oceanos provoca alterações no balanço químico dos oce-
anos, em especial alterando o pH e o equilíbrio dos íons carbonatos e do estado de saturação de calcita
(Ωca) e aragonita (Ωar). Com o aumento na concentração do CO2 das águas superficiais, devido ao
equilíbrio com a atmosfera, há a formação de mais H2CO3 (ácido carbônico). A maior parte deste H2CO3
se dissocia formando HCO3- (íon bicarbonato) e H+ (íon hidrogênio), o qual reage com o CO3-2 (íon
carbonato) produzindo mais íons HCO3-. O resultado destas reações no sistema carbonato dos oceanos
é o aumento dos íons H+ (decréscimo do pH) e decréscimo na concentração do íon CO3-2. Estas modifi-
cações são conhecidas como a “acidificação dos oceanos” (Caldeira e Wickett, 2003, 2005; Orr et al.,
2005; Doney et al., 2009; Feely et al., 2009; González-Dávila et al., 2010).
90 VOLUME 1
(Feely et al., 2009). Estes resultados sugerem possíveis efeitos drásticos do aumento das concentrações de
CO2 na atmosfera no tocante aos equilíbrios químicos e das trocas gasosas com os oceanos.
A transferência do carbono entre os compartimentos atmosfera e oceano pode ser avaliada atra-
vés de medidas da distribuição de pigmentos fotossintetizantes no Atlântico Sul, as quais estimam uma
produtividade primária oceânica média de 4,6 GtC ano-1 (Antoine et al., 1996). O balanço entre a
produção primária e a acumulação de carbono nos sedimentos marinhos determina a extensão na qual
os oceanos sequestram o CO2 atmosférico. A produção primária global dos oceanos foi estimada por
Antoine et al. (1996) e Longhurst et al. (1995) como entre 36,5 e 50,2 GtC ano-1, sendo a acumulação
de carbono nos sedimentos estimada entre 126 e 160 MtC ano-1 (megatoneladas de carbono por ano;
Berner, 1982; Hedges e Keil, 1995). De acordo com estes estudos, apenas 2,5% a 4% do carbono biolo-
gicamente fixado nos oceanos é acumulado nos sedimentos, sendo a grande parte remineralizado na pró-
pria coluna d’água. Segundo Berner (1982), a acumulação de carbono orgânico para a região pelágica
do Oceano Atlântico é da ordem de 3,6 x 1012 gC ano-1, com uma média de 0,05 gC m-2 ano-1 para a
bacia Atlântica. Contudo, é importante ressaltar que, em áreas de ressurgências, estes valores podem ser
bastante diferentes das médias globais. Neste sentido, a produção primária na ressurgência de Benguela
foi estimada em 323 gC m-2 ano-1, sendo a acumulação de carbono da ordem de 1-2 gC m-2 ano-1 (Mol-
lenhauer et al., 2004), enquanto que estimativas recentes do acúmulo de carbono na plataforma conti-
nental na região da ressurgência de Cabo Frio, litoral do Estado do Rio de Janeiro, mostraram valores que
atingem até 1 mgCOT m-2 ano-1 (COT - carbono orgânico total) durante o último século (Albuquerque,
2011), a despeito das diferenças na magnitude dos sistemas de ressurgência (Figura 3.11). Estudos com
armadilhas de sedimentação na ressurgência na Namíbia revelaram que 0,8-1,1% da produção primária
atinge profundidade de 1000 m (Fischer et al., 2000), sendo que deste percentual apenas uma pequena
parcela deste carbono fica acumulado nos sedimentos. François et al. (2002) concluíram que as regiões
tropicais produtivas, tais como as regiões de ressurgência, representam as áreas de maior eficiência de
transferência de carbono orgânico para o ambiente pelágico. Baseado em estudos de fluxo bêntico,
Jahnke (1996) estimou que a maior parte da transferência de carbono para o ambiente pelágico ocorre
entre 30° de latitude norte e sul.
Em grande parte do Oceano Atlântico Sul Tropical e Subtropical, a acumulação de carbono or-
gânico nos sedimentos é basicamente controlada pela produtividade primária nas águas superficiais, des-
contados os processos de reciclagem na própria coluna d’água. A despeito da alta produtividade primária
registrada em diversas áreas costeiras, algumas destas regiões apresentam baixos valores de fluxos de
carbono orgânico para os sedimentos, e isto se deve às altas taxas de reciclagem nas águas superficiais,
causando uma baixa eficiência no transporte de carbono para o fundo. Isto tem sido documentado por
Hensen et al. (1998) na porção equatorial leste do Atlântico Sul. Neste sentido, Mollenhauer et al. (2004)
apontam que pouco é ainda conhecido sobre a porção da produção primária que efetivamente atinge os
sedimentos marinhos, em especial para os oceanos em baixa e média latitudes. O aumento de estudos
que abordem este tema nos oceanos tropicais aportaria importante contribuição para o entendimento
para o papel do soterramento de carbono no ciclo global.
De acordo com Wollast (1998), de 0,5% a 3% da produção primária das plataformas continentais
e do talude e cerca de 0,014% dos oceanos profundos fica acumulada nos sedimentos. Assim, grande
quantidade da produção primária produzida nas zonas costeiras, aproximadamente 2,2 GtC ano-1 é
exportada para o oceano profundo através de transportes transversais (cross-shelf exchanges; Wollast,
1998). Uma fonte adicional de carbono é fornecida pelas descargas fluviais e input eólico. As estimativas
apontam que 0,4 GtC ano-1 chegam nas margens continentais (Schlesinger e Melack, 1981; Ittekkot,
1988; Hedges, 1992; Meybeck, 1993; Ludwig et al., 1996). O destino deste material terrestre mais re-
fratário é ainda pouco conhecido. Neste contexto, a importância dos aportes fluviais, representados pelo
Rio Amazonas, Rio São Francisco, Rio Doce, Rio da Prata, Rio Congo, dentre outros, é fundamental para
a produção de carbono no Oceano Atlântico Tropical e Subtropical e significativo para o balanço global
do carbono. Assim, o acúmulo de carbono nos sedimentos na costa do Brasil é essencialmente controlado
pela descarga de diversos rios, os quais transportam grande quantidade de sedimentos, como também de
matéria orgânica (Tintelnot, 1995).
Apesar da margem oeste do Atlântico Sul ser pouco influenciada por processos de ressurgência,
em especial quando comparada com a margem leste, a produtividade costeira é mantida, além dos
aportes fluviais, pela confluência de águas frias e ricas em nutrientes da Corrente das Malvinas e as águas
quentes e pobres em nutrientes da Corrente do Brasil. A região da confluência está localizada na região
do Rio da Prata (39°S). Nesta região, movimentos frontais complexos e padrões de mistura destas mas-
sas d’água são formados. A interação entre a Corrente do Brasil e a Corrente das Malvinas produz uma
forte dinâmica sedimentar e gravidade controlada pelos fluxos de massas (Garzoli, 1993; Peterson et al.,
1996; Hensen et al., 2000, 2003). A força das correntes de fundo nesta região dificulta acumulação de
material fino, ocorrendo a predominância de deposição de material terrígeno na plataforma e no talude.
A maior parte da descarga do Rio da Prata e de seus tributários não é depositada no delta, mas trans-
portada para regiões mais distantes da bacia. Abaixo de 4000 metros, a Água de Fundo Antártica (AFA)
forma uma potente corrente de contorno ao longo da margem continental Argentina, a qual transporta os
sedimentos finos para a parte central da bacia (Ewing et al., 1964; Garzoli, 1993; Peterson et al., 1996;
Hensen et al., 2000).
É importante ressaltar que Mollenhauer et al. (2004), estudando 77 amostras de sedimento ma-
rinho distribuídas ao longo de toda bacia do Oceano Atlântico Sul, mostraram que a acumulação de
carbono orgânico durante o Último Máximo Glacial foi cerca de 2 a 3 vezes maior do que durante o
Holoceno. Isto ocorre em resposta às mudanças na química da água do mar, na circulação e nos padrões
de estratificação e formação de camadas de mistura. Além disto, a exposição da plataforma continental
92 VOLUME 1
devido à regressão marinha glacioeustática também colaborou para a oxidação de parte do carbono
acumulado. Desta forma, Anderson et al. (2009) aponta o papel vital do Atlântico Sul como regulador da
variabilidade das concentrações do CO2 atmosférico entre os períodos glacial-interglacial.
3.8.2 SÍNTESE
A fisiografia das linhas de costa tropicais associadas a manguezais, criadas ou modificadas por
forças geomórficas (Thom, 1984), provê condições físicas nas quais as diferentes espécies vegetais de
mangue se desenvolvem. Esse desenvolvimento ocorre de acordo com suas adaptações individuais, to-
lerâncias e necessidades por fatores diversos, tais como níveis de maré ou de submersão, salinidade
ou preferências edáficas. Cada espécie possui tolerância específica em termos de período, frequência
e profundidade de inundação (Semeniuk, 1994). Em seguida, são as condições climáticas locais que
modificam as características dos bosques, impondo limites à colonização, crescimento e desenvolvimen-
to (Thom, 1984; Woodroffe, 1987; Schaeffer-Novelli et al., 1990; Cintrón-Molero e Schaeffer-Novelli,
1992).
Todos esses atributos fizeram com que muitos considerassem manguezais como sistemas sucessio-
nais quando, de fato, se tratam de ecossistemas auto-sustentáveis em ambientes onde essas características
se tornam requisito para sucesso na sobrevivência (Lugo, 1980). Levando em consideração a dinâmica
dos tipos de costa (Thom, 1984) e as respostas do ecossistema às variações da hidrologia ou dos níveis
de maré (Jimenez et al., 1985; Blasco et al., 1996), manguezais ocupam áreas costeiras tropicais extre-
mamente dinâmicas (Thom, 1967; Kjerfve et al., 2002; Schaeffer-Novelli et al., 2002; Cunha-Lignon et
al., 2009). Assim, as coberturas vegetais dos manguezais mais bem desenvolvidos estruturalmente podem
ser encontradas em áreas geomorficamente ativas, sujeitas a fortes aportes deposicionais e a processos
erosivos (Kjerfve et al., 2002). Estes tipos de paisagem apresentam mosaicos de habitats, incluindo centros
de ativo estabelecimento de novas plantas e áreas de crescimento estável, da mesma forma que áreas
com perda de bosques e com substratos sendo erodidos ou rebaixados (Schaeffer-Novelli et al., 2002;
Cunha-Lignon et al., 2009).
O sistema radicial constitui um dos componentes estruturais mais importantes dos bosques de
mangue dando origem a lodos espessos e fibrosos, como aqueles associados a parcelas cobertas por
árvores do gênero Rhizophora (Hesse, 1961). A construção das costas lodosas tropicais, onde se desen-
volvem os manguezais, é basicamente uma função de quão rapidamente os sedimentos são carreados e a
razão na qual a matéria orgânica (raízes e detritos orgânicos), produzida in situ se incorpora ao substrato.
A biomassa radicial subterrânea agrega partículas de sedimento, construindo o substrato que contribui
para elevação da cota do terreno (Wells e Coleman, 1981; Huxman et al., 2010). Esse processo de ele-
vação do substrato devido à sedimentação e ao aumento da biomassa das raízes, leva à formação de
terraços deposicionais que podem expandir em direção ao mar por progradação, ou migrar em direção a
terra, com o aumento do nível do mar. A morte da cobertura vegetal do manguezal e a perda de biomas-
sa radicial determinam a desintegração do substrato, aumentando a profundidade de inundação e, por
conseguinte, a suscetibilidade à erosão. Os sedimentos que eram mantidos aderidos pela massa radicial
são liberados, sendo mais suscetíveis à erosão.
94 VOLUME 1
(erosão na porção de contato com a linha d’água, sem oportunidade de migração); e (iii) resistência às
alterações do NMRM (equilíbrio entre as taxas de transgressão marinha e as taxas de aporte de novos
sedimentos). Cada uma dessas respostas pode ocorrer com: a) manutenção; b) exclusão; e c) formação
de refúgios. O modelo conceitual permite, ainda, categorizar as áreas de manguezal quanto aos seus
graus de vulnerabilidade, em baixa, média e alta (Soares, s/d).
3.9.2 POTENCIAIS RESPOSTAS ESTRUTURAIS DOS MANGUEZAIS AOS IMPACTOS DAS MU-
DANÇAS CLIMÁTICAS
Field (1995) sugere que o aumento no NMRM deve ser o fator mais importante a influenciar a
futura distribuição dos manguezais, e que seu efeito pode ter grande variação, dependendo da taxa local
do aumento e da disponibilidade de sedimento para dar suporte ao restabelecimento do manguezal.
Ellison (1996) acrescenta que, possivelmente, a amplitude de distribuição dos manguezais pode ser mais
plástica do que o esperado, caso haja disponibilidade de novos espaços.
Devido às diferenças locais e regionais, as paisagens do Holoceno médio e superior incluem am-
bientes de manguezais tanto transgressivos como regressivos. A importância da história do nível do mar
para estudo dos manguezais é a de que os settings, “séries de manguezais”, correspondem a escalas de
tempo geológico (Thom, 1984). Essas séries, criadas ou modificadas por forças geomórficas correspon-
dem, no caso dos manguezais, a diversos tipos de formas de relevo que provêm substrato adequado e
abrigo contra forças erosivas (Thom, 1984; Vale, 2004). Núcleos de bosques de mangue desenvolvidos
sobre arenitos praiais (beach rocks) serão eliminados por níveis do mar mais elevados, uma vez que terão
seus sistemas radiciais permanentemente inundados.
Para a costa amazônica, Cohen et al. (2005) sugerem que o aumento do NMRM em áreas de
manguezal na Península de Bragança, litoral do Pará, seja devido às maiores temperaturas globais e
consequentes degelos nos últimos 150 anos. Aumentos eustáticos no NMRM são reportados em áreas de
manguezal no Rio de Janeiro (Soares, s/d), Papua Nova Guiné (Pernetta e Osborne, 1988), Taperebal,
Pará (Vedel et al., 2006) e Ilha de Marajó, Pará (Behling et al., 2004). Nicholls et al. (1999) indicam que
até o ano de 2080, haverá perda global de, aproximadamente, 22% das zonas úmidas costeiras. A res-
posta exata de um manguezal a um cenário de elevação do NMRM depende do balanço local entre as
taxas de sedimentação e as taxas de elevação do NMRM (Woodroffe, 1995; Blasco et al., 1996). Soares
(s/d) e Pereira (1998) fazem referência a regressões de manguezais na Baía de Sepetiba, RJ, com avanços
progressivos sobre a feição apicum, que passa a ser uma alternativa para a migração do manguezal para
áreas mais interiores na Baía de Todos os Santos, Bahia (Hadlich e Ucha, 2009).
Estudos de Ellison e Stoddart (1991), feitos a partir de registros estratigráficos do Holoceno e cur-
vas de nível do mar, revelam que aumentos do NMRM global entre 8 e 9 cm/100 anos são compensados
pelos manguezais; enquanto que aumentos de 9 a 12 cm/100 anos provocam estresse no ecossistema,
e aumentos a partir de 12 cm/100 anos causam perda ecossistêmica.
O aumento previsto para as temperaturas médias deverá exercer pouca influência sobre o desen-
volvimento dos manguezais em geral. Impactos indiretos do aumento térmico também devem ser consi-
derados, como a possível perda de manguezais protegidos por recifes de corais (conectividade), devido à
morte destes, devido ao branqueamento (McLeod e Salm, 2006). Com o aumento térmico o ecossistema
poderá, eventualmente, ocupar latitudes mais altas para o norte e para o sul, porém sempre na depen-
dência de vários outros fatores (Field, 1995). Contrariamente a esta ideia, Woodroffe e Grindrod (1991)
e Snedaker (1995), citados por McLeod e Salm (2006), argumentam que eventos climáticos extremos de
baixas temperaturas limitariam o deslocamento dos manguezais em direção aos polos.
Fato importante nos manguezais é a grande capacidade de fixar carbono, principalmente ao nível
das raízes, no substrato (Nellemann et al., 2009; Huxman et al., 2010; Donato et al., 2011). Esse proces-
so de acumulação no sedimento ocorre ao longo do tempo, enquanto que erosão ou desmatamento da
cobertura vegetal, como nos empreendimentos de carcinocultura, facilita a liberação quase que imediata
do CO2 para a atmosfera. Experimentos feitos em florestas de mangue na Malásia (Jin-Eong, 1993) reve-
lam que os sedimentos do manguezal liberam 50 vezes mais de carbono que a quantidade sequestrada.
Ellison (2000; 2004) aponta que mudanças na precipitação deverão ter efeitos sobre o cresci-
mento e extensão das áreas de manguezal. É apresentado um cenário de aumentos de 25% de precipita-
ção pluvial até 2050, com padrões de distribuição irregulares. Em áreas com decréscimo de pluviosidade,
deverá haver redução no crescimento, sobrevivência de propágulos e na produtividade dos manguezais.
Este fato favorecerá a sua substituição por plantas halófitas mais tolerantes. Sendo assim, podem ocorrer
perdas em extensão e diversidade dos manguezais. Em contrapartida, nas áreas com maiores precipita-
ções, poderá haver aumento de diversidade em zonação dos bosques e de taxas de crescimento de al-
gumas espécies de mangue, podendo aumentar sua área de ocupação. Harty (2004) sugere que, nesses
casos, deve aumentar a capacidade dos mangues de competir com a vegetação de zonas mais internas.
Alterações na salinidade, nas taxas de inundação e no aporte de sedimentos estão entre as con-
dições verificadas em decorrência das tempestades tropicais (Ellison e Stoddart, 1991). Essas condições
podem comprometer a estabilidade e a composição das espécies na cobertura vegetal dos manguezais
(Gilman et al., 2006). Alterações na linha de costa poderão desencadear processos de erosão e de depo-
sição em taxas que excedam a resiliência das espécies vegetais típicas de mangue, passando a compro-
meter o equilíbrio ecológico do ecossistema (Hopkinson et al., 2008).
96 VOLUME 1
3.9.3 SÍNTESE
A amplitude latitudinal tropical e subtropical da linha de costa do Brasil traz, em seu bojo, uma
miríade de feições fisiográficas onde se abrigam os manguezais, com diversidade de estruturas pouco
monitoradas em escalas temporais adequadas ao escopo do presente levantamento. Essa diversidade
de características, sob as quais se desenvolvem os manguezais, exige monitoramentos de médio e longo
prazos, em pontos representativos ao longo da costa. O fato de o manguezal ser um ecossistema extre-
mamente adaptável às variações das condições do ambiente onde se insere exige muito mais tempo (dé-
cadas) de observações para identificar respostas consideradas normais em relação àquelas que estariam
sendo manifestadas diante de novas condições ambientais
A costa brasileira, com aproximadamente 9.000 quilômetros de extensão, apresenta uma gran-
de diversidade de ambientes desenvolvidos ao longo do período Quaternário (Dominguez, 2009) que
compreende os últimos dois milhões de anos e é caracterizado por uma sucessão de períodos glaciais e
interglaciais.
Geradas pela ação do vento, as ondas apresentam um claro padrão ao longo da costa, decaindo
de Sul para Norte (Pianca et al., 2010). Os níveis relativos do mar na costa brasileira há 120.000 e 5.600
anos anteriores ao tempo presente (AP), estiveram oito e cinco metros acima do atual, respectivamente.
Concomitantemente a tais níveis transgressivos, sedimentos marinhos foram depositados na forma de
planícies de cristas de praia, pontais e barreiras arenosas.
Com uma extensa plataforma continental, altamente influenciada pela descarga fluvial e pela de-
posição de sedimentos de lama do Rio Amazonas, essa região é submetida a um regime de macromarés,
com alturas de até dez metros. Manguezais na Região Norte são abundantes e correspondem a 76% do
total desse tipo de ecossistema encontrado na costa brasileira (Muehe, 1998).
Por sua vez, na praia estuarina de Mosqueiro, ao norte de Belém, e ao longo da costa atlântica,
na região de Salinópolis e Ajuruteua, conforme El-Robrini et al. (2006), detectou-se a presença de erosão
costeira. Souza-Filho e Paradella (2003) observaram variações da linha de costa na região de Bragança,
também no Pará, através de imagens de radar.
No conjunto de mudanças ocorridas na costa, observadas entre 1972 e 1998, 60,6% repre-
sentam áreas erosivas e 39,4%, acrescidas. Os autores observaram, ainda, que, entre estas, as maiores
estão relacionadas a manguezais, sendo ocupadas por baixios arenosos, o que as torna mais suscetíveis
à erosão.
98 VOLUME 1
No setor semiárido, os segmentos mais impactados pela erosão costeira estão no Ceará, na
região ao Norte do porto de Pecém e em Fortaleza. No primeiro, o impacto resultou da deposição sedi-
mentar em torno da estrutura portuária e, em Fortaleza, na retenção e do desvio do fluxo de sedimentos
em algumas praias da região metropolitana, após a construção de um quebra-mar para a proteção do
porto de Mucuripe (Morais et al., 2006).
Na costa de falésias sedimentares, a erosão é ampla e ocorre em quase toda a linha de costa,
desde o Sul do Rio Grande do Norte, prosseguindo pela Paraíba e por Pernambuco, e estendendo-se até
Alagoas. O contrário ocorre na costa de Sergipe, onde a abundante quantidade de sedimentos trazida
pelos rios mantém aproximadamente 57% da costa em equilíbrio, enquanto 21% estão em erosão (Bitten-
court et al., 2006).
Na Paraíba, segmentos da costa em erosão representam em torno de 42% dos 140 quilômetros
de linha de costa (Neves et al., 2006). Em Pernambuco, aproximadamente 30% das praias apresentam
processos erosivos, devidos, para a maioria destas últimas, a fatores naturais, como os de circulação
costeira e déficit sedimentar, enquanto intervenções antrópicas muitas vezes intensificam esse processo
(Neves e Muehe, 1995; Manso et al., 2006).
Em Sergipe, de acordo com Bittencourt et al. (2006), os segmentos em erosão estão localizados
em Atalaia Nova, ao Norte de Aracaju, e ao Sul da desembocadura do Rio São Francisco, onde a Vila do
Cabeço foi completamente erodida. Áreas com grande variabilidade da linha de costa se localizam nas
adjacências da desembocadura dos rios Real, Vaza-Barris e Sergipe, onde episódios erosivos causaram
danos materiais significativos.
De forma geral, a costa do Estado da Bahia, entre Mangue Seco, na desembocadura do Rio São
Francisco, e sua capital, Salvador, está em equilíbrio (Dominguez et al., 2006). No entanto, uma aborda-
gem mais detalhada para a costa norte baiana, realizada por Bittencourt et al. (2010), mostrou algumas
regiões com evidências de erosão contínua entre Barra do Itariri e Sabaúma. Os autores relacionam tais
eventos erosivos à passagem de frentes frias.
No Espírito Santo, a linha de costa se alterna entre grandes extensões em erosão ou em equilíbrio,
e alguns segmentos em acresção. Acresção é observada nas planícies costeiras do Rio Doce, ao Norte, e
na região do Rio Itabapoana, no limite sul do estado (Albino et al., 2006). Estudando processos sedimen-
tares na região do Rio Doce, Dominguez et al., (1983) e Albino e Suguio (2010) mostram a importância
dos padrões de direção da deriva litorânea de sedimentos. Em função de sua configuração, o delta do Rio
Doce causa modificações na direção do transporte litorâneo na região, provocando a alternância entre
eventos construtivos e destrutivos.
No Norte do Rio de Janeiro, no trecho costeiro que vai desde perto da divisa com o Espírito Santo
e até Cabo Frio, erosão acentuada ocorre ao Sul do Rio Paraíba do Sul, em Atafona. Ali, a areia está
sendo retida na plataforma continental interna por conta da cobertura de lama escoada pelo rio e pela
deriva litorânea dominante em direção ao Sul, para fora da área afetada (Muehe et al., 2006).
Outras áreas em erosão incluem as costas altamente urbanizadas de Macaé e de Rio das Ostras
(Muehe et al., 2006). Ao sul de Cabo Frio, a costa com alinhamento leste-oeste está exposta diretamente
às ondas de tempestade do Sul. O transporte de sedimentos litorâneos tende a estar em equilíbrio ao
longo do ano, com as ondas de alta energia menos frequentes do Sul e Sudoeste sendo compensadas
pelas de Sudeste, mais frequentes.
Entre Cabo Frio e a Ilha da Marambaia, a linha de costa mostra sinais de instabilidade, com a
transposição de ondas e a retração da escarpa imediatamente vizinha à praia (Muehe et al., 2006). Da
ordem de dez a quinze metros, este último processo foi observado em diversos lugares, em decorrência,
principalmente, de um grande evento de tempestade em maio de 2001.
Não obstante, a linha de costa, considerando como tal a interseção da face praia com o nível
médio do mar, entre Niterói e Arraial do Cabo, se tem mantido estável (Muehe, 2011).
Na longa e estreita barreira arenosa que separa a Baía de Sepetiba do Oceano Atlântico, na
porção Oeste desse segmento, eventos de transposição e erosão da margem lagunar da mesma podem
resultar em rompimentos temporários (Muehe, 2010). Por sua vez, na região metropolitana do Rio de
Janeiro, que inclui o litoral de Niterói, a grande densidade populacional torna as costas, oceânica e
estuarina, mais vulneráveis a erosão, alagamentos e deslizamentos. A expansão de áreas urbanizadas
sobre regiões baixas de antigas lagunas – como, por exemplo, é a Barra da Tijuca –, com capacidade
de drenagem limitada, representa riscos que crescerão em cenários de aumento do nível do mar e de
intensidade das tempestades (Muehe e Neves, 2008).
Esse compartimento, que se estende da Ilha Grande, no estado do Rio de Janeiro, ao Cabo de
Santa Marta, em Santa Catarina, é caracterizado pela proximidade da cadeia montanhosa da Serra do
Mar. Modificações na linha de costa em função de erosão, no estado de São Paulo, geralmente ocorrem
isoladamente e associadas a obstáculos naturais ou artificiais que interrompem o fluxo de sedimentos ao
longo da costa (Tessler et al., 2006).
No Paraná, as modificações mais significativas da linha de costa ocorrem nas adjacências de de-
sembocaduras estuarinas – e.g., o canal do Superagui, Ilha das Peças, Ilha do Mel, Pontal do Sul, Ponta
de Caiobá e Guaratuba.
100 VOLUME 1
Essas alterações incluem erosão e acresção em diferentes trechos e ocorreram em níveis de até 100 me-
tros ao longo de períodos inferiores a uma década.
Já a linha de costa oceânica é mais estável. Nela, as áreas mais impactadas pela erosão são as
praias de Flamengo e Riviera e a porção central da praia de Matinhos, restaurada com realimentação
praial (Angulo et al., 2006).
Na Ilha de Santa Catarina, esses processos erosivos ocorrem ao longo da costa oceânica, so-
bretudo nas áreas urbanas do Norte da ilha, onde se situam as praias de Canavieiras, Cachoeira e dos
Ingleses, e no Noroeste da Barra da Lagoa. Áreas urbanizadas ao Leste e ao Sul, com risco erosivo de
médio a alto, incluem o Campeche, a Armação e o Pântano do Sul (Horn, 2006).
Do Cabo de Santa Marta, em Santa Catarina, ao Chuí, no Rio Grande do Sul, a linha de costa é
formada por uma extensa e larga faixa de praia, com sedimentos predominantemente finos, em frente a
um múltiplo sistema de ilhas-barreiras.
A deriva litorânea dominante na região é para Norte, com algumas inversões relacionadas à sazona-
lidade do clima de ondas e à orientação da linha de costa (Siegle e Asp, 2007). As praias mostram grande
variabilidade morfodinâmica com alternância entre longos trechos de avanço e retração da linha de costa
(Toldo Jr. et al., 2006) e reversões nesses padrões ao longo do tempo (Esteves, 2006; Esteves et al., 2006).
Os segmentos localizados de erosão costeira foram descritos por Calliari et al. (1998) e Speranski
e Calliari (2006) e estão relacionados à convergência de ondas na região de Mostardas, entre Bojuru e
Estreito, e em pequenos segmentos próximos à praia do Cassino e no extremo Sul, próximo ao Chuí. Uma
revisão crítica do fenômeno erosivo na costa do estado do Rio Grande do Sul foi feita por Dillenburg et
al. (2004), sugerindo que o balanço negativo de sedimentos em curto e longo termo é a maior causa da
erosão nesse segmento da costa.
3.10.3. SÍNTESE
Ao longo da extensão da linha de costa brasileira são vários os trechos em erosão, distribuídos
irregularmente e, muitas vezes, associados aos ambientes dinâmicos de desembocaduras. A ocupação
desordenada é outra grande causa apontada para a ocorrência de tal fenômeno em praias brasileiras. A
construção civil, em áreas próximas à linha costeira, por vezes, não só compromete o balanço sedimentar
local, como pode iniciar ou acelerar o processo erosivo. A elevação do nível do mar e as maiores frequ-
ência e intensidade das tempestades, associadas ao aumento de temperatura do oceano, reforçam-no
ainda mais.
Diversas são as áreas costeiras densamente povoadas que se situam em regiões planas e baixas,
nas quais os problemas já existentes de erosão, drenagem e inundações serão amplificados em cenários
de mudanças climáticas.
Uma evaporação maior decorrente de uma temperatura mais elevada deverá provocar, igual-
mente, um maior transporte eólico no litoral do Nordeste semiárido, com aumento da transferência de
sedimentos da praia para o campo de dunas e a consequente expansão do déficit de sedimentos. Ao
mesmo tempo, ciclones extratropicais mais frequentes e intensos tenderão a aumentar a recorrência de
eventos extremos, com ondas altas, ventos fortes e precipitações intensas afetando partes do litoral Sul e
Sudeste do País.
Por fim, o número maior de eventos extremos poderá resultar em aumento do aporte de sedimen-
tos da plataforma continental interna para a zona costeira, de modo a compensar parcialmente o déficit
no balanço sedimentar decorrente da modificação no equilíbrio morfossedimentar provocado pelas mu-
danças do clima.
Os ecossistemas marinhos representam um dos setores em que perdas como essas são cada vez
mais evidentes. O Primeiro Censo Marinho Global acusou um grande desconhecimento acerca das espé-
cies marinhas (Ausubel et al., 2010). Até essa data, cerca de 250 mil espécies haviam sido identificadas
enquanto outras cerca de 750 mil aguardavam identificação. Este cálculo ainda assim desconsidera
milhões de espécies de microrganismos, equivalentes a 90% da biodiversidade oceânica. A falta de prote-
ção das zonas costeiras e marinhas torna a situação ainda mais grave, uma vez que milhares de espécies
podem vir a desaparecer sem mesmo terem sido conhecidas. No Brasil, apenas 1,5% da área costeira é
protegida, menos do que 10% das espécies marinhas são conhecidas e os microrganismos sequer entram
nesse cômputo.
Estima-se que 48% da absorção biológica global de carbono sejam de responsabilidade do fi-
toplâncton marinho (Field et al., 1998) – microrganismos que realizam essa atividade através da fixação
fotossintética diária de CO2. Parte do carbono fixado nas regiões iluminadas do oceano eventualmente
afunda para as regiões mais profundas, onde é reconvertida em CO2 via remineralização, ou permanece
102 VOLUME 1
sequestrado no sedimento. Esse processo de remoção contínua de CO2 das regiões superficiais do
oceano produz o que se denomina de bomba biológica, responsável por remover continuamente o CO2
da atmosfera. O balanço entre a fixação de CO2 e o acúmulo de carbono no sedimento estabelece a
extensão do sequestro efetivo de CO2 atmosférico.
Riebesell et al. (2007) descrevem evidências de que essa bomba biológica pode se tornar mais
forte sob concentrações elevadas de CO2 na atmosfera e, assim, prover uma retroalimentação negativa
em relação à elevação das concentrações atmosféricas desse gás de efeito estufa. De acordo com os
cálculos desses autores, a retroalimentação representa 10% do CO2 extra que foi emitido para a atmos-
fera desde o início da Revolução Industrial, há quase 300 anos. De 25% a 30% do CO2 antropogênico
atravessam a superfície do oceano, aumentando a concentração de carbono inorgânico dissolvido (DIC)
e a acidez das águas, com um prejuízo potencial para o próprio fitoplâncton, principalmente aqueles que
apresentam elementos calcários em suas estruturas celulares, bem como para outros organismos mari-
nhos.
Entretanto, Muller et al (2010) demonstram a redução das taxas de crescimento a longo prazo
sob concentrações elevadas de CO2 para Emiliania huxleyi e Coccolithus braarudii o que também pode
reduzir o efeito da bomba biológica nessas condições. O trabalho de Lassen et al. (2010) foca outro
aspecto não considerado nos estudos anteriores: o efeito do aumento da temperatura sobre a estrutura
da comunidade de fitoplâncton. Seus resultados mostram que, para acréscimos de temperatura de cerca
de 3oC, os dinoflagelados e a diatomácea Thalassionema nitzchioides aumentaram em abundância em
mesocosmos experimentais submetidos a aquecimento. Já a diatomácea Skeletonema marinoi, usual
formadora de florações de primavera na região do estudo, foi pouco encontrada nos mesocosmos mais
aquecidos. Esses resultados indicam que elevações na temperatura podem promover resultados não
previstos ao longo da rede trófica.
Outro importante trabalho recente (Boyce et al., 2010) mostra alguns resultados aparentemente contra-
ditórios em relação às extrapolações decorrentes dos estudos de Riebesell et al. (2007). Ao analisarem
os dados de concentração de fitoplâncton coletados por imagens de satélite disponíveis desde 1979,
esses autores verificaram possíveis flutuações em escala decadal ligadas à forçante climática. Porém, a
extensão temporal desses registros é insuficiente para identificar tendências de longo prazo. Por sua vez,
ao combinarem valores de medidas de transparência do oceano com observações in situ de clorofila, a
fim de estimar a dependência temporal da biomassa do fitoplâncton em escalas locais, regionais e global
desde 1899, Boyce et al. verificaram, na obra citada, um declínio médio de 1% ao ano na biomassa fito-
planctônica. A análise revelou ainda, flutuações interanuais a decadais sobrepostas a tendências de longo
prazo e fortemente correlacionadas a índices climáticos em escala de bacia oceânica. As tendências de
declínio apresentaram-se correlacionadas a aumentos da temperatura de superfície do oceano. Os resul-
tados obtidos apontam para uma necessidade de que este declínio passe a ser considerado em estudos
do ecossistema marinho, de ciclagem de nutrientes, circulação oceânica, pesca e modelos climáticos.
Efeitos de retroalimentação negativa de DMS sobre o clima foram verificados através da forte cor-
relação entre a dose de radiação solar e a concentração de DMS sobre a superfície global dos oceanos
(Vallina e Simó, 2007). Entretanto, os fatores que controlam sua emissão pelo fitoplâncton são pouco
compreendidos (Liss, 2007), o que limita a confiabilidade das previsões futuras dos fluxos de DMS para a
atmosfera.
104 VOLUME 1
Esse composto se decompõe liberando o brometo inorgânico que atua sobre o balanço atual do O3 (Yang
et al., 2005). Tanto as emissões naturais de brometo nos oceanos como o isopreno da biota terrestre são
sensíveis ao clima e importantes de serem quantificados. Mudanças futuras na circulação atmosférica
podem promover o aumento de compostos reativos de brometo inorgânico na baixa estratosfera, com o
potencial de destruição do O3 (Yang et al., 2005; Pyle et al., 2007).
As microalgas marinhas também são responsáveis por emissões contendo iodeto, as quais podem
ser convertidas em partículas de aerossol e passar a ter, nessa forma, importante significado climático, em
função da cor mais clara desses últimos quando comparada à dos oceanos (O’Dowd e de Leeuw, 2007).
Os fatores que controlam a produção primária – e, portanto, do aerossol marinho – e secundária – res-
ponsável pela química oxidativa dos aerossóis marinhos, - ainda estão por ser elucidados. Outras amea-
ças dizem respeito ao efeito do aumento da radiação ultravioleta sobre o fitoplâncton em decorrência da
redução da camada de ozônio (Mohovic et al, 2006; Roy et al, 2006), apesar de que trabalhos recentes
têm apontado para uma recuperação da camada de ozônio em função de maior controle de emissão
de gases compostos por CFC (Gianesella e Saldanha-Corrêa, 2010). Com base em constatações dessa
natureza, Beerling et al. (2007) enfatizaram que é uma prioridade a incorporação de resultados expe-
rimentais e observacionais recentes, especialmente acerca da influência do CO2 sobre as emissões de
gases-traço pelas microalgas marinhas, aos modelos do sistema global. Os resultados desses modelos
poderão ser confrontados com dados históricos das concentrações, obtidos de cores de gelo polar es-
tendendo-se até 650.000 anos, que poderão fornecer referências para sua avaliação. Tais observações
através de ampla faixa de escalas de tempo permitiriam estabelecer a sensibilidade do clima da Terra,
uma métrica que influirá sobre nossa capacidade de decidir o que constitui uma “mudança climática
perigosa” (Andreae et al., 2005; Andreae, 2007).
Estudos de modelagem (Bopp et al., 2003; Gabric et al., 2004) sugerem que um pequeno au-
mento na produção de DMS oceânico, em resposta a um aquecimento climático referente à duplicação
das concentrações de CO2, depende fortemente de uma base limitada de dados de fluxos de DMS ob-
servados no oceano atual, como aqueles obtidos por Kettle et al. (1999).
Efetivamente, esta classe de modelos deve considerar as observações experimentais, ainda limita-
das, as quais demonstram que concentrações elevadas de CO2 surpreendentemente suprimem as emis-
sões de DMS (Sunda et al., 2002). Caso esta resposta seja verificada para o fitoplâncton de modo geral,
num mundo futuro com alto CO2 poderá ser reduzida a eficiência de um mecanismo de retroalimentação
negativo que auxiliaria a baixar as temperaturas planetárias. Por outro lado, tais microrganismos são ex-
tremamente sensíveis a alterações ambientais e as implicações dos efeitos das mudanças climáticas sobre
eles ainda são pouco claras, em decorrência da falta de informações básicas sobre a composição e o
funcionamento dessa comunidade.
3.11.4 SÍNTESE
Conforme a Terra entra num período de mudanças climáticas antropogênicas rápidas, com possi-
bilidades concretas de mudanças climáticas drásticas nas próximas poucas décadas, o conhecimento da
biologia e da geoquímica envolvidas nesses processos e seus respectivos papéis no clima da Terra ainda
são pouco conhecidos e exigem uma prioridade crítica de pesquisas.
O Brasil, hoje, se encontra apto a participar de estudos mais minuciosos de modelagem climática
(Tollefsson, 2010), tanto em termos de recursos humanos como tecnológicos que incluam os aspectos
necessários apontados nesta revisão.
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Autores principais: Abdelfettah Sifeddine – UFF, Cristiano M. Chiessi – USP e Francisco W. da Cruz Júnior – USP.
Autores colaboradores: Astolfo G.M. Araujo – USP, Eduardo G. Neves – USP; Flávio B. Justino – UFV, Ilana E.K.C.
Wainer – USP, Luiz Carlos R. Pessenda – USP, Michel M. de Mahiques – USP, Renato C. Cordeiro – UFF e Ruy K.P. de
Kikuchi – UFBA.
Autores revisores: Ana Luiza S. Albuquerque – UFF, Heitor Evangelista da Silva – UERJ e Pedro L.S. Dias – LNCC
126 VOLUME 1
ÍNDICE
128 VOLUME 1
SUMÁRIO EXECUTIVO
Os estudos paleoclimáticos – relativos ao clima que precede o período instrumental – desenvolvi-
dos com registros continentais e marinhos brasileiros, de outros países da América do Sul e dos oceanos
adjacentes, permitem elaborar as afirmações abaixo listadas:
• As mudanças na insolação recebida pela Terra em escala temporal orbital – i.e., dezenas de mi-
lhares de anos – foram a principal causa de modificações na precipitação e nos ecossistemas das regiões
tropical e subtropical do Brasil, principalmente aquelas sob a influência do Sistema de Monções da Amé-
rica do Sul (SMAS). Valores altos de insolação de verão para o hemisfério sul foram associados a períodos
de fortalecimento do SMAS e vice-versa.
• Na escala temporal milenar foram observadas fortes e abruptas oscilações no gradiente meridio-
nal de temperatura do Oceano Atlântico, bem como na pluviosidade associada ao SMAS e à Zona de
Convergência Intertropical (ZCIT). A causa destas mudanças climáticas abruptas reside, aparentemente,
em marcantes mudanças na intensidade da Célula de Revolvimento Meridional do Atlântico (CRMA).
Períodos de enfraquecimento desta célula foram associados a um aumento na precipitação das regiões
tropicais e subtropicais do Brasil.
• Marcantes alterações na circulação da porção oeste do Atlântico Sul foram reconstituídas para o
Último Máximo Glacial – de 23 a 19 mil anos calibrados antes do presente (cal. ka AP) –, a última degla-
ciação – de 19 a onze mil e setecentos cal. AP – e o Holoceno – desde onze mil e setecentos anos atrás.
Dentre as quais, pode-se citar:
(i) uma diminuição na profundidade do contato entre as massas de água intermediária e profunda durante
o Último Máximo Glacial, que foi caracterizado por uma CRMA com intensidade similar à atual;
(ii) um aquecimento das temperaturas de superfície do Atlântico Sul durante eventos de diminuição na
intensidade da CRMA em períodos específicos da última deglaciação – e.g., eventos Heinrich Stadial 1
(HS1) – entre aproximadamente 18,0 e 15,6 cal. ka AP – e Younger Dryas (YD) – entre aproximadamente
doze mil e oitocentos e onze mil e setecentos anos calibrados AP – e, ainda,
• O nível relativo do mar na costa do Brasil atingiu até cinco metros acima do nível atual entre apro-
ximadamente seis e cinco mil anos calibrados antes do presente e diminuiu gradativamente até o início do
período industrial.
• Análises paleoantracológicas – i.e., análises de restos de carvões pretéritos – indicam que por um
longo período do Quaternário tardio – isto é, ao longo das últimas dezenas de milhares de anos –, o fogo
tem sido um fator de grande perturbação em ecossistemas tropicais e subtropicais e, juntamente com o
clima, de suma importância na determinação da dinâmica da vegetação no passado geológico.
Assim, é de suma importância, que lacunas nesta área do conhecimento sejam preenchidas nos
próximos dez anos.
4.1 INTRODUÇÃO
Reconstituições paleoclimáticas assumem marcante relevância atualmente, em face à necessidade
de se atribuir causas às alterações ocorridas no clima da Terra durante as últimas décadas e, também, a
fim de auxiliar o estabelecimento de cenários climáticos futuros.
(iii) a necessidade de se conhecer as possíveis respostas do sistema climático e dos ecossistemas frente
a modificações significativas em parâmetros climáticos específicos – e.g., concentração atmosférica dos
gases de efeito estufa (GEEs) e aerossóis, atividade solar, temperatura média da atmosfera, além do nível
e da temperatura da superfície do mar.
130 VOLUME 1
Alguns destes indicadores são utilizados no estabelecimento de modelos de idades dos registros
paleoclimáticos; outros, na determinação dos processos associados à formação dos registros e a suas
alterações diagenéticas – mudanças químicas e físicas resultantes da interação e compactação de sedi-
mentos sob temperatura e pressão baixas –, e outros, ainda, na reconstituição das propriedades físicas,
biológicas e químicas dos paleoambientes.
Uma porção substancial destas especialidades já foi aplicada em estudos paleoclimáticos dos
registros geológicos provenientes do Brasil e de outros países sul-americanos, conforme sintetizado neste
capítulo.
(ii) a alta probabilidade da alteração destes padrões no futuro próximo, de acordo com os modelos
atuais, e
(iii) a vulnerabilidade da sociedade civil frente aos desastres naturais de origem climática.
Por muito tempo, as discussões sobre mudanças climáticas, em escala temporal de dezenas de
milhares de anos devido às variações na insolação segundo o ciclo de precessão, ficaram restritas aos
registros geológicos do hemisfério norte. Somente nas últimas duas décadas começaram a ser discutidas
modificações de pluviosidade nos trópicos da América do Sul em escala temporal orbital, as quais são
consistentes com os ciclos de precessão (Seltzer et al., 2000; Haug et al., 2001; Peterson e Haug, 2006).
No Brasil, os primeiros estudos foram baseados em registros de mudanças na vegetação e no nível de
lagos em diversas regiões (Absy et al.,1991; Sifeddine et al., 1994; Ledru et al., 2005).
Um grande avanço nesse tema ocorreu mais recentemente, com os estudos de registros em de-
pósitos carbonáticos de cavernas, mais conhecidos como espeleotemas (Cruz et al., 2005; Cruz et al.,
2009). Tais registros demonstraram como variações de insolação de verão produziram mudanças no
regime de chuvas tropicais e extratropicais durante o Quaternário tardio.
As primeiras evidências do impacto dos parâmetros orbitais em mudanças climáticas no Brasil fo-
ram obtidas em registros lacustres, localizados na parte oriental da Bacia Hidrográfica do Rio Amazonas,
através de estudos multidisciplinares que associaram dados de paleovegetação, sedimentologia e geoquí-
mica, obtidos a partir de um testemunho de seis metros coletado em um dos lagos da Serra dos Carajás, no
De fato, tanto o registro de pólen quanto os estudos sedimentológicos desenvolvidos com teste-
munhos da Serra dos Carajás não deixam dúvidas sobre a existência de períodos de maior aridez e de
abertura da floresta, com vegetação característica de savana em torno de 60, 40 e, entre 23.000 e cator-
ze mil anos antes do presente (AP). Em comparação com a atual distribuição da densa floresta úmida do
bioma amazônico, pode-se admitir que a precipitação, que varia hoje de 1.500 a 2.000 milímetros por
ano em sua parte oriental, foi reduzida para 1.000 a 1.500 milímetros por ano durante tais fases (Absy et
al., 1991; Sifeddine et al., 1994).
Outras provas da ocorrência de fortes mudanças climáticas foram obtidas através de estudos pa-
linológicos – i.e., do estudo de pólens e esporos, fósseis e atuais – de um testemunho coletado na cratera
de Colônia, atualmente no domínio de mata atlântica no Estado de São Paulo – 23°52’S/46°42’20’’W.
Este testemunho forneceu resultados de mudanças na composição desse bioma brasileiro últimos ciclos
glacial-interglacial (Ledru et al., 20014, 2009). Nestes estudos, foram analisados, aproximadamente, os
últimos 120 mil anos.
Essas mudanças têm sido discutidas principalmente com base nas frequências de pólen de ele-
mentos arbóreos – representada à Figura 4.1a deste capítulo – e refletem as alterações na cobertura
florestal, associando os períodos de maior expansão e retração desta às modificações relacionadas com
umidade e temperatura. Comparados a outros registros paleoclimáticos – como, por exemplo, os que
são mostrados à Figura 4.1b –, estes resultados exibem maior consistência com o ciclo orbital de preces-
são – ao redor de 23 ka –, o que pode ser visualizado à Figura 4.1c. Eles fornecem evidências de que as
alterações na insolação foram responsáveis por modificações na precipitação que, por sua vez, causaram
expansão ou redução da mata atlântica, durante os últimos 120 ka.
132 VOLUME 1
4.2.3 EVIDÊNCIAS PALEOCLIMÁTICAS A PARTIR DE ESPELEOTEMAS
Registros das razões isotópicas de oxigênio em espeleotemas precisamente datados pelo método
Urânio/Tório, ou U/Th – i.e., datação baseada no decaimento radioativo dos isótopos da série desses
dois elementos químicos– consolidaram-se nos últimos anos como um dos melhores indicadores paleocli-
máticos de regiões (sub)tropicais (Wang et al., 2001; Cruz et al., 2005). O registro de isótopo de oxigênio
(δ18O) de alta resolução de uma estalagmite coletada na caverna de Botuverá, em Santa Catarina, entre
27°13’24”S e 49°09’20”W (Cruz et al., 2005), abrangendo os últimos 116 ka, variou de acordo com
mudanças na origem da umidade e da quantidade de chuva na área da caverna.
A comparação entre as variações dos valores de δ18O, representada à Figura 4.1b neste capítulo,
com os dados de insolação, mostrados à Figura 4.1c para o mês de fevereiro, a 30°S, sugere uma relação
controlada pelos últimos cinco ciclos de precessão.
Essa relação está bem marcada pela correspondência dos valores máximos e mínimos das razões
isotópicas do oxigênio dos espeleotemas com as fases de insolação mínima e máxima – notar o eixo –,
respectivamente. Através desses estudos, foi possível se observar aumento ou diminuição relativa das
chuvas associada ao regime do SMAS, durante as fases de insolação máxima ou mínima de verão.
Nesse caso, variações dos valores de δ18O de espeleotemas, estiveram associados às mudanças
na intensidade do sistema das monções no Sul do Brasil, que é altamente dependente das alterações na
circulação atmosférica em escala global (Cruz et al., 2005, 2006; Wang et al., 2006), representada à
figura 4.2b neste capítulo.
Nessa mesma linha de pesquisa, foram discutidas oscilações em escala temporal orbital da pre-
cipitação e da circulação atmosférica no Norte do Nordeste brasileiro. Análises de registros isotópicos de
δ18O em espeleotemas do Rio Grande do Norte (Cruz et al., 2009) permitiram sugerir que as variações
da paleoprecipitação foram inversamente proporcionais às fases de máxima e mínima da insolação de
verão de fevereiro para 10ºS.
Essas reconstituições, obtidas com alta resolução temporal dos valores de δ18O em estalagmites
potiguares, permitiram indicar que a insolação foi também a principal forçante das variações de paleo-
precipitação no Nordeste brasileiro, assim como observado nas regiões Sul e Sudeste, em registros tem-
poralmente mais longos (Cruz et al., 2005, 2009).
No entanto, notou-se que as variações da precipitação em escala de tempo orbital são caracte-
rizadas pela presença de um dipolo de precipitação entre as regiões Sul/Sudeste e Nordeste do Brasil,
mostrados à figura 4.2.
Do mesmo modo, correlações positivas foram observadas entre registros geoquímicos de titânio
(Ti) envolvendo os últimos catorze mil anos dos testemunhos marinhos da Bacía de Cariaco (Haug et al.,
2001), na Venezuela, a aproximadamente 10ºN. No caso, a diminuição das concentrações desse ele-
mento químico nos sedimentos marinhos encontrados próximo à costa venezuelana durante os últimos
quatro mil anos, foi associada à menor descarga fluvial na referida bacia, devido ao aumento de aridez
na porção norte da América do Sul.
O contrário ocorreu durante o Holoceno inferior e médio – período que vai desde ao redor de
onze mil anos calibrados antes do presente até quatro cal. ka AP –, quando se registrou maiores concen-
trações de Ti nos sedimentos marinhos da região, o que se atribui à expansão do aporte de terrígenos de
origem continental devido a condições mais úmidas no continente.
Essa mudança de condições mais úmidas para mais secas, por volta de quatro mil anos calibra-
dos antes do presente, ocorreu, simultaneamente, na China, como exibido à Figura 4.2 (Wang et al.,
2001, 2008), na Bacia de Cariaco (Peterson et al., 2000; Haug et al., 2001), no Oeste da África (Gasse,
2000) e na América Central (Lachniet et al., 2004). Possivelmente, ela se deu associada a um desloca-
mento para o Sul da ZCIT, com consequente aumento de precipitação sobre o Brasil tropical.
As oscilações das chuvas sobre o Nordeste do Brasil (Cruz et al., 2009) que seguem o ciclo de
precessão, ocorrem em fase coordenada com os registros paleoclimáticos do hemisfério norte e são, as-
sim, antifásicas com os registros de espeleotemas do Sul e do Sudeste do Brasil (Cruz et al., 2005, 2006)
e com lagos ou espeleotemas dos Andes (Baker et al., 2001a, 2001b; Seltzer et al., 2002; Breukelen et
al., 2008).
Tal padrão antifásico de paleoprecipitação entre o Nordeste e o Sul e Sudeste brasileiros, propos-
to por Cruz et al. (2009), foi também observado na região da Chapada Diamantina (BA), sugerindo ser
dominante na maior parte dessa região do Brasil, do Rio Grande do Norte até a Bahia, como mostrado
na Figura 4.2 neste capítulo.
O padrão antifásico das chuvas do hemisfério sul durante o Holoceno, assim como o descrito
para alguns trechos da última glaciação, pode ser explicado a partir da influência do SMAS sobre a
circulação zonal dentro do continente, intensificada durante os períodos de insolação austral mais alta.
Sugere-se que o aumento da radiação solar no topo da atmosfera teria aquecido o continente sul-ameri-
cano em relação à superfície marinha, o que resultou numa maior convergência de umidade do Oceano
Atlântico tropical para a Bacia Hidrográfica do Rio Amazonas. Esse processo intensificou o sistema mon-
çônico e aprofundou o cavado do Nordeste, responsável pelas condições de baixa pressão em altos níveis
da região – e vice-versa – durante o verão, que gerou condições mais secas no Nordeste e, mais úmidas,
no restante do País (Cruz et al., 2009; Ferreira e Chao, 2012).
134 VOLUME 1
4.2.4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta síntese teve como objetivo estabelecer o estado da arte em relação às evidências da exis-
tência de registros das mudanças orbitais e seus impactos sobre os ciclos hidrológicos, como também
sobre os ecossistemas continentais em regiões tropicais e subtropicais do Brasil. O padrão de variação de
precipitação em escala orbital ainda deve ser melhor estabelecido para o continente sul-americano com
dados de outras regiões brasileiras.
Ao menos quatro tipos de mudanças abruptas, identificadas nos registros paleoclimáticos, são
dignos de nota. Isto porque a sua recorrência apresentaria altos riscos à sociedade no que se refere à sua
capacidade adaptativa, a saber:
(i) rápidas alterações no nível do mar devido ao aumento nas taxas de degelo;
(ii) mudanças no ciclo hidrológico que afetam vastas áreas por um longo período de tempo;
(iii) eventos breves de liberação de metano aprisionado em um tipo de solo encontrado na região do
Ártico, constituído por terra, gelo e rochas permanentemente congeladas e denominado permafrost, e nas
margens continentais, e
(iv) alterações na CRMA – a Atlantic Meridional Overtuning Circulation ou AMOC, em inglês – advin-
das de mudanças no ciclo hidrológico.
Desde as primeiras descobertas, eventos caracterizados como mudanças climáticas abruptas fo-
ram identificados em diversas localidades ao redor do planeta (Voelker et al., 2002). No entanto, os
mecanismos responsáveis pela formação e propagação destes eventos não se encontram perfeitamente
esclarecidos (Broecker, 2003; Barker et al., 2009; Stager et al., 2011).
O conhecimento apropriado destes relevantes eventos depende da existência de uma densa co-
bertura espacial de registros paleoclimáticos com resolução temporal e modelos de idade compatíveis
com a duração dos eventos. Alguns dos principais registros de mudanças climáticas abruptas, localizados
no território brasileiro e na porção sul do Oceano Atlântico, ocorridos durante a última glaciação e seus
prováveis mecanismos causadores são abordados neste capítulo.
No Brasil e na porção oeste do Atlântico Sul, as mudanças climáticas abruptas milenares da úl-
tima glaciação foram registradas em espeleotemas (Wang et al., 2004; Cruz et al., 2005), sedimentos
continentais (Ledru et al., 2001, 2006) e sedimentos marinhos (Arz et al., 1998; Behling et al., 2000),
representados na Figura 4.3.
Observa-se uma marcante concentração dos registros das mudanças climáticas abruptas na Re-
gião Nordeste do Brasil e no oceano adjacente. Os seguintes fatores contribuem para tal concentração:
(i) a alta amplitude do sinal das mudanças climáticas abruptas nesta região do continente e oceano,
em função do impacto da ZCIT no clima regional e de sua relação com processos de degelo em latitudes
elevadas do hemisfério norte associados a tais alterações;
(ii) a alta resolução temporal de alguns registros paleoclimáticos provenientes destas regiões e,
Dados de δ18O de espeleotemas do Rio Grande do Norte (Cruz et al., 2009) corroboraram os
resultados apresentados por Wang et al. (2004) para o período do HS1 – entre aproximadamente 18.000
e 15.600 anos cal. AP, segundo Goñi e Harrison (2010) – , além de permitir um detalhamento de parte
da estrutura interna deste evento em função da alta resolução temporal do registro isotópico.
136 VOLUME 1
Figura 4.3. Salinidade da superfície marinha,
medida em unidades práticas de salinidade
(psu, na sigla em inglês) (Antonov et al.,
2010) para os oceanos Atlântico e Pacífico,
e precipitação acumulada – mm verão
para a América do Sul durante o verão
do hemisfério sul (Xie e Arkin, 1997). A
localização dos registros paleoambientais
presentes na Figura 4.4 estão representados
por círculos amarelos, enquanto outros,
também discutidos no texto, são mostrados
pelos círculos brancos – ODP999A: Schmidt
et al. (2006); Bacia de Cariaco: Peterson et
al. (2000), Gonzalez et al. (2008); MD02-
2529: Leduc et al. (2007); Lagoa do Caçó:
Ledru et al. 2001, 2006); GeoB3104-
1/3912-1: Arz et al. (1998), Behling et al.
(2000), Jennerjahn et al. (2004); GeoB3910-
2: Jaeschke et al. (2007); cavernas Toca da
Boa Vista (TBV) e Lapa dos Brejões (LBR):
Wang et al. (2004); Caverna Santana: Cruz
et al. (2006); Caverna de Botuverá: Cruz
et al. (2005), Wang et al. (2006; 2007a),
36GGC:Carlson et al. (2008) e GeoB6211-
2: Chiessi et al. (2008).
Na porção equatorial oeste do Oceano Atlântico, Arz et al. (1998) caracterizaram nove períodos
de mudanças climáticas abruptas com duração milenar de maior acúmulo de sedimentos terrígenos, exi-
bidos nas figuras 4.3 e 4.4d, durante os últimos aproximadamente 80.000 anos. Tais incrementos estão
registrados no aumento das razões entre os elementos químicos Titânio e Cálcio (Ti/Ca) e entre Ferro (Fe)
e o segundo, analisados em sedimento total. Estas razões entre elementos químicos refletem períodos de
maior descarga sedimentar fluvial associados a expansão considerável dos índices de precipitação sobre
o continente.
Arz et al. (1998) observaram, ainda, uma marcante sincronia entre os períodos de maior acúmulo
de sedimentos terrígenos e os eventos Heinrich Stadial 6 (HS6) – entre 63.200 e 60.100 cal. AP, aproxima-
damente –, e HS1 – ao redor de 18.000 a 15.600 cal. AP – (Goñi e Harrison, 2010), que se encontram
muito bem documentados para a porção norte do Oceano Atlântico.
Em um dos testemunhos sedimentares marinhos estudados por Arz et al. (1998), os autores Behling
et al. (2000) inferiram a presença predominante de pólens de plantas do bioma Caatinga no continente
adjacente, o que indica que as condições climáticas semiáridas persistiram na Região Nordeste do Brasil
durante os últimos, aproximadamente, 50 mil anos. Entretanto, as composições de florestas mais úmidas
se tornaram mais abundantes na mesma região durante os eventos HS4 a HS1. É que o fluxo de pólens
e esporos para o sítio de deposição durante estes eventos aumentou de modo significativo, muito prova-
velmente devido à precipitação e à descarga fluvial incrementadas, como exibido na Figura 4.4f.
Com base em indicadores de geoquímica orgânica, Jennerjahn et al. (2004) descreveram perí-
odos milenares coincidentes temporalmente com os eventos HS8-HS1, além do Younger Dryas (YD), de
menor degradação e predomínio de matéria orgânica continental depositada no sítio marinho estudado,
o que segue mostrado pelas figuras 4.3 e 4.4e. Tais mudanças foram atribuídas a um menor tempo de
residência da matéria orgânica e a um aporte fluvial mais intenso, por sua vez, relacionado a uma maior
precipitação sobre o Nordeste do Brasil.
Durante uma segunda fase – aproximadamente de 16.600 a 14.900 anos cal. AP –, os autores
descreveram ter havido crescimento marcante na porcentagem e diversidade de elementos florestais.
Após esse período, as assembleias polínicas voltaram a apresentar a predominância de típicos registros
de gramíneas e de savana.
Quatro estudos apresentaram reconstituições das variações das temperaturas oceânicas para pe-
ríodos distintos, tando da última glaciação, como da derradeira deglaciação da porção oeste do Atlântico
Sul, com resolução temporal adequada para capturar mudanças abruptas na escala milenar. A saber: os
realizados por Weldeab et al. (2006), Jaeschke et al. (2007), Carlson et al. (2008) e Chiessi et al. (2008)
e mostrados à Figura 4.3. Mas, neste rol, apenas o estudo de Jaeschke et al. (2007) apresentou um re-
gistro que ultrapassa o Último Máximo Glacial e será tratado nesta seção, enquanto que os demais serão
apresentados na seção 4.4. deste capítulo. Utilizando o índice de insaturação de alquenonas – grupos de
compostos orgânicos muito resistentes à decomposição e capazes de registrar a temperatura da água na
qual se formaram–, Jaeschke et al. (2007) reportaram diminuições abruptas nas temperaturas da superfí-
cie marinha, com amplitude entre 0,5 e 2° C ao largo do Estado do Ceará. Tais reduções são simultâneas
aos eventos HS6-HS2, bem como aos picos de aporte de sedimentos terrígenos (Arz et al., 1998), matéria
orgânica continental (Jennerjahn et al., 2004), e fluxo de pólens (Behling et al., 2000) para o Oceano
Atlântico.
Nas regiões Sudeste e Sul do Brasil, registros de δ18O das cavernas de Botuverá (Cruz et al., 2005;
Wang et al., 2007a) e de Santana (Cruz et al., 2006) – encontraram marcantes excursões abruptas ne-
gativas milenares de até 2‰ durante os eventos Heinrich Stadial 10 (HS10) a HS1 e YD, como se pode
notar nas figuras 4.3 e 4.4i. Tais autores associaram essas anomalias a períodos nos quais a principal
fonte de umidade para as cavernas teria sido proveniente da região amazônica, supostamente relaciona-
da ao SMAS.
138 VOLUME 1
ao resfriamento das mesmas, em sua porção norte. Um grande número de reconstituições paleoambien-
tais baseadas em múltiplos indicadores corroborou o envolvimento da CRMA nas mudanças climáticas
abruptas (Bond et al., 1993; Rühlemann et al., 1999; McManus et al., 2004; Gherardi et al., 2005; Leduc
et al., 2007; Chiessi et al., 2008).
Este fenômeno foi muito provavelmente responsável por uma mudança abrupta no ciclo hidroló-
gico tropical como reconstituído através de registros do Norte da América do Sul e na Região Nordeste
do Brasil, reproduzidos aqui, nas figuras 4.4c, d, e, f, e h (Arz et al., 1998; Peterson et al., 2000; Wang
et al., 2004). Conforme observado em dados instrumentais (Robertson e Mechoso 2000; Doyle e Barros
2002; Liebmann et al., 2004), uma anomalia positiva de TSM na porção oeste do Atlântico Sul subtropi-
cal pode intensificar o SMAS e o jato em baixos níveis. Tal combinação terminaria por fornecer umidade
empobrecida isotopicamente – i.e., com valores muito negativos de δ18O – para as regiões Sul e Sudeste
brasileiras (Vuille e Werner, 2005), conforme registrado na Figura 4.4i (Cruz et al., 2005; Wang et al.,
2007a). Adicionalmente, de forma análoga à situação observada durante o inverno boreal (Lindzen e
Hou, 1988), a migração para o Sul da ZCIT durante os eventos HS pode ter causado uma assimetria
meridional na circulação de Hadley (Wang et al., 2004; Wang et al., 2006; Wang et al., 2007a; Cruz et
al., 2009). O deslocamento para o Sul da célula de Hadley alteraria o transporte meridional de umidade,
intensificando a movimentação ascendente de massas de ar nas baixas latitudes austrais, enquanto que
os trópicos e subtrópicos do hemisfério norte seriam caracterizados por movimentação em direção oposta
mais intensa. Genericamente, as baixas latitudes do hemisfério sul sofreriam elevação na precipitação,
que diminuiria nas coordenadas similares do hemisfério norte (Clement et al., 2004; Chiang e Bitz, 2005).
Esta assimetria inter-hemisférica na circulação de Hadley estaria particularmente bem documentada nas
tendências opostas observadas em registros de δ18O, baseados em espeleotemas da China e do Brasil
(Wang et al., 2006; Wang et al., 2007a).
Apesar dos avanços no conhecimento dos eventos abruptos milenares que ocorreram no último período
glacial e deglacial, é necessária ampla expansão desses estudos para novas áreas, tendo em vista deter-
minar:
(i) a distribuição espacial no continente sul-americano das anomalias positivas de precipitação du-
rante os HS;
(ii) a distribuição espacial no Atlântico Sul das anomalias de TSM e SSM durante os HS;
(iii) a distribuição vertical no Atlântico Sul das mesmas anomalias durante os HS;
(iv) a velocidade da resposta dos diversos biomas às modificações na precipitação associadas aos
eventos HS e;
(v) os mecanismos pelos quais os eventos milenares abruptos modulam ciclos em escala secular a
decenal de variação de pluviosidade nos trópicos da América do Sul.
Como é provável que a CRMA apresente diminuição na sua intensidade – aproximadamente 25%
– em futuro próximo – ou seja, até o final do século XXI – (Meehl et al., 2007), estudos mais aprofundados
dos impactos das mudanças pretéritas na intensidade dessa Célula sobre o clima da América do Sul e
dos oceanos adjacentes se fazem altamente necessários, principalmente quanto à ocorrência de extremos
hidrológicos.
140 VOLUME 1
4.4. MUDANÇAS NA PALEOCIRCULAÇÃO DA PORÇÃO OESTE DO ATLÂNTICO SUL
4.4.1 INTRODUÇÃO
Três serão os períodos tratados a seguir: o Último Máximo Glacial (UMG) – entre 23 e 19 mil
anos calibrados antes do presente –, a última deglaciação – entre aproximadamente 19 mil e 11.700
anos calibrados antes do presente – e o Holoceno – desde 11.700 anos calibrados antes do presente.
Sua escolha se deveu ao fato de apresentarem, pelo menos, duas das seguintes características:
(i) estar representados por quantidade mínima de dados de reconstituição na porção oeste do Atlân-
tico Sul;
(ii) representar condições de contorno – e.g., extensão das geleiras no hemisfério norte, nível relativo
do mar, concentração dos GEEs na atmosfera – significativamente distintas daquelas observadas desde o
início do Holoceno até o período pré-industrial;
(iii) conter eventos abruptos de mudanças na paleocirculação da porção oeste do Atlântico Sul e
(iv) permitir explorar a variabilidade de alta frequência – i.e., decenal, multidecenal, secular – na
circulação da porção oeste do Atlântico Sul sob condições de contorno similares àquelas do período
pré-industrial – tais como, extensão das geleiras no hemisfério norte, nível relativo do mar e concentração
dos GEEs na atmosfera.
Apesar da relativa pequena quantidade de dados provenientes da porção oeste do Atlântico Sul,
o que está mostrado à Figura 4.5 deste capítulo, a compilação mais recente de TSM indica que durante o
UMG houve uma diminuição entre um e dois graus Celsius – média anual – na porção oeste do Atlântico
Sul, conforme reproduzido à Figura 4.6c (MARGO Project Members, 2009.)
Os mesmos autores indicam um resfriamento entre quatro e oito graus Celsius – verão do he-
misfério sul – para a região da atual Zona Subantártica do setor do Atlântico no Oceano Austral. Uma
vez que esse resfriamento teria sido significativamente superior ao observado em latitudes mais baixas,
acredita-se que o gradiente térmico na porção norte do referido setor durante o UMG tenha sido marcan-
temente maior do que o atual (Gersonde et al., 2005; Groeneveld e Chiessi, 2011).
A grande maioria dos dados de TSM disponíveis para o UMG se refere à utilização de assembleias
de microorganismos – foraminíferos, diatomáceas e radiolários – sendo que a aplicação de outros indi-
cadores ainda é extremamente restrita (MARGO Project Members, 2009).
A distribuição vertical das massas de água na porção oeste do Atlântico Sul durante o UMG foi
relativamente distinta da sua distribuição moderna (Stramma e England, 1999; Came et al., 2003; Vol-
bers e Henrich, 2004; Curry e Oppo, 2005; Makou et al., 2010). Como diferenças principais, se pode
mencionar:
(i) a diminuição na profundidade da lisóclina da calcita – profundidade em que intensifica-se a dis-
solução da calcita dos sedimentos oceânicos – de, aproximadamente, 4.000 metros para cerca de 3.200
metros (Volbers e Henrich, 2004);
(ii) a diminuição na profundidade da porção central da Água Intermediária Antártica (AAIW, do in-
glês Antarctic Intermediate Water) de aproximadamente 1.500 metros para aproximadamente 1.000 me-
tros, conforme reproduzido à Figura 4.6i (Came et al., 2003; Curry e Oppo, 2005; Makou et al., 2010);
(iv) a presença de uma massa de água proveniente do Sul, a Água Antártica de Fundo (AABW, do
inglês Antarctic Bottom Water), abaixo de aproximadamente 2.000 metros, atualmentepresente a uma
profundidade abaixo de 3.800 metros (Stramma e England, 1999; Curry e Oppo, 2005).
(ii) a capacidade do Oceano Atlântico em aprisionar CO2 atmosférico (Skinner et al., 2010) e
(iii) a redistribuição de calor e nutrientes no referido oceano (Ganachaud e Wunsch, 2000; Sarmiento
et al., 2004).
Apesar da sua intrínseca relevância, ainda não está claro se a operação da CRMA durante o
UMG foi significativamente distinta da atual (Lynch-Stieglitz et al., 2007).
Indicadores cinemáticos – e.g., a razão entre um isótopo do protactínio (Pa e outro do tório (Th)
– da intensidade da CRMA ainda não estão disponíveis para a porção oeste do Atlântico Sul, porém os
analisados em testemunhos sedimentares de outras regiões do Atlântico forneceram importantes informa-
ções a respeito da operação dessa Célula durante o UMG.
Aparentemente, o Oceano Atlântico, durante tal fase glacial, foi marcado por uma célula de
revolvimento similar à atual (Lynch-Stieglitz et al., 2007). A CRMA, nesse mesmo período, foi provavelmente
mais rasa do que a moderna e o tempo de residência das águas profundas foi ligeiramente superior aos
valores atualmente exibidos pelas mesmas massas de água (McManus et al., 2004; Gherardi et al., 2009).
Vale notar que o valor do gradiente zonal de δ18O, analisado em foraminíferos bentônicos – classe
de microrganismos que habitam o substrato oceânico e indicadores de densidade das massas de água de
fundo –, aproximou-se de zero durante o UMG. Isso sugeriu uma diminuição marcante na intensidade da
porção superior da célula de revolvimento (Lynch-Stieglitz et al., 2006).
142 VOLUME 1
4.4.3 A ÚLTIMA DEGLACIAÇÃO
As latitudes subtropicais dessa região sofreram aparente elevação nas TSM (Carlson et al., 2008)
durante os eventos de diminuição na intensidade da CRMA enquanto que nas altas latitudes do hemisfério
norte observou-se diminuição na TSM – i.e., durante o HS1 e o YD –, o que está representado à Figura
4.6a (Bard et al., 2000; McManus et al., 2004; North Greenland Ice Core Project members, 2004). Esta
situação seria compatível com a intensificação da Corrente do Brasil em detrimento da Corrente Norte do
Brasil, mostrada à Figura 4.6e (Arz et al., 1999), mas ainda carece de evidências conclusivas. Também
está de acordo com o aprisionamento de calor nas camadas superficiais do Atlântico Sul (Carlson et al.,
2008; Barker et al., 2009), e a operação de um dipolo meridional na TSM do Oceano Atlântico, confor-
me proposto em modelos conceituais e numéricos (Broecker, 1998; Vellinga e Wood, 2002).
A diminuição da CRMA e seus efeitos colaterais provavelmente causaram uma elevação na SSM
encontrada na porção oeste do Atlântico, que também foi registrada no talude continental brasileiro,
conforme se observa à Figura 4.6d, (Weldeab et al., 2006; Carlson et al., 2008). Uma situação similar
foi encontrada por Toledo et al. (2007a) no testemunho SAN76, apesar da resolução temporal mais baixa
dos dados isotópicos – exibido à Figura 4.5.
Ainda em profundidades intermediárias, Hendry et al. (2012) sugeriram que, marcantes elevações
no conteúdo de nutrientes durante o HS1 e o YD estariam associadas a uma ressurgência mais intensa
ao redor da Antártida, em função de um alinhamento entre a porção central dos ventos de Oeste e da
Corrente Circumpolar Antártica.
4.4.4 O HOLOCENO
Na plataforma continental sul do Brasil, Gyllencreutz et al. (2010) indicaram ter havido uma mar-
cante alteração na circulação superficial entre cinco e quatro mil anos calibrados antes do presente. Os
dados apresentados pelos autores sugeriram que as condições hidrográficas atuais teriam se estabelecido
neste período, com o avanço em direção ao Norte da Água da Pluma do Rio da Prata – ou seja, da des-
carga d’água continental de salinidade inferior a do oceano. Isso ocorreria em decorrência do aumento
da precipitação no continente e da alteração no regime de ventos, o que está representado à Figura 4.6f
deste capítulo.
Tais indicações foram corroboradas e expandidas por Razik et al. (2013), que puderam determinar
a penetração marcante de águas da margem continental argentina sobre a margem continental do Sul do
Brasil, entre oito e quatro mil anos calibrados antes do presente. Voigt et al. (2013) descreveram que, longos
períodos – i.e., dezenas de anos – de intensificação do fenômeno El Niño, durante as fases do Holoceno médio
e tardio, causaram elevação na precipitação sobre a bacia de drenagem do Rio da Prata e maior intensidade
144 VOLUME 1
de ventos de Nordeste da porção subtropical oeste do Atlântico Sul. Finalmente, na região da ressurgência
de Cabo Frio, Souto et al. (2011) indicaram terem existido dois períodos deaparente intensificação do fenô-
meno de ressurgência ao longo dos últimos 1.200 anos, a saber, entre 850 e 1070 e entre 1550 e 1850.
Não obstante, estudos de calibração executados com amostras de superfície de fundo da porção
oeste do Atlântico Sul estão disponíveis para uma quantidade razoavelmente grande de indicadores pale-
oceanográficos, apesar da densidade amostral ser, na maior parte dos casos, baixa (Harloff e Mackensen,
1997; Mulitza et al., 2003; Frenz et al., 2004; Baumann et al., 2004; Mahiques et al., 2004; Vink et al.,
2004; Sousa et al., 2006; Chiessi et al., 2007; Regenberg et al., 2009; Mahiques et al., 2008; Groeneveld
e Chiessi, 2011; Govin et al., 2012). A aplicação criteriosa destes indicadores em testemunhos sedimentares
com alta taxa de deposição e com modelos de idades robustos trará marcante avanço no conhecimento
paleoceanográfico da porção oeste do Atlântico Sul, como se pôde observar nos últimos anos.
Apesar das primeiras referências a paleoníveis do mar do Holoceno no Brasil terem completado
um século (Branner, 1902; Hartt, 1975), estudos sistemáticos começaram apenas em meados da década
de 1960 – e.g., Andel e Laborel, (1964); Delibrias e Laborel, (1969). Desde então, mais de uma centena
de publicações que abordam a história do nível do Oceano Atlântico no Brasil foram publicadas.
De 1970 e 1990, curvas de variação do nível relativo do mar foram elaboradas para a região
compreendida entre as latitudes 5 e 34°S, apoiadas em centenas de dados de radiocarbono – e.g., Bitten-
court et al. (1979) e Suguio et al. (1985). Na costa brasileira, após o UMG, o máximo registrado se refere
ao Holoceno médio, com valores por volta de cinco metros acima do atual – isto é, a elevação máxima do
Holoceno (EMH). Seguiu-se um descenso, até atingir a situação imediatamente antes do início do período
industrial. Trata-se de padrão geral descrito por diversos autores – e.g., Bittencourt et al., (1979); Martin et
al., (1985); Suguio et al., (1985); Dominguez et al., (1990); Martin et al., (2003); Angulo et al., (2006).
Assim, o objetivo deste texto é o de apresentar as principais características das variações relativas
do nível do mar e as principais controvérsias que envolvem esta questão fundamental na apreciação das
mudanças climáticas globais.
Os dados radiométricos utilizados como indicadores do nível relativo do mar são geralmente es-
cassos e pouco confiáveis para o período compreendido entre o UMG e aproximadamente sete mil anos
calibrados antes do presente, sendo as curvas resultantes geralmente baseadas em feições morfossedi-
mentares – i.e., sedimentos em forma de terraços submersos que indicam estabilização do nível relativo
do mar.
A exceção é a paleocurva do nível relativo do mar, produzida por Correa (1996) e baseada em
indicadores mais precisos. Segundo o autor, houve estabilizações do nível relativo do mar entre nove e
oito mil anos calibrados antes do presente, situadas nos patamares de -32 e -45 metros e de -20 e -25
metros, respectivamente.
Dados mais recentes, obtidos por Mahiques e Souza (1999) e outros e apresentados por Mahi-
ques et al. (2010), constituem no momento, o conjunto mais acurado, indicando períodos de estabiliza-
ção no nível relativo do mar antes da elevação máxima de 5.600 anos calibrados antes do presente.
Miranda et al. (2009) coletaram um testemunho de 124 metros de comprimento na planície ho-
locênica da Ilha de Marajó, no Estado do Pará, e mostraram que as fácies sedimentares presentes – con-
junto das características de uma rocha sedimentar – retratavam as oscilações positivas e negativas desde
cerca de 50 mil anos AP. Nesse estudo, foi apontada a última posição mais elevada do nível relativo do
mar há cerca de 10.500 AP, seguida pelo seu descenso, um processo que é acompanhado por sedimen-
tação lagunar regressiva.
O primeiro modelo (Bittencourt et al., 1979; Martin et al., 1980; Suguio et al., 1985; Angulo e
Suguio, 1995) admitiu que o nível atual do mar foi ultrapassado pela primeira vez há cerca de 7.500 anos
calibrados antes do presente. Após a elevação máxima no Holoceno, que deve ter ocorrido há cerca de
5.600 e 5.100 anos calibrados antes do presente, este modelo defende a presença de duas oscilações
de alta frequência temporal e de menor magnitude, ambas negativas e seguidas por elevações que acon-
teceram entre 4.300 e 3.500 anos calibrados AP e, entre 2.700 e 2.100 anos calibrados AP.
Essas curvas foram originalmente definidas com base em mais de 700 datações radiométricas
de diversos tipos de indicadores, como sambaquis, cordões litorâneos em planícies costeiras, arenitos de
praia, moluscos da família dos vermetídeos, turfas e corais – e.g., Bittencourt et al., (1979); Martin et al.,
(1980); Suguio et al., (1985); Angulo e Suguio, (1995). Tais dados permitiram que se elaborassem curvas
distintas para oito setores da costa brasileira – i.e., Salvador, Ilhéus, Caravelas, Angra dos Reis, Santos,
Cananéia–Iguape, Paranaguá e Laguna–Itajaí –, dentre as quais, a da capital baiana, mais setentrional
em todo o conjunto, constituiu-se também, na mais completa já obtida.
Nos anos subsequentes, datações foram adicionadas às curvas da Região Sul do País, com base
principalmente em vermetídeos – e.g. Angulo e Suguio, (1995). Por outro lado, as curvas das porções
leste e nordeste da costa brasileira tenderam a apresentar elevação máxima no Holoceno cerca de dois
metros acima daquela existente nas áreas sudeste e sul. Martin et al. (1985) e Suguio et al. (1985), com
base no trabalho de Morner (1982) atribuíram as oscilações de alta frequência a alterações no geóide
146 VOLUME 1
da Terra – a superfície ininterrupta do globo terrestre sobre a qual a gravidade incide sempre na mesma
intensidade –, ou, então, a possíveis variações climáticas.
Bezerra et al. (2003) elaboraram uma curva de variação do nível relativo do mar para a costa
oriental e, outra, para a setentrional do Rio Grande do Norte, comparando-as com a de Salvador (Bit-
tencourt et al., 1979; Suguio et al., 1985) e com o modelo glacio-isostático de Peltier (1998). Os autores
obtiveram uma curva resultante para ambas as regiões potiguares. Mas, esta não coincidiu plenamente
com o padrão das oscilações de alta frequência proposto para a região soteropolitana e guardou, tam-
bém, diferenças de comportamento em relação ao modelo preditivo glacio-isostático.
Bezerra et al. (2003) apontaram ser fundamental identificar adequadamente o ambiente deposi-
cional. Segundo eles, a elevação dos ambientes deve ser mais precisamente situada em relação ao da-
tum de referência. Além disso, sustentaram ser necessárias precauções sobre as incertezas existentes em
relação ao binômio Altura–Idade. Afirmaram ainda, ser importante levar em consideração as respostas
glacio-isostáticas regionais e os fatores locais, tais como os regimes tectônicos e o clima, de modo que se
possa determinar uma curva precisa de variação do nível relativo do mar.
O segundo modelo, representado à Figura 4.7. – e.g., Angulo e Lessa, (1997); Angulo et al.,
(1999); Angulo et al., (2006) –, foi elaborado apenas com datações de carapaças de gastrópodes – i.e.,
vermetídeos – e sustentou que não ocorreram as duas oscilações de alta frequência temporal apuradas
pelo modelo anterior.
Consequentemente, as taxas de variações do nível relativo do mar não seriam tão acentuadas
como proposto no primeiro modelo. Ybert et al. (2003), que estudaram turfas da região de Cananéia–
Iguape, no Estado de São Paulo, endossaram os resultados do segundo modelo.
Por fim, uma re-análise proposta por Angulo et al. (2006) sugere que, cerca de 70% das datações
previamente publicadas e utilizadas no primeiro modelo contêm erros. Utilizando apenas as datações de
vermetídeos, que consideraram indicadores confiáveis, eles elaboraram duas curvas para a costa oriental
do Brasil, exibidas à Figura 4.7. deste capítulo.
Tomando a latitude de 28°S como um divisor, a curva para a porção norte teve sua elevação má-
xima no Holoceno estimada para cerca de 5.500 anos calibrados antes do presente, podendo ter atingido
entre dois a 4,5 metros acima do nível atual. Já para aquela voltada em direção à porção sul, verificou-se
ter atingido entre um e três metros de elevação acima do patamar exibido atualmente, ao redor de 5.800
a quatro mil anos calibrados antes do presente.
Após a elevação máxima, o nível relativo das curvas declina irregularmente até a posição atual
sem oscilações de alta frequencia, como descrito no primeiro modelo. Elas foram comparadas com um
modelo glacio-eustático produzido por Milne et al. (2005), com dados relativos ao Caribe e à América do
Sul. O ajuste entre os resultados do modelo geofísico e os dados de indicadores de paleoníveis do mar
resultou muito bom.
Segundo Milne et al. (2005), o nível atual do mar foi ultrapassado pela primeira vez no Holoceno,
durante a transgressão que se seguiu ao UMG, por volta de oito mil anos calibrados antes do presente. A
sua elevação máxima teria alcançado aproximadamente 4,5 metros por volta de 7.200 anos calibrados
antes do presente, em Pernambuco e no Rio de Janeiro.
Dois estudos no Atol das Rocas (Kikuchi e Leão, 1997; Gherardi e Bosence, 2005), feitos em arenito
de praia e no próprio recife, também mostraram a existência naquele monte submarino de um nível relativo
do mar mais elevado no Holoceno tardio. Kikuchi e Leão (1997) dataram moluscos gastrópodes e corais
no anel de recifes e no arenito de praia existente em uma das ilhas, obtendo idades convencionais de cerca
de 2.500 anos calibrados antes do presente a dois metros acima do nível do platô recifal. Já Gherardi e
Bosence (2005), com amostras de algas coralináceas, conseguiram um conjunto de dados que lhes permitiu
traçar o comportamento do nível relativo do mar nos últimos 3.500 anos antes do presente.
Segundo esses últimos autores, o nível relativo do mar no atol teria ultrapassado o atual pela pri-
meira vez no Holoceno, há cerca de três mil anos calibrados antes do presente, ao passo que a elevação
máxima durante esse período teria atingido um metro há cerca de 1.500 anos calibrados antes do pre-
sente. Resultou daí, que não foi possível encontrar indícios que permitam explorar o comportamento do
nível relativo do mar, tanto no Holoceno médio quanto no inferior, devido à relativa recente idade dessas
ilhas.
As investigações na plataforma amazônica (Cohen et al., 2005, 2008, 2009) mostraram con-
cordância com o comportamento geral da curva do nível relativo do mar holocênica, apesar de não
apresentarem indicadores precisos sobre a posição desse patamar relativo. Estes estudos se concentra-
ram principalmente em áreas de manguezais com base em datações de amostra total de sedimento de
testemunhos rasos – cerca de 150 centímetros de comprimento – que representam os últimos 1.500 anos
calibrados antes do presente.
Estudos do nível relativo do mar na Argentina – e.g., Isla, (1989); Cavallotto et al., (2004) – mos-
traram um comportamento do nível relativo do mar com semelhanças ao padrão proposto por Angulo
et al. (2006) – ou seja, com elevação máxima no Holoceno situada ao redor de seis mil anos calibrados
antes do presente e altitude entre dois e quatro metros acima do nível atual, irregularmente declinante
mas contínua, sem que se tenha registrado oscilações de alta frequência temporal. É relevante notar que a
tendência de rebaixamento do nível relativo do mar reconstituída para os últimos aproximadamente cinco
mil anos calibrados antes do presente para a maior parte da região costeira do Brasil tenha sido revertida
nas últimas décadas – e.g., Mesquita et al., (2003) –, conforme descrito no capítulo 3 deste Relatório.
148 VOLUME 1
4.5.4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo das variações do nível relativo do mar durante o Holoceno avançou consideravelmente
nos últimos 35 anos. Uma quantidade significativa de indicadores foi datada e o padrão geral transgres-
sivo e regressivo do nível relativo do mar é hoje aceito por toda a comunidade científica.
No entanto, são ainda escassos os estudos de indicadores do nível relativo do mar na plataforma
continental. Isto deixa uma lacuna que precisa ser preenchida para que se possa entender quando e como
o nível relativo do mar inundou a plataforma e se encaminhou para a EMH, bem como os períodos de
sua rápida elevação, típicos da última deglaciação.
Assim, como já foram estudados arenitos de praia submersos na plataforma continental sudeste,
formações similares são abundantes tanto na costa leste quanto na nordeste do Brasil. Ressalta-se que
existem também ocorrências de recifes que podem fornecer informações adicionais sobre o comporta-
mento do nível relativo do mar. Estudos que tenham produzido curvas detalhadas de seu comportamento
na plataforma continental setentrional são inexistentes e precisam ser realizados.
A resolução da controvérsia existente entre o primeiro e segundo modelos que abordam o período
de emersão da zona costeira atual no que se refere às oscilações de alta frequência temporal pode ser en-
caminhada através da identificação de outros indicadores aptos a aumentar o detalhamento e a correção
do comportamento dos paleoníveis do mar. Atualmente, o segundo modelo apresenta uma quantidade
mais robusta de evidências conclusivas. Além disso, existem aspectos locais como o dos registros tectôni-
cos, de clima e suprimento de sedimento, ou mesmo, regionais, como o comportamento da crosta ou do
manto, que podem contribuir para diferenças importantes no comportamento do nível relativo do mar.
Somam-se a isso, os necessários cuidados para a adequada localização das amostras datadas. A
utilização de modelos teóricos juntamente com os dados de campo representa um avanço na abordagem
das variações do nível relativo do mar, o que permitirá identificar e quantificar os fatores locais e regionais
com maior eficácia.
O fogo é um fator de perturbação dominante na história das florestas naturais em várias partes do
mundo (Attiwill, 1994). Ele afeta o ciclo biogeoquímico e global do carbono (Andreae, 1991). Recentes
experimentos de modelagem climática preveem os efeitos de uma substituição em larga escala da floresta
amazônica por vegetação de cerrado, até o final do século XXI. Expansão das pressões econômicas,
feedbacks positivos nos regimes de fogo na floresta amazônica e seca prolongada são fatores que
poderiam levar a uma degradação mais rápida das florestas, associados a altas taxas de desmatamento,
em futuro próximo (Nepstad et al., 2008).
Por exemplo, as condições de seca ao longo de grandes extensões da floresta amazônica que sur-
gem devido ao fenômeno El Niño criam um potencial para incêndios florestais em grande escala, como
foi observado durante a severa estiagem de 1997 e 1998 (Nepstad et al.,1999).
Nas últimas décadas, diferentes setores da sociedade têm expressado sua preocupação sobre o
uso indiscriminado do fogo para fins agropecuários e das mudanças de uso da terra em geral. Os impac-
tos que os incêndios provocam na vegetação nativa, seja nos fragmentos de vegetação de mata atlântica
do Sul e Sudeste do País ou na floresta amazônica, na Região Norte do Brasil, envolvem questões que
dizem respeito às trocas climáticas passadas e futuras (Page et al., 2002; Harrison et al., 2007; Lynch et
al., 2007).
Estudos paleoambientais indicaram que os incêndios em florestas podem ser atribuídos, inicial-
mente, às condições climáticas (Whitlock et al., 2006; Marlon et al., 2008), embora ações humanas
também tenham tido importância como fonte de ignição (Huber et al., 2004), a exemplo do que foi con-
siderado por Bar-Yosef (2002) durante a evolução humana nas mais remotas regiões. Associados com a
vegetação de fisionomia florestal, fragmentos de carvão foram encontrados nos solos de diferentes locais
no bioma amazônico – no alto Rio Negro, por exemplo – com idades Carbono14 (14C) calibradas desde
aproximadamente 6,9 cal. ka AP (Saldarriaga e West, 1986). A ocorrência de incêndios associados a
alterações climáticas durante o Holoceno médio foi demonstrada por Sanford et al. (1985) em vários tipos
de floresta no alto Rio Negro. Fragmentos de carvão de um solo do Leste da Bacia Hidrográfica do Rio
Amazonas foram datados entre aproximadamente 6.900 e 3.200 anos calibrados AP (Soubiès, 1980).
Fases de intensa atividade de fogo foram observadas, tanto entre 7.500 e 4.800 anos calibrados
antes do presente, como entre 1.300 e setecentos anos calibrados AP, conforme indicado pela elevada
concentração de micropartículas de carvão. Piperno e Becker (1996) encontraram fragmentos carbonífe-
ros no solo que foram datados entre 1.700 a seiscentos anos calibrados antes do presente.
Essas variações na concentração de carvão foram relacionadas com trocas de vegetação de flo-
resta – plantas C3, associadas às árvores – para cerrado e campo – plantas C4, associadas às gramíneas
–, durante o Holoceno inferior e médio – de aproximados dez a quatro mil anos calibrados AP. Tais trocas
de vegetação associadas à presença de fragmentos de carvão – os paleoincêndios – permitiram inferência
em relação à presença de um clima mais seco – ou menos úmido – nas regiões de estudo.
Na Região Nordeste do Brasil, estudos palinológicos em sedimentos lacustres na Lagoa do Caçó,
no município maranhense de Primeira Cruz (Ledru et al., 2001, 2006), e isotópicos (δ13C), em solos do
Maranhão (Pessenda et al., 2004a, 2005), Piauí, Ceará e Paraíba (Pessenda et al., 2010) indicaram
significativa presença de fragmentos de carvão durante o período aproximado de dez mil e 3.600 anos
calibrados antes do presente. Os dados polínicos e isotópicos de tais registros também acusaram a aber-
tura da vegetação florestal e a expansão do cerrado em direção ao campo nas áreas de estudo. Tais
aspectos também permitiram inferir a presença de um provável clima mais seco do que o atual e, similar
aos registros obtidos no bioma Amazônico, em período semelhante.
A comparação entre esses estudos sugere que, por um longo tempo, o fogo tem sido um fator
de grande perturbação em ecossistemas tropicais e, juntamente com o clima, de suma importância para
a determinação da dinâmica da vegetação, tanto no passado, quanto no presente e, provavelmente, no
futuro.
150 VOLUME 1
Registros similares de fragmentos de carvão foram observados em sedimentos lacustres e solos
nas regiões Sudeste e central do Brasil durante o Holoceno (Pessenda et al., 1996; Gouveia et al., 2002;
Scheel-Ybert et al., 2003; Pessenda et al., 2004b; Saia et al., 2008), reforçando o significativo papel dos
paleoincêndios, em conjunto com fatores climáticos para a dinâmica e a distribuição das formações ve-
getais no Brasil.
Um registro de alta resolução dos níveis de CO2 atmosférico durante os últimos onze mil anos ca-
librados AP foi obtido com o uso de bolhas de gás em um testemunho de gelo coletado no Taylor Dome,
na Antártida. Este registro acusou um aumento do gás carbônico atmosférico iniciado cerca de sete mil
anos calibrados antes do presente (Indermühle et al., 1999). Seus valores de δ13C indicaram aproximação
com os de fontes terrestres entre -17 e -30‰ em detrimento de valores mais enriquecidos, das fontes
marinhas.
No entanto, dados publicados por Carcaillet et al. (2002), provenientes da América do Sul e Cen-
tral, argumentaram contra a crescente queima de biomassa relacionada com a liberação de carbono no
Holoceno médio, um aspecto distinto de publicações recentes (Bush et al., 2007; Cordeiro et al. 2008;
Mayle e Power, 2008). Carcaillet et al. (2002) usou idades 14C de fragmentos de carvão do solo coletados
em áreas entre 5°N e 5°S no Norte da bacia amazônica, representando os últimos dois mil anos como
evidência de altas concentrações de incêndios florestais. Porém, estas amostras de solo foram coletadas
principalmente em seu primeiro metro de profundidade, onde as datações da matéria orgânica corres-
pondentes eram mais recentes do que as realizadas em porções mais profundas, nas quais normalmente,
os fragmentos de carvão se encontram mais agrupados.
Desde o início da Revolução Industrial, o impacto humano modificou cerca de 40% da superfície
da Terra, aumentando o nível de CO2 atmosférico em cerca de 30% (Vitousek et al., 1997), com taxas
anuais de desmatamento de florestas tropicais ao redor de 0,8%. Houghton et al. (1991) calcularam que,
entre os anos 1850 a 1980, cerca de 90 a 120 gigatoneladas (Gt) de CO2, provenientes de incêndios flo-
restais, foram liberadas para a atmosfera. Em comparação, durante o mesmo período, aproximadamente
165 Gt desse poluente foram emitidas adicionalmente por nações industrializadas através das queimas
de carvão, petróleo e gás (Houghton et al., 1991).
Atualmente, a queima de florestas tropicais contribui com cerca de dois a quatro gigatoneladas de
carbono a cada ano, ou cerca de 30% do total das emissões antrópicas. Fearnside (1996) calculou que
o fluxo resultante de CO2 para a atmosfera devido à soma das alterações de uso da terra na Amazônia
Legal foi de aproximadamente 1,3 Gt de carbono.
Desde aproximadamente os últimos 7.900 anos calibrados antes do presente até os dias atuais,
ocorreram manifestações climáticas identificadas através das mudanças da dinâmica litorânea na parte
central da costa brasileira, sincrônicas com alterações climáticas em outras áreas da América do Sul e
sintetizadas, como se segue (Martin et al., 1993).
1. Entre 7.800 anos calibrados antes do presente e de 4,3 a 4,0 cal. ka AP, numerosos períodos de
condições do tipo El Niño provocaram uma série de períodos secos na região da Bacia Hidrográfica do
Rio Amazonas e na porção boliviana do Altiplano Andino, como eventos úmidos no deserto de Sechura,
no Chile.
A relação entre os paleoincêndios e as condições climáticas foram apresentadas por Pierce et al.
(2004) e Whitlock (2004), com argumentos de que, modificações nos regimes de fogo durante a ano-
malia climática da Idade Média, entre os anos de aproximadamente 950 e 1250, e a Pequena Idade do
Gelo, por volta do período entre 1400 e 1700, segundo Mann et al. (2009), se basearam nas alterações
do clima e sua influência sobre a mistura de combustíveis, nas condições de ignição e no comportamento
do fogo.
Foi também verificado que o declínio da combustão da biomassa antes do ano de 1750 ocorreu
em fase com o resfriamento global, a despeito do aumento da população humana (Marlon et al., 2008).
O fogo teve, ainda, importante papel no desenvolvimento dos ecossistemas da Terra e na dominância
das comunidades de plantas (Meyn et al., 2007). Nos últimos 20 anos, incêndios florestais no Brasil e
Indonésia podem ter reduzido substancialmente a biodiversidade e levado à ocorrência de distinta seleção
biológica (Gisberg, 1998).
É importante enfatizar que a combustão da biomassa é a segunda maior fonte de emissão de gás
carbônico – o principal entre todos os GEEs – para a atmosfera. Note-se também que, sob determinadas
condições climáticas, registradas em épocas anteriores como o UMG, ela pode ter representado um pa-
pel importante para a evolução do ciclo do carbono na Terra. Este período é caracterizado por um clima
frio, quando comparado ao atual (Peltier e Solheim, 2004; Justino e Peltier, 2008).
Pode-se também assumir, que a substituição de floresta por biomas com vegetação mais aberta,
tais como cerrado, campos e savanas, se dará através da ocorrência de incêndios provocados pela quan-
tidade de combustível disponível, principalmente durante as estações secas. Isto evidencia a necessidade
de uma compreensão mais completa da interação entre incêndios, clima e superfície terrestre, na medida
em que tal análise pode auxiliar a separar, um a um, os fatores críticos para a dinâmica de ecossistemas
modernos.
A América do Sul foi o último continente do planeta a ser ocupado pelo Homo sapiens. O debate
sobre a antiguidade da ocupação humana do continente é certamente intenso e está longe de ser resol-
vido. Há, no entanto, um consenso de que toda a América do Sul já era ocupada há cerca de doze mil
anos e que – o que é particularmente importante –, tais ocupações já mostravam padrões adaptativos e
econômicos distintos entre si (Roosevelt, 2002).
152 VOLUME 1
Após a ocupação inicial e o consequente processo, aparentemente rápido, de diferenciação e
especialização que se seguiu, o continente sul-americano permaneceu, até certo ponto, isolado durante
a maior parte de sua história. Mais exatamente, até o início da colonização europeia, no início do século
XVI. Isso significa que, todos os processos de mudança ou de estabilidade ocorridos em diferentes partes
do continente resultaram da ação de fatores puramente locais, definidos a partir de uma escala continen-
tal.
Trata-se de um quadro essencialmente diferente daquele vivenciado, por exemplo, nos continentes
europeu e asiático, sobre os quais há evidências abundantes de que processos de expansão demográfica
transcontinentais teriam sido os responsáveis pela introdução de inovações, tais como a agricultura, ou
mesmo, o surgimento do Estado. O isolamento geográfico da América do Sul é ainda mais interessante
quando se considera seu panorama de diversidade social, cultural, econômica e política na época do
início da colonização europeia, quando seus fundadores consistiram em populações que descendiam de
poucos grupos humanos.
É por isso que, para a arqueologia, é possível tratar a América do Sul como uma espécie de labo-
ratório: o último continente a ser ocupado no planeta, por uma população fundadora pequena, mas que,
ao cabo de alguns milênios, já exibia toda a diversidade social e política características da humanidade.
Há ainda fortes controvérsias a respeito de pontos importantes relacionados à ocupação humana das
Américas, tais como a idade e o total das primeiras migrações e os caminhos que elas trilharam (Dillehay,
2000; Dixon, 1999, 2001; Waguespack, 2007). Seja como for, há evidências incontestáveis da presença
de seres humanos em território brasileiro a partir de doze mil anos calibrados antes da atualidade (Araujo
e Neves, 2010; Kipnis, 1998; Prous e Fogaça, 1999; Roosevelt et al., 1996).
Tal fato pode se relacionar a uma combinação de vieses de preservação e de baixa densidade
populacional. A conservação de eventuais sítios arqueológicos anteriores ao UMG pode ser extrema-
mente rara, tendo em vista os vários eventos de mudança climática abrupta que ocorreram desde então
(Mayewski et al., 2004), propiciando, no continente, ciclos de erosão e sedimentação extremamente for-
tes (Thomas, 1994, 2008) e, no litoral, variações muito grandes do nível relativo do mar (Angulo et al.,
2002; Suguio et al., 1985).
Por outro lado, mesmo que existente, a presença humana na porção interiorana da América do
Sul durante o Pleistoceno final, teria sido, provavelmente, pouco expressiva e composta por grupos hu-
manos de baixa densidade populacional que não necessariamente foram portadores de tecnologias de
confecção de pontas de projétil tornando sua detecção extremamente difícil.
Por conta desses fatores, é que a discussão a respeito das relações entre ocupações humanas e
mudanças climáticas ocorre somente a partir da transição entre o Pleistoceno e o Holoceno.
Uma das feições mais impressionantes do registro arqueológico do leste da América do Sul é a
variabilidade cultural existente já no início do Holoceno. A partir de doze mil anos calibrados antes do
presente, ao menos três grandes tradições culturais já se tornaram perceptíveis em uma vasta área que
se estende, desde o Nordeste brasileiro até o Rio Grande do Sul, formando um polígono de, no mínimo,
800 quilômetros no sentido Leste-Oeste e 2.300 quilômetros no sentido Norte-Sul. Elas são conhecidas
como Tradição Umbu, Tradição Itaparica e, por falta de melhor definição, Indústria lítica lagoassantense,
representadas à Figura 4.8 neste capítulo.
Ao mesmo tempo, as idades contemporâneas constituem um paradoxo, uma vez que não se es-
peraria uma variabilidade cultural tão grande se a ocupação da América do Sul tivesse se dado pouco
tempo antes da existência destas tradições culturais.
Sabe-se que a deriva cultural – entendida como a diferenciação de aspectos que decorrem de
uma cultura ancestral, se relaciona ao tempo decorrido desde o evento de separação (Neiman, 1995). O
registro arqueológico aponta, portanto, para uma cronologia longa para o povoamento da América do
Sul. Já mesmo no início do Holoceno, seus grupos humanos exibiam grande diversidade em termos de
produção de cultura.
Por outro lado, as taxas de inovação cultural são também fortemente correlacionadas ao tama-
nho da população envolvida nos mecanismos de transmissão de informação (Neiman, 1995; Shennan,
2001). Nesse aspecto, o registro arqueológico sugere, também, uma população numerosa.
Mas quais seriam as possíveis relações entre as observações empíricas de cunho arqueológico e
as mudanças climáticas para esta faixa cronológica? O modelo mais plausível aponta para uma situação
inicial de maior densidade populacional na zona costeira, onde a estabilidade em termos de clima e re-
cursos alimentares é sempre maior do que nas continentais em igual latitude (Dixon, 1999).
Assim, a interiorização dessas populações se daria por um mecanismo duplo de pressão popula-
cional e maior estabilidade climática. Sobre este último aspecto, os dados paleoambientais referentes ao
início do Holoceno apontam para climas mais quentes e úmidos em amplas porções da América do Sul
(Cruz et al., 2009), de modo a propiciar condições de assentamento em áreas que, apesar de conhecidas
por essas populações antigas, não eram intensivamente ocupadas.
Por sua vez, a pressão populacional se daria tanto pelo crescimento vegetativo – i.e., a diferença
entre as taxas de natalidade e de mortalidade – (Scheinsohn, 2003), acompanhando assim, o aumento
da capacidade de carga do ambiente, como também, através da elevação rápida e constante do nível do
mar desde o UMG (Souza et al., 2005).
Tais fatores explicariam a abrupta e contemporânea aparição das diferentes tradições arqueoló-
gicas no interior do Brasil.
Os grupos humanos que ocuparam esses ambientes continentais desde doze mil anos calibrados
antes do presente são denominados, genericamente, de paleoindios. Estudos de antropologia biológica
mostram que os crânios associados a essas populações antigas – donas de morfologias australo-mela-
nésicas – são bastante diferentes dos crânios dos indígenas atuais, cuja morfologia é mongoloide. Isso
sugere tratar-se de populações distintas e, portanto, de uma provável substituição populacional (Neves
e Hubbe, 2005; Neves et al., 1998; Neves e Pucciarelli, 1990; Powell e Neves, 1999). Em que pese a
falta de dados para a maior parte do Brasil, ao menos na região de Lagoa Santa, em Minas Gerais, os
últimos remanescentes dessa população paleoíndia ocorreram por volta de oito mil anos calibrados antes
do presente.
Dados a respeito desses grupos sugeriram estratégias de subsistência generalistas, de amplo es-
pectro, com forte utilização de plantas e animais de pequeno porte (Jacobus, 2004; Kipnis, 2002; Rosa,
2004; Schmitz et al., 2004). Não parece haver qualquer correlação entre as diferentes tradições de las-
camento e a obtenção de recursos alimentares (Araujo e Pugliese, 2009), uma vez que, em termos gerais,
154 VOLUME 1
os animais caçados são os mesmos. Apesar da coexistência entre humanos e megafauna, não se encon-
traram evidências de que esta tenha sido consumida. Em linhas gerais, as estratégias de subsistência e as
tradições culturais paleoíndias se mantiveram estáveis no período entre doze e oito mil anos calibrados
antes do presente.
O quadro de estabilidade dos paleoíndios parece chegar ao fim, a partir de oito mil anos calibra-
dos antes do presente. Amplas áreas na porção centro-leste do Brasil foram aparentemente depopuladas,
isto é, perderam população por conta de óbitos. Há aí, poucos sítios datando do período entre oito e dois
mil anos calibrados antes do presente e um mínimo de ocupação humana ocorrendo por volta de cinco
mil anos calibrados antes do atual. Tal evento, denominado de Hiato do Arcaico (Araujo et al., 2005), se
repete em outras áreas, tanto do Brasil, como também no resto da América do Sul (Araujo et al., 2006;
Gil et al., 2005; Neves, 2007, Nuñez et al., 2001; Nuñez et al., 2002).
A explicação mais parcimoniosa para este fenômeno de abandono regional é o impacto que o
mínimo de insolação de verão austral teve sobre as massas de ar e os regimes de precipitação. Isso teria
feito com que amplas áreas do Brasil passassem a apresentar tendência a clima mais seco, enquanto que
a Região Nordeste do Brasil teria se tornado mais chuvosa (Cruz et al., 2009; Razik et al., 2013; Servant
e Servant-Vildary, 2003).
É importante notar que, por volta de cinco mil anos calibrados antes do presente, o litoral brasi-
leiro já estava densamente povoado por grupos humanos sambaquieiros (Ybert et al., 2003), com feições
cranianas mongolóides e, portanto, distintos dos paleoíndios. Assim, podemos propor o Holoceno médio
como um cenário no qual, a convergência de fatores climáticos, as densidades demográficas nunca antes
alcançadas e o advento de uma nova onda migratória, propiciariam a reorganização de grupos humanos
pré-históricos em territórios cada vez mais circunscritos – o que levaria, em muitos casos, a uma maior
complexidade social (Iriarte, 2006).
A partir do início do primeiro milênio, é notável um quadro de mudanças sociais e políticas, ma-
nifestadas em padrões claramente visíveis no registro arqueológico. Dentre eles, cabe destacar o estabe-
lecimento de:
• sinais de modificações da natureza – ou seja, de criação de paisagens ou de alterações do meio
ambiente causadas pela ação humana (Neves e Petersen, 2006);
• tradições cerâmicas distintas e localização geográfica relativamente bem definidas, passíveis,
eventualmente, de estarem associadas a grupos linguísticos conhecidos etnográfica e historicamente e,
ainda,
• de vida sedentária nas terras baixas ao longo da região da Bacia Hidrográfia do Rio Amazonas.
Embora existam sinais anteriores de vida sedentária, estes se tornam muito mais claros, visíveis e ubíquos
a partir dessa época. Esse padrão pode ser verificado nos lugares descritos abaixo.
• No Brasil Central, onde, após onze milênios de ocupação se verificou, a partir do século VIII,
uma mudança brusca nas formas de vida. Elas se tornaram muito mais sedentárias, iniciando inclusive a
produção local de cerâmica e a ocupação de aldeias de formato circular (Wüst e Barreto, 1999).
• No litoral sul do Oceano Atlântico, grupos falantes de línguas da família tupi-guarani vindos do
bioma Amazônia, ocuparam áreas anteriormente habitadas durante sete mil anos por grupos construtores
de sambaquis – ou seja, de depósitos de conchas feitos pelo Homem (Scheel-Ybert et al., 2008).
• Na ilha de Marajó, no litoral paraense, onde houve uma longa sequência de ocupações iniciadas
há pelo menos cinco mil e quinhentos anos calibrados antes do presente, mas com sinais de crescimento
demográfico e monumentalidade expandida de sítios a partir do início do primeiro milênio da era cristã
(Schaan, 2007).
• Na região de Santarém, no Sul do Pará, onde a ocupação humana iniciada há onze mil anos
calibrados antes do presente (Roosevelt et al., 1996) e a produção de cerâmicas, de oito a sete mil anos
atrás (Roosevelt et al., 1991, 1996), foi sucedida por um hiato que, com algumas interrupções, se rompeu
apenas no primeiro milênio a.C., através de ocupações associadas à Pocó, ocorrida às margens do Rio
Trombetas, em Oriximiná, próximo à divisa do Estado do Pará com o do Amazonas (Guapindaia, 2008).
• Na área de confluência do Rio Negro com o Rio Solimões, próxima a Manaus, capital do Estado
do Amazonas, os sítios mais antigos datam de oito mil e seiscentos anos calibrados antes do presente.
Mas, foi apenas a partir do final do primeiro milênio a.C. que os sinais de ocupação humana ficaram
mais claros e visíveis (Neves, 2008). Tal processo culminou, já no milênio seguinte, com a formação de
solos férteis e antrópicos, conhecidos como terras pretas, associados a sítios arqueológicos de grandes
dimensões (Neves et al., 2003). Essas datas são compatíveis com outras, obtidas em locais distintos e
espalhadas pela calha do Rio Amazonas e de seus afluentes – como foi o caso em Araracuara, no Rio
Caquetá, na própria região de Santarém e no baixo Rio Amazonas. A hipótese favorecida por arqueólo-
gos propõe que tais sítios se formaram como resultado do estabelecimento de ocupações sedentárias e
de longa duração (Arroyo-Kalin, 2008; Neves et al., 2003).
• No alto da Sub-bacia Hidrográfica do Rio Purus, estruturas de terra artificiais, com formato geo-
métrico circular, quadrangular ou composto, conhecidas como geoglifos, têm sido identificadas. As datas
obtidas até o momento para a construção dos geoglifos mostraram que essas estruturas artificiais come-
çaram a ser construídas no início do primeiro milênio.
• No alto da Sub-bacia Hidrográfica do alto Rio Madeira há um registro que cobre praticamente
todo o Holoceno. Mesmo ali, malgrado as evidências relativamente antigas de estabelecimento de vida
sedentária, os sítios se tornaram maiores e mais densos a partir de 1000 a.C., e, novamente, nos primei-
ros séculos da era cristã.
156 VOLUME 1
4.8.1 INTRODUÇÃO
Quando comparado com outros períodos da história geológica da Terra, o último milênio – mais
exatamente, entre o ano 1000 e o início do período industrial, no século XVIII – foi marcado por uma
variabilidade relativamente baixa das principais forçantes climáticas, tais como os GEEs, a radiação solar
no topo da atmosfera ou as erupções vulcânicas, e também por variações climáticas de relativa baixa
amplitude.
O estudo detalhado desse aspecto ambiental durante o referido período permite, não só compre-
ender a sensibilidade de seu sistema às alterações relativamente pequenas nas forçantes externas, como
também, identificar a existência de seus ciclos naturais, de multidecenais a seculares, inadequadamente
representados nos registros instrumentais. No entanto, o hemisfério sul apresenta uma quantidade extre-
mamente reduzida de registros paleoclimáticos suportados por modelos de idades confiáveis e resolução
temporal apropriada para o último milênio, como representado à Figura 4.9 deste capítulo.
Figura 4.9. Localização dos registros paleoclimáticos utilizados por Jansen et al. (2007) para reconstituir as temperaturas do
planeta durante o último milênio (modificado de Jansen et al., 2007). (a) Registros de valores disponíveis desde o ano 1000;
(b) registros com valores disponíveis desde 1750. Termômetros vermelhos: registros instrumentais; triângulos marrons: anéis
de crescimento de árvores; círculos pretos: poços profundos em rochas e sedimentos; estrelas azuis: testemunhos de gelo
ou poços profundos em geleiras; quadrados roxos: outros, incluindo registros com baixa resolução temporal. Vale notar a
pequena quantidade de registros sobre o hemisfério sul.
4.8.2 DISCUSSÃO
Apesar do número ainda bastante reduzido, os estudos paleo-hidrológicos realizados nos trópicos
e subtrópicos da América do Sul (Haug et al., 2001; Baker et al., 2005; Reuter et al., 2009; Pessenda
et al., 2010; Bird et al., 2011), abordando o último milênio, mostraram certa coerência nas alterações
de precipitação durante a Pequena Idade do Gelo – aproximadamente entre os anos de 1400 e 1700
(Mann, 2009).
Para o extremo Norte da América do Sul, uma diminuição nas concentrações de titânio em se-
dimentos marinhos coletados na Bacía de Cariaco – a aproximadamente 10°N –, na Venezuela, sugeriu
aumento na aridez neste setor do Atlântico tropical (Haug et al., 2001; Peterson e Haug, 2006). Já os
arquivos paleo-hidrológicos, coletados na porção continental ao Sul da linha do equador, indicaram ce-
nário oposto.
Assim, para o andino Lago Titicaca – ao redor de 15°S –, no Peru/Bolívia, os registros disponíveis
indicaram aumento de precipitação (Baker et al., 2005). Na vertente atlântica dos Andes, ao redor de 6°S,
Reuter et al. (2009) demonstraram que, durante o período referido, a precipitação teria crescido aproxi-
madamente 30% acima dos valores recentes.
Neste cenário, menores TSMs, registradas no Atlântico Norte, poderiam estar associadas a uma
diminuição da CRMA. Esta relação entre a intensidade da Célula e a do sistema monçônico da América
do Sul já foi descrita em outras escalas temporais (Wang et al., 2007; Chiessi et al., 2009; Stríkis et al.,
2011). Aparentou tratar-se de mecanismo capaz de atuar em escalas temporais distintas e em condições
de contorno múltiplas.
A partir de 1820, já no século XIX, houve revivificação da ZMO e aumento dos teores de maté-
ria orgânica e dos cardumes de pequenos peixes pelágicos (Sifeddine et al., 2008; Valdés et al., 2008;
Gutierrez et al., 2009). Segundo os mesmos autores, uma elevação das TSMs, descrita para o Leste do
Pacífico Tropical durante a Pequena Idade do Gelo (D’Arrigo et al., 2005), poderia ter reduzido as condi-
ções de ressurgência nesta região e deslocado a ZCIT para o Sul, conforme simulado por Timmermann
et al. (2007).
Outro intervalo temporal do último milênio que apresentou alterações climáticas com duração de
centenas de anos foi a Anomalia Climática Medieval (ACM), ocorrida aproximadamente entre os anos de
950 e 1250 (Mann et al., 2009). Entretanto, no Brasil, ela se encontra representada até agora, de forma
ainda mais fragmentada e esparsa em relação à Pequena Idade do Gelo e, por este motivo, não será
tratada neste subcapítulo.
158 VOLUME 1
usualmente abordaram os últimos cinco séculos, costumaram apresentar alta resolução temporal e têm
grande potencial de desenvolvimento no Brasil.
Para preencher as lacunas existentes e melhorar nosso entendimento a respeito das variações
climáticas naturais multidecenais e seculares, se faz urgente buscar, coletar, analisar e interpretar novos
arquivos paleoambientais, que tenham registrado as condições climáticas do último milênio em alta reso-
lução temporal.
Outra motivação importante para se simular condições climáticas passadas é que estes experi-
mentos oferecem a rara oportunidade de se estudar a relevância das retroalimentações entre os diversos
componentes do sistema climático.
Também com base em modelos numéricos, Lee et al. (2009) atribuíram maiores índices de preci-
pitação no Nordeste do Brasil durante o UMG, quando comparado às condições atuais.
A influência da TSM tropical durante o Holoceno médio é explorada por Jorgetti et al. (2006),
com base no modelo do Institut Pierre Simon Laplace des Sciences de L’Environnement (IPSL). Os autores
sugeriram que o controle exercido pelo ENOS na precipitação na América do Sul, era menos frequente
nesse período em comparação com o clima atual e que, a distribuição espacial da sua influência é con-
sideravelmente diferente em ambas essas épocas.
Utilizando o modelo atmosférico global do CPTEC, Melo e Marengo (2008) apontaram para con-
dições mais úmidas na porção nordeste da América do Sul e, mais secas, tanto na zona central quanto na
sudeste, ao longo do Holoceno médio, quando comparado com o tardio. Dias et al. (2009) apresentaram
situação similar na mesma comparação temporal, demonstrando que a migração, na posição média de
feições, como é o caso da ZCIT e da ZCAS, é influenciada pelo tipo de feedback da vegetação.
160 VOLUME 1
4.9.2 METODOLOGIA
Embora modelos numéricos climáticos com as mais complexas e distintas hierarquias tenham sido
utilizados para simular e buscar entender o clima do UMG e do Holoceno médio, as comparações sinte-
tizadas neste trabalho tiveram como base resultados do modelo National Center for Atmospheric Research
(NCAR-CCSM).
(ii) albedo e topografia terrestres fixados conforme o modelo de Peltier (1994) para processos globais
de ajuste isostático glacial, denominado ICE-4G;
(iii) nivel do mar corrigido de acordo com o modelo ICE-4G (Peltier, 1994); e
(iv) concentrações dos GEEs ajustadas com base em estimativas do testemunho de gelo de Vostok
(e.g., Petit et al., 1999). Especificamente, estas concentrações foram levadas para 200 partes por milhão
por volume (ppmv) de CO2, 400 partes por bilhão por volume (ppbv) para CH4 e 275 ppbv de N2O.
O ajuste nos parâmetros das orbitais leva a um ciclo sazonal de radiação solar mais intenso na
parte superior da atmosfera no hemisfério norte e, a sua diminuição, no hemisfério sul (Braconnot et al.,
2007). Isto pode indicar que o clima durante o Holoceno médio nesse hemisfério pode ter sido ligeira-
mente mais quente do que é hoje na estação do verão e, mais frio, durante o inverno (Otto-Bliesner et al.,
2006).
4.9.3 RESULTADOS
A seguir, são apresentadas algumas comparações entre os resultados propostos por Wainer et
al. (2005) e Justino et al. (2008) para o clima do UMG e do Holoceno médio para a América do Sul,
brevemente confrontadas com reconstituições climáticas baseadas em indicadores físicos, biológicos e
geoquímicos.
Para cada registro, há também um histograma, o ciclo sazonal da precipitação simulada. Os va-
lores foram normalizados por seu desvio-padrão. As melhores correspondências entre os dois conjuntos
de dados foram notadas nos pontos de números 11, 13, 14 e 15, indicando condições mais secas para
o UMG em relação ao presente, e nos sítios três, quatro, sete e doze, exibindo situações mais úmidas
durante esse mesmo período.
A Figura 4.11. representa o campo das anomalias de umidade relativa entre o UMG e o período
atual, a partir das simulações avaliadas por Justino et al. (2010). Com base neste estudo, tornou-se claro
que existem substanciais variações sazonalmente dependentes. Por exemplo, durante o verão no hemisfé-
rio sul, o continente sul-americano apresenta condições mais secas, à exceção do Sul da Argentina e do
Chile. Isto está de acordo com o proposto em algumas reconstituições paleoclimáticas, conforme a Figura
4.10., publicada neste capítulo.
Deve-se notar que, embora os resultados do modelo tenham mostrado anomalias positivas de
umidade relativa durante o inverno no hemisfério sul – conforme representado à Figura 4.11, neste capí-
tulo –, estes valores são, de modo geral, extremamente baixos, pois este é o período de estiagem para a
maior parte da América do Sul. No que concerne ao ciclo hidrológico, isto pode indicar que as variações
acusadas nas reconstituições estão fortemente relacionadas a mudanças ocorridas no verão austral.
162 VOLUME 1
A Figura 4.12. representa as anomalias de temperatura média anual entre as simulações para o
UMG e o período atual, bem como para esta e a do mês mais frio – e.g., Farrera et al.,1999). Pode-se
observar uma razoável concordância entre os dois conjuntos de dados, principalmente no que concerne
à média anual. Os valores na região equatorial mostram anomalias de temperatura entre 4 e 6ºK – graus
da escala Kelvin –, enquanto que entre 10 e 25ºS elas se revelaram em patamares inferiores.
4.9.4 CONCLUSÕES
Registros paleoclimáticos fornecem diretrizes que servem para avaliar modelos numéricos do sis-
tema climático, assim como são ferramentas úteis, capazes de sugerir novos modelos, conceituais, para
se explicar as variações do clima. Estudos baseados em versões numéricas dessa mesma ferramenta de-
dicada ao sistema climático mostraram que a América do Sul foi genericamente dominada por condições
mais frias e secas durante o UMG, embora substanciais variações tenham sido notadas regionalmente e
como efeito da sazonalidade.
Neste cenário, as mudanças mais intensas ocorreram durante o verão austral. Outras investi-
gações, ainda em curso, visam caracterizar em detalhe a evolução climática do bioma Mata Atlântica
durante o Holoceno, com o auxílio de modelos numéricos.
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180 VOLUME 1
CAPÍTULO 5
Autores principais: Luiz Antonio Martinelli – USP; Jean Pierre Henry Balbaud Ometto – INPE; Gabriela Bielefeld
Nardoto – UNB; Alexandre de Siqueira Pinto – UNB; Humberto Rocha – USP; Dora Maria Villela – UENF; Eduardo
Arcoverde de Mattos - UFRJ.
Autores colaboradores: Donato Abe – IIE; Roberto Antonio Ferreira de Almeida – INPE; André Megali Amado –
UFRN; Cimélio Bayer - UFRGS; Marcelo Correa Bernardes – UFF; Elisabete de Santis Braga – USP; Mercedes Maria
da Cunha Bustamante – UnB; Edmo José Dias Campos – USP; Patricia Pinheiro Beck Eichler - UFRN; Vinicius Fortes
Farjalla – UFRJ; Corina SidagisGalli – IIE; Vera Lúcia de Moraes Huszar - UFRJ; Ivan Bergier- Embrapa CPAP; Sílvia
Fernanda Mardegan – USP/INPE; Aldrin Martin Perez Marin – INSA; Guilherme Ruas Medeiros- IIE; Rômulo Simões
Cezar Menezes – UFPE; Paulo Nobre – INPE; Álvaro Ramon Coelho Ovalle – UENF; Vanderlise Giongo Petrere -
Embrapa Semiárido; Valério De Patta Pillar – UFRGS; Alex Enrich Prast- UFRJ; Carlos Alberto Quesada – INPA; Julio
Carlos França Resende – CLDF; Carlos Eduardo de Rezende – UENF; Enrique Ortega Rodriguez – UNICAMP; Fábio
Roland – UFJF; Cleber Ibraim Salimon – UFAC; Everardo Valadares de Sá Barretto Sampaio- UFPE; João dos Santos
Vila da Silva – CNPTIA; Weber Landim de Souza – INT; Frederico Scherr Caldeira Takahashi – UnB; Carlos Gustavo
Tornquist – UFRGS; José Galizia Tundisi – IIE; Marcos Djun Barbosa Watanabe–UNICAMP.
Autores revisores: Flavio Luizão – INPA; Regina Luizão – INPA.
182 VOLUME 1
SUMÁRIO EXECUTIVO
No Brasil são esperadas mudanças profundas e variáveis no clima conforme a região do país,
afetando tanto os ecossistemas aquáticos como os terrestres. Neste quesito, o país é um dos mais ricos do
mundo, tendo seis biomas terrestres (Amazônia, Mata Atlântica, Pantanal, Pampa, Cerrado e Caatinga),
que englobam alguns dos maiores rios do mundo – como os Rios Amazonas, Paraná e São Francisco,
além de possuir uma costa com cerca de 8.000 km, contendo pelo menos sete grandes zonas estuari-
nas e toda a plataforma continental. O foco principal deste capítulo será investigar como os principais
processos biogeoquímicos seriam afetados pelas mudanças climáticas nos principais biomas e bacias
brasileiras. Devido à falta de informações espaciais compatíveis com as escalas dos biomas brasileiros, as
análises realizadas neste capítulo concentram-se nas regiões de cada bioma onde há informações dispo-
níveis. Ao mesmo tempo em que esse tipo de limitação nos impede de fazer uma generalização para um
determinado bioma, ela também serve como um alerta sobre a carência destas informações em escalas
compatíveis com as grandes áreas de nossos biomas. Observa-se uma crítica carência de informações
para determinados biomas – como o Pampa, o Pantanal e a Caatinga, contrastando com o volume maior
de informações observado para a Amazônia e, secundariamente, o Cerrado. Somente recentemente
estudos têm sido desenvolvidos na Mata Atlântica, mas ainda mostram-se concentrados em algumas
poucas áreas. Os maiores estoques de carbono e nitrogênio do solo foram encontrados na Mata Atlânti-
ca, seguindo-se a Amazônia e o Cerrado. Quanto aos estoques de carbono e nitrogênio acima do solo,
destacam-se a Mata Atlântica e, especialmente, a Amazônia como os biomas que possuem os maiores
estoques. Interessantemente, somente na Amazônia e no Pantanal os estoques de carbono e nitrogênio
são mais elevados na biomassa acima do solo em relação aos estoques do solo, divergindo dos outros
biomas em que os maiores estoques se concentram efetivamente nos solos. O retorno de carbono ao solo
via queda das folhas teve uma variação muito menos acentuada entre os biomas. Os sistemas florestais
tendem a ter uma transferência ligeiramente maior em relação aos sistemas herbáceos-arbustivos, mas
não tão mais elevado, se levarmos em consideração a maior biomassa acima do solo observada nos
sistemas florestais. Por outro lado, a transferência de nitrogênio é significativamente maior nos sistemas
florestados da Amazônia e Mata Atlântica em relação aos sistemas herbáceos-arbustivos como o Cerrado
e a Caatinga. A despeito das grandes diferenças nos estoques de carbono do solo, as variações nos fluxos
de CO2 para a atmosfera não foram elevadas entre os biomas, principalmente se excluirmos a Amazônia,
onde os fluxos de CO2 foram claramente maiores. O fluxo de N2O do solo para a atmosfera é também
considerado uma perda de nitrogênio do sistema. Neste caso as diferenças são mais acentuadas entre
os biomas, tendo a Amazônia os maiores fluxos, seguindo-se a Mata Atlântica; enquanto fluxos muito
baixos foram detectados para o Cerrado. No caso da fixação biológica de nitrogênio (FBN), as maiores
entradas estão associadas aos sistemas florestais da Amazônia e Mata Atlântica, seguindo-se o Cerrado
e, finalmente, o Pantanal e a Caatinga, com uma quantidade de nitrogênio fixada anualmente significa-
tivamente menor que os três biomas citados acima. Quanto à deposição atmosférica de nitrogênio, os
valores foram semelhantes entre biomas, sendo, na maioria dos casos, abaixo dos valores que entram
via FBN e ligeiramente mais elevados em relação aos fluxos de N2O para a atmosfera. A combinação
de mudanças climáticas globais com alterações dramáticas na cobertura do solo, com desmatamento
em larga escala, pode determinar alterações no regime climático local na região Amazônica e conse-
quentemente na estrutura e composição da vegetação nativa presente. O processo de “savanização”
da Floresta Amazônica, surgiu como importante alerta à uma possível alteração estrutural da cobertura
vegetal da região. Entretanto, estudos recentes, utilizando uma compilação maior de modelos climáticos
globais, não reproduzem as condições ambientais e de resposta da floresta para que este processo seja
estabelecido. No entanto deve-se salientar que uma profunda mudança na estrutura e funcionamento
dos ecossistemas Amazônicos acarretaria perdas significativas nos estoques de carbono tanto do solo
como da vegetação. Além das perdas de carbono, haveria outras mudanças fisiológicas e fenológicas
similares àquelas descritas mais adiante para o Cerrado brasileiro. Tais mudanças se refletiriam não so-
mente no ciclo do carbono, mas também no ciclo do nitrogênio. A Mata Atlântica estoca quantidades
apreciáveis de carbono e nitrogênio em seus solos, principalmente em maiores altitudes. Os aumentos
previstos para a temperatura do ar na Região Sudeste do Brasil levariam a um aumento nos processos de
respiração e decomposição, gerando um aumento nas perdas de carbono e nitrogênio para a atmosfera.
5.1 INTRODUÇÃO
Após a publicação do quarto levantamento feito pelo Painel Internacional sobre Mudanças Climá-
ticas (IPCC, 2007) ficou claramente demonstrado que nosso planeta passa por mudanças ambientais e
climáticas frutos das atividades humanas. Dentre elas, incluem-se um aumento crescente na concentração
de CO2 atmosférico e nas temperaturas. Adicionalmente, o aumento crescente na deposição de nitrogê-
nio em várias partes do globo define o cenário que teremos à nossa frente nos próximos 100 anos.
O dióxido de carbono (CO2) é o principal combustível utilizado pelas plantas que através de seus
aparatos fotossintéticos transformam um gás inorgânico em moléculas orgânicas constituintes dos tecidos
de organismos autotróficos. O processo de fotossíntese é limitado por uma série de fatores, incluindo o
fornecimento de nitrogênio para os organismos autotróficos. O fornecimento de nitrogênio para os or-
ganismos é regulado por uma série de reações de oxi-redução que ocorrem tanto no ambiente terrestre
como no ambiente aquático, que por sua vez, são mediadas por microorganismos em busca de energia
ou aceptores finais de elétrons. Todos esses processos acima mencionados são influenciados significativa-
mente pela temperatura. É amplamente conhecido que a temperatura limita não só o processo fotossin-
tético, como inúmeras reações que ocorrem nos sistemas aquáticos e terrestres.
Ao desenvolver atividades que buscam prover alimentos, fibras e energia e através de diversos
processos industriais, o homem vem, inadvertidamente, alterando a disponibilidade de dois elementos
fundamentais à vida: carbono e nitrogênio, além de alterar um dos parâmetros mais importantes no fun-
cionamento de sistemas aquáticos e terrestres: a temperatura do ar. Mudanças de temperatura afetam a
184 VOLUME 1
distribuição de energia em todo o globo, interferindo na distribuição de chuvas e, consequentemente, na
disponibilidade de água.
Experimentos recentes têm demonstrado que todas essas hipóteses são plausíveis e dependem de
vários fatores. Portanto, é esperado que as respostas às mudanças globais descritas acima sejam extre-
mamente variáveis entre ecossistemas. Nota-se também que, sem um conhecimento prévio das caracte-
rísticas de cada sistema, não há como avaliarmos detalhadamente os efeitos das mudanças globais sobre
os processos biogeoquímicos dos mesmos.
No Brasil, são esperadas mudanças profundas e variáveis no clima conforme a região do país
(Marengo et al., 2009), afetando tanto os ecossistemas aquáticos como os terrestres. Neste quesito, o
país é um dos mais ricos do mundo, tendo seis biomas terrestres (Amazônica, Mata Atlântica, Pantanal,
Pampa, Cerrado e Caatinga), Figura 5.1, que englobam alguns dos maiores rios do mundo (Figura 5.2)
– como os Rios Amazonas, Paraná e São Francisco, além de possuir uma costa com cerca de 8.000 km,
contendo pelo menos sete grandes zonas estuarinas e toda a plataforma continental.
Desta breve descrição acima, conclui-se que existem acentuadas variações ambientais, estruturais
e de funcionamento entre os biomas brasileiros. Como visto anteriormente, as respostas dos sistemas às
mudanças globais serão variáveis entre sistemas, sendo influenciadas pelas condições existentes anterior-
mente à pressão antrópica no meio. O foco principal deste capítulo será investigar como os principais
processos biogeoquímicos seriam afetados pelas mudanças climáticas nos principais biomas e bacias
brasileiras. Devido à falta de informações espaciais compatíveis com as escalas dos biomas brasileiros, as
análises feitas neste capítulo concentram-se nas regiões de cada bioma onde informações encontram-se
disponíveis. Ao mesmo tempo em que esse tipo de limitação nos impede de fazer uma generalização
para um determinado bioma, também serve como um alerta sobre a carência de informações em escalas
compatíveis com as grandes áreas de nossos biomas.
O bioma amazônico é composto por diversos ecossistemas abrangendo uma área total de apro-
ximadamente 7 milhões de km2, dos quais mais de 60% se encontram em território brasileiro. Estrutural-
mente é composto pela Cordilheira do Andes a oeste, pelo Escudo Brasileiro ao sul e pelo Escudo das
Guianas ao norte e pela bacia de sedimentação ao centro, onde se encontram os grandes rios da região
(Figura 5.1).
186 VOLUME 1
Quanto à precipitação, há uma tendência de declínio da região noroeste para a sudeste (e.g.,
Marengo et al., 2001; Ferreira e Rickenbach, 2011). As maiores precipitações são encontradas ao pé
da Cordilheira do Andes, atingindo até 8.000 mm por ano, enquanto que as menores precipitações são
encontradas no Estado de Roraima (<1.200 mm) (Sombroek 2001). Além dos totais de precipitação, é
importante notar que há uma variação acentuada também na sazonalidade das precipitações nessa re-
gião (e.g., Grimm, 2011). Por exemplo, algumas partes do sul e do oeste da Amazônica podem enfrentar
períodos de até cinco meses com menos de 100 mm de chuva. A evapotranspiração média medida na
Amazônia fica em torno de 3,4 mm/dia (aproximadamente 1240 mm/ano) e tende a ser um pouco maior
na época seca nas regiões de Florestas Ombrófilas Densas e em áreas de florestas abertas e savanas (da
Rocha et al., 2009). Quanto à dinâmica climática da atmosfera, Nobre et al. (2009) demonstraram como
a região Amazônica funciona como uma distribuidora de vapor d’água para a região sul do continente
sul americano.
Ao longo da Bacia Amazônia há uma grande variedade de tipos de solo, predominando, de uma
forma geral, solos altamente intemperizados, principalmente na porção central e leste da Bacia (Quesada
et al., 2010). Ainda que esta seja a predominância geral observada, em áreas menores, existe uma varie-
dade maior nos tipos de solos associada a características geomorfológicas destas localidades (Quesada
et al., 2009; Richter e Babbar, 1991; Sanchez e Buol, 1975; Sanchez, 1976), acarretando uma grande
variação nas propriedades químicas e físicas dos mesmos (Quesada et al., 2010). Enquanto que os solos
mais intemperizados e inférteis encontram-se associados aos Escudos Brasileiro e das Guianas e ao longo
das paleovárzeas localizadas ao longo dos principais rios da região (Quesada et al., 2009; 2010; Richter
e Babar, 1991; Irion, 1978; Sombroek, 1966), solos ligeiramente mais férteis geralmente ocupam níveis
pedogênicos intermediários que ocorrem exclusivamente nas vizinhanças dos Escudos ou próximos às
calhas dos Rios Juruá, Purus e Madeira (Quesada et al. 2009, 2010a). Os solos pedologicamente menos
desenvolvidos e mais férteis encontram-se próximos aos Andes e ao longo das várzeas dos rios que neles
se originam (rios de “água branca”), especialmente ao longo dos Rios Solimões e Amazonas.
Esta acentuada variabilidade na fertilidade dos solos da Amazônia implica na estratégia de so-
brevivência da vegetação nestes diferentes substratos. Por exemplo, plantas crescendo em solos inférteis
desenvolveram mecanismos eficientes para manter um nível adequado de suprimentos de nutrientes,
principalmente, via ciclagem interna, em oposição ao suprimento direto desses nutrientes via solo (Stark,
1971; Starke Jordan, 1978; Jordan e Herrera, 1981; Jordan, 1989).
A Floresta Ombrófila Densa da Mata Atlântica encontra-se subdividida em quatro faciações (Ve-
loso et al., 1991), as quais são ordenadas segundo a hierarquia topográfica e refletem em fisionomias e
composições diferenciadas de acordo com as variações das faixas altimétricas e latitudinais. Essa divisão
em faciações altitudinais não é somente importante em termos fisionômicos, mas também em termos de
funcionamento. Assim, tem-se: 1) Floresta Ombrófila Densa de Terras Baixas – 5 a 50 m de altitude sobre
o solo de restinga; 2) Floresta Ombrófila Densa Submontana – no sopé da Serra do Mar, com altitude
variando entre 50 e 500 m; 3) Floresta Ombrófila Densa Montana – 500 a 1.200 m; 4) Floresta Om-
brófila Densa Altimontana – no topo da Serra do Mar, acima dos limites estabelecidos para a formação
Montana, onde a vegetação praticamente deixa de ser arbórea, pois predominam os campos de altitude.
5.2.3 PANTANAL
O Pantanal é uma planície de inundação e está localizado entre os paralelos 15º e 20ºS e me-
ridianos 55º e 59ºW. Possui uma área de deposição de sedimentos arenosos derivados dos planaltos
localizados a leste, formando enormes leques aluviais e ambientes lacustres e fluviais. Estes sedimentos
são carreados principalmente pelo Rio Paraguai e seus afluentes (Alho, 2011), Figura 5.2. O relevo é
plano e a altitude varia predominantemente entre 100 e 150 m. Em termos geomorfológicos esta bacia
pode ser subdividida em sete classes: 1) Planície inundável do Rio Paraguai e Pantanal propriamente dito,
2) Depressão Cuiabana, 3) Depressão do Alto Guaporé-Cuiabá, 4) Depressão do Miranda, 5) Serra da
Bodoquena, 6) Platô do Alto Paraguai (onde se localizam as cidades de Corumbá e Ladário) e 7) Platô da
bacia do Rio Paraná (Mercante et al., 2011).
As chuvas anuais médias variam de 800 a 1600 mm concentrando-se preferencialmente no
verão austral. A planície pantaneira é marcada por um déficit hídrico acentuado, onde usualmente a
evapotranspiração é maior que a precipitação. A complexidade do regime hidrológico do Rio Paraguai
está relacionada à baixa declividade dos terrenos que integram as planícies e pantanais mato-grossenses
e também à extensão da área que permanece periodicamente inundada com grande volume de água
(Gonçalves et al., 2011).
188 VOLUME 1
flutuantes de biomassa vegetal aquática (conhecidas por camalotes) pelo Rio Paraguai em direção à foz
da bacia do Prata (Bergier et al., 2012).
5.2.4 CAATINGA
O bioma Caatinga, localizado no Nordeste brasileiro, cobre uma área aproximada de 1 milhão
de km2, e representa a maior parte da região semi-árida do país. A maior parte deste bioma se encontra
em uma região onde a precipitação anual é inferior a 1.000 mm. Além da escassez, a marcada varia-
bilidade espacial e temporal é outra característica das chuvas desta região (Reddy, 1983). Em algumas
regiões, 20% da precipitação anual ocorrem em um único dia e 60% em um único mês (Sampaio, 1995).
As temperaturas médias anuais são elevadas, variando de 23 a 27 ºC e a umidade relativa geralmente
menor que 50%. Como consequência, a evapotranspiração potencial é alta, resultando em déficit hídrico
durante 7 a 11 meses por ano (Freitas et al., 2012).
A altitude média encontra-se próxima a 400-500 m acima do nível do mar, alcançando o nível do
mar em Estados como Rio Grande do Norte e Ceará, e cerca de 1.000 m de altitude, em alguns platôs.
Cerca de 37% da área é composta por vertentes com inclinações entre 4 e 12% e 20%, além de haver
vertentes com inclinações maiores que 12%. A Caatinga pode ser dividida em três áreas geologicamente
distintas em função do material de origem: (1) áreas sobre o escudo cristalino; (2) áreas sobre o escudo
cristalino cobertas com material arenoso; e (3) áreas de depósitos sedimentares (Jacomine, 1996). Quase
70% da área é coberta por quatro tipos de solos dominantes, a saber: os Latosolos e os Litosolos cobrem,
cada tipo, 20% da área; já os Argisolos cobrem 15%; enquanto que os Luvisolos cobrem 13%. Mais de
80% da área tem algum tipo de limitação em termos pedológicos, merecendo destaque a baixa fertilida-
de e a baixa profundidade, a drenagem dificultada e concentrações excessivas de sódio trocável (Silva,
2000).
5.2.5 CERRADO
O Cerrado é definido como uma savana sazonal úmida, com precipitação média anual que varia
de 800 a 1.800 mm conforme a região, sendo que 90% da precipitação ocorre na estação chuvosa entre
outubro e abril. Ainda que a média anual de temperatura fique entre 20 e 26 ºC no bioma, há uma acen-
tuada variação nas temperaturas devido às diferenças em altitude, que chegam a mais de 1.000 m (Eiten,
1972). Por exemplo, a temperatura mínima na parte sul do Cerrado, no Estado de São Paulo, alcança -4
ºC, enquanto que a temperatura mínima na porção norte do bioma, no Estado do Piauí, alcança 14 ºC.
Essa grande amplitude nas temperaturas, aliada a diferenças na precipitação e altitude, determi-
nam diferenças acentuadas na composição das espécies do Cerrado (Castro, 1994; Ratter et al., 2003).
A paisagem do Cerrado é composta por um mosaico de vegetação, indo de campos de gramíneas até
formações florestais, havendo tipos intermediários de vegetação. As vegetações mais graminosas e aber-
tas são os campos limpos e campos sujos; tornando-se a presença de arbustos e árvores mais frequentes
no cerrado sensu stricto e no cerradão (Ribeiro e Walter, 1998).
Dentre as savanas tropicais, o Cerrado se destaca pela sua grande diversidade de plantas, com
cerca de 12.000 espécies de angiospermas (Mendonça et al., 2008). Na porção herbácea do Cerrado,
há o predomínio da família Leguminosae, com cerca de 780 espécies, seguida pelas famílias Asteraceae
(560 espécies), Poaceae (500 espécies) e Orchidaceae (495 espécies) (Filgueiras, 2002).
O principal tipo de solo do Cerrado são os Latossolos, que cobrem cerca de 45% da região,
sendo seguidos pelos Neossolos quartzonoríticos, que cobrem aproximadamente 15% de sua extensão
(Reatto et al., 1998). Estes são solos geralmente ácidos, com alta concentração de alumínio e baixa con-
centração de nutrientes.
Os campos sulinos são compostos sobretudo por gramíneas e estão incluídos principalmente no
bioma Pampa, localizados ao sul e ao oeste do Estado do Rio Grande do Sul e também de forma descon-
tínua na Mata Atlântica localizada nos platôs elevados do sul do Brasil.
No bioma Pampa, com os limites definidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(2004), predominam Neossolos, Argissolos e Planossolos. De maneira geral, estas classes de solos, nas
condições em que ocorrem neste bioma, são de média a alta fertilidade, acidez moderada, apresentando
textura média a arenosa no horizonte superficial, característica que determina limitada capacidade de ar-
mazenagem de água. Também são encontrados, na região noroeste do Pampa, os Latossolos – solos com
textura argilosa, ácidos e naturalmente pobres em nutrientes, porém com maior capacidade de armaze-
nagem de água. Ao oeste do Pampa no Estado do Rio Grande do Sul, na fronteira com Argentina, há
a ocorrência limitada de Chernossolos com caráter carbonático, bastante similares aos solos do Pampa
argentino.
A base conceitual nesta análise será a ecologia de ecossistemas, a qual, de acordo com Chapin et
al. (2002) investiga as interações entre organismos e o ambiente em um sistema integrado. Esta definição
implica que há uma ligação inerente entre os sistemas físicos e bióticos de um ecossistema. Os seres hu-
manos, como parte do sistema biótico, dependem do sistema físico, sobre o qual exercem uma influência
significativa. Neste sentido, a ecologia de ecossistemas aborda fatores que regulam reservatórios e fluxos
de energia e material fluindo entre o sistema biótico e físico, dos quais o ser humano participa intrinsica-
mente e, diretamente, os altera.
Uma maneira útil de se abordar as interações descritas acima é por meio dos cinco fatores de
estado que interferem na formação dos solos definidos por Jenny (1941). Estes fatores são: o clima re-
gional e global, o tempo, o material de origem e a topografia (Figura 5.4). Mais recentemente, Chapin
et al. (2002) adaptaram este conceito para a ecologia de ecossistemas. De acordo com esses autores,
além dos fatores de estado definidos por Jenny (1941), há ainda fatores interativos que atuam em escalas
locais e que interferem nos processos dos ecossistemas, regulando a dimensão de seus reservatórios. Estes
quatro fatores são: o clima local, o tipo de solo, os grupos funcionais de plantas e animais e perturbações
naturais e antrópicas (Figura 5.4).
190 VOLUME 1
Figura 5.4. Fatores de estado e fatores
interativos que interferem nos processos
ocorridos em nível de ecossistemas.
Fonte: adaptado de Chapin et al. (2002).
Onde:
NBP é a medida de balanço de carbono do ecossistema em escala regional;
GPP é a produtividade primária bruta (ganho de carbono pela fotossíntese);
Rauto é a perda de carbono pela respiração autotrófica;
Rhetero é a perda de carbono pela respiração heterotrófica;
Lfogo é a perda de carbono por combustão (queima de vegetação);
Llixiviação é a perda de carbono por lixiviação profunda;
LVOC é a perda de carbono pela emissão de compostos voláteis orgânicos;
Llateral é a perda de carbono pelo transporte lateral de carbono de outros ecossistemas na forma de carbo-
no orgânico dissolvido e particulado e carbono inorgânico dissolvido exportado e importado pelos rios.
Onde:
ΔCbioma é variação temporal no estoque de carbono em relação ao seu estado original;
dCx/dt é a variação temporal nos estoques de carbono no solo, vegetação e sistema aquático, respecti-
vamente.
Da mesma forma que para o carbono, é possível se investigar fluxos de nitrogênio em um bioma ado-
tando-se o ecossistema como principal unidade de estudo. O seguinte balanço pode ser considerado
(Howarth et al., 1996; Filoso et al., 2006):
ΔNecossistema = FBNF + Fatm-d – Fatm-e ± Flateral (3)
Onde:
ΔNecossistema é a variação no estoque de nitrogênio no ecossistema;
FBNF é a entrada de nitrogênio através da fixação biológica de nitrogênio;
Fatm-d, a entrada de nitrogênio por meio da deposição seca e úmida;
Onde:
ΔNbioma é variação temporal no estoque de nitrogênio em relação ao seu estado original;
dNx/dt é a variação temporal nos estoques de nitrogênio no solo, vegetação e sistema aquático, respec-
tivamente.
Os mais importantes dos reservatórios de carbono e nitrogênio são aqueles oriundos do solos e
da vegetação. Ainda que haja dados a respeito dos estoques de nutrientes nos solos de todos os biomas
brasileiros, observa-se a ausência de uma padronização quanto à profundidade amostrada (Tabelas 5.2
e 5.3). Estoques de nutrientes nos solos são geralmente quantificados até 1,0m de profundidade. É impor-
tante salientar que há um decréscimo exponencial das concentrações de carbono e nitrogênio em relação
à profundidade do solo, tornando-se difícil qualquer tipo de extrapolação. Feita esta ressalva, nota-se que
os maiores estoques de carbono e nitrogênio até 1,0m de profundidade encontram-se na Mata Atlântica,
seguindo-se a Amazônia e o Cerrado. Comparando-se biomas em que os estoques do solo foram esti-
mados até 20 a 30 cm, observa-se que o maior estoque encontra-se no Pampa, seguindo-se o Pantanal
e a Caatinga, com estoques aproximadamente equivalentes (Tabelas 5.2 e 5.3).
Quanto aos estoques de carbono e nitrogênio acima do solo, destacam-se como biomas com
maiores estoques a Mata Atlântica e, especialmente, a Amazônia (Tabelas 5.2 e 5.3). Os estoques do
Pantanal são extremamente variáveis, em função da variação observada nos tipos de vegetação. Ainda
assim, observa-se que estes estoques são inferiores àqueles observados na Amazônia e na Mata Atlântica
(Tabelas 5.2 e 5.3). A Caatinga e o Cerrado têm estoques acima do solo semelhantes aos estoques ob-
servados no Pantanal. No Pampa, ainda que não haja informação disponível, por predominarem campos
graminosos, supõe-se que seus estoques de carbono e nitrogênio acima do solo sejam menores em rela-
ção aos demais biomas (Tabelas 5.2 e 5.3).
Uma forma importante de reciclagem interna dos ecossistemas é a transferência de nutrientes via
queda das folhas. Ainda que diferenças acentuadas tenham sido observadas nos estoques de carbono
abaixo e acima do solo, a serapilheira produzida teve uma variação muito menos acentuada entre os
biomas (Tabela 5.2). Os sistemas florestais tendem a ter uma transferência ligeiramente maior em relação
aos sistemas herbáceos-arbustivos, mas não tão mais elevado, se levarmos em consideração a maior
biomassa acima do solo observada nos sistemas florestais (Tabela 5.2). Por outro lado, a transferência
de nitrogênio é significativamente maior nos sistemas florestados da Amazônia e Mata Atlântica, quando
comparados aos sistemas herbáceos-arbustivos, tais como o Cerrado e a Caatinga (Tabela 5.3).
192 VOLUME 1
O fluxo de CO2 do solo para a atmosfera é uma das maneiras pela qual carbono que foi fixado
através do processo de fotossíntese retorna a atmosfera. A despeito das grandes diferenças nos estoques
de carbono do solo, as variações nos fluxos de CO2 não foram elevadas entre os biomas, principalmente
se excluirmos a Amazônia – bioma onde os fluxos de CO2 foram claramente mais elevados (Tabela 5.2).
Ao tratar do nitrogênio, o fluxo de NO, N2O e N2 do solo para a atmosfera é também considerado uma
perda deste elemento do sistema. Neste caso, as diferenças são mais acentuadas entre os biomas, tendo
a Amazônia os maiores fluxos, seguindo-se a Mata Atlântica; fluxos muito baixos foram detectados para
o Cerrado (Tabela 5.3).
Ainda em relação ao nitrogênio, duas formas importantes de entrada deste nutriente nos ecos-
sistemas são a fixação biológica de nitrogênio (FBN) e a deposição atmosférica. No caso da FBN, as
maiores entradas estão associadas aos sistemas florestais da Amazônia e Mata Atlântica, seguindo-se o
Cerrado. Por fim, o Pantanal e a Caatinga apresentam uma quantidade de nitrogênio fixada anualmente
significativamente menor que os três biomas citados acima (Tabela 5.3).
1
Tipo de estrato predominante da vegetação
2
Característica geral dos solos
Tabela 5.2. Estoque de carbono no solo e na biomassa e fluxo de carbono entre diferentes compartimentos do
ecossistema para os biomas brasileiros.
Tabela 5.3. Estoque de nitrogênio no solo e biomassa e fluxos de nitrogênio entre diferentes compartimentos do
ecossistema para os biomas brasileiros.
É incontestável que ainda temos uma visão extremamente fragmentada sobre a ecologia de ecos-
sistemas dos principais biomas brasileiros. Há uma escassez de dados fundamentais que torna extrema-
mente complexa a tarefa de se prever prováveis efeitos das mudanças climáticas sobre os ciclos biogeo-
químicos que ocorrem nesses biomas. O maior volume de informações disponíveis para a Amazônia,
Mata Atlântica e Cerrado faz com que algumas previsões possam ser feitas para estes biomas. No en-
tanto, fica o alerta que tais previsões foram feitas sobre uma base de dados escassa frente ao tamanho e
complexidade desses biomas.
Além deste fato, deve ser também considerado que, devido a fatores relacionados às atividades hu-
manas, vários ecossistemas que compõem os biomas brasileiros se encontram profundamente modificados
194 VOLUME 1
em relação a suas condições naturais. Neste contexto, as paisagens tornam-se fragmentadas, constituin-
do-se de mosaicos compostos pela vegetação original, sendo entremeados por campos agrícolas e áreas
abandonadas. Previsões sob este tipo de paisagem são também extremamente complexas.
5.5.1 AMAZÔNIA
O único bioma brasileiro onde há dados suficientes para tais simulações é a Amazônia. Nas
últimas décadas, por meio do projeto Experimento de Larga Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia
– LBA (Keller et al., 2009), foram desenvolvidos estudos que incluem desde experimentos de campo em
parcelas de 1ha até o uso de vários modelos de circulação global. O acoplamento das observações de
campo com esses modelos tem produzidos resultados consistentes que permitem certas considerações
sobre mudanças climáticas e ciclos biogeoquímicos (Ometto et al., 2011).
Para a região Amazônia é previsto que para o final deste século haverá um aumento acentuado
na temperatura e uma diminuição na precipitação, principalmente na região leste do bioma (Marengo
et al., 2010). Mais importante ainda para esta região é o cenário extremo conhecido na literatura
como “Amazon dieback”. Neste cenário, previsto pelo modelo HadCM3 do Hardley Center, quando
a vegetação original decrescer aproximadamente pela metade na região leste da Amazônia o clima
mudaria a tal ponto que o resto da floresta seria substituído por uma vegetação tipo savana (Cox et al.,
2004; Marengo et al., 2009). No entanto, Huntingford et al. (2013), utilizando uma compilação maior
de modelos climáticos globais, contrapõem-se à ocorrência da ”savaniação” da Floresta Amazônica, ao
apresentar simulações que não reproduzem as condições ambientais e de resposta da floresta para que
este processo seja estabelecido.
Uma mudança tão profunda na vegetação acarretaria perdas significativas nos estoques de car-
bono tanto do solo, como da vegetação. As perdas de carbono no solo e vegetação são estimadas em 14
Gt e 36 Gt, respectivamente, totalizando 50 Gt de carbono perdidos até o final deste século (Cox et al.,
2004). Além das perdas de carbono, haveria outras mudanças fisiológicas e fenológicas similares àquelas
descritas mais adiante para o Cerrado brasileiro. Tais mudanças se refletiriam não somente no ciclo do
carbono, mas também no ciclo do nitrogênio.
Por exemplo, as florestas amazônicas são ecossistemas ricos em nitrogênio (Martinelli et al., 1999)
e parte desta riqueza advém dos aportes de nitrogênio pela fixação biológica (Tabela 5.3). Com a retirada
da floresta, haverá consequentemente um decréscimo considerado na entrada de nitrogênio no solo via
FBN. Provavelmente, a vegetação subsequente rica em plantas herbáceas será significativamente limitada
por este nutriente, como são as pastagens que substituem a floresta.
Mesmo que não haja uma mudança tão drástica na vegetação, a diminuição das chuvas levará a
um aumento na intensidade do período seco e na frequência de fogo, tanto acidental como intencional.
Após a severa seca de 2005, que novamente ocorreu em 2010, Lewis et al. (2011) estimaram que 1,6
a 2,2 Pg de carbono não foram transferidos da atmosfera para a vegetação, devido à ausência de cres-
cimento das árvores ou à mortalidade que se segue após esses eventos extremos. Por outro lado, o fogo
tem consequências imediatas sobre os estoques de nutrientes das florestas, pois grande parte do carbono
e do nitrogênio estocados na vegetação são perdidos para a atmosfera (Kauffmann et al., 1995), levan-
do a um decréscimo acentuado desses estoques e provocando uma limitação severa no crescimento da
vegetação, fruto da falta de nitrogênio nos solos após repetidos ciclos de fogo (McGrath et al., 2001).
Como a maioria dos dados disponíveis sobre os ciclos de carbono e de nitrogênio se refere à Re-
gião Sudeste, consideramos as mudanças climáticas previstas por Marengo et al. (2009, 2010) para esta
região. Consequentemente, esses resultados não se aplicam a latitudes menores do bioma Mata Atlânti-
ca, como é o caso do Nordeste, enfatizando mais uma vez a necessidade urgente de estudos a respeito
desse ecossistema do Brasil.
A mudança mais clara prevista pelos três modelos utilizados por Marengo et al. (2010) seria um
aumento, ao final deste século, da temperatura do ar por todo o País. As alterações de precipitação são
menos robustas, com alto grau de variabilidade entre as regiões brasileiras.
Levando-se em conta tais incertezas, a principal projeção feita seria a que aponta para um de-
créscimo nas chuvas durante o inverno - entre os meses de junho e agosto -, seguido por um aumento da
precipitação durante os meses de verão austral - entre os meses de dezembro e fevereiro (Marengo et al.,
2009).
Uma das mais notáveis características das florestas tropicais é sua habilidade em estocar grandes
quantidades de carbono e nitrogênio, tanto acima como abaixo do solo (Trumbore et al., 1995). Segundo
Meier e Leuschner (2010), um aumento na temperatura poderia transformar ecossistemas florestais em
fontes de carbono. Isto se deve ao fato de que as emissões do chão aumentariam por conta da elevação
da temperatura do ar e do CO2 lançado à atmosfera, o qual não seria compensado pela absorção pela
fotossíntese.
É muito bem estabelecido que as taxas de decomposição e respiração do solo aumentam com as
temperaturas do ar e do próprio terreno (Kirschbaum, 2000; Raich et al., 2006; Wagai et al., 2008). Por
sua vez, incrementos nessas taxas poderiam levar a uma perda de carbono do solo (Biasi et al., 2008;
Dorrepaal et al., 2009).
No caso das florestas de Ubatuba, localizadas no Nordeste do Estado de São Paulo, Sousa Neto
et al. (2011) encontraram um decréscimo consistente na temperatura do solo ao longo de um gradiente
altitudinal. Por conseguinte, houve correlação direta entre temperatura e emissões de CO2 para a atmos-
fera. Tal correlação foi posteriormente confirmada por meio de um experimento de campo conduzido
no mesmo local, onde terrenos a 1.000 m de altitude foram aquecidos artificialmente, observando-se
aumento significativo nas emissões de CO2 (Martins, 2011).
Finalmente, Vieira et al. (2011) encontraram correlação significativa entre estoques de carbono
e nitrogênio, tanto abaixo como acima da superfície, com a temperatura do solo no mesmo gradiente
altitudinal de Ubatuba. Utilizando uma curva de regressão entre estoques e temperatura, esses autores
concluíram que um aumento de 1 ºC na temperatura média do solo resultaria em uma transferência lí-
quida da floresta para a atmosfera de aproximadamente 17 megagramas de carbono por hectare - Mg
C ha-1 - e um megagrama de nitrogênio por hectare - Mg N ha-1.
Para efeito de comparação, vale mencionar que a produtividade de florestas amazônicas de terra
firme varia de aproximadamente 10 a 16 Mg C ha-1 (Aragão et al., 2009), ao passo que a produtividade
primária líquida em florestas montanas da porção andina do bioma varia de 6,0 a 6,5 Mg C ha-1 (Gi-
rardin et al., 2010). Portanto, a potencial perda de carbono e nitrogênio em decorrência do aumento da
temperatura pode ser considerável (Jobbagy e Jackson, 2000; Amundson et al., 2003), ainda que esses
cálculos não tenham levado em consideração eventuais aumentos na produtividade primária devido à
196 VOLUME 1
elevação do calor e concentração de CO2 na atmosfera.
Embora a tendência observada em Ubatuba seja inequívoca, essas conclusões ainda são prelimi-
nares, pois, como se sabe, o processo de decomposição e respiração do solo não depende unicamente
da temperatura (Davidson e Janssen, 2006).
Os ciclos biogeoquímicos são também fortemente afetados pela água, não apenas pela quanti-
dade total, mas pela sazonalidade das chuvas em florestas tropicais (Saiter et al., 2009). Tem sido verifi-
cado para a Mata Atlântica, que os processos de estoque, produtividade da biomassa e de dinâmica do
carbono e nitrogênio são fortemente influenciados pela pluviosidade (Villela et al., 2012). Tal fator climá-
tico altera de forma expressiva o processo de decomposição, já que uma rápida taxa de decomposição é
frequentemente o resultado de maiores quantidades de água, estimulando a quebra da matéria orgânica
e liberação de nutrientes, o que após um periodo de estiagem pode acarretar em pulsos de nutrientes
(Saiter et al., 2009). Tendo-se como base a previsão de intensificação das chuvas durante o verão no
sudeste brasileiro, pode-se esperar que houvesse um incremento nas taxas de decomposição da matéria
orgânica, com consequente perda de nutrientes neste período (Villela et al., 2012). O aprimoramento da
mensuração e estimativas de tais processos é necessário em diferentes tipos fisionômicos da Mata Atlân-
tica, para que seja possível prever com maior precisão os efeitos das alterações climáticas nos processos
biogeoquímicos da Mata Atlântica.
5.5.3 CERRADO
Para o Cerrado, as projeções mais severas indicam que a maioria do bioma sofrerá um aumento
de temperatura em torno de 4 ºC até o final deste século (Marengo et al., 2009), exceto na região de
transição com a Amazônia, onde o aumento da temperatura pode chegar a até 6ºC. As projeções menos
severas de temperatura apontam para um aumento de 2 ºC na parte leste do Cerrado. Quanto à precipi-
tação, as projeções mais severas indicam um decréscimo de 20 a 50% em relação aos valores atuais na
parte central e sul do Cerrado, e uma redução de aproximadamente 70% na porção norte. As projeções
menos severas indicam uma redução de 30% nas partes central e sul e uma redução de 40% na porção
norte.
Mudanças na distribuição das chuvas ao longo do ano também são esperadas no Cerrado brasi-
leiro (Marengo et al., 2010). Na região norte-nordeste do Cerrado, é esperado um aumento de 20 a 30
dias na duração da estação seca (entre os meses de maio e setembro). Da mesma maneira, espera-se um
decréscimo no número de eventos de chuva por ano no estado do Tocantins, nas regiões norte do Estado
de Goiás, nordeste do Estado do Mato Grosso e no centro do Estado de Minas Gerais. Por outro lado, um
aumento no volume de chuva na forma de tempestade é esperado para a região centro-sul do Cerrado.
Dentre as plantas lenhosas, possíveis alterações climáticas podem afetar as estratégias fenológicas
das plantas. Por exemplo, espécies sempreverdes sofrendo falta de água durante a estação seca podem
perder suas folhas, considerando-se que muitas dessas espécies têm raízes pouco profundas (Goldstein
et al., 2008). Espécies brevidecíduas e decíduas podem também ter sua fenologia e, consequentemente,
seu balanço interno de carbono alterados, resultando no decréscimo da produtividade dessas espécies.
Outro aspecto importante das espécies decíduas, brevidecíduas e sempreverdes é a concentração de pro-
dução de folhas na estação seca (Lenza, 2005). Lenza (2005) sugere que um decréscimo na temperatura
no começo da estação seca pode representar um sinal para senescência e abscisão de folhas em plantas
decíduas e brevidecíduas, mesmo que o conteúdo de água no solo ainda seja alto. Adicionalmente, Lenza
(2005) cogitou a possibilidade que a produção de folhas em todos os grupos fenológicos poderia ser
estimulada pelo aumento da demanda evaporativa da atmosfera e pelo decréscimo do conteúdo de água
no solo. Caso esses fatores ambientais sejam os principais gatilhos para processos fenológicos, pode-se
supor que mudanças climáticas terão um impacto significativo sobre a fenologia das espécies vegetais do
Cerrado.
A produtividade primária do Cerrado pode potencialmente ser reduzida frente às mudanças cli-
máticas projetadas para este bioma. Ainda que possa ocorrer um aumento na eficiência fotossintética
devido ao aumento nas concentrações de CO2 na atmosfera, mudanças na disponibilidade de água e
aumentos da temperatura do ar poderão influenciar de uma forma negativa a produtividade primária
(Bonan, 2008). O aumento da temperatura provavelmente resultará em uma redução do processo fo-
tossintético relacionado com a afinidade da enzima rubisco por CO2 aliado a um aumento na demanda
evaporativa (Berry e Björkman, 1980). O aumento da demanda evaporativa resultará em menos água
para a vegetação e aumento das perdas de água por evapotranspiração. Portanto, haverá uma tendência
de menor abertura dos estômatos durante a fotossíntese, resultando em um decréscimo na taxa fotossin-
tética. Adicionalmente, na estação seca o Cerrado passa a ser uma fonte de carbono para a atmosfera.
Portanto, um aumento na duração deste período implicaria também em uma redução na produtividade
primária do Cerrado.
5.5.4 CAATINGA
De acordo com as projeções feitas por Marengo et al. (2009, 2010), espera-se para o bioma
Caatinga uma redução no valor total e o aumento da variabilidade nos padrões de precipitação, bem
como um aumento no número de dias secos e da temperatura do ar. As possíveis consequências dessas
mudanças no clima seriam secas mais intensas e frequentes, inundações e a perda de potência na gera-
ção de energia hidroelétrica (MMA, 2004). A produção de alimento também seria seriamente afetada e
o aumento na variabilidade das precipitações afetaria também a pecuária.
Em termos ecológicos, as projeções climáticas para o futuro sugerem uma redução dos já bai-
xos volumes de chuva e do aumento de temperatura, levando a um aumento na evapotranspiração.
Como esses são os parâmetros que mais interferem no funcionamento do bioma Caatinga, espera-se
198 VOLUME 1
mudanças significativas em seu funcionamento. Portanto, estratégias no sentido de aumentar a resiliên-
cia deste bioma são de fundamental importância. Por exemplo, diversos estudos demonstraram que a
regeneração da vegetação nativa aumentaria a eficiência no uso da água, a produtividade primária e os
estoques de carbono e nutrientes no solo. Adicionalmente, sistemas de uso do solo baseados em espécies
perenes podem aumentar a resiliência dos ecossistemas, sendo mais adequado para enfrentar futuras
mudanças climáticas.
A vegetação natural da Caatinga é relativamente bem adaptada à falta de água e altas tempera-
turas. No entanto, não se conhece os limites deste bioma, sendo possível levantar a seguinte questão: até
que ponto aumentos na temperatura e déficit hídrico acentuado afetarão os processos biogeoquímicos
que regulam o funcionamento da Caatinga.
Portanto, estudos de longo prazo sobre o funcionamento da Caatinga sob condições extremas
serão extremamente valiosos para a futura adaptação deste bioma às mudanças globais que se impõe no
futuro.
5.5.5 PANTANAL
Do ponto de vista biogeoquímico, alterações no Pantanal devem ser similares ao que pode ocorrer
no Cerrado devido à latitude e algumas semelhanças fitofisionômicas. Contudo, o Pantanal experimenta
naturalmente mudanças drásticas que podem estar ligadas ao tempo e posição média no verão austral
da banda de chuva da Zona de Convergência do Atlântico Sul (ZCAS). Dependendo das temperaturas
da superfície do mar (TSM) equatorial no Atlântico e no Pacífico, as ZCAS podem estar mais perto (TSM
maior) ou mais longe (TSM menor) do Pantanal e isso deve refletir diretamente na intensidade e duração
do pulso de inundação anual, interanual, decadal, etc(Bergier e Resende, 2010). O pulso de inundação,
principal modulador da estrutura e função do bioma, sofre, portanto, naturalmente mudanças drásticas,
como pode ser visto na figura abaixo (Figura 5.5).
Neste ano específico, o fato de o Pantanal estar relativamente mais cheio, limitando-se a um
modo do dipolo (em vermelho na Figura 5.2), pode ter diversas causas. Há a projeção de um aumento
da precipitação na região do Pantanal com as mudanças climáticas (Marengo et al., 2009), devido ao
aumento de temperatura dos oceanos e mudanças na circulação atmosférica sobre a América do Sul.Por
outro lado, a mudança no uso da terra no planalto, especialmente a partir da década de 60, de mata
de Cerrado para pastagens (em maior quantidade) e agricultura, pode refletir em um aumento do esco-
amento superficial de água (runoff) do planalto para a planície (Watanabe, 2012), mantendo, portanto,
as planícies relativamente mais cheias mesmo para precipitação anual inferior a 1000 mm (Bergier e
Resende, 2010).
5.5.6 PAMPA
Não há ainda informações suficientes sobre os efeitos dos cenários de mudanças climáticas sobre o fun-
cionamento dos campos sulinos. No entanto, inequivocamente, os campos sulinos guardam apreciáveis
estoques de carbono em seus solos. As baixas temperaturas contribuem para o acúmulo de matéria or-
gânica no solo; portanto, um aumento nas temperaturas como previsto, levaria a um aumento nas taxas
de decomposição, aumentando as emissões de CO2 para atmosfera. Similarmente para a Mata Atlântica,
não é possível ainda prever se esse aumento nas emissões seria compensado por um aumento na produ-
tividade primária líquida do sistema.
De forma geral há uma grande incerteza em relação aos efeitos de alterações climáticas nos re-
cursos hídricos do Brasil (Roland et al., 2012). As bacias hidrográficas mais importantes do país, segundo
seus atributos hidrológicos e ecológicos são a do Amazonas, Tocantins-Araguaia, Paraná, Paraguai e São
Francisco. Essas bacias cortam regiões que devem sofrer diferentes impactos relacionados às alterações
de temperatura e precipitação (volume e frequência de chuvas), com efeitos distintos na disponibilidade
de água ao uso humano assim como à manutenção de processos ecológicos. Por exemplo, alterações na
vazão e na temperatura da água podem afetar negativamente a biota aquática.
Os efeitos das alterações climáticas globais em sistemas aquáticos brasileiros serão variáveis
em função dos diversos tipos de sistemas aquáticos. Por exemplo, alterações no padrão hidrológico, em
sistemas lóticos, podem alterar a qualidade do habitat da biota aquática, em sistemas lênticos processos
como eutrofização podem ser mais intensos, assim como, a estratificação na coluna d’água pode ser
mais pronunciada e prolongada, alterando a disponibilidade e qualidade do habitat e consequentemente
afetando as cadeias alimentares. Adicionalmente, esses processos podem favorecer blooms de cianobac-
200 VOLUME 1
-térias em águas eutróficas, acarretando em sério risco à saúde humana (PaerleHuismann, 2008, 2009).
É importante ressaltar que as alterações ambientais antrópicas atuais, que incluem uso do solo, fragmen-
tação da paisagem, represamento e desvio de corpos d’água, urbanização, esgoto e poluentes acarretam
pressões muito maiores aos ambientes aquáticos, a curto prazo, que alterações climáticas.
As projeções climáticas propostas por Marengo et al. (2010) para este século (até 2100), em
cenários de emissões de gases de efeito-estufa A2 (maiores emissões) e B2 (menores emissões), (IPCC,
2007), apontam para um aumento generalizado na temperatura do ar em todo país, assim como um
maior número de noites quentes em oposição à diminuição de noites frias, o que pode afetar a tempera-
tura média dos corpos d’água. Regionalmente, o aumento de eventos extremos associados à frequência
e volume de precipitação também é previsto. Os cenários apontam para diminuição na pluviosidade nos
meses de inverno em todo país, assim como no verão no leste da Amazônia e Nordeste. Da mesma forma
a frequência de chuvas na região Nordeste e no Leste da Amazônia (Pará, parte do Amazonas, Tocantins,
Maranhão) deve diminuir, com aumento na frequência de dias secos consecutivos. Este cenário deverá
impor um stress sério aos já escassos recursos hídricos da região Nordeste. Em contraste, o país deve
observar um aumento na frequência e intensidade das chuvas intensas na região subtropical (Região Sul
e parte do Sudeste) e no extremo oeste de Amazônia.
A intensidade dos eventos de precipitação, conjuntamente com padrões no uso do solo, define
o padrão do escoamento e o transporte de material orgânico e inorgânico da bacia de drenagem aos
corpos d’água (Johnson et al., 2008), e por conseqüência a dinâmica deposicional destes elementos/nu-
trientes nas áreas de várzea. Este aspecto é crítico na dinâmica dos corpos d’água da região Amazônica e
da Bacia do Paraná, onde os lagos de planície de inundação compõem uma das formas mais abundan-
tes de sistemas lênticos no Brasil. Esses lagos são profundamente afetados pelo pulso de inundação do
rio, desta forma alterações na frequência e intensidade da precipitação pode alterar drasticamente esses
ecossistemas. Da mesma forma as alterações na turbidez da água por aporte maior ou menor de sedi-
mento aos lagos rasos (Mooij et al., 2009), podem influenciar deleteriamente a biota aquática (Meerhoff
et al., 2007).
De acordo com Abe et al., (2009), o processo de eutrofização pode aumentar em regiões sujei-
tas a um aumento de temperatura e no aporte de nutrientes e matéria orgânica para os corpos d’água.
Farjalla et al. (2006) sugerem que o aumento no aporte de material alóctone nos ambientes aquáticos,
especialmente lênticos, pode estimular a produção primária bruta do sistema, no entanto a respiração
do sistema também seria favorecida pela disponibilidade de matéria orgânica autóctone de melhor qua-
lidade no ambiente. Entretanto, esses autores argumentam que a eficiência do sistema pode aumentar
(referenciando Doddse Cole, 2007), ou seja, apesar de haver uma maior disponibilização de matéria
orgânica alóctone, favorecendo a respiração, o resultado seria uma maior produtividade primária liquida
(PPL). Uma melhor compreensão da regulação da PPL é crucial na determinação dos fluxos de matéria
orgânica ao sedimento e da ação do sistema como acumulador de carbono (Thomaz et al., 2007).
5.6 CONCLUSÕES
As alterações ambientais e climáticas correntes constituem um enorme desafio a curto, médio e
longo prazo à humanidade. A resiliência do ambiente a impactos frequentes e intensificados, constitui
uma questão crucial. Neste contexto, estudos sobre ciclagem biogeoquímica integram vários fatores, e
assim permitem identificar vetores críticos de perturbação do meio. Nossas observações indicam que
alguns sistemas naturais estão preocupantemente impactados no Brasil, como, por exemplo, sistemas
aquáticos continentais (com problemas sérios de poluição orgânica e inorgânica, excesso de nutrientes
e perda dramática de biodiversidade), sistemas estuarinos (com problemas semelhantes aos anteriores,
além de riscos associados à elevação do mares, turismo descontrolado, entre outros), sistemas flores-
tais, com perda de biomassa, biodiversidade e alterações na ciclagem de nutrientes. Em alguns casos,
os impactos são locais, afetando pouco a dinâmica regional destes sistemas, mas diversos casos já se
mostram críticos regionalmente, como o balanço de nitrogênio e carbono, ciclo hidrológico e deposição
atmosférica de aerossóis e particulados. Alterações regionais podem interferir em ecossistemas distantes
da causa do problema, como o desmatamento interferindo no fluxos hidrológicos, ou o fogo interferindo
no metabolismo vegetal pela produção de ozônio em baixa altitude ou de aerossóis que interferem no
balanço energético local.
Ressalta-se com este trabalho a necessidade clara e premente da geração de dados, espacial-
mente explícitos, referentes às alterações do uso e cobertura do solo, da ciclagem de carbono e de nu-
trientes em diversas regiões do Brasil, em especial nos biomas Pampa, o Pantanal e a Caatinga. Esforços
de síntese e compilação, como o protagonizado pelo Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas, são
essenciais para, não só a sistematização da informação, mas também para a identificação de lacunas
críticas da geração de conhecimento ambiental no Brasil. Da mesma forma, a apresentação das informa-
ções de maneira regular, com uma sistemática abrangente, identificando linguagem correta, stakeholders
chaves, e os diversos universos acadêmicos, é um passo importante que o país toma no sentido a difundir
sua base de conhecimento, de produção de novas informações e incentivo às novas gerações ao avanço
científico e tecnológico.
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208 VOLUME 1
CAPÍTULO 6
Autores principais: Alexandre Araújo Costa – UECE; Theotonio Mendes Pauliquevis Júnior – UNIFESP
Autores colaboradores: Enio Pereira de Souza – UFCG; Jorge Alberto Martins – UTFPR; Marcia Yamasoe – USP;
Maria de Fátima Andrade – USP
Autores revisores: Henrique de Melo Jorge Barbosa – USP
6.2 AEROSSÓIS DE FONTES NATURAIS NA AMÉRICA DO SUL E EM REGIÕES QUE POSSAM AFETÁ-LA 213
6.3 FONTES ANTRÓPICAS: AEROSSÓIS DE QUEIMADAS E POLUIÇÃO URBANA 215
CONCLUSÕES 229
210 VOLUME 1
SUMÁRIO EXECUTIVO
A existência permanente de nuvens cobrindo parcela significativa do planeta é uma característica
essencial da circulação geral atmosférica. O balanço de energia da troposfera terrestre mantém-se, em
grande parte, influenciado pela retenção de radiação de onda longa, reflexão para o espaço da radiação
de onda curta e liberação de calor latente associada às mudanças de fase da água. Em todos esses pro-
cessos as nuvens estão envolvidas. Particularmente nas regiões tropicais, a circulação de grande escala é
marcada por um movimento ascendente que leva ao resfriamento por expansão adiabático, concomitante
com uma convergência de vapor d’água. O resfriamento e umedecimento de grande escala precisam
ser compensados por processos de aquecimento e remoção do vapor d’água excedente. A condensação
com liberação de calor latente em nuvens convectivas profundas, o que produz aquecimento, seguida
por processos que levam à precipitação, removendo água da atmosfera, permitem que tal balanço seja
fechado.
Os aerossóis, por sua vez, também exercem papel fundamental no balanço radiativo por sua
complexa interação com a radiação solar, podendo espalhar ou absorver radiação de onda curta, alte-
rando a radiação incidente na superfície, e em circunstâncias específicas, também o perfil termodinâmico
da atmosfera.
Além destes papéis que exercem individualmente, aerossóis e nuvens interagem de maneira mútua.
Concentrações elevadas de partículas de aerossóis alteram propriedades microfísicas de nuvens, com
consequências importantes para a produção de precipitação e seu albedo. Por outro lado, nuvens também
alteram as propriedades de aerossóis, já que propiciam ambiente adequado para sua modificação,
incluindo a ocorrência de reações químicas que se dão preferencialmente em ambiente aquoso como na
produção de sulfato.
Neste capítulo é apresentada uma revisão de algumas das principais contribuições científicas para
a caracterização dos efeitos dos aerossóis atmosféricos sobre o Brasil, incluindo o papel exercido por
suas fontes naturais e antrópicas, como queima de biomassa, poluição urbana, dentre outras e para o
entendimento dos processos de microfísica de nuvens. O texto visa, ainda, identificar algumas lacunas do
conhecimento importantes que requerem avanços do ponto de vista teórico, observacional e de modelagem
com vistas ao seu preenchimento. Tais contribuições e lacunas encontram-se ligadas particularmente:
6.1 INTRODUÇÃO
O termo aerossol refere-se a um sistema em que partículas, sólidas e/ou líquidas, estejam em
suspensão em um gás. Dentro desta definição, a própria atmosfera pode ser considerada um aerossol.
As partículas de aerossóis presentes na atmosfera provêm tanto de fontes naturais como antrópi-
cas. Como fontes naturais, podem-se citar os aerossóis marinhos, a poeira de solo, emissões vulcânicas
e biogênicas, entre outras. Como fontes antrópicas, destacam-se na América do Sul as emissões de
queimadas devido às mudanças de uso da terra (principalmente na fronteira agrícola na Amazônia) e as
emissões em áreas urbanas, com foco nas emissões veiculares. Importante ressaltar que além de serem
emitidas diretamente por suas fontes (os aerossóis primários), partículas também podem ser produzidas na
atmosfera livre pelo processo de “Conversão Gás-Partícula” (GPC, do inglês gas-to-particle conversion),
ou seja, gases que uma vez emitidos passam por processos químicos e físicos que tem como conseqüên-
cia final a sua transformação em partículas. Tais aerossóis são denominados “secundários”. O processo
GPC é importante tanto em condições poluídas como limpas, sendo, por exemplo, o mais importante me-
canismo de formação de CCN naturais na região amazônica (Poschl et al., 2010; Martin et al., 2010b).
As partículas de aerossóis também podem ser classificadas por sua faixa de tamanho. Aquelas
com diâmetro menor que 2,5 mm são da chamada “moda fina” ou fração fina, enquanto aquelas entre
2,5 mm e 10 mm constituem a “moda grossa”. Esta divisão tem duas razões. Primeiramente, em termos
de potencial de causar doenças no trato respiratório, pois as partículas da moda grossa são barradas no
trato respiratório superior. Já as da moda fina são capazes de penetrar até o nível de alvéolos pulmonares
sendo, portanto, potencialmente mais danosas à saúde. Tipicamente, os aerossóis gerados por processos
de combustão são predominantemente da moda fina.
Diferentemente dos gases de efeito estufa, que tem um tempo de permanência na atmosfera da
ordem de anos, os aerossóis tem um ciclo de vida na atmosfera da ordem de alguns dias, no máximo
semanas. Os mecanismos de remoção dos aerossóis são relacionados à sua faixa de tamanho. No caso
da moda grossa, a deposição gravitacional é muito importante. Já as partículas da moda fina, por terem
velocidades terminais de deposição gravitacional muito baixas, estão sujeitas ao transporte pelos ventos,
podendo ser levadas a milhares de quilômetros de onde foram produzidas. Exemplo disso são as plumas
de queimada que se espalham por milhões de km2 pelo continente sulamericano, nos meses da estação
seca (Freitas et al., 2005a, 2005b, 2009).
A remoção das partículas finas ocorre predominantemente pela deposição úmida, ou seja, por
sua interação com nuvens e precipitação. As partículas de aerossóis nucleiam gotículas, sendo incor-
poradas a estas já no processo inicial de formação da nuvem. Além disso, quando ocorre a chuva, as
partículas abaixo da nuvem são removidas por impacto com as gotas de chuva, limpando a atmosfera.
O 4º relatório do IPCC (Solomon et al., 2007) apresentou estimativas de magnitude para a forçante
radiativa de aerossóis (dividida nos efeitos direto e indireto1 ). Além de ser uma forçante que resulta em
resfriamento da atmosfera, sua barra de incerteza (principalmente para o chamado efeito indireto dos
aerossóis) é a maior de todas. De fato, o efeito radiativo dos aerossóis nas nuvens pode ser desde muito
pequeno, até atingir valores que confrontam o efeito da forçante do CO2, por exemplo. Além disso,
apesar do entendimento de que elevadas concentrações de aerossóis podem inibir a formação de chuva
quente, ainda é bastante incerto o seu efeito sobre o campo total de precipitação (Rosenfeld et al., 2008),
uma vez que a maior parte da chuva observada em superfície está associada a nuvens de fase mista. No
caso do efeito dos aerossóis na precipitação devido às queimadas, Vendrasco et al. (2009) discutem um
possível mecanismo dinâmico que explica os resultados contraditórios na literatura (aumento ou diminui
212 VOLUME 1
ção da precipitação) devido às queimadas. Estas são algumas das motivações para o grande interesse da
comunidade científica no aumento do conhecimento do efeito dos aerossóis no clima.
Neste capítulo, em cada seção, é dada ênfase a um dos aspectos descritos nesta introdução. Na
seção 6.2 é descrito o conhecimento atual sobre os aerossóis naturais. Na seção 6.3, são descritas as
propriedades dos aerossóis de origem antrópica. Nas seções 6.4 são descritas as propriedades de aeros-
sóis que são relevantes por seu papel como CCN e também como núcleos de gelo (IN, do inglês Ice Nu-
clei) e, nas seções 6.5 e 6.6, os seus efeitos nas propriedades micro e macroscópicas de nuvens quentes
(sem formação de gelo) e frias e de fase mista (com presença de gelo). As seções 6.7 e 6.8 descrevem as
consequências dessas alterações na circulação geral da atmosfera, bem como os desafios em se modelar
e compreender tais fenômenos.
A composição do aerossol natural na região amazônica pode ser observada durante a esta-
ção chuvosa, quando atividades relacionadas às queimadas são desprezíveis. A conclusão geral dos
trabalhos focados na região é de que o aerossol natural amazônico é uma soma das contribuições
1
O efeito direto dos aerossóis corresponde ao espalhamento ou absorção de radiação de onda curta ou
longa. O efeito indireto é o mecanismo pelo qual os aerossóis modificam as propriedades microfísicas
das nuvens, com impactos sobre suas propriedades radiativas (especialmente o albedo, o que caracteriza
o chamado 1o efeito indireto, efeito Twomey ou efeito no albedo), a cobertura total de nuvens e o seu ciclo
de vida (2o efeito indireto, efeito Albrecht ou efeito no ciclo de vida)
Medidas realizadas por três anos na Amazônia Central (Pauliquevis et al., 2012) mostram que a
massa total de aerossóis durante a estação chuvosa é dominada (74%) pela moda grossa, predominan-
temente por emissões biogênicas primárias. Tais emissões são devidas à própria vegetação, que contribui
com fungos, esporos, pólen, fragmentos de folhas, etc. Da moda fina (26% da massa total), 45% corres-
ponde à emissão biogênica, 17% poeira de solo e 38% composto de outra fonte de aerossóis biogênicos
ainda mal estabelecida, mas que exerce papel importante na absorção de radiação (Pauliquevis et al.,
2012). Esse comportamento óptico não ocorre com emissões biogênicas da fração grossa.
Nessa mesma região, de maneira geral as concentrações de partículas são muito baixas, da
ordem de 200 cm-3 (e.g.: Martin et al., 2010a, 2010b; Gunthe et al., 2009; Artaxo et al., 2002; Rizzo
et al., 2010; Ahlm et al., 2010a, 2010b). A fração destas partículas que atua como CCN foi explorada
por Roberts et al. (2001, 2002) e mais recentemente por Gunthe et al. (2009). Neste trabalho, os autores
mostram que o parâmetro de higrospicidade2 k típico do aerossol natural amazônico está no intervalo
0,16 +- 0,06, o que é muito abaixo da média mundial para regiões continentais (~0,4). Também mostra
que o aerossol orgânico corresponde a 90% das partículas na moda de nucleação (d~50 nm) e 80% na
moda de acumulação (d ~ 200 nm). Variações na higroscopicidade estão associadas ao aumento da
fração de sulfato na atmosfera, elevando o seu valor (Chen et al., 2009; Gunthe et al., 2009).
Assim como as concentrações de partículas, as de CCN também foram muito baixas, variando
entre 35 cm-3 até 160 cm-3 no intervalo de supersaturação 0,10% - 0,82%. Este resultado é importante,
em particular, para fins de modelagem global do efeito indireto de aerossóis, uma vez que o emprego do
valor médio de k levaria a uma superestimativa da capacidade de nucleação de gotas do aerossol natural.
Martin et al. (2010a) e Chen et al. (2009) mostram que na porção submicrométrica os aerossóis
orgânicos secundários (AOS) biogênicos compreendem a maior parte do número de partículas, ao invés
de emissões primárias. Tais resultados também são corroborados por Ahlm et al. (2009) e Rizzo et al.
(2010). Chen et al. (2009) também mostrou que a contribuição de AOS pode estar relacionada tanto
com partículas originadas na bacia amazônica, como também devido ao transporte de larga escala. Por
outro lado, partículas com diâmetro maior que 1 mm estão predominantemente associadas com emissões
diretas da vegetação (Poschl et al., 2010; Martin et al., 2010a, 2010b). Esta conclusão é importante,
pois como a fração submicrométrica domina a concentração de partículas, os mecanismos relaciona-
dos aos AOS são também os mais relevantes para a modulação da concentração de CCN na região.
214 VOLUME 1
Além deste papel, Prenni et al. (2009) mostrou que episódios de transporte de poeira do Saara
para a Amazônia estão relacionados também com aumento da concentração de IN, ou seja, a fração das
partículas de aerossol que são responsáveis por nuclear gelo dentro das nuvens. Mais medidas são ne-
cessárias neste sentido, dada a completa escassez de observações de IN tanto em escala nacional como
mundial. Os potenciais efeitos desse tipo de transporte para as nuvens da região também é uma questão
em aberto.
Para ampliar o conhecimento do papel das emissões naturais sobre o campo de aerossóis no
território brasileiro, é necessário realizar estudos sobre outros biomas, além do amazônico. Isto inclui
regiões oceânicas próximas (que influenciam o campo de aerossóis via transporte para a costa brasileira),
o interior do Nordeste (possivelmente influenciado por emissões biogênicas da caatinga e poeira de solo
regional), o Pantanal Mato-Grossense e os refúgios de Mata Atlântica ainda existentes, para as quais há
uma grande lacuna de medidas. Emissões vulcânicas de países vizinhos eventualmente alcançam o terri-
tório nacional, podendo influenciar a composição do aerossol observado e merecem mais estudos para
determinar sua real influência.
No Brasil, as principais fontes antrópicas de gases de efeito estufa estão relacionadas às mudan-
ças de uso da terra. Durante a estação seca, as queimadas constituem a principal fonte de partículas de
aerossol para a atmosfera de vastas áreas do Brasil, particularmente sobre o arco do desflorestamento
na região amazônica e áreas de cultivo de cana-de-açúcar. De acordo com o Inventário Brasileiro de
Emissões de Gases de Efeito Estufa (MCT, 2013) em 1994, cerca de 75% das emissões de CO2 estavam
relacionadas a este setor. Sabe-se que a parte predominante destas emissões ocorria no Arco do Des-
florestamento na Amazônia, onde a conversão de florestas em áreas agrícolas ou de pastoreio acontece
a taxas elevadas. Não há menção às emissões de partículas de aerossóis no Inventário. Entretanto, sa-
be-se que no caso de queimadas esta grande emissão de CO2 está fortemente vinculada a emissões de
partículas (Yamasoe et al., 2000), com fatores de emissão bem determinados. Soma-se a isso a grande
quantidade de biomassa envolvida nas queimadas quando se trata da região amazônica (da ordem de
200-400 ton ha-1) e a extensão das plumas de queimada, que alcança a escala continental, conforme
evidências a bordo de sensores orbitais (Freitas et al., 2005ª, 2005b, 2009).
Yokelson et al. (2008) estima que para a região amazônica o fator de emissão médio para partí-
culas com tamanho menor que 2,5µm é de 8 Tg ano-1 e para partículas com tamanho menor que 10µm
é da ordem de 10 Tg ano-1. Ainda que em anos recentes tenha sido observada uma redução nas taxas
de desmatamento (INPE, 2008; Koren et al., 2007), é certo que as queimadas na Amazônia são ainda a
principal fonte antrópica de partículas de aerossol em escala continental na América do Sul e no Brasil.
Em menor escala, mas com importante impacto no clima regional, também ocorrem queimadas nas cul-
turas de cana de açúcar (Lara et al., 2005; Vendrasco et al., 2005).
A importância das queimadas feitas na região amazônica pode ser observada através da Figu-
ra 6.1, referente ao ano de 2010. À esquerda, é mostrado o número total de focos de queimada no
ano de 2010 e, à direita, a profundidade óptica de aerossóis (AOD, λ = 550 nm), obtida pelo sensor
MODIS. Pode-se observar que, ainda que a maior concentração de focos ocorra no estado do Tocan-
tins, leste do Mato Grosso, sudeste do Pará, com quantias importantes de focos no Paraguai, Bolívia,
e São Paulo (porções leste e norte), os maiores índices de AOD ocorreram sobre Rondônia e Mato
Grosso, além da Bolívia. Essa discrepância é explicada pelo diferente conteúdo de biomassa queimada.
2
A higroscopicidade é uma medida da afinidade do aerossol com a água. Quanto maior a higroscopici-
dade, maior a habilidade da partícula em nuclear uma gota de nuvem.
Como pode ser deduzido pela mesma Figura 6.1 (acima a direita), as plumas de fumaça podem
se estender por centenas a milhares de quilômetros de distância dos focos emissores, podendo atingir
regiões ainda com vegetação intacta ao norte, a Cordilheira dos Andes, a oeste, as porções sul e sudeste
da América do Sul, passando, por exemplo, sobre Buenos Aires, na Argentina, e o oceano Atlântico, com
vários episódios de detecção sobre a cidade de São Paulo (Freitas et al., 2005a, 2009; Landulfo et al.,
2005). Esta extensão de cobertura da pluma de queimadas está associada com o padrão de ventos. Com
a alta pressão que se estabelece na região do Brasil Central na estação seca, o caminho preferencial das
plumas é no sentido anti-horário, seguindo o jato de baixos à leste da cordilheira dos Andes. Isto é o que
se pode ver na figura na parte inferior da figura 6.1 (Freitas et. al., 2012).
216 VOLUME 1
Por outro lado, há uma importante contribuição de emissões situadas em regiões urbanas, fruto
principalmente de emissões veiculares. Ainda que não sejam majoritárias no conteúdo total de emissões,
as partículas de aerossol das emissões urbanas exercem papel importante no clima urbano e na saúde
pública das metrópoles brasileiras (e.g: Andrade et al., 2012).
A Tabela 6.1 mostra valores médios de concentração de material particulado inalável (PM10) e
fino (PM2.5) em regiões influenciadas por queimadas e por emissões urbanas. Pode-se observar que a
maior concentração de material particulado (tanto PM2.5 quanto PM10) ocorre nas regiões impactadas
por queimadas, em Rondônia e Alta Floresta durante o período seco, quando a concentração média foi
maior que o dobro do observado em São Paulo, a cidade com a maior frota veicular do País. Por outro
lado, a porcentagem de Black Carbon, que corresponde a fração dos aerossóis associada a processos de
combustão3 foi maior nas regiões urbanas.
Tabela 6.1. Concentração média, em μg/m3, de material particulado inalável, fino e BC medidos em seis
capitais brasileiras de 2007 a 2008, e em áreas sujeitas a queimadas com a contribuição relativa de BC no
PM2.5.
a1
CETESB (2011); ref. ano 2009
a2
Instituto de Energia e Meio Ambiente (2014) 1o Diagnóstico da rede de monitoramento de qualidade de
ar no Brasil (ref. ano 2009)
b
Andrade et al. (2012)
c
Artaxo et al. (2002)
d
Maenhaut et al. (2002)
*
Moda grossa
Estudos aplicando análise multivariada a estas bases de dados conseguiram avaliar a contri-
buição de diversas fontes de material particulado para o seu conteúdo total na atmosfera. A Figura 6.2
mostra resultados dessa análise para regiões urbanas e impactadas por queimadas para o particulado
fino. As emissões veiculares somadas às partículas de origem crustal (devidas à ressuspensão de poeira)
3
O Black Carbon, que em português tem diversos nomes (p.ex. “negro de fumo”, ou “carbono negro”) é a
fração do material particulado que tem a propriedade de ser forte absorvedor de radiação. Corresponde
a chamada fuligem, e tipicamente é associada a processos de combustão como motores a combustão e
queima de biomassa.
Pode-se observar também na Tabela 6.1 que a concentração de Black Carbon não é muito dife-
rente quando se compara regiões urbanas com áreas na Amazônia sujeitas às emissões de queimadas,
ainda que o total de PM10 e PM2.5 seja muito diferente. Essa similaridade está relacionada ao tipo de
processo de combustão. Nas cidades, a maior parte do Black Carbon está associada com veículos mo-
vidos a diesel, enquanto no caso de queimadas a origem é a queima de biomassa. Estes dois processos
de combustão ocorrem em temperaturas muito diferentes, sendo muito maiores, no caso dos motores a
diesel. Assim, enquanto nas emissões de queimadas há uma porcentagem alta (~80%) do material par-
ticulado que é de carbono orgânico (Artaxo et al., 2002), em áreas urbanas essa fração é muito menor.
Majoritariamente, tanto nas regiões urbanas como sob influência de queimadas, ocorre um acrés-
cimo significativo na massa de particulado na moda fina. A consequência disso é um impacto grande no
aumento da incidência de doenças respiratórias. Aliado a isto, o particulado fino tem tempo de residência
mais elevado, o que torna eficiente seu transporte a distâncias muito grandes da sua fonte. Em particular,
no caso de queimadas, as plumas oriundas da queima de biomassa na Amazônia atingem porções sig-
nificativas da América do Sul, tendo um grande efeito na forçante radiativa direta e indireta (vide capítulo
7). Além disso, como parte significativa do material particulado ocorre na forma de Black Carbon, quando
em suspensão esta pluma tem a capacidade de aquecer os níveis médios da troposfera gerando estabili-
dade atmosférica e inibição da convecção rasa (Koren et al., 2004; Feingold et al., 2005).
218 VOLUME 1
6.3.3 CONCENTRAÇÃO DE PARTÍCULAS
Período Concentração
média (cm-3)
Seco 5260
Transição 3270
Chuvoso 1242
Em áreas urbanas, no Brasil, não há trabalhos que reportem medidas de concentração de par-
tículas. É importante que tal tipo de medida seja realizada para que seja possível criar estimativas da
influência das emissões urbanas na microfísica de nuvens.
O primeiro efeito indireto dos aerossóis se caracteriza pelo aumento na concentração de CCN,
e por consequência gotículas de nuvem, para um conteúdo de água líquida mantido fixo. Neste caso,
gotículas menores e em maior número aumentam a refletividade das nuvens, efeito estudado inicialmen-
te por Twomey (1977), e que ganhou seu nome. O segundo efeito indireto, estudado inicialmente por
Albrecht (1989), se refere ao efeito causado pela maior concentração de gotículas sobre a estrutura de
desenvolvimento da precipitação. Neste caso, gotículas menores tem menor chance de colidir entre si e,
assim, evoluírem para a precipitação. Desta forma, o tempo de vida da nuvem é estendido, assim também
como sua dimensão e conteúdo de água líquida. A conseqüência destes acréscimos é uma maior reflexão
da radiação incidente, pois a nuvem se torna mais brilhante (pelo maior número de gotas) e pelo maior
tempo do seu ciclo de vida. Ambos são efeitos que contribuem para o resfriamento do planeta.
A maioria dos estudos das propriedades dos CCN e das nuvens na América do Sul se concentram
na Região Amazônica (e, em menor extensão, sobre o Nordeste). Constituem-se em trabalhos focando
análise de dados de satélite e, em menor número, campanhas intensivas de medidas de campo. Além
disso, trata-se de conhecimento recente, portanto insuficientemente aprofundado.
Kaufman e Fraser (1997) observaram, com base em dados do sensor AVHRR, sobre a bacia ama-
zônica, significativa anti-correlação entre espessura ótica dos aerossóis (AOT) e cobertura de nuvens, mas
com valores inferiores ao previsto por modelos. Por outro lado, Reid et al. (1999), com base em medidas
por avião, não observaram relação significativa entre AOT e cobertura de nuvens.
Mais recentemente, Koren et al. (2004), ao investigar a relação entre propriedades de nuvens e
AOD na bacia amazônica durante o período de seca (e, portanto, sob intensa atividade de queimadas),
observaram que para valores de AOT acima de 0,4 o aumento na concentração de aerossóis estava
correlacionado com a redução da fração de cobertura de nuvens. Em um estudo numérico subseqüente,
Feingold et al., (2005) concluíram que o efeito dominante para induzir esta redução na fração de nuvens
foi a maior estabilidade atmosférica, que é consequência do aquecimento da camada de aerossóis devi-
do a estes terem papel importante na absorção de radiação de onda curta.
Segundo Roberts et al. (2001, 2002), em regiões remotas da bacia amazônica, de floresta pre-
servada, a concentração de CCN pode ser muito baixa. Nesse caso, qualquer aumento na concentração
de CCN pode ter um impacto muito mais relevante na microfísica de nuvens do que sobre regiões já
influenciadas por emissões antrópicas de partículas de aerossóis.
Kawamoto e Nakajima (2003), com base nos horários que os satélites NOAA-9 e NOAA-11
cruzam o equador, encontraram certo decréscimo no valor do raio efetivo das gotículas à medida que se
avança no ciclo diurno. Observaram ainda que o decréscimo do raio efetivo é mais acentuado sobre os
oceanos que sobre os continentes. Os autores sugerem que este decréscimo no raio efetivo pode estar
associado ao aumento na concentração de aerossóis devido às atividades antrópicas. O fato de o decrés-
cimo observado ser mais pronunciado sobre os oceanos seria uma conseqüência de as nuvens oceânicas
apresentarem maior sensibilidade à poluição do que as continentais, que por sua vez já estariam satura-
das de aerossóis. Ao mesmo tempo, os autores encontraram que a maior variação sazonal dos efeitos dos
aerossóis está associada à região amazônica, apresentando maior raio efetivo durante a estação chuvosa
(em torno de janeiro) e menor na estação seca (em torno de julho) quando comparada ao leste asiático.
220 VOLUME 1
De acordo com Koren et al. (2004), imagens de satélite da floresta amazônica raramente mostram
fumaça e nuvens de cúmulos rasos simultaneamente. Em seu trabalho, o autor usa dados do MODIS-
AQUA para avaliar o impacto da fumaça das queimadas na formação das nuvens durante a estação seca
da região amazônica (agosto-setembro de 2002). Esse impacto é obtido através do cálculo da fração
de cobertura de nuvens em função da espessura ótica dos aerossóis. Na região de estudo predominam
nuvens identificadas pelo autor como cúmulos espalhados (cúmulos da camada limite). Costumam se
formar no período matutino sobre o leste da região amazônica chegando a cobrir extensa área por volta
do meio dia. O diâmetro típico dessas nuvens é de 2 a 3 km com uma refletância média em torno de
0,35 para a faixa visível do espectro solar. Ainda, segundo Koren et al. (2004), a redução da cobertura
de nuvens devido à presença da fumaça significa menos radiação sendo refletida para o espaço e mais
radiação sendo absorvida pela superfície, resultando em aquecimento. Em uma simulação numérica para
uma pequena área da região amazônica, com 40% de cobertura de nuvens, os autores estimaram que
as nuvens refletem 36 W m-2, enquanto que se a atmosfera fosse preenchida por fumaça (e sem nuvens)
a reflexão passaria a ser de 28 W m-2, mostrando que os aerossóis, além de poder resfriar a superfície do
planeta, também contribuem para o seu aquecimento através do efeito semi-direto.
Martins et. al., (2009) observou alguma evidência do possível efeito semi-direto dos aerossóis em
suprimir a convecção, conforme sugerido por Koren et al. (2004). O resultado reforça o fato de que o
aumento na concentração de CCN a partir da queima de biomassa pode estar diretamente associado a
um aumento simultâneo na concentração de partículas de carbono inorgânico que, por sua vez, podem
impedir o desenvolvimento das nuvens. Se as partículas de carbono elementar e os CCN estão espacial-
mente correlacionados, isso significa que, à luz do conhecimento atual sobre os efeitos indireto primário e
semi-direto, existe uma competição entre estes efeitos no contexto da queima de biomassa, um dos quais
contribuindo para o aumento na refletividade das nuvens (CCN) e o outro para a diminuição através da
redução na cobertura de nuvens (carbono elementar).
Andreae et al. (2004) realizaram medidas com aeronaves de parâmetros microfísicos na Amazô-
nia em nuvens formadas sob condição de atmosfera limpa e sob influência de grandes quantidades de
aerossóis originados de queimadas (os denominados pirocumulus). Os autores observaram que, no caso
da nuvem formada sob condição poluída, o diâmetro médio das gotículas crescia muito lentamente com
a altitude, mostrando que a alta concentração de aerossóis inibiu os processos de colisão e coalescência
através da drástica redução no tamanho das gotas.
Martins et. al., (2009), a partir de medidas com aeronave, estudaram as propriedades dos CCN
na Região Amazônica, comparando regiões limpas e regiões sob intensa atividade de queima de biomas-
sa. Observou-se um decréscimo generalizado na concentração de CCN desde o final da estação seca
até o início da estação chuvosa. A comparação entre dias poluídos e dias limpos mostra uma concen-
tração de CCN pelo menos cinco vezes maior para os dias poluídos. Diferenças ainda maiores foram
observadas quando áreas limpas e poluídas foram comparadas para uma mesma data. Valores médios
de concentrações menores que 200 cm-3 para as regiões limpas e maiores que 1200 cm-3 para as regi-
ões poluídas foram registrados. Os valores não incluem medidas realizadas diretamente sobre os focos
de queimada. Observou-se ainda que a concentração de CCN segue um ciclo diurno acompanhando a
queima de biomassa, ou seja, os valores se apresentaram maiores à medida que os voos foram realiza-
dos em horários mais tardios. As diferenças observadas entre os espectros de CCN de condições limpas
e poluídas indicaram que a atividade de queima de biomassa é mais eficiente em produzir, principal-
mente, partículas pequenas e com pequena fração solúvel. Por sua vez, Pöschl et al. (2010) mostraram
que partículas finas, faixa em que predominam os CCN, são predominantemente compostas de material
orgânico secundário formado pela oxidação de precursores biogênicos, enquanto que partículas gros-
sas, importantes nucleadores de gelo, consistem de material biológico emitido diretamente pela floresta.
Os chamados efeitos indiretos dos aerossóis constituem os mecanismos através dos quais estes
modificam a microestrutura das nuvens, com consequências para suas propriedades radiativas e seu ciclo
de vida. Os mais bem conhecidos são o 1º efeito indireto dos aerossóis ou “efeito Twomey” (Twomey,
1977; Ramaswamy et al., 2001; Lohmann e Feichter, 2005), que consiste na modificação do albedo das
nuvens ao se modificar o campo de aerossóis e nas alterações na duração do seu ciclo de vida e em sua
extensão – 2º efeito indireto dos aerossóis ou “efeito Albrecht” (Albretcht, 1989). No 4o relatório do IPCC,
os mesmos são referenciados, respectivamente, como o “efeito no albedo das nuvens” e como o “efeito
no tempo de vida das nuvens” (Forster, 2007).
A América do Sul, com destaque para a Amazônia, na qual a queima de biomassa é um fator
marcante do ciclo sazonal das emissões de aerossóis oferece exemplos dramáticos do potencial de modi-
ficação da microestrutura das nuvens e da precipitação resultante da ação humana. Foi particularmente
investigada, via experimentos de campo e estudos de modelagem, a influência sobre as chamadas “nu-
vens quentes”, isto é, aquelas formadas exclusivamente por hidrometeoros de fase líquida (gotículas de
nuvem e gotas de chuva).
Petersen et al. (2002) observaram que durante a estação chuvosa da Região Amazônica dife-
renças nas propriedades microfísicas das nuvens dependem dos regimes de ventos. Durante a estação
seca a atmosfera evolui para um quadro mais complexo, visto que a atividade de queimada injeta uma
surpreendente quantidade de aerossóis e gases que interagem com o processo de precipitação. De fato,
sobre a Amazônia, como indicado por Costa e Pauliquevis (2009), existe uma enorme diferença entre
as concentrações de gotículas encontradas durante os meses de setembro e outubro sobre os estados
de Rondônia e Mato Grosso e aquelas encontradas sobre o Oeste do estado do Amazonas, no mesmo
período (Andreae et al., 2004), e sobre várias localidades, incluindo Rondônia, no período chuvoso (Stith
et al., 2002; Santos et al., 2002), variando de poucas centenas por centímetro cúbico a mais de 3000
cm-3.
Jones e Christopher (2010), usando a técnica de análise das componentes principais aplicada
aos dados do MODIS (Moderate Resolution Imaging Spectroradiometer), TRMM (Tropical Rainfall Mea-
suring Mission) e produtos de reanálises do NCEP, estudaram as propriedades estatísticas da interação
aerossóis-nuvens-precipitação sobre a América do Sul em busca de indicativos do efeito indireto dos
aerossóis sobre os processos associados a nuvens quentes. Os dados foram coletados durante o período
seco da região amazônica (setembro de 2006), época em que a espessura ótica dos aerossóis (AOT)
produz valores acima de 1.0 para extensas áreas da América do Sul, não se restringindo à região ama-
zônica. Os autores trabalharam com a hipótese de que se os efeitos indiretos (e também o semi-direto)
se manifestarem, em condições poluídas, como conseqüência da redução nos processos de colisão e
coalescência ou aumento na estabilidade, deveria haver uma diminuição na precipitação estratiforme em
comparação com condições mais limpas no mesmo ambiente. Comparando amostras sem chuva, com
chuva e com chuva intensa (>5 mm h-3), concluíram, porém, que as condições atmosféricas de maior
escala são mais importantes para o desenvolvimento da precipitação do que a concentração de aeros-
sóis. Os resultados de Williams et al. (2002) sugerem que a ausência de distinção entre os parâmetros
elétricos dos regimes poluído e limpo na bacia amazônica, coloca em dúvida o papel dos aerossóis na
intensificação da eletrização de nuvens e reforçam a idéia de um papel preponderante da dinâmica.
222 VOLUME 1
Por outro lado, Williams et al. (2002) também demonstram que, durante o período poluído, no
começo de outubro, observaram-se evidências do papel dos aerossóis em suprimir a formação de chuva
quente. Com efeito, a tese da inibição da chuva quente em associação com queimadas tem sido sucessi-
vamente verificada.
Andreae et al. (2004) sugerem que a fumaça produzida a partir das queimadas na Amazônia
produz efeitos significativos sobre a microestrutura das nuvens, com uma redução dramática no diâmetro
médio das gotículas, inibindo a colisão-coalescência. As estimativas dos autores são de que em nuvens
convectivas, dinâmica e termodinamicamente similares, a iniciação da precipitação deixa de ocorrer a
cerca de 1,5 km acima de sua base (como em nuvens marítimas) e passa a ocorrer a 5 km em nuvens po-
luídas ou ainda mais acima em pirocúmulos. Esta noção é corroborada tanto por Freud et al. (2008) que
discutem que há um aumento consistente em cerca de 350 m na altitude sobre a base da nuvem na qual
a colisão-coalescência dispara a formação de chuva quente para cada 100 núcleos de condensação (a
uma supersaturação de 0,5%) adicionados por cm3. Indícios no mesmo sentido são apresentados por
Costa e Pauliquevis (2009), cujos resultados apontam para altitudes de chuva quente (isto é, a altitude em
que o processo de formação de chuva quente se inicia) indo de 1200-2300 m em ambientes marítimos e
costeiros a 5400-7100 m em ambientes influenciados por queimadas (Figura 6.4), assim como por Costa
e Sherwood (2005) que sugerem uma relação praticamente linear entre a profundidade de chuva quente
(diferença entre a altitude de chuva quente e a altura da base da nuvem) e a concentração de gotículas,
pelo menos até valores de ordem de 3000 cm-3.
Há várias possíveis implicações para essa variabilidade, além do aumento do albedo das nuvens
e alterações na duração do seu ciclo de vida e extensão. Uma vez que menos material condensado é con-
vertido em precipitação no estágio inicial de desenvolvimento da nuvem convectiva e mais água líquida
permanece disponível para ser convertida em gelo, com a correspondente liberação de calor latente em
mais altos níveis, é possível que o próprio perfil de aquecimento convectivo seja modificado (Rosenfeld,
2006). Vale a pena frisar que há uma discussão em torno da inibição da convecção associada aos efeitos
radiativos dos aerossóis de queimadas (que tendem a estabilizar a camada-limite), mas que há indícios
apontados por Andreae et al. (2004) de que os efeitos microfísicos podem compensar a supressão radia-
tiva e produzir nuvens convectivas mais vigorosas do que as observadas em ambientes limpos.
Entretanto, é reconhecido que o papel dos aerossóis sobre o campo de nuvens vai bem além
da inibição dos processos de coalescência. Lin et al. (2006) estudou dados de satélite para avaliar os
potenciais efeitos dos aerossóis de queima de biomassa sobre a precipitação, propriedades de nuvens
Feingold et al. (2005), com base em simulações da interação entre aerossóis de queimada e nu-
vem, estudaram a importância relativa de vários fatores responsáveis pela supressão da formação de nu-
vens na região amazônica. Os autores concluíram que a distribuição vertical dos aerossóis é crucial para
determinar o quanto a nebulosidade pode ser reduzida. Partículas emitidas na superfície podem reduzir ou
aumentar a nebulosidade enquanto que partículas residindo na camada de formação de nuvens inibem
a formação destas. Por outro lado, a redução nos fluxos de calor sensível e latente, devido à queima de
biomassa pode, por si só, reduzir a nebulosidade.
Espectros de gotículas de áreas limpas e poluídas também foram estudados por Martins e Silva
Dias (2009), desta vez sobre a Amazônia, e se mostraram completamente diferentes dependendo das
condições do ambiente (limpo ou poluído). Distribuições estreitas eram mais frequentes no ambiente in-
fluenciado pela queima de biomassa, enquanto distribuições mais largas predominavam num ambiente
limpo. Os resultados sugerem ainda que o aumento na concentração de CCN a partir da queima de bio-
massa pode causar um efeito adicional de inibição do processo de coalescência, através da diminuição
na dispersão relativa. Considerando que a disponibilidade de vapor é limitada durante a estação seca o
efeito na dispersão pode ser maior na Região Amazônica que em outras localidades poluídas.
224 VOLUME 1
A variabilidade significativa da forma do espectro de gotículas emr elação ao campo de CCN e
dos processos de condensação, colisão–coalescência e mistura evidenciam a importância da incerteza
em torno dessa variável e também uma limitação intrínseca das parametrizações de microfísica totalizada
(bulk), que é a dificuldade de representação realista da evolução das distribuições de hidrometeoros (mes-
mo considerando o possível uso de parametrizações em que a forma do espectro não seja constante).
Finalmente, é importante ressaltar que além da análise de dados de experimentos de campo e sa-
télite, estudos de modelagem também têm contribuído para o estudo do efeito de aerossóis na microfísica
de nuvens. Num desses estudos, Costa e Sherwood (2005) utilizaram um modelo de parcela com micro-
física detalhada para investigar a importância de vários processos na iniciação da precipitação na fase
quente usando dados do LBA-SMOCC-EMfiN (Large-Scale Biosphere-Atmosphere Experiment in Amazô-
nia – Smoke Aerosols, Clouds, Rainfall and Climate – Experimento de Microfísica de Nuvens, Costa et. al.,
2002; Andreae et. al., 2004; Freud et al., 2008; Martins e Silva Dias, 2009; Costa e Pauliquevis, 2009).
Os mesmos concluíram que, em ambientes poluídos, a ocorrência de CCN gigantes pode se contrapor
parcialmente à inibição da colisão-coalescência associada às grandes concentrações de gotículas, ao se
constituírem em embriões de precipitação. Ao mesmo tempo, demonstraram que a velocidade terminal
e a umidade no ambiente podem ser fatores críticos na determinação da chamada “altitude de chuva
quente” e que, portanto, alterações na microfísica de nuvens promovidas pela introdução de grandes
quantidades de aerossóis de origem antrópica são dependentes de fatores dinâmicos e termodinâmicos,
o que é corroborado pelo estudo de Jones e Cristopher (2010). Estudos de modelagem tridimensional
usando processos microfisicos simplificados foram realizados por Martins et. al., (2009). Seus resultados
indicaram que a quantidade média de “água de nuvem” (isto é, não precipitante) integrada na grade é
praticamente a mesma para cenários limpos e poluídos, mas que a “água de nuvem” está muito mais
dispersa em condições limpas, enquanto que houve redução de “água de chuva” (isto é, precipitante) nos
cenários de maior poluição, indicando uma maior eficiência de conversão de água de nuvem em água
de chuva em condições limpas. Com relação ao total de precipitação, estes autores verificaram que, em
média, em suas simulações, chove mais e de forma mais dispersa para uma baixa concentração de CCN,
mas que, em contrapartida, os maiores picos de precipitação e velocidade ascendentes significativamente
maiores foram encontrados em cenários poluídos.
Menos estudado do que a influência que as alterações antrópicas sobre o campo de aerossóis
exercem sobre “nuvens quentes” (isto é, que contêm apenas material condensado na fase líquida) é o
papel que das alterações antrópicas sobre “nuvens frias”, compostas por cristais de gelo e “nuvens de fase
mista”. Como apontam Wang e Penner (2010), o fato de nuvens cirrus cobrirem tipicamente mais de 20%
do planeta faz com que as mesmas sejam importantes para o balanço radiativo planetário. Nuvens con-
vectivas profundas, particularmente nos trópicos, são responsáveis por mecanismos de transporte vertical
cruciais para a circulação geral atmosférica.
Como apontado por Sherwood (2002), ao analisar dados do Advanced Very High Resolution Ra-
diometer (AVHRR), os aerossóis cumprem um papel significativo na microestrutura de nuvens cumulonim-
bus, sendo que suas estimativas apontam para valores de diâmetro efetivo de 10 a 20% menores sobre o
continente do que sobre o oceano e com uma marcada variabilidade sazonal nessa variável em regiões
com queima de biomassa como a Amazônia.
Medidas in situ das propriedades microfísicas de nuvens frias e de fase mista sobre o Brasil,
no entanto, são extremamente limitadas, havendo dados coletados apenas durante um experimento de
campo, o TRMM-LBA. Stith et al. (2002) analisaram a microestrutura de três sistemas convectivos sobre
a Amazônia (medidas realizadas durante esse experimento), indicando a presença de gotículas super-
-resfriadas em temperaturas da ordem de -7oC, cuja presença se reduzia significativamente com a alti-
tude. Alguns aspectos apontados pelos autores são a ocorrência de cristais de gelo com formas distintas
daquelas previstas para as condições locais de temperatura coexistindo com gotículas super-resfriadas
O trabalho de Stith et al. (2002) introduziu a hipótese da existência de um novo tipo de agregado
de cristais. Evidências posteriores sobre a existência desse agregado foram apresentados por Stith et al.
(2004), que, com base em imagens de cristais coletadas durante o TRMM-LBA e o KWAJEX (Kwajalein
Experiment), mostraram que a posição peculiar dos cristais no agregado aponta para que sua formação
possa ser atribuída à ação de forças elétricas. A implicação da existência desse agregado para o desen-
volvimento da nuvem ainda é ignorada.
No entanto, como apontado por Rosenfeld et al. (2008), o processo de inibição da chuva quente
em nuvens rasas ou nos estágios iniciais de desenvolvimento de convecção profunda (Rosenfeld, 1999;
Andreae et al., 2004; Costa e Sherwood, 2005), dá lugar a processos bem mais complexos quando a
fase de gelo é introduzida. Incertezas associadas ao comportamento de nuvens convectivas profundas ao
serem influenciadas por aerossóis de origem antrópica são, portanto, bastante significativas. Aprofundar
a investigação das nuvens frias e, principalmente de nuvens convectivas de fase mista, é essencial para
melhor compreender como mudanças antrópicas sobre o campo de aerossóis pode interferir sobre a pre-
cipitação e a circulação atmosférica em maior escala face ao seu papel na microestrutura da convecção
profunda.
A modelagem de processos envolvendo nuvens e aerossóis e seus impactos sobre o tempo e clima
em escalas local, regional e global, tem recebido maior atenção recentemente. No que tange especifi-
camente sobre os aerossóis no Brasil e na América do Sul, estudos como os de Zhang et al. (2009) tem
evidenciado potenciais impactos dos aerossóis sobre a circulação atmosférica de grande escala, com
modificações no comportamento da monção da América do Sul devido ao aumento da estabilidade ter-
modinâmica sobre o Sul da Amazônia. Estes autores propõem que aumentos na estabilidade e pressão
à superfície, bem como um escoamento nessa região pode levar ao reforço de atividade ciclônica e au-
mento da precipitação no sudeste do Brasil, Paraguai e nordeste da Argentina. É particularmente impor-
tante nesse sentido o tipo de desenvolvimento de modelagem que vem sendo realizado, com a inclusão
de módulos complexos de química da atmosfera, emissão de aerossóis e outros processos envolvendo
queimadas, como o realizado por Freitas et. al., (2005, 2009).
Menos conhecido e possivelmente com ainda maior impacto sobre a circulação atmosférica, pelo
menos em escala regional sobre o Brasil e a América do Sul, é o efeito indireto dos aerossóis associado
às emissões dos centros urbanos e queimadas. Sabe-se que a forçante radiativa resultante associada
226 VOLUME 1
às nuvens advém da composição de dois termos: um negativo, associado ao espalhamento de radiação
de onda curta e outro positivo, que consiste em sua contribuição para o efeito estufa. Nuvens formadas
em altitudes diferentes apresentam contribuições para a forçante radiativa, sendo o contraste mais óbvio
o que se verifica entre nuvens cirrus (para as quais o efeito estufa é predominante) e stratocumulus (cujos
valores de fração de cobertura próximos da unidade e longo tempo de residência as tornam contribuintes
significativas para o albedo planetário). Mudanças mesmo sutis na distribuição espacial e nas proprie-
dades microfísicas das nuvens podem alterar sobremaneira o delicado balanço entre os dois termos ci-
tados acima. Não surpreendentemente, as maiores incertezas na forçante radiativa antrópica referem-se
ao papel direto e indireto dos aerossóis no clima. Os aerossóis emitidos em processos industriais e em
queimadas na Amazônia tem um papel fundamental no balanço radiativo terrestre, e nos processos que
regulam a microfísica de nuvens. Apesar de ter avançado de maneira significativa recentemente, o nível
de compreensão acerca do papel dos aerossóis e, principalmente, das nuvens sobre o sistema climático é
relativamente baixo, especialmente se comparado ao já bem entendido papel dos gases de efeito estufa.
Esse baixo nível de compreensão não chega a ser surpreendente, visto que a formação de nuvens
envolve uma ampla gama de escalas atmosféricas, desde a escala de micrômetros, em que se dá o apa-
recimento e crescimento inicial dos hidrometeoros, até a organização de sistemas de nuvens de grande
escala na escala de milhares de quilômetros. Em meio a esse largo espectro de escalas, se destacam
movimentos convectivos, cuja dimensão horizontal é tipicamente de dezenas de metros a poucos quilô-
metros, pois é através dessas estreitas correntes ascendentes que se dá grande parte do transporte vertical
no interior dos sistemas de nuvens, a liberação de calor latente associada à mudança de fase da água e a
produção de precipitação. Representar de maneira realista desde as fontes de aerossóis atmosféricos que
possam servir de CCN e IN até a organização das nuvens na grande escala e sua influência na circulação
geral atmosférica e no balanço energético global são grandes desafios colocados para o futuro.
A discretização dos modelos numéricos faz com que a representação dos fenômenos atmosféricos seja
truncada em harmônicos cujos comprimentos são, na maior parte dos casos, maiores do que os da es-
cala convectiva. Como a representação da atividade convectiva é fundamental para a energética e ciclo
hidrológico do modelo, o efeito da convecção é representado através de parametrizações dos processos
convectivos. As parametrizações convectivas permitem então obter o efeito dos fenômenos não resolvíveis
na grade dos modelos em função das variáveis que são resolvidas. Há uma série de abordagens propos-
tas na literatura. Todas elas são derivadas de três tipos básicos: 1) Esquemas do tipo ajuste convectivo:
proposto por Manabe et al. (1965) esse tipo de esquema supõe que sempre que os efeitos radiativos e/
ou dinâmicos reduzem a taxa de resfriamento da troposfera abaixo de um certo nível crítico, é feito um
ajuste de massa e energia de modo que um perfil estável é recuperado. Problema típico com esse tipo de
esquema é a arbitrariedade da determinação do perfil para o qual o modelo é ajustado. 2) Esquemas do
tipo Kuo (1965, 1974): relacionam a ocorrência e a intensidade da convecção com a convergência de
umidade de grande escala. O esquema depende de um parâmetro b, que define o porcentual da conver-
gência de umidade que vai ser usada para umedecer a coluna atmosférica, enquanto o restante é usado
para aquecer a coluna por liberação de calor latente. A dificuldade em determinar o valor de b é uma
das limitações desse tipo de esquema. 3) Esquemas do tipo fluxo de massa: proposto inicialmente por
Arakawa e Schubert (1974), esse tipo de esquema supõe que o conjunto de nuvens em uma região está
em quase equilíbrio com as forçantes de grande escala. Neste esquema, as nuvens consomem a energia
potencial produzida pelo efeito desestabilizador de grande escala. Conforme a intensidade da forçante
de grande escala, o fluxo de massa convectivo necessário para manter a convecção em equilíbrio pode
ser calculado. Em tese, o efeito radiativo das nuvens está incorporado no esquema clássico proposto
por Arakawa e Schubert (1974) através do efeito radiativo na estabilidade termodinâmica. Entretanto, o
detalhamento do efeito radiativo é, em geral, muito primitivo nos modelos atmosféricos usados na escala
climática.
Neste contexto, fica evidente que a modelagem dos processos envolvendo nuvens na maior parte
dos modelos globais e regionais utilizados para previsão de mudanças climáticas no Brasil e no mun-
do ainda se caracteriza pela utilização de um grande número de simplificações nos processos envol-
vendo nuvens. É particularmente significativo que as escalas dos movimentos convectivos não sejam
explicitamente resolvidas na grande maioria desses modelos, em função de recursos computacionais e
Existe uma tendência a se contornar essa limitação intrínseca das parametrizações de convecção,
resolvendo explicitamente as nuvens ou pelo menos construindo representações fisicamente consistentes
das mesmas, através de uma das seguintes estratégias, como sugerido, por exemplo, por Adams et al.
(2009):
1. Melhorar a resolução espacial ao ponto de dispensar inteiramente as parametrizações de convecção,
mesmo em simulações da circulação geral. Isso foi o que se obteve, por exemplo, através do Earth Si-
mulator, em que simulações globais com espaçamento de grade de 3,5 km foram realizadas com êxito
(Tomita et al., 2005).
Em todos esses casos, a adoção de modelos com capacidade de explicitamente resolver nuvens,
como “modelos de conjunto de nuvens” (MCNs) faz com que as incertezas relativas à microfísica sejam
trazidas à tona irremediavelmente.
Num primeiro momento, a mais óbvia questão que surge é a da concentração de CCN e toda
sua influência no desenvolvimento das nuvens e no estabelecimento das propriedades ópticas e microfí-
sicas, incluindo a eficiência de precipitação. Existe ainda uma evidente lacuna nas medições de CCN e
de microfísica de nuvens em grande parte do território brasileiro, aonde são desconhecidas a distribuição
espacial e sazonal dessas variáveis. Como apontam Costa et al. (2012), destacam-se, no Brasil, os dados
coletados nas seguintes campanhas: o Experimento do Ceará em 1994 (Costa et al., 2000a), o LBA-TR-
MM (Stith et al., 2002), o EMfiN!-Ceará (Costa et al., 2002) e o LBA-SMOCC-EMfiN!, que se concentra-
ram sobre a Amazônia e o Nordeste. Esse número limitado de experimentos de campo e a inexistência de
medidas em grande parte do Brasil impõem óbvias limitações à representação dos processos microfísicos
em modelos aplicados sobre o território nacional.
Outro aspecto importante a ser considerado é a variabilidade na forma da distribuição de tamanho das
gotículas, que constitui ao mesmo tempo um fator fisicamente relevante no desenvolvimento da precipitação
e uma incerteza importante na modelagem do ciclo de vida de nuvens. Estratégias envolvendo o uso direto de
228 VOLUME 1
esquemas de microfísica detalhada (bin microphysics, e.g. Costa et al., 2000b) envolvem um grande custo
computacional, mas simulam a evolução explícita da função-distribuição de hidrometeoros em função
de processos de nucleação, crescimento condensacional, colisão-coalescência, colisão-ruptura, ruptura
espontânea, etc. Seu uso, ainda que geralmente proibitivo mesmo em modelos de área limitada, pode
representar uma alternativa para a calibração, aperfeiçoamento e desenvolvimento de parametrizações
de microfísica totalizada (bulk), sendo utilizado em modo off-line em modelos de LES ou MCNs.
Há ainda grande incerteza na representação dos processos envolvendo a fase de gelo em mode-
los de diversas escalas. Por exemplo, Costa et al. (2012) analisam um sistema convectivo, formado no
“regime de leste” da Amazônia, com elevadas concentrações de partículas em todos os níveis, especial-
mente no interior dos núcleos adiabáticos, da ordem de centenas por centímetro cúbico. Nesse sistema,
os autores verificaram a existência de uma grande variedade de formas de cristais, sem uma correspon-
dência muito óbvia entre esta e alguma variável ambiental, como a temperatura (o que se esperaria, caso
o crescimento dos cristais se desse em condições controladas de temperatura e supersaturação). Isso im-
plica em uma dificuldade significativa em representar parâmetros cruciais para a evolução microfísica de
uma nuvem fria ou de fase mista, como a própria velocidade terminal de queda dos cristais, a eficiência
de colisão entre estes e outros hidrometeoros, etc. Lang et al. (2007) aplicaram um MCN na simulação
de diferentes casos de convecção amazônica (observados durante a campanha do TRMM-LBA) e concluí-
ram que o uso de espaçamentos de grade muito finos (250 m), em comparação com os tradicionalmente
utilizados em MCNs e em esquemas de superparametrização (da ordem de 1km ou mais) é importante
para melhor representar a passagem gradual do regime de convecção rasa para profunda em um caso
do “regime de oeste”. Além disso, também apontaram que provavelmente o esquema de interação entre
as partículas de gelo e gotículas em seu modelo exagerava a coleta destas últimas pelas primeiras, resul-
tando em um exagero na estimativa da presença de granizo mole ou de neve.
CONCLUSÕES
Este capítulo sintetiza o conhecimento recente em aerossóis e nuvens obtido em trabalhos cientí-
ficos mais recentes, com foco no Brasil e na América do Sul.
Com respeito às regiões urbanizadas e as emissões relacionadas com suas atividades típicas,
tais como transporte, indústrias, geração de energia, etc., observou-se que há um universo de medições
mais restrito a despeito das dificuldades logísticas serem muito menores. O monitoramento de material
particulado em geral limitou-se à fração PM10. Já a fração fina (PM2.5), cujo monitoramento não é
obrigatório pela legislação, tem sido quantificada preponderantemente por projetos de pesquisa pontu-
ais, que são menos abrangentes tanto em termos espaciais quanto temporais. Ainda assim, os trabalhos
Com relação aos efeitos em nuvens, tais efeitos ainda constituem um grande tema em aberto.
Ainda que efeitos indiretos de aerossóis em nuvens já sejam bem conhecidos, o real comportamento
das nuvens em um planeta mais quente ainda é incerto. Os efeitos de aerossóis em nuvens atualmente
conhecidos consideram situações meteorológicas idênticas, apenas mudando as propriedades de aeros-
sóis. Todavia, há significativa incerteza sobre a manutenção dos atuais padrões de circulação geral da
atmosfera em um planeta com temperaturas médias mais elevadas. Uma vez respondida esta pergunta, o
efeito real dos aerossóis poderá ser então melhor estimado. Esta área ainda demandará grandes esforços
de pesquisa, globalmente coordenados, para termos uma resposta minimamente satisfatória sobre alte-
rações no padrão das nuvens tanto na escala planetária quanto regional.
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236 VOLUME 1
CAPÍTULO 7
238 VOLUME 1
SUMÁRIO EXECUTIVO
O clima é controlado por diversos fatores, chamados agentes climáticos, que podem ser natu-
rais ou originados de atividades humanas (antrópicas). Um certo agente climático pode contribuir para
aquecer o planeta, como por exemplo os gases de efeito estufa antrópicos, enquanto outro agente pode
tender a resfriá-lo, como as nuvens. Ao tomador de decisões seria conveniente conhecer qual a influência
quantitativa de cada agente climático para que suas ações possam ser baseadas em resultados científicos,
e não apenas em questões de natureza política. Frente à magnitude numérica dos efeitos de um dado
agente climático, o tomador de decisões poderá analisar o custo∕benefício de determinadas ações para
diminuir tais efeitos, ou eventualmente buscar soluções de adaptação a um cenário decorrente desses
efeitos. Por exemplo, é importante conhecer qual a contribuição de cada agente climático para as varia-
ções de temperatura na superfície do planeta, ou mesmo no Brasil. No entanto, como qualquer ferramenta
de modelagem do clima, os modelos climáticos atuais mais avançados, que vêm progressivamente forne-
cendo resultados cada vez mais confiáveis e consistentes para previsões de mudanças climáticas, devem ser
alimentados com estimativas seguras das forçantes radiativas.
O conceito de forçante radiativa, definida no Painel S1, é um passo intermediário que não ne-
cessita, em princípio, de modelos climáticos para seu cálculo, por isso os valores de forçante radiativa
podem ser interpretados de maneira mais objetiva. Uma forçante radiativa positiva significa que um agen-
te tende a aquecer o planeta, ao passo que valores negativos indicam uma tendência de resfriamento.
Uma inconveniência do conceito de forçante radiativa é que em geral ela é expressa em termos de W m -2
(Watt, ou potência, por metro quadrado), que é uma unidade menos familiar que temperatura em graus
Celsius, por exemplo. Se um agente climático representa uma forçante radiativa de +2 W m -2, isso indica
que ele tende a aquecer o planeta. Uma vez determinado o valor da forçante radiativa de um agente,
pode-se usar esse valor em modelos climáticos que procurarão traduzi-lo, por exemplo, como mudanças
de temperatura à superfície, ou mudanças no volume de chuvas, etc. Como os modelos climáticos ainda
apresentam resultados bastante divergentes, um mesmo valor de forçante pode dar origem a diferentes
previsões, dependendo do modelo climático escolhido e das condições em que ele é utilizado. É nesse
contexto que o conceito de forçante radiativa oferece um meio de comparação entre diferentes agentes
climáticos, independentemente da precisão dos modelos climáticos atuais. A quantificação numérica da
intensidade da forçante radiativa permite ao tomador de decisão visualizar quais os agentes mais signi-
ficativos, classificando-os por ordem de magnitude relativa. Calcular a forçante radiativa de um agente
climático é como definir uma escala padrão, que permite a possibilidade de se estimar a intensidade de
sua perturbação sobre o clima, para algum local ou região do globo.
Este capítulo apresenta a definição formal de forçante radiativa, do potencial de aquecimento global
e do potencial de temperatura global, que são grandezas utilizadas para padronizar uma metodologia
de comparação, e que permitem estimar quantitativamente os efeitos de diferentes agentes climáticos.
O capítulo apresenta uma revisão bibliográfica de estudos recentes, efetuados sobre o Brasil ou sobre a
América do Sul, que identificaram alguns dos principais agentes climáticos naturais e antrópicos atuantes
no país. Embora a intenção fosse apresentar, em números, a contribuição para a forçante radiativa
atribuída aos diferentes agentes, a inexistência de trabalhos científicos no país para vários deles trouxe
outra dimensão ao capítulo.
Os efeitos climáticos mais significativos em escalas de dezenas a centenas de anos, no Brasil, são
os efeitos radiativos de nuvens, a forçante radiativa dos gases de efeito estufa, a forçante de mudança
de uso do solo, e a dos aerossóis (fumaça) emitidos em queimadas por fontes antrópicas. A Tabela S1,
discutida em detalhe no texto do capítulo, apresenta uma compilação de resultados encontrados na
literatura científica sobre os principais efeitos radiativos de agentes climáticos no Brasil.
Nuvens exercem um efeito radiativo natural, mas suas propriedades podem ser alteradas pela
ação humana (e.g. efeitos indiretos de aerossóis, mudança de propriedades da superfície, entre outros).
Essas alterações podem envolver processos de retroalimentação, com possíveis impactos sobre o ciclo
hidrológico, causando alterações na disponibilidade de água doce, ou na frequência de ocorrência de
eventos extremos de precipitação, como secas ou tempestades severas. Os resultados compilados neste
capítulo mostram que as nuvens constituem o agente climático mais importante do ponto de vista de balanço
de radiação sobre a Amazônia, reduzindo em até 110 W m-2 a radiação à superfície, e contribuindo com
cerca de +26 W m-2 no topo da atmosfera. Isso significa que as nuvens na Amazônia atuam causando
em média um resfriamento da superfície, mas um aquecimento do planeta. Cabe ressaltar que o modo de
distribuição vertical das nuvens desempenha um papel fundamental nos resultados obtidos: nuvens altas
tendem a contribuir com um efeito de aquecimento do planeta, enquanto nuvens baixas tendem a resfriá-
lo. Desse modo, é importante destacar que esse resultado não pode ser automaticamente estendido para
outras regiões, com padrões de nuvens e características de superfície diferentes da região amazônica.
240 VOLUME 1
aerossóis emitidos em queimadas na Amazônia espalham-se sobre grande parte do continente da Améri-
ca do Sul, e têm vida média de dias (são removidos da atmosfera e depositam-se sobre a superfície).
Assim, a comparação das forçantes de aerossóis e gases de efeito estufa não pode ser feita diretamente.
Tabela S1. Quantificação da forçante radiativa do aerossol antrópico, da mudança no uso do solo e
do efeito radiativo de nuvens sobre o Brasil e a América do Sul.
a) Indica a posição vertical na coluna atmosférica (TDA: topo da atmosfera; SUP: superfície; ATM: coluna atmosférica) para a estimativa em questão, o domínio
temporal de cálculo (valor instantâneo, média de 24h ou média anual), e o componente do efeito indireto analisado (alb: albedo; ind: total dos efeitos indiretos);
b) Valores entre colchetes indicam intervalos de mínimo e máximo apresentados nas referências. Quando disponíveis, as incertezas apresentadas pelos autores são
indicadas; c) Domínio temporal presumido (não informado explicitamente na referência); d) Estado de referência com profundidade óptica de aerossóis de 0,11; e)
Estado de referência com profundidade óptica de aerossóis de 0,06.
Aerossóis também interagem com nuvens, modificando suas propriedades. As nuvens modificadas,
por sua vez, interagem com a radiação solar. Dessa forma, define-se a forçante indireta (i.e. mediada
pela interação com nuvens) de aerossóis. As estimativas de forçante radiativa para os efeitos indiretos de
aerossóis encontradas na literatura apresentaram uma ampla gama de valores. A maioria dos resultados
tem sinal negativo, variando entre cerca de -9,5 a -0,02 W m-2 para diferentes tipos de superfície,
indicando condições de resfriamento climático. Este é um tópico que ainda necessita de mais estudos de
caracterização e verificações independentes, para que esse componente da forçante antrópica sobre o
Brasil possa ser adequadamente representado em modelos climáticos.
Não foram encontrados trabalhos avaliando a forçante radiativa no Brasil devido ao aerossol
de origem urbana, ao aerossol natural de poeira oriunda da África, ou de erupções vulcânicas, nem à
formação de trilhas de condensação pelas atividades da aviação comercial. Essas forçantes radiativas,
por hora desconhecidas, podem, ou não, serem comparáveis àquelas devido a gases de efeito estufa e
aerossóis de queimadas. Os trabalhos analisados na elaboração deste capítulo evidenciam a existência
de lacunas significativas em estudos de forçantes radiativas no Brasil. Conhecer com precisão a magnitude
dessas forçantes, e aprimorar a compreensão de seus impactos, resultará em melhorias nos modelos de
previsão de tempo e clima. Tais modelos são ferramentas importantes para instrumentalizar a tomada de
decisões políticas e econômicas diante das mudanças climáticas que vêm atuando no país.
7.1 INTRODUÇÃO
7.1.1 OBJETIVOS E ESTRUTURA DO CAPÍTULO
Este capítulo discute estimativas da forçante radiativa e efeitos radiativos, sobre a atmosfera e
a superfície, causados por agentes naturais e antrópicos sobre o Brasil. Resultados de medições in situ,
inferências obtidas com sensoriamento remoto, e esforços de modelagem são considerados. As discussões
deste capítulo abarcam estimativas para condições presentes. Observações climáticas sobre o passado
são discutidas no capítulo 5 e cenários futuros de impacto climático são abordados no capítulo 9.
242 VOLUME 1
A forçante radiativa antrópica associada aos diversos agentes climáticos recebe ênfase destacada,
uma vez que muito da literatura disponível cobre esse tópico. A mudança no uso do solo é a principal
responsável pela emissão antrópica de CO2 no Brasil, fazendo com que o país seja atualmente um im-
portante emissor mundial desse gás (Cerri et al., 2009). Represas e barragens construídas para a geração
de energia hidroelétrica contribuem com a emissão de CH4 devido à decomposição de matéria orgânica
em vastas áreas alagadas (Fearnside, 2004; Rosa et al., 2004). A quantificação e o monitoramento da
forçante antrópica positiva (i.e. aquela que favorece um aumento das temperaturas na superfície do pla-
neta) originada da emissão de gases de efeito estufa (GEE) são, portanto, relevantes para o país devido
ao potencial impacto de grande escala dessas emissões. Mudanças do uso do solo na Bacia Amazônica
também causam uma forçante radiativa devido à mudança do albedo de superfície. Em geral, essa mu-
dança parte de uma condição de floresta, representada por baixo albedo, que é transformada em uma
pastagem ou plantação com albedo mais elevado que o original (Sena et al., 2013). Mudanças de tem-
peratura, umidade, e fluxos de calor latente e sensível são também consequências de atividades de mu-
dança do uso do solo (Von Randow et al., 2004), mas não podem ser definidos como agentes de forçante
radiativa uma vez que essas modificações são consideradas parte da resposta climática (cf. definição de
forçante radiativa na seção 7.1.2).
O capítulo também trata da quantificação de métricas de emissão para GEE no Brasil. Essas mé-
tricas permitem definir um arcabouço numérico comum contra o qual o impacto de diferentes emissões
de GEE pode ser avaliado e apoiar a definição de políticas climáticas por tomadores de decisões. O
Potencial de Aquecimento Global (PAG), mede quanto um dado volume de um GEE contribui fisicamente
para o aquecimento global. Essa métrica é uma medida relativa que compara o potencial de aquecimen-
to de um gás àquele causado por um mesmo volume de um gás de referência, tipicamente o CO2. Um
intervalo de tempo (e.g. 100 anos) deve ser definido para o cálculo do PAG. O Potencial de Temperatura
Global (PTG) indica como a emissão de um dado GEE pode modificar a média global da temperatura
da superfície, também usando um gás específico para comparação, usualmente tomando o CO2 como
referência (Shine et al., 2005).
O Quarto Relatório de Avaliação do IPCC (IPCC AR4) define o conceito de forçante radiativa
(FR) como a diferença em irradiância líquida na tropopausa, em unidades de W m-2, entre um estado de
referência e um estado perturbado. A perturbação ocorre pela ação de um agente forçante enquanto as
temperaturas de superfície e da troposfera são mantidas fixas, mas permitindo-se que a estratosfera atinja
o equilíbrio radiativo (Forster et al., 2007). O relaxamento da temperatura estratosférica é importante em
processos que modificam o perfil de temperatura nessa camada da atmosfera (e.g. FR devido à redução
de ozônio estratosférico) (Haywood e Boucher, 2000). Por exemplo, uma forçante negativa indica um
maior fluxo de energia deixando o Sistema Terrestre na tropopausa em um estado perturbado devido a um
agente climático, comparado ao estado de referência. Com isso, tal agente representaria um efeito líqui-
do de resfriamento sobre o clima, enquanto um agente com FR positiva indica um efeito de aquecimento
climático. A escolha de um estado de referência pode ser subjetiva, sendo que alguns autores definem a
era pré-industrial, ou então o ano de 1750, como tal estado (e.g. IPCC AR4). Uma caracterização climá-
tica da era pré-industrial depende, no entanto, de um conjunto de hipóteses e considerações para sua
modelagem e, necessariamente, essa escolha carrega certo grau de arbitrariedade. Outra opção é con-
siderar a completa ausência do agente forçante como estado de referência (e.g. atmosfera sem aerossóis
quando se avalia a FR de aerossóis, Forster et al., 2007), ou ainda alguma definição de um nível “natural”
ou não perturbado para o agente forçante (Forster et al., 2007). Avaliações da FR feitas com definições
diferentes sobre o estado de referência resultam em valores diversos para a mesma forçante, portanto
qualquer comparação entre estimativas da FR deve esclarecer se a mesma referência foi utilizada.
A definição da FR delineada acima exclui processos de retroalimentação em estimativas de forçante,
244 VOLUME 1
uma vez que esses processos envolvem mudanças (i.e. respostas do sistema) em propriedades atmosféri-
cas ou de superfície, que levam a modificações no agente em si. A distinção entre o quê exatamente cons-
titui um agente forçante do clima, e o quê são as respostas climáticas ou processos de retroalimentação,
pode estar sujeita a debate na comunidade científica (Forster et al., 2007). Respostas do sistema climático
e sua retroalimentação exercem um papel fundamental e precisam ser levados em consideração quando
se pretende avaliar cenários climáticos completos e seus padrões espaciais e temporais. No entanto, não
são considerados agentes de FR neste capítulo, assim como não o são no IPCC AR4. Pode-se discutir o
“efeito radiativo” devido a uma resposta climática iniciada por um agente climático, mas é importante
distinguir esse termo do conceito de FR (Haywood e Boucher, 2000). Neste capítulo, os termos “efeito
radiativo” e “forçante radiativa” são empregados rigorosamente seguindo a definição acima, em acordo
com o utilizado pelo IPCC AR4.
O clima do Sistema Terrestre é controlado por diversos agentes e processos naturais, envolvendo
relações complexas entre subsistemas e efeitos de retroalimentação. Alguns agentes climáticos naturais
atuam modificando a irradiância líquida na tropopausa. Assim, é possível definir para tais agentes uma
FR natural sobre o Sistema Terrestre, para os quais o estado de referência em geral é considerado como
a ausência do agente em questão, ou uma estimativa de sua condição na era pré-industrial.
1
Termos em geral utilizados ao se referir à radiação solar e à radiação terrestre, respectivamente.
Até a presente data os estudos efetuados no Brasil sobre agentes climáticos naturais, a serem
discutidos nas próximas seções, não buscaram estimar sua contribuição para a FR natural, mas inferir sua
influência sobre partes isoladas do sistema climático brasileiro. Alguns trabalhos, por exemplo, estudaram
as variabilidades observadas na quantidade de precipitação (Souza Echer et al., 2008) e na espessura de
anéis de crescimento de árvores (Nordemann et al., 2005; Rigozo et al., 2007, 2008), considerando dis-
tintas escalas temporais. Esses trabalhos avaliaram principalmente a influência de variações na irradiân-
cia solar através da análise de manchas solares sobre as variáveis estudadas. A influência das partículas
de aerossol natural sobre o clima acontece tanto do ponto de vista radiativo, quanto por afetar o ciclo
biogeoquímico de alguns elementos essenciais ao ecossistema terrestre. Do ponto de vista de ciclos bio-
geoquímicos, estudou-se o aporte de minerais a partir do transporte de poeira do deserto do Saara para
a região amazônica (Ansmann et al., 2009; Ben-Ami et al., 2010; Huang et al., 2010). A quantificação
da FR exercida por agentes naturais sobre o Brasil constitui assim um tópico ainda incipiente na literatura
científica.
Para ilustrar o impacto causado pelas variações da órbita terrestre ao redor do sol, cuja teoria foi
proposta por Milankovitch em 1941, a Tabela 7.1 apresenta valores da irradiância média incidente sobre
uma superfície horizontal no topo da atmosfera, para os meses de junho e dezembro sobre as latitudes de
0º (equador), 30ºS e 60ºS, de acordo com Berger e Loutre (1991) 2. Para efetuar as estimativas dessa ta-
bela, Berger e Loutre (1991) adotaram o valor de 1360 W m -2 para a constante solar 3 . Embora já men-
cionado no IPCC AR4, acrescenta-se, a título de comparação, que os valores médios diários da constante
solar oscilaram entre 1363 a 1368 W m -2 em medições efetuadas com satélites de 1979 a 2003 (Fröhlich
e Lean, 2004). Tais variações foram atribuídas ao ciclo de aproximadamente 11 anos da atividade solar.
Na Tabela 7.1, são comparados, para cada latitude, os valores médios de irradiância solar para o milênio
atual, os valores mínimos e máximos mais recentes (isto é, referentes ao ciclo, de máximo e mínimo, que
antecedeu o tempo presente) e os valores mínimos e máximos observados em toda a série de um milhão
de anos, nos meses considerados. Para referência é indicado o milênio de ocorrência de cada máximo e
mínimo. Nota-se que, quanto mais distante do equador, a diferença sazonal é mais significativa do que a
diferença causada pelas variações orbitais num mesmo mês. Cabe ressaltar, obviamente, que as escalas
temporais são ordens de grandeza distintas.
2
Valores obtidos em ftp://ftp.ncdc.noaa.gov/pub/data/paleo/insolation/
246 VOLUME 1
Tabela 7.1. Valor da irradiância solar média diária no topo da atmosfera quando a distância Terra-Sol
é igual a uma unidade astronômica, ou 1,49598 x 1011 m”.
Equador
Junho Dezembro
Quando (x 1000 anos) Quanto (W m )
-2
Quando (x 1000 anos) Quanto (W m-2)
atual 384,5 atual 410,7
-1 383,6 a
-11 380,2a
-11 410,7b -22 414,6b
-209 357,9c -959 357,4c
-600 445,1 d
-970 445,1d
30º S
Junho Dezembro
Quando (x 1000 anos) Quanto (W m )
-2
Quando (x 1000 anos) Quanto (W m-2)
atual 212,6 atual 506,6
-2 210,7 a
-12 474,1a
-12 223,3b -1 507,5b
-210 193,7c -600 439,3c
-600 251,8d -209 546,8d
60º S
Junho Dezembro
Quando (x 1000 anos) Quanto (W m )
-2
Quando (x 1000 anos) Quanto (W m-2)
atual 22,8 atual 508,5
-8 19,9 a
-12 482,3a
-30 31,0b -2 511,9b
-211 17,0c -600 433,4c
-600 32,0d -209 558,4d
a) valor mínimo do último ciclo; b) valor máximo do último ciclo; c) valor mínimo observado no último
milhão de anos; d) valor máximo observado no último milhão de anos.
As variações sazonais, como pode ser visto na própria Tabela 7.1, sempre ocorreram e têm duração
de meses, ao passo que o efeito das variações orbitais tem duração de pelo menos mil anos. Exemplos de
evidências paleoclimáticas dos efeitos das variações orbitais no Brasil são discutidos no Capítulo 5.
No próximo tópico são discutidos alguns efeitos climáticos associados às variações na atividade
solar. Note-se que vários podem ser os fenômenos climáticos que afetaram as variáveis analisadas. Dis-
cussões mais aprofundadas sobre as observações de mudanças climáticas sobre o Brasil são discutidas
no Capítulo 2.
3
Irradiância solar incidente sobre uma superfície horizontal no topo da atmosfera quando a distância Terra-Sol é
igual a uma unidade astronômica, ou 1,49598 x 1011 m.
Souza Echer et al. (2008) analisaram totais anuais de precipitação em uma escala temporal
de cem anos a partir de medidas realizadas na região de Pelotas, Rio Grande do Sul, e utilizaram as
técnicas espectrais clássicas, de ondeletas e de potência cruzada de ondeletas. A potência cruzada
indica a escala de alta covariância entre duas séries temporais. A série temporal de precipitação cobriu
os anos de 1895 a 1994 e os agentes climáticos naturais analisados foram o El Niño, a partir do índice
de oscilação sul, oscilação quase bienal e atividade solar, esta, a partir da série temporal de manchas
solares (Rz4 , com ciclo característico de aproximadamente 11 anos e Rz22, ciclo de aproximadamen-
te 22 anos, também denominado ciclo duplo de manchas solares). A análise clássica mostrou que
a precipitação, durante o período coberto pela análise, apresentou vários ciclos de períodos curtos,
entre 2,2 e 5,6 anos e períodos de 8,9 a 11,7 anos. A análise de ondeletas identificou um ciclo in-
termitente com período de aproximadamente 2 a 8 anos. A análise de potência cruzada mostrou que
a precipitação e a oscilação quase bienal apresentaram correlação em períodos de 2 a 3 anos de
forma contínua ao longo do intervalo temporal analisado. A precipitação e o índice de oscilação sul
apresentaram potências cruzadas maiores ao redor de 4 a 8 anos, de forma esporádica. O número
de manchas solares e a precipitação apresentaram elevada potência cruzada ao redor do período de
11 anos do ciclo solar, embora de forma esporádica. Finalmente, com Rz22 a potência cruzada com
a precipitação mostrou-se elevada ao redor de 20 a 22 anos, com duração mais persistente quando
comparada ao ciclo de 11 anos.
Souza Echer et al. (2008) concluíram que o principal agente climático a influenciar a variabili-
dade da precipitação observada em Pelotas é o El Niño, com aumento da quantidade de precipitação
na região durante a fase quente do fenômeno. A dependência multilinear simples entre a atividade
solar, El Niño e oscilação quase bienal explicou apenas 30% da variabilidade observada. Os 70%
restantes poderiam estar associados a acoplamentos não lineares entre a atividade solar, El Niño, os-
cilação quase bienal, e outros fatores ainda passíveis de investigação. No entanto, cabe notar que a
influência de outros agentes climáticos, inclusive antrópicos, não foi considerada pelos autores.
4
Rz é o número relativo de manchas solares (Izenman, 1983).
5
A significância estatística indica a probabilidade de que a correlação seja devido unicamente a flutuações espúri-
as. Alguns autores apresentam como significância o valor complementar, e.g. 99,9% ao invés de 0,1%.
248 VOLUME 1
questões apontam para a necessidade de mais investigações visando o estudo dos potenciais meca-
nismos físicos que possam explicar os fenômenos observados nas interações entre atividade solar e
precipitação.
Desde a década de 1980, vários autores discutiram o transporte de poeira do deserto do Saara
para a região amazônica (e.g. Swap et al., 1992), a partir de medidas in situ ou a bordo de aeronaves.
Huang e colaboradores (2010) analisaram inferências da profundidade óptica do aerossol a partir de
medições realizadas pelo sensor MODIS (Moderate Resolution Imaging Spectroradiometer), a bordo
do satélite Aqua, e de perfis verticais de poeira obtidos com o sensor CALIPSO (Cloud-Aerosol Lidar
and Infrared Pathfinder Satellite Observation). As imagens analisadas foram obtidas durante os anos de
2003 a 2007. Os autores observaram que a pluma de poeira viaja a uma velocidade média de 1000
km por dia e atinge a América do Sul em média uma semana após sua emissão. Os eventos que atingem
a América do Sul são mais frequentes nos períodos de verão e outono no Hemisfério Sul (entre dezem-
bro e maio), e estão relacionados ao movimento sazonal da ZCIT (Zona de Convergência Intertropical).
Cabe ressaltar que durante o verão no Hemisfério Sul a região do Sahel africano produz grandes
quantidades de aerossol devido à queima de biomassa e, portanto, grande parte do transporte de poeira
chega à América do Sul misturada com a fumaça das queimadas. Em alguns casos, a contribuição de
partículas oriundas das queimadas pode ser maior que a de poeira, conforme discutido por Ansmann et
al. (2009). Esses autores estudaram o transporte de partículas de aerossol de poeira e de queimadas utili-
zando dois instrumentos Raman Lidar, um deles instalado em Praia, Cabo Verde, e o segundo em Manaus,
Brasil, também durante o mês de fevereiro de 2008. Na região de Cabo Verde, a pluma de aerossóis
consiste de várias camadas, atingindo altitudes de até 5,5 km. Com a chegada de tais plumas à região
amazônica, a profundidade óptica do aerossol pode chegar a 0,3 na faixa espectral de 550 nm, com a
pluma distribuída de forma mais uniforme verticalmente e com altura máxima de 3,5 km.
Nos trabalhos relacionados ao aporte de aerossóis de poeira de deserto da África para a região
amazônica não há discussões ou tentativas de se estimar a FR natural devido ao impacto desse agente cli-
mático. Por outro lado, uma vez que o aporte de poeira pode conter contaminação importante de fumaça
de queimadas na África, a obtenção de uma estimativa da FR natural sobre a região amazônica devido
ao transporte de poeira é dificultada pela presença desse aerossol de origem antrópica.
250 VOLUME 1
Esses fluxos geram movimentos ascendentes e formam nuvens convectivas, modificando os processos de
resfriamento e aquecimento radiativo da atmosfera. Esse complexo sistema radiativo é acoplado ao siste-
ma dinâmico e termodinâmico que determinam a dinâmica das nuvens. O conhecimento dos processos
de interação das nuvens com a radiação, e vice-versa, é fundamental para simular com precisão os dife-
rentes cenários de mudanças climáticas. Os processos de retroalimentação entre nuvens e radiação estão
relacionados ao tipo de nuvens, à sua interação com aerossóis naturais e antrópicos (cf. seção 7.3.2.) e
aos processos de formação dos diferentes hidrometeoros.
Além da observação com o uso de satélites, o efeito radiativo das nuvens pode ser analisado por
intermédio da combinação de propriedades médias das nuvens e da atmosfera, e pelo uso de modelos
radiativos. Esses modelos permitem simular o balanço de radiação e estudar em detalhes o efeito de
cada tipo de nuvem e seus mecanismos de retroalimentação. Modelos de circulação geral da atmosfera
(MCGA) descrevem as propriedades físicas da atmosfera, e modelos radiativos acoplados aos MCGA
permitem avaliar o efeito no clima devido a mudanças antrópicas ou naturais. Embora tenha havido um
significativo aumento no conhecimento que permitiu desenvolver tais modelos, ainda existem muitas in-
cógnitas para descrever com precisão os processos que controlam a interação da radiação solar e térmica
com a superfície da Terra, atmosfera e nuvens. Existem incoerências entre observações e as simulações
utilizando esses modelos radiativos. As nuvens são as principais fontes de incertezas desses modelos prin-
cipalmente na quantificação dos processos de gelo (cristais de gelo com diferentes formatos e diferentes
densidades) e na camada mista água-gelo, isto é, ainda há divergências significativas na determinação
e na parametrização dessa camada no interior de nuvens. Além disso, os efeitos tridimensionais dos pro-
cessos de espalhamento radiativo das nuvens e sua interação com os outros campos de nuvens precisam
ser ainda muito aprimorados (Cahalan et al., 2005). Mesmo a parametrização dos processos que envol-
vem a radiação de céu claro na faixa do infravermelho, também importante no balanço radiativo, e que
atingiu significativo avanço em modelos radiativos (Turner et al., 2004), ainda apresenta discrepâncias
importantes devido ao complexo espectro de absorção do vapor d’água (Ptashnik et al., 2004). Machado
e Rossow (1993) apresentaram um estudo discutindo o efeito dos sistemas convectivos nos mecanismos
de retroalimentação das nuvens para a região tropical, levando em conta não somente o efeito no topo
da atmosfera, como é comumente analisado, mas os efeitos do aquecimento na coluna atmosférica
que podem estabilizar ou instabilizar a coluna inibindo ou auxiliando o desenvolvimento da convecção.
Além disso, Chen e Cotton (1988) mostraram que o efeito radiativo das nuvens pode ser impor-
tante para a dinâmica dos sistemas de mesoescala e, consequentemente, para a circulação geral do
planeta. Nesses sistemas, o efeito radiativo age para instabilizar as camadas médias da atmosfera, que
reforça a circulação em mesoescala, que por sua vez sustenta uma maior intensidade de convecção. Em-
bora mencionado que o efeito radiativo líquido do sistema convectivo no topo da atmosfera é praticamen-
te nulo (um pequeno resfriamento), esses resultados foram obtidos considerando as propriedades médias
de nuvens e as mantendo durante todo o dia. Contudo, esse efeito deve ser considerado regionalmente
e em função do ciclo de vida do sistema convectivo e do ciclo diurno. Sistemas noturnos tendem a ter um
efeito radiativo líquido positivo, enquanto nuvens diurnas tendem a apresentar efeitos radiativos negati-
vos. Miller et al. (2012) estimaram o efeito radiativo de diferentes tipos de nuvens em diferentes regiões.
Na região amazônica os cálculos mostraram que as nuvens contribuíram com -76 W m-2 para o balanço
radiativo à superfície e com +26 W m -2 no topo da atmosfera. A Figura 7.1, extraída do trabalho de
Betts et al. (2009), mostra o efeito radiativo médio mensal das nuvens sobre a região amazônica a partir
da análise de dados de 1990 a 2001 do ISCCP (curvas verdes) e de reanálises de modelos hidrológicos
(curvas azuis e vermelhas). Foram comparadas as situações de céu claro com situações nas quais foi de-
tectada a presença de nuvens. Na Figura 7.1a, concentrando-se apenas nos resultados do ISCCP (curva
verde) observa-se que a presença de nuvens reduziu significativamente a irradiância solar incidente em
superfície, podendo causar um déficit médio da ordem de 50 W m -2 nos meses de junho e julho a até
aproximadamente 110 W m -2 em fevereiro.
252 VOLUME 1
A presença das nuvens reduziu a quantidade de radiação solar incidente na superfície de 20 a 35%. O
efeito pode ser observado na Figura 7.1b, que mostra a variação mensal no período analisado do albedo
efetivo das nuvens para radiação solar descendente, definido na equação 7.1:
eq. 7.1
onde Irradiância (nuvem) é a irradiância solar descendente em superfície para situações com nuvens e
Irradiância(céu claro) é a irradiância solar descendente em superfície na ausência total de nuvens. O
déficit de radiação solar em superfície claramente afetou o saldo líquido de radiação (Figura 7.1c), isto
é, a quantidade de energia disponível em superfície para gerar os fluxos turbulentos de calor sensível e
latente. Finalmente, a Figura 7.1d mostra que durante todos os meses do ano, a fração média mensal de
cobertura de nuvens na Amazônia é significativa, mesmo nos mais secos, entre julho a setembro.
As atividades de uso do solo e sua modificação são responsáveis pela maior contribuição brasilei-
ra para o aquecimento global antrópico devido à emissão de GEE em queimadas, tais como CO2, CH4 e
N2O (Cerri et al., 2009, cf. seção 7.5). Ainda assim não foram encontradas referências sobre cálculos da
FR antrópica sobre o Brasil devido à emissão desses gases. Por hora há apenas um esforço para a organi-
zação de inventários de emissões de GEE, que constitui um passo anterior necessário à quantificação da
FR devida a esses gases. Além de GEE, as queimadas originadas de atividades antrópicas emitem grande
quantidade de aerossóis, partículas microscópicas que constituem a fumaça originada em processos de
combustão. Essas partículas são agentes que influenciam o clima devido à sua interação direta com a
radiação solar, ou indireta pelo fato de causarem perturbações em nuvens, que por sua vez interagem
com a radiação solar e terrestre (Kahn et al., 2009). No Brasil, a FR antrópica, devido às interações direta
e indireta de aerossóis com a radiação solar vem sendo estudada há décadas, utilizando-se combinações
de resultados de medidas in situ, sensoriamento remoto e modelos radiativos. Dentre todos os agentes
climáticos antrópicos, a FR de aerossóis no Brasil é a melhor conhecida, com resultados que mostram
seu impacto à tropopausa (i.e. definição formal da FR), seu efeito radiativo sobre a coluna atmosférica,
sobre a superfície, interações indiretas envolvendo nuvens e alterações de sua microfísica (e.g. Martins et
al., 2011). Mais recentemente, há trabalhos que procuram explorar a variabilidade espacial e temporal
da FR antrópica devido a aerossóis (e.g. Patadia et al., 2008; Rosário, 2011). O monitoramento desse
componente da FR antrópica é essencial para conhecer o balanço de radiação sobre o Brasil e suas con-
sequências climáticas.
6
A data corresponde à chegada da Família Real portuguesa ao Brasil, iniciando uma fase de desenvolvimento
econômico acelerado (Fausto, 2002).
7
Estimativas anuais de desflorestamento disponíveis em http://www.obt.inpe.br/prodes/index.html
254 VOLUME 1
7.3.1 FORÇANTE RADIATIVA DIRETA DO AEROSSOL ANTRÓPICO
Aerossóis naturais ou antrópicos podem afetar o sistema climático interagindo diretamente com a
radiação, pelo espalhamento e absorção de radiação solar e terrestre. A esse efeito pode corresponder
tanto uma FR positiva, contribuindo para o aquecimento da superfície terrestre, quanto uma FR negativa,
correspondendo ao resfriamento da superfície, dependendo ultimamente das propriedades ópticas dos
aerossóis e da refletância da superfície. O estado de referência pode variar entre trabalhos distintos,
dificultando a comparação entre eles. Os autores adotam diferentes cenários, que variam desde uma
comparação com uma atmosfera sem a presença de aerossóis a uma atmosfera com concentração de
fundo de aerossóis. Esta concentração de fundo é subjetiva, pois pode ser a concentração da era pré-
industrial (referência adotada no IPCC AR4), que, por sua vez, depende de várias hipóteses consideradas
nos modelos, ou pode ser a concentração natural dos aerossóis na atmosfera, antes da perturbação
imposta pela atividade antrópica em questão.
Patadia et al. (2008) utilizaram observações por satélite com o uso de múltiplos sensores (MODIS,
MISR – Multi-angle Imaging Spectroradiometer e CERES, a bordo da plataforma Terra) sobre a região
amazônica para a estimativa das médias diurnas da FR direta dos aerossóis no topo da atmosfera para
dias sem nuvens. A FR foi encontrada pela diferença entre as irradiâncias obtidas pelo CERES na ausência
e na presença de aerossóis. Estes valores não podem ser obtidos simultaneamente para um mesmo pixel.
Portanto foi utilizada uma aproximação para a irradiância quando a profundidade óptica dos aerossóis
fosse igual a zero, através da intercepção da linha de regressão entre a profundidade óptica do aerossol
e a irradiância solar, obtidas, respectivamente, pelo MISR e pelo CERES. Os autores analisaram ob-
servações de cinco anos entre 2000 a 2005 (com exceção de 2004), obtendo a FR antrópica do aerossol
entre -5,2 W m-2 a -9,4 W m-2, com média no período de -7,6±1,9 W m-2. A profundidade óptica do
aerossol (em 560 nm) variou de 0,15 a 0,36, sendo a média dos cinco anos para os meses de agosto e
setembro8 igual a 0,24.
Utilizando uma metodologia semelhante àquela de Patadia et al. (2008), Sena et al. (2013)
calcularam a forçante direta de aerossóis antrópicos sobre a Amazônia entre 2000 e 2009, sobre regiões
com cobertura vegetal de floresta primária e de cerrado. Esses autores utilizaram medidas dos sensores
CERES e MODIS para avaliar a FR direta instantânea do aerossol antrópico, e desenvolveram um modelo
radiativo para a descrição do albedo de superfície para cálculos da FR média de 24h. Sobre a Amazônia
como um todo, Sena et. al., (2013) estimaram a FR de aerossóis como 5,6±1,7 W m-2, semelhante
ao valor encontrado por Patadia et al. (2008). Sena et al. (2013) estimaram a FR em 6,2±1,9 W m-2
sobre pixels classificados como floresta, e em 4,6±1,6 W m-2 para pixels sobre o cerrado. As diferenças
entre intensidades da FR sobre floresta e cerrado refletem heterogeneidades em escalas regionais, devido
principalmente a diferenças no albedo de superfície e na profundidade óptica média do aerossol antrópico
sobre esses biomas.
Zhang et al. (2008) utilizaram simulações com o modelo climático regional RegCM3 para estimar
a distribuição espacial da FR antrópica direta dos aerossóis sobre a América do Sul. O sensor MODIS e
o modelo global GOCART (Goddard Chemistry Aerosol Radiation and Transport) forneceram dados de
entrada da distribuição espacial da profundidade óptica dos aerossóis (em 550 nm), do fator de assimetria
e do albedo simples para o mês de setembro de 2002. A FR foi calculada considerando uma pluma de
fumaça distribuída homogeneamente na vertical em uma camada de 3 km de altitude e adotando-se,
como estado de referência, a ausência de aerossóis atmosféricos. Os autores obtiveram resultados que
apontam valores da FR direta dos aerossóis sem a presença de nuvens variando entre cerca de -8 a -1 W
m-2 no topo da atmosfera, e um efeito radiativo à superfície entre cerca de -35 a -10 W m-2. A eficiência
da FR direta sem nuvens, definida como a FR normalizada pela profundidade óptica dos aerossóis (t),
foi de aproximadamente -10 a -15 W m-2 t-1 no topo da atmosfera, e a eficiência do efeito radiativo à
superfície foi de -70 a -80 W m-2 t-1.
Agosto e setembro são os meses com maior concentração de aerossóis na atmosfera devido à estação seca e da
8
Procópio et al. (2004) utilizaram medidas de sensoriamento remoto obtidas através da AERONET
do MODIS (satélite Terra) para realizar análises temporais e espaciais da FR dos aerossóis na região ama-
zônica. Os autores apresentaram uma análise de sete anos (de 1993 a 1995 e de 1999 a 2002) das mé-
dias diárias da FR dos aerossóis sem a presença de nuvens para dois locais impactados pelas partículas
de queimadas. A FR diária foi calculada com um modelo de transferência radiativa (SBDART). Adotou-se
a condição de referência de profundidade óptica do aerossol igual a 0,11, no comprimento de onda de
500 nm, valor médio obtido para os períodos de estação úmida, através da AERONET. A pluma de fuma-
ça foi distribuída homogeneamente em uma camada de 1,6 km de altitude. A FR foi parametrizada em
função da profundidade óptica dos aerossóis, considerando-se, nos cálculos, a dinâmica espectral das
suas propriedades ópticas. As médias calculadas da FR dos aerossóis durante a estação seca (de agosto
a outubro) variaram entre -5,3 e -12,0 W m-2, no topo da atmosfera, e o efeito radiativo à superfície
variou entre -21,5 e -73,6 W m-2, para profundidades ópticas médias, observadas pela AERONET, entre
0,52 e 1,83 no comprimento de onda de 500 nm. A distribuição espacial da FR derivada das profundida-
des ópticas obtidas pelo MODIS sobre a Amazônia mostrou que a área afetada é de cerca de 1,2 a 2,6
milhões de quilômetros quadrados.
Além da interação direta entre aerossóis e radiação solar e terrestre, os aerossóis também in-
fluenciam o clima indiretamente, por atuarem como núcleos de condensação de nuvens e de gelo, com
o potencial de modificar a estrutura micro e macrofísica de nuvens, que por sua vez interagem com a
radiação solar e terrestre. Esses mecanismos são chamados coletivamente de efeito indireto de aerossóis
sobre o clima.
O efeito de aumento do tempo de vida médio de nuvens (efeito Albrecht, ou segundo efeito in-
direto de aerossóis) considera que a redução no tamanho das gotas afeta a eficiência de precipitação,
aumentando o conteúdo de água líquida e o tempo de vida médio de nuvens (Albrecht, 1989). O efeito
semi-direto de aerossóis (Hansen et al., 1997) considera que a interação de aerossóis com a radiação
solar modifica o perfil de temperatura e de umidade da atmosfera e propriedades da superfície, tais como
temperatura e fluxos de umidade, calor sensível e latente, fundamentais na determinação de propriedades
de nuvens. Ambos os efeitos, sobre a vida média de nuvens e o semi-direto, não podem ser considerados
256 VOLUME 1
agentes de FR de acordo com a definição da seção 7.2.1, uma vez que implicam modificações sobre o
ciclo hidrológico que levam a processos de retroalimentação climática.
Lohmann e Feichter (2005) analisaram trabalhos publicados após 2001, com estimativas da FR
indireta global devido ao efeito de albedo de nuvens, encontrando uma FR média de -1,0±0,4 W m-2.
Para o Hemisfério Sul, a FR indireta devido ao albedo foi de -0,70±0,45 W m-2, enquanto no Hemisfério
Norte foi de -1,7±0,2 W m-2. Trabalhos que consideraram o aerossol composto apenas de sulfato (e.g.
Quaas et al., 2004) apresentaram maiores valores da razão entre a FR no Hemisfério Norte e no Hemis-
fério Sul porque as emissões de queimadas, predominantes no Hemisfério Sul, foram modeladas como
pobres em sulfato e ricas em carbono.
Em escala regional, os efeitos radiativos indiretos dos aerossóis podem ser consideravelmente
maiores que as médias globais. Kaufman et al. (2005) estudaram os efeitos dos aerossóis em nuvens rasas
sobre o Oceano Atlântico usando inferências de cobertura de nuvens e de aerossóis do sensor MODIS
entre junho e agosto de 2002. Reanálises do NCEP-NCAR e uma regressão multivariada foram utilizadas
para separar a influência da meteorologia e isolar o efeito dos aerossóis. Os autores identificaram um
aumento da cobertura de nuvens rasas associado ao aumento da concentração de aerossóis. A média
do efeito radiativo total no topo da atmosfera devido aos aerossóis foi de -11±3 W m-2, sendo cerca de
2/3 devido ao efeito indireto e 1/3 devido à FR direta. Na região entre o Brasil e a África (20°S a 5°N),
que sofre grande influência de aerossóis de queimadas, Kaufman et al. (2005) encontraram um aumento
de 0,30±0,07 na cobertura de nuvens rasas ao comparar os casos poluídos e não poluídos. A FR devida
apenas ao efeito de aumento do albedo de nuvens foi estimada em -1,5 W m-2. Incluindo-se também o
aumento do conteúdo de água líquida e a mudança na cobertura de nuvens rasas, o efeito indireto total
chegou a -9,5 W m-2 nessa região. Este esfriamento é apenas parcialmente compensado pela absorção
de +2,9 W m-2 ao longo da coluna atmosférica. Um efeito semelhante pode ser esperado para regiões
do Pacífico Leste e da costa Sudeste do Brasil que sofrem influência das queimadas na Amazônia.
Ten Hoeve et al. (2011) usaram inferências da profundidade óptica de aerossóis, nuvens, vapor
de água e temperatura do sensor MODIS para examinar o efeito de aerossóis nas nuvens durante a es-
tação de queimada na Amazônia de agosto a outubro de 2004 a 2007. Os resultados foram analisados
separadamente para diferentes conteúdos de água na coluna atmosférica para isolar o efeito dos aeros-
sóis do efeito meteorológico. Os autores encontraram que a profundidade óptica das nuvens aumentou
com a profundidade óptica do aerossol até o limiar de aproximadamente 0,25, devido ao primeiro efeito
indireto. Acima deste limiar, a profundidade óptica das nuvens diminuiu, devido à inibição de formação
de gotas pelo efeito semi-direto. Os autores, entretanto, não forneceram estimativas numéricas da FR
indireta.
Efeitos de retroalimentação podem atuar simultaneamente aos efeitos indiretos de aerossóis. An-
dreae et al. (2004) observaram que queimadas na Amazônia reduziram o tamanho de gotas de nuvem
e tenderam a inibir a precipitação, sugerindo que esse processo elevaria a altitude do início da precipi-
tação, de 1,5 km acima da base das nuvens, típica da precipitação quente amazônica, para 5 km em
nuvens poluídas, e para mais de 7 km em pirocumulus. A liberação de calor latente em níveis mais altos
tornaria a convecção mais vigorosa provocando tempestades de raios e formação de granizo. Um estudo
observacional, realizado por Lin et al. (2006), mostrou, a partir da análise de dados obtidos via satélites,
a existência de correlações entre o aumento da concentração dos aerossóis emitidos por queimadas na
Amazônia e (1) o aumento da taxa de precipitação, (2) o aumento da ocorrência de eventos extremos
de precipitação, (3) aumento da cobertura de nuvens, (4) aumento da altura do topo das nuvens, (5)
aumento do conteúdo de água dentro das nuvens e (6) maior formação de gelo. Do ponto de vista de
estudos numéricos, Martins et al. (2009) obtiveram resultados similares num estudo de caso, no qual o
aumento da concentração de núcleos de condensação de nuvens, devido ao aumento da concentração
de aerossóis emitidos pelas queimadas na Amazônia, intensificou a taxa de precipitação de chuvas inten-
sas, ao passo que reduziu a probabilidade de ocorrência de nuvens precipitantes de intensidade baixa e
moderada. Segundo os autores, o aumento da poluição contribuiu para alterar o processo de formação
de chuva, de quente para frio, isto é, envolvendo a fase de gelo, embora apresentando grande varia-
bilidade espacial e temporal. Esses resultados mostraram o quão complexas são as interações entre os
diversos agentes climáticos e os efeitos que precisam ser entendidos e quantificados, e as dificuldades em
separá-los dos mecanismos de retroalimentação.
A emissão de GEE e de aerossóis corresponde a uma das parcelas mais significativas da FR antró-
pica. Designados em geral como poluentes atmosféricos, esses gases e aerossóis costumam ser divididos
em duas categorias: poluentes primários ou secundários. Poluentes primários são aqueles diretamente
emitidos por uma fonte. O carvão negro9 (aerossol produzido em processos de combustão) e o monóxido
de carbono (CO), por exemplo, são poluentes primários, ambos resultantes diretos da queima de matéria
orgânica. Já os poluentes secundários são aqueles formados na atmosfera através de reações químicas
entre poluentes primários e/ou componentes naturais da atmosfera. O ozônio (O3), um importante GEE,
é um dos principais poluentes secundários, resultante de reações químicas que envolvem óxidos de nitro-
gênio (NOx) e compostos orgânicos voláteis (COV) na presença de radiação solar. Material particulado
secundário também pode ser formado na atmosfera a partir de reações químicas que envolvem gases
como dióxido de enxofre (SO2), NOx e COV. A concentração atmosférica desses poluentes depende de
vários fatores e processos físicos: intensidade de emissões, reações químicas das fases gasosa e aquosa,
conversão gás-partícula, crescimento do aerossol por condensação ou dissolução, nucleação homogê-
nea e heterogênea, coagulação, transportes advectivo, convectivo e turbulento e remoções seca e úmida.
No Brasil, esses processos físico-químicos da atmosfera têm sido estudados tanto através de modelos
numéricos de dispersão e qualidade do ar quanto em campanhas experimentais.
9
Usualmente em publicações científicas no Brasil utiliza-se o termo original em inglês “black carbon”.
258 VOLUME 1
Recentemente realizaram-se campanhas experimentais para o estudo de poluentes atmosféricos
em diferentes ambientes, tais como: região amazônica (e.g. Ahlm et al., 2010; Artaxo et al., 2005; Carmo
et al., 2006; Chen et al., 2010; Gatti et al., 2010; Soto-García et al., 2011), área urbana (e.g. Albuquer-
que et al., 2011; Andrade et al., 2012; Martins et al., 2008; Miranda et al., 2012; Paulino et al., 2010;
Sánchez-Ccoyllo et al., 2009), região industrial (Quiterio et al., 2004), áreas de cultivo de cana-de-açú-
car (Lara et al., 2005), cerrado (Metay et al., 2007), entre outras. Nessas campanhas, em geral de curta
duração, monitoraram-se a concentração de gases traço (CO, NOx, O3, COV, SO2, CO2, CH4, N2O) e
foram realizadas diversas análises físico-químicas do material particulado. A Tabela 7.2 mostra resumida-
mente a variedade de equipamentos, condições de amostragem e poluentes monitorados em campanhas
recentes, indicando-se as concentrações médias e estimativas de emissões de espécies químicas.
Modelos numéricos, por sua vez, permitem uma avaliação mais ampla da distribuição dos po-
luentes em comparação com as medidas realizadas em campanhas experimentais, i.e., possibilitam uma
maior cobertura, tanto no espaço quanto no tempo, da evolução de concentração de poluentes. Essa
evolução é realizada através da solução numérica da equação da continuidade, na qual a concentração
de uma espécie química é função da sua dispersão pelo vento, sua produção ou consumo, sua emissão
e remoção. Atualmente, os modelos numéricos de dispersão e/ou de qualidade do ar têm sido divididos
em modelos acoplados (on-line) ou não acoplados (off-line).
Normalmente, nos modelos não acoplados o campo de vento e outras propriedades que descre-
vem a atmosfera são fornecidos por um campo numérico meteorológico externo. O modelo de dispersão
ou qualidade do ar considera as fontes emissoras de uma espécie química e os processos que controlam
a dispersão, as reações químicas e a sua remoção da atmosfera. Os primeiros estudos numéricos de
qualidade do ar para a Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) foram realizados no final da década
de 1990 com o modelo fotoquímico não acoplado CIT, desenvolvido no California Institute of Technolo-
gy, apenas para os poluentes gasosos. No estudo de Martins (2006) o modelo CIT, alimentado com as
saídas meteorológicas dos modelos RAMS (Regional Atmospheric Modeling System, http://rams.atmos.
colostate.edu/) e BRAMS (Brazilian developments on the Regional Atmospheric Modeling System, http://
brams.cptec.inpe.br/), foi utilizado para avaliar a sensibilidade da formação do ozônio troposférico às
emissões veiculares de COV e NOx na RMSP. O modelo CMAQ (Community Multiscale Air Quality, http://
www.cmaq-model.org/) é o modelo de qualidade do ar atualmente recomendado pela Agência de Prote-
ção Ambiental dos Estados Unidos para a descrição da formação de partículas de aerossol e de ozônio
troposférico. O CMAQ é um modelo não acoplado que utiliza as saídas meteorológicas do modelo WRF
(Weather Research and Forecasting Model, http://wrf-model.org) e as emissões geradas pelo modelo
SMOKE (Sparse Matrix Operator Kernel Emissions, http://smoke-model.org). Sua estrutura conta com um
modelo de transporte químico (CMAQ Chemical Transport Model – CCTM), responsável pela simulação
dos processos químicos, de transporte e deposição envolvidos na modelagem da qualidade do ar. São
consideradas as reações químicas na fase gasosa, a influência de nuvens no transporte, a química da fase
aquosa e a remoção úmida dos gases e aerossóis, além da modelagem do aerossol (nucleação, conden-
sação, coagulação, distribuição de tamanho, composição química, deposição seca e úmida). Albuquer-
que (2010) utilizou este modelo para avaliar a sensibilidade da formação dos aerossóis inorgânicos finos
na RMSP ao controle da emissão de seus precursores, os gases SO2, NOx e NH3.
260 VOLUME 1
a) número de amostras (n) e frequência de amostragem: contínua (cont), diária (24h), ou semanal (sem); b) concentração de
material particulado com diâmetro aerodinâmico 2,5 µm (MP2,5) ou 10 µm (MP10), moda fina (mf) ou grossa (mg), carbono
total (C), carbono elementar (CE), Black Carbon (BC). Emissão (E) de GEE em áreas aradas (AA) ou não aradas (NA), e emissão
de gases e aerossóis por frota predominante de veículos leves (vl) ou pesados (vp); c) estação chuvosa; d) estação seca.
O impacto de GEE no sistema climático pode ser expresso em termos de métricas de emissões, as
quais avaliam simultaneamente a quantidade de gás emitido e seu potencial impacto climático global. A
estimativa do volume emitido de cada GEE é apenas um indicativo quantitativo da presença de gases na
atmosfera. A contribuição efetiva de cada gás na atmosfera deve ser ponderada pelo seu peso molecular,
seu tempo médio de permanência na atmosfera e pelo efeito de aquecimento cumulativo de cada gás.
As métricas de emissão permitem comparar o efeito potencial da emissão de vários GEE e auxiliam nas
formulações de políticas públicas em relação às mudanças do clima. Diferentes formulações de métricas
de emissão são apresentadas na literatura (Kandlikar, 1996; Manne e Richels, 2001; Shine et al., 2005),
e aquelas utilizadas em inventários e relatórios oficias brasileiros são apresentadas no Painel 7.1.
Há um grande esforço nacional para se estimar a emissão de GEE no território brasileiro. O Bra-
sil, como signatário da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC,
da sigla em inglês), tem como uma de suas principais obrigações a elaboração e a atualização periódica
do Inventário Nacional de Emissões e Remoção Antrópica de Gases de Efeito Estufa. O primeiro inven-
tário brasileiro de GEE foi publicado em 2004 (MCT, 2004), e incluía dados de emissão e sequestro de
GEE para o período entre 1990 e 1994. Dados mais recentes foram publicados no Segundo Inventário
Nacional, que apresenta valores referentes aos anos de 1990 e 2005, e que utiliza a metodologia do
IPCC e da UNFCCC (MCT, 2009).
262 VOLUME 1
Painel 7.1 - Métricas de Emissão: Definições e Formulações
Diferentes formulações de métricas de emissão são encontradas na literatura. As adotadas pelo
IPCC são apresentadas abaixo.
Potencial de Aquecimento Global (PAG) é uma métrica que estima a contribuição relativa de
um determinado gás de efeito estufa para o aquecimento global em relação à mesma quantida-
de de um gás de referência, geralmente CO2, cujo PAG é definido como 1. A definição do PAG
para um composto i é apresentada na equação 7.2:
(eq. 7.2)
(eq. 7.3)
Outro esforço nacional para contabilizar a emissão de GEE é o Programa Brasileiro GHG Protocol,
implementado em 2008. Este programa é uma iniciativa do Centro de Estudos em Sustentabilidade,
da Fundação Getúlio Vargas, e do World Resources Institute (WRI)10 , em parceria com o Ministério
do Meio Ambiente, o Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável e o World
Business Council for Sustainable Development. Esse programa tem o objetivo de promover, por meio de
engajamento e capacitação técnica e institucional, uma cultura corporativa de caráter voluntário para a
identificação, o cálculo e a elaboração de inventários de emissões de GEE (http://www.ghgprotocolbrasil.
com.br/; Rusilo e Mañas, 2010).
Associado ao desenvolvimento metodológico (Brasil et al., 2007, 2008; Carvalho Jr. et al., 2007),
à elaboração e à atualização de inventários para estimar a quantidade de emissão e remoção de GEE,
existe um grande esforço da comunidade científica brasileira para identificar e estudar o perfil das fontes
de emissão dos GEE. Na seção seguinte são apresentados alguns desses trabalhos.
7.5.1. AS FONTES DE EMISSÕES DE GASES DE EFEITO ESTUFA
Os estudos e dados obtidos pela comunidade científica têm contribuído para a elaboração do
inventário nacional de emissões de GEE, sob coordenação do Ministério de Ciência e Tecnologia. O
conhecimento do perfil de emissões de GEE ajuda a estabelecer estratégias, metas e planos para a
redução e a gestão das emissões. A metodologia adotada para contabilizar essas emissões foi baseada em
observações experimentais locais ou regionais durante períodos limitados do ano, que foram extrapoladas
para todo o país. Essa metodologia inviabiliza uma análise temporal detalhada do comportamento das
emissões. Adicionalmente, observou-se que os inventários não apresentaram as incertezas experimentais,
inerentes a todo processo de medida, associadas às emissões. Resultados de emissão de GEE e suas
incertezas são importantes para identificar e avaliar o perfil das fontes de emissões e também para
projetar cenários futuros de emissões ou reduções das concentrações de GEE. As estimativas das emissões
são necessárias para a análise de medidas mitigadoras dos efeitos do aquecimento global, sejam elas
a escolha de tecnologias de controle, as avaliações de custos de abatimento, ou as ponderações da
participação de cada fonte e de cada país nas emissões globais (OECD, 1991).
10
O WRI é referência internacional para elaboração de inventários corporativos de GEE. Os inventários corpora-
tivos têm como principal relator as indústrias (privadas ou publicas) de diversos setores econômicos.
264 VOLUME 1
Tabela 7.3. Gases responsáveis pelo efeito estufa no Brasil e suas respectivas fontes de emissão.
Os resultados comunicados pelos inventários de emissões de GEE indicam que o Brasil contribui
significativamente para as emissões globais desses gases (Campos et al., 2005; Cerri et al., 2009). As
fontes de emissões advêm principalmente do uso do solo e da mudança de cobertura do solo (USMS)
(51,9% do total de emissões de GEE), queima de combustíveis fósseis (16,8%), fermentação entérica
devido ao manejo de gado (12,0%), solos agrícolas (9,3%), e outras fontes (10,0%). No contexto geral,
a emissão total de GEE em equivalente de CO2 aumentou em 17,0% durante o período de 1994-2005
(Cerri et al., 2009), sendo o CO2 responsável por 72,3% do total. De acordo com os autores houve uma
pequena diminuição em relação aos outros GEE, uma vez que em 1994 sua participação foi de 74,1%.
O aumento de todas as fontes dos GEE, excluídos a mudança do uso do solo e o desmatamento, foi de
41,3% durante o período de 1994-2005. O Climate Analysis Indicators Tool (CAIT) do World Resources
Institute estimou um crescimento maior desse subconjunto de fontes, equivalente a 48,9% das emissões
em 2009 (WRI, 2009). O total de emissão apresentado nessa referência foi de 1005 Mt CO2-e, incluindo
as emissões de CH4 e N2O, mas excluindo USMS. A maior parcela de emissões de CO2 no Brasil é
devido a USMS (76% das emissões totais de CO2), em particular associada à conversão da floresta
em agropecuária (MCT, 2004, 2009). O desmatamento é causado pelo processo de derrubamento de
árvores e por incêndios florestais.
Reservatórios de hidroelétricas são sistemas aquáticos artificiais e têm sido identificados como
emissores de quantidades significativas de GEE (Fearnside, 2004; Kemenes et al., 2007; Rosa et al.,
2004; Santos et al., 2005, 2006, 2008; St Louis et al., 2000), principalmente CO2 e CH4. A emissão
de CO2 em reservatórios ocorre devido à decomposição aeróbica de biomassa de floresta morta. O
CH4 é produzido principalmente por bactérias que participam do ciclo de decomposição subaquática do
carbono existente na matéria orgânica remanescente da época da formação da represa, ou na matéria
transportada, na forma de sedimentos, pelos rios que deságuam no reservatório (Giles, 2006; Rosa et al.,
2004). Em estudo realizado numa hidroelétrica localizada em área de floresta boreal, Teodoru et al. (2012)
estimaram que as emissões de CO2 e CH4 se estabilizariam num intervalo de 10 a 15 anos, embora em
patamares acima dos valores emitidos antes da inundação. Os autores sugerem que em regiões tropicais
o tempo necessário pode ser ainda maior, devido aos maiores valores de temperatura dessas regiões. Um
levantamento efetuado por Barros et al. (2011) mostrou alta variabilidade de emissões de CO2 e CH4 em
função do tempo de inundação e da latitude das hidroelétricas, com concentrações elevadas em algumas
das regiões estudadas mesmo após 40 anos da inundação. Fearnside e Pueyo (2012) também estimaram
que as emissões após a inundação de hidroelétricas nas regiões tropicais podem continuar elevadas
por décadas. O CH4 permanece dissolvido na água, principalmente nas camadas mais profundas do
reservatório, e escapa para a atmosfera quando passa pelas turbinas e pelos vertedouros de usinas
hidrelétricas. As estimativas oficiais brasileiras apenas consideraram as emissões que ocorreram
266 VOLUME 1
na área superficial da represa, o que representa uma fração relativamente pequena do impacto total do
gás (Fearnside, 2004). Santos (2000) apresentou uma metodologia para contabilizar as emissões de GEE
derivadas de diferentes reservatórios hidrelétricos brasileiros e extrapolar os valores para o parque hidrelé-
trico do país. As estimativas das taxas de emissão foram baseadas em dados observados em experimentos
realizados em sete hidrelétricas brasileiras com características distintas. O estudo mostrou que a fonte de
emissão advinda de hidrelétricas variou de acordo com o tipo de ecossistema pré-existente inundado (e.g.
floresta, cerrado, caatinga, etc.), idade do lago (anos), potência gerada (MW) e densidade superficial de
potência de funcionamento (Wm -2). A metodologia usada foi por amostragem em diversos pontos da
represa e extrapolada para toda represa. Diversos estudos têm concentrado particular atenção à emissão
de GEE nos afluentes do Rio Amazonas (Devol et al., 1988; Kemenes et al., 2007; Richey et al., 2002;
Santos et al., 2008). Devol et al. (1988) mediram fluxos de CH4 em áreas de alagamento pelo Rio Amazo-
nas durante o início do período chuvoso. A emissão média encontrada foi de 75 kg C km-2 dia-1 em área
de floresta alagada, 90 kg C km-2 dia-1 em lagos, e 590 kg C km-2 dia-1 em áreas de plantas flutuantes.
Este capítulo apresentou uma revisão de trabalhos científicos e documentos que analisaram di-
versos aspectos relacionados à forçante radiativa de agentes climáticos naturais e antrópicos. Uma parte
significativa dos trabalhos avaliou efeitos climáticos relevantes sobre o Brasil, sem, no entanto, quantificar
a FR propriamente dita. Com relação a efeitos climáticos devido à atividade solar, identificam-se duas
questões, ainda em aberto, complementares à estimativa de sua FR: 1) Qual a influência da atividade
solar sobre a atmosfera superior, incluindo a ionosfera e a camada de ozônio estratosférico, e a interação
dessas camadas atmosféricas com a circulação troposférica global?; 2) As periodicidades observadas
no registro de variáveis meteorológicas e ambientais, no Brasil, e eventualmente correlacionadas com a
atividade solar, são estatisticamente coerentes com registros de outros locais do planeta? Essas questões
subjacentes são relevantes para a discussão da FR, uma vez que a atividade solar pode exercer impactos
globais em escalas de décadas a séculos, e os fenômenos físicos que descrevem as interações entre o Sol
e a atmosfera terrestre, incluindo processos de retroalimentação do ciclo hidrológico, ainda não foram
adequadamente estudados.
Em escalas de milhares de anos, as oscilações orbitais são determinantes para o clima do pla-
neta, mas no presente, em escalas de tempo relevantes para a vida humana, sua influência é mínima.
Dentre os agentes climáticos atuais discutidos neste capítulo, os mais significativos em magnitude, no
Brasil, são os efeitos radiativos de nuvens, a forçante radiativa dos gases de efeito estufa, a forçante de
mudança de uso do solo, e a dos aerossóis emitidos por fontes antrópicas. No caso das nuvens, esse
efeito radiativo é natural. Quando suas propriedades são alteradas pela ação humana (e.g. efeitos in-
diretos de aerossóis, mudança de propriedades da superfície, entre outros) podem haver processos de
retroalimentação com impactos sobre o ciclo hidrológico, causando alterações na disponibilidade de
água doce, ou na frequência de ocorrência de eventos extremos de precipitação, como secas ou tem-
pestades severas.
A Tabela 7.4 mostra a compilação das estimativas, apresentadas neste capítulo, de efeitos ra-
diativos e da forçante radiativa natural e antrópica, com ênfase sobre o Brasil e a América do Sul. A
tabela indica a região geográfica para a qual as estimativas foram realizadas, o nível vertical na atmos-
fera a que se referem, seu domínio temporal (impacto instantâneo, médias de 24 horas, ou de 1 ano),
e as fontes principais de dados utilizadas nos cálculos (resultados de modelo, dados de satélite, etc.).
Figura 7.4. Quantificação da forçante radiativa do aerossol antrópico, da mudança no uso do solo e do efeito radiativo de
nuvens sobre o Brasil e a América do Sul.
268 VOLUME 1
Amazônia TDA, 24hc -9,8 Modelo climáti- Liu, 2005
co, medidas
in-situ
Total
Aerossóis e Atlântico tropical TDA, 24he -11,3 Satélite, modelo Kaufman et al.,
Nuvens radiativo 2005
SUP, 24h e
-8,4
América do Sul TDA, 24h [-10; +15] Modelo climáti- Zhang et al.,
[-35; -5] co, satélite 2008
a) Indica a posição vertical na coluna atmosférica (TDA: topo da atmosfera; SUP: superfície; ATM: coluna atmosféri-
ca) para a estimativa em questão, o domínio temporal de cálculo (valor instantâneo, média de 24h ou média anual),
e o componente do efeito indireto analisado (alb: albedo; ind: total dos efeitos indiretos); b) Valores entre colchetes
indicam intervalos de mínimo e máximo apresentados nas referências. Quando disponíveis, as incertezas apresenta
das pelos autores são indicadas; c) Domínio temporal presumido (não informado explicitamente na referência); d)
Estado de referência com profundidade óptica de aerossóis de 0,11; e) Estado de referência com profundidade
óptica de aerossóis de 0,06.
A Tabela 7.4 indica que as nuvens constituem o agente climático mais importante do ponto de vis-
ta de balanço de radiação, reduzindo em até 110 W m-2 a incidência de radiação à superfície (Betts et al.,
2009), e contribuindo com cerca de +26 W m-2 no topo da atmosfera (Miller et al., 2012). Cabe ressaltar
que a partição, ou a distribuição vertical de nuvens, desempenha um papel fundamental na quantificação
desse efeito radiativo: nuvens altas tendem a contribuir com um efeito de aquecimento da coluna atmos-
férica, enquanto nuvens baixas tendem a resfriá-la. Justamente pelo fato das nuvens desempenharem um
papel tão significativo no balanço de energia do planeta, as incertezas na sua distribuição vertical, bem
como nas estimativas de suas demais características físicas, precisam ser adequadamente exploradas em
modelos climáticos para que os cálculos de transferência radiativa na atmosfera sejam consistentes com
medidas experimentais.
Para o efeito direto de aerossóis sobre a Amazônia, considerando-se a média ponderada dos
valores no topo da atmosfera, para autores que informaram as incertezas de suas estimativas (Patadia et
al., 2008; Procopio et al., 2004; Sena et al., 2013), obtém-se -8,0±0,5 W m-2. Esse valor é compatível
com a estimativa da forçante radiativa de mudança do uso do solo na Amazônia, de cerca de -7,3±0,9
W m-2 (Sena et al., 2013), devido ao desmatamento de uma região florestada em Rondônia.
As estimativas de forçante radiativa para os efeitos indiretos de aerossóis apresentaram uma am-
pla gama de valores. A maioria dos resultados tem sinal negativo, variando entre cerca de -9,5 a -0,02 W
m-2 para diferentes tipos de superfície, indicando condições de resfriamento climático. No entanto, Zhang
et al. (2008) obtiveram valores positivos para essa forçante sobre a Amazônia. Este é um tópico que ainda
necessita de mais estudos de caracterização e verificações independentes, para que esse componente da
forçante antrópica sobre o Brasil possa ser adequadamente representado em modelos climáticos.
Não se encontrou trabalhos discutindo a forçante radiativa no Brasil devido ao aerossol de origem
urbana, ao aerossol natural de poeira oriunda da África, ou de erupções vulcânicas, nem à formação
de trilhas de condensação pelas atividades da aviação comercial. Essas forçantes radiativas, por hora
desconhecidas, podem, ou não, serem comparáveis àquelas devido a gases de efeito estufa e aerossóis
antrópicos, que foram identificadas pelo IPCC AR4 como os dois principais agentes climáticos antrópi-
cos para o planeta. A única estimativa da forçante radiativa antrópica devido à alteração do albedo da
superfície, numa região de desflorestamento na Amazônia, mostra esse agente climático com magnitude
semelhante à da forçante radiativa de aerossóis de queimada. Porém, cabe ressaltar que o desmatamento
na Amazônia tem caráter virtualmente “permanente” (i.e. a maioria das áreas degradadas em geral não
volta a ser recomposta como floresta primária), enquanto aerossóis de queimada têm vida média da or-
dem de dias. Essas observações indicam a necessidade de se realizar estudos mais aprofundados sobre
A análise dos trabalhos utilizados na elaboração deste capítulo coloca em evidência a existência
de lacunas significativas em estudos de forçantes radiativas no Brasil. Conhecer com precisão a magni-
tude dessas forçantes, e aprimorar a compreensão de seus impactos, resultará em melhorias nos modelos
de previsão de tempo e clima. Tais modelos são ferramentas importantes para instrumentalizar a tomada
de decisões políticas e econômicas diante das mudanças climáticas que vêm atuando no país.
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278 VOLUME 1
ÍNDICE
8.1 INTRODUÇÃO
Modelos climáticos globais e regionais têm tido grandes avanços nos últimos anos em termos
da representação de processos e fenômenos críticos para estudo das mudanças climáticas globais, seus
impactos sobre o Brasil e ações de mitigação. Parte do avanço vem do aumento da resolução espacial e
parte da inclusão de controles climáticos provenientes de novas componentes do sistema e da interação
entre elas. O Brasil tem se destacado nesta área, através do desenvolvimento de modelos atmosféricos
globais e regionais, a exemplo dos modelos atmosféricos globais do INPE/CPTEC e do modelo regional
Eta. Como fruto da maturidade em modelagem atmosférica e ambiental brasileira, surgiu e está em pleno
desenvolvimento o Modelo Brasileiro do Sistema Terrestre (Brazilian Earth System Model - BESM), coorde-
nado pelo INPE com participação de diversas Universidades e instituições de pesquisa no Brasil e no exte-
rior, com suporte do Programa FAPESP de Pesquisa em Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG), Instituto
Nacional de Pesquisa em Mudanças Climáticas Globais (INCT-MC) e a Rede Brasileira de Pesquisa em
Mudanças Climáticas Globais (Rede CLIMA). O BESM é baseado no modelo acoplado oceano-atmosfera
global do INPE/CPTEC, ao qual estão sendo integrados componentes de química atmosférica e aerossóis,
vegetação dinâmica, fogo e hidrologia continental, gelo e biogeoquímica marinha, além da descarga flu-
vial nos oceanos. Característica marcante do BESM é sua ampla gama de atuação, abrangendo escalas
de tempo de dias à paleoclimática.
Este capítulo sintetiza a produção brasileira do conhecimento sobre a modelagem climática glo-
bal e regional, e a avaliação do desempenho destes modelos pertinente às mudanças climáticas globais.
280 VOLUME 1
8.2 A HIERARQUIA DOS MODELOS ACOPLADOS, GLOBAIS E REGIONAIS, IN-
CLUINDO MÉTODOS DE DOWNSCALING ESTATÍSTICO
8.2.1 MODELAGEM ATMOSFÉRICA GLOBAL
Até o presente, o único modelo de circulação geral da atmosfera (MCGA) desenvolvido na Améri-
ca do Sul com resultados publicados sobre estudos do clima é o modelo atmosférico global do INPE/
CPTEC (Cavalcanti et al., 2002; Marengo et al., 2003).
O MCGA do INPE/CPTEC tem sido desenvolvido pelo CPTEC desde a sua versão inicial do Center
for Ocean–Land–Atmosphere Studies (COLA) de 1994. As características atmosféricas climatológicas glo-
bais representadas com a primeira versão brasileira do MCGA do COLA, referido como MCGA CPTEC/
COLA foram apresentadas em Cavalcanti et al. (2002), onde há uma descrição detalhada desta versão do
modelo. A variação sazonal da precipitação, pressão ao nível do mar, ventos em altos e baixos níveis, bem
como a estrutura vertical dos ventos e temperatura é bem simulada pelo MCGA CPTEC/COLA. Os princi-
pais centros associados a ondas estacionárias nos dois hemisférios são razoavelmente bem reproduzidos.
Entretanto a precipitação é subestimada principalmente na região da Indonésia, da Amazônia e centro-sul
da América do Sul e superestimada no Nordeste do Brasil, na zona de convergência intertropical (ZCIT) e na
zona de convergência do Atlântico Sul (ZCAS). Embora erros sistemáticos ocorram nas regiões tropicais, as
melhores correlações entre anomalias de precipitação do modelo e as anomalias observadas ocorrem na
região que inclui o norte do Nordeste do Brasil, leste da Amazônia e Região Sul do Brasil.
Análises dos fluxos de radiação solar que chegam à superfície simulados pelo MCGA CPTEC/
COLA indicaram valores maiores que os observados nas situações com céu claro e com nuvens (Tarasova e
Cavalcanti, 2002). O viés nos fluxos com céu claro ocorria devido à falta do efeito de aerossóis no código
de radiação de ondas curtas do modelo, enquanto o viés nos fluxos quando as nuvens estão presentes era
associado às deficiências na simulação das nuvens. O excesso de radiação de onda curta que chega à su-
perfície foi reduzido com a implementação de um esquema de parametrização de radiação de ondas curtas
-CLIRAD- em uma nova versão do modelo MCGA CPTEC/COLA (Tarasova et al., 2007). A mudança de
parametrização, além de aproximar os fluxos de radiação simulados aos observados, apresentou impactos
na precipitação, reduzindo o viés na Indonésia e na região da ZCAS (Barbosa e Tarasova, 2006; Barbosa et
al., 2008). O esquema de radiação utilizado pelo modelo unificado do UK Met Office, o qual inclui ondas
curtas e longas, foi também implementado como uma outra opção no MCGA CPTEC/COLA (Chagas e
Barbosa, 2008). Este esquema produziu fluxos mais próximos aos observados, comparados com os esque-
mas anteriores, com impactos tanto positivos quanto negativos na precipitação.
O MCGA do CPTEC originado do COLA (Cavalcanti et al. 2002) (MCGA CPTEC -V.1.0)
sofreu muitas modificações durante a última década. Com novas físicas na convecção e radiação
o modelo passou para a versão MCGA CPTEC -V.3.0. Esta versão é utilizada pelo Brazilian Earth
System Model Ocean–Atmosphere version 2.3 (BESM-OA2.3) em simulações decadais e centeniais
(Nobre et al, 2013). Nos últimos três anos a versão MCGA CPTEC -V.3.0 sofreu profundas modifi-
cações de suas formulações dinâmica e física, entre elas a formulação espectral Divergência-Vorti-
cidade foi modificada para formulação espectral U-V e foi excluída a difusão na umidade espectral,
tratando este em pontos de grade. Na parte física foram excluídas parametrizações obsoletas e incor-
porados esquemas mais sofisticados e modernos de superfície, camada limite, microfísica, proprieda-
des óticas, ondas de gravidade, etc. Adicionalmente, nesta versão, com uso de Cloud Resolving Model
O MCGA do CPTEC possui uma versão para estudos do paleoclima em que foram inseridos os
parâmetros orbitais para a integração por milhares de anos (Melo e Marengo, 2008). Os resultados desta
versão podem ser encontrados no Capítulo 5 deste relatório.
Os campos de temperatura da superfície do mar (TSM) sobre os oceanos Atlântico Tropical e Pa-
cífico equatorial são importantes condicionantes do estado médio do clima e sua variabilidade interanual
sobre a América do Sul (Moura and Shukla 1981; Nobre and Shukla 1996; Shukla 1981, 2000; Shukla
and Fennessy 1988; Ward and Folland 1991). Estudos que utilizam modelos acoplados oceano-atmosfera
de complexidade intermediária sugerem que a variabilidade interannual das TSM no oceano Atlântico é
mantida através de perturbações atmosféricas de origem remota (Zebiak 1993, Nobre et al. (2003).
O estudo de variabilidade sazonal da ZCAS utilizando o BESM (Nobre et al., 2012), mostrou des-
treza de previsibilidade das anomalias de precipitação sobre águas frias no Atlântico Tropical Sul, fenômeno
este não simulado por modelos atmosféricos globais forçados por campos observados de TSM (Marengo et
al. 2003; Nobre et al. 2006). Este foi o primeiro resultado publicado utilizando um modelo acoplado oce-
ano-atmosfera suportando as indicações anteriores da importância dos processos de acoplamento oceano-
-atmosfera sobre o Atlântico Sul relativos à dinâmica da ZCAS (Chaves and Nobre 2004; De Almeida et al.
2007), os quais necessitam ser considerados para a modelagem do sistema climático global. Tal evidência
é suportada pelos resultados de investigação com modelo acoplado oceano-atmosfera sobre o papel da
Corrente das Agulhas no transporte meridional de calor e modulação das TSM sobre o Atlântico Sul utili-
zando o modelo acoplado oceano-atmosfera SPEEDO (Haarsma et al., 2008, 2011) e sobre a importância
em corretamente simular os processos dinâmicos e termodinâmicos no Atlântico Tropical e América do Sul
na modulação da ZCIT (Bottino and Nobre 2013; Rodrigues et al. 2011). A capacidade de modelagem do
Oceano Austral pelo modelo acoplado CCSM4 é abordado por Weijer et al. (2012) e os efeitos da cober-
tura de gelo Antártico no clima do Hemisfério Sul pesquisado por Raphael et al. (2010).
As principais características do BESM estão listadas na Tabela 8.1. A contribuição pioneira do Bra-
sil para os cenários globais de mudanças climáticas foi realizada com os cenários gerados pelo modelo
BESM-OA2.3 com participação no projeto CMIP5 (Nobre et al 2013).
1. Nobre, P., et al., Climate simulation and change in the Brazilian Climate Model. J. Climate, 2013: p.
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phere. J. Atmos. Sci., 1974. 31: p. 118-133.
Há dois tipos básicos de abordagem utilizados para downscaling: a abordagem dinâmica, dis-
cutida nesta seção, e a estatística, discutida na próxima seção. A primeira abordagem inclui o desen-
volvimento de modelos (dinâmicos) climáticos regionais (MCR) utilizando condições iniciais e de contorno
oriundas de MCG. Tais modelos têm a capacidade de representar fenômenos meteorológicos de escala
global e com o aninhamento de grades refinadas conseguem também representar de forma mais acurada
os fenômenos de escala local.
O modelo espectral regional RSM (Regional Spectral Model) (Juang e Kanamitsu, 1994) tem sido
empregado em previsões climáticas no Nordeste do Brasil (Nobre et al, 2001; Sun et al, 2005). Nobre et
al. (2001) aninharam o modelo RSM a 3 membros de previsões do ECHAM3 (Roeckner et al. 1992) para
o período de janeiro a abril de 1999, a estação chuvosa do Nordeste do Brasil. Eles mostraram que o
RSM melhorou a posição da ZCIT e consequentemente melhorou a distribuição das chuvas na região. Sun
et al. (2005) produziram integrações de seis meses para a estação chuvosa do período de 1971-2000, e
encontraram que o RSM corrigiu a posição da ZCIT do ECHAM4.5, mas que subestimou a precipitação
na região.
Da Rocha et al. (2009) utilizaram o modelo RegCM3 forçado com reanálises do NCEP-NCAR
(Kalnay et al., 1996) como condições de contorno e TSM observada para reproduzir o clima de verão nos
meses de dezembro, janeiro e fevereiro sobre uma área que cobria grande parte do território brasileiro.
Nestas simulações mostrou-se que o modelo é capaz de reproduzir as principais características de cir-
culação de verão como a banda de precipitação associada à ZCAS e o ciclo diurno da precipitação em
diferentes áreas do domínio. Diagnosticou-se como uma das principais falhas do modelo a produção de
precipitação particularmente sobre o Oceano Atlântico que foi em grande parte gerada pelo esquema
de precipitação explícita do modelo, havendo reduzida precipitação pelo esquema de parametrização
convectiva.
Pilotto et al. (2012) mostraram que o aninhamento do modelo atmosférico regional Eta nos cam-
pos de saída do modelo global atmosférico e do modelo acoplado oceano-atmosfera do INPE produziu
uma melhora significativa nos fluxos de calor e momento na superfície e nos campos de precipitação
sobre o Atlântico Tropical, relativamente aos resultados de ambos modelos globais. Os resultados do
modelo Eta aninhado no modelo acoplado apresentaram os menores erros quando comparados com
observações.
A versão Eta-CCS utilizada no projeto CREAS foi desenvolvida por Pisnichenko e Tarasova (2009).
Esta versão reproduzia os padrões de precipitação sobre o continente, apesar da subestimativa durante
o verão. Uma nova versão do modelo, o Eta-CPTEC, foi desenvolvida (Pesquero et al., 2009), indepen-
dentemente, da versão Eta-CCS e sob encomenda do Ministério da Ciência e Tecnologia para apoiar a
elaboração da Segunda Comunicação Nacional (Brasil, 2010). A versão Eta-CPTEC inclui o aumento dos
níveis de concentração de CO2 segundo o cenário de emissão, variação diária do estado da vegetação
ao longo do ano, que são características importantes para estudo em integrações de mudanças climáti-
cas e que são algumas das características que distinguem a versão Eta-CPTEC do Eta-CCS. O modelo
Eta-CPTEC foi utilizado para produzir a regionalização do cenário A1B fornecido pelo modelo HadCM3,
em 4 versões de perturbação do modelo global. Nesta nova versão do modelo, foi incluída a incerteza
das condições de contorno provenientes dos 4 membros do cenário A1B do modelo HadCM3. O mo-
delo regional foi integrado na resolução horizontal de 40 km, para os períodos de 1961-1990 (Chou et
al., 2012) e os cenários futuros em 3 períodos de 30 anos, de 2011-2040, 2041-2070 e 2071-2100
(Marengo et al., 2012). O clima presente reproduzido pelo Eta-CPTEC mostrou boa concordância com
as observações disponíveis de temperatura e precipitação, e com a circulação de altos e baixos níveis dos
dados de reanálises (Chou et al., 2012).
As principais características dos modelos regionais utilizados por grupos brasileiros para geração
de cenários de mudanças climáticas estão resumidas na Tabela 8.2.
284 VOLUME 1
MCR Instituição Referência Resolução Prazo in- Con- Microfísi- Radiação Esquema Condição Camada
espacial tegração vecção ca de de su- de contor- limite
cumulus nuvens perfície no planetária
sobre América do Sul.
Eta- INPE Pesque- 40km/38L 1961- Betts e Zhao Lacis e Chen e Mesinger Mellor
CPTEC ro et al. 1990; Miller scheme Hansen Dudhia (1977) Yama-
(2009); 2011- (1986); (Zhao et (1974); (2001; da 2.5
285
Alves e Marengo (2010) avaliaram o clima presente reproduzido pelo modelo HadRM3P aninha-
do nas simulações globais geradas pelo HadAM3P (Gordon et al., 2000) e encontraram erros sistemáti-
cos negativos na temperatura em áreas tropicais. A precipitação por sua vez apresentou erros sistemáticos
negativos durante a estação chuvosa, portanto subestimativa, na parte central do continente, e erros de
pequena magnitude na mesma região durante a estação seca.
Pesquero et al. (2009) utilizaram o Modelo Eta para reproduzir o clima presente sobre América do
Sul, na resolução de 40 km, 38 camadas verticais e condições de contorno do modelo HadAM3P para
o período de 1979-1989. Os resultados apresentaram subestimativa da precipitação sobre a Amazônia
no período chuvoso. Este erro apresentou menor magnitude que o erro dos modelos globais utilizados
como condição de contorno lateral. Também, uma superestimativa da precipitação na região central do
país e sobre regiões de montanhas foi observada, apesar de que a escassez de observações em regiões
de montanha limita a confiabilidade da estimativa do erro. Estes resultados foram confirmados por Chou
et al (2012), no seu trabalho Downscaling of South America present climate driven by 4-member HadCM3
runs.
No uso de um conjunto perturbado de condições de contorno, Chou et al. (2012) mostraram que
o espalhamento entre os 4 membros das simulações de precipitação e de temperatura do Modelo Eta
era menor que a raiz do erro quadrático médio daquelas variáveis no clima presente. Comparando estes
resultados com aqueles do modelo global que forneceu as condições de contorno lateral, mostrou-se que
espalhamento e os erros eram de magnitude comparável ao do HadCM3, o que indica que o conjunto
simulado do clima presente pelos modelos regionais herdou as mesmas características do conjunto de
modelos globais.
São também conhecidos como métodos de desagregação ou refinamento estatístico e podem ser
de natureza temporal, como, por exemplo, em Mendes e Marengo (2010), espacial (Ramos, 2000) ou
ainda envolvendo os dois tipos de dimensões (escalas) simultaneamente. Uma revisão detalhada sobre
métodos para downscaling estatístico é apresentada em Fowler et al. (2007).
Wilby et al. (2004) classificam os métodos de downscaling estatístico em três categorias, a) Méto-
dos baseados na classificação de padrões de tempo: nesta abordagem, variáveis climáticas locais são
relacionadas com classes de tempo de escala sinótica (Fowler et al., 2007); b) Geradores de tempo: são
modelos que produzem séries temporais sintéticas de variáveis meteorológicas para uma determinada
região; e c) Modelos de Regressão: estimam relações quantitativas entre preditores oriundos de MCG
e variáveis prognósticas locais utilizando modelos empíricos (Fowler et al., 2007; Mendes et al., 2009).
Uma quarta abordagem conhecida como análise de sobrevivência (Maia e Meinke, 2010) também pode
ser usada para downscaling estatístico. No Brasil esse tipo de modelo estatístico foi usado para gerar
projeções de início de estação chuvosa em função de preditores derivados do fenômeno ENOS (Maia et
al., 2011).
Algumas experiências de downscaling estatístico para o Brasil estão sumarizadas na Tabela 8.3. A
variável prognóstica mais frequente é a precipitação; entre os métodos utilizados, há uma predominância
do uso de redes neurais artificiais e análise de regressão.
286 VOLUME 1
Tabela 8.3 Exemplos de publicações sobre experiências de downscaling estatístico para o Brasil.
As vantagens e limitações dos principais métodos de downscaling estatístico, de acordo com Wilby et al.
(2004), estão resumidos na Tabela 8.4.
Tabela 8.4. Sumário de vantagens e limitações dos principais métodos de downscaling estatístico (adapta-
do de Wilby et al., 2004).
288 VOLUME 1
A importância de processos de retroalimentação oceano-atmosfera também foi explicitada por vá-
rios trabalhos no caso da formação da ZCAS. Chaves e Nobre (2004) foi o primeiro trabalho que sugeriu
que a ocorrência de precipitação sobre águas mais frias observadas no caso de ocorrência de ZCAS,
documentada por Robertson e Mechoso (2000) é uma decorrência de um processo de retroalimentação
radiação solar-nuvens-TSM, com o aumento da nebulosidade associada à ocorrência da ZCAS, redução
da radiação solar incidente sobre o oceano e consequente esfriamento e queda das TSM. O trabalho de
De Almeida et al. (2007) utiliza um oscilador estocástico não linear para mostrar que processos de retroali-
mentação oceano-atmosfera explicam parte da variabilidade na TSM e nebulosidade do Atlântico Sudoeste
associados à ZCAS durante o verão austral. Nesse estudo a presença de uma anomalia de TSM positiva no
Atlântico sudoeste aumenta a formação de nebulosidade na região da ZCAS, a qual por sua vez diminui o
fluxo de radiação de onda curta à superfície do oceano, acarretando o resfriamento da superfície do mar. Já
as evidências mais contundentes sobre a importância dos processos de retroalimentação oceano-atmosfera
para a formação e manutenção da ZCAS foram apresentadas por Nobre et al (2012). Utilizando dados de
bóias do Projeto PIRATA no Atlântico Sudoeste e resultados do modelo acoplado global BESM, os autores
demonstraram que a ZCAS representa um processo termodinâmico indireto, com aumento da precipitação
e movimento vertical ascendente sobre águas mais frias, somente representável pelo modelo acoplado oce-
ano-atmosfera, uma vez que modelos atmosféricos forçados por campos prescritos de TSM geram aumento
hidrostático, termicamente direto, de precipitação sobre águas mais aquecidas, como é o caso da ZCIT
ambos sobre o Atlântico e o Pacífico. Assim, Nobre et al (2012) agregaram evidências observacionais e
de modelagem numérica às hipóteses de processos de retroalimentação oceano-atmosfera levantados nos
trabalhos de Chaves e Nobre (2004) e De Almeida et al. (2007) descritos acima.
O trabalho de Nobre et al (2013) analiza os cenários globais de mudanças climáticas gerados pelo
modelo BESM-OA2.3, utilizando os “Radiative Concentration Pathways” - RCP 4.5 e RCP 8.5 do projeto
CMIP5. Neste trabalho, os autores demonstram a capacidade do modelo BESM representar o clima atual
da Terra, assim como prever mudanças climáticas induzidas pelo aumento do CO2 atmosférico prescritos,
para o período de 2010 a 2100. Dentre os principais resultados encontrados está a capacidade do BESM
em reproduzir o padrão de dipolo de TSM e ventos sobre o Atlântico Tropical (Nobre and Shukla, 1996) no
clima presente, porém sugerindo uma redução do período característico de oscilação decadal deste padrão
climático. Além deste, o BESM-OA2.3 prevê um maior aquecimento atmosférico sobre as regiões polares
do Hemisfério Norte, similarmente ao previsto por outros modelos do projeto CMIP5.
8.3.2 RADIAÇÃO-NUVEM
O IPCC (2007) reporta que progressos substanciais têm sido obtidos na compreensão das diferenças
entre modelos no que concerne à sensibilidade do sistema climático frente à forçante radiativa das nuvens.
Atualmente, a média global da forçante radiativa devido às nuvens é negativa (elas exercem um efeito de
resfriamento no clima). Em resposta ao aquecimento global, o efeito de resfriamento pode ser fortalecido ou
enfraquecido e produzir uma retroalimentação radiativa variável no próprio aquecimento do clima. Estudos
recentes mostram que diferenças nos processos de retroalimentação das nuvens permanecem como a prin-
cipal fonte de incerteza na sensibilidade climática dos modelos de circulação geral (e.g., Dufresne e Bony,
2008). Zhang et al. (2010) observam que estas questões estão relacionadas com vários fatores: 1) o sinal
de retroalimentação das nuvens é pequeno e a variabilidade temporal e espacial das nuvens são tipicamente
muito maiores; 2) as nuvens são altamente interativas com a dinâmica da circulação atmosférica; 3) em um
MCGA, as nuvens são simuladas com uma trama interativa de parametrizações da estrutura da subgrade,
microfísica de nuvens, mistura turbulenta, convecção cúmulos, radiação e fluxos na superfície, os quais não
são muito bem resolvidos pela grade do modelo. Pesquisas coordenadas no âmbito da retroalimentação
das nuvens em mudanças climáticas estão sendo realizadas por iniciativas como o Cloud Feedback Model
Nos modelos numéricos, a propagação de radiação de onda curta e longa na atmosfera é des-
crita numa coluna dentro de uma célula de grade, considerando uma atmosfera representada por cama-
das horizontais dentro de cada coluna atmosférica. Os códigos radiativos associados a esses modelos
necessitam de informação sobre gases e aerossóis em cada camada, além de propriedades microfísicas e
macrofísicas das nuvens tais como raio efetivo de gotas e cristais, fração de fase líquida e sólida, coluna
de água líquida/sólida associada, e fração de cobertura de nuvens na célula de grade. A propagação de
radiação solar em cada camada é descrita por sistemas de equações de dois fluxos e a equação de pro-
pagação para radiação difusa descreve a radiação térmica. A partir das soluções gerais dessas equações,
as irradiâncias que ingressam e emergem em cada camada podem ser obtidas por diversos algoritmos.
Os resultados permitem avaliar a divergência vertical do fluxo radiativo e a taxa de aquecimento associa-
da, assim como os saldos de radiação à superfície e a radiação emergente no topo da atmosfera. Assim,
estudar as relações radiação/nuvem/clima implica considerar os modelos de propagação adequados e
sua parametrização para diversos esquemas microfísicos e macrofísicos na atmosfera. Isto sugere a con-
veniência de estudos específicos que contemplem, por exemplo, os códigos radiativos adequados para
propagação de radiação em gases, o efeito intra-grade e inter-grade da interação lateral entre nuvens, os
efeitos de descrever a cobertura parcial como uma única “nuvem equivalente” plana, e os efeitos direto e
indireto de aerossóis nas propriedades radiativas de nuvens e atmosfera.
No Brasil, tais estudos específicos não são numerosos. Por exemplo, em relação à radiação solar em
atmosfera com aerossol de queimadas, Tarasova et al. (1999) publicaram diversas descrições da atenuação
de radiação solar durante o experimento Amazon Boundary Layer Experiment (ABLE). Rotinas desenvolvidas
na NASA (National Aeronautics and Space Administration) para estimativa de espessura óptica e outros
parâmetros de aerossol a partir de imagens MODIS (Moderate Resolution Imaging Spectroradiometer) foram
implementadas pelo INPE (ver URL HTTP://satelite.cptec.inpe.br). Por um lado, os dados gerados sobre o
território brasileiro podem ser utilizados como fonte de informação para estudos de impacto do aerossol em
forçantes radiativas; por outro lado, o propósito inicial foi desenvolver estudos das características físicas do
aerossol sobre o Brasil, que impliquem em mudanças dessas rotinas (Rosário et al., 2011).
Em relação à acurácia das parametrizações que avaliam transmitância do vapor d’água para ra-
diação solar (Plana-Fattori et al., 1997; Tarasova e Fomin, 2000) foram desenvolvidos códigos radiativos
“exatos” parametrizando a integração de transmitâncias line-by-line sobre intervalos espectrais escolhidos. O
código FLISS (Fast LIne-by-line satellite Signal Simulator; Fomin e Correa, 2005) é um exemplo com relevân-
cia potencial no aprimoramento de rotinas nos modelos de PNT e na simulação de radiância emergente na
atmosfera (potencialmente importante em processos de assimilação de dados de satélites em modelos).
290 VOLUME 1
Pode-se citar como exemplos de aprimoramentos no MCGA CPTEC/COLA: o trabalho de Chagas
et al. (2004) que substituíram o cálculo de absortância do vapor d’água pelo algoritmo de Ramaswamy e
Freidenreich (1992) produzindo uma pequena redução no viés da irradiância média solar do modelo, e
o trabalho de Tarasova et al. (2007) em que foi incluída a componente de onda curta do CLIRAD (Chou
e Suarez, 1999) com funções de transmitância aprimoradas por Tarasova e Fomin (2000).
Em geral, os aprimoramentos testados nos códigos de radiação tiveram impacto positivo sobre os
modelos. No entanto, a modelagem explícita da relação modelo de nuvem/ radiação/ impacto climático
foi escassamente abordada nos estudos realizados pela comunidade brasileira, podendo-se citar estudos
numéricos das propriedades óticas da cobertura de nuvens e a dinâmica de larga escala (Bottino e Nobre,
2013).
Estudos recentes mostraram que as simulações dos modelos diferem mais e são menos realísticas
em regiões de subsidência, o que enfatiza a necessidade de aprimorar a representação e avaliação dos
processos de nuvens nos modelos climáticos, especialmente aquelas da camada limite (IPCC, 2007,
seção 8.6.3.2). Os processos de retroalimentação das nuvens baixas têm sido discutidos em termos do
efeito de duas variáveis de nuvens primárias: a quantidade de nuvens e a espessura óptica das nuvens
(Stephens, 2010). Sobre os oceanos, os estratocúmulos em regiões de intensa subsidência têm forte im-
pacto no balanço radiativo. Por outro lado, a pequena espessura das nuvens estrato cúmulos as torna
sensíveis a mecanismos de retroalimentação como os processos turbulentos da camada limite e resfria-
mento/aquecimento radiativo.
8.3.3 BIOSFERA-ATMOSFERA
Um dos assuntos científicos de crescente interesse mundial trata das interconexões entre a biosfera
terrestre e a atmosfera. Uma das manifestações mais claras das interações da atmosfera com a biosfera é
a relação entre o padrão global da cobertura vegetal e o clima. O clima é o fator que mais influencia na
determinação da distribuição de vegetação e suas características num contexto global (Prentice, 1990). A
localização de diferentes biomas é ditada pelas características do clima e, portanto, mudanças no clima
afetam a distribuição geográfica da vegetação global. Por outro lado, mudanças na distribuição e na
estrutura da vegetação por sua vez também influenciam o clima. As características físicas da vegetação
e dos solos têm grande influência nas trocas de energia, água e momentum entre a superfície terrestre
e a atmosfera. Mudanças na vegetação implicam em mudanças das propriedades físicas da superfície,
incluindo o albedo superficial, a rugosidade da superfície, o índice de área foliar, a profundidade das
raízes, e a disponibilidade de umidade do solo (Prentice et al., 1992).
Desde o final da década de 1980 diversos experimentos com modelos de circulação geral da
atmosfera foram utilizados para avaliar os impactos dos desflorestamentos no clima global e regional
(Nobre et al., 1991; Shukla et al., 1990; Werth e Avissar, 2002). Estudos de sensibilidade com modelos
climáticos estabeleceram a importância das florestas tropicais em influenciar o clima da Terra. De forma
geral, Foley et. al. (2003) afirmam que as alterações no uso e na cobertura do solo podem alterar os
fluxos biofísicos em superfície através da alteração do albedo ou da rugosidade da superfície. Uma mo-
dificação do albedo em superfície acarreta uma modificação do balanço de energia e da temperatura
em superfície. Este, em troca, afetaria como a superfície se resfria, pela mudança no balanço entre perda
de calor sensível e perda de calor latente. Modificações na altura e a densidade da vegetação afetam a
rugosidade da superfície, que por sua vez influencia na turbulência próxima ao chão. Superfícies mais ru-
gosas misturam o ar com mais eficiência, melhorando o processo de resfriamento. Mudanças no albedo,
na rugosidade da superfície, e na razão entre perda de calor sensível e calor latente podem afetar, então,
os fluxos entre a superfície e a atmosfera e, como resultado, modificar o clima.
Um grande número de modelos de superfície hoje é empregado em MCGA, tais como o SiB
(Simple Biosphere Model - Sellers et al., 1986), o SSiB (Simplified Simple Biosphere – Xue et al., 1991 -
utilizado no MCGA CPTEC/COLA), o BATS (Biosphere-Atmosphere Transfer Scheme – Dickinson et al.,
1993), IBIS (Integrated Biosphere Simulator) – (Foley et al., 1996; Kucharik et al., 2000), entre outros.
Recentes estudos têm confirmado que alterações nos ecossistemas terrestres afetam o clima re-
gional, ou até mesmo global (Costa e Foley, 2000; Werth e Avissar, 2002; Costa et al., 2007; Sampaio et
al., 2007). Os efeitos do desmatamento no clima têm sido geralmente analisados através da utilização de
um modelo climático global acoplado a um modelo biofísico de superfície que representa explicitamente
as características da mudança de cobertura do solo (altura do dossel, densidade de folhas e profundidade
de raiz, por exemplo) (Dorman e Sellers, 1989; Xue et al, 1991; Foley et al., 2003). De acordo com os re-
sultados de muitos destes modelos, por exemplo: Dickinson and Henderson-Sellers, 1988; Hahmann and
Dickinson, 1997; Costa and Foley, 2000, Sampaio et al., 2007), os padrões de desmatamento em larga
escala causam uma tendência a um aumento considerável de temperatura e um decréscimo de evapo-
transpiração, escoamento superficial e precipitação anual média. Já observações de mudanças climáticas
sobre áreas desmatadas confirmam o aumento na temperatura e a diminuição da evapotranspiração,
embora mudanças na precipitação tenham sido mais difíceis de detectar (Nobre e Borma, 2009).
292 VOLUME 1
(ou diminuição da evapotranspiração, diminuindo o fornecimento de umidade à atmosfera), e 3) diminui-
ção da rugosidade da superfície (que leva a uma diminuição do coeficiente de arraste aerodinâmico, o
que contribui para uma diminuição na evapotranspiração e para um aumento do vento). As reduções na
precipitação são mais pronunciadas nos meses de transição entre a estação seca e a chuvosa na floresta,
levando a um prolongamento na duração da estação seca (Costa e Pires, 2010). Além do desmatamento
da própria floresta, o desmatamento de regiões vizinhas à floresta, como o Cerrado, também contribui
para uma estação seca mais longa (Costa e Pires, 2010).
Com o avanço dos modelos numéricos de mesoescala (ou modelos de área limitada) simulações
climáticas de alta resolução foram realizadas para a Amazônia. Por exemplo, Gandu et al. (2004) re-
alizaram um dos primeiros estudos usando um modelo de mesoescala (de 50 km de resolução) para
avaliar o efeito do desmatamento completo na parte oriental da Amazônia. Os autores encontraram que
a presença de orografia, proximidade da costa litorânea e distribuição de rios, alteravam os resultados
encontrados anteriormente nas simulações de larga-escala, não se observando, em particular, redução
da precipitação em toda a Amazônia. Posteriormente, Correia et al. (2007) utilizaram um modelo MCGA,
acoplado a um modelo de transferência de energia com a superfície unidimensional (SiB) e analisaram o
desmatamento completo da Amazônia em três cenários de ocupação da Amazônia, sendo um gerado a
partir do projeto PROVEG (Sestini et al., 2002) do INPE, outro para o ano de 2033 (Soares-Filho et al.,
2004) e um último para uma total conversão da floresta amazônica em pastagem. Em todos eles, a troca
de vegetação (de floresta para pastagem) reduziu a rugosidade da superfície, intensificou o vento e au-
mentou a convergência de umidade. De certo modo, isto minimiza a redução da evapotranspiração, em
função da menor capacidade de gramíneas/culturas baixas em extrair água do solo. Este resultado reduz
o impacto dos resultados obtidos por Cox et al. (2004) para a morte da floresta Amazônia. As questões
da extensão do período de seca e da possibilidade de fogo (natural e antrópico) também são investiga-
das em Correia et al. (2007). Ramos da Silva et al. (2008) também utilizaram um modelo atmosférico
de mesoescala (20 km de resolução horizontal) para avaliar o impacto da ocupação da Amazônia nos
elementos do balanço hídrico para a estação chuvosa. Dois cenários de crescimento socioeconômico e
populacional que levam em conta os planos de construção e pavimentação de rodovias, melhoria de por-
tos marítimos e fluviais, expansão do setor energético para os anos de 2030 e 2050 (Soares-Filho et al.,
2004; Ramos da Silva et al., 2008), bem como um cenário de desmatamento total, foram estudados. Os
resultados mostram que a precipitação decresce conforme a área desmatada é aumentada, porém existe
uma grande variabilidade espacial. Em particular, os autores mostram uma diminuição da frequência de
ocorrência (e da velocidade de propagação) de linhas de instabilidade que se formam na costa litorânea
e induzem a chuva nas partes leste e central da Amazônia.
Saad et al. (2010) usaram o modelo BRAMS (Brazilian contributions to the Regional Atmospheric
Modeling System - Freitas et al., 2009c) para analisar o impacto de rodovias no clima local e de mesoes-
cala, utilizando o caso da BR-163 (rodovia que liga Cuiabá a Santarém, cortando uma boa área intacta
da Amazônia) e que está sendo pavimentada. Neste caso, houve uma extensa área de floresta tropical
desmatada (na forma de linha) para a construção da rodovia. A formação de precipitação foi associada
com a forma, área e posicionamento das estradas em relação ao vento predominante, sugerindo que
a presença da estrada pode aumentar (ou reduzir) a precipitação local. A quantidade de água no solo
também se mostrou importante em disparar os processos de convecção. Este tipo de estudo é importante,
pois, com o desenvolvimento econômico, ocorre abertura de novas estradas. Atualmente, têm-se a pavi-
mentação da BR-163 e a reconstrução da rodovia BR-369 (que liga Manaus a Porto Velho).
Betts e Silva Dias (2010) sintetizam o acoplamento dos processos de superfície e camada limite,
baseados nos resultados de pesquisas anteriores na Amazônia (projetos ABRACOS e LBA). Claramente há
uma ligação forte entre a quantidade de água no solo (proveniente da precipitação), a partição de ener-
gia na superfície (particularmente o fluxo de calor sensível), o aquecimento da atmosfera e a evolução da
espessura da camada limite, a formação das nuvens (com a presença de aerossóis oriundos de queima-
das) e a ocorrência da precipitação, fechando este ciclo (Figura 2 do artigo de Betts e Silva Dias, 2010).
Estas inter-relações possuem diferentes escalas de tempo (diurna, sazonal e mesmo decenal) que precisam
ser analisadas em qualquer modelo para simular o clima da Amazônia.
Scheffer et al. (2001) fazem uma revisão sobre a existência de múltiplos estados de equilíbrio em
ecossistemas, como em lagos, corais, regiões com arvoredos, desertos e oceanos. Por exemplo, anali-
sa-se uma região que passou por um processo de desertificação antrópica e, por isso, teve redução de
precipitação. Essa redução poderia impedir o desenvolvimento da vegetação, o que sustentaria o deserto.
Quando há a perda de vegetação, há aumento do escoamento superficial e a água entra no solo rapi-
damente desaparecendo e indo para camadas profundas às quais as plantas não tem acesso. Portanto,
o novo clima não procuraria restituir o bioma original da região, ou seja, haveria uma irreversibilidade
climática ao processo de desertificação, o que seria claramente catastrófico para a região. Na verdade,
passou-se de um estado de equilíbrio para outro, mais seco.
Os modelos globais de vegetação dinâmica consideram a cobertura vegetal como sendo uma
fronteira superficial interativa, a qual pode mudar em resposta às mudanças no clima. Tais modelos per-
mitem projetar respostas transientes dos ecossistemas terrestres, sob condições de mudanças climáticas
abruptas, e são capazes de representar processos que contribuem para a dinâmica da estrutura e da
composição da vegetação de uma forma mais detalhada, e por isso com um maior número de variáveis
e parametrizações de processos eco-fisiológicos e eco-climáticos, envolvendo maior complexidade (p.ex.,
modelo IBIS – Foley et al., 1996; modelo LPJ – Haxeltine e Prentice, 1996). Esforços têm sido feitos para
melhorar os parâmetros destes modelos para a América do Sul, por exemplo, para a região Amazônica
com o modelo IBIS, mas ainda restam deficiências de ajuste para outros biomas tropicais da América do
Sul.
Os ecossistemas podem resistir às intensas mudanças do clima e de uso do solo se o efeito de fer-
tilização do CO2 – cuja concentração atmosférica aumentou drasticamente desde a Revolução Industrial
– se confirmar. Neste caso, a eficiência do uso da luz e da água aumentaria na maioria das plantas, o que
estimula a fotossíntese líquida (Polley et al., 1993; Field et al., 1995; Curtis, 1996; Sellers et al., 1996) e
poderia modificar a composição e estrutura dos ecossistemas (Betts et al., 1997). Porém, este efeito pode
ser compensado por aumentos contínuos da temperatura, alterações na sazonalidade da precipitação e
incêndios florestais (Nobre e Borma, 2009; Cardoso et al., 2009). É válido lembrar que essas alterações
na vegetação, por sua vez, tendem a exercer influência sobre o clima, o que acarretaria em um processo
de retroalimentação.
294 VOLUME 1
Enfim, os próximos anos representam uma oportunidade única de manter a resiliência e a biodi-
versidade dos ecossistemas brasileiros, frente à ameaça crescente das mudanças climáticas e da devas-
tação humana. Dessa forma, a perspectiva das mudanças climáticas causadas pela modificação antrópi-
ca da composição atmosférica não deve ser considerada de forma isolada. Deve-se considerar também
o fato de que a atmosfera é afetada pelos ecossistemas terrestres, e as retroalimentações que exercem no
clima podem intensificar os efeitos do aquecimento global.
Nesta seção são apresentados os desempenhos dos diferentes modelos, atmosféricos, acoplados
oceano-atmosfera e regionais na simulação de fenômenos meteorológicos que mais afetam a América
do Sul.
Os padrões de variabilidade sazonal a interanual são bem simulados pelo MCGA CPTEC/COLA
forçado com campos observados de Temperatura Superficial do Mar (TSM) globais. Alguns desses pa-
drões são associados à variabilidade da TSM, campo que é introduzido como condição de contorno
para as integrações. Assim, o Índice de Oscilação Sul, associado ao padrão ENOS, é bem simulado pelo
MCGA CPTEC/COLA como mostrado em Cavalcanti et al. (2002). A variabilidade interanual das ano-
malias de precipitação simuladas na região Nordeste são comparáveis às observações (Marengo et al.,
2003) e quando o sinal de ENOS é forte, ou seja, quando as anomalias de TSM são intensas no Oceano
Pacífico Equatorial, as anomalias de precipitação simuladas sobre a Região Sul do Brasil correspondem às
observações. O modelo reproduz o padrão observado de anomalias de precipitação sobre a América do
Sul associado ao ENOS, com excesso de precipitação no Sul do Brasil e déficit no Nordeste (Cavalcanti
e Marengo 2005), sendo que este depende do tipo de ENOS, conforme analisado em Rodrigues et al
(2011) e mencionado no capítulo 2. Experimentos com o MCGA CPTEC/COLA realizados para analisar
o impacto da TSM do Pacifico na precipitação sobre a América do Sul mostraram as características dinâ-
micas associadas com os campos de TSM e precipitação (Pezzi e Cavalcanti, 2002), através das anoma-
lias na célula de Walker, com movimento subsidente sobre a América do Sul tropical nos casos de El Niño.
Grimm e Natori (2006) utilizaram o modelo ECHAM5-OM e por meio de análise de componentes
principais relacionaram a variabilidade interanual da precipitação no verão sobre a América do Sul com
a TSM. No clima presente os primeiros modos representaram bem a precipitação observada embora o
modelo tenha subestimado o número de eventos ENOS principalmente no verão. A subestimativa no
número de eventos ENOS no clima presente também foi identificada no modelo HadCM3 por Chou et al
(2012). Para avaliar a capacidade do modelo regional Eta em reproduzir as anomalias de precipitação
e temperatura na América do Sul associadas aos fenômenos El Niño e La Niña no clima presente, no
período de 1961-1990, Chou et al. (2012) aplicaram o critério de Trenberth (1997) baseado nas anoma-
lias de temperaturas da superfície do mar na região Niño 3.4 geradas pelo modelo acoplado HadCM3
para contabilizar os eventos. Os autores encontraram que o modelo HadCM3 subestima a frequência de
ocorrência tanto dos eventos El Niño quanto dos eventos de La Niña. As anomalias de precipitação e de
temperatura reproduzidas pela média do ensemble de quatro membros do modelo regional apresentaram
padrões típicos de eventos de El Niño e La Niña, mas com ligeiro deslocamento para o norte na posição
das anomalias. Os quatro membros gerados pelo Modelo Eta foram produzidos forçando as condições
laterais por quatro membros do Modelo HadCM3 perturbados em parâmetros da sua física.
Os aspectos dinâmicos da gênesis da ZCAS foram abordados por vários estudos (Figueroa et al.
1995; Gandu and Dias 1998; Grimm and Dias 1995; Kodama et al. 2012; Silva Dias et al. 1983) e
apontam para o papel da distribuição vertical do aquecimento diabático associado à precipitação sobre
a porção tropical da América do Sul como fator de ancoragem e formação da ZCAS.
A variabilidade sazonal de precipitação sobre a América do Sul é bem representada por Modelos
Globais Atmosféricos e acoplados, principalmente as grandes diferenças entre verão e inverno. Contudo,
a intensidade ou configuração do campo de precipitação do verão não é bem representada por alguns
modelos. Vera et al. (2006) e Vera e Silvestri (2009) analisaram sete modelos do WCRP-CMIP3 para o
século XX e mostraram que alguns modelos representam a variabilidade da precipitação, indicada pelo
296 VOLUME 1
desvio padrão e um máximo de chuva associado à ZCAS nos períodos de janeiro a março e de outubro a
dezembro, mas com diferentes intensidades comparando com as observações. Em Seth et al. (2010) a média
de nove modelos do WRCP-CMIP3, para o século XX, nas estações de setembro-outubro-novembro e de-
zembro-janeiro-fevereiro também se comparou razoavelmente bem com as observações, embora algumas
características específicas como a intensidade e posição da ZCIT e extensão da ZCAS sobre o oceano não
foram apropriadamente representadas. Outras comparações de resultados dos modelos CMIP3 com observa-
ções, por exemplo como em Bombardi e Carvalho (2008), mostram que alguns modelos usados no IPCC AR4
(IPCC, 2007) capturam as principais características do Sistema de Monção da América do Sul, como a banda
NW-SE da Amazônia para sudeste, representando as ocorrências da ZCAS e também a ZCIT. Entretanto, as
intensidades e posições das precipitações máximas não são bem representadas. O ciclo anual da precipitação
tem uma boa representação no sul da Amazônia e Brasil central pela maioria dos modelos, mas em outras
áreas o ciclo não é bem simulado. A duração da estação chuvosa é superestimada sobre o oeste da América
do Sul e subestimada sobre o Brasil central nos modelos CMIP3, segundo Bombardi e Carvalho (2008). Usan-
do o modelo global atmosférico com alta resolução MRI e TSM de resultados do CMIP3, Kitoh et al. (2011)
indicaram uma melhor representação do campo de precipitação sobre a América do Sul do que a obtida com
mais baixa resolução. Valverde e Marengo (2010) avaliaram cinco modelos do IPCC AR4 sobre a América do
Sul: MIROC, HadCM3, GFDL, GISS e CCCMA, e notaram que em geral os modelos tiveram dificuldade em
configurar a ZCAS se estendendo da Amazônia até o Sudeste do Brasil e que todos subestimam a precipitação
sobre a Amazônia em proporções maiores ou menores. O modelo HadCM3 simulou melhor o padrão da
banda da ZCAS, entretanto com máximo de chuvas sobre Goiás e a região Sudeste.
No Brasil, gênesis e comportamento da ZCAS têm sido estudados através do uso de modelos aco-
plados oceano-atmosfera, indicando de forma pioneira a importância do acoplamento oceano-atmosfera
para a ocorrência da ZCAS (Chaves e Nobre, 2004; De Almeida et al., 2007, Nobre et al., 2012). O
processo de formação da ZCAS descrito nesses estudos evidencia a natureza acoplada oceano-atmosfera
do fenômeno ZCAS, onde as anomalias de TSM resultam da modulação da radiação solar pela presença/
ausência de nebulosidade causada pela ZCAS. Assim, diversamente do que ocorre com a ZCIT do Atlânti-
co e Pacífico, as quais são moduladas pelos gradientes meridionais de TSM, a ZCAS modula as anomalias
de TSM sobre o Atlântico Tropical.
Pilotto et al. (2012) aninharam o Modelo Eta ao modelo global do CPTEC e ao modelo global
acoplado oceano-atmosfera do CPTEC e produziram previsões de três membros para a região do Atlân-
tico entre América do Sul e África para a estação dezembro-janeiro-fevereiro para o período de 10 anos.
Seus resultados mostraram que o aninhamento produziu melhor distribuição espacial da precipitação as-
sociada à ZCIT e à ZCAS, com os melhores resultados gerados com o aninhamento no modelo acoplado
oceano-atmosfera global.
A partir de uma integração contínua do Modelo Climático Regional Eta forçado pelo modelo
HadAM3Ppara o período de 1961-1970, Pesquero et al. (2009) encontraram a frequência simulada de
ZCAS de aproximadamente 1,7 por mês na América do Sul, baseado na metodologia de detecção usa-
do por Gan et al. (2004). Comparando a frequência detectada a partir de reanálises ERA-40 para duas
estações chuvosas consecutivas, os autores encontraram valores observados em cerca de 1,5 eventos de
ZCAS por mês, o que mostra boa concordância da simulação com os dados de reanálises. Os fluxos de
umidade durante períodos de ZCAS ativo também se apresentaram comparáveis com os valores estima-
dos por reanálises. Projeções para o período de 2079-2099 em cenário A1B como modelo Eta, indica-
ram redução na duração do período chuvoso e no número de eventos de ZCAS (Pesquero, 2009).
Matos et al. (2011) avaliaram a representação dos ciclones extratropicais no membro controle
das simulações do Eta forçado pelo HadCM3 (Chou et al., 2012). Eles aplicaram o esquema CYCLOC
(Murray e Simmonds, 1991) de detecção de centros de pressão atmosférica nas reanálises do NCEP
(Kalnay et al., 1996) e nas simulações do Eta-HadCM3 no clima presente, de 1961-1990. Os resultados
mostraram que a trajetória dos ciclones, predominante para leste, foi bem simulada pelo Eta.
Reboita et al. (2010) apresentaram uma climatologia detalhada de ciclones no Oceano Atlântico Sul
para o período de 1990 a 1999 em simulações do modelo regional RegCM3 que utilizaram as condições ini-
ciais e de contorno da reanálise do NCEP. Inicialmente validou-se a climatologia simulada pelo RegCM3 que,
de forma geral, mostrou padrão espacial sazonal das variáveis similar às análises, porém com diferenças em
intensidade. Neste estudo, os autores identificaram os ciclones utilizando um esquema automático que identifica
mínimos de vorticidade relativa no campo de vento a 10 m. Assim, os sistemas com vorticidade relativa menor
ou igual a −1.5 × 10−5 s−1 e com tempo de duração maior que 24 horas foram considerados na climatologia.
Nos 10 anos analisados, os autores detectaram 2760 (dados do NCEP) e 2787 (simulações do modelo regional)
ciclogênesis, com média anual de 276.0 ± 11.2 and 278.7 ± 11.1 no Oceano Atlântico Sul. Assim, sugerindo
que o modelo regional possui uma boa destreza na simulação da climatologia da ciclogênese. Porém, o estudo
mostrou uma grande subestimação nos valores da vorticidade ciclônica relativa simulados pelo modelo (-9,8%)
no inicio dos sistemas e foi observado que sobre o Oceano Atlântico Sul, o ciclo anual da ciclogênesis é de-
pendente da intensidade inicial. Já os sistemas mais intensos têm uma boa caracterização da alta frequência da
ciclogênesis que ocorre durante o inverno tanto nos dados do NCEP quanto nas simulações do modelo regional.
Na escala temporal de processos que ocorrem na escala diária em simulações climáticas, o modelo
MCGA CPTEC/COLA representa bem os campos associados a sistemas frontais (Cavalcanti e Coura Silva,
2003), sendo que o número de frentes frias sobre a região sudeste do Brasil é maior no outono e primavera
nos resultados do MCGA CPTEC/COLA, diferente do observado quando o maior número ocorre no inverno.
O modo anular do Hemisfério Sul ou Oscilação Antártica, o qual é o modo de variabilidade interanual
dominante no Hemisfério Sul também é reproduzido pelo MCGA CPTEC/COLA Outro modo de variabilidade
que ocorre na escala interanual e intrasazonal e que afeta a América do Sul é o padrão Pacifico-América do
Sul, o qual é bem simulado pelo MCGA CPTEC/COLA (Cavalcanti e Castro, 2003; Cavalcanti e Cunningham,
2006; Cavalcanti e Vasconcellos, 2009). As características atmosféricas associadas à ZCAS em casos extremos
de precipitação no Sudeste, como o padrão Pacífico-América do Sul e o modo anular do Hemisfério Sul,
obtidas em análises observacionais (Vasconcellos e Cavalcanti, 2010), foram reproduzidas nas análises de
casos extremos selecionados em resultados de simulação climática com o MCGA CPTEC/COLA (Cavalcanti e
Vasconcellos, 2009).
Em simulação produzida por Da Rocha et al. (2009) utilizando o RegCM3, o jato de baixos níveis (JBN)
a leste dos Andes se posicionou corretamente com relação às reanálises do NCEP na média de 17 verões, ape-
sar de ter subestimado a magnitude do núcleo do jato.
Soares e Marengo (2008) utilizaram o modelo regional HadRM3P com as condições de contorno dos
modelos globais HadCM3 e HadAM3P, ambos do Hadley Centre, e dados de reanálises do NCEP com o propó-
sito de avaliar os fluxos de umidade e o Jato de Baixos Níveis da América do Sul em dois períodos. O primeiro
pode ser entendido como o clima atual e abrange o período de 1980 a 1989. O segundo abrange o período
de 2080 a 2089 e projeta um possível clima de aquecimento global a partir do cenário de altas emissões de
gases de efeito estufa SRES A2 do IPCC. A detecção dos eventos de JBN foi baseada no critério 1 de Bonner
(Bonner, 1968) modificado por Saulo et al. (2000). Na situação do clima atual, foram detectados 28 casos
de JBN durante DJF, 18 para MAM, 5 para JJA e 9 para SON com um total de 60 jatos desde 1980 a 1989
nas reanálises do NCEP. Enquanto que para o HadRM3P, 169 jatos foram detectados durante o mesmo perí-
odo. O resultado sugere que o modelo regional tende a superestimar o número de eventos de jatos no clima
atual em relação às reanálises, entretanto, há que se considerar a baixa resolução dos dados da reanálise.
298 VOLUME 1
As simulações do modelo regional indicaram aumento na frequência de JBN no clima de aque-
cimento (SRES A2) em relação ao clima atual, com transporte de umidade mais eficiente em direção
à região da bacia Paraná-Prata. Os resultados também demonstraram que devido ao fato do fluxo da
umidade na baixa atmosfera (oriundo dos ventos alísios que passam sobre a Amazônia e interage com
este bioma) se tornar mais intenso no cenário de aquecimento. O fluxo que sai da região Amazônica
incrementa a convergência horizontal de umidade sobre a bacia Paraná-Prata, conduzindo em aumento
de chuvas nesta região. É necessário enfatizar que as aquelas simulações não consideram mudanças na
vegetação nem desflorestamento da Amazônia, somente o impacto do cenário de aquecimento.
Vendrasco et al. (2005) exploram o efeito das queimadas de cana no Estado de São Paulo na for-
mação de ozônio troposférico. Esses estudos indicam que a concentração de ozônio na baixa atmosfera
é altamente dependente do horário da queimada e que picos na concentração de ozônio podem ocorrer
à longa distância (centenas de km) do local de emissão dos gases precursores do ozônio em queimadas
de cana.
Talvez uma das mais nítidas e significativas alterações impostas pelo homem ao ambiente seja
o processo de urbanização. Ligados a esse processo, um grande número de efeitos sobre padrões at-
mosféricos têm sido identificados em diferentes escalas de tempo e espaço. Um dos mais conhecidos é o
estabelecimento das ilhas de calor urbanas (Lombardo, 1984; Freitas, 2003; Freitas e Silva Dias 2005;
Freitas et al., 2007). Ilhas de calor são definidas através dos gradientes de temperatura observados entre
os centros urbanos e as áreas rurais adjacentes.
Conforme enfatizado em Freitas (2003), vários fatores podem contribuir para o surgimento e
desenvolvimento de ilhas de calor urbanas, tais como a concentração relativamente alta de fontes de
calor nas cidades, as propriedades térmicas dos materiais das construções urbanas, as quais facilitam a
condução de calor, a menor perda de calor durante a noite, por radiação infravermelha para a atmosfera
e para o espaço, a qual é parcialmente compensada nas cidades pela liberação de calor das fontes antró-
picas, tais como veículos, indústrias e construções em geral, metabolismo humano, entre outros. Ferreira
et al. (2011) apresentam valores para esta contribuição antrópica na cidade de São Paulo, indicando que
durante o verão esta pode atingir cerca de 9% da radiação líquida e que durante o inverno esta contri-
buição é de cerca de 15%. Freitas e Silva Dias (2003) sugerem que a contribuição das fontes antrópicas
300 VOLUME 1
de calor pode gerar diferenças de temperatura entre 1 e 4 ºC, dependendo da hora do dia e período
do ano. Obviamente, quanto maior e mais desenvolvida for a área urbana considerada, maior será a
contribuição desses fatores para o aquecimento da atmosfera, podendo este ter impactos desde a micro
até a grande escala.
Cidades com população superior a 10 milhões de habitantes, definidas pela Organização das
Nações Unidas como Megacidades, apresentam uma grande demanda por alimentos, água, combus-
tíveis e energia, sendo também as maiores contribuintes para o aquecimento anômalo observados em
ilhas de calor. Segundo esta classificação, teríamos as cidades de São Paulo e do Rio de Janeiro como as
maiores candidatas às ilhas de calor no Brasil. Entretanto, cidades um pouco menores, como Campinas,
São José dos Campos, Curitiba, Porto Alegre, entre outras, podem contribuir de maneira significativa para
o aquecimento da atmosfera. Por exemplo, Freitas (2009) mostrou, através do uso do modelo BRAMS,
com a ativação de parametrização específica para o tratamento de áreas urbanas (o esquema Town Ener-
gy Budget – TEB, proposto por Masson, 2000), que o município de Campinas – SP, com uma população
de cerca de 1 milhão de habitantes, também apresenta condições para a formação de uma ilha de calor
urbana, sendo as diferenças de temperatura observadas na cidade com relação ao entorno da ordem de
3 graus, valor este um pouco menor do que aquele obtido para a Região Metropolitana de São Paulo,
através de metodologia semelhante com o mesmo modelo (Freitas, 2003; Freitas e Silva Dias, 2005).
Vários trabalhos têm sido dedicados à modelagem da estrutura urbana e de outros aspectos li-
gados às ilhas de calor no Brasil, principalmente sobre a RMSP. Como exemplo, Marciotto et al. (2010)
mostraram, através de modelagem numérica, que, durante o dia, construções mais altas podem levar a
uma diminuição na temperatura do ar entre os prédios e, durante a noite, se gera um aquecimento devi-
do às múltiplas reflexões de radiação de onda longa emitida dentro do cânion quando se tem valores de
razão geométrica (altura x largura das construções, h L-1) menores que 4. Neste mesmo período e quando
a razão geométrica é maior que 4, observa-se um resfriamento do ar, porém, de menor intensidade do
que o registrado durante o dia. Desses resultados fica claro que não só a extensão da área urbana é um
aspecto importante, mas que a estrutura e o tipo de construção são determinantes para a formação e de-
senvolvimento de ilhas de calor. Outro fator importante, observado em boa parte das cidades brasileiras,
é a pequena quantidade de vegetação no interior das áreas urbanas. Gouvêa (2007) constatou, através
do uso de imagens de satélite, que a fração vegetada sobre a área urbanizada da RMSP é inferior a 20%.
A simulação das variações de longo período do nível do mar representa uma notável ausência de
trabalhos de simulação numérica no Brasil. A representação do nível do mar em modelos numéricos de
circulação oceânica de larga escala vem sendo explorada mundialmente (Bindoff et al., 2007). A dispo-
nibilidade de duas décadas de informações altimétricas permite identificar padrões médios de compor-
tamento assim como estimar tendências da altura da superfície do mar para todos os oceanos, as quais
possuem grande correspondência com dados de marégrafos ao redor do globo.
A configuração espacial da elevação da superfície do mar nas bacias oceânicas está diretamente
relacionada à estrutura tridimensional do campo de massa do oceano e, sendo assim, possui importan-
tes informações sobre os processos oceânicos subsuperficiais relacionados ao conteúdo armazenado de
calor. Além disso, o campo de vento em larga escala sobre a superfície oceânica também é determinante
para a configuração espacial do nível do mar, cujas inclinações têm relação direta com as correntes ge-
ostróficas (Bindoff et al., 2007).
Já para o Atlântico Sul e Tropical, vale salientar a assinatura do giro subtropical com gradientes de
elevação associados às Correntes do Brasil, Sul-Equatorial e Sul-Atlântica. Além destas feições, a Retrofle-
xão da Corrente das Agulhas, a Corrente Circumpolar Antártica e a Confluência Brasil-Malvinas também
se destacam em termos de gradientes de elevação da superfície do mar. A deflexão e divisão da Corrente
Circumpolar Antártica após passar pelo Estreito de Drake fica notável, com uma parte que segue para
leste e outra que segue para norte, sendo que este ramo separa-se em dois para formar a Corrente das
Malvinas e para alimentar a Corrente Sul-Atlântica. Outras feições de interesse são as menores elevações
nas regiões de ressurgência na costa africana entre 30°S e 20°S e entre 20°N e 30°N e a presença de
parte equatorial do giro subtropical do Atlântico Norte (Bindoff et al., 2007).
Desta forma, é importante que modelos numéricos de circulação oceânica de grande escala re-
presentem toda a combinação de efeitos de maneira adequada e coerente, para que seja possível evoluir
na compreensão dos processos físicos associados e analisar projeções climáticas com maior embasamen-
to conceitual. Não é preciso mencionar que os aumentos de temperatura e o degelo de glaciares podem
alterar esta distribuição de maneira heterogênea, o que pode alterar significativamente a distribuição
espacial de elevações e suas correspondentes inclinações, mas estes aspectos ainda não estão sendo
incluídos nas simulações apresentadas (Bindoff et al., 2007).
Adicionalmente, vários outros fatores contribuem para as incertezas nas simulações do clima
como os processos estocásticos e não-lineares do sistema climático, aspectos randômicos das forçantes
naturais e antrópicas, desconhecimento da completa condição inicial do sistema climático e a não repre-
sentação de todos os processos atmosféricos em um modelo numérico.
Mendes e Marengo (2010) realizaram um downscaling por meio de redes neurais artificiais e
autocorrelações em cinco modelos globais (CGCM3, CSIRO, ECHAM5, GFDL2.1 e MIROC-m) do
IPCC-AR4 para a bacia Amazônica. Na comparação com dados observados, constataram um ajuste
muito bom nos dados indicando a técnica de redes neurais como uma alternativa viável na modelagem
da precipitação. Também foram observadas pequenas diferenças entre as duas metodologias utilizadas
sendo que a rede neural teve melhor desempenho para o clima atual.
302 VOLUME 1
Utilizando cinco modelos globais do IPCC-AR4 (CCCMA, GFDL, HadCM3, MIROC e o GISS),
Valverde e Marengo (2010) apontaram que os modelos climáticos globais utilizados ainda não conse-
guem reproduzir com alto grau de confiabilidade o padrão sazonal de precipitação que a climatologia
dos campos observados apresenta. No entanto, os modelos utilizados conseguem simular coerentemente
o ciclo anual da precipitação, apesar dos erros sistemáticos encontrados. Para o clima presente, em ter-
mos de precipitação, os cinco modelos apresentaram em maior ou menor proporção a diminuição de
chuva sobre a Amazônia e o excesso de chuva sobre os Andes.
Alves (2007) avaliou o modelo regional HadRM3P, em simulações da variabilidade sazonal dos
principais padrões climatológicos sobre a região da América do Sul e oceanos adjacentes, através de si-
mulações numéricas de longo prazo (1961-1990). Neste estudo foi possível concluir que o modelo simula
razoavelmente bem o padrão espacial e temporal da precipitação e temperatura. Contudo o autor cons-
tatou, que regionalmente há erros sistemáticos que podem estar relacionados à física interna do modelo
(esquema de convecção, de superfície e topografia) e/ou das condições de fronteira herdadas do modelo
global utilizado nas condições de contorno.
Na comparação realizada por Pesquero et al. (2009) entre as simulações do modelo regional
Eta-CPTEC forçadas pelo modelo global HadAM3P e as observações CRU, em geral, a precipitação de
grande escala e a variação sazonal foram bem representados pelo Eta. Segundo os autores, o modelo
regional tem uma topografia mais detalhada do que o modelo global usado nas condições de contorno
podendo gerar maiores quantidades de precipitação, próximo de áreas mais elevadas. Em relação à
temperatura durante DJF, o modelo Eta mostrou viés positivo sobre o Paraguai e viés negativo sobre a
Amazônia, ou seja, um padrão similar ao do viés do modelo global HadAM3P. Durante DJF e JJA no sul
e sudeste do Brasil, foram observados valores muito semelhantes ao observado. De forma geral o Eta
mostrou melhorias em representar a temperatura sobre toda a América do sul em relação ao HadAM3P.
Chou et al. (2012) avaliaram simulações climáticas sobre a América do Sul no modelo regional
Eta com quatro condições de contorno fornecidas modelo global HadCM3. Os quatro membros foram
utilizados com o objetivo de englobar as incertezas em relação ao conjunto das simulações do modelo
global utilizadas nas condições de contorno lateral. Neste estudo foi observada uma boa concordância
nos padrões de temperatura e precipitação simulados pelo modelo regional em relação aos dados ob-
servados do CRU. A comparação entre o desvio padrão entre os membros do conjunto e erro quadrático
médio indicou pouca dispersão dos membros no clima presente, dispersão similarmente pequena ocorreu
também nos membros do HadCM3. O espalhamento das simulações do modelo HadCM3 demonstra a
incerteza em torno da escolha dos valores dos parâmetros do modelo mais adequados.
A Tabela 8.5 lista técnicas para tratar as incertezas. A destreza dos modelos regionais na América
do Sul tem sido similar à obtida com modelos globais no clima do presente (Ambrizzi et al., 2007). Assim,
regiões como o Nordeste, a Amazônia, o Sul do Brasil, o Noroeste do Peru-Equador e o Sul do Chile apre-
sentam uma previsibilidade melhor no clima do presente, comparada com regiões como o sudeste-centro
oeste do Brasil. Supondo que a capacidade para simular o clima no futuro seja a mesma que no presente,
então podemos dar maior credibilidade às projeções de clima para o futuro nas áreas de menores erros.
Os aspectos listados na Tabela 8.5, adaptada de Ambrizzi et al., 2007, buscam identificar alguns dos
problemas relacionados à incerteza na construção de cenários climáticos.
Com o intuito de incluir alguma informação da incerteza de modelagem numérica nas projeções
regionalizadas (downscaling) o projeto CREAS utilizou três modelos regionais nas simulações do clima
presente para o período de 1961-1990. Erros em comum entre os modelos regionais foram identificados,
bem como erros característicos de cada modelo.
Os resultados mencionados acima são exemplos de que não há uma metodologia ideal, ou mo-
delo numérico preferencial. Todos apresentam erros e acertos. Além do modelo numérico, também se
desconhece a resolução espacial suficientemente adequada para resolver o sistema climático.
A incerteza nas formulações dos modelos numéricos para resolver o sistema climático se reflete na
magnitude dos erros sistemáticos das simulações. Estas avaliações dos erros por sua vez também contém
incertezas na qualidade das observações, cuja rede sobre América do Sul é deficiente do ponto de vista
espacial e temporal. As incertezas sobre as medidas observacionais afetam diretamente a robustez da
avaliação dos modelos climáticos.
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Autores principais: Everaldo Barreiros de Souza – UFPA; Antonio Ocimar Manzi – INPA
Autores colaboradores: Gilvan Sampaio – INPE; Luiz Antonio Cândido – INPA; Edson José P. da Rocha – UFPA; José
Maria Brabo Alves – FUNCEME; Manoel Ferreira Cardoso – INPE; Adriano Marlisom L. de Sousa – UFRA; Mariane M.
Coutinho – INPE
Autores revisores: Alan Cavalcanti da Cunha – UNIFAP
320 VOLUME 1
ÍNDICE
9.5 PROJEÇÕES REGIONAIS DAS MUDANÇAS AMBIENTAIS PARA O SÉCULO XXI 329
Em geral, as projeções climáticas possuem desempenho (skill) relativamente melhor nos setores
norte/nordeste (Amazônia e Caatinga) e sul (Pampa) do Brasil e desempenho inferior no centro-oeste e
sudeste (Cerrado, Pantanal e Mata Atlântica). Conforme ilustra a Figura 9.1, as projeções consensuais
para os biomas brasileiros, baseadas nos resultados científicos de modelagem climática global e regional,
são as seguintes:
CAATINGA: Aumento de 0,5º a 1ºC da temperatura do ar e decréscimo entre 10% e 20% da pre-
cipitação durante as próximas três décadas (até 2040), com aumento gradual de temperatura
322 VOLUME 1
de 1,5º a 2,5ºC e diminuição entre 25% e 35% nos padrões de chuva no período de 2041-2070. No
final do século (2071-2100) as projeções indicam condições significativamente mais quentes (aumento
de temperatura entre 3,5º e 4,5ºC) e agravamento do déficit hídrico regional com diminuição de prati-
camente metade (40 a 50%) da distribuição de chuva. Essas mudanças podem desencadear o processo
de desertificação da caatinga.
CERRADO: Aumento de 1ºC na temperatura superficial com diminuição percentual entre 10% a 20% na
chuva durante as próximas três décadas (até 2040). Em meados do século (2041-2070) estima-se au-
mento entre 3º a 3,5ºC da temperatura do ar e redução entre 20% e 35% da chuva. No final do século
(2071-2100) o aumento de temperatura atinge valores entre 5º e 5,5ºC e a diminuição da chuva é mais
crítica, entre 35% e 45%. Acentuação das variações sazonais.
PANTANAL: Aumento de 1ºC na temperatura e diminuição entre 5% e 15% nos padrões de chuva até
2040, mantendo a tendência de redução nas chuvas para valores entre 10% e 25% e aumento de 2,5º a
3ºC da temperatura em meados do século (2041-2070). No final do século (2071-2100) predominam
condições de aquecimento intenso (entre 3,5º e 4,5ºC) com diminuição acentuada dos padrões de chuva
de 35% a 45%.
MATA ATLÂNTICA: Como este bioma abrange áreas desde o sul, sudeste até o nordeste brasileiro,
as projeções apontam dois regimes distintos. Porção Nordeste (NE): aumento relativamente baixo nas
temperaturas entre 0,5º e 1ºC e decréscimo nos níveis de precipitação em torno de 10% até 2040,
mantendo a tendência de aquecimento entre 2º e 3ºC e diminuição pluviométrica entre 20% e 25%
em meados do século (2041-2070). Para o final do século (2071-2100) estimam-se condições de
aquecimento intenso (aumento de 3º a 4ºC) e diminuição de 30% e 35% na chuva. Porção Sul/Sudeste
(S/SE): até 2040 as projeções indicam aumento relativamente baixo de temperatura entre 0,5º e 1ºC
com um aumento de 5% a 10% na chuva. Em medos do século (2041-2070) mantêm-se as tendências
de aumento gradual de 1,5º a 2ºC na temperatura e de aumento de15% a 20% nas chuvas, sendo que
essas tendências acentuam-se ainda mais no final do século (2071-2100) com padrões de clima entre
2,5º e 3ºC mais quente e entre 25% a 30% mais chuvoso.
PAMPA: No período até 2040 prevalecem condições de clima regional de 5% a 10% mais chuvoso e até
1ºC mais quente, mantendo a tendência de aquecimento entre 1º e 1,5ºC e intensificação das chuvas
entre 15% e 20% até meados do século (2041-2070). No final do século (2071-2100) as projeções são
mais agravantes com aumento de temperatura de 2,5º a 3ºC e 35% a 40% de chuvas acima do normal.
Incertezas: embora na última década tenha havido melhorias substanciais na ciência do sistema terrestre
(com formulações mais completas dos processos físicos, químicos e biológicos, incluindo suas complexas
interações, dentro dos modelos do sistema climático global), aliado ao significativo avanço tecnológico
em simulação computacional, as projeções climáticas e ambientais geradas pela modelagem climática
trazem consigo diversos níveis de incertezas, cujas categorias principais são: Incerteza sobre os cenários
de emissões: as emissões globais de GEE são difíceis de prever, em virtude da complexidade de fatores
socioeconômicos, como demografia, composição das fontes de geração de energia, atividades de uso
da terra e do próprio curso de desenvolvimento humano em termos globais; Incerteza sobre a variabili-
dade natural do sistema climático: os processos físicos e químicos da atmosfera global são de natureza
caótica, de forma que o clima pode ser sensível às mudanças mínimas (variações não-lineares) de difícil
mensuração tanto nos dados observacionais como nos resultados dos modelos;
Incertezas dos modelos: A capacidade de modelar o sistema climático global é um grande desafio
para a comunidade cientifica, sendo fatores limitantes a representação ainda incompleta de processos
como o balanço de carbono global e regional, o papel dos aerossóis no balanço de energia global,
a representação dos ciclos biogeoquímicos e fatores antrópicos como desmatamento e queimadas (as
nuvens também são importantes fontes de incerteza nos modelos climáticos). Por outro lado, ainda que
sejam usados os mesmos cenários de emissões, diferentes modelos produzem diferentes projeções das
mudanças climáticas, constituindo assim outra fonte de incerteza, a qual pode ser avaliada através da
aplicação de conjuntos de simulações (ensembles) de modelos globais e regionais.
9.1 INTRODUÇÃO
Diante da preocupação mundial concernente à problemática do aquecimento global e indicações
de mudanças climáticas significativas no decorrer do século XXI (IPCC, 2007), há urgente necessidade
de se elaborar as bases técnico-científicas que auxiliem o planejamento governamental nas questões
de mitigação e estudos científicos de impactos, adaptação e vulnerabilidade. O Brasil possui um vasto
território com diferenças regionais pronunciadas das quais algumas são particularmente vulneráveis aos
eventos climáticos extremos. Assim sendo, as projeções de clima futuro fornecem informações valiosas
constituindo-se em ferramentas úteis ao planejamento estratégico e à tomada de decisão visando
minimizar impactos potencialmente desastrosos nas atividades socioeconômicas e no próprio meio
ambiente.
324 VOLUME 1
O presente capítulo tem como objetivo a apresentação das projeções geradas por modelos glo-
bais e regionais que levam em consideração os diferentes cenários de emissões globais de gases do efeito
estufa (GEE) propostos pelo IPCC. Atualmente, uma das ferramentas científicas mais usadas na geração
das projeções de mudanças ambientais é o downscaling (regionalização) dinâmico. Esta técnica consiste
em usar um modelo climático regional “aninhado” a um modelo climático global (maiores detalhes sobre
modelagem encontram-se no Capítulo 9). Basicamente, as saídas dos conjuntos (ensembles) de modelos
globais com baixa resolução espacial (~ 100 a 200 km2) são utilizadas como condições de fronteira den-
tro do modelo regional que realiza as simulações em alta resolução espacial (~ 25 a 50 km2). Diversos
estudos sugerem que o downscaling proporciona uma representação mais realística do clima nas diversas
regiões do território Brasileiro, onde fatores regionais (proximidade com o oceano, topografia acentuada,
solo e cobertura superficial, dentre outros) funcionam como importantes moduladores das condições de
tempo e clima, adicionados às forçantes de grande escala que são capturadas pelos modelos globais.
Um ponto relevante a ser abordado neste capítulo, é a discussão sobre a acúmulo de incertezas
envolvidas na geração das simulações e projeções do clima presente e futuro. Tais incertezas são de di-
versas origens e categorias: cenários de emissões globais, a natureza caótica da variabilidade climática,
e o nível de complexidade física dos modelos que incluem representação ainda incompleta de processos
como o balanço de carbono global e regional, a influência de aerossóis no balanço de energia global,
ciclos biogeoquímicos e fatores antrópicos como desmatamento e queimadas.
326 VOLUME 1
Ambrizzi et al. (2007) apresentaram cenários regionalizados do clima futuro gerados por três mo-
delos regionais: HadRM3P, RegCM3 e ETA integrados com 50 km de resolução espacial e condição de
fronteira do modelo HadAM3P para os cenários futuros B2 e A2. Os resultados de Ambrizzi et al. 2007
consideram 30 anos do século XX (1960-1990), denominado de clima presente, em que verificaram-se
algumas diferenças entre os três modelos ao simular o clima de verão. Por exemplo, a distribuição de
chuvas ao longo da posição climatológica da ZCAS parece ser mais bem representada pelo HadRM3P
que nos outros dois modelos, sendo que o RegCM3 concentra mais chuva no noroeste da Amazônia e
menos no sudeste, ao passo que o ETA tem um comportamento inverso. Por outro lado, é visível que o
HadRM3P superestima a precipitação ao longo dos Andes, o que é menos acentuado nos outros dois
modelos regionais (Ambrizzi et al. 2007). Para o final do século XXI (2071-2100), os modelos HadRM3P,
RegCM3 e ETA indicam impactos distintos na precipitação regional, principalmente a projeção de di-
minuição acentuada na precipitação em toda a Amazônia. Alves e Marengo (2009) também utilizaram
o modelo regional (HadRM3P), com resolução horizontal de 40 km, para gerar downscaling dinâmico
do clima presente, a partir dos resultados do modelo climático global HadAM3P no período de 1961 a
1990. Os resultados mostram que o modelo regional HadRM3P tem bom desempenho no prognóstico
de precipitação apenas na parte norte da região, semelhante ao apresentado tipicamente pelos modelos
climáticos globais. No estudo de Pesqueiro et al. (2009), o downscaling do clima presente (1961-1970)
para a América do Sul foi obtido usando o modelo regional Eta com condições de fronteira do modelo
HadAM3P. Durante os meses de verão o modelo regional apresentou redução do erro na estimativa de
precipitação comparado ao modelo HadAM3P. As correlações das anomalias de precipitação da estação
de verão foram superiores para as áreas leste e sul da Amazônia. Os trabalhos científicos que aplicaram
o downscaling usaram resolução não superior a 40 km, com impactos diferenciados na representação
da chuva durante a estação de verão da América do Sul. Em geral, os modelos regionais apresentaram
melhor desempenho na representação da precipitação, comparados aos modelos globais. Nestes estudos
pouco se avaliou sobre a capacidade dos modelos em representar a ocorrência de eventos extremos de
precipitação, associados a sistemas de menor escala. Isso indica uma limitação e a necessidade de refinar
ainda mais as escalas nos estudos com modelos regionais.
Os efeitos provenientes das ações humanas estão difusos e misturados aos decorrentes de
fatores naturais ou mesmo intensificados pelo aumento da temperatura média da atmosfera global.
O melhor exemplo de impacto da ação antrópica é a mudança de cobertura e uso do solo associa-
do à agricultura e pecuária. No Brasil o aumento da demanda por biocombustíveis, particularmente
derivado da cana-de-açúcar, tem levado a hipótese de que irá aumentar a mudança de cobertura
vegetal na região do cerrado, com possibilidade de reduzir a área de plantio destinada à alimen-
tação, e que podem ter efeitos indiretos inclusive na Amazônia através da intensificação e migração
do desmatamento para outras fronteiras (Nepstad et al., 2008).
Estudos dessa dinâmica territorial da cobertura vegetal apontam para impactos locais ime-
diatos que já podem ser estimados através de dados de satélites que mostram não só as mudanças
na cobertura vegetal, mas também seus efeitos em propriedades físicas como refletividade e tempe-
ratura. Assim, esses dados têm sido utilizados recentemente para avaliar o impacto no clima local
da substituição de áreas naturais e de agricultura de alimentos por cana-de-açúcar no cerrado
brasileiro. Loarie et al. (2011) utilizaram dados históricos de satélite de temperatura, refletividade e
evapotranspiração sobre áreas naturais, de pastagem e de cana-de-açúcar e avaliariam as mudan-
ças provocadas pelas transformações associadas à produção da cana. Os resultados mostram que
a substituição de áreas naturais por pastagens contribui para um aquecimento de 1,5ºC, enquanto
a mudança subsequente de áreas de pastagens para canavial a temperatura reduz 0,9ºC. O res-
friamento é ocasionado pela perda por evapotranspiração da cana-de-açúcar, cujos resultados são
também consistentes com as análises experimentais feitas por Cabral et al. (2003). Tais análises su-
gerem que o efeito local da expansão da cana-de-açúcar promove um menor aquecimento quando
comparado à pastagem. Portanto, além de permitir o estudo do impacto local associados às ativi-
dades antrópicas, esse tipo de estudo representa um bom exercício metodológico para a questão de
atribuição, permitido quantificar as mudanças de origem antrópica devido à alteração da cobertura
superficial do solo.
Mudanças nos sistemas físicos e biológicos só podem ser atribuídas às mudanças climáticas
regionais com base em análises estatísticas bem documentadas, confirmadas por nível de com-
preensão dos processos e interpretação dos resultados. A atribuição de mudanças nos sistemas
naturais pelo aquecimento antrópico requer uma abordagem interdisciplinar aprofundada com inte-
gração de dados físicos-ambientais (clima, solo, propriedades do ecossistema) e sociais (atividades
produtivas humanas, incluindo dinâmica de ocupação). Assim, a abordagem para a atribuição con-
junta envolve a ligação de modelos climáticos com modelos ambientais dos sistemas naturais cau-
sadas por diferentes fatores. Essa estrutura de estudo ainda não é explorada em estudos de impacto
nos ecossistemas brasileiros.
328 VOLUME 1
9.5. PROJEÇÕES REGIONAIS DAS MUDANÇAS AMBIENTAIS PARA O SÉCULO XXI
Conforme mencionado anteriormente, a melhor ferramenta para projetar cenários de alterações cli-
máticas para o futuro constitui-se nos modelos matemáticos do sistema climático global, os quais consideram
os aspectos quantitativos (numéricos) dos componentes do sistema climático global (atmosfera, oceanos, crios-
fera, vegetação, etc.) e suas interações. Porém, há duas grandes fontes de incertezas ao utilizar estes modelos.
A primeira é que não sabemos precisamente a trajetória futura das emissões dos GEE, que depende de de-
cisões humanas sobre o caminho sócio-econômico-ambiental desejado que venha a ser efetivamente imple-
mentado. A segunda advém do fato que diferentes modelos climáticos simulam condições futuras divergentes
(na previsão de chuva), dado o mesmo cenário do IPCC. Assim, uma maneira de abordar estas duas incerte-
zas é utilizar vários cenários de emissões de GEE em diferentes conjuntos (ensemble) de modelos climáticos.
Uma discussão sobre as projeções climáticas anuais e sazonais para meados e final do século XXI pode
ser encontrada em Marengo et al. (2009) baseado nos resultados de modelos globais forçados com cenários
A2 (manutenção dos padrões de emissões de GEE observados nas últimas décadas, chegando em 2100 com
concentrações atmosféricas de CO2 de 850 ppmv) e B2 (estabilização das emissões de GEE com concentração
no final deste século atingindo 550 ppmv). As análises destes cenários mostram maiores diferenças nas
anomalias de precipitação e temperatura entre os diferentes modelos do que entre os diferentes cenários para
o mesmo modelo. O aquecimento projetado para América do Sul varia de 1º a 4ºC para o cenário de baixa
emissão e de 2º a 6ºC para o cenário de alta emissão. Em resumo, as projeções indicam a prevalência de
um clima substancialmente mais quente para qualquer dos cenários e modelos climáticos considerados. Esta
análise é mais complicada para as mudanças na precipitação, uma vez que os diferentes modelos apresentam
diferenças no valor e no sinal da anomalia de precipitação. Em termos gerais para o Brasil as regiões mais
afetadas seriam a Amazônia e o Nordeste Brasileiro, em processos relacionados com o provável enfraquecimento
da célula de Hadley no Hemisfério Norte (ocasionando uma ZCIT mais ao norte, já que o gradiente de
temperatura neste hemisfério diminuiria) e aumento da concentração de vapor de água atmosférico na região
equatorial. Porém, a discordância entre os modelos é significativa: enquanto alguns modelos apontam para
anomalias positivas (Li et al. 2006) de precipitação sobre a Amazônia e Nordeste Brasileiro, outros apontam
para anomalias negativas (Giorgi e Francisco, 2000; Oyama e Nobre, 2003), muito embora ambas as regiões
sejam consideradas como locais de previsibilidade climática mais alta em comparação com as demais regiões
do Brasil (Moura e Hastenrath, 2004). O que entra em cena aqui são as diferentes parametrizações que cada
modelo utiliza para representar os processos de superfície, culminando na representação limitada de sistemas
convectivos de escala regional (como complexos convectivos de mesoescala ou linhas de instabilidade). Tanto
na Amazônia, como no Nordeste Brasileiro, os sistemas convectivos de mesoescala, junto com a ZCIT, são de
suma importância para os regimes de precipitação em escala local (Cohen et al. 1995; Satyamurty et al., 1998).
Os resultados dos modelos climáticos globais que são utilizados para elaborar as projeções futuras pos-
suem resolução espacial entre 100 e 200 km de latitude/longitude, ou seja, constituem baixa resolução espacial.
A regionalização, ou downscaling, das projeções dos modelos globais através do uso de modelos climáticos re-
gionais de alta resolução sobre a área de interesse é a técnica mais aceita para escalonar as variáveis climáticas
da relativamente baixa resolução espacial dos modelos climáticos globais para escalas locais mais refinadas.
Na técnica de downscaling, os modelos regionais utilizam como condições de fronteira (ou de contorno) nas
laterais do domínio geográfico, os dados provenientes dos modelos climáticos globais. Com o objetivo de pro-
duzir cenários de mudança climática em escala regionalizada (50 km) para América do Sul, o projeto “Caracte-
rização do clima atual e definição das alterações climáticas para o território Brasileiro ao longo do Século XXI”,
financiado pelo Projeto de Conservação e Utilização Sustentável da Diversidade Biológica Brasileira – PROBIO
(Marengo, 2003) e com o apoio do MMA/BIRD/GEF/CNPq e pelo Global Opportunity Fund do Reino Unido,
através do projeto “Using Regional Climate Change Scenarios for Studies on Vulnerability and Adaptation in Bra-
zil and South América” (Marengo e Ambrizzi, 2006) utilizaram três modelos regionais (ETA/CPTEC, RegCM3 e
HadRM3P) para elaborar cenários de mudança climática. Estes modelos regionais projetam para o final século
XXI um aumento médio de temperatura para a Amazônia de 2° a 4°C e diminuição de precipitação de 1 mm/
dia a 4 mm/dia, principalmente no leste da Amazônia, conforme mostra a Figura 9.2. Segundo Ambrizzi et al.
(2007), as mudanças climáticas mais intensas para o final do século XXI, relativo ao clima atual vão acontecer
Figura 9.3. Anomalias de precipitação em mm/dia (painel superior) e temperatura do ar em ºC (painel inferior) para
o período 2071-2100 considerando os cenários A2 e B2. As projeções representam a média de três modelos
regionais Eta/CPTEC/RegCM3/HadRM3P com resolução de 50 km. Fonte: Ambrizzi et al. (2007).
De qualquer maneira, uma das projeções importantes (Vincent et al., 2005; Marengo et al. 2009)
é a que diz respeito a maior ocorrência de extremos climáticos tais como secas, veranicos, vendavais,
tempestades severas, inundações, dentre outros, com alta probabilidade de aumento em um planeta
mais aquecido. A ocorrência de eventos extremos registrados no Brasil nos últimos anos, com todas as
suas gravíssimas consequências sociais e ambientais, ilustra bem a necessidade de uma estratégia de
adaptação para o país nos vários setores de atividades econômicas (Vincent et al. 2005; Marengo et al.
2009). Eventos extremos como a seca de 2005 no oeste e sudoeste da Amazônia, num cenário futuro de
aquecimento global devido à intensificação do efeito estufa ocasionados pelas altas emissões de CO2 na
atmosfera global, podem se tornar mais frequentes até o final do século XXI.
A questão das possíveis alterações nos biomas brasileiros como resposta aos cenários de mu-
danças climáticas tem sido recentemente investigada através de modelos biogeográficos ou modelos de
biomas (Oyama e Nobre 2003; Salazar et al., 2007). Estes modelos usam como tese central que o clima
330 VOLUME 1
exerce o controle dominante sobre a distribuição da vegetação. Os modelos biogeográficos podem simu-
lar a vegetação potencial (sem os efeitos dos usos da terra e do solo) baseando-se em alguns parâmetros
climáticos, tais como a temperatura e a precipitação. Devido a simplicidade destes modelos e a existência
de regras empíricas globais entre a vegetação natural e o clima, estes modelos têm sido utilizados para
a estimativa de impactos das mudanças climáticas na cobertura vegetal (King e Neilson, 1992; Claus-
sen e Esch, 1994, Nobre et al., 2004, Salazar et al., 2007). Oyama e Nobre (2003) desenvolveram um
modelo de vegetação potencial (CPTEC-PVM) que consegue representar a distribuição global e regional
dos diferentes biomas, particularmente os biomas da América do Sul onde outros modelos extensamente
utilizados como o BIOME (Prentice et al., 1992) e o BIOME3 (Haxeltine e Prentice, 1996) têm algumas
deficiências. Preliminarmente, deve-se mencionar que ecossistemas naturais não têm capacidade intrín-
seca de migração ou adaptação a mudanças climáticas na escala de tempo em que estão ocorrendo,
isto é, da ordem de décadas. Ecossistemas migram ou se adaptam naturalmente a flutuações climáticas
ocorrendo na escala de muitos séculos a milênios (Haxeltine e Prentice, 1996). Portanto, devemos esperar
rearranjos significativos dos biomas, com sérias consequências para a manutenção da mega-diversidade
biológica dos biomas brasileiros, com o resultado de sensível empobrecimento biológico (Nobre et al.,
2004). Para avaliar quantitativamente as prováveis alterações e redistribuições dos biomas na América
do Sul para o século XXI, em resposta aos cenários de mudanças climáticas, Salazar et al. (2007) utili-
zaram o modelo de vegetação potencial CPTEC-PVM (Oyama e Nobre, 2003) forçado com resultados
das previsões de precipitação e temperatura de quinze modelos climáticos forçados com os cenários do
IPCC/AR4. Foram analisados os cenários A2 e B1 que representam cenários de alta e baixa emissão de
CO2, respectivamente. A resolução horizontal dos modelos varia entre 1 e 2 graus de latitude e longitude.
A Figura 9.3 apresenta a vegetação potencial atual e a redistribuição de biomas projetados para o final
do século XXI (2090-2099). Para a América do Sul Tropical, tomando-se uma média destas projeções,
os resultados indicam a projeção de aumento na área de savanas (com o cerrado invadindo o Pará) e
substituição da área de caatinga por semideserto no núcleo mais árido do Nordeste do Brasil (Nobre et
al., 2004). Em particular, o modelo HADCM3 é o que projeta o cenário mais extremo para a Amazônia,
chegando a se especular um possível completo desaparecimento da floresta Amazônia (Cox et al., 2000).
O aumento de temperatura induz uma maior evapotranspiração (soma da evaporação da água à super-
fície com a transpiração das plantas), reduzindo a umidade do solo mesmo que as chuvas não diminuam
significativamente. Este fator pode por si só desencadear a substituição dos biomas existentes hoje por
outros mais adaptados a climas com menor disponibilidade hídrica para as plantas (por exemplo, savanas
substituindo florestas, caatinga substituindo savanas, semideserto substituindo caatinga).
332 VOLUME 1
Além das mudanças climáticas decorrentes do aquecimento global, há que se adicionar aquelas
devido às alterações da cobertura da vegetação por atividades de uso da terra. Há projeções que os
desmatamentos da floresta tropical amazônica levarão a um clima mais quente e seco na região (Nobre
et al., 1991; Gandu et al., 2004; Sampaio et al., 2007, Costa et al., 2007; Correia et al., 2007; Cohen
et al. 2007; Ramos da Silva et al., 2008). As várias simulações dos efeitos climáticos da substituição da
floresta por pastagens na Amazônia produzidas por tais estudos e as observações dos projetos ABRACOS
(Gash et al., 1996; Gash e Nobre, 1997) e LBA (Experimento de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na
Amazônia) indicam que há um aumento da temperatura entre 0,3°C e 3°C, redução da evapotranspiração
entre 15% e 30% e redução da precipitação entre 5% e 20% devido à mudança de vegetação de floresta
para pastagem. Este aumento de temperatura é maior do que aquele projetado pelo cenário B1, mas
bem inferior àquele previsto pelo cenário A2 para o final do século XXI. Provavelmente os efeitos de
aumento de temperatura induzidos pelas mudanças globais e aqueles advindos dos desmatamentos se
somariam, aumentando o risco de incêndios florestais porque o secamento da vegetação na estação
seca e sua flamabilidade são maiores com temperaturas mais altas (Nepstad et al. 2004), aumentando
a vulnerabilidade dos ecossistemas tropicais. Em Scholze et al. (2006), o risco de perda da floresta em
algumas partes da Amazônia é de mais de 40% para os cenários que apresentam uma anomalia de
temperatura maior que 3°C. Por outro lado, se houver tendência ao aumento das precipitações, estes
atuariam para contrabalançar a redução das chuvas devido ao desmatamento e o resultado final seria mais
favorável à manutenção dos ecossistemas e espécies. Adicionalmente, alguns estudos têm mostrado que
os estômatos das plantas abrem menos com altas concentrações de CO2 (Field et al., 1995), o que reduz
diretamente o fluxo de umidade da superfície para a atmosfera (Sellers et al., 1996). Isto pode aumentar a
temperatura do ar próximo da superfície pelo aumento da razão do fluxo de calor sensível. Numa região
como a Amazônia, onde muito da umidade para a precipitação advém da evaporação da superfície, a
redução da abertura estomatal pode também contribuir para um decréscimo na precipitação (Betts et al.,
2004). Se grandes áreas da Amazônia forem substituídas por savana, a aridez poderá aumentar já que a
vegetação adaptada ao fogo tem uma menor transpiração. Segundo Scholze et al. (2006) conclui-se que
é provável uma maior frequência de fogo (risco >60% para aumento da temperatura > 3°C) em muitas
zonas da América do Sul. Em Hutyra et al. (2005) é mostrado que as florestas presentes em áreas com alta
frequência de secas (>45% de probabilidade de seca) podem mudar para savana, se a aridez aumentar
como previsto pelos cenários de mudança climática (Cox et al., 2004; Friedlingstein et al., 2003). Portanto
cerca de 600.000 km2 de floresta estarão em potencial risco de desaparecer (> 11% da área total
vegetada). O aumento da aridez, portanto, pode levar à divisão da Amazônia (Hutyra et al., 2005).
Outro aspecto relevante a se considerar quando a floresta está sujeita a períodos anomalamente
secos, é o aumento da probabilidade de ocorrência de queimadas que podem destruir centenas de
milhares de hectares de floresta e injetar na atmosfera grandes quantidades de fumaça e aerossóis que
poluem o ar em extensas áreas, afetando a população e com potencial de afetar o início da estação
chuvosa e a quantidade de chuva na região (Andreae et al. 2004). Considerando os cenários de mudança
climática do modelo do HadCM3 para o IPCC/AR4 (Li et al., 2006), a duração da estação seca poderia
aumentar em até dois meses ou mais na maior parte da Amazônia, o que levaria ao aumento da estação
seca dos atuais 3-4 meses para 5-6 meses na Amazônia central e oriental. Esse expansão do período
seco da estação seca implicaria num aumento do risco da ocorrência de queimadas e mudança na
climatologia da chuva o que favoreceria a substituição da floresta por savana (Li et al., 2006). Esses
impactos ecológicos afetam a possibilidade de manejo sustentável da floresta na região, o que é uma
premissa básica para a economia regional (Brown et al., 2006).
A floresta Amazônica contém uma grande parte da biodiversidade do mundo, pois mais de 12%
de todas as plantas com flores são encontradas na Amazônia (Gentry, 1982). Sendo assim, ameaças à
existência da floresta amazônica indicam sérias ameaças à biodiversidade global. Entretanto, existem
poucos estudos sobre os efeitos das mudanças climáticas na distribuição de espécies. Em nível global,
Thomas et al. (2004) avaliaram o risco de extinção de espécies para áreas que cobrem cerca de 20%
da superfície terrestre, e encontraram que entre 15% e 37% das espécies estariam comprometidas com
risco de extinção até o ano de 2050. Esse trabalho foi feito considerando três cenários de mudança
climática: (i) mínima mínima (aumento da temperatura de 0.8-1.7°C e aumento de CO2 de 500 ppmv.),
Recentemente, dois eventos meteorológicos de grande escala tiveram impactos importantes na di-
nâmica da precipitação na Amazônia: um evento El Niño em 1998 (Sampaio, 2001; Satyamurty, P. et al.,
1998) e a Seca de 2005 (Marengo et al. 2008). Nos dois eventos houve diminuição da precipitação, o
que por sua vez teve impactos importantes sobre as características dos ecossistemas da região. Um destes
efeitos é a diminuição da umidade do solo que afeta a condição das folhas da vegetação sobre estresse
e consequentemente contribui para o aumento da flamabilidade à superfície do solo, o que pode levar ao
aumento da ocorrência de fogo nestes ecossistemas (Cochrane, 2003). De fato, de acordo com observa-
ções feitas por sensoriamento remoto (por ex. Giglio et al. 2003), houveram mudanças substanciais nos
padrões de ocorrência de fogo sobre a região. Para uma análise da ocorrência de fogo nestes períodos,
considerou-se três sub-regiões da Amazônia (Figura 9.6). De acordo com as descrições do impacto da
seca em 2005 da Amazônia (CPTEC e INMET 2005, ANA 2006), a região mais afetada pela redução de
chuvas naquele período incluiu as sub-bacias localizadas a oeste e sudoeste, correspondendo à região
O-SO da Figura 9.6a. Em anos de El Niño esperam-se impactos pronunciados nas regiões ao norte e
partes ao leste da bacia (Sampaio, 2001) que neste estudo correspondem às regiões N e L, respectiva-
mente. As informações sobre atividade de fogo são provenientes de detecções de calor feitas pelo Tropical
Rainfall Measuring Mission Visible and Infrared Scanner (Giglio et al. 2003) (Figura 9.6b). Para uma visão
geral da ocorrência de fogo, foram calculadas médias espaciais mensais do número de focos para quatro
períodos: 1998, 1999-2003, 2004 e 2005. O ano de 1998 representa condições de El Niño. Os anos
1999-2003 representam anos onde não houve eventos meteorológicos de grande escala com impactos
intensos sobre a flamabilidade da vegetação (considerado aqui como um período de referência). No
ano de 2004 ocorreu um El Niño pouco intenso, e em 2005 houve a estiagem descrita acima. O uso de
médias espaciais é também justificado pela necessidade de se usar um índice da intensidade de atividade
de fogo que possa ser comparado entre as regiões de estudo. Pode-se verificar que o padrão de ocor-
rência de fogo segue a dinâmica da precipitação, coincidindo de uma forma geral com os períodos mais
secos nestas sub-regiões. Em específico, a maior parte da atividade de fogo na região N da Amazônia
foi detectada entre os meses janeiro-março (Figura 9.7a). Na sub-região L, as detecções indicam maior
atividade de fogo entre os meses de maio e dezembro (Figura 9.7b), e na porção O-SO a maior parte
dos focos de calor foram identificados no período junho-novembro (Figura 9.7c). Temporalmente, porém,
algumas variações importantes podem ser notadas. Primeiramente, verifica-se que a atividade de fogo foi
maior fora do período de referencia (1999-2003), indicando um impacto importante dos fenômenos que
causaram secas em todos os casos. Entre as sub-regiões, há indicação de impacto diferenciado destes
fenômenos.
334 VOLUME 1
máximos de detecção de fogo ocorreram nos anos de 1998 e 2005, seguidos pelo ano de 2004. Na
região O-SO, o maior número de focos de calor foi detectado no ano de 2005 seguido pelos anos
de 2004 e 1998. Estes resultados indicam que houve diferenças importantes entre a atividade de fogo
nos períodos analisados e nas sub-regiões da Amazônia, e sugerem ligações entre estas diferenças às
condições meteorológicas predominantes. Em síntese, o El Niño teve potencialmente uma importância
maior na região N do que em outras regiões. Na região L, há indicações de que o fenômeno que causou
a estiagem de 2005 teve impactos que foram tão importantes quanto os do El Niño. Na região O-SO,
por outro lado, os impactos sobre a atividade de fogo foram potencialmente maiores durante a seca de
2005 do que no El Niño em 1998. Uma das implicações destes resultados é talvez o fato de que outros
fenômenos climáticos além do fenômeno El Niño também devem ser levados em conta nas projeções de
atividade futura de fogo na Amazônia, reforçando a importância das previsões climáticas nos estudos
ambientais nesta região.
Figura 9.6. (a) Bacia do rio Amazonas subdividida em três regiões de Figura 9.7. Média espacial do número de focos
estudo. Sub-bacias ao norte (N) em amarelo, sub-bacias ao leste (L) detectados pelo TRMM-VIRS nos períodos
em azul, e sub-bacias na região oeste-sudoeste (O-SO) em verde, 1999-2003 (azul, média temporal), 1998
conforme Mayorga et al. (2005) e mapas da Agência Nacional de (vermelho), 2004 (marrom) e 2005 (laranja).
Águas. (b) Síntese do número de focos de calor detectados usando (a) Região de análise Norte, (b) região de
o sensor VIRS a bordo do satélite TRMM (Giglio et al. 2003), entre análise Leste e (c) região de análise Oeste e
1998 e 2005 com resolução de 0,5º, em unidades de focos de Sudoeste, conforme definição na Fig. 9.6. O
calor por mês. Coordenadas em longitude oeste são indicadas pelos mês 1 corresponde ao mês de Janeiro, 2 a
valores W (West). Fevereiro, até o mês 12 ou Dezembro.
Em geral, os resultados dos modelos descreveram com melhor qualidade o comportamento médio
do clima presente (século XX) e, embora os modelos apresentem ainda muitas incertezas (ver discussões
no capítulo 8), as projeções de mudanças climáticas futuras ao longo do século XXI são coerentes com as
forçantes físicas impostas nos mesmos. Tais projeções constituem-se em informações valiosas tanto para fins
de mitigação como planejamento de ações de adaptação e minimização de impactos e vulnerabilidade
junto ao conjunto da sociedade habitante nos diferentes biomas brasileiros. Levando em conta as projeções
diferenciadas que implicam em potenciais impactos socioeconômicos e ambientais nos diferentes biomas
brasileiros, já é possível (e recomendável) o planejamento e tomada de decisão agora e no futuro.
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PRIMEIRO RELATÓRIO DE AVALIAÇÃO NACIONAL SUMÁRIO EXECUTIVO347
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Ciência, Tecnologia
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FUNDO CLIMA
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