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O PROCESSO DE
AQUISIÇÃO DA
LINGUAGEM GRÁFICA
O desenho in- dos para a compreen- narmos sensível e inte-
fantil é objeto de estu- são das manifestações gralmente com o uni- Antes eu desenhava
do por parte de psicó- gráficas da criança. Ge- verso gráfico infantil como Rafael, mas eu
logos, pedagogos, ar- ralmente, os professo- vai se concretizar na precisei de toda uma
tistas, educadores. E- res em exercício apli- medida em que o adul- existência para a-
xistem mil teorias e cam e adotam uma ou to reconhecer em si a prender
interpretações a respei- outra classificação capacidade de exercer a desenhar como as
to da produção gráfica quando se defrontam o ato criativo.
crianças.
infantil assim como com algum desenho Não dividire-
vários enfoques possí- infantil. Este, muitas mos a produção gráfica
veis quando ela é ana- vezes, intimida o adul- infantil por faixa etária, Pablo Picasso
lisada, seja pelo aspec- to que, diante daqueles mas por conteúdos vi-
to revelador da nature- indecifráveis rabiscos, venciais detonadores
za emocional e psíqui- acaba por minimizar o de pesquisas gráficas e
ca da criança, seja pela universo que ele se a- vice-versa. Estes conte-
análise da linguagem presenta. údos, entretanto, cor-
gráfica tomada em seu Faz-se extrema- respondem, de uma
aspecto puramente for- mente necessária, tanto certa forma, ao desen-
mal ou simbólico. para o adulto quanto volvimento do apare-
O desenho faz para a criança, a inter- lho neurológico, físico,
parte de um conjunto relação entre uma edu- perceptivo e mental da
de atividades plásticas cação vivencial - a prá- criança. Às vezes o
tais como a pintura, a tica do sensível - e uma mesmo conteúdo
escultura, a modela- educação visando o (emocional, perceptivo,
gem, a marcenaria, a desenvolvimento da gráfico) pode ser pes-
colagem, a confecção inteligência – a prática quisado em crianças de
de máscaras, de bone- do conceito. faixas etárias distintas.
cos e de outros objetos, Para penetrar- O desenho é a
abrangendo uma de- mos neste território manifestação de uma
terminada faixa etária estranho e desconheci- necessidade vital da
a partir da pré-escola. do, precisamos primei- criança: agir sobre o
Existem várias ramente arranjar um mundo que a cerca;
classificações referen- passaporte. Esse passa- intercambiar, comuni-
tes aos estágios e fases porte seria nossa pró- car.
do desenvolvimento pria vivência da lin- A criança proje-
gráfico infantil, tendo guagem: o ato de dese- ta no desenho o seu
em vista parâmetros nhar. Não dá para fa- esquema corporal, de-
sociais, culturais, psi- larmos de processo seja ver a sua própria
cológicos, pedagógi- sem nunca temos pas- imagem refletida no
cos. Existem, enfim, sado por ele. A possibi- espelho do papel.
muitas formas e méto- lidade de nos relacio-
Os traços, os rabiscos, as tenso processo de vivência e exis- compreender a realidade. O
garatujas estão ali, à mostra, es- tencial. mundo para a criança é continua-
condendo os índices Para a criança o desenho mente reinventado. Ela recons-
de uma realidade psíquica não se constitui uma atividade total, trói suas hipóteses e desenvolve
imediatamente acessível, exi- englobando o conjunto de suas a sua capacidade intelectiva e
bindo uma atividade profunda potencialidades e necessidades. projetiva, principalmente quando
do inconsciente. Existe uma Ao desenhar, a criança expressa a existem possibilidades e condi-
vontade de representação co- maneira pela qual se sente existir. ções físicas, emocionais e intelec-
mo também existe uma O desenvolvimento do potencial tuais para elaborar estas
necessidade de trazer à tona de- criativo na criança seja qual foro “teorias” sob a forma de ativida-
sejos interiores, comunicados, tipo de atividade em que ela se des expressivas.
impulsos, emoções e sentimen- expresse, é essencial ao seu ciclo Ao fazer um desenho, a
tos. inato de crescimento. Similar- criança está expondo sua história
O desenho manifesta o mente, as condições para o seu (seus medos, alegrias, descober-
desejo da representação, mas pleno crescimento não podem ser tas e tristezas) No desenho ela
também o desenho, antes de estáticas. age e interage com o meio, ou
mais nada, é medo, é opres- O desenho também é a seja, ela se projeta, modifica e se
são, é alegria, é curiosidade, é manifestação da inteligência. A modifica.
afirmação, é negação. Ao dese- criança vive a inventar explica-
nhar, a criança passa por um in- ções, hipóteses e teorias para

A EVOLUÇÃO DOS DESENHOS NA INFÂNCIA


Durante seu crescimento, Quando aparecem varia- espaço e utiliza-se de cores defi-
a criança passa por uma série de ções nas formas, caracteriza-se a nidas. Busca semelhança entre o
modificações no seu desenho. passagem para a fase dos girinos. objetivo e o desenho que faz. Ela
Primeiro, a fase da garatuja, na Há um interesse pelo que está passa a criar personagens e dife-
qual a criança faz um determina- sendo feito, porém após terminar rentes situações, construindo his-
do movimento sem qualquer sig- seu trabalho, esse perde toda a tórias.
nificado, apenas para fixar, atra- sua importância. O fato de não haver idades desig-
vés da repetição, seu domínio; Mais tarde, o rabisco de- nadas em cada um dos períodos
não há sequer interesse pela cor, saparece e só reaparece em situa- apresentados anteriormente é
ela apenas procura conquistar os ções em que a criança está cansa- proposital. Essas diferenças no
movimentos de sua mão. No de- da, em detalhes e ornamentos do desenho da criança são decorri-
correr desses exercícios, as for- desenho (exemplo: cabelos, fu- das de um processo de matura-
mas vão arredondando e surgem maça, nuvem, etc) ou quando há ção e, assim, em hipótese algu-
bolinhas sobre o papel, que ainda alguma regressão por parte da ma, devem ser determinadas pe-
continuam acidentais e sem ne- criança. lo período escolar em que a cri-
cessidade de serem nomeadas. Só Logo a criança conquista a ança se situa.
então que as garatujas começam capacidade de manipular símbo- O ato de desenhar envol-
a ganhar locais diferentes no es- los para a representação do ambi- ve a ação do pensamento junto
paço e nomes específicos. Essa ente, determinando o que quer com o sentimento, sendo assim, é
fase é tão importante para a cri- demonstrar: “o olho que no co- uma manifestação necessária ao
ança que ela chega a reconhecer meço segue a mão, passa a guiá- indivíduo.
sua própria garatuja, porque ela lo”.
apresenta suas características A criança agora já usa re-
pessoais. gras para localizar o desenho no

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DEFINIÇÃO DE CRIATIVIDADE: criatividade é a
capacidade de redefinir e reorganizar, de maneira fle-
xível, as formas e os elementos com os quais convi-
vemos, produzindo algo novo e / ou diferente. A
criatividade pode ser avaliada em relação às
produções das pessoas, num sentido geral, e / ou
em relação às produções do próprio sujeito
(alterações ao longo de seu desenvolvimento).

ETAPAS DO DESENVOLVIMENTO DA CAPACIDADE GRÁFICA

ESTÁGIO SENSÓRIO-MOTOR - RABISCAÇÃO (0 a 2 anos)

A criança não tem habilidade adquirida, percebe o meio com simplicidade e subjetividade,
imitação crescente, pesquisa de movimentos, curiosidade e exploração de materiais diversos, re-
flexo de sucção (leva tudo à boca). Os movimentos são desordenados e incontrolados, mas pro-

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GARATUJA DESORDENADA (por volta de 1 a 2 anos)

Ainda não há consciência da relação gesto (movimento da mão) e traço (resultado final): muitas
vezes a criança não olha para o que está fazendo e/ou para o resultado de sua ação. Faz figuras abertas
(linhas verticais e horizontais) muitas vezes num movimento amplo de vaivém. Predomina o prazer pelo
movimento.

GARATUJA ORDENADA (por volta de 2 a 3 anos)

A criança descobre a relação movimento-traço. Passa a olhar o que fez, começa a procurar contro-
lar o tamanho, a forma e a localização dos desenhos no papel. Começa a fechar suas figuras através de
formas circulares ou espiraladas. Predomina o prazer pelo movimento.

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GARATUJA NOMEADA (por volta de 3 a 4 anos)

Ocorre substituição do prazer pelo movimento ao prazer pela apresentação. Descreve verbalmente
o que fez e começa a anunciar o que vai fazer. Relaciona o significado do desenho ao que vê, mas este sig-
nificado é quase sempre inteligível somente para ela. A atribuição de significados é pouco estável, modifi-
cando-se em diversos momentos.

FASE PRÉ-ESQUEMÁTICA (por volta de 4 a 6 anos)

A consciência da relação entre forma desenhada e o objeto representado se consolida: a relação significan-
te-significado se constrói definitivamente. Utiliza principalmente formas circulares e longitudinais, for-
mando figuras reconhecíveis. A representação da figura humana evolui em complexidade e organização,
seguindo dois eixos principais, um vertical (céfalo-caudal) e depois um horizontal (próximo-distal). A re-
presentação da cabeça fica cada vez mais elaborada, aparecendo também, lentamente, os braços, mãos
pés, muitas vezes vários dedos, radiados e, às vezes, aparece o corpo. A criança ainda não é capaz de or-
ganizar uma representação gráfica formando um todo coerente. Os objetos são desenhados de forma solta
e a relação entre eles é subjetiva. Muitas vezes ocupam posição de satélite, gravitando em torno da figura
humana. Não há preocupação de adequação da cor à realidade externa, sua escolha é subjetiva. O tama-
nho dos objetos também obedece a critérios subjetivos.

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FASE ESQUEMÁTICA (por volta de 7 a 9 anos)

A criança procura um padrão, esquema ou uma estrutura, organiza um conceito sobre determina-
das representações. Este esquema será repetido pela criança, enquanto nenhuma experiência intencional a
influenciar para que o mude. A diferença entre o uso repetido do esquema e o uso de repetições estereoti-
padas consiste em que o esquema é flexível e passa por muitos desvios, enquanto as repetições estereoti-
padas permanecem inalteradamente as mesmas. Os esquemas são altamente individualizados. Para algu-
mas crianças o esquema pode conter um conceito muito rico, enquanto para outras, pode ser apenas um
símbolo precário. As diferenças entre eles dependem, entre outras coisas, de diferenças de personalidades
e do grau de estimulação do educador.
Esquema de figura humana: retrata diferentes partes do corpo, segundo seu conhecimento ativo destas
partes: cabeça, corpo, braços e pernas; uso símbolos diferentes para olhos, nariz e orelhas; representa o
cabelo e o pescoço; normalmente inclui símbolos separados para as mãos, dedos e pés. Os esquemas são
compostos de formas geométricas (ovais, triangulares, circulares, retangulares ou irregulares) que em ge-
ral, quando separadas do todo, perdem seu significado.

ESQUEMA ESPACIAL: uma das grandes descobertas nesta etapa é a existência de uma ordem
definida nas relações espaciais.

Pouco aproveitamento do espaço Aproveitamento do espaço

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LINHA DE BASE: em geral, a criança passa a colocar os objetos e as pessoas que representa sobre
esta linha. Quando a linha de base é representada de forma curva (para designar uma montanha, por e-
xemplo) os objetos são dispostos perpendicularmente sobre ela.

LINHA DO CÉU (ou do horizonte): uma réplica da linha de base pode aparecer, desenhada na parte su-
perior do papel.

DOBRAGEM: os objetos são desenhados perpendicularmente à linha de base, e parecem estar co-
locados de ponta-cabeça.

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PLANOS DIFERENTES: e, alguns casos, distintos elementos que não poderiam ser vistos ao mes-
mo tempo são representados (como o tampo da mesa e suas quatro pernas, por exemplo).

REPRESENTAÇÃO DE ESPAÇO E TEMPO: as crianças podem incluir, no mesmo desenho, dife-


rentes seqüências de tempo ou de impressões espaciais distintas.

TRANSPARÊNCIA: a criança, ás vezes desenha o exterior e o interior de algo ou alguém, para mostrar
aspectos que considera importantes de serem registrados (em geral quando a representação do interior é
da maior importância.

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REALISMO

A criança começa a deixar o esquema, dá ênfase sobre detalhes de roupas, cabelos, membros, etc.
O realismo chamado lógico mostra que a criança busca nas coisas a sua verdade sabida e não visu-
alizada. Ex: Se a mesa tem quatro pernas e olhada de cima estas pernas não aparecem, porém, as crianças
a desenharão e mostrarão as quatro pernas.
Nesta fase começa a haver o domínio do pensamento e da linguagem; a existência de um objetivo
em vista, a criança orienta suas atividades e pelas suas próprias idéias cada um dos elementos do desenho
pertencem ao conjunto. Há lógica no pensamento. Mais tarde (até os 14 anos) descobre a perspectiva, dá
profundidade e planos, perfil, sombra e movimento.

BIBLIOGRAFIA

LOWENFELD, Víktor; BRITAIN, W.L. Desenvolvimento da capacidade criadora. Editora Mestre Jou.

OLIVEIRA,Vera B.;BOSSA, Nádia. A avaliação Psicopedagógica da Criança de Zero a Seis Anos.

DERDYK,Edith.Formas de pensar o desenho.SP.Scipione,1989.

IAVELBERG, Rosa.Série Idéias: O Ensino da Arte na Pré-escola: O desenho como Construção.SP, nº 7/93-
106,1992

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