Você está na página 1de 18

A SOCIOLOGIA, OBRA DOS TEMPOS MODERNOS

Tania Quintaneiro
Professora do Departamento de Sociologia e Antropologia da Universidade Federal de Minas Gerais.

Autora de: Retratos de Mulher. O cotidiano feminino no Brasil sob o olhar de viageiros do século XIX.
Petrópolis: Vozes, 1996; Cuba e Brasil: da revolução ao golpe (1959-1964) Uma interpretação sobre a política
externa independente. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1988; e co-autora de Um Toque de Clássicos:
Durkheim, Marx e Weber. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1995.

Resumo - considera as mudanças nos níveis social, econômico, político e ideológico


ocorridas entre os séculos XVI e XIX sob cujo impacto foram se definindo tanto a
identidade como o próprio objeto da Sociologia como ciência.
Palavras-chave - sociologia - modernidade - sociedade européia - filosofia - teoria social.

Introdução
A reflexão sobre as origens e a natureza da vida social ocorre desde tempos remotos, mas a Sociologia,
como um campo delimitado do saber científico, só emerge em meados do século XIX na Europa. Para melhor
entender sua constituição como ciência, é mister situá-la no quadro das mudanças econômicas, políticas e
sociais sucedidas entre os séculos XVI e XIX e considerar as principais correntes de pensamento filosófico
sob cuja influência foi-se definindo sua identidade.
As grandes transformações sociais não costumam acontecer de maneira súbita, sendo quase
imperceptíveis para aqueles que nelas estão imersos. Mesmo os sistemas filosóficos e científicos inovadores
entrelaçam-se a tal ponto com os que os antecedem que é difícil pensar em termos de rupturas radicais. Ainda
assim, a marca da Europa dos séculos XVIII a XIX foi, sem dúvida, a instabilidade, na forma de crises
econômicas, políticas e morais. Uma linha distintiva parecia separar a Modernidade que despontava do que
veio a se chamar Medievo.1 Mudanças na organização política e jurídica, nos modos de produzir e de
comerciar exerceram, mutuamente, um efeito multiplicador e geraram conflitos ideológicos e políticos de
monta. Foi no cerne desses câmbios e das contradições deles decorrentes que nasceu a Sociologia enquanto
um modo de interpretação científico chamado a explicar o “caos” informe e até certo ponto assustador em que
a sociedade parecia haver-se tornado. O propósito deste texto é destacar as dimensões sociais e
epistemológicas desse processo de construção de um conhecimento que se pretende científico, dotado por
vezes de uma disposição para a intervenção social.

Medo, morte, expiação


Não é exagerado dizer que, no período medieval, e mesmo no Renascimento, as populações européias
viviam em um clima de permanente medo, assombradas pela morte. A inquietação diante de um mundo
incontrolável, onde as pestes e guerras dizimavam incessantemente grandes parcelas das populações,
deixando à vida um tempo muito breve, marcou condutas e crenças. As calamidades pareciam ocorrer
ciclicamente. A população convivia com epidemias, pandemias e endemias – das quais lepra, varíola, malária,
tuberculose, tifo, cólera e sífilis eram as mais conhecidas.2 A peste negra (bubônica), que chegou à Europa em
1348 e ressurgiu diversas vezes no continente, reduziu de 34 a 17 anos a esperança de vida na Inglaterra. Só
para enunciar alguns dados dessas devastações, em Amsterdã, de 1622 a 1628, há 35.000 mortos em
conseqüência da varíola; em Londres, entre 1593 e 1665, 156.000. Esses números, significativos em termos
absolutos, eram-no ainda mais em termos relativos. Apenas no ano de 1665, devido a uma peste, 70.000
pessoas faleceram em Londres, que tinha, então, 500.000 habitantes.3 A mortalidade infantil e puerperal
materna também era assustadora. Por volta do século XVII, embora não fosse incomum encontrar mulheres
de famílias camponesas e operárias que tivessem gerado cerca de vinte filhos, em média a metade deles
morria antes de completar um ano. Os trabalhadores que chegavam aos 40 anos eram já velhos e desgastados,
sua vitalidade sugada pelos processos de trabalho. A fome era endêmica. Não é demais lembrar que a morte
era seletiva, atingindo mais os desnutridos e os que não tinham como fugir das aglomerações urbanas para o
campo durante as epidemias arrasadoras. Enquanto isso, a nobreza comia em excesso, usava trajes incômodos
e suntuosos, cravejados de pérolas e pedras preciosas, em seda, veludo e brocado, além de perucas, não raro
infestadas de piolhos.4 Um considerável número de burocratas, militares, criados, eclesiásticos e homens de
justiça gozavam também de diversos privilégios.
Dentre as explicações então dominantes sobre a origem das doenças, estava a teoria dos miasmas que
atribuía ao estado corrompido da atmosfera, à contaminação do ar, por águas pútridas de pântanos e pela
matéria orgânica em decomposição, uma combinação maligna com os chamados humores, as substâncias
fluidas do corpo humano, que provocava a enfermidade.5 Os precários conhecimentos relativos a métodos de
contágio e tratamento promoviam tentativas desesperadas de proteção e cura. Algumas das soluções para
afastar os males eram de caráter mágico ou religioso, como a prática de penitências rigorosas. Usavam-se
vapores aromáticos, poções, clausuras, queimavam-se as roupas dos doentes, que eram expostos a
sanguessugas, sangrias ou à cauterização com ferros em brasa. Os médicos procuravam defender-se,
utilizando uma máscara com uma espécie de bico recheado de ervas aromáticas. Para evitar o contato social,
as portas das casas dos pesteados eram marcadas com cruzes vermelhas.6 Enfermidades, como a lepra,
provocavam a exclusão do portador da vida social. O ritual de separação nesses casos era dramático. O doente
deveria vestir uma mortalha, uma missa para os mortos era celebrada em sua intenção e jogava-se terra sobre
seu corpo. Era um morto vivo. Ele passaria, então, a usar um traje especial e a anunciar sua aproximação por
meio de algum instrumento sonoro, como a matraca.7
Impotentes frente à miséria e à morte, os homens não só as atribuíam aos ventos ou à cólera divina
como também aos portadores de deformidades físicas, a grupos étnicos ou religiosos, a certos animais, como
os gatos, e às mulheres sozinhas, alvos de fortes sentimentos de intolerância.8 É possível que muitos dos
acusados de feitiçaria mantivessem vivos cultos pagãos milenares e seus deuses da natureza e da fertilidade.9
Superstições, alimentadas por fanatismo religioso, somadas a interesses no saque aos bens de inimigos e
vizinhos, fizeram vítimas entre os membros mais frágeis das comunidades. Isso ocorreu, por exemplo, durante
o chamado período da caça às bruxas, quando milhares de inocentes foram levados à fogueira. A onda
repressiva foi mais forte na França, nos Países Baixos, na Escócia e na Alemanha.10 As execuções conhecidas,
perpetradas por católicos, protestantes e autoridades civis, passaram de 10.000, em sua maioria mulheres.
Também nos Estados Unidos, a histeria coletiva acabou cobrando suas vítimas no episódio conhecido como
“as bruxas de Salem”. As torturas em busca da confissão da culpa e o castigo aos transgressores
caracterizavam-se pela extrema crueldade e contavam às vezes com o beneplácito da Igreja Católica, ansiosa
por combater pagãos, pecadores e infiéis, e dedicada, desde o século XII, por meio dos tribunais da
Inquisição, a perseguir pessoas acusadas de cometer heresias e a puni-las com a prisão, o suplício e a morte.
Esses processos arrastaram-se até começos dos Setecentos.
O recurso tranquilizador de submeter as mulheres fora utilizado desde o começo dos tempos. Tidas
como seres misteriosos, inspiradoras de atração e medo, representantes da Eva que induziu a humanidade ao
pecado, mesmo sua beleza podia ser uma enganadora máscara do demônio. A ligação das mulheres aos
processos do nascimento e da morte, o cuidado com os enfermos, as ervas, rezas e condutas de que se valiam
para promover a cura levaram a que muitas fossem acusadas da prática de magia.11 Por outro lado, defeitos
que lhes eram imputados – sexualidade descontrolada, ociosidade, vaidade, mentira, tagarelice, curiosidade,
malícia, natureza úmida e fraca – deram origem a maltratos institucionalizados que iam do espancamento ao
estupro, tanto por parte de pais e maridos, como de vizinhos e do poder comunitário.12
Um terror ao desconhecido, ao sobrenatural, à imponderável ira de Deus, à magia, ao pecado e à
tentação inspirados pela onipresença de Satã colaborava com as autoridades religiosas para lhes garantir, além
da obediência, valiosos legados para os cofres da Igreja em troca da promessa da salvação. Períodos de grande
mortandade acarretavam uma angústia coletiva e transtornos sociais difíceis de serem imaginados nos dias de
hoje, a não ser nas catástrofes naturais ou nas guerras. Os ritos de separação entre vivos e mortos eram
suspensos, enfermos eram abandonados à própria sorte, famílias e comunidades se desintegravam material e
moralmente, consumindo-se às vezes em festins intermináveis, rituais alucinados de despedida dos prazeres e
da própria vida. Com tantas ameaças, não é de surpreender que a violência interpessoal e as possibilidades de
uma morte violenta entre a população civil européia fossem incomparavelmente maiores entre os séculos XVI
e XVIII do que são nos dias de hoje, mesmo nos grandes centros urbanos.13

A Modernidade e as Revoluções
A Reforma protestante, iniciada no século XVI, foi um momento importante na configuração do
individualismo.14 Ao contestar a autoridade da Igreja na interpretação dos textos sagrados e na absolvição dos
pecados e colocá-la sob a responsabilidade do fiel, capaz de comunicação sem mediações com Deus, a
Reforma institui o livre exame, o que fez da consciência individual a instância última de julgamento. Aos
poucos, correntes de pensamento assim como processos de ordem sócio-econômica convergirão para destacar
a individualidade, deteriorando a concepção orgânica, dominante na antigüidade e no período medieval, que
considerava o todo anterior e superior às partes. Mas é às Revoluções Industrial e Francesa, dois fenômenos
de longa duração e grande amplitude, que se atribui a maior contribuição para que o modo sociológico de
investigar e interpretar a realidade social se tornasse possível. O clima intelectual no qual floresceram foi se
configurando a partir do racionalismo e do empirismo, culminando com o movimento da Ilustração.15
Num movimento de longo prazo que vai se configurando desde a crise do feudalismo e que ainda
sobrevive em alguns de seus traços essenciais, o espírito da Modernidade se instala, caracterizando-se pela
prática sistemática da dúvida, do questionamento e da busca da verdade com base nos métodos da lógica e da
matemática. Gradualmente e com base no princípio de que a razão humana é capaz por si só de penetrar e
desvendar as leis que governam a dinâmica da realidade, o conhecimento do mundo natural e social vai se
distanciando da teologia e da moral religiosa, retirando da autoridade eclesiástica seu status de fonte da
verdade inalterável, depreciando a superstição e a magia. Consolidam-se, dessa maneira, métodos empíricos
de investigação e prova baseados na observação e na experimentação, com os quais seria possível conhecer e
controlar a dinâmica do mundo exterior. A sabedoria assim adquirida começa a socavar explicações fundadas
nas verdades reveladas. A ciência experimental legitima-se como um processo confiável e desacreditam-se as
filosofias que partiam do saber inato. O Iluminismo se alicerça nessa confiança na razão e no ceticismo crítico
a respeito das concepções tradicionais da religião que, segundo os pensadores do século XVIII, tinham
servido para escravizar a humanidade aos preconceitos, em vez de promover seu autodesenvolvimento. Por
outro lado, as ciências exatas e naturais, aplicadas aos processos produtivos, transformam as técnicas
tradicionais, incrementando extraordinariamente a geração de riqueza.16 Isso alimentou uma sólida confiança
no progresso material da humanidade – idéia que impregna boa parte da teoria social produzida no século
XIX.
Profundas mudanças na estrutura de classes e na ossatura do Estado vinham também ocorrendo em
muitas das sociedades européias em decorrência, por um lado, do surgimento de novas forças sociais –
burguesia e proletariado – e de pressões por uma maior participação política e, por outro, do desaparecimento
ou enfraquecimento da aristocracia, das instituições e classes do sistema feudal: servidão, propriedade
comunal, organizações corporativas artesanais e comerciais. Em outras palavras, o capitalismo tornava-se o
modo de produção dominante no Ocidente e, com ele, as antigas organizações econômica, política e social –
aí incluídos os sistemas moral, religioso, científico, jurídico e intelectual – iam se modificando, marcando, de
fato, uma nova era. As pressões por participação política deram origem a novas instituições no seio do Estado,
modificando sua estrutura eminentemente aristocrática. Isso não poderia ter deixado de suscitar problemas
relativos à redefinição das relações sociais consolidadas na forma de direitos e deveres – seja por parte de
capitalistas em sua relação com trabalhadores, seja do Estado com os cidadãos, desses entre si ou com outras
instituições, como famílias, igrejas, sindicatos, universidades e, posteriormente, partidos políticos. Além
disso, fatores como o saneamento público e as técnicas de higiene, os novos métodos de cura e controle de
doenças, o desenvolvimento da produção de alimentos, o abandono de antigas crenças, preconceitos e
superstições tiveram impacto positivo sobre as taxas demográficas – com profundas conseqüências para todas
as dimensões da vida social.
Mudanças significativas ocorreram na instituição familiar, tanto no que se refere ao status e direitos de
seus membros segundo sexo e idade, como à natureza das relações pessoais e jurídicas entre eles, por
exemplo, o controle de propriedades por parte das mulheres, que, em geral, encontravam-se nas mãos de pais
e maridos, a relativa autonomia dos filhos, o desaparecimento do direito de primogenitura e outras
modificações que variam de acordo com os processos internos de cada sociedade. Nas camadas altas e médias
das sociedades medievais, nome e fortuna tinham sido até então o binômio que marcara os destinos de
homens e mulheres. A escolha de parceiros dependia de critérios estamentais ou refletia interesses políticos
ou econômicos familiares.17 A mulher, por ter um “espírito fraco” e ser incapaz de zelar pela sua pureza, devia
ser entregue bem cedo a um marido que a controlasse. Os costumes e a Igreja passaram mais tarde a limitar a
idade aceita para o casamento a não menos de 12 anos para as moças e de 14 para os rapazes, o que se adequa
às taxas de mortalidade e à baixa esperança de vida da época. Já havia algumas brechas para uma seleção
relativamente livre de parceiros desde o século XIII entre os ingleses. Certas instituições modernas – como o
amor romântico, o casamento por escolha mútua, a estrutura nuclear da família, o reconhecimento da infância
e mesmo da adolescência enquanto fases da vida – começaram a se consolidar e a adquirir importância,
redefinindo-se também os papéis sexuais. O amor pelas crianças é também uma novidade, de certa forma uma
conseqüência da gradativa redução da mortalidade infantil. Ainda no século XVII, na França, até que
ultrapassassem o limite de idade que permitia aos pais ter esperança em sua sobrevivência, as crianças eram
tratadas com uma indiferença que hoje provocaria escândalo.18 Entre as classes possuidoras, nem mesmo a
amamentação era uma tarefa materna, e os bebês eram enviados por meses para alguma casa nos subúrbios
onde uma ama cuidava de diversos filhos alheios. Os métodos de esterilização e de pasteurização do leite
animal em fins do século XIX vieram, então, a salvar umas quantas vidas. Nas camadas mais baixas, a
negligência ou a absorção dos pais nas lides de sobrevivência podiam acarretar a morte de filhos pequenos
devido a acidentes característicos do modo de vida que levavam, como sofrerem quedas em fontes e lareiras
ou serem vítimas de animais selvagens ou do gado. Além disso, como na estória de João e Maria e em outras
contemporâneas, muitos eram abandonados por famílias que não tinham meios de criá-los. O infanticídio era
praticado secretamente e moralmente tolerado até fins do século XVII. Não era raro que uma criança nascida
deficiente fosse morta (apesar de leis que procuraram controlar tal crime) e aceitava-se que fosse vendida a
mendigos e saltimbancos que viveriam de exibi-la em feiras e circos. Só em finais do século XIV começam a
surgir entidades protetoras de órfãos e abandonados, assim como de pobres, enfermos e viúvas. A exploração
da força de trabalho infantil e de adolescentes não teve por um longo tempo limites claros. Na sociedade
inglesa era permitido, por lei, reunir crianças pobres nos grandes estabelecimentos surgidos com a Revolução
Industrial, onde eram colocadas a trabalhar em jornadas médias de 12 horas e tinham o turno da noite para
freqüentar a escola.19
Um sentimento de família mais semelhante ao que existe nos dias de hoje originou-se com o
aparecimento dos espaços privados domésticos nas casas burguesas, antes desconhecidos. Foi na Inglaterra
onde começou a se dar uma separação entre o lugar do trabalho e o da vida privada.20 O proletariado urbano
demorou ainda a alcançar esse benefício. No período da revolução industrial, a pobreza, o alcoolismo, os
nascimentos ilegítimos, a violência e a promiscuidade tornavam-se mais visíveis no ambiente das cidades
industriais e atingiam os membros mais frágeis do novo sistema, desprotegidos também no quadro das
instituições sociais nascentes. Os homens desse tempo – eruditos ou incultos, conservadores ou radicais,
privilegiados ou miseráveis – experimentaram mais ou menos agudamente essas transformações e o
sentimento de ruptura com o passado que acarretaram.21

Crescimento populacional, industrialização, urbanização e suas conseqüências


Com a industrialização – concentrada em algumas regiões e intensificada a partir de meados do século
XVIII no mundo Ocidental – e a urbanização intensa, surgiu uma paisagem muito distinta da que antes
existia. A cidade atraía, além de mercadores estrangeiros e nacionais e pessoas em busca da sobrevivência,
uma população de mendigos, desocupados, ladrões, piratas de rios e de cais, traficantes e aventureiros de
todos os tipos. Ela representava a possibilidade de uma maior liberdade, de proteção, de ocupação e de
melhores ganhos. Os céus dos grandes centros industriais começavam a cobrir-se da fumaça despejada pelas
chaminés de fábricas que se multiplicavam em ritmo acelerado. A propriedade comunal, uma antiga
instituição européia, tinha sido, aos poucos e com violência, usurpada pelos grandes proprietários e
arrendatários de terras, com base em decretos e em leis, desde finais do século XV até meados do XVIII.
Expulsaram-se milhares de famílias que nelas se mantinham e que passaram a vagar à procura de trabalho. E,
desde o século XVI, diversas leis penalizavam os pobres. Quando considerados vagabundos robustos,
mendigos sem autorização e bandidos, deviam ser mandados à prisão, onde seriam açoitados com freqüência
e energia e podiam ser escravizados. Na Inglaterra, alguns “incorrigíveis” eram marcados a ferro no ombro
com a inicial de vagabundo, inútil. Podiam ser mutilados e executados. Leis semelhantes existiam na França e
nos Países Baixos.22 Com isso, havia grande disponibilidade de desocupados, forçados pela miséria e acuados
pela legislação. O campo invadia as cidades, que continuavam a crescer em ritmo acelerado. Ruas antes
tranqüilas tornaram-se extremamente sujas, habitat de porcos, ovelhas, gansos, cavalos e cães, com esgotos a
céu aberto, poeira, lixo amontoado, sangue de matadouros, além de servir de despejo para os urinóis. Um
intenso vaivém de pessoas que praticavam seus ofícios ao ar livre e camponeses pobres expulsos de suas
terras caracterizavam os centros industriais. Londres era tida, então, como a cidade mais suja da Europa, mas
o título podia ser disputado por várias outras. Suas vias principais, enlameadas por ocasião das feiras, eram
ocasionalmente cobertas por palha ou serragem para que a sujeira e o ruído pudessem ser reduzidos.
Atividades rurais e urbanas entremesclavam-se. Rebanhos podiam ser vistos a todo momento cruzando as ruas
em direção aos mercados. Em Liverpool, 39.000 pessoas viviam em 7.800 porões e outras 86.000 em 2.400
pátios. Casebres de materiais inadequados abrigavam em um só cômodo até doze pessoas.23 Em Nápoles, em
finais do século XVIII, calcula-se que cem mil miseráveis moravam nas ruas. Em Paris, o hospital que acolhia
os pobres tinha 1.200 camas para 5 ou 6 mil enfermos, deitados lado a lado com moribundos e cadáveres.24
Nessa época, 7 a 8 mil crianças eram abandonadas por ano e havia pessoas cujo ofício era recolhê-las e
transportá-las aos asilos, dentro de caixas onde eram colocadas em grupos de três em posição vertical, e
algumas se asfixiavam antes de chegarem ao destino. A fome, a falta de esgotos e de água corrente nas casas,
o lixo acumulado e o desconhecimento das regras da higiene garantiam altas taxas de mortalidade da
população em geral, e dos pobres, das crianças e parturientes em particular.25 Enquanto isso, muitos dos ricos
desfrutavam de total ociosidade. A “gente decente” banhava-se somente por ordem médica (o banho diário
era coisa de nobres e libertinos) e “muitos não tinham idéia se o sabão era ou não comestível”.26 Graças à
aglomeração e a tais condições sanitárias, as pestes chegavam a exterminar até metade das populações
urbanas.
No limiar do século XVIII, com as revoluções industrial e agrícola na Inglaterra, uma relativa
abundância de alimentos, juntamente com outros fatores ligados a melhorias na higiene, promoveram uma
sensível redução das taxas de mortalidade e um correspondente aumento da população que passa a não mais
sofrer as quedas abruptas que ocorriam nos períodos anteriores. Entre 1800-1850, o crescimento demográfico
da Europa foi de 43%. Alguns países ultrapassaram os 50%. Na França, no início do século XIX, a
expectativa média de vida subiu a 38 anos e 7% da população já chegavam aos 60 anos, embora 44% não
passassem dos 20.

Novos processos produtivos e seu impacto social


Entre outras coisas, a industrialização também modificou profundamente a percepção do tempo entre as
populações européias, ajustadas a ritmos naturais, em obediência a costumes milenares. Isso se explica
porque, quanto menos os povos dependem da tecnologia para levar adiante suas atividades produtivas, mais o
tempo social é regulado pelos fenômenos da natureza – as estações, as marés, a noite e o dia, o clima. Tais
circunstâncias demarcam a extensão da jornada, aumentando-a ou diminuindo-a. O frutos do trabalho eram
comemorados em festas comunitárias que acabaram por fixar datas religiosas. Com isso, o tempo dedicado à
produção misturava-se ao das demais atividades, sua separação era menos nítida. Ao pequeno
desenvolvimento das forças produtivas nessas sociedades correspondia também um lento crescimento das
necessidades.
A revolução industrial introduz um registro mais preciso do tempo na vida social. O empresário passa a
comprar horas de trabalho e a exigir seu cumprimento. Surge uma disciplina na produção até então
desconhecida.27 O controle do ritmo produtivo sai inteiramente das mãos de quem trabalha. Vigias são
contratados para fiscalizar a duração da atividade efetiva, a obediência às regras, cobrar multas e descontar
atrasos. As benesses da disciplina passam a ser louvadas e prega-se que as crianças pobres – que em geral
trabalhavam desde muito cedo – deveriam ser acostumadas ao esforço e à fadiga. Não tardou para que essa
moralidade fosse difundida desde os púlpitos e que os operários organizados em associações começassem
também a rebelar-se contra as exigências excessivas. Além das doenças devidas ao ambiente insalubre, da
alimentação deficiente, da falta de aquecimento apropriado, da disciplina nas fábricas e das multas que
reduziam ainda mais seus ganhos, os trabalhadores estavam expostos a freqüentes acidentes provocados pelo
maquinário pesado que mutilava e matava. Muitas revoltas tiveram como alvo as próprias máquinas,
destruídas pelos operários insatisfeitos, como no chamado movimento ludista.28 Na França, as manufaturas do
Estado chegavam a contratar até 3.000 trabalhadores. No início da Revolução Industrial, os operários
trabalhavam de 12 a 16 horas diárias e, com a iluminação a gás, passaram a 18 horas. Foi em 1833, e somente
nas fábricas têxteis da Inglaterra, que crianças entre 9 e 13 anos foram proibidas de trabalhar mais de 9 horas
diárias e as que tinham entre 13 e 16 anos por mais de 12 horas. O salário dos aprendizes era em geral a
metade do que recebiam os operários, o das mulheres a quarta parte, e o das crianças... já se pode imaginar.
Argumentava-se que os salários deveriam manter-se baixos para evitar os vícios e o surgimento de
necessidades supérfluas. Estabelecia-se um salário máximo enquanto inexistia um mínimo e algumas vezes
não havia qualquer remuneração monetária. Alguns trabalhadores moravam nas próprias oficinas, onde a
disciplina era tão rigorosa quanto num mosteiro. A luta por melhores condições de trabalho, na Europa como
na América, foi árdua, e novos direitos foram sendo aos poucos conquistados e acrescentados à legislação
social e trabalhista em diversos países.
As mudanças no modo de pensar
A existência de escolas leigas e de carreiras não eclesiásticas não é um fato incomum no período pré-
moderno. Desde o século XII, além das disciplinas convencionais, ensinavam-se, em algumas universidades
francesas e italianas, por exemplo, conhecimentos e procedimentos considerados na época como científicos.
Gradualmente, foi-se firmando a confiança na capacidade de a humanidade conhecer a natureza por meio da
razão e controlá-la, deixando de estar à mercê das tiranias da sorte, do medo e da morte. Esse processo foi
caracterizado mais tarde pela Sociologia como a vitória gradativa do racionalismo sobre o pensamento
mágico e as práticas que o acompanham. Ele se inicia com uma inflexão no campo da filosofia, que é, então,
o cerne mesmo do saber reflexivo. As mudanças no pensamento filosófico expressam o esforço de reflexão
sobre a natureza humana e os desígnios divinos, a autonomia da razão, o papel da experiência sensível. Não é
objetivo desse texto elucidar todo esse vasto percurso, mas lançar um pouco de luz sobre os pensadores que
foram diretamente importantes para a constituição do modo sociológico de análise.
Pelo menos até o século XIX, a maioria dos campos de conhecimento, hoje enquadrados sob o rótulo de
ciências, eram ainda parte integral, como na antigüidade clássica, dos grandes sistemas filosóficos. A
constituição de saberes autônomos, organizados em disciplinas específicas, como a Biologia ou a própria
Sociologia, envolverá, de uma forma ou de outra, um progressivo abandono ou redefinição das questões
últimas colocadas tradicionalmente pela reflexão filosófica, como a liberdade e a razão. Tomando como ponto
de partida o escolasticismo, datado de princípios do século XII, consideraremos brevemente a temática
desenvolvida por alguns filósofos, cujo impacto foi marcante para a configuração das primeiras teorias sociais
modernas.
O chamado pensamento escolástico, ou escolasticismo, domina grande parte do período medieval. Diz
respeito ao saber criado, inicialmente, nos conventos e disseminado, mais tarde, nas universidades européias.
Mais especificamente, refere-se à produção filosófica e teológica que procura conciliar a doutrina cristã com a
filosofia grega, especialmente com a de Aristóteles e Platão, recuperados através da retransmissão dos textos
clássicos promovida pelos filósofos árabes após a ocupação da península ibérica. As artes liberais que
constavam do programa escolástico de ensino eram gramática, retórica, dialética, aritmética, geometria,
astronomia e música. A escolástica costuma também caracterizar-se pela ortodoxia. Sempre que a Igreja
católica considerava as idéias de seus filósofos heresias ou ameaças aos dogmas das Escrituras, eles deviam
retratar-se ou sofreriam punições. Os filósofos escolásticos subordinam a razão à revelação, o saber aos fins
divinos. Com isso, existe uma certa indiferença à ciência e aos fatos. Um dos temas de que os escolásticos se
ocupam é o dos universais, polêmica que se alastrava desde a antigüidade clássica a respeito da natureza dos
conceitos abstratos. Eram eles o resultado de um processo de síntese que, partindo dos particulares, extrai
deles o que têm em comum para constituir o universal? Ou, ao contrário, teriam existência independente dos
entes ou seres concretos ou individuais captados pela percepção? A obra de Tomás de Aquino (1225-1274)
representa o momento mais alto da escolástica e, ao mesmo tempo, sua sistematização nas monumentais
Summa Contra Gentiles e Summa Theologica. Com base em um profundo conhecimento das idéias de
Aristóteles, Aquino procura provar a existência de Deus, não por meio da fé, mas da razão. Na Inglaterra,
William Ockham (±1290-1349) é outro escolástico importante que, ao contrário da tradição aristotélica,
enfatiza a existência dos particulares ou entidades individuais concretas em oposição aos universais, que
seriam apenas nomes (nominalismo), assentando uma das bases do desenvolvimento das ciências
experimentais. Segundo ele, enquanto a lógica trata de conceitos universais, é uma operação do espírito, a
ciência trata das coisas individuais.
Com o Renascimento e a Reforma, inicia-se um nítido distanciamento dos cânones artísticos e das
hierarquias predominantes no período medieval, entre as quais a da Igreja católica. O espírito secular
impregna distintas esferas da atividade humana. Generaliza-se aos poucos a convicção de que o destino dos
homens também depende de suas ações. Sentimentos hostis à educação tradicional nas universidades
dominadas pela Igreja católica levam a propostas de substituição do estudo da teologia pelo da matemática e
da química. A crença de que a razão é capaz de captar a dinâmica do mundo material e de que a lei natural,
inscrita no coração dos homens, pode ser descoberta espontaneamente vai ganhando força, deteriorando, aos
poucos, os velhos princípios de autoridade – entre os quais os mantidos pela Igreja católica. Sobre essa base,
torna-se mais fácil compreender a emergência do empirismo, do racionalismo cartesiano e o avanço das
ciências experimentais que, no seu conjunto, caracterizarão a era moderna.
No início da modernidade, muitos foram os filósofos que contribuíram para o avanço do conhecimento.
Dentre eles, alguns interessaram-se por temas diretamente ligados ao significado da política, à origem do
Estado, das desigualdades, da própria vida em sociedade, assim como sobre a teoria da ciência, incidindo
mais diretamente sobre a temática da teoria sociológica que adviria.
O inglês Francis Bacon (1561-1626) foi um deles. Ele via sua época como aquela onde os homens
fariam avançar seus conhecimentos se utilizassem o método de investigação científica adequado por meio da
observação empírica, experimentação e indução, abandonando os idola e noções falsas do passado – que
confundiam a percepção, tornando difícil o acesso à verdade – e adotando uma nova lógica que lhes permitiria
compreender e conquistar a natureza.29 Segundo ele, “o acesso ao reino do homem, que repousa sobre as
ciências, deve poder parecer-se ao acesso ao reino dos céus, ao qual não se permite entrar senão sob a figura
de criança”, isto é, o intelecto deve estar livre dos falsos deuses.30 A importância de Bacon está na
sistematização lógica do procedimento científico que realizou. Quase três séculos mais tarde, os positivistas
reconhecerão o valor de sua contribuição no estabelecimento dos princípios da ciência social.
O francês René Descartes ou Renatus Cartesius (1596-1650) foi outro pensador de impacto sobre a
teoria social. Considerado o primeiro matemático, físico e filósofo moderno, propôs regras que permitiriam a
qualquer pessoa chegar ao conhecimento da verdade. Com isso, questionava o princípio de autoridade da
tradição e suas instituições e valorizava a capacidade de conhecer do homem comum. O mundo seria
compreensível e racional e, dizia, embora homens diferentes, franceses, chineses ou canibais, tendo sofrido
variadas influências dos costumes, pudessem chegar a conclusões distintas, não seriam por isso menos
racionais do que outros. É dele o Discurso do Método, que propõe a aplicação da dúvida metódica universal,
ou seja, a tudo o que se tem como verdadeiro e sobre o qual caiba algum grau de incerteza. São as seguintes
as regras que Descartes resolveu adotar para si próprio: (1) evitar precipitação e pré-julgamento do que for
apresentado como verdade até que parecesse claro e distinto à sua mente; (2) dividir cada dificuldade no
maior número possível de partes; (3) começar pelas coisas mais simples e fáceis de compreender e
gradualmente atingir as complexas, e (4) enumerar e rever as dificuldades, de forma a não omitir nada.
Munido delas, ele faz a descoberta que se tornará na pedra angular de sua filosofia: a existência do sujeito
pensante como verdade inquestionável contida na famosa afirmação: cogito ergo sum – penso, logo existo. É
nessa primeira certeza que está o cerne do individualismo e do subjetivismo tão característicos das doutrinas
modernas. O sujeito passa a ser o centro do processo de conhecimento.
A teoria contratualista de Thomas Hobbes (1588-1679), de grande impacto nas ciências sociais, funda-
se em alguns dos pressupostos antes mencionados. A explicação hobbesiana atribui, ao menos do ponto de
vista analítico, a origem da sociedade civil ao indivíduo abstrato e isolado. Ele parte de um estado de natureza
hipotético no qual inexiste vida social. Se, nessas circunstâncias, dois seres humanos desejam a mesma coisa e
não podem tê-la simultaneamente, tornam-se inimigos e tentam destruir ou subjugar um ao outro pela força,
astúcia ou fraude, que se tornariam, portanto, as principais “virtudes”, não havendo a noção de bem e de mal.
Assim sendo, a presença do outro provoca no ser humano apenas desprazer e discórdia. Só um poder comum
garantiria o respeito mútuo e a conservação de cada um. Em caso contrário, viver-se-ia numa condição de
guerra de todos contra todos, sem segurança, propriedade, sem indústria, cultivo, instrução, moradias
confortáveis, instrumentos, conhecimento, artes ou letras, estando cada um sujeito apenas às suas próprias
paixões naturais. Em suma: não haveria sociedade, e a vida seria “solitária, pobre, sórdida, embrutecida e
curta”.31 É a razão que sugere normas de paz, possibilitando um acordo. O homem dispõe-se, então, a privar-
se de sua liberdade natural, sem limites, transferindo-a a outros que também lhe cedem seus direitos. E a essa
entrega mútua se chama “contrato”. A ordem social “surge apenas através de um pacto, isto é,
artificialmente”, diz ele. O contrato permite, não só a passagem ao estado civil, mas também a superação do
estado de natureza e dos perigos em que ele implica. Os homens imitaram a arte de Deus ao criarem um
homem artificial, um grande Leviatã a que chamam de Estado.
Outro contratualista foi John Locke (1632-1704), um médico inglês, autor de Cartas sobre a tolerância,
Ensaio sobre o entendimento humano e Dois tratados sobre o governo civil, o segundo dos quais é tido como
a primeira e a mais completa formulação do Estado liberal. Locke é considerado o fundador do empirismo,
segundo o qual é na experiência que a razão e o conhecimento apreendem toda a sua matéria. A influência de
suas concepções observa-se nas revoluções francesa e norte-americana e na Declaração dos Direitos do
Homem. Um dos pilares de sua teoria refere-se aos direitos naturais com os quais todos os seres humanos
nascem e que o Estado deverá respeitar.32 Entre eles estão a vida, a liberdade e a propriedade de terras e bens
que cada um é capaz de usar e tornar produtivos por meio de seu trabalho. Esses direitos existiriam, portanto,
como um código ético externo às vontades individuais, organizando a vida social tanto no estado de natureza,
quanto na sociedade civil. O que teria levado os seres humanos ao abandono da condição de liberdade e ao
estabelecimento das comunidades e do governo seria a insegurança da fruição dos direitos, buscando cada
indivíduo a conservação do que Locke chama de propriedade – a vida, a liberdade e os bens – por meio da
sociedade civil.33 A teoria de Locke contrapõe-se à de Hobbes em muitos aspectos. Enquanto, para o primeiro,
os homens estabeleceriam um pacto baseado no consentimento, coerente com o estado pacífico e de igualdade
no qual viviam anteriormente, para o teórico do Leviatã, o pacto social se caracterizaria pela submissão. De
acordo com Locke, se o Estado viola os direitos dos indivíduos, eles devem resistir legitimamente. No
entanto, a concepção individualista está na base do pensamento de ambos os autores.
Subjacente à teoria contratualista, encontra-se a idéia de que a origem de toda instituição social é
humana e artificial, e não divina ou produto de uma ordem natural. As teorias do contrato social se
contrapõem às concepções feudais, fundadas na crença na desigualdade “natural” entre os homens, o que
tornava necessárias as ordens e os estamentos (ou estados). Sendo a sociedade dele resultante um contrato
entre iguais, a teoria contratualista reflete uma idéia revolucionária, um programa para a nova ordem burguesa
e permite aos homens “desembaraçar-se das velhas instituições, sentar as bases das novas e, se preciso,
revogá-las ou reformá-las por meio de uma nova convenção”.34
Por outro lado, enquanto o pensamento contratualista tinha-se desenvolvido sobre uma fundamento
dedutivo, abstraindo a história, esta será recuperada com o Iluminismo e a Sociologia moderna a qual se
colocará contra as concepções contratualistas que explicam a origem da vida social como um pacto entre
indivíduos livres. A Sociologia nascente apontará também para a existência de uma segunda natureza
atribuída aos seres humanos – a social – que os coloca num patamar mais elevado do que o devido àquela
meramente física, animal.35 A entidade capaz de fazê-lo é a sociedade. É ela que outorga humanidade a seus
indivíduos.

A Ilustração
A confiança na razão e na capacidade do conhecimento de levar a humanidade a um patamar mais alto
de progresso, regenerando o mundo através da conquista da natureza e promovendo a felicidade aqui na terra,
tornou-se bandeira e símbolo do movimento de crítica cultural que marca o Setecentos, o Século das Luzes –
o Iluminismo. A idéia de liberdade passou, então, a ter a conotação de emancipação do indivíduo da
autoridade social e religiosa, conquista de direitos e autonomia frente às instituições. A burguesia européia
ilustrada acreditava que a ação racional traria ordem ao mundo, sendo a desordem um mero resultado da
irracionalidade. Portanto, os seres humanos, ao serem educados, seriam bons e iguais. Embora o status da
mulher continuasse a ser inferior, começa-se timidamente a pensar sobre os fundamentos da igualdade entre
os sexos.36 A idéia de que o progresso era uma lei inevitável que governava as sociedades principia a se
consolidar e vem a adquirir toda a sua força no pensamento social do século XIX, atuando diretamente sobre
os primeiros teóricos da Sociologia. Na busca de explicações sobre a origem, a natureza e os possíveis rumos
que tomariam as sociedades surgidas das mudanças, temas tais como liberdade, moral, leis, direito,
obrigações, autoridade e desigualdade ganharam destaque e vieram a fazer parte também do elenco de
questões que a Sociologia se colocaria mais tarde. Sem negar os pressupostos básicos desse programa de auto-
suficiência, mas como uma espécie de contrapeso às conseqüências, percebidas como negativas, do
individualismo exacerbado, é que, mais tarde, setores da Sociologia, principalmente da francesa, priorizarão a
vida coletiva, acenando com a ordem, a tradição, o consenso, os valores da comunidade, a religiosidade e a
moral.
Charles Louis de Secondat, Barão de la Brède e de Montesquieu, conhecido como Montesquieu (1689-
1755), foi um filósofo político de grande impacto sobre as ciências sociais, tendo lançado mão do
conhecimento histórico e empírico para fundar seus argumentos, escapando, assim, ao raciocínio dedutivo
característico dos contratualistas. Graças ao saber adquirido por meio de suas viagens e leituras, inovou ao
propor a assunção de um ponto de vista comparativo no estudo das sociedades e suas instituições, tendo
analisado, não apenas os povos europeus, mas também os turcos, os persas, os espartanos e outros. Talvez sua
contribuição teórica mais importante se refira à sua concepção de leis como “relações necessárias que derivam
da natureza das coisas”.37 Portanto, no caso das sociedades humanas, tais leis seriam derivadas de condições
históricas, sociais ou físicas, de um “espírito” que lhes dá sentido, que constitui a individualidade de um povo.
Mas as leis que governam os homens não são sempre obedecidas por eles, sujeitos a mil paixões, à ignorância
e ao erro. Por isso, o mundo inteligente não seria tão bem governado como o físico. Em função disso, “a
liberdade é o direito de fazer tudo quanto as leis permitem; e, se um cidadão pudesse fazer o que elas
proíbem, não teria mais liberdade porque os outros teriam idêntico poder”.38 A divisão de poderes entre os
órgãos do corpo social teria como resultado o mútuo controle que impede os excessos.
Partindo da concepção de estado de natureza onde não existiriam desigualdades, o genebrino Jean
Jacques Rousseau (1712-1778), ao mesmo tempo que prolonga a tradição contratualista, modifica o conteúdo
e o sentido do chamado “pacto social”, assim como questiona o valor do próprio processo civilizatório. No
estado primitivo, o homem é, segundo ele, “um ser livre, cujo coração está em paz e o corpo com saúde”.
Com a formação da sociedade e das leis e o surgimento de governantes, os seres humanos perdem a liberdade
e os direitos naturais. A vida civil e a dependência mútuas criam entre eles laços de servidão. “Embora nesse
estado (o ser humano) se prive de muitas vantagens que frui da natureza, ganha outras de igual monta: suas
faculdades se exercem e se desenvolvem, suas idéias se alargam, seus sentimentos se enobrecem, toda a sua
alma se eleva a tal ponto que, se os abusos dessa nova condição não o degradassem freqüentemente a uma
condição inferior àquela de onde saiu, deveria, sem cessar, bendizer o instante feliz que dela o arrancou para
sempre e fez, de um animal estúpido e limitado, um ser inteligente e um homem.”39 Entre as vantagens
alcançadas, o hábito de viver juntos criou nos homens sentimentos doces como o amor conjugal e paterno,
não havendo, no início, diferenças entre o modo de viver dos dois sexos. O jugo auto-imposto – a fonte dos
males – deveu-se ao aumento de comodidades, que acabaram por se tornar indispensáveis. Assim, “o homem,
de livre e independente que antes era, devido a uma multidão de novas necessidades, passou a estar sujeito,
por assim dizer, a toda a natureza e, sobretudo, a seus semelhantes dos quais, num certo sentido, se torna
escravo, mesmo quando se torna senhor: rico, tem necessidade de seus serviços; pobre, precisa de seu
socorro...”40 Esses males constituem o efeito da propriedade privada, cujo estabelecimento é o primeiro
progresso da desigualdade. Numa frase muito conhecida, ele afirma, “o verdadeiro fundador da sociedade” foi
aquele que primeiro cercou um terreno e lembrou-se de dizer: “isto é meu”, tendo encontrado “pessoas
suficientemente simples para acreditá-lo”.41 O gênero humano ficou, então, submetido ao trabalho, à servidão
e à miséria, surgiram preconceitos “contrários à razão, à felicidade e à virtude” e, por fim, o despotismo.
Assim, “por mais que se admire a sociedade humana, não será menos verdadeiro que ela necessariamente leva
os homens a se odiarem entre si à medida que seus interesses se cruzam, a aparentemente se prestarem
serviços e realmente a se causarem todos os males imagináveis”.42 No coração de todo homem civilizado está
o desejo de ser o rei do universo, diz Rousseau.
Uma contribuição de grande importância para a Sociologia foi dada pelo filósofo prussiano Immanuel
Kant (1724-1804), que refletiu sobre as categorias do conhecimento, a moral, a felicidade, a liberdade, a
virtude, o bem. Dois são os seus aportes para os propósitos dessa discussão: a separação que estabelece entre
o conhecimento científico, a metafísica e a moral; e suas reflexões filosóficas sobre a moral, o dever e a lei.
Na Crítica da Razão Pura, Kant discute a aspiração humana ao saber, a representação dos objetos por
meio de conceitos e o caráter a priori do conhecimento puro, cujos princípios são fornecidos pela razão,
independentemente do dado empírico. É sobre essa base que ele considera o conhecimento científico como
estando, necessariamente, alicerçado na experiência sensível e, ao mesmo tempo, sujeito às determinações da
mente humana. Segundo Kant, é o sujeito cognitivo que coloca as categorias e as formas a priori (tempo e
espaço) com as quais organiza suas percepções e estabelece nexos causais necessários entre os fenômenos. O
caráter nomológico do saber científico descansa em ambos os fundamentos: experiência sensível e categorias
a priori. Assim, nem o conhecimento transcende a experiência sensível, nem a mente é tabula rasa onde o
mundo fica impresso sem a intervenção ativa do sujeito. A filosofia de Kant situa-se, pois, a meio caminho
entre o idealismo puro e o empirismo.
Em sua filosofia moral, Kant aborda a questão dos princípios da ação humana e afirma que somente os
seres racionais podem agir segundo princípios, só eles possuem vontade, que é a razão prática porque deriva
as ações do respeito às leis, ou seja, do dever. Para o filosofo alemão, a ação humana, para ser moral, precisa
ser livre, indeterminada. A moral não significa simples adequação (obediência) das ações que os homens
executam às prescrições estabelecidas por códigos religiosos ou princípios naturalistas que fogem à vontade
humana. A ação sujeita a determinações de ordem natural ou metafísica deixa de ser livre, e sobre essa base
não seria possível fundamentar a responsabilidade política e social dos indivíduos, enquanto cidadãos perante
seus semelhantes. Portanto, é mister que, nessa esfera, o indivíduo que se submeta à lei moral e seja, ao
mesmo tempo, o seu fundamento. Em outras palavras, para Kant, nem o egocentrismo hobbesiano, nem a lei
natural de Locke servem para a construção de uma ética civil e cosmopolita. Um mandamento da razão é
aquele que obriga uma vontade que o respeita, e sua fórmula é um imperativo, expresso pelo verbo “dever”.
Um imperativo categórico representa “uma ação como objetivamente necessária por si mesma”43 e um
princípio conveniente a ele seria o de que a ação que dele resulta não se funda em nenhum interesse ou efeito
dela esperado: ela é incondicional. O homem existe como um fim em si mesmo e não como meio para o uso
de qualquer outra vontade. O imperativo, diz, “age de tal maneira que uses a humanidade, tanto na tua pessoa
como na pessoa de qualquer outro, sempre e simultaneamente como fim e nunca simplesmente como meio.”44
Segundo os argumentos kantianos, “a moralidade e a humanidade enquanto capaz de moralidade são as únicas
coisas que têm dignidade”, isto é, não têm preço porque estão acima dele, elas só têm um valor íntimo.45 O
cumprimento do dever gera nos seres racionais um sentimento de prazer.
Advogar que, utilizando-se da razão, os homens podiam melhorar sua condição levou ao surgimento de
um grande interesse por parte de certos setores da sociedade na divulgação de conhecimentos científicos e
práticos.46 O movimento iluminista depositava uma imensa fé na capacidade de a humanidade utilizar-se da
razão e assim progredir. Na França, alguns desses pensadores iluministas planejaram a elaboração de uma
enciclopédia ambiciosa, como um quadro geral dos “esforços da mente humana” para que, por meio do saber,
os homens pudessem tornar seus descendentes mais instruídos, logo, mais virtuosos e felizes. Em 1750,
Diderot lançou o Prospectus através do qual a Enciclopédia foi apresentada.47 No Discurso Preliminar,
publicado em 1751, D’Alembert procura mostrar que, a partir de nossas sensações, nós nos damos conta de
nossa própria existência e, em seguida, dos objetos exteriores, entre os quais nosso corpo “sujeito a mil
necessidades e extremamente sensível à ação dos corpos exteriores”. Dentre os objetos exteriores,
descobrimos seres semelhantes a nós, o que nos faz pensar que possuem as mesmas necessidades e “o mesmo
interesse em satisfazê-las” e que, portanto, deve ser vantajoso nos unirmos a eles. Assim, “a comunicação de
idéias é o princípio e a base dessa união e exige necessariamente a invenção dos signos; tal é a origem da
formação das sociedades com a que as línguas devem ter nascido”.48 D’Alembert rende homenagens aos
gênios de Francis Bacon, de René Descartes, de Newton e de John Locke. Mas o otimismo intelectual que
caracteriza o pensamento iluminista não pode impedir que a conquista do saber prático e do desenvolvimento
material se fizessem, na realidade, às custas dos esforços de uma significativa parcela da humanidade formada
de homens, mulheres e crianças, sem acesso à educação ou à saúde e que pouco desfrutaram da riqueza, da
ciência e do progresso.
Por fim, um dos filósofos mais significativos para a teoria social foi o alemão Georg Wilhelm Fredrich
Hegel (1770-1831), que participa da corrente idealista moderna, isto é, a que reflete sobre as relações entre o
ser, a realidade e a consciência do sujeito pensante. A concepção de dialética tem origem no pensamento
clássico grego e foi retomada por Hegel. O movimento dialético é, para ele, o do desenvolvimento ou da
realização da realidade, a qual é idêntica à razão. Ele afirma: “o verdadeiro é o todo. Mas o todo é somente a
essência que atinge a completude por meio do seu desenvolvimento.”49 A consciência possui um saber sobre o
que é verdadeiro para ela a respeito de um objeto. É a consciência para ela mesma desse saber. Se esse saber
não corresponde ao objeto em si, ela deve mudar esse saber a fim de torná-lo adequado ao objeto. Ela realiza
sua própria conversão. Com isso, o objeto também se torna outro “porque ele pertence essencialmente a esse
saber”, e não permanece estável. Tal é “o movimento dialético que a consciência realiza de si mesma, tanto no
seu saber quanto no seu objeto, enquanto, a partir dele, o novo objeto verdadeiro surge para a consciência
mesma e é chamado experiência.”50 Esse é, portanto, um processo por meio do qual a realização do
conhecimento se dá através da negação e da contradição intrínsecas à própria realidade. A plena compreensão
da dialética exige, como se pode perceber, muito mais do que essa pequena amostra.
A idéia de consciência alienada, separada da realidade, é a de consciência de si como natureza dividida.
A temática da perda do controle dos seres humanos, subjugados pela sua própria criação, pela riqueza, era,
como já vimos, um tema recorrente no pensamento filosófico. Da complexa obra hegeliana, os conceitos de
alienação e o uso do método dialético foram os mais influentes sobre a teoria social, especificamente na
produção de Marx (1818-1883), que associa a alienação dos trabalhadores à divisão do trabalho conjugada à
propriedade privada dos meios de produção, exacerbados na sociedade capitalista, e cuja solução encontrava-
se na negação desse modo de produção e na recuperação, pelos produtores, do controle sobre a produção.
Esse processo revolucionário seria, por sua vez, um resultado do movimento dialético, fundado nas
contradições da própria sociedade.
Os seguidores de Hegel dividiram-se em velhos hegelianos ou direita ortodoxa, e jovens hegelianos, ou
esquerda radical. Esses últimos dedicaram-se às teses políticas e adotaram o método dialético. Dentre eles,
estiveram Karl Marx e Friedrich Engels (1820-1895).

Ordem, caos, contradições, evolução: primeiras Sociologias


A Revolução Francesa e seu ideário de liberdade, assim como o individualismo e o anti-clericalismo
presentes no pensamento iluminista inspiraram também uma reação profundamente conservadora e de certo
modo retrógrada no seio do pensamento social e que se refletiu nas produções francesa e inglesa,
especialmente no que diz respeito à preeminência da sociedade sobre o indivíduo, sua criatura, e na crítica às
mazelas da sociedade moderna. Dentre os principais representantes dos que têm sido chamados “profetas do
passado” estão o inglês Edmund Burke (1729-97) e os franceses Joseph de Maistre (1754-1821) e Louis de
Bonald (1754-1840). Em linhas gerais, eles ansiavam por uma sociedade estável, hierarquizada, fundada em
valores familiares, religiosos e comunitários, assim como na ordem, coesão e autoridade. Esse modelo havia
chegado ao clímax nas sociedades medievais, começando a declinar com o Renascimento. A nostalgia de uma
vida comunitária e familiar, vista então como idílica, e do processo artesanal de trabalho, ambos destruídos
pelo novo modo de produção e pela urbanização descontrolada, traduziram-se em críticas à própria
modernidade de que era fruto o homem alienado, anômico, desprovido de virtudes morais e espirituais.
Paralelamente a essa rejeição ao moderno, tal corrente glorificava a tradição.
Precursores imediatos da Sociologia, os pensadores conservadores consideram que o caos e a ausência
de moralidade e solidariedade que revelam as sociedades nascidas das duas grandes revoluções eram fruto do
enfraquecimento das antigas instituições protetoras, como a Igreja e as associações de ofícios, que haviam
garantido ou expressado a estabilidade e a coesão social anteriores. Essa percepção impacta fortemente a
produção sociológica, especialmente no que se refere aos temas da coesão e da solidariedade. Apesar dessa
influência, a Sociologia vem a assumir um caráter decididamente moderno, acreditando no progresso como
uma tendência inexorável.
A teoria social avança a passos rápidos na França com a obra de Claude Henry de Rouvroy, conde de
Saint-Simon (1760-1825). Ele esteve entre os primeiros a dar-se conta da inutilidade da aristocracia no
contexto da nova sociedade que se estava gestando. Um dos fundamentos da análise sociológica de Saint-
Simon é a existência de classes sociais dotadas de interesses conflitantes. Segundo ele, os industriais franceses
deveriam mandar uma carta ao rei pedindo que ele os livrasse dos ultra-monarquistas e bonapartistas dizendo:
“Senhor, nós somos as abelhas, livrai-nos dos zangões”. Em 1819, publicou a Parábola (texto que lhe valeu
uma curta estada na prisão) através da qual apontava para a nova sociedade onde industriais (proprietários e
trabalhadores, as “abelhas”) contrastam com a elite ociosa (cerca de 30.000 indivíduos considerados
importantes, entre família real, ministros, prelados e outros, os “zangões”) a qual, se desaparecesse de uma só
vez, não faria falta à nação. Assim, segundo ele, “a prosperidade da França não pode ser determinada mais
que por efeito e como conseqüência do progresso das ciências, das belas artes e das profissões e ofícios. Mas
os marechais da França, os prefeitos e os proprietários ociosos não trabalham em absoluto para o progresso
das ciências, não contribuem para tal progresso, antes o freiam, pois estão se esforçando em prolongar o
predomínio que até agora vêm exercendo as teorias conjeturais sobre os conhecimentos positivos ... são
prejudiciais porque empregam seus meios pecuniários de um modo não diretamente útil para as ciências, as
belas artes e as artes e ofícios.”51
Saint-Simon acreditava no industrialismo como domínio da natureza, sendo a história humana a do
trabalho material e espiritual ou do esforço coletivo – que engloba os avanços da ciência. A característica
fundamental da sociedade moderna era para ele o progresso. A ciência da sociedade por ele desenvolvida
chamou-se Fisiologia Social. Ela deveria tratar da ação humana incessante, transformadora do meio, e adotar
o método positivo das ciências físicas. A sociedade não seria “um simples aglomerado de seres vivos cujas
ações, independentes de toda finalidade, não têm outra razão que a arbitrariedade das vontades individuais”,
mas um verdadeiro ser animado, mais ou menos vigoroso, cujas partes corresponderiam a distintas funções. A
base da sociedade é a produção material, a divisão do trabalho e a propriedade. As vidas individuais seriam as
engrenagens principais que contribuem para o progresso da civilização. Todas as sociedades possuem idéias
comuns, e seus membros gostam de sentir os laços morais que garantem sua união com os demais. A cada
tipo de estrutura social corresponde uma moral, e, na sociedade industrial, ela se vincula à produção e ao
trabalho. Nas sociedades militares que a antecederam, o poder cabia aos guerreiros, mas, na época da
indústria, a direção deveria passar à classe industrial, cuja propriedade se origina no trabalho. A força militar
estaria fadada a tornar-se completamente inútil, diz ele. O poder teológico seria também substituído pela
capacidade científica positiva, e os conhecimentos passariam a se fundar na observação. O corpo social como
um todo deveria, então, exercer as funções governamentais, e o Estado, que tenderia a tornar-se uma
organização de ociosos, seria substituído pelos interesses espontâneos da produção, sendo absorvido pela
sociedade, visando, então, a satisfação de todos os necessitados. Para ele, a luta entre as classes militar ou
feudal e a industrial resultaria na vitória desta última e, a partir daí, constituir-se-ia uma sociedade de
trabalhadores. Posteriormente, ele modificará sua visão idílica e passará a criticar os patrões ociosos que
parasitam os operários.
Saint-Simon possuía uma profunda fé no progresso e pressentia que a indústria viria a anunciar uma
nova e mais aperfeiçoada forma de sociedade. Todos deveriam cooperar para a felicidade comum, e os
ociosos seriam excluídos, de modo que se aplicasse a divisa: “de cada um segundo suas capacidades e a cada
capacidade segundo suas obras”. Uma ciência social “positiva” revelaria as leis do desenvolvimento da
história, permitindo uma organização racional da sociedade. As idéias saint-simonianas tiveram vigoroso
impacto, tanto sobre a obra de Marx e Engels, como sobre a de Durkheim.
Secretário de Saint-Simon por algum tempo, Auguste Comte (1798-1857) cunhou o termo “Sociologia”,
que logo veio a se generalizar, contribuindo para que alguns o percebessem como o fundador da própria
ciência. Ele foi o grande divulgador do método positivo de conhecimento das sociedades, sintetizado num
desiderato: “ciência, daí previdência, previdência, daí ação”.52 Tratava-se de conhecer as leis sociais para
poder prever racionalmente os fenômenos e agir com eficácia; explicar e antever, combinando a estabilidade e
a atividade, as necessidades simultâneas de ordem e progresso – segundo ele, condições fundamentais da
civilização moderna. Uma das grandes preocupações de Comte era a crise de sua época, causada, segundo ele,
pela desorganização social, moral e de idéias. A solução se encontraria na constituição de uma teoria
apropriada – a Sociologia – capaz de extinguir a anarquia científica vigente, origem do mal. Esse seria,
precisamente, o momento em que se atingiria o grau máximo de complexidade da ciência, seu estado positivo.
Para isso, era indispensável aperfeiçoar os métodos de investigação das leis que regem os fenômenos sociais,
ou seja, descobrir qual é a ordem contida na história humana, sendo o progresso o desenvolvimento de tal
ordem, lembrando que o princípio estático da ordem predominaria sobre o dinâmico, do progresso.
A chamada “filosofia positiva”, segundo Comte, é fundamentalmente um sistema geral do
conhecimento humano que se antepõe à “filosofia negativa”, pretendendo organizar, e não destruir. Embora
nos cinco últimos séculos tivesse surgido um movimento crítico do antigo regime em decadência, acreditava
que ele carecia de uma filosofia adequada que fornecesse as bases da regeneração social. O fundamento de tal
movimento tinha sido o espírito metafísico, presente na filosofia negativa daquele período, e que só poderia
cristalizar-se numa política tendente “a continuar a desordem ou um estado equivalente de desgoverno”. Para
que fosse possível a reorganização social, era necessário reconstruir previamente as opiniões e os costumes
por meio da sistematização dos pensamentos. Sua proposta era o positivismo, composto “de uma filosofia e
de uma política... uma constituindo a base, a outra a meta de um mesmo sistema universal.”53
Comte rejeitava a concepção iluminista de que a sociedade é formada de indivíduos, afirmando que
tudo o que é humano além do nível meramente fisiológico deriva da vida social, o que evidencia o predomínio
do coletivo. Para o espírito positivo, “o homem propriamente dito não existe, existindo apenas a Humanidade,
já que nosso desenvolvimento provém da sociedade, a partir de qualquer perspectiva que se o considere”.54 O
individualismo é, portanto, uma construção do pensamento pré-positivo, do espírito teológico-metafísico.
Contrariamente às concepções iluministas e racionalistas do direito individual, Comte acreditava que
“ninguém possui o direito senão de cumprir sempre o seu dever”. A ordem, base da sociedade que atinge o
estado positivo55, baseia-se no consenso moral, na autoridade. Por isso, a revolução, ao promover o progresso
às expensas da ordem, era rejeitada por ele.
Tanto Comte como Saint-Simon dedicaram-se também a analisar a necessidade da criação de uma
religião, de fato uma moralidade consistente que fundamentasse a nova ordem social. Comte escreveu o
Catecismo Positivista, onde a Humanidade vem a substituir Deus e o altruísmo ao egoísmo, enquanto o Novo
Cristianismo de Saint-Simon seria uma religião sem teologia e sem Deus, baseada na ciência da moral e
dedicada a aplicar os princípios morais da fraternidade à vida social. Observa-se em ambos uma profunda
preocupação com a necessidade de uma moral – forte o suficiente para amparar a vida social, geradora de uma
solidariedade compatível com os novos tempos e capaz de reorganizar as instituições devastadas pelas
revoluções, vindo a substituir a antiga religiosidade cristã fundada na fé, na superstição e nos privilégios.
Parte dessas apreensões sobre a necessidade de uma nova moralidade tiveram seguimento na obra de Émile
Durkheim.
Na busca de constituir uma Sociologia científica com um objeto claramente definido, dotada de um
método adequado e objetivo, muitas hipóteses explicativas da natureza da vida social e das possíveis leis de
sua evolução foram propostas. Modelos de investigação e demonstração já consagrados – particularmente nas
ciências físicas e naturais – foram adotados. A teoria evolucionista exerceu também profunda atração sobre a
Sociologia e a Antropologia, levando-as à utilização de analogias entre a sociedade e os organismos. A
sociedade era vista como um sistema vivo, dotado de relações ordenadas, funções, como uma estrutura que
unificava seus componentes diferenciados, garantindo a continuidade do todo e sua harmonia em atividade.
Embora já seja um sociólogo contemporâneo, o inglês Herbert Spencer (1820-1903) foi seu principal
representante. Ele difundiu o chamado darwinismo social – a teoria do evolucionismo biológico aplicada à
compreensão dos fenômenos e, particularmente, das desigualdades sociais, através de conceitos como:
evolução, seleção natural, luta, sobrevivência. A lei do progresso orgânico, acreditava Spencer, é a lei de todo
progresso, que torna o simples em complexo por meio de diferenciações sucessivas e da especialização de
funções. Isso se ajusta à sociedade, que teria evoluído para o tipo industrial. Para ele, “uma sociedade não é
mais do que um nome coletivo empregado para designar certo número de indivíduos. É a permanência das
relações existentes entre as partes constitutivas que faz a individualidade de um todo e que a distingue da
individualidade das partes”.56 Sendo os indivíduos – unidades elementares formadoras das sociedades –
organismos sujeitos às leis biológicas, o arranjo e a distribuição das funções reguladoras da convivência social
estariam submetidos às mesmas leis do mundo natural. A sociedade “é um organismo (e) apresenta um
crescimento contínuo. À medida que ela cresce, suas partes tornam-se dessemelhantes, sua estrutura fica mais
complicada e as partes dessemelhantes assumem funções também dessemelhantes. Essas funções não são
somente diferentes: suas diferenças são unidas por via de relações que as tornam possíveis umas pelas outras.
A assistência que mutuamente se prestam acarreta uma mútua dependência das partes. Finalmente, as partes,
unidas por esse liame de dependência mútua, vivendo uma pela outra e uma para a outra, compõem um
agregado constituído segundo o mesmo princípio geral de um organismo individual. A analogia de uma
sociedade com um organismo torna-se, ainda, mais surpreendente quando se vê que todo organismo de
apreciável volume é uma sociedade...”57 O modelo de relações que a caracteriza é o contrato, porque os
indivíduos procuram associar-se na busca da própria felicidade, ou graças ao seu auto-interesse, e o tipo de
ordem daí resultante é utilitário. Concepções evolucionistas desse tipo continuam a exercer um certo fascínio,
dada a simplicidade de seu esquema explicativo.

Conclusão
Apesar do caráter sucinto dessa discussão, podemos concluir que, ao tratar de compreender a especificidade
do que poderia ser chamado de “social” e dada a própria natureza de seu objeto, a Sociologia sofre
continuamente as influências de seu contexto. Idéias, valores, ideologias, conflitos e paixões presentes nas
sociedades permeiam a produção sociológica. Antigos temas – liberdade, igualdade, direitos individuais,
alienação – não desapareceram, mas assumem hoje outros significados. A Sociologia era, e continua a ser, um
debate entre concepções que, inspiradas na própria vida social, procuram dar resposta às questões cruciais de
sua época e que, como esta, não se encontram livres de contradições.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALTHUSSER, Louis. Montesquieu, la política y la historia. Madrid: Ciencia Nueva, 1968.


ARIÈS, Phillippe. História Social da Criança e da Família. Tradução Dora Flaksman. Rio
de Janeiro: Guanabara, 1981.
BACON, Francis. Novum Organum. Tradução José Aluysio Reis de Andrade. São Paulo:
Abril Cultural, 1979 (Os Pensadores).
COMTE, Auguste. Discurso preliminar sobre o conjunto do positivismo; Discurso sobre o
espírito positivo. Auguste Comte. Traduções José Arthur Giannotti e Miguel Lemos.
São Paulo: Abril Cultural, 1978 (Os Pensadores).
DARNTON, Robert. O grande massacre de gatos e outros episódios da história cultural
francesa. Tradução Sonia Coutinho. Rio de Janeiro: Graal, 1988.
DIDEROT e D’ALEMBERT. Dicionário Raciocinado das Ciências, das Artes e dos
Ofícios por uma Sociedade de Letrados. Tradução Fúlvia M. L. Morato. S. Paulo:
UNESP, 1989.
DUMELAU, Jean. História do medo no Ocidente, 1300-1800. Uma cidade sitiada.
Tradução Maria Lúcia Machado. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
HEGEL, Georg “Fenomenologia do Espírito”. Hegel. Tradução Henrique C. de Lima Vaz.
São Paulo: Abril Cultural, 1980, (Os Pensadores).
História Universal Marin. Marin, Barcelona: Editorial Marin, 1973.
HOBBES, Thomas. Leviatã ou Matéria, Forma e Poder de um Estado Eclesiástico e Civil.
S. Paulo: Abril Cultural, 1980 (Os Pensadores).
HOBSBAWN, Eric. A Era das Revoluções, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1977.
KANT, “Fundamentação da Metafísica dos Costumes”. Textos Selecionados / Immanuel
Kant. Tradução Paulo Quintela. S. Paulo: Abril Cultural, 1980 (Os Pensadores).
LOCKE, John. Two Treatises of Government. New York: Cambridge University Press,
1960.
MARX, Karl. El Capital, Buenos Aires: Cartago, 1973, v. I.
MONTESQUIEU, O Espírito das Leis, livro I, cap. I, in: WEFFORT, Francisco. Os
Clássicos da Política – Maquiavel, Hobbes, Locke, Montesquieu, Rousseau, “O
Federalista”, 2 vol.
ROSEN, George. Uma história da saúde pública. Tradução Marcos F. S. Moreira, S.
Paulo: UNESP, 1994.
ROUSSEAU, Jean Jacques. Discurso sobre a desigualdade; Do Contrato Social. Rousseau.
S. Paulo: Abril Cultural, 1980 (Os Pensadores).
ROUSSIAUD, Jacques. “A prostituição, sexualidade e sociedade nas cidades francesas do
século XV”. in: Ariès, Philippe e André Béjin. Sexualidades Ocidentais. S. Paulo:
Brasiliense, 1987.
SCLIAR, Moacyr. A Paixão Transformada. História da medicina na literatura. S. Paulo:
Companhia das Letras, 1996.
SPENCER, H. “Princípios de sociologia”. in: BIRNBAUM, P. e F. CHAZEL. Teoria
Sociológica. Tradução Gisela Stock de Souza e Hélio de Souza. São Paulo: HUCITEC,
1977.
THOMPSON, E. P. Tradición, revuelta y consciencia de clase. Estudios sobre la crisis de
la sociedad preindustrial. Barcelona: Crítica, 1979.
HOBBES, Thomas. Leviatã ou Matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e civil.
Tradução de João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva. São Paulo: Abril
Cultural 1979 (Os Pensadores).
TILLY, Charles. Coerción, Capital and European States. AD 990-1992. Cambridge: Basil
Blackwell, 1995.

Notas

1 Com a queda do Império Romano, em 410, começam a configurar-se os elementos que caracterizarão a
chamada Idade Média ou o período medieval, que se estende até o século XV. Aí começa o Renascimento, o
nascimento da Modernidade.

2 A lepra teria sido a “sombra sobre a vida diária da humanidade medieval”. Difundindo-se na Europa desde o
século VI, chegou ao máximo nos séculos XIII e XIV, sendo endêmica entre os pobres.

3 As guerras eram também outro fator a ampliar as estatísticas referentes à mortalidade. A guerra dos Trinta
Anos, iniciada em 1618, provocou tal mortandade na população alemã que esta passou de 17 a 7 milhões. Em
algumas regiões foram tomadas medidas para aumentar a taxa de fertilidade, tais como permitir que um
homem tivesse duas esposas e dificultar a reclusão aos conventos.

4 Em inícios do século XVII, Maria de Medicis usou um vestido bordado por 32.000 pérolas e 300 diamantes.
5 Os quatro humores são o sangue, a cólera, a fleugma, e a bile amarela e a bile negra. Eles correspondem aos
quatro temperamentos: sangüíneo, colérico, fleugmático e melancólico e aos quatro elementos: fogo, água,
terra e ar. “A caracterização de humores e elementos é feita pela combinação de quatro atributos: quente, frio,
seco, úmido. Como o ar, o sangue é quente e úmido, como a água, a fleugma é fria e úmida, como o fogo, a
bile amarela é quente e seca, como a terra, a bile negra é fria e seca. Os temperamentos condicionam o modo
de ser do indivíduo (seu humour, na expressão inglesa). A doença resulta do desequilíbrio humoral, que é
restabelecido ajudando-se a natureza: o calor interno, gerado pelo coração, fará a cocção dos humores crus.
Os meios que para isso usam os médicos hipocráticos são a sangria, a purga e a dieta.” A melancolia, por
exemplo, adviria de um excesso de bile negra, do grego melanos, negro, chole bile. SCLIAR, Moacyr. A
Paixão Transformada. História da medicina na literatura. S. Paulo: Companhia das Letras, 1996, p. 31 e 75.

6 Uma das condutas profiláticas mais curiosas referentes à teoria dos miasmas e que prevaleceu durante muito
tempo foi o uso de tiros de canhão com o objetivo de purificar o ar. Assim, durante certas epidemias, a cada
meia hora podia-se escutar um novo disparo.

7 ROSEN, George. Uma história da saúde pública. Tradução Marcos F. S. Moreira, S. Paulo: UNESP, 1994,
p. 61.

8 Ver a respeito DARNTON, Robert . O grande massacre de gatos e outros episódios da história cultural
francesa. Tradução Sônia Coutinho. Rio de Janeiro: Graal, 1988.

9 A figura de Baco, por exemplo, assemelha-se às imagens então correntes do demônio. Há atualmente nos
Estados Unidos e na Europa uma revivescência desses cultos da natureza através de grupos de mulheres que
decidiram assumir a identidade de bruxas e realizar atividades antes proibidas. Nesses casos, a intenção é
recuperar o legado do conhecimento de plantas curativas e do uso de forças naturais que seriam a fonte da
sabedoria daquelas mulheres.

10 DUMELAU, Jean. História do medo no Ocidente, 1300-1800. Uma cidade sitiada. Tradução Maria Lúcia
Machado. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.

11 Mais tarde, a comunidade médica inglesa procurou também retirar das mãos femininas o direito a assistir a
partos, reivindicando o conhecimento científico fornecido nas universidades, interditas ao sexo feminino,
como o único legítimo.

12 ROUSSIAUD, Jacques. “A prostituição, sexualidade e sociedade nas cidades francesas do século XV”. in:
Ariès, Philippe e André Béjin. Sexualidades Ocidentais. S. Paulo: Brasiliense, 1987.

13 TILLY, Charles. Coerción, Capital and European States. AD 990-1992. Cambridge, Basil Blackwell,
1995.

14 Foi entre os séculos XVII e XVIII, sobretudo, que despontaram as concepções que faziam do indivíduo o
ponto de partida do saber e da vida social.

15 O racionalismo nasce no século XVII com René Descartes, juntamente com o contratualismo, com
Thomas Hobbes e John Locke, e o empirismo com Francis Bacon, entre outros. Enquanto o empirismo
fundava o conhecimento na experiência, sendo, portanto, indutivo, o racionalismo era dedutivo. A dedução
inicia-se com um conceito geral, abstrato, do qual derivam-se conclusões lógicas a respeito da realidade
concreta. Por exemplo, a partir da idéia de estado da natureza explica-se, através de um processo hipotético
dedutivo, a origem do Estado.

16 A avalanche de descobertas que se deu durante as revoluções industriais respondia às pressões geradas por
dificuldades específicas no processo de produção e, por outra parte, provocava um efeito multiplicador sobre
a tecnologia.
17 A história registra um caso extremo de uma menina da nobreza que foi casada pela primeira vez antes dos
quatro anos e, após enviuvar, ter sido casada novamente por mais duas vezes antes de completar onze. Isso
mostra o grau de dependência a que estavam submetidas as mulheres e a inexistência de laços afetivos como
fundamento das alianças, mais voltadas a outros interesses.

18 Ver ARIÈS, Phillippe . História Social da Criança e da Família. Tradução Dora Flaksman. Rio de Janeiro:
Guanabara, 1981.

19 O tratamento das crianças é um bom exemplo das mudanças sociais ocorridas no processo de socialização
e na moralidade. A punição física sofrida pelas crianças na forma de palmadas e outros castigos, que já foi
considerada desejável, hoje começa a parecer inaceitável. Surgem entidades oficiais e privadas protetoras que
visam coibir abusos, mas às vezes é suficiente um ato que provoque publicamente sofrimento a uma criança
para que aqueles que o assistem manifestem seu desagrado e aversão. Mesmo assim, ainda hoje se tem
notícias sobre o infanticídio de meninas praticado por familiares, especialmente nas sociedades onde o sexo
feminino é socialmente desvalorizado e nas quais até mesmo a oferta de alimentos é menor para mulheres e
meninas, assim como oportunidades de educação, saúde, salários e cargos.

20 Cortinados ao redor das camas separavam-nas das atividades das oficinas ou do comércio que se
realizavam no mesmo ambiente.

21 Hobsbawn lista palavras que foram inventadas ou ganharam seus significados modernos no período das
duas revoluções: indústria, industrial, fábrica. classe média, classe trabalhadora, capitalismo, socialismo,
aristocracia, ferrovia, liberal, conservador, nacionalidade, cientista, engenheiro, proletariado, crise
(econômica), utilitário, estatística, sociologia, jornalismo, ideologia, greve, pauperismo. HOBSBAWN, Eric.
A Era das Revoluções. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977, p. 17.

22 MARX, K. “A sanguinária legislação contra os expropriados a partir dos finais do século XV. Leis sobre
salários”. O Capital, v. I, Buenos Aires: Cartago, 1973.

23 Em meados do século XIX, em 1500 dos porões de Manchester, três pessoas dormiam numa mesma cama;
em outros 738, havia quatro que descansavam sobre um só colchão, e em 281 porões, cada cama era
compartilhada por cinco pessoas. Nessa cidade, como provavelmente em outras, uma espécie de tina
esvaziada pelas manhãs era usada como privada. Em um de seus distritos, 33 dessas tinas serviam a 7.000
pessoas. Em Liverpool, 40.000 pessoas viviam em porões e 60.000 em pátios. A situação era semelhante na
França, na Bélgica, na Prússia e nos Estados Unidos. Rosen, George. Uma história da saúde pública, p. 166-
7.

24 Na França, por exemplo, só em 1793 foi determinado que cada doente deveria ocupar um único leito
hospitalar.

25 Segundo Scliar, “a teoria do miasma, ao mesmo tempo que alertava contra a transmissão de doenças pelos
maus ares, condenava o banho, que poderia abrir os poros e assim facilitar a entrada de eflúvios perigosos”.
Aos europeus causava surpresa a limpeza dos “selvagens”. SCLIAR, Moacyr. A paixão transformada, p. 169-
70.

26 História Universal Marin, Barcelona: Editorial Marin, 1973. v.4, p.228.

27 “O tempo se converte em moeda, não passa... se gasta.” THOMPSON, E. P. Tradición, revuelta y


consciencia de clase. Estudios sobre la crisis de la sociedad preindustrial. Barcelona: Crítica, 1979, p.247.

28 Esse movimento ocorreu na Inglaterra no início do século XIX entre operários têxteis, contra as máquinas
que, segundo seu ponto de vista, causavam o desemprego.
29 Bacon caracteriza os ídolos como opiniões inúteis que bloqueiam a mente. Ele os associa às “noções falsas
que ocupam o intelecto humano”. Para repeli-los, o remédio seria a indução verdadeira, que permitiria formar
noções e axiomas livres dos afetos e das vontades.

30 BACON, F. Novum Organum. Coleção Os Pensadores, p. 38.

31 HOBBES, Thomas. Leviatã ou Matéria, Forma e Poder de um Estado Eclesiástico e Civil. Coleção Os
Pensadores.

32 Locke, Hobbes e Rousseau são representantes do jusnaturalismo ou teoria dos direitos naturais.

33 LOCKE, J. Two Treatises of Government. New York: Cambridge University Press, 1960.

34 ALTHUSSER, Louis. Montesquieu, la política y la historia. Madrid: Ciencia Nueva, 1968, p. 23.

35 tenham esses indivíduos permanecido em guerra uns contra os outros, como queria Hobbes, dedicados “à
alimentação e à sexualidade, sem quaisquer relações contínuas entre si”, como acreditava Rousseau ou, ainda,
em paz como queria Locke...

36 Helvétius escreve, em 1758, que as diferenças entre os seres humanos não se referem à sua capacidade de
conhecer, mas aos fatores sociais e políticos, ou morais; portanto, a educação deveria ser oferecida igualmente
a homens e mulheres. Seu livro foi condenado pelo Papa e queimado no Parlamento de Paris e na Faculdade
de Teologia, a Sorbonne.

37 MONTESQUIEU, O Espírito das Leis, livro I, cap. I, in: WEFFORT, Francisco. Os Clássicos da Política
– Maquiavel, Hobbes, Locke, Montesquieu, Rousseau, “O Federalista”, v. I, p. 121.

38 MONTESQUIEU, op. cit, p. 172

39 ROUSSEAU, J. J. Do Contrato Social. Rousseau. Coleção Os Pensadores, p. 36.

40 ROUSSEAU, J. J. Discurso sobre a desigualdade. Rousseau. Coleção Os Pensadores, p.267.

41 ROUSSEAU, J. J, op. cit, p.259

42 ROUSSEAU, J. J, op. cit, p.291.

43 KANT, “Fundamentação da Metafísica dos Costumes”. Textos Selecionados / Immanuel Kant. Seleção
Marilena Chauí. S. Paulo: Abril Cultural, 1980, p. 124-5.

44 KANT, op. cit, p. 135.

45 KANT, op. cit, p. 140.

46 O termo arte já era, desde os gregos, aplicado à técnica, enquanto a ciência conhecia as coisas eternas:
substâncias, essências, movimentos.

47 Figuras proeminentes da Ilustração francesa, Denis Diderot (1713-1784), filósofo e literato, e Jean le Rond
d’Alembert (1717-1783), filósofo, físico e matemático, organizaram e publicaram a Enciclopédia.
48 DIDEROT e D’ALEMBERT. Dicionário Raciocinado das Ciências, das Artes e dos Ofícios por uma
Sociedade de Letrados. Trad. Fúlvia M. L. Morato. S. Paulo: UNESP, 1989, p.23. Entre 1757-1780 saíram à
luz 17 volumes de textos, 111 de pranchas e ilustrações, 5 de suplementos e 2 de índices. Contribuíram para a
Enciclopédia, entre outros, Condorcet, Rousseau e Voltaire.

49 HEGEL, Georg “Fenomenologia do Espírito”, tradução Henrique C. de Lima Vaz. Hegel. Coleção Os
Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1980, p. 13.

50 HEGEL, Georg, op. cit, p. 49.

51 SAINT-SIMON, “Parábola” in: Desanti, Dominique. Los socialistas utópicos, tradução Ignacio Vidal.
Barcelona: Anagrama, 1973.

52 O positivismo, fundado por Comte, só admitia o conhecimento baseado nos fatos e, portanto, na
observação. Comte rejeita a metafísica e a prática da dedução em benefício da ciência empírica e verificável.

53 COMTE, A. Discurso preliminar sobre o conjunto do positivismo. Comte. Coleção Os Pensadores, p. 97.

54 COMTE, A. op. cit, p. 77.

55 tendo superado os anteriores estados teológico e metafísico. Essa é a chamada lei dos três estados,
atribuída equivocadamente a Comte, mas que esteve presente em diversos outros sistemas de pensamento na
época.

56 SPENCER, H. “Princípios de sociologia”. in: BIRNBAUM, P. e F. CHAZEL. Teoria Sociológica, p. 147.

57 SPENCER, H, op. cit, p.148-9.

Você também pode gostar