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Tecnologia, pra quê?

Os dispositivos tecnológicos de comunicação e


SEU IMPACTO no cotidiano.
César Steffen e Mônica Pons
organizadores

Tecnologia, pra quê?


Os dispositivos tecnológicos de comunicação e
SEU IMPACTO No cotidiano.
© dos autores

Concepção de capa- César Steffen


Capa: Diego Antunes
Projeto gráfico e editoração: Carmen Fonseca

Armazém Digital Comunicação Ltda.


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1ª edição/2011

Impresso no Brasil
Sumário

Prefácio 15
Nelia R. Del Bianco

Capítulo I – Internet

Mídias Digitais Interativas –


entre a indústria e a inclusão social 21
Cosette Castro

Relações Públicas e Comunicação Organizacional: uma


análise de práticas acadêmicas de um Grupo de Pesquisa
focado em tecnologia 41
Claudia Peixoto de Moura

Problematizando redes sociais e democracia 69


César Steffen

Capítulo II – Dispositivos móveis

Comunicação móvel pra quê, onde e quem? 95


Eduardo Pellanda

Tecnologias digitais e seres humanos: para muito além


da simples interação 109
Mônica Pons e Nize Pellanda

Mobilidade ampliada: tecnologias móveis 127


digitais no jornalismo
Fernando Firmino
Capítulo III – TV Digital

A TV digital na web: modelos, estruturas e acessibilidade 147


Valério Cruz Brittos e Maíra Carneiro Bittencourt

Na trilha da cidadania, a tecnologia 175


Alvaro Benevenutto Jr.

A Televisão no Rio Grande do Sul: o início do analógico e as


perspectivas digitais 213
Flavi Ferreira Lisbôa Filho

Capítulo IV – Games

Games studies: mapeando as pesquisas na área


de games no Brasil 227
Lynn Alves

Os Games Como Linguagem. Conceitos Para


Contar Coisas nos Jogos. 249
Marsal Blanco

VIDEOGAMES - Do entretenimento à comunicação 279


Cristiano Max

Currículo dos Autores 295


Agradeci m e n t o s

Aos familiares, amigos e colegas que


estimularam e auxiliaram no
desenvolvimento deste livro;

A todos os autores envolvidos, um


agradecimento especial pelo apoio, partici-
pação e confiança que fizeram deste projeto
uma realidade.
Prof. Dr. César Steffen
Profa. Dra. Mônica Pons
Organizadores
Apres e n t a ç ã o

Esta publicação é fruto de um debate sobre o papel


e as funções que as tecnologias assumem frente aos fazeres di-
ários nas mais diversas áreas, e que novidades e novos cenários
podem ser desenhados a partir destas novidades. Objetiva, de
forma ampla, observar e debater as incidências e os impactos
que as novas tecnologias de informação e comunicação adqui-
rem ao integrar o cotidiano da sociedade, tendo em vista e foco
o campo da comunicação social, e analisar os movimentos de
convergência que tem ocorrido nas mídias através da utiliza-
ção de novos dispositivos eletrônicos e a repercussão e desdo-
bramentos desses processos na sociedade informacional.

As tecnologias de informação e comunicação estão se


tornando onipresentes na sociedade, mudando hábitos, agilizan-
do ou reorganizando processos. Isso impacta em todos os campos
e profissões, em todos os setores e fazeres da sociedade, que veem
seu cotidiano e suas atividades serem redesenhadas por objetos
técnicos e funções tecnológicas antes inexistentes, ou até então
acessíveis somente a pequenos e abastados grupos econômicos.

Olhar a tecnologia é sedutor, pois ela nos oferta, em


suas várias variações, características e quase infinitas aplicações,
uma ampla gama de ações e recursos. As máquinas, os dispositi-
vos seduzem, se colocam no centro dos processos, atraem a aten-
ção por aquilo que oferecem. Mas lembramos, como nos alerta
Heidegger e vários outros autores e pensadores, que a técnica, a
tecnologia é neutra, são os usos e apropriações que as pessoas
fazem destes recursos que se determina seu impacto. E nesse viés
construímos a visão que baliza esta publicação.

Em que ponto de evolução da tecnologia estamos?


Até que ponto a tecnologia muda ou é modificada pelos pro-
cessos? Que promessas e recursos as novas tecnologias em sur-
gimento e desenvolvimento ofertam? Como a sociedade utiliza
desses recursos? Como a comunicação social e seus diversos
players se apropriam e são impactados por estas tecnologias?

Para dar conta destas desafiadoras perguntas e


construir respostas possíveis dentro do atual momento de aná-
lise, convidamos pesquisadores e professores do campo da Co-
municação Social de diversas instituições e com variados focos
de atuação, cujos textos estão organizados em quatro blocos
temáticos específicos.

O primeiro bloco, sobre a Internet, abre com texto


da professora e pesquisadora da Universidade Católica de Bra-
sília, Cosette Castro, que observa as mídias digitais interativas
tendo por foco a inclusão social e digital. Ao longo do texto,
Cosette discute vários conceitos, como o aparecimento de uma
nova ordem tecnológica, a diferença entre indústria cultural,
indústria criativa e indústria de conteúdos digitais e a própria
noção de conteúdos digitais argumentando que estamos no
que chama de estágio da ponte, ou seja, na passagem do mundo
analógico para o digital.

A seguir, a professora do PPG em Comunicação da


PUCRS, Cláudia Peixoto de Moura, apresenta uma análise de
práticas acadêmicas de um grupo de pesquisa com o foco em
tecnologia. O trabalho está baseado em proposta metodológica
construída para a investigação em grupos de pesquisa certifi-
cados por instituições de ensino superior. Trata-se de uma in-
vestigação qualitativa e faz parte de um estudo que se encontra
em andamento. Os procedimentos metodológicos adotados
para o trabalho envolveram uma pesquisa bibliográfica e uma
pesquisa documental realizada no portal do CNPq, que con-
tém informações em uma base de dados, onde há o registro
das práticas acadêmicas desenvolvidas nos referidos grupos de
pesquisa, situando-os no espaço brasileiro.
Fecha o bloco pesquisa do co-organizador deste li-
vro, Dr. César Steffen, que problematiza o papel e a influência
das novas tecnologias,especialmente as redes sociais que estas
oportunam e promovem, no sistema político. Inserindo a In-
ternet, maior expoente das novas tecnologias de informação e
comunicação, no contexto das mediações sociais da contempo-
raneidade, observa os impactos que a circulação de discursos e
a abertura de canais de interação pode gerar na democracia.

No bloco 2 abrimos espaço para os dispositivos


móveis de comunicação, principalmente aqueles que estão co-
locando a tecnologia nas bolsas e nos bolsos das pessoas. O
primeiro artigo, do professor do PPG em Comunicação da
FAMECOS-PUCRS, Eduardo Pellanda, busca compreender o
impacto que a mobilidade proporciona nas dinâmicas comuni-
cacionais através da evolução da comunicação móvel e o con-
texto de informações ubíquas, vistas como um fluxo de evolu-
ção midiática. Surgem, assim, questões como novos formatos,
derivados de dispositivos móveis, redes sociais nativamente
móveis ou ainda pesquisas com a plataforma Locast, que aju-
dam a entender o impacto que a mobilidade proporciona nas
dinâmicas comunicacionais.

O bloco segue com artigo da professora do mestra-


do em letras da UNISC, Nize Maria Campos Pellanda, em par-
ceria com professora e chefe de departamento de Comunica-
ção Social da mesma universidade, Mônica Pons, que colocam
a questão do acoplamento das mídias digitais e seres humanos
à luz da complexidade, tentando mostrar que estas interações
são potencializadoras do humano para muito além do simples
viver, mas em direção a uma resignificação de nossas vidas.

Fernando Firmino da Silva, da Universidade Es-


tadual da Paraíba, em Campina Grande, fecha este bloco, sis-
tematizando discussões sobre a exploração das tecnologias
móveis digitais como plataformas de produção e de consumo
de notícias no jornalismo contemporâneo. Com a natureza da
expansão da mobilidade, observa-se uma realidade sociotécni-
ca em desdobramento e em complexificação das práticas ine-
rentes ao jornalismo materializando um novo espaço para as
reportagens de campo em “redações móveis” com o envio da
produção do local de apuração por redes sem fio. Ao mesmo
tempo, novas estruturas de consumo de notícias em múltiplos
formatos emergem por meio de dispositivos móveis como ce-
lulares, smatphones e tablets. O chamado jornalismo móvel está
no centro das discussões como um conceito central para com-
preensão desse fenômeno comunicacional.

O terceiro bloco, focado em TV Digital, abre com


o trabalho do professor do PPG em Comunicação da UNISI-
NOS, Valério Brittos em parceria com a Jornalista e Mestre em
Ciências da Comunicação Maíra Carneiro Bittencourt. Os auto-
res problematizam a TV na web, apresentando os seis modelos
de disposição de audiovisual na internet, elaborados de acordo
com observação e análise de características comuns e divergen-
tes entre sites, com intuito de agrupar conceitos existentes na
TV online, levando em consideração que não existe um único
modelo seguido na web, proliferando diversas experimentações
para o audiovisual. Os modelos são analisados separadamente,
utilizando-se de um exemplo de site para cada um, perante suas
características de funcionamento, estrutura de layout, acessibili-
dade, estrutura de links e qualidade de imagem.

Seguimos com Álvaro Benevenutto Jr., doutor em


Comunicação e professor dos cursos de Comunicação Social
da UCS, que reflete sobre o uso e aplicações dos dispositivos de
realização de conteúdos audiovisuais digitais – interativos ou
não – possíveis, a partir das múltiplas plataformas de captura
de dados dispostas no mercado do entretenimento e da comu-
nicação interpessoal e privada, em franco desenvolvimento ob-
servado nas duas primeiras décadas do século XXI. Efetuando
um debate sobre o papel da tecnologia na contemporaneidade,
Álvaro traz um importante relato de experiência de aplicação e
uso de dispositivos móveis de telefonia celular no desenvolvi-
mento e criação de conteúdos por camadas sociais econômica
e socialmente vulneráveis.

Traçando um breve panorama histórico para en-


tender o surgimento da tevê no estado do RS, mas, principal-
mente, seu desenvolvimento e a influência dos programadores
locais, e refletindo sobre as perspectivas propostas pelo forma-
to digital e a principal dificuldade para sua implantação, o pro-
fessor da UFSM Flavi Ferreira Lisboa Filho fecha este bloco.

No último bloco abrimos espaço para os Games,


ou jogos eletrônicos se preferirem. Lyyn Alves, da Bahia, nas
traz uma recuperação das pesquisas sobre Games no Brasil,
mostrando que não se trata de fenômeno novo, mas acelerado
recentemente pelo rápido crescimento dessa área de desenvol-
vimento, além dos esforços para a construção e efetivação des-
ta indústria no Brasil.

Na sequencia, Marsal Branco, coordenador do cur-


so de Jogos Digitais da FEEVALE, trabalha alguns conceitos
que explicam de que forma os games montam seu discurso,
estruturando o chama linguagem dos games. A partir disso,
caracteriza os diferentes tipos de games. Finalmente, mas não
menos importante, Cristiano Max apresenta, em seu artigo, a
dinâmica do videogame, sob uma perspectiva comunicacional,
relacionando sua construção epistemológica com os fenôme-
nos gerados por este elemento da cibercultura.

Assim, observamos, através das diversas e diferen-


ciadas visões que os autores aqui ofertam várias facetas deste
complexo e dinâmico processo que nos encontra e afeta todos
os dias como profissionais e cidadãos.
A todos os autores envolvidos, nosso agradecimen-
to pelo apoio, participação e confiança que fizeram deste pro-
jeto uma realidade.

À todos, boa leitura! E aguardem para 2012 a se-


gunda edição do livro/e-book “Tecnologia pra quê?”, com foco
no impacto das tecnologias sobre os fazeres das diversas profis-
sões e áreas da comunicação.

Prof. Dr. César Steffen


Profa. Dra. Mônica Pons
Organizadores
Pr e f á c i o

Em 2001 - Uma odisséia no espaço, Arthur Clarke


soube traduzir o medo do homem de ser dominado pela má-
quina. Não uma máquina qualquer, mas um diabólico compu-
tador de fala macia, conhecido como Hal 9000. Uma máquina
inteligente o suficiente para imitar o homem em suas qualida-
des e defeitos – a capacidade de dissimular, mentir, enganar. Na
história, Hal decide que, para cumprir a missão da nave, preci-
sava impedir sua própria morte. Assim, calmamente, provoca
a morte de um a um dos astronautas quando descobre que eles
pretendiam desligá-lo.

Um computador como Hal, agindo consciente-


mente sem controle humano, assusta mortais de hoje e de on-
tem pela sua aparente invencibilidade. De certo modo, o futuro
assustador anunciado por Clarke está incorporado ao cotidia-
no. Há um sentimento generalizado de que a inteligência dos
computadores excederá a dos seres humanos dentro de alguns
anos. Imagina-se que, em breve, irá surgir o primeiro compu-
tador consciente dizendo “penso, logo existo.”

Fonte e condição do domínio da natureza pelo ho-


mem, técnica e tecnologia são, cada vez mais, objetos de críti-
cas. Suas conseqüências sobre a vida e a natureza inquietam.
Teme-se que seu poder possa ser exercido de forma autônoma
em detrimento do homem e do pensamento, e de tal forma que
a irreversibilidade dos seus progressos ameaçaria os próprios
responsáveis pela sua concepção.

Na filosofia tem sido freqüente uma interpretação


crítica sobre a técnica, fazendo dela o demiurgo onipotente
que tudo pode em qualquer situação, a exemplo do computa-
dor Hal da obra de Clarke. A técnica foi personificada como
a responsável ou cúmplice pelos totalitarismos, pelas socieda-
des opressivas, pela massificação e alienação do homem. No
bojo deste tipo de análise está uma imagem mítica e idealizada,
segundo a qual, o homem seria uma presa frágil e impotente
diante dessa influência.

Na verdade, técnica e tecnologia são duas dimen-


sões fundamentais em que se desenrola a transformação do
mundo humano por si mesmo. Incidem sob todos os aspectos
da vida social, incluindo as subtis transformações que se ope-
ram na esfera intelectual.

A presença quase onipresente da tecnologia no co-


tidiano parece naturalizá-la como extensão do homem. Prova
disso está no Relatório Mundial de Tecnologia Conectada da
Cisco (2011): a Internet é tão importante na vida das pessoas
como o ar, o alimento e a água. A pesquisa realizada com qua-
se cinco mil pessoas em 14 países, incluindo o Brasil, aponta
que mais da metade dos entrevistados não conseguiria viver
sem estar na Web diariamente. Essa perspectiva de dependên-
cia está acima da média mundial entre os jovens e estudantes
brasileiros (65%). Na maior parte do mundo dois entre quatro
jovens escolheriam uma conexão com a Internet, em vez de
um carro.

A situação não é muito diferente em relação aos


dispositivos móveis utilizados para acessar informação. Na
pesquisa da Cisco, dois terços dos universitários (66%) e mais
da metade dos jovens trabalhadores (58%) mencionaram o
laptop, o smartphone ou tablet como uma tecnologia impor-
tante nas suas vidas. Há uma tendencia crescente de uso de
smartphones em detrimento do desktops na corrida para ser
a ferramenta mais prevalente em uma perspectiva global. A
mobilidade define qual tecnologia terá vida longa seja para ob-
ter informação, interagir, relacionar-se, ouvir música, falar ou
mesmo ver um filme.
Sem sombra de dúvida, o mundo está se tornando
um local onde a Internet é cada vez mais importante, especial-
mente se estiver associada a dispositivos moveis. A sociedade
caminha para estar, progressivamente, mais dependente de dis-
positivos tecnológicos que carregam informação. Estaria a tec-
nologia determinando a sociedade? Em sua trilogia Sociedade
em Rede, publicada no Brasil em 1999, Manuel Castells recusa
esse pensamento: a tecnologia não determina a sociedade, nem
a sociedade escreve o curso da transformação tecnológica uma
vez que muitos fatores intervêm no processo, desde a desco-
berta e a aplicação de uma técnica. O resultado depende de um
complexo padrão interativo. Por tal condição, acredita que a
tecnologia é a sociedade, e a sociedade não pode ser entendida
ou representada sem suas ferramentas tecnológicas.

Na perspectiva multidimensional de Castells, a


tecnologia não tem caráter mágico ou sobrenatural, nem a so-
ciedade é uma extensão da tecnologia. Há uma relação dialé-
tica entre tecnologia e civilização. O aparato tecnológico não
é causa da mudança social, mas fonte potencializadora. Uma
inovação tecnológica programa, sem dúvida, certos usos, mas
estes por sua vez desviam, modificam ou adaptam a ferramenta
aos mundos próprios dos utilizadores a considerar o contexto
de relações sociais.

Este livro tem o mérito de abordar como as tecno-


logias da informação e da comunicação, ferramentas do capi-
tal e forças de produção, se inscrevem no âmbito da industria
criativa, nos processos de produção de conteúdo informativo
e de entretenimento. Para além da mídia traz reflexões sobre a
interface dessas tecnologias nas relações sociais e na política.
Trata-se de uma obra que colabora com a compreensão sobre a
tecnologia e seus nexos fundamentais com a economia, o tra-
balho, a construção da identidade, a cultura, os movimentos
sociais, o processo político e a produção de bens simbólicos.
Ao adotar uma perspectiva análise plural para
compreender afasta as posições dicotômicas sobre o impacto
da tecnologia na sociedade. O fenômeno tecnológico contem-
porâneo é encarado como um processo histórico-social que
pode ser explicado pelos seus nexos e relações. Nessa perspec-
tiva, este livro põe de lado a hipótese do determinismo me-
canicista, assim como o temor quanto ao poder diabólico dos
computadores fica reservado à literatura. Caminha na trilha da
compreensão para além de distinções tão familiares e óbvias
que, até pouco tempo, eram consideradas insubstituíveis como
natureza-cultura, natural-artificial, vivo-inanimado, objetivo-
subjetivo. Admitindo-se que o real é complexo, o conjunto de
textos apresentados permite pensar a unidade na diversidade e
a diversidade na unidade, ou seja, o conhecimento tem como
horizonte a totalidade.

Nelia R. Del Bianco


Professora da Faculdade de Comunicação da UnB
Doutora em Comunicação pela USP
Capítulo I

In t e r n e t
Mídias Digitais
Interativas – entre a
indústria e a
inclusão social
Cosette Castro
UCB - DF
Introdução

Este artigo se propõe refletir sobre as mídias digi-


tais interativas no Brasil e na América Latina desde o ponto de
vista da inclusão social e digital. Para tanto, diferentes concei-
tos são discutidos ao longo do texto, já que nos encontramos
no estágio da ponte, ou seja, na passagem do mundo analógico
para o digital. Entre os conceitos, está o do aparecimento de
uma nova ordem tecnológica; a diferença entre indústria cultu-
ral, indústria criativa e indústria de conteúdos digitais e a pró-
pria noção de conteúdos digitais, assim como as possibilidades
interativas das novas mídias, que buscam sua identidade, em
meio a um mar de ofertas informativas e de entretenimento.
Vou começar pela de Nova Ordem Tecnológica.
Para tratar desse tema, vale a pena recordar Heidegger quan-
do diz que a essência do tecnológico não é algo técnico, mas a
maneira que o homem produz a si mesmo e a relação com a
tecnologia1. E em sendo a maneira como o homem produz a si
mesmo e a relação com a tecnologia, concordo com Eduardo
Vizer (2004), quando diz que as tecnologias são uma constru-
ção social, uma manifestação cultural. Ou seja, seu valor e legi-
timação são determinados por seus usos, pelo contexto social
e pelas consequências desse acesso, usos e aplicações, assim
como pela apropriação que os sujeitos sociais fazem dela.

Aqui vista como a aplicação de um conhecimento científico para alcançar um resultado prático.
1
A Nova Ordem Tecnológica2 aponta que o conjunto
de transformações que estamos passando não conseguem ser
explicadas por um único paradigma ou ciência, pois em se-
parado uma ou outra teoria já não dá conta de explicar algo
tão radical como a passagem do mundo analógico para o di-
gital. Essas transformações, embora sejam atravessadas pelas
tecnologias, exigem um olhar abrangente e transdisciplinar3.
Levando em consideração a complexidade4 do tema, busquei
apoio em diferentes autores e teorias, mas particularmente em
Edgar Morin e Jesus Martín-Barbero, que estimulam o diálogo
entre as ciências, e também no paradigma emergente, proposto
por Boaventura Santos para pensar a noção de Nova Ordem
Tecnológica.
Como comentei anteriormente, a tecnologia per-
passa todas as esferas da vida social – econômica, política, cul-
tural, ambiental, tecnológica, educativa e dos comportamentos
–, mas é o uso que se faz dela que vai definir o tipo de sociedade
que desejamos viver: no meu caso, como pesquisadora brasilei-
ra, com equidade e inclusão social. E é essa premissa que vem
norteando as pesquisas que tenho desenvolvido e participado
dentro e fora do Brasil.

2
Sobre o tema, ler Mídias Digitais (2005) e Comunicação Digital (2008), a partir das reflexões
que André Barbosa Filho e eu fizemos naqueles livros.
3
A transdisciplinaridade, como bem lembra Jesus Martín-Barbero (2002), é aqui vista como a
construção de articulações, de diferentes pontos de vista sobre o mundo em uma rede discursiva
que se aproxima, dialoga e se transforma.
4
Edgar Morin, que vê o mundo como um todo indissociável e propõe uma abordagem multidis-
ciplinar e multirreferenciada para a construção do conhecimento. Segundo Edgar Morin (Intro-
dução ao Pensamento Complexo, 1991:17/19): “À primeira vista, a complexidade (complexus: o
que é tecido em conjunto) é um tecido de constituintes heterogêneos inseparavelmente associados:
coloca o paradoxo do uno e do múltiplo. Na segunda abordagem, a complexidade é efetivamente
o tecido de acontecimentos, ações, interações, retroações, determinações, acasos, que constituem
o nosso mundo fenomenal”. A proposta da complexidade é a abordagem transdisciplinar dos
fenômenos, e a mudança de paradigma, abandonando o reducionismo que tem pautado a inves-
tigação científica em todos os campos. Aqui visto do ponto de vista integral (político, econômico,
social, tecnológico, sustentável, inclusivo, cultural, etc) levado a termo pela iniciativa do governo e
do mercado. A idéia de desenvolvimento surge no Brasil após a 2ª. Guerra Mundial quando o país
desenvolveu a corrente político-ideológica do nacional-desenvolvimento. Após o golpe militar, em
vários países a idéia de desenvolvimento estava diretamente relacionada ao grau de industria-
lização de um país e os principais indicadores eram de natureza econômica. Mais detalhes em
Heldmann e Salm (2009).

22 Tecnologia, pra quê?


Diferente do que se poderia supor em um primei-
ro momento, a Nova Ordem Tecnológica não significa a pre-
ponderância da tecnologia frente às demais Ciências, mas o
reconhecimento que essas mudanças tecnológicas perpassam
a vida social influenciando o cotidiano das pessoas, as relações
sociais e a subjetividade, a cultura e a educação, os projetos e
políticas públicas de governo, as ações das empresas, institui-
ções e academia. Também influenciam o mercado de trabalho,
gerando novos ofícios e terminando com outros, cujas conse-
quências serão vistas diretamente na vida social, na universi-
dade e no próprio mercado. Além disso, influenciam a própria
noção de desenvolvimento5.
A Nova Ordem Tecnológica exige uma transforma-
ção estrutural em vários níveis:

1- no governo, através de políticas públicas de inovação6


e do trabalho integrado entre os diferentes ministérios;
do estímulo a pesquisa e da formação de pólos de produ-
ção de conteúdos digitais7 interativos e convergentes;

2- na academia através da reformulação e atualização de


seus programas curriculares tanto na graduação, quanto
na pós-graduação e no incentivo à pesquisa transdisci-
plinar para dar conta da complexidade do tema;

5
Aqui visto do ponto de vista integral (político, econômico, social, tecnológico, sustentável, inclusivo,
cultural, etc) levado a termo pela iniciativa do governo e do mercado. A idéia de desenvolvimento
surge no Brasil após a 2ª. Guerra Mundial quando o país desenvolveu a corrente político-ideológica
do nacional-desenvolvimento. Após o golpe militar, em vários países a idéia de desenvolvimento
estava diretamente relacionada ao grau de industrialização de um país e os principais indicadores
eram de natureza econômica. Mais detalhes em Heldmann e Salm (2009).
6
Aqui compreendida como “a implementação de um produto (bem ou serviço) novo ou signifi-
cativamente melhorado ou um processo ou um novo método de marketing ou um novo método
organizacional nas práticas de negócios, na organização do local de trabalho ou nas relações ex-
ternas Manual de Oslo/OECD (2005:46)”. Para a pesquisadora Marly Carvalho, a inovação é um
processo que se inicia pela percepção de um novo mercado e/ou oportunidades de novos serviços
para uma invenção de base tecnológica que conduz ao desenvolvimento, produção e marketing
em busca do sucesso comercial da inovação.
7
Conteúdos digitais são aqui compreendidos como todo material de áudio, imagem, texto ou
dados oferecidos às audiências pelas diferentes plataformas tecnológicas.

Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano 23


3- no mercado, ao exigir a atualização profissional para
as constantes mudanças e novidades do mundo digital,
seja nas empresas ou nas associações e sindicatos das di-
ferentes categorias profissionais;

4- e de forma cognitiva, pois significa a passagem de um


mundo linear, reconhecível para a maioria do mundo
adulto, para um mundo sem linearidade, que poderia ser
confundido como caótico pela abundancia de informa-
ções e tecnologias e exige novos saberes e percepções.

A passagem do mundo analógico para o digital não é um


processo rápido ou fácil, particularmente porque extrapola a raciona-
lidade científica, entra no âmbito da subjetividade e da compreensão
dos novos tempos e encontra pela frente vários paradoxos. Entre esses
paradoxos, um dos mais visíveis é o geracional e o da apropriação de
saberes, pois hoje pessoas na faixa dos 35, 40 anos que foram criados
em uma sociedade analógica, com pensamento linear e desenvolven-
do uma atividade de cada vez, precisam se adaptar a um mundo di-
gital em constante transformação e conviver com jovens que realizam
múltiplas tarefas ao mesmo tempo, que têm facilidade em comunicar-
se rapidamente utilizando as diferentes plataformas tecnológicas e,
como se não fosse o suficiente, dominam esse novo saber.

Passagem do mundo analógico para o digital

24 Tecnologia, pra quê?


Tenho defendido que nos encontramos no estágio
da ponte, no meio do caminho entre o mundo analógico, cami-
nhando em direção ao mundo digital e considero importante uti-
lizar uma imagem que reflita essa situação. Como já disse Mark
Prensky (2001), com a incorporação das tecnologias da informa-
ção e da comunicação (TICs)8 na vida cotidiana, o mundo pas-
sa a ser dividido entre nativos e imigrantes digitais. Nativos são
as crianças, adolescentes e jovens que nasceram sob o signo das
novas tecnologias, e imigrantes, são aqueles que, como eu, foram
criados no mundo analógico e tentam (em maior ou menor grau)
adaptar-se às mudanças digitais.
Entre a reformulação necessária da vida acadêmica
para refletir (sobre) e desenvolver projetos de conteúdos audiovisu-
ais voltados para as mídias digitais para micro, pequenas e médias
empresas, ou para a criação de futuros centros/polos de produção
de conteúdos digitais para o campo público, está a necessária per-
cepção de que os conteúdos podem ser usados em várias platafor-
mas tecnológicas e também para a convergência das mídias digitais.
Aqui é necessário explicar o que compreendo por conteúdos digi-
tais (interativos ou não).

Conteúdos audiovisuais digitais

8
As tecnologias são aqui consideradas como o conjunto heterogêneo de
técnicas, sistemas e aparelhos e/ou plataformas eletrônicas, máquinas
inteligentes e redes informáticas que permeiam a vida social. Estão em
constante crescimento e podem ser fixas ou móveis, gratuitas ou pagas.

Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano 25


Diferente do mundo analógico onde os conteúdos
audiovisuais estavam restritos ao áudio e ao vídeo, no mundo
digital, os conteúdos audiovisuais digitais são todos os mate-
riais de áudio, vídeo, texto e dados que circulam e uma ou mais
plataformas tecnológicas.
Essas plataformas incluem os videojogos em rede, os
celulares, a TV, o rádio e o cinema digital, os livros, jornais e revistas
digitais e, acima de tudo, a possibilidade de desenvolver materiais
audiovisuais digitais que possam ser usados em vários aparelhos
tecnológicos ao mesmo tempo – convergência de mídias - desde
que sejam respeitadas as características de cada mídia digital.

Plataforma Material e Imaterial

Neste artigo, trato também de plataforma material


(ou tangível) e plataforma imaterial (ou intangível). Considero
plataformas materiais todos os aparelhos onde são disponibi-
lizados conteúdos digitais, sejam eles interativos ou não. Essas
plataformas incluem os videojogos em rede, os celulares, a TV,
o rádio e o cinema digital, os computadores, os livros, jornais
e revistas digitais. E existe uma plataforma imaterial (que não
tem corporeidade, nem se pode tocar) que permite a circulação
desses conteúdos digitais e também a interatividade: internet,
26 Tecnologia, pra quê?
onde circulam e se multiplicam os conteúdos digitais sem os
limites da matéria e da noção de linearidade.
Discordo de autores, como Manuel Castells (2003)
e mesmo Pierre Lévy (2007)9, que consideram a internet um
meio de comunicação, pois a rede em si mesma não possui
materialidade. Ela precisa de uma plataforma tecnológica, de
um aparelho, para ser viabilizada, como os computadores, os
celulares de 3ª geração (3G), os videojogos em rede, o rádio
ou a TV digital interativa (TVDi). É através da internet que a
interatividade se concretiza de forma diferente nos aparelhos,
sejam gratuitos, como o rádio digital ou a TVD terrestre, ou
pagos, como computadores, celulares10 ou IPads.
A internet muda a relação do processo comunica-
tivo que no mundo analógico era unidirecional – do campo da
produção para o campo da recepção - passando a possibilitar
uma relação bidirecional, dialógica e interativa, onde as audi-
ências podem responder e comunicar-se com as empresas de
comunicação (campo da produção). Nesse sentido, a digitali-
zação permite recuperar o sentido latino da palavra comunica-
ção, no sentido de comunhão e compartilhamento.
No mundo digital, o campo da produção envia a men-
sagem, que é recebida pelos sujeitos sociais e eles têm a possibilida-
de de responder e interagir com o campo da produção, muitas vezes
em tempo real, transformando radicalmente a relação entre os dois
âmbitos. Isso ocorre a partir de diferentes plataformas tecnológicas,
como celulares, computadores, videojogos em rede, rádio ou televi-
são digital, assim como livros, jornais e revistas digitais.
Neste artigo, selecionei quatro plataformas – me-
diadas por internet – para mostrar as características narrativas
e diferenças tecnológicas quando se pensa os conteúdos digi-
tais interativos. O quadro a seguir ajuda a compreender melhor
as características dos computadores, dos celulares, da TV digi-
tal e dos videojogos:
9
De acordo com o autor francês, o ciberespaço é o novo meio de comunicação que emerge da
interconexão mundial dos computadores.
10
No caso da TV digital aberta, ela pode ser assistida nos celulares através da plataforma one seg
de forma gratuita, pois a transmissão é feita pelo ar.

Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano 27


Proximidades e Diferenças entre
as Plataformas Tecnológicas

COMPUTADORES
VIDEOJOGOS
TV MEDIADOS POR CELULARES
EM REDE
INTERNET
Meio individual e
Meio coletivo Meio individual Meio individual também coletivo
(ex: Wii)
Pode ser jogado
de forma
Audiência Audiência
Audiência coletiva individual ou de
individualizada individualizada
forma coletiva
(em rede)
Conteúdos
streaming ou
das operadoras
Fluxo contínuo,
(pago). No caso Conteúdos pagos
broadcast.
Conteúdos streaming nipo-brasileiro de ou baixados
Programação
ou sob demanda (pago) TVD terrestre, os gratuitamente de
simultânea em
sujeitos podem forma ilegal
rede.
assistir TV
gratuitamente via
celular

Interação em
tempo real
Interação limitada
Interatividade plena, ilimitada paga ou Interatividade
pelo canal de
mas paga gratuita quando plena, mas paga
retorno
usada como TV
digital

Interatividade
durante a exibição Audiência assiste É possível
Interatividade
do programa. ao conteúdo como acessar internet
durante a
O acesso a esta e quando quiser de ou telefone,
exibição do
desvia a atenção ou forma paga, sem mas interrompe
programa
inibe o programa simultaneidade exibição de TV
principal

Tela grande (se


visto pela TV
Tela grande,
), tela média
tela média e tela Tela média ou pequena
Tela pequena (computadores)
pequena
e tela pequena
(celulares) e
consoles

Alta definição
Baixa resolução de se visto pela
Alta definição Baixa resolução
vídeo quando ampliado TV, mas a tela é
pequena

28 Tecnologia, pra quê?


COMPUTADORES
VIDEOJOGOS
TV MEDIADOS POR CELULARES
EM REDE
INTERNET
Proximidade com
Distância da tela Distância da tela
a tela, a partir dos
ou tela na mão no ou tela na mão
computadores de mesa Tela na mão
caso de mini TV no caso de mini-
ou tela na mão, com
digital TV digital
laptops ou Ipads

Infinito acesso a textos,


Limite de texto, imagens e dados. Mas
Acesso a
infinito acesso a apresenta problemas de
Limite de texto imagens, sons,
imagens, sons e resolução de imagem
e dados
dados e demora para baixar
vídeos

Um para um, um
Um para um, um Um para um e
Um para um, Um para muitos ao
para muitos ao um para muitos.
para muitos, mas mesmo tempo.
mesmo tempo. É Os torpedos
sem simultaneidade. É bidirecional
bidirecional na TV (MSN) ajudam a
Estimula a colaboração na TV digital
digital interativa simultaneidade
interativa
Portabilidade Portabilidade Portabilidade Portabilidade
Mobilidade Mobilidade Mobilidade Mobilidade
Acessibilidade Acessibilidade Acessibilidade Acessibilidade
Usabilidade Usabilidade Usabilidade Usabilidade
Uso de bateria.
O consumo de
Energia elétrica e Energia elétrica
Energia elétrica e energia gerado
bateria, no caso da e bateria, no caso
bateria pelo aplicativo de
mini TVD da mini TVD
conteúdos precisa
ser baixo
Armazenamento Armazenamento
limitado no limitado no
Armazenamento Limite de
conversor digital. conversor digital.
depende da quantidade armazenamento
Depende da Depende da
de memória de vídeo e dados
quantidade de quantidade de
memória memória

Exibição do Exibição do
conteúdo conteúdo
streaming é a Conversa streaming é a
função principal. Acesso a multidados e telefônica como função principal.
Qualquer outra telas simultâneas, mas funcionalidade Qualquer outra
atividade é a falta de banda larga principal. atividade é
secundária, faz com que demorem Qualquer outra secundária,
pontual e a baixar ou que a rede atividade fica pontual e
temporária, mas caia, se há muitos em segundo temporária, mas
modifica a noção acessos plano e pode ser modifica a noção
de TV como interrompida. de TV como
conhecemos no conhecemos no
mundo analógico mundo analógico

Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano 29


COMPUTADORES
VIDEOJOGOS
TV MEDIADOS POR CELULARES
EM REDE
INTERNET

Teclado
Teclado limitado
limitado pelo
pelo uso do
uso do controle
controle remoto,
remoto, com
com possibilidade
Teclado ilimitado, possibilidade
de conectar a Teclado limitado
associado ao mouse de conectar a
dispositivos
dispositivos
móveis, como
móveis, como
celulares de forma
celulares de
gratuita
forma gratuita

A assistência
A assistência O uso é individual
é simultânea e
é simultânea e O uso é individual e nem todo
vem um mesmo
vem um mesmo e nem todo mundo mundo utiliza
programa
programa milhões assiste a um programa e acessa os
milhões de
de pessoas (ao ao mesmo tempo conteúdos ao
pessoas (ao
mesmo tempo) mesmo tempo
mesmo tempo)

Permite a
Permite a Permite a
produção de
produção de Permite a produção produção de
conteúdos
conteúdos digitais de conteúdos conteúdos digitais
digitais
interativos e digitais interativos e interativos e
interativos e
convergência de convergência de mídias convergência de
convergência de
mídias mídias
mídias
Fonte: Cristiana Freitas, com acréscimos da autora deste artigo.

Indústrias Criativas e de Conteúdos Digitais

Em termos de indústria, aonde se inserem os con-


teúdos digitais?

Como escrevi na pesquisa sobre Indústrias de Con-


tenidos para América Latina11 (2008), tenho usado o conceito
das indústrias de conteúdos digitais em contraposição aos ter-
mos indústria cultural e indústria criativa. Isso porque esta-
mos frente a uma mudança de paradigmas, no sentido mesmo
de ruptura, já que os paradigmas existentes ou não dão conta
nem conseguem explicar os fenômenos atuais (indústria cul-
tural) ou são desenvolvidos desde o ponto de vista dos países
11
Disponível em internet.

30 Tecnologia, pra quê?


centrais (indústria criativa), não levando em consideração as
necessidades e realidade dos países periféricos, como o Brasil
e os países latino-americanos no que diz respeito a oferta de
conteúdos, serviços e aplicativos digitais gratuitos.
A indústria cultural não é suficiente para explicar e
analisar o mundo digital, pois é preciso levar em consideração as
mudanças políticas, econômicas, históricas, culturais, compor-
tamentais, educativas, ambientais e tecnológicas que as socieda-
des ocidentais passaram desde então. Isso porque toda proposta
teórica necessita de uma análise histórica para que seja possível
compreender em que contexto foi elaborada, como é o caso da
Teoria Crítica que foi desenvolvida na Europa do entre guerras.
Atualmente as indústrias culturais não conseguem
dar conta de compreender e alcançar os novos meios que surgi-
ram a partir das Tecnologias da Informação e da Comunicação
(TICs) e da internet. Isso ocorre porque no momento histórico,
político, econômico, social e cultural em que o conceito de in-
dústrias culturais foi elaborado o mundo era muito diferente e
a cultura digital apenas começava a dar seus primeiros passos.
Entre os anos 20 e 80 do século XX não havia o tipo de tec-
nologia que conhecemos agora nem as amplas possibilidades
de interatividade, deslocamento, virtualidade, inclusão social,
assim como conexão em tempo real que as tecnologias da In-
formação e da Comunicação estão permitindo. Além disso, as
indústrias culturais não acreditam no potencial das audiências,
tratando-os como públicos passivos e manobráveis.
Tampouco o conceito de Indústrias Criativas é su-
ficiente para analisar o fenômeno na América Latina. Os países
vizinhos, junto com o Brasil buscam o desenvolvimento de uma
indústria, mas também necessitam estimular o acesso, uso e apro-
priação digital, através da alfabetização digital, dos serviços eletrô-
nicos gratuitos e da produção e circulação de conteúdos digitais
interativos gratuitos. Ou seja, para a realidade desses países não é
suficiente oferecer plataformas tecnológicas pagas para uma po-
pulação de mais de 500 milhões de habitantes, cuja maioria possui
celulares pré-pagos, 75% tem acesso a CDs, DVDs e textos acadê-

Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano 31


micos através de copias piratas e outros 35% 12 assistem a televisão
por assinatura através de contratos terceirizados ilegais13.
Indústrias criativas são um termo amplo que cresceu
entre os teóricos da Economia da Cultura de língua britânica e inclui
muito mais do que a produção de conteúdos para meios tradicionais
(jornais, revistas, televisão aberta ou paga, cinema, rádio ou publicida-
de) ou para os meios digitais, como jornais e revistas on-line, televisão
e rádio digital, celulares, computadores, livros digitais ou videojogos
em rede ou a publicidade digital. Essa é somente uma parte das indús-
trias criativas que atualmente fazem parte da Economia da Cultura.
Esse setor da Economia se dedica a definir políticas e estratégias (pa-
gas) para produtos que tem, ao mesmo tempo, potencial econômico
e valor simbólico (mensagens, identidade, valores)
Essa indústria inclui todas as formas artísticas que
vão da alta cultura à cultura popular, como o artesanato e a
alta costura, o design e as antiguidades, a moda, as editoras, o
vídeo, os softwares, o design gráfico e de mobília, o patrimônio
cultural e o turismo cultural, as equipes culturais (teatros, cine-
mas), assim como o trabalho conjunto da cultura, o turismo, os
museus, a arquitetura. Particularmente, a Economia da Cultu-
ra inclui a geração de propriedade intelectual, como os direitos
do autor, segundo Fonseca (2007). Os teóricos da Economia da
Cultura incluem acrescentam os meios de comunicação analó-
gicos e digitais no interior da indústria criativa, como se fosse
tudo igual e não existissem diferenças epistemológicas, tecno-
lógicas, de formatos, conteúdos, estéticas e de linguagem en-
tre os meios analógicos e digitais14.

12
Esses dados representam apenas a média dos três países da Região que estudam a atividade
ilegal de ampliar a TV por assinatura em várias casas usando o mesmo contrato.

No Brasil chamado de “gatos”.


13

14
No Brasil, o estado do Rio de Janeiro adotou o termo indústrias criativas usado no modelo
britânico e o adaptou ao país. De acordo com a Federação das Indústrias do Estado do Rio de Ja-
neiro (Firjan), a cadeia produtiva brasileira (leia-se Rio de Janeiro) engloba cultura, publicidade,
moda, arquitetura, design, mercado de artes e antiguidades, filmagem, softwares interativos de
lazer, artes performáticas, artes, editoração, serviços de computação, rádio e televisão. Segundo o
estudo da Firjan realizado em 2010, no Estado do Rio a indústria cultural representa 17,8% do
PIB estadual, ou seja, algo em torno de R$ 54 bilhões.

32 Tecnologia, pra quê?


Abrangência das Indústrias Criativas

Fonte: Pesquisa sobre Industrias de Contenidos em Latinoamérica (2008)

Origem das Indústrias Criativas

Pensando nas possibilidades de mercado, em 1998 o


ex-primeiro ministro britânico Tony Blair investiu nas indústrias
criativas e na inovação tecnológica – lançadas pouco depois para
os demais países da União Européia15, como fatores de desenvol-
vimento da Grã-Bretanha e demais países da Região para o século
XXI. Só que o modelo europeu de indústrias criativas – onde as
empresas de radiodifusão trabalham em conjunto com as empre-
sas de telefonia móvel e a maior parte dos serviços são pagos – é
diferente do modelo latino-americano, onde, pelo menos no que
diz respeito à oferta televisiva é, majoritariamente, gratuita.
Mesmo o exemplar serviço público da BBC - com seus
vários canais de televisão - é diferente da oferta de televisão pública
dos países latino-americanos. A diferença vai além da qualidade ou
quantidade dos conteúdos – que não é tema deste artigo - mas na
própria noção de público, pois nos países da Região a televisão pú-
blica é sinônimo de televisão gratuita. As pessoas não pagam (e em
sua maioria nem teriam orçamento para isso) para assistir televisão
aberta, enquanto os britânicos pagam para assistir televisão a BBC.

Sobre o tema, ver o Plano Dott, de 2000.


15

Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano 33


No caso da América Latina e Caribe, qualquer pro-
jeto de conteúdos digitais interativos voltados para televisão
aberta e para o uso da TVD através de celulares (one seg), para
celulares, games e outras plataformas tecnológicas deve con-
templar também a inclusão social para reduzir a brecha digital.
Além disso, existe uma diferença importante quanto ao trata-
mento da propriedade intelectual, fortemente defendida nos
países centrais, enquanto os 12 países que adotaram o modelo
nipo-brasileiro de televisão digital dão ênfase ao uso do código
aberto e ao uso da licença creative commons16, fomentando a
construção e ampliação do middleware Ginga – que permite o
uso de conteúdos interativos na TV digital via controle remoto.
Atualmente, existem mais de 12 mil desenvolvedores, sendo 10
mil no Brasil e outros 2 mil na América Latina que, conjunta-
mente, desenvolvem soluções para TV digital interativa.

Para Finalizar

Desde 2005 defendo o estímulo a emergente in-


dústria de conteúdos digitais interativos e a convergência de
mídias no Brasil e na Região. Embora apoie novos modelos de
negócios para a TVD, já que se trata de uma indústria com
diferentes etapas na cadeia produtiva, dou ênfase à televisão
digital interativa terrestre e a convergência de mídias, ressal-
tando a necessidade de que os conteúdos sejam disponibiliza-
dos de forma gratuita para a população através da TV digital
terrestre aberta e dos celulares, ampliando a participação das
televisões públicas com o uso da multiprogramação e seus sub-
canais, que vão aumentar sensivelmente a oferta de conteúdos
digitais na televisão aberta. Também tenho defendido a exis-
tência de polos de produção de pesquisa, ensino e produção de
conteúdos digitais voltados para diferentes plataformas, como
videojogos em rede e para convergência de mídias.

16
Sobre o tema ver o trabalho desenvolvido pelo pesquisador Ronaldo Lemos e sua equipe na
FGV, no Rio de Janeiro. O uso do creative commons vem sendo questionado no governo Dilma
Rousseff desde a chegada da Ministra da Cultura, Ana de Holanda, no começo de 2011.

34 Tecnologia, pra quê?


Elas (as indústrias de conteúdos digitais) fazem parte
do que o pesquisador argentino Eduardo Vizer (2004) denomi-
nou como segunda comunicação, que começa com a chegada das
novas tecnologias de informação e comunicação no final do sécu-
lo XX, e operam uma lógica contrária ao sistema analógico. Nela,
o espaço real é eliminado assim como se anulam as limitações de
tempo e distância. O tempo já não é um tempo congelado. Trata-
se de um tempo presente, onde tudo acontece no momento.
Como diz Vizer (2010), o mundo digital pode sub-
verter o esquema tradicional da economia, pois a circulação de
dados, informações, conteúdos, etc, pode promover a criação de
valor que será recebida e processada pelos sujeitos sociais. Acre-
dito que esse valor (simbólico) agregado, particularmente a partir
do uso de recursos interativos, possibilitaria um novo conteúdo-
mensagem-sentido-valor, que por sua vez, possibilitaria uma nova
produção de conteúdos e valores pelos próprios sujeitos sociais,
não mais considerados passivos ou usuários, mas produtores de
conteúdos, serviços ou aplicativos digitais interativos.
As TICS geram lógicas próprias de funcionamen-
to e reorganização do mundo, embora no momento em que
este texto está sendo escrito ainda vivamos em um momento
de transição; de convivência e passagem dos meios de comu-
nicação tradicionais para os digitais. A mídia ainda responde
as lógicas do começo do século XX, inclusive as econômicas,
correspondente ao período em que surgiram. Mas empresas,
públicas ou privadas da área da comunicação, buscam urgen-
temente reorganizar suas estruturas e lógicas para adaptar-se
aos novos tempos tecnológicos e a nova economia digital. Isso
significa que ainda haverá um tempo17 de convivência entre o
sistema analógico e as novas plataformas digitais até que um
substitua o outro a partir do apagão analógico18.

17
Esse tempo pode durar várias gerações, na transição entre os imigrantes e os nativos digitais.
São considerados nativos digitais, as crianças e jovens com menos de 30 anos que já nasceram
sob o signo das tecnologias digitais.
18
Data em as televisões devem parar de oferecer serviços analógicos, como já aconteceu nos EUA,
Inglaterra, Japão e Espanha, por exemplo.

Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano 35


O período de transição do mundo analógico para
o digital deverá durar pelo menos 10 anos19, pois diferente do
período da revolução industrial, hoje não é necessário ser pro-
prietário de uma empresa para produzir conteúdos. Os jovens
e adultos com acesso as tecnologias de informação e as plata-
formas digitais e em condições de usá-los poderão produzir
conteúdos, como já estão fazendo as gerações mais jovens. Ou
seja, no tempo das indústrias culturais era preciso ser proprie-
tário dos meios de comunicação; hoje as tecnologias de infor-
mação e comunicação e a emergente indústria de conteúdos
digitais possibilitam a produção, acesso, circulação e divulga-
ção de conteúdos audiovisuais digitais de entretenimento, de
serviços, educativos ou culturais a partir do aparelho em si:
telefones celulares, rádio digital, TV digital, livros digitais, vi-
deojogos em rede, computadores com acesso a internet ou da
convergência entre as diferentes mídias digitais.

19
Desde a perspectiva da propriedade dos meios e da possibilidade de apropriação das tecnolo-
gias e produção de conteúdos ditais entre as gerações mais jovens, mas poderá demorar mais
entre as gerações de adultos na faixa dos 40, 45 anos, que ainda estão fazendo a migração para
o mundo digital.

36 Tecnologia, pra quê?


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40 Tecnologia, pra quê?


Relações Públicas
e Comunicação
Organizacional:
uma análise de
práticas acadêmicas de um
Grupo de Pesquisa
focado em tecnologia

Cláudia Peixoto de Moura


FAMECOS – PUCRS

Considerações sobre o estudo:

O binômio Relações Públicas e Comunicação Or-


ganizacional permite abordagens que envolvem saberes com-
plementares. As duas áreas sofrem tensões e vivem suas lutas
internas e externas, no sentido adotado pelo sociólogo Pier-
re Bourdieu. Pressupõem um capital cultural para a atuação
profissional na realidade. Isto se revela nas práticas acadêmicas
dos grupos de pesquisa registrados no CNPq - Conselho Na-
cional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, em ambas
as áreas, nas quais o capital cultural é produzido nas relações
existentes entre os cursos de graduação, de pós-graduação, em
instituições de ensino superior.
O presente artigo objetiva apresentar uma análise
de práticas acadêmicas de um grupo de pesquisa com o foco
em tecnologia, registrado no CNPq, nas áreas de Relações Pú-
blicas e de Comunicação Organizacional. Para o trabalho, será
adotada a proposta metodológica construída como estratégia
ao estudo de grupos de pesquisa certificados por instituições

Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano 41


de ensino superior, cujas práticas acadêmicas podem ser ob-
servadas em processos investigativos e no capital cultural re-
sultante. A proposta metodológica foi apresentada em dois
eventos científicos de Comunicação1, no sentido de discutir
sua aplicação e validade.
Os grupos de pesquisa existentes no CNPq, em
ambas as áreas, já foram mapeados anteriormente, possibili-
tando diversas análises futuras da produção divulgada median-
te o portal institucional. O trabalho faz parte de um projeto de
pesquisa que se encontra em andamento, intitulado “A Pesqui-
sa em Relações Públicas: práticas acadêmicas e capital cultural”2,
para o qual foi realizada uma pesquisa bibliográfica que possi-
bilitou o estabelecimento dos pressupostos teóricos ao estudo,
sendo estes considerados como referência na construção de
uma proposta metodológica direcionada a análises de grupos
selecionados.
A seguinte questão norteadora é decorrente do ob-
jetivo do presente artigo: que práticas acadêmicas são exerci-
das em um grupo de pesquisa focado em tecnologia, registrado
no CNPq, nas áreas de Relações Públicas e de Comunicação
Organizacional, em termos de capital cultural resultante? Esta
questão pressupõe uma coleta de dados em documentos dispo-
nibilizados de forma digital, no portal do CNPq, no qual há o
registro das práticas acadêmicas desenvolvidas nos grupos de
pesquisa, identificados nas duas áreas, incluindo a produção
científica gerada. Um grupo de pesquisa que enfoca as ques-
tões de tecnologia foi selecionado para o trabalho.

1
I Congresso Mundial de Comunicação Iberoamericano, da Confederación Iberoamericana de
Asociaciones Científicas y Académicas de la Comunicación – Confibercom, em São Paulo/SP, de
1 a 6 de agosto de 2011; e XXXIV Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, da Socie-
dade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação – Intercom, em Recife/PE, de 2 a
6 de setembro de 2011.

2
Projeto aprovado no edital para Produtividade em Pesquisa - PQ – nível 2, do Conselho Nacio-
nal de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq.

42 Tecnologia, pra quê?


Pressupostos teóricos e estratégia
metodológica para o estudo:

Os pressupostos teóricos para o projeto em desen-


volvimento foram traçados com base em fontes bibliográficas,
sendo fundamentais para uma análise de práticas acadêmicas
de um grupo pesquisa selecionado. O embasamento apresenta
noções do campo de relações ou interações, do capital cultural
para o cultivo de práticas acadêmicas, da rede de relações iden-
tificadas com o capital social, e das práticas acadêmicas para a
formação superior.

Campos de Relações:

A questão discutida envolve um campo científico e


hábitos institucionais. “O campo científico é, de fato, um cam-
po de lutas como outro qualquer” (BOURDIEU, 1994, p. 24),
cuja participação na luta está relacionada ao capital científico
em um espaço social estruturado. Há uma relação entre as ins-
tituições e os hábitos como uma forma de incorporação do so-
cial, realizada pela aprendizagem, fundamentada em ações que
garantem a sua presença na sociedade. Isto porque “o corpo
está dentro do mundo social, mas o mundo social está dentro
do corpo” (Idem, 1994, p. 41). As relações podem ser “enten-
didas como interações, ou seja, como relações intersubjetivas
realmente efetuadas” (Idem, 1994, p. 45 – grifo do autor). A
estrutura das relações constitui o espaço do campo, ocorrendo
a produção no espaço institucional.
No campo “há dominantes e dominados, há rela-
ções constantes, permanentes, de desigualdade” e “cada um, no
interior desse universo, empenha em sua concorrência com os
outros a força (relativa) que detém e que define sua posição
no campo e, em conseqüência, suas estratégias” (BOURDIEU,
1997, p. 57). Os hábitos praticados mediante atividades pro-
fissionais estão relacionados ao campo de lutas identificado
em instâncias: a área de Comunicação Social, da qual Relações

Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano 43


Públicas e Comunicação Organizacional fazem parte; as insti-
tuições de ensino superior que formam profissionais para uma
atuação nas duas áreas; as organizações que contratam os res-
pectivos profissionais egressos dos cursos superiores, a socie-
dade que recebe a produção originada do exercício profissional
em ambas as áreas, que envolve práticas investigativas.
A delimitação do conteúdo e o modo a ser inculca-
do, assim como o tempo de formação, definem o ‘habitus’, que
é “o grau de realização cultural (grau de competência legítima)
pelo qual um grupo ou uma classe reconhece o homem reali-
zado” (BOURDIEU; PASSERON, 2008, p. 56). A competência
está associada à cultura reconhecida em um ‘homem cultivado’,
pela inculcação implícita e explícita (formal e formalizada em
processos educativos). As rotinas se estabelecem mediante prá-
ticas pedagógicas, que podem envolver atividades de pesquisa,
participando mais dos campos científico e intelectual.

Capital Cultural para Cultivo Acadêmico:

O diploma, o status profissional e a capacidade re-


conhecida pelo título acadêmico estão relacionados a uma certi-
ficação e uma legitimação das hierarquias sociais, além de uma
qualificação técnica e rentabilidade social ao ‘homem cultivado’,
que possui vantagens acadêmicas e sociais devido a sua passa-
gem pelo ensino superior. Com o apoio dos escritos de Bourdieu
é possível fazer as seguintes considerações a respeito de Relações
Públicas e de Comunicação Organizacional, que possuem:

- um capital cultural incorporado, com saberes


para desenvolver suas práticas de forma abrangente e reflexiva.
O capital cultural incorporado exige uma incorporação, uma
aquisição realizada pessoalmente pelo sujeito, que investe seu
tempo para ‘cultivar-se’. “O capital cultural é um ter que se tor-
nou ser, uma propriedade que se fez corpo e tornou-se parte
integrante da ‘pessoa’, um habitus” (BOURDIEU, 1998, p. 74-
75 – grifo do autor), a partir de sua formação e da apropriação

44 Tecnologia, pra quê?


do conhecimento, de saberes, adotados nas práticas acadêmi-
cas realizadas nas instituições de ensino superior mediante
atividades desenvolvidas tanto em nível de graduação como
de pós-graduação, que se revelam nos registros dos grupos de
pesquisa do CNPq.

- um capital objetivado, na medida em que a pro-


dução resultante dos saberes cultivados é reconhecida como
uma prática direcionada aos interesses institucionais e acadê-
micos. O capital cultural objetivado diz respeito aos bens cul-
turais, somente existindo se for apropriado e utilizado no cam-
po da produção cultural e das classes sociais que se beneficiam
com o domínio desse capital. Isto pode ser entendido como
uma produção baseada nos princípios teóricos das áreas para
o benefício de instituições, no sentido de atuar na sociedade
através de projetos de comunicação e de investigação, direcio-
nados a objetivos distintos, conforme os interesses públicos e
privados, observados nas referidas práticas acadêmicas desen-
volvidas tanto em nível de graduação como de pós-graduação,
envolvendo grupos de pesquisa do CNPq.

- um capital cultural institucionalizado, com uma


certificação que garante uma legitimidade para o exercício aca-
dêmico, a exemplo dos grupos de pesquisa certificados e re-
gistrados no CNPq. A certificação não é garantia dos saberes
vinculados ao capital incorporado e objetivado, mas sim de um
reconhecimento em um espaço social. O capital cultural ins-
titucionalizado é conferido pelo reconhecimento institucional
atribuído à certificação, como uma garantia de competência
cultural, de valor convencional para as práticas acadêmicas re-
alizadas nas instituições de ensino superior, tanto em nível de
graduação como de pós-graduação, registradas nos grupos de
pesquisa do CNPq.
A adoção de práticas acadêmicas reveladas na pro-
dução científica gerada pelos líderes dos grupos de pesquisa,
certificados e registrados no CNPq, constituída de escolhas te-

Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano 45


óricas e metodológicas para o desenvolvimento de atividades
investigativas, caracterizam o capital cultural incorporado, ob-
jetivado e institucionalizado a ser analisado.

Rede de Relações:

Outra discussão foi pautada por questões que tratam


dos saberes para a fundamentação das áreas. A formação supe-
rior capacita os profissionais, egressos dos cursos, a partir de co-
nhecimentos gerais e específicos para ampliar o capital cultural
incorporado, cultivado nos bancos universitários, refletindo em
um capital cultural objetivado, mediante uma produção de pro-
jetos qualificados, com a vantagem assegurada pelo certificado
de conclusão da graduação e da pós-graduação. É a existência de
uma certificação que legitima a autoridade dos acadêmicos, con-
siderando uma sociedade de títulos. Porém, são os saberes que
fundamentam ambas as áreas, implicando em estratégias para a
apropriação dos conhecimentos de referência.
Os conhecimentos gerais fornecem uma bagagem
cultural necessária para o entendimento da realidade, para uma
reflexão sobre a sociedade, a partir das práticas de comunicação,
e os conhecimentos específicos envolvem teorias e técnicas que
fundamentam as áreas de Relações Públicas e de Comunicação
Organizacional. Refletir sobre as práticas acadêmicas significa
uma necessidade, em uma sociedade cada vez mais caracteri-
zada pelo conhecimento e pela informação. Assim, os saberes
possibilitam traçar caminhos nos diversos espaços sociais.
O capital social e o capital cultural são aspectos
fundamentais das relações existentes no espaço social.

O capital social é o conjunto de recursos atuais ou po-


tenciais que estão ligados à posse de uma rede durável
de relações mais ou menos institucionalizadas de inter-
conhecimento e de inter-reconhecimento ou, em outros
termos, à vinculação a um grupo, como conjunto de
agentes que não somente são dotados de propriedades
comuns (passíveis de serem percebidas pelo observador,
pelos outros ou por eles mesmos), mas também são uni-
dos por ligações permanentes e úteis (BOURDIEU, 1998,
p. 67 – grifo do autor).

As relações contingentes podem ser transformadas


em relações necessárias quando “a rede de ligações é o produto
de estratégias de investimento social consciente ou inconscien-
temente orientadas para a instituição ou a reprodução de rela-
ções sociais diretamente utilizáveis, a curto ou longo prazo,...”
(Idem, 1998, p. 68), com competência e disposição em termos
de tempo e esforços, muitas vezes econômicos. Os grupos de
pesquisa do CNPq constituem uma rede de relações institucio-
nalizadas, cuja vinculação caracteriza a posse de conhecimento
por parte dos líderes e certifica o reconhecimento do potencial
de produção científica.
Portanto, a relação entre o capital social – rede de
relações - e o capital cultural – incorporado, objetivado e insti-
tucionalizado – permitirá um aprofundamento dos processos
de relacionamentos, entre públicos e organizações, pelas ações
de comunicação. A rede de relações possibilita uma mobili-
zação, uma multiplicação do capital possuído, além de trocas
contínuas, que são ações estratégicas para um investimento so-
cial e para um investimento cultural, no qual o indivíduo é ‘cul-
tivado’ (possuidor de um ‘habitus’) e certificado (com garantia
de competências) e qualificado (com vantagens sociais).

Práticas Acadêmicas para a Formação Superior:

A formação superior no campo da Comunicação


ocorre a partir das práticas institucionais, representada por um
‘habitus’ que envolve um capital social e cultural. As instituições
de ensino, os professores e os alunos participam deste espaço
social, político e econômico, mas principalmente cultural. As
relações com as culturas do quotidiano, as concepções de Co-
municação e de formação na área, e os elementos de diversos
estudos disciplinares podem multiplicar o capital cultural.
Partindo da idéia de que “tudo é cultura e tudo é
Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano 47
comunicação” (FERIN, 2002, p. 10), em uma sociedade global,
a multiplicidade das relações permite pensar em uma comuni-
cação global e uma cultura global. “O conceito de Comunica-
ção é hoje uma noção alargada à reflexão em várias disciplinas,
envolvendo simultaneamente diferentes domínios especializa-
dos, metodologias e técnicas disponíveis” (FERIN, 2002, p. 21).
Compreende fenômenos de interação, propiciados pela comu-
nicação interpessoal, mediada e mediatizada.
A comunicação interpessoal ocorre por “mecanis-
mos não verbais e verbais, determinados pelos contextos cul-
turais e de socialização, vividos pelos indivíduos desde o mo-
mento do seu nascimento” (FERIN, 2002, p. 26), envolvendo
as relações entre os interlocutores, a informação e o contexto
social. A comunicação mediada é realizada pelos media (jor-
nal, cinema, televisão, rádio, computador, entre outros) como
“um fenómeno contextualizado em determinada cultura” (FE-
RIN, 2002, p. 27 – grifo da autora), construindo uma realidade.
A comunicação mediatizada acontece através dos media, no
sentido amplo de ser produzida pelas instituições de mediação,
como os “fenómenos de produção e transmissão, as formas e os
conteúdos simbólicos, bem como as configurações individuais
e colectivas desta recepção e respectivos feedbacks culturais e
sociais” (FERIN, 2002, p. 28).
O conceito tridimensional necessita do aporte teó-
rico e metodológico de estudos multidisciplinares das Ciências
da Comunicação, constituídas pela Lingüística, Filosofia, So-
ciologia, Antropologia, Psicologia Social. Tanto o conceito de
comunicação como o de cultura têm como referência as Ciên-
cias Sociais e Humanas, sendo os dois campos interdependen-
tes, hierarquizados, estruturantes. As práticas quotidianas são
identificadas como ‘habitus’ de um ser social, interiorizadas
pela educação. O ensino da comunicação, com suas práticas
pedagógicas, possibilita a interiorização de seu ‘habitus’ e a di-
versificação de formas de cultura.
Segundo Simões (1995), uma definição operacio-
nal para a atividade de Relações Públicas explica sua prática em

48 Tecnologia, pra quê?


quatro etapas: a) diagnóstico – da situação presente, em termos
de filosofia, objetivos e ações de comunicação; b) prognóstico
- visão de futuro, com base no diagnóstico; c) elaboração de
pareceres - aos procedimentos organizacionais, assessorando
e implementando ações para resolver problemas; d) avaliação
de ações – controle dos resultados das ações de comunicação
para retroalimentar o sistema com informações. O termo co-
municação engloba ações estratégicas, dirigidas e integradas,
que são trabalhadas considerando também o entendimento de
Comunicação Organizacional, além dos interesses voltados à
Comunicação Institucional, Corporativa, Pública ou Cívica.
São as trajetórias, os percursos possíveis na rede de relações
que o profissional ‘cultivado’ poderá vislumbrar.
De acordo com Lopes (2003, p. 289), a reflexão
teórica sobre o ‘fazer’ comunicação é destacada com base em
dois eixos: a) a conexão entre teoria, pesquisa e ensino – iden-
tificada com a relação entre graduação e pós-graduação na me-
dida em que a pesquisa acadêmica pode articular os conteúdos
das disciplinas, teorizando as práticas profissionais. b) a cone-
xão entre teoria, pesquisa e produção – que “envolve a rela-
ção entre pesquisa e produção nas escolas de Comunicação
e como ela pode se refletir numa renovação das profissões de
Comunicação” (grifo da autora). O tipo de pesquisa definido
para a formação acadêmica pode dar condições ao estudante
de conceber o processo de produção e projetos que necessitem
da integração dos conteúdos das disciplinas.

Uma estratégia metodológica para análise


das Práticas Acadêmicas:

Os aspectos teóricos abordados anteriormente


possibilitaram o estabelecimento de pressupostos que estão
fundamentados em Bourdieu. O capital cultural e as relações
existentes entre os grupos de pesquisa registrados no CNPq,
em instituições de ensino superior com cursos de graduação e
de pós-graduação, foram os tópicos considerados para a aná-

Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano 49


lise. As relações ocorrem no campo identificado pela área de
Comunicação Social, da qual participam Relações Públicas e
Comunicação Organizacional. E o capital cultural está relacio-
nado ao cultivo do homem que foi obtido mediante formação
em instituições de no ensino superior.
As atividades desenvolvidas nos grupos de pesqui-
sa caracterizam o capital cultural incorporado, objetivado e
institucionalizado. A pesquisa foi realizada no Portal do CNPq,
que contém as descrições anotadas pelos líderes de cada gru-
po, assim como a produção científica da equipe envolvida. A
estratégia metodológica está baseada na técnica de análise de
conteúdo para categorizar as informações referentes às práticas
acadêmicas observadas nos grupos de pesquisa, considerando
os aspectos teóricos já abordados e os aspectos empíricos le-
vantados no portal do CNPq. As categorias estabelecidas para
o estudo são:

- o capital cultural incorporado – quando os sa-


beres forem indicados para fundamentar as práticas do grupo
de pesquisa, propiciando uma apropriação do conhecimento
pelos sujeitos envolvidos, tanto em nível de graduação como de
pós-graduação. Os saberes estão vinculados aos conhecimen-
tos gerais (reflexão sobre a sociedade e a Comunicação) e aos
conhecimentos específicos (reflexão sobre as áreas de Relações
Públicas e de Comunicação Organizacional), sendo identifica-
dos nos registros de cada grupo.

- o capital cultural objetivado – quando a produção


resultante dos saberes cultivados é divulgada como uma prática
do grupo de pesquisa, caracterizada como bens culturais. Há um
vínculo dos bens culturais com a sociedade, conforme interesses
existentes, que podem ser institucionais e acadêmicos, públicos
e privados, sendo identificados nos registros de cada grupo. Há
interfaces com diversas áreas que envolvem domínios especiali-
zados, oriundos dos estudos multidisciplinares das Ciências da
Comunicação e das Ciências Sociais e Humanas.

50 Tecnologia, pra quê?


- o capital cultural institucionalizado – quando a
certificação do grupo de pesquisa na área de Comunicação está
registrada em termos institucionais, envolvendo os cursos em
nível de graduação e de pós-graduação. A institucionalização é
o reconhecimento da competência no espaço comunicacional,
sendo identificada pelos registros de cada grupo. As represen-
tações acadêmicas do líder da equipe garantem a legitimidade
do grupo de pesquisa.

- a rede de relações – quando as relações são durá-


veis e institucionalizadas pois estão vinculadas a um grupo de
pesquisa que envolve cursos de graduação e de pós-graduação.
A rede de relações caracteriza-se como um investimento orien-
tado e necessário para contribuir com a formação acadêmica
em instituições de ensino superior, sendo identificada através
do tipo de articulação que pode ocorrer, como projetos de
pesquisa de Iniciação Científica, orientações de Trabalhos de
Conclusão de Curso e projetos de monografias na Graduação,
projetos conjuntos realizados entre Pós-Graduação e Gradua-
ção, e eventos promovidos pelo Pós-Graduação e Graduação,
envolvendo palestras, debates, oficinas, jornadas científicas
com exposição de pesquisas3.
Quando não há informações suficientes nos regis-
tros dos grupos, é consultado o currículo Lattes do líder4 da
equipe participante da pesquisa. Os tópicos selecionados do
Currículo Lattes para a consulta são:

3
As atividades científicas indicadas foram registradas em um artigo denominado A pesquisa em
Comunicação: o elo entre Graduação e Pós-Graduação, publicado em 2008. As experiências
relatadas no referido texto são formas de estabelecer a integração, valorizando a pesquisa em
Comunicação, tanto em atividades científicas quanto no ensino das profissões midiáticas, inse-
rida na estrutura curricular da Graduação. As ações foram adotadas nos Cursos de Graduação
em Comunicação Social, por docentes de Programas de Pós-Graduação na área, aprimorando o
ensino e a pesquisa.

4
A consulta é feita pelo nome do líder da equipe no Link para Currículo Lattes existente dentro do
Diretório dos Grupos de Pesquisa no Brasil, ou no endereço eletrônico da página do CNPq –
http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/busca.do?metodo=apresentar

Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano 51


Texto Inicial do Currículo

Dados Gerais – Atuação Profissional (atividades);


Áreas de Atuação

Projetos – Concluídos e em Andamento;


Equipe (professores e alunos envolvidos)

Produção Bibliográfica – Artigos em Periódicos;


Capítulos e Livros; Trabalhos em Anais de Eventos

Orientações – Concluídas e em Andamento

Organização de Eventos

Igualmente, as palavras-chave encontradas nos re-


gistros dos grupos de pesquisa serão consideradas como temá-
ticas que indicam o foco de cada estudo envolvendo Relações
Públicas e Comunicação Organizacional. As práticas acadêmi-
cas podem abordar questões de: diagnóstico; prognóstico; ela-
boração de pareceres; avaliação de ações; assim como tópicos
de Comunicação Institucional, Corporativa, Pública ou Cívica,
que são inerentes às reflexões da área.

Grupo de Pesquisa focado em Tecnologia:

O presente artigo se ocupa de um grupo de um


Grupo de Pesquisa que enfoca as questões relacionadas à tec-
nologia. O grupo foi selecionado entre aqueles certificados e
registrados no CNPq, conforme o mapeamento finalizado em
junho de 2011. O corpus do projeto é identificado pelos gru-
pos de pesquisa registrados no CNPq, nas áreas de Relações
Públicas e de Comunicação Organizacional, em instituições
de ensino superior, que possuem cursos de graduação e de
pós-graduação. Portanto, os grupos de pesquisa, as respectivas
instituições de ensino superior e o líder do grupo foram regis-

52 Tecnologia, pra quê?


trados em um mapeamento realizado em 2009 e revisado em
2011, sendo elaborado um banco de dados.
A técnica de pesquisa documental foi utilizada
para coletar as informações em uma base de dados no portal do
CNPq, que possui os registros dos grupos de pesquisa brasilei-
ros. O Diretório dos Grupos de Pesquisa foi adotado para a co-
leta de dados da presente investigação5. A escolha se deve ao fato
do referido Diretório manter uma Base corrente com informa-
ções atualizadas continuamente, pelos segmentos de público en-
volvidos em processos investigativos vinculados principalmente
a instituições de ensino superior no país. Desde 1992, o CNPq
mantém os registros dos grupos de pesquisa em atividade, com
informações sobre as linhas de pesquisa, a sua localização no es-
paço (região, estado e instituição) e no tempo.
Um inventário resultou de informações textuais
(Busca Textual), que recuperaram dados relevantes para a pre-
sente etapa do trabalho, sendo realizado mediante os termos
“Relações Públicas” e “Comunicação Organizacional” no tópi-
co ‘consultar’, além do filtro para a busca na grande área de
Ciências Sociais Aplicadas e na área de Comunicação. Entre as
finalidades do Diretório dos Grupos de Pesquisa, destaca-se o
fato de ser uma fonte de informação na qual constam os censos
ocorridos, possibilitando um aprofundamento de questões.
O levantamento permitiu estabelecer o número de
grupos existentes, para posteriormente identificar as atividades
investigativas desenvolvidas. Cada grupo de pesquisa indica-
do foi considerado uma unidade de análise para o inventário,
apresentando sua denominação, instituição de ensino superior
participante, estado, região, vínculo com linhas de pesquisa,
palavras-chave e objetivos, conforme o cadastramento realiza-
do pelos respectivos líderes dos grupos e certificado pela insti-
tuição a qual pertencem.

As informações foram obtidas no portal do CNPq - http://www.cnpq.br/ - no link - Diretório dos


5

Grupos de Pesquisa.

Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano 53


A busca realizada no portal do CNPq revelou dez
(10) grupos de pesquisa que abordam temáticas referentes à tec-
nologia (tecnologia(s); internet; digital(is); virtual(is); web) indi-
cada em palavras-chave ou em linhas de pesquisa, quando foram
adotados os termos Relações Públicas e Comunicação Organi-
zacional para a consulta. Atualmente, há 40 grupos identificados
e vinculados a instituições de ensino superior. As informações
obtidas possibilitaram a seguinte representação regional:

- com a adoção dos termos Relações Públicas e


Comunicação Organizacional, em uma busca cruzada, há dez
(10) grupos de pesquisa, sendo que todos estão em instituições
de ensino superior com curso de graduação em Relações Pú-
blicas. A distribuição geográfica dos dez grupos de pesquisa é
a seguinte: Norte – 1; Nordeste – 1; Centro-Oeste – 0; Sudeste – 0;
Sul – 8. Entre estes grupos, um se destaca por apresentar em
suas palavras-chave o termo tecnologia:

Grupo de Estudos Avançados em


Comunicação Organizacional – Palavras-chave:
PUCRS Comunicação
organizacional; Estratégias
Vinculado a uma linha de pesquisa comunicacionais; Novas
do Programa de Pós-Graduação em tecnologias; Organizações;
Comunicação Social (stricto sensu)

- com a adoção somente do termo Comunicação


Organizacional, há 22 grupos de pesquisa. Porém, três (3) gru-
pos não estão em instituições de ensino superior com curso
de graduação em Relações Públicas. A distribuição geográfica
dos 22 grupos de pesquisa é a seguinte: Norte – 0; Nordeste – 3;
Centro-Oeste – 3; Sudeste – 9; Sul – 7. Destes 22 grupos de pes-
quisa, seis contêm o termo tecnologia em suas palavras-chave
ou linha de pesquisa:

54 Tecnologia, pra quê?


Palavras-chave:
Comunicação e Cultura;
Filogênese da comunicação
humana; Linguagens da
Cultura; Ontogênese da
Centro Interdisciplinar de Semiótica comunicação humana;
da Cultura e da Mídia - PUC/SP Processos de Codificação
Cultural;
Vinculado a três linhas de pesquisa Palavras-chave: Crise da
do Pós Graduação em Comunicação Visibilidade; Iconofagia;
e Semiótica (stricto sensu), cujas Imagem e representação;
denominações são diferentes daquelas Imagens públicas e imagens
indicadas no Programa. institucionais; Tecno-imagens;
Teorias da imagem;

Palavras-chave: Mídia e
sincronização social; Mídia
e sistemas simbólicos; Mídia
e tecnologia; Mídia primária,
secundária e terciária;

Palavras-chave: Análise
Estudos sobre Comunicação Organizacional; Comunicação
Organizacional: estratégias e Organizacional;
processos – UFPR
Palavras-chave:
Vinculado a três linhas de pesquisa do Comunicação; Informação;
Depto. de Comunicação Social. Novas tecnologias;
O Programa de Pós-Graduação em
Comunicação iniciou recentemente, em Palavras-chave:
2011. Comunicação; Estratégias;
Processos;

Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano 55


Palavras-chave:
comunicação; epistemologia;
tecnologias da informação e
da comunicação;
Gr: Inteligência Organizacional – Palavras-chave: estratégias
UFRGS de comunicação; gestão
da informação; gestão do
Vinculado a quatro linhas de pesquisa conhecimento; tomada de
do Depto. de Comunicação, que decisão;
não pertencem ao Programa de Palavras-chave:
Pós-Graduação em Comunicação e aprendizagem;
Informação. conhecimento; gestão;
informação; organização;
tomada de decisão;
Palavras-chave: memória
organizacional;
Palavras-chave: Campos
sociais; Discurso; Identidade;
Mídia e Processos Sócio-Culturais - Intervenções sociais; Mídia;
UNIFRA Midiatização;
Palavras-chave:
Vinculado a duas linhas de pesquisa do Comportamento do
Curso de Comunicação Social consumidor; Comunicação;
Criatividade; Cultura;
Estratégia; Tecnologia;

Palavras-chave:
Sociedade Mediatizada: Processos,
Cibercultura; Comunicação
Tecnologia e Linguagem - PUC
Digital; Comunicação
Campinas
regional; Sociedade da
Informação; Sociedade
Vinculado a uma linha de pesquisa do
do Conhecimento;
Núcleo de Pesquisa e Extensão, do
Tecnologias de informação e
Centro de Linguagem e Comunicação
comunicação;

Palavras-chave: indústria
Sociedade Midiatizada e Práticas
de mídia, midiatização,
Comunicacionais Contemporâneas –
comunicação;
UFES
Palavras-chave:
comunicação organizacional;
Vinculado a três linhas de pesquisa do
Palavras-chave: internet,
Departamento de Comunicação Social
mídias digitais, TICs;

56 Tecnologia, pra quê?


Também foram considerados os termos “internet”
e “virtual(is)”, que podem ser encontrados no grupo:

Palavras-chave: Ciência; Cultura;


Gr: Comunicação, Cultura, Internet; Produção científica;
Gestão e Sociedade – FTC Palavras-chave: Cultura; política;
Palavras-chave: Difusão e divulgação
Vinculado a seis linhas de de ciência; Educação Ambiental; Meio
pesquisa indicadas como Ambiente;
da Vice-Presidência de Palavras-chave: Comunidades virtuais;
Inovação e Expansão, além Educação e cultura; Internet;
do Mestrado Profissional Palavras-chave: Educação;
em Bioenergia (as referidas Sustentabilidade;
linhas não pertencem ao Palavras-chave: aprendizagem
curso). organizacional; cultura organizacional;
jogo de empresas; jogo de treinamento;

- com a adoção do termo Relações Públicas, foram en-


contrados oito (8) grupos de pesquisa, sendo que somente um (1)
não está em instituição de ensino superior com curso de graduação
em Relações Públicas. A distribuição geográfica dos oito grupos de
pesquisa é a seguinte: Norte – 1; Nordeste – 0; Centro-Oeste – 0;
Sudeste – 3; Sul – 4. Entre os oito grupos de pesquisa, há dois que
possuem o termo tecnologia em suas palavras-chave ou linha de
pesquisa. No entanto, um grupo de pesquisa de uma instituição do
Rio de Janeiro que não é atualizado há mais de 12 meses, sendo as-
sim desconsiderado para o estudo. No caso da UNESP, o termo tec-
nologia é indicado em uma linha de pesquisa a que está vinculado:

Palavras-chave: Eleições;
Imagem; Marca; Marketing;
Opinião Pública; Política;
Palavras-chave: Opinião
Opinião Pública e Comunicação –
Pública; Pesquisa de Opinião;
UNESP
Pesquisa Eleitoral; Relações
Públicas;
Vinculado a três linhas de pesquisa do
Palavras-chave:
Departamento de Comunicação Social
Comunicação; Imagem;
Mídia; Opinião Pública;
Pesquisa de Opinião;
Relações Públicas;

Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano 57


Igualmente foi considerado o termo “web”, que pode
ser encontrado na linha de pesquisa e no título do grupo:

Gr: WebRP – Práticas de Relações Públicas


Palavras-chave:
em suportes midiáticos digitais – UFSM
estratégias de
comunicação;
Vinculado a uma linha de pesquisa do
midiatização;
Departamento de Ciências da Comunicação, que
relações públicas;
não pertence ao Programa de Pós-Graduação
WebRP;
em Comunicação (stricto sensu)

O mapeamento dos grupos de pesquisa do CNPq


revelou que há 40 grupos de pesquisa que podem ser anali-
sados, localizados nas seguintes regiões: Norte – dois (2);
Nordeste – quatro (4); Centro-Oeste – três (3); Sudeste – 12;
Sul – 19. Com o termo tecnologia e abordagens relacionadas
(tecnologia(s); internet; digital(is); virtual(is); web), obser-
vados nas palavras-chave e nas linhas de pesquisa, foram regis-
trados dez grupos sendo cinco da região sul, quatro da região
sudeste e um da região nordeste. Quando a busca textual, com
os termos Relações Públicas e Comunicação Organizacional, é
realizada no Portal do CNPq sem a indicação da área da Co-
municação como filtro, mais grupos de pesquisa são apresen-
tados, pois foram registrados pelos seus líderes em outras áreas
do conhecimento.
Dos dez grupos indicados, apenas um possui o ter-
mo web em sua denominação e por isso foi selecionado para a
análise. O grupo de pesquisa é WebRP – Práticas de Relações
Públicas em suportes midiáticos digitais, da Universidade de
Santa Maria – UFSM. As informações obtidas, de acordo com
o encaminhamento, estão representadas com imagens do por-
tal do CNPq. Após a busca textual no Diretório dos Grupos
de Pesquisa no Brasil, os registros do grupo selecionado foram
observados. As três telas a seguir apresentam os registros refe-
rentes ao ano de 2011.

58 Tecnologia, pra quê?


Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano 59
(continuação)

O grupo de pesquisa foi formado em 2010, com dois


líderes:
- Eugenia Maria Mariano da Rocha Barichello - é professo-
ra associada II e coordena o Programa de Pós-Graduação
em Comunicação, da Universidade Federal de Santa Maria
(UFSM). Bolsista em Produtividade em Pesquisa do Conse-
lho Nacional de Pesquisa (PQ2 - CNPq). Possui Doutorado
em Comunicação, pela Universidade Federal do Rio de Ja-
neiro (UFRJ).

- Daiana Stasiak - é professora assistente do Curso de Re-


lações Públicas, da Universidade Federal de Goiás (UFG).
Doutoranda do Programa de Pós Graduação em Comu-
nicação, da Universidade de Brasília (UNB). Mestre em
Comunicação, pelo Programa de Pós-Graduação em Co-
municação Midiática, da Universidade Federal de Santa
Maria (UFSM), bolsista da Coordenação de Aperfeiçoa-
mento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).

60 Tecnologia, pra quê?


A origem do grupo de pesquisa está em trabalhos
desenvolvidos pelas duas líderes, cabendo à Eugênia Barichello
a orientação da dissertação de mestrado de Daiana Stasiak, in-
titulada “Estratégias comunicacionais e práticas de WebRP: o
processo de legitimação na sociedade midiatizada”, defendida
em 2008, na Universidade Federal de Santa Maria. A parceria
gerou artigos que foram apresentados em eventos da área. Os
currículos Lattes de Barichello e Stasiak foram considerados
para o levantamento das referências.

BARICHELLO, E. M. M. R.; STASIAK, D. As três fases da We-


bRP: análise das estratégias comunicacionais dos portais ins-
titucionais ao longo do advento da internet no Brasil (1995-
2009). In: IIII ABRAPCORP - Congresso Brasileiro de Relações
Públicas e Comunicação Organizacional, 2009. São Paulo. V. 3.
p. 1-15.
BARICHELLO, E. M. M. R.; STASIAK, D. Práticas de Relações
Públicas na Web: as três fases da WebRP. In: 8º LUSOCOM -
Associação Portuguesa de Ciências da Comunicação, 2009. Lis-
boa. V. 8. p. 1-15.
BARICHELLO, E. M. M. R.; STASIAK, D. Internet, Rela-
ções Públicas e estratégias de legitimação institucional. In: II
ABRAPCORP - Congresso Brasileiro Científico de Comunica-
ção Organizacional e Relações Públicas, 2008. Belo Horizonte.
V. 1. p. 1-15.
BARICHELLO, E. M. M. R.; STASIAK, D. WebRP: as estraté-
gias de comunicação de cada tempo. In: XXXI INTERCOM -
Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, 2008. Natal.
V. 31. p. 1-15.
BARICHELLO, E. M. M. R.; STASIAK, D. Estratégias de Rela-
ções Públicas na web: a comunicação no cenário da sociedade
midiatizada. In: IX ALAIC - CONGRESO LATINOAMERICA-
NO DE INVESTIGACIÓN DE LA COMUNICACIÓN, 2008.
México. V. 9. p. 1-15.

Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano 61


O capital cultural incorporado está vinculado aos sabe-
res indicados para fundamentar a reflexão do grupo de pesquisa, que
envolvem conhecimentos gerais e específicos sobre Relações Públi-
cas, abordando tópicos de estudo como comunicação midiática, es-
tratégias de comunicação, comunicação institucional, legitimidade
institucional, midiatização das práticas sociais, campo dos media,
Relações Públicas na internet (WebRP). No aspecto teórico, foram
indicadas noções de legitimação e de visibilidade, de ambiência e de
midiatização da sociedade, assim como de interações sociais.
O capital cultural objetivado está na produção biblio-
gráfica dos líderes do grupo de pesquisa, desde a sua criação, vin-
culada a interesses institucionais – cinco artigos em periódicos; dois
capítulos de livros; trabalhos em anais de eventos (quatro trabalhos
completos e três resumos) – na medida em que divulgam duas
instituições de ensino superior - a UFSM e a UFG, e a interesses
acadêmicos – orientações em andamento sobre questões tecnoló-
gicas – de duas dissertações de mestrado que beneficiam a forma-
ção em Relações Públicas. A produção está baseada em estudos
das Ciências da Comunicação e das Ciências Sociais e Humanas,
havendo diversidade de enfoques no desenvolvimento das investi-
gações pelos integrantes do grupo. Os trabalhos resultantes são:

Artigos completos publicados em periódicos:


MACHADO, J.; BARICHELLO, E. M. M. R.; MULLER, F. O.
Estratégias de Relações Públicas na Ambiência da Internet. Re-
vista Rastros (Joinville). V. 14, p. 1-15, 2011.
BARICHELLO, E. M. M. R.; STASIAK, D. Apontamentos so-
bre a práxis de Relações Públicas na web. Revista Organicom
(USP). V. 10-11, p. 168-173, 2010.
MACHADO, J.; MULLER, F. O.; BARICHELLO, E. M. M. R.
Estratégias contemporâneas de Relações Públicas em mídias
digitais. Revista Anagrama (USP). V. 4, p. 1-17, 2010.
BARICHELLO, E. M. M. R.; LASTA, E. Comunicação organi-
zacional digital: a cauda longa da informação gerada pelo blog
corporativo Fatos & Dados da Petrobrás. Revista Lumina (Juiz
de Fora) (Online). V. 4, p. 1-12, 2010.
BARICHELLO, E. M. M. R.; LASTA, E. Desintermediação na so-
ciedade midiatizada: Petrobrás e suas práticas comunicacionais no
blog corporativo Fatos e Dados. Chasqui. V. 112, p. 1-11, 2010.

62 Tecnologia, pra quê?


Capítulos de livros publicados:
STASIAK, D.; BARICHELLO, E. M. M. R. Estratégias comu-
nicacionais em portais institucionais: apontamentos sobre as
práticas de Relações Públicas na internet brasileira. In: Daiana
Stasiak; Vilso Santi Junior (Org.). Estratégias e Identidades mi-
diáticas: matizes da comunicação contemporânea. 1 ed. Porto
Alegre: EDIPUCRS, 2011. V. 1, p. 15-36.
STASIAK, D. WebRP: Estratégias de Relações Públicas em Por-
tais Organizacionais. In: Marcello Chamusca; Márcia Carvalhal
(Org.). Relações Públicas Digitais. 1 ed. Salvador-BA: Edições
VNI, 2010, p. 20-50.

Trabalhos completos publicados em anais de congressos:


LASTA, E.; BARICHELLO, E. M. M. R. Estratégias de Relações
Públicas em nível discursivo utilizadas pela Petrobrás no blog
corporativo Fatos & Dados. In: XXXIV INTERCOM - Con-
gresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, 2011. Recife.
STASIAK, D. WebRP: uma análise comparativa. In: XXXIV IN-
TERCOM - Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação,
2011. Recife.
LASTA, E.; BARICHELLO, E. M. M. R. Comunicação Organi-
zacional na Mídia Digital: A Cauda Longa de Informação Ge-
rada após o Lançamento do Blog Corporativo Fatos e Dados da
Petrobrás. In: XXXIII INTERCOM - Congresso Brasileiro de
Ciências da Comunicação, 2010. Caxias do Sul.
MACHADO, J.; MULLER, F. O.; BARICHELLO, E. M. M. R.
Estratégias Contemporâneas de Relações Públicas em Mídias
Digitais. In: XXXIII INTERCOM - Congresso Brasileiro de Ci-
ências da Comunicação, 2010. Caxias do Sul.

Resumos publicados em anais de congressos:


MACHADO, J.; BARICHELLO, E. M. M. R. Relações Públicas
na Ambiência da Internet: Estratégias de Comunicação Em-
preendidas pela Petrobrás em seu Portal Institucional. In: V
ABRAPCORP - Congresso Brasileiro Científico de Comunica-
ção Organizacional e Relações Públicas, 2011. São Paulo.
BARICHELLO, E. M. M. R.; STASIAK, D. Presença estratégica:
Relações Públicas em portais institucionais. In: ALCAR - RS. 3º
Encontro do Núcleo Gaúcho de História da Mídia, 2010. Porto
Alegre. PUCRS.

Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano 63


BARICHELLO, E. M. M. R. O processo de legitimação das or-
ganizações na cultura da convergência. In: IV ABRAPCORP
- Congresso Brasileiro Científico de Comunicação Organiza-
cional e Relações Públicas, 2010. Porto Alegre. EDIPUCRS.

Artigos aceitos para publicação:


BARICHELLO, E. M. M. R.; LASTA, E. A práxis de Relações Pú-
blicas na ambiência da web 2.0: uma análise de blogs corporati-
vos a partir de duas perspectivas teóricas. Comunicarte, 2011.

Algumas produções ocorreram com mestrandos


que estão elaborando as seguintes dissertações:

- Elisangela Lasta. Processos comunicacionais nas mídias


digitais: estratégias de visibilidade e legitimidade nos blo-
gs corporativos. Início: 2011. Dissertação (Mestrado em
Comunicação) - Universidade Federal de Santa Maria.

- Jones Machado. Comunicação organizacional no con-


texto de convergência midiática digital: a reconfiguração
das práticas comunicacionais no site institucional da Pe-
trobrás. Início: 2011. Dissertação (Mestrado em Comu-
nicação) - Universidade Federal de Santa Maria.

O capital cultural institucionalizado é demonstra-


do pela certificação institucional do grupo de pesquisa na área
de Comunicação, desde 2010. O reconhecimento no espaço
comunicacional ocorre com as representações acadêmicas dos
líderes da equipe, que participam como:

- Eugenia Barichello - Coordenadora do Programa de


Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Fede-
ral de Santa Maria (UFSM); Bolsista em Produtividade
em Pesquisa do Conselho Nacional de Pesquisa (PQ2 -
CNPq); Consultoria Ad hoc – CAPES; Consultoria Ad
hoc – CNPq; Consultor Ad hoc – FAPERGS; Parece-

64 Tecnologia, pra quê?


rista Ad Hoc de Periódicos como a Revista INTEXTO
da UFRGS; Comunicação, Mídia e Consumo da ESPM;
ANIMUS; Revista Brasileira de Pós-Graduação – RBPG;
Revista Científica da UNOPAR; no processo de Seleção
de Periódicos da Coleção SciELO Brasil; Revista Três
Pontos, da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas
da UFMG. Também foi parecerista para o Guia do Es-
tudante -Melhores Universidades – 2011, além de Vice-
Coordenadora do GT Comunicação em Contextos Or-
ganizacionais da COMPÓS.

- Daiana Stasiak - Coordenadora do Laboratório de


Comunicação Social - Relações Públicas da FACOMB
– UFG. Parecerista do Intercom Júnior e das Divisões
Temáticas DT03 – Intercom.

A rede de relações é durável e institucionalizada


envolvendo os cursos de graduação e de pós-graduação, na
medida em que ocorre uma articulação do grupo de pesquisa
entre duas instituições de ensino superior (Pós-Graduação na
UFSM e Graduação na UFG). O grupo tem como líderes duas
docentes, que estão envolvidas com os cursos de pós-graduação
e de graduação, e uma equipe formada por dois mestrandos da
UFSM, identificados no site do grupo. Finalizando, a questão
norteadora do presente artigo foi respondida, na medida em
que há um capital cultural resultante das práticas acadêmicas
exercidas em um grupo de pesquisa focado em tecnologia, re-
gistrado no CNPq, nas áreas de Relações Públicas e de Comu-
nicação Organizacional.

Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano 65


Referências
BOURDIEU, Pierre. Escritos de Educação. Petrópolis, RJ: Vo-
zes, 1998.

BOURDIEU, Pierre. Lições de Aula. 2.ed. São Paulo: Ática.,


1994.

BOURDIEU, Pierre. Sobre a Televisão. Rio de Janeiro: Zahar,


1997.

BOURDIEU, Pierre; PASSERON, Jean-Claude. A Reprodução:


elementos para uma teoria do sistema de ensino. Petrópolis, RJ:
Vozes, 2008.

FERIN, Isabel. Comunicação e Culturas do Quotidiano. Lisboa:


Quimera, 2002.

LOPES, Maria Immacolata Vassallo. A Pesquisa e o Ensino


nas Escolas de Comunicação. In: PERUZZO, Cicília Maria
Krohling e SILVA, Robson Bastos da (orgs.) Retrato do Ensino
em Comunicação no Brasil. São Paulo: INTERCOM, Taubaté:
UNITAU, 2003.

MOURA, Cláudia Peixoto de. A pesquisa em Comunicação: o


elo entre Graduação e Pós-Graduação. In: MOREIRA, Sonia
Virgínia e VIEIRA, João Pedro Dias (orgs.) Comunicação: ensi-
no e pesquisa. Rio de Janeiro: UERJ, 2008, p. 95-123.

MOURA, Cláudia Peixoto de. O profissional cultivado para os


campos de relações públicas e comunicação organizacional. In:
Organicom - Revista Brasileira de Comunicação Organizacio-
nal e Relações Públicas. São Paulo: ECA/USP, v.10/11, p.95-101,
2009.

66 Tecnologia, pra quê?


SIMÕES, Roberto Porto. Relações Públicas: função política. 3.
ed.rev. e ampl. São Paulo: Summus, 1995. (Novas buscas em
comunicação; v. 46)

Site: http://www.cnpq.br/

Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano 67


Problematizando redes
sociais e democracia

César Steffen
UNISC – RS

Introdução

Brasília, capital federal do Brasil, une no entorno


de uma praça, os poderes executivo, legislativo e judiciário, e
segue no chamado eixo monumental, com a esplanada dos mi-
nistérios, onde se concentram e operam a maioria dos órgãos e
funções de execução e controle do poder federativo no Brasil.
Ao final do eixo monumental, em posição frontal
e com visão privilegiada para o Congresso Nacional e a Praça
dos Três Poderes (figura 1), encontra-se a Torre de TV de Bra-
sília, ponto turístico que, do alto de seus 224 metros, lembra
que há alguém sempre observando o que acontece no centro
do poder.

Figura 1 – vista do mirante da Antena de TV – Bra-


sília – DF. Fonte: arquivo pessoal.

Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano 69


Esta alegoria que aqui apresentamos provoca e
apresenta uma relação que se mostra a cada dia nos meios de
comunicação do país – e de todas as democracias modernas:
a crescente e central importância dos meios de comunicação
como agentes democráticos. Basta lembrar o já cinquentená-
rio episódio da campanha da legalidade, promovida pelo então
governador do estado do Rio Grane do Sul Leonel Brizola, que
pelo microfone da Rádio Guaíba de Porto Alegre comandou
a Campanha da Legalidade, conseguindo garantir a posse de
Jango na presidência da República, e da forte censura aos meios
que seguiu ao golpe militar de 1964, que temos uma pequena,
mas ilustrativa, amostra da importância e do papel do sistema
de mídia na democracia.
O sistema de mídia se mostra, se coloca e opera
ações fundamentais para a manutenção e sustentação da de-
mocracia. Ao tornar público atos e ações, os mostrar ou não fa-
tos e versões, ao ofertar a população informações e conteúdos,
publiciza o que acontece, pauta os temas e ações e é agente de
formação da opinião pública.
Mas as relações do sistema de mídia com as esferas
de poder oscila, muda, se restaura, opera e constrói, mas está
longe de poder se considerada uma relação tranquila. Se, nos
anos de governos militares que seguiram ao golpe de 1964 no
Brasil - bem como nos regimes não democráticos nos vários
recantos do mundo - a censura aos meios foi a tônica, com a
abertura política e a redemocratização, a mídia e seus agentes
se viram livres do medo e do cerceamento da liberdade, exer-
cendo seu papel de informar livremente sobre o que acontece
na sociedade, assumindo mais e mais – se não primordialmen-
te – o papel de negociadora e mediadora dos processos sociais
nas democracias modernas.
Ora, ao atingir uma ampla cobertura geográfica, os
espaços da mídia, especialmente os eletrônicos, instalam um
processo de integração entre atores e campos sociais distantes,
levando, expondo e até mesmo negociando demandas. A socie-
dade passa a dividir uma relação temporalmente homogenei-

70 Tecnologia, pra quê?


zada pelos conteúdos, processos e agendamentos midiáticos,
mas fragmentada na medida em que não conta com unidade
de espaço ou local, como comenta Virilio (1989: s.p.):

“(...) a imagem televisiva do jornal das oito está se trans-


formando num espaço público. (Antes), o espaço público
era a praça, era a esquina onde os homens se encontra-
vam para dialogar, para se manifestar publicamente, para
lutar ou para festejar. Hoje em dia, é visível que o cru-
zamento, o espaço em que os homens se encontram é o
jornal das oito. (...). Hoje em dia, é a imagem que se torna
pública. No caso da televisão, há unidade de tempo, no
jornal das oito, mas não há unidade de lugar. Estamos,
pois, juntos diante de uma imagem pública, que substitui
a praça pública, mas separados, cada qual em sua casa.”

A mídia e seus diversos canais, então, se colocam e


se mostram como espaço de identificação, aglutinamento e cir-
culação dos processos sociais, operando uma mediação entre
atores, agentes e setores deslocados, física ou geograficamen-
te afastados, mas que dividem algum interesse ou elemento
de identidade comum. Esta mediação midiatizada resignifi-
ca e tensiona todos os processos dos diversos campos sociais
(BOURDIEU, 2000), que passa a depender das redes e lingua-
gens midiáticas como interface para ser reconhecido e efetuar
suas operações junto à sociedade.
E não estamos, claro, nos referindo a um processo
novo. Longe disso. As pesquisas sobre os processos e fenôme-
nos da comunicação e seus efeitos junto à sociedade remon-
tam a Gabriel Tarde, que pela primeira vez observou os jornais,
criando o conceito de opinião pública (ALMEIDA, 2002). Po-
deríamos citar várias correntes estudos e paradigmas com essa
visão, que iriam dos mais integrados aos mais pessimistas, dos
mais teóricos aos empíricos, mas cremos estar fora do foco, do
centro deste trabalho. Mas observamos que todas concordam
que as comunicações são elementos fundantes das sociedades

Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano 71


contemporâneas, desempenhando diferentes funções e proces-
sos junto ao tecido social e trazendo novos processos e fenô-
menos a cada dia.
Por mais que os pesquisadores divirjam em vários
pontos, coincidem na medida quem que notam – e de certa
forma comprovam – que a comunicação midiática trás fortes e
perceptíveis impactos nas sociedades, influindo na forma como
as pessoas percebem fatos e fenômenos e mesmo mudando os
rumos e lógicas dos fenômenos que a antecedem. Os diferentes e
diferenciados atores e campos sociais passam, através da mídia,
a desenvolver relações com os meios de comunicação na busca
de obter visibilidade e negociar suas demandas no tecido social,
num fenômeno que muitos autores chamam de midiatização.
Os meios de comunicação operam e articulam tecno-
logias de transmissão e modalidades de produção e de recepção de
mensagens, operando linguagens e técnicas que servem de supor-
te à exposição, circulação e negociação das demandas e processos
dos vários campos. É função, processo e mesmo razão de ser do
campo midiático operar e tornar visíveis os fazeres e demandas
dos demais campos, publicizando-os em larga escala e, assim, mo-
bilizando e posicionando os demais campos frente a estes.
Para Esteves (1998) as interações e circulações de
discursos fazem e geram a competência do campo dos mídias. O
autor afirma que as trocas discursivas que se realizam em torno
de questões de interesse comum formam um compromisso entre
os integrantes de um campo e mesmo entre os campos envolvi-
dos nesta mediação. Assim, através da comunicação e da circu-
lação de discursos formam-se os processos de negociação. Ora,
se é função e natureza operativa do campo midiático circular
discursos dos diversos campos há de se considerar que forma-se
assim sua competência como instância de mediação social.
Claro que os campos e instituições mantêm rela-
ções diretas e autônomas entre si, negociando suas demandas
e resolvendo seus conflitos. Entretanto, nas sociedades mo-
dernas e contemporâneas, com o crescimento populacional, a
concentração urbana e a assincronia das dinâmicas individuais,

72 Tecnologia, pra quê?


e devido a sua natureza simbólica e consequente atividade de
circular os processos, demandas e fazeres dos campos na esfera
pública, o campo midiático ascende como instância maior - e
até mesmo central - do processo de mediação, interação e visi-
bilidade dos diversos campos.
Assim, a mídia e seus canais torna-se importante
elemento de organização da esfera pública, exercendo um papel
de forte influência ou mesmo de preponderância nos processos
políticos. A mídia deve ser encarada como sujeito, como elemen-
to que dá a ação e faz a ação, que expõe e faz exposto, que media
e se faz mediador e opera a visibilidade do processo dos campos
nas sociedades contemporâneas. Os campos assim se acoplam
ao campo midiático, ou seja, se unem por um fazer, uma estra-
tégia ou um elemento comum aos seus interesses (LUHMANN,
2000:93) para se fazer visíveis na esfera pública e cumprirem
suas agendas e intenções junto aos demais campos.
Esta ascendência do campo midiático como ele-
mento integrador e mesmo estruturador das relações dos
campos sociais faz emergir o fenômeno da midiatização da
sociedade, ou seja, da colocação da mídia, seus canais, suas
linguagens e estratégias como operadora das instâncias e pro-
cessos de mediação, interação e visibilidade dos diversos cam-
pos. A midiatização não trata de uma mediação ou negociação
pura, ou mesmo de um processo meramente instrumental e
técnico, mas sim de um processo de troca e convergência, um
acoplamento (LUHMANN, 2000:93) entre os diversos campos
e o campo midiático a partir de interesses comuns.
Com isso, falar em midiatização das relações e pro-
cessos dos campos sociais é referir a um processo de interação e
negociação que se dá pelas relações com e através da mídia, é se
referir a uma mediação midiatizada entre atores e instituições
sociais que se dá pela predominância das técnicas e linguagens
do campo midiático na esfera pública. Eventos são produzidos
para se atingir e ocupar espaço na mídia; reuniões públicas são
dirigidas, direcionadas para gerar boas imagens para a mídia;
agendas são definidas em função da agenda da mídia, e todos

Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano 73


os canais e tecnologias são usados e absorvidos na busca de
conquistar e reter a atenção da população. E no apagar das lu-
zes do século passado, um novo meio de comunicação vem se
somar a este processo: a Internet.

A rede no contexto das midiatizações

Sabe-se que o desenvolvimento da Internet nasceu


da necessidade de um sistema de comunicação militar durante o
período da guerra fria, levando a uma tecnologia que permitisse
as mensagens circular por caminhos diferenciados, chamados
“nós”, sendo então os pedaços remontados no ponto de destino,
processo que só cessaria com a destruição total da rede.
A Internet desenvolveu-se sobre uma tecnologia
então restrita, os computadores, grandes máquinas que ocupa-
vam salas especiais e realizavam as mais complexas operações
de cálculo e armazenamento de dados. Nesta época tais máqui-
nas eram manipuladas apenas por especialistas em seus pro-
cessos e procedimentos nas poucas instituições que possuíam a
capacidade financeira, técnica e de pessoal para mantê-las.
A tecnologia evolui e estas máquinas ficaram gra-
dativamente menores, mais baratas e de uso mais intuitivo, per-
mitindo a manipulação por não especialistas, onde o “Machin-
tosh”, lançado na primeira metade da década de 80, é o grande
emblema, pois permitia a manipulação da máquina através de
interfaces gráficas e ícones interativos. (FRAGOSO, 2002:s p.).
Este sistema e outros, como o Microsoft Windows, evoluem
adicionando recursos de som e imagem em movimento, apro-
ximando o computador da experiência midiática-sensorial de
meios como o rádio, a televisão e o cinema proporcionam. As-
sim o computador torna-se uma peça atraente aos olhos dos
cidadãos em geral, inserindo-se nos lares e acelerando a evolu-
ção da tecnologia para contemplar os usos e necessidades des-
tes novos usuários.
A chegada da Internet em si não chega a ser um
elemento de interesse imediato para a indústria de computa-

74 Tecnologia, pra quê?


dores e softwares nem mesmo para os usuários. Desenvolvida
dentro dos laboratórios de pesquisa e dos centros acadêmicos,
essa tecnologia evoluiu conforme as demandas, exigências e
desejos dos usuários do sistema, mas segue restrita.
Com o surgimento das interfaces gráficas e da
“WWW”, criada por Tim Berners-Lee na primeira metade
da década de 1990, a rede torna-se comercialmente atraente
e ganha espaço na mídia. Neste momento, da mesma maneira
que os sistemas gráficos dos computadores, a “WWW” e o seu
protocolo de suporte, “http”, torna a Internet uma experiência
acessível aos usuários domésticos. Basta digitar um endereço,
apontar o “mouse” e clicar numa figura ou “link” para que os
processos de contato e navegação desejados se produzam, per-
mitindo acesso a conteúdos, imagens, gráficos e animações que
tornam a rede um “produto” atraente.
Neste ponto é importante citar Jacques Perriault
(1991), que levanta a hipótese de que as pessoas que utilizam
as “máquinas de comunicação” fazem-no por e a partir de uma
estratégia própria. Focando-se no conjunto de práticas de co-
municação que condicionam os usos e valores dos meios, o au-
tor busca entender o modo pelo qual se fazem as apropriações
dos objetos técnicos como elementos comunicacionais.
Para o autor as máquinas de comunicar - que aqui
entendemos como os meios, as mídias e suas técnicas, apesar
de o autor tratar das máquinas num sentido muito mais amplo
- têm marcado seus usos por um desejo ou necessidade de si-
mulação do real por parte do ser humano, pela necessidade de
recordação e projeção das suas subjetividades intrínsecas para
outro(s) ser(es) humano(s).
Estas máquinas adquirem sentido e valor a partir
destes usos sociais. Assim, Perriault afirma que a apropriação
das máquinas tem duas dimensões, sendo estas a técnica, a ca-
pacidade de manipular o objeto, e a simbólica, a subjetividade
que se projeta sobre esta máquina, de onde percebemos que se
fazem os processos e desvios que geram novos usos ou recur-
sos às máquinas.

Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano 75


Podemos dizer então que uma tecnologia só irá se
desenvolver como meio de comunicação se a ela for dado valor
e sentido pelos usuários. Assim, a própria utilização de uma
determinada tecnologia já indicia um processo de envolvimen-
to que vai do contato inicial ao treinamento completo no uso e
manipulação desta tecnologia.
Já Winkin (1998) fala numa orquestração, numa
rede de relações e apropriações que se forma em torno dos
meios de comunicação. Para o autor, pensar a comunicação
midiática é olhá-la sob a ótica dos contextos e das relações que
se formam pelas apropriações das técnicas e pelas várias e dife-
renciadas estratégias de uso e manipulação dos meios. Isso re-
força a pista de que a técnica, a tecnologia é elemento fundador
dos processos de persuasão no meio digital.
Porém, a caracterização dos meios não pode deixar
de levar em conta as lógicas e protocolos de uso e os elementos
de linguagem que surgem ou são criados para este meio, mar-
cando as suas especificidades, benefícios e limitações. Lembre-
mos de Gomes (2001:s.p.):, que nos coloca que:

“a) qualquer sujeito pode tornar-se emissor; b) qualquer


receptor possa tornar-se emissor e vice-versa; c) qualquer
receptor possa transformar-se em provedor de informação,
produzindo informação e distribuindo-a pela rede, ou sim-
plesmente repassando informações produzidas por outros”.

Ou seja, ao contrário dos meios anteriores, basica-


mente difusionistas, na Internet o receptor passa a ter um papel
mais ativo e ganha maior liberdade de manifestação, tornado-
se um – potencial – emissor de informações, podendo se mani-
festar e trocar com pessoas de todas as partes com que partilhe
de valores e ideias em comum. E este potencial é percebido
pelos agentes e atores do campo político.

76 Tecnologia, pra quê?


A rede e a política

Já no ano de 1997 os candidatos Brasileiros usar a


rede como elemento estratégico, frontal de suas campanhas em
busca do voto. (STEFFEN, 2004, 2010, 2011). A campanha de
Barack Obama no EUA em 2008 talvez seja, até o presente mo-
mento, o maior e mais amplo exemplo, pois o então candidato
obteve mais de cinco milhes de seguidores no Twitter, mais de
doze milhões de membros em sua comunidade no Facebook,
dezoito milhões de acesso aos vídeos no YouTube e captou mais
de seiscentos milhões de dólares (US$600 milhões).
Em termos de Brasil, se observamos o uso do Twit-
ter e das redes sociais pelos candidatos nas eleições presidenciais
1

de 2010 brasileiras vemos que os meios digitais de circulação e


interação estão se fazendo cada vez mais presente e são elemen-
tos estratégicos nas campanhas2, buscando a atenção, o apoio e,
logicamente, o voto dos eleitores. Entretanto, o maior número
e potencial de usuários a serem atingidos através dos meios di-
gitais, os jovens, especialmente as redes sociais, mostram uma
descrença, como aponta a pesquisa “O Sonho Brasileiro3”:

“Jovens-ponte se sentem cada vez menos representados


pelo sistema político institucional, que acreditam ter
se afastado da sua função original de olhar para o bem
comum de todos. Por isso, redefinem o que entendem
por política, assim como as suas possíveis formas de
participação.” (http://osonhobrasileiro.com.br/indexi2.
php?id=314)

1
Sobre esse assunto ver o artigo “Política a 140”, apresentado no DT de Publicidade e Propaganda
no XXIV Congresso Nacional da Intercom em Recife, 2011.
2
Um exemplo pode ser observado no estudo “O advergame na campanha de Marina Silva, apre-
sentado por Douglas Studzsnki no DT de Publicidade e Propaganda no XXIV Congresso Nacio-
nal da Intercom em Recife, 2011.

http://osonhobrasileiro.com.br/indexi2.php?id=314
3

Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano 77


Conforme esta mesma pesquisa, dos jovens entre-
vistados, 59% demonstraram não ter preferência por nenhum
partido político, sendo que 83% acreditam que o poder con-
centrado nas mãos de poucos é o grande problema brasileiro;
71% concordam que usar a Internet é uma maneira válida de
mobilizar as pessoas. Já 44% ou seja, quase a metade da amos-
tra concorda plenamente no uso da Internet (figura 2) como
promotora da política e das eleições.

Figura 2 – tela da pesquisa “O sonho


Brasileiro”, capturada em 07/2011.

Vivemos a era das redes sociais na Internet. Orkut,


Facebook, LinkedIn e, mais recentemente, Google+, onde as
pessoas conectadas estabelecem relações, trocam experiências,
e condenam recursos como e-mail ao desuso e formatos como
website à crise e ao quase ostracismo, e estudos mostram que
estas redes se comportam, muitas vezes, como uma barreira a
navegação e informação dos usuários da rede, que investem
mais tempo em contatos com seus círculo(s) social(ais) do que
buscando informações fora, limitando assim a quantidade de
temas e o aprofundamento do conhecimento sobre assuntos
em pauta.

78 Tecnologia, pra quê?


Devemos lembrar que os espaços de interação na
Internet se manifestam em pontos de comunicação, troca e vi-
sibilidade que se formam sob uma camada de tecnologia onde
as funções, tarefas e processos de cada pessoa conectada são
construídos conforme suas estratégias, desejos e necessidades
e as expectativas do outro que acessa e interage com o espaço,
porém sem necessariamente desvincular com os papéis exerci-
dos e manifestos fora da rede.
O espaço de interação e troca na Internet ajusta-se,
é formado, assim, pelas culturas e objetivos que nele adentram,
formando seus caminhos, sua topografia. Torna-se assim mais
um elemento para formação de imagem, circulação, negocia-
ção e visibilidade dos processos de funcionamento, interação e
negociação dos campos em sua relação com os demais atores
e campos caracterizando-se, então, como mais uma instância
dos processos de midiatização das relações sociais.

“In the grand narrative of modernity, the Internet is an


efficient tool of communication, advancing the goals of
its users who are understood as preconstituted instru-
mental identities.4” (POSTER, 2003:s.p.)

Disto até agora posto temos um novo espaço de troca e


competição entre os diversos e diferenciados campos sociais, onde
suas identidades, valores e estratégias serão os elementos de demar-
cação e construção dos processos de interação e visibilidade.
Argumenta-se que a conexão aos sistemas da In-
ternet, o potencial para a livre emissão e recepção, somados à
facilidade de acesso à maior variedade de fontes de informa-
ção, poderiam aprofundar o conhecimento dos fatos e fatores,
qualificando as opiniões, a formação política dos cidadãos e a
relação destes com as estruturas de regulação e poder da so-
ciedade. Celso Cândido (1999) menciona a possibilidade da

4
Na grande narrativa da modernidade a Internet é uma eficiente ferramenta da comunicação,
avançando nos ou os objetivos dos usuários, entendidos como identidades pré-existentes

Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano 79


criação de uma “Ágora Virtual”, semelhante às Ágoras Gregas,
onde através dos sistemas digitais os cidadãos poderiam se reu-
nir para resolver debater e decidir as demandas sociais.

“Em sociedades de massas, obviamente, uma cidade ou


Estado não pode reunir todos os seus três, quatro ou dez
milhões de cidadãos em praça pública para ouvirem os
oradores e, então, deliberarem revelando os seus votos.
Isto é, claro, materialmente impossível. No entanto, pa-
rece não menos evidente que os meios de comunicação
digitais multimídia interativos, os computadores, pode-
riam simplesmente ocupar (e com infinitas vantagens
“cibernéticas”) desterritorializadamente o lugar do Ágora
antiga. (...). Quer dizer, poderíamos ter, a qualquer mo-
mento em que houvesse necessidade uma verdadeira as-
sembleia geral virtual, desterritorializada, na qual a par-
ticipação de todos os cidadãos, por estes meios, estaria
assegurada. Os cidadãos poderiam, trocar intensamente
suas opiniões através destes meios de comunicação, os
computadores, ligados em rede; poderiam se articular,
negociar posições, refletir. A antiga praça pública grega
se transformaria, se desterritorilizaria e penetraria na
casa de cada pessoa. (CANDIDO, 1999:s.p.)”

Lévy (1999), comentando o potencial democrático


da Internet, fala em “e-democracia”, que trataria da organiza-
ção, do debate e resolução das questões macro-sociais a partir
e pelos próprios cidadãos. Outros autores, como Clift (2002) e
Grönlund (2001) também citam a “e-democracia” como uma
democracia promovida e patrocinada pelo espaço digital com
um novo elemento de integração e participação política, mas
advertem para que os conceitos e esforços não se foquem ex-
cessivamente no “e”, na construção e promoção da Internet, e
relevem ou coloquem em segundo plano a democracia.
Para Clift, a “e-democracia” trata de um processo
participativo cujo desafio reside justamente na participação, ou

80 Tecnologia, pra quê?


seja, na construção de uma relação mais direta e recíproca entre
instâncias de poder da sociedade e os cidadãos através da cone-
xão, integração, interação e participação em debates e delibera-
ções sobre as questões em pauta através do espaço digital. Em
sua argumentação, o autor (CLIFT, 2002:s.p.) cita que a e-demo-
cracia envolve ou envolveria os cidadãos como indivíduos, que
poderiam se conectar e se associar criando novas instâncias e
processos de participação política, ressaltando a importância da
convergência entre Internet e as instituições da sociedade física,
“real”, como elementos mobilizadores desta participação.
Logo, se falamos em “e-democracia” nos referimos
a um processo de troca, mediação e interação onde, a partir do
contato através dos espaços de interação os diversos processos,
elementos e fenômenos da democracia ganham novas caracte-
rísticas, velocidade e roupagem. Assim vemos a “e-democracia”
inserida enquanto um elemento e processo das democracias mo-
dernas, de um processo maior, geral, que trata, conduz e mesmo
regula os processos das sociedades modernas. Por isso, citar um
processo como elemento vindo ou advindo de uma camada da
população em nossa visão é ignorar a complexidade dos fatores
de formação e tensão que se fazem presentes a conformam as de-
mocracias modernas, além de supervalorizar a capacidade mo-
bilizadora desta população frente às questões e debates sociais.
Cabe referir também, como nos diz Maia (2002),
que a tecnologia não determina a interação nem garante a
crítica ou a reflexão, ou seja, a simples promoção de espaços
tecnológicos de interação não garante a necessária negociação
entre os atores ou a reflexão por parte dos receptores. A autora
(MAIA, 2002:56) cita uma série de estudos empíricos que de-
monstram que as pessoas conectadas através do espaço digital
expressam as próprias opiniões, buscam e disponibilizam in-
formação sem que se vincule a um debate propriamente dito.
Assim temos que a participação nos espaços de interação se dá
e se faz mais na ordem da inserção e disponibilização de visões
e opiniões do que na configuração de uma troca e deliberação,
características e constituintes de um debate democrático.

Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano 81


Tomando esta posição como eixo argumentativo
podemos considerar que, se não há debate ou negociação, mas
sim difusão e busca de visibilidade, onde cada um insere seus
processos e visões sobre um tema em pauta sem trocar com os
demais, há na verdade uma busca de influência sobre o proces-
so que parte de uma individualidade que se projeta sobre um
todo, podendo gerar maiores ou menos efeitos.
Assim, devemos levar em conta que, como já foi
dito, os espaços de interação se insere na sociedade e reflete os
seus processos culturais. Neste aspecto referimos o exemplo da
cidade de Bolonha, citado por Rousiley Maia (2002:53), onde
foi implantado um sistema que garantia a universalidade de
acesso a Internet e a espaços de interação e troca, mas estes se
mostraram mais utilizados para assuntos gerais, como espor-
tes, televisão, novelas, etc., do que para questões políticas.
Analisando o mesmo caso Guidi (2002), adotando
uma perspectiva aparentemente mais quantitativa, considera a
experiência de Bolonha como positiva pela constituição de um
espaço e de ofertas de tecnologia – salas com computadores
conectados, liberdade de uso e acesso, treinamento, etc. - que
facilitaram o acesso às mais variadas camadas da população o
que, somado ao retorno obtido através do cadastramento e pro-
cura tornaria a experiência de Bolonha positiva. A pesquisado-
ra adverte para os perigos de iniciativas como estas gerarem
novas estratificações sociais, mostrando uma visão bastante di-
ferenciada da de Maia que, focada nos usos e apropriações do
espaço por parte dos usuários, avalia a experiência de Bolonha
como exemplo e emblema de um fazer político desgastado e
cada vez mais afastado dos cidadãos.
Interessante observar neste caso a forte vinculação
que o uso e a manipulação dos espaços de interação possui,
como já afirmamos, com as individualidades, subjetividades, an-
seios e expectativas daqueles que dele se utilizam, sendo estas os
condutores, balizadores e formatadores do processo de conexão
e interação. Assim, a “e-democracia” trata do estabelecimento
de novas formas de relação entre cidadãos, instâncias políticas e

82 Tecnologia, pra quê?


mesmo o poder público através dos recursos da tecnologia digital
e interativa, apresentando-se como um novo elemento de tensão
e reordenamento das democracias contemporâneas. O desafio
da e-democracia, segundo Clift (2002:s.p.), reside em mobilizar
os cidadãos para participar, e que não deve excluir ou estratificar
seus cidadãos – posição com a qual temos total concordância.
Estes, somando seu potencial de integração, ex-
posição, debate, visibilização e, principalmente, mobilização,
tornam-se elementos de promoção da democracia e integração
dos cidadãos aos processos políticos, onde os espaços digitais
de interação trazem como novidade a maior possibilidade de
interação e aproximação entre cidadãos, atores e campos e um
suporte atemporal de conteúdos, discursos e processos.
Entretanto, devemos recordar que a Internet não é
uma mídia isolada, mas que existe, ganha sentido a partir dos
usos sociais que dela é feito. Logo, os processos dos usuários na
Internet, tensionados e influenciados pelos diversos processos e
instâncias sociais, irão se projetar e se fazer presentes neste espa-
ço, refletindo a cultura e os fazeres destes usuários e campos.
Compreender, assim, o impacto político da rede é
compreender a complexidade dos processos, fenômenos e intera-
ções que esta promove e insere no espaço público, sendo o espaço
digital um elemento de visibilidade e manipulação de seus proces-
sos, discursos, fazeres e estratégias frente aos demais campos.

Redes sociais e democracia

Retomando, então, brevemente a questão da “e-de-


mocracia” antes discutida, vemos que não se trata de uma nova
forma de organização social via Internet, mas sim de processos
políticos e sociais de interação que se fazem dentro e a partir de
uma cultura ou sociedade e, que se projeta na Internet por este
ser um elemento de contato, de aumento de velocidade, que-
bra de fronteiras e marcas temporais e ampliação de relações
físicas, acelerando e radicalizando as possibilidades de contato
entre os diversos integrantes da sociedade.

Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano 83


Neste aspecto vemos que a Internet promove a for-
mação das mais variadas relações e processos. As comunidades
virtuais nasceram com a própria Internet, e já no final do século
passado Howard Rheingold (1999) identificou e analisou este fe-
nômeno de interconexão entre pessoas e grupos com interesses
semelhantes, numa prática de comunicação que Lévy (1999) de-
fine como interativa, recíproca, comunitária e intercomunitária.
Para Rheingold5 as comunidades virtuais são agregações de in-
divíduos que surgem na Internet quando estes se dedicam a dis-
cutir, debater e trocar experiências por um tempo relativamente
longo, formando e estabelecendo relações diretas e recíprocas.
O termo comunidade virtual pode sugerir agrega-
ções que surgem ou se formam somente na Internet, mas aplica-
se também a relações físicas ou locais que têm neste um novo
elemento de contato e aproximação, expandindo assim o próprio
conceito de comunidade. Os contatos através destes espaços irão
- ou poderão - se refletir na identidade do integrante, explorando
e dando nova forma e sentido aos processos e práticas sociais do
mesmo, explorando e ofertando novas estratégias de associação
e formação de opinião. Segundo Stockinger (2001:113):

“ambientes virtuais de informação, quando conectados


com sistemas sociais, influem nestes no sentido de refor-
çar e aumentar instabilidades em comportamento e pen-
samentos, que estão permanentemente sujeitos a serem
selecionados de maneira auto-organizada.”

Estas relações vão das mais simples às mais com-


plexas. De um usuário doméstico conectado numa sala de chat,
que aproveita o anonimato da tela para criar um personagem
e brincar com os outros usuários a um alto executivo de uma
multinacional, que gerencia uma reunião por tele presença
com executivos nos mais variados lugares do mundo, passan-

5
Ressaltamos que os estudos de Rheingold ocorrem na primeira metade da década de 90, num
período em que os players de mídia começavam a entrar na rede.

84 Tecnologia, pra quê?


do por um grupo de discussão e troca de informações sobre
botânica no ORKUT ou Facebook ou comunidades de troca
profissional, como LinkedIn e BranchOut6, os espaços de tro-
ca na Internet apresentam-se como uma nova possibilidade de
troca e interação entre os vários atores de uma sociedade.
Assim, vemos formação de uma comunidade virtual
ou de associação em redes sociais irá se construir a partir das iden-
tidades, processos e subjetividades daqueles que nela se conectam e
dela participam ou para ela contribuem. Ou seja, são os interesses
convergentes e as concordâncias de identidades que irão facilitar e
promover a criação e manutenção de uma comunidade virtual.
Entretanto, é importante lembrar que várias pes-
quisas (ver MAIA, 2002) indicam que as pessoas que se fazem
presentes e utilizam a Internet como forma de intervenção e
atuação política ou mesmo social apenas expressam as próprias
opiniões ou buscam elementos, espaços e enunciados que re-
forcem e validem estas. Isto não só reforça a forte vinculação do
meio com a identidade dos usuários e com os processos sociais
em que se insere, mas também permite supor que a formação
de comunidades virtuais de cunho político se dará ao redor ou
através de elementos de tensão e formação de identidade polí-
tica que se projetarão sobre o espaço digital.
Fazendo um breve contraponto, é interessante mencio-
nar estudo realizado pelo antropólogo Julian Orr, (AGRE, 1999), em
que observou que os empregados de uma empresa de manutenção
de copiadoras desenvolviam suas capacidades técnicas menos nos
treinamentos e muito mais nos horários após expediente quando,
reunidos com os colegas, bebiam e trocavam “histórias de guerra”.
Neste ambiente foi introduzida, para uso dos técnicos, uma central
de telefonia móvel totalmente livre e sem controle, de forma que os
técnicos pudessem falar entre si a qualquer momento.
Por outro lado, Agre (idem) cita o caso de uma
empresa de contabilidade global em que foi feito um enorme
investimento em tecnologia informática, colocando compu-
6
LinkedIn é uma rede social com foco em trocas e associações profissionais. BranchOut é um
recurso do que oferta recurso de troca e associação assemelhados ao LinkedIn, porém exclusivo
para usuários cadastrados no Facebook.

Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano 85


tadores, servidores, softwares e tudo o necessário para que os
funcionários pudessem trocar informações instantaneamente.
Entretanto tal sistema não era utilizado devido a forte concor-
rência entre estes, onde qualquer pequena informação era uti-
lizada para superar a pessoa ao lado e subir de posto.
A conclusão do pesquisador é que a tecnologia não
é substituta de uma boa relação física, no mundo real, mas sim
um meio complementar de troca entre as pessoas de uma rede ou
grupo já bem organizado e estruturado, onde notamos o que Per-
riault (2000) chama de lógicas dos usos, ou seja, as apropriações e
manipulações que se fazem dentro das estratégias específicas, em-
basadas e construídas por fenômenos e processos culturais.
Leda Guidi (2002:166) critica o uso político da In-
ternet por notar que a maioria das experiências com que teve
contato baseava-se num modelo de difusão, onde os atores
adentram o espaço digital inserindo e disponibilizando infor-
mação para muitos usuários acessarem e interagirem – ler, ver
ou ouvir, e nossas pesquisas (ver STEFFEN 2004, 2010, 2011).
Ora, a pesquisa “o sonho brasileiro”, já citada, deixa
claro que a relações dos atores do campo político com a socie-
dade, especialmente os jovens, está desgastada, saturada. Mas
estes veem no meio digital e nas redes sociais que este promove
e sustenta uma possibilidade de, através da associação e cons-
trução, com seus semelhantes, de novas realidades.

Para fins de conclusão

“The question that needs to be asked about the relation


of the Internet to democracy is this: are there new kinds
of relations occuring within it which suggest new forms
of power configurations between communicating indi-
viduals? In other words, is there a new politics on the
Internet?7” (POSTER, 2003: s.p.)

7A questão que precisa ser respondida sobre a relação da Internet com a democracia é: há novas
formas de relação ocorrendo que sugiram novas formas de configuração de poder entre os indiví-
duos que se comunicam? Em outras palavras, há novas formas de política na Internet?

86 Tecnologia, pra quê?


Mas, claro, como já referimos, a Internet não é um
sistema fechado ou uma mídia isolada, pelo contrário, existe,
opera e gera impactos num complexo sistema social onde a
política é um dos elementos em foco e questão, em sua perma-
nente luta pela simpatia, pelo apoio, e, em momentos eleitorais,
pelo voto dos cidadãos.
Assim, a questão das redes sociais e sua função po-
lítica ou o impacto que gerará nos processos e sistemas políticos
da sociedade não se trata, claro, de um processo puramente tec-
nológico ou – se assim podemos dizer - “internético”, uma entra-
da pura no meio, mas sim um somatório de estratégias, tensões
e agendamentos que ocorrem na sociedade, e da qualidade das
associações que está rede gerará.
As redes sociais são o fenômeno de ponta da tecno-
logia dos meios digitais, elemento de atração e geração de tráfego
na rede e elemento de absorção de tempo dos usuários do meio.
Já vimos experiências de debate e construção de uma constituição
federativa através das redes sociais, na Islândia8, ou de movimen-
tos de apoio eleitorais, caso do twitaços – ou twitassos - de Mari-
na Silva em 20109, e as possibilidades ao quase infinitas sem bem
exploradas. Elas promovem, naturalmente, como já identificava
Reingold em 1999, a aproximação e associação de pessoas que
partilham de uma identidade, de interesses ou foco em comum.
Ou seja, um modelo amplamente ativo, participativo, que atrai
e seduz os usuários, com alto potencial de geração de impactos
sociais políticos. Entretanto, se a política for vista como algo de
posse, do fazer, apenas dos políticos, daqueles que circulam nos
corredores do poder, o impacto será nulo. Mas se a política for
percebida enquanto algo do foco de todos os cidadãos, o potencial
será amplo, com muitas possibilidades de mudança.

8
http://colunas.epoca.globo.com/ofiltro/2011/06/09/na-islandia-a-constituicao-e-feita-pela-
internet/

9
Sobre isso, ver o artigo “Política a 140”, deste autor, apresentando no XXIV Congresso nacional
da Intercom em Recife, 2011.

Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano 87


Uma conclusão nos é possível neste momento: o
impacto das internet e das redes sociais sobre a política e o
sistema democrático vai muito além de páginas de candidatos
em websites e comunidades virtuais, dos vídeos no YouTube,
dos twitaços – ou twitassos - e dos advergames. Será a asso-
ciação de pessoas debatendo ou se unindo no entorno de algo
em comum que trará mudanças, e os sinais desse fenômeno
que devem ser buscados, obsevados e analisados em profundi-
dade. A alegoria da antena de TV vigiando o poder começa a
perder força, pois é da associação das pessoas em redes, poten-
cializada pelos recursos da tecnologia digital, que as mudanças
irão operar. Os movimentos contrários aos regimes totalitários
do oriente médio são o primeiro e, até então, mais forte maior
exemplo de um processo cujos impactos veremos mais cedo do
que esperavam os teóricos e filósofos do final do milênio.

88 Tecnologia, pra quê?


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90 Tecnologia, pra quê?


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Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano 91


Capítulo II

Dispositivos Móveis
Comunicação móvel
pra quê, onde e quem?
Eduardo Campos Pellanda
FAMECOS - PUCRS

Introdução

Quando na década de 50 o transistor possibilitou


que aparelhos de rádio pudessem se tornar portáteis houve não
só uma mudança no hábito de consumo do meio como tam-
bém um impacto na formatação do conteúdo. Já no presente
momento, nos deparamos com uma miniaturização de equi-
pamentos computacionais e a sua autonomia dos fios para a
conexão online. É um tempo semelhante portado para as pecu-
liaridades da contemporaneidade com vultosos investimentos
das empresas neste novo segmento de comunicação. Os smar-
tphones inauguraram uma diversidade de conexões ubíquas e
os tablets estão se mostrando suportes para conteúdos conver-
gentes e uma substituição viável para o papel. Talvez a revolu-
ção inacabada de Dertouzos (2001) esteja abrindo espaço para
novos aparatos que representam uma era pós-PC. Um cenário
em que a conexão always-on (PELLANDA 2005) amplifica o
uso de redes sociais, conexões e suportes de conteúdos conver-
gentes. A ubiquidade proporcionada pelas redes wireless que
cobrem deste alguns centímetros de raio até o planeta passan-
do, principalmente, pelas cidades foi também propiciada pelo
desenvolvimento e adoção em larga escala. Neste contexto, os
lugares nas cidades começam a ser pontos informacionais que
se conectam em uma nova camada da rede (MITTCHELL,
2003). Trata-se de uma Cibercidade (LEMOS, 2004) em que
além do fluxo normal de átomos há uma nova categoria de bits
que estão intimamente interligados. Esta relação é nova na his-
tória das mídias, que na perspectiva analógica e massiva nunca
tiveram uma conexão precisa com o espaço geográfico. Em-
bora, sempre existiram exemplos como rádios comunitárias
ou jornais de bairro a abrangência era focada em indivíduos
em uma região e não um único indivíduo em um ponto físico
preciso. A essência das trocas de informações entre as diver-
sas mídias e o público começa a ter uma outra dinâmica neste
ambiente de mobilidade como será discutido nestas categorias
apresentadas neste texto.

Mobilidade e formatos de leitura de informações

Entre as possibilidades que o contexto da mobili-


dade introduz talvez a mais impactante é o ambiente always
on (PELLANDA 2005) de acesso aos diversos tipos de conteú-
dos. Aqui se usa o conceito de leitor (CHARTIER 1998) como
uma visão mais ampla, ou seja, um indivíduo que é uma parte
integrante de um sistema de informações que podem conter
não só textos, mas outras linguagens que se complementam
também com a interatividade do conteúdo. Este leitor está
agora rodeado por diversas redes wireless que proporcionam
uma comunicação bi-direcional de forma ubíquo. Assim
como o rádio teve um impacto significativo quando, através
do transistor, o aparelho foi diminuído de tamanho e pôde ser
consumido nas ruas a internet como mídia se transforma em
ainda mais direções. Não só o consumo de sites mas uma sé-
rie de outros conteúdos tem sido explorado pelas plataformas
móveis. Ao invés de uma simples transposição, ou adaptação,
de conteúdos concebidos para ambientes desktop a internet
móvel tem sido berço de novos formatos, assim como foi ou-
trora o rádio. Mas na internet móvel os dados não só trafegam
pela rede como os próprios “nós” também se alteram até em
função dos tipos de informação. William Mitchell, que vem
da arquitetura, já especulava, em 1995, sobre a questão da ge-
ometria da rede e como, mesmo ainda longe de ser móvel, a
Internet pode ser percebida como ambiente:

96 Tecnologia, pra quê?


A Internet nega as geometrias. Ao mesmo tempo em
que ela tem uma topologia definida dos nós computa-
cionais e irradia ruas de bits, e ao mesmo tempo a loca-
lidades dos nós e links podem ser registrados em mapas
para produzir surpreendentes tipos de diagramas de
Haussmann, ela é profundamente e fundamentalmente
antiespacial. Nada parecida com a Piazza Navona ou a
Coperly Square. Você não pode dizer ou falar para um
estranho como chegar lá. A Internet é ambiente... (MI-
TCHELL, 2003, p.8).

O segundo momento de desenvolvimento da inter-


net desktop, chamado por Tim O’Reilly de Web 2.01, foi base-
ado nas questões de uso colaborativo e conteúdos dentro dos
browsers, características primitivas do ambiente de rede. As
categorias de aparatos móveis tablets e smartphones, por sua
vez, mostraram-se mais adequadas para conteúdos formata-
dos para aplicativos nativos, ou Apps. Este modo de consumo
de conteúdos contrapõe então o movimento dos desktops de
usar o browser como suporte de informações. As Apps pos-
suem interfaces desenhadas para cada função e podem acessar
funções nativas dos aparelhos como sensores GPS2 ou sensores
de gravidade que indicam a posição que o usuário está segu-
rando o aparelho. Nos tablets, as Apps estão proporcionando
um ambiente para novas formatações de conteúdos como, por
exemplo, o jornal The Daily (Fig. 1).

http://oreilly.com/web2/archive/what-is-web-20.html
1

Global Positioning System


2

Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano 97


Figura 1 – Interface principal do jornal The
Daily - Fonte – Reprodução de tela

Este projeto torna-se interessante analisar por se


tratar de uma tentativa de criar um novo veículo concebido
para tablets desde o princípio. Em sua base, os conteúdos con-
vergentes (JENKINS, 2009) são nativos na publicação por ela

98 Tecnologia, pra quê?


não ter sido derivada de uma plataforma existente. É natural
que um jornal ao ser transposto para a Web ou para tablets o
texto seja a matriz principal e conteúdos com outras lingua-
gens sejam incorporados posteriormente.

Ambientes ubíquos de produção pelo leitor

Ainda na tentativa de estabelecer um paralelo com


o processo de mobilidade do rádio, a internet ao se desprender
dos fios não só propiciou ao leitor um consumo de informação
ubíqua como também alavancou a possibilidade da produção
de conteúdos de maneira instantânea a distribuída. Este foi um
dos fatores de analise de Gillmor (2004) quando ele trabalhou
em torno do conceito de “cidadão jornalista”. A distribuição
massiva de aparatos celulares com câmeras conectas à redes
sociais viabilizaram a captura e o compartilhamento em tempo
real de fatos relevantes que o indivíduo percebe em sua volta.
A expansão deste cenário propiciou a adição de diversos novos
ângulos de percepção dos acontecimentos como no caso das
bombas na cidade de Londres, em 7 de julho de 2005, em que
os celulares desempenharam um papel fundamental no escla-
recimento e investigação dos incidentes. Pessoas que estavam
nas linhas de metrô e nas ruas perto do ônibus onde foi colo-
cada uma das bombas, usaram a possibilidade de criar filmes
digitais para registrar os acontecimentos.
Os quadros foram reproduzidos do vídeo que a
BBC montou a partir de algumas mensagens recebidas pela
empresa. A BBC manteve um número de acesso telefônico
para que as pessoas que captaram imagens pudessem mandar
seus vídeos. Cerca de 1.000 fotos e 20 vídeos chegaram à reda-
ção da BBC minutos após os acidentes. Uma das fotos enviadas
pelo público foi o principal destaque da capa do site durante a
maior parte do dia.
Os registros foram os únicos realizados nos locais
dos acidentes minutos depois das explosões. Tanto do ponto
de vista de material jornalístico como para investigações po-

Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano 99


liciais, o material foi fundamental. A qualidade das imagens
já é capaz de proporcionar detalhes importantes. As câmaras
em celulares estão chegando neste ano a vários megapixels e o
aumento de qualidade tende em alguns anos a se aproximar da
qualidade de transmissão broadcast. Além disso, o número de
vendas de celulares com câmera ultrapassou os aparelhos sem
o recurso de captar imagens. Isso ampliará o poder que cada
cidadão terá para registrar momentos como este. Mas, no caso
de Londres, a qualidade ficou em segundo plano. O conteú-
do inédito e precioso foi o principal foco de ineditismo para o
acontecimento.
A previsão de Gillmor (2004, p.35) estava correta
com relação ao uso das câmeras conectadas: “Amanhã telefones
móveis vão ser capazes de enviar informações para indivíduos
e grupos, e publicar em páginas da Web perto do tempo real”.
Sites que hospedam fotos enviadas por celulares
gratuitamente, como o Flicker , foram também o destino final
do material. Empresas como a BBC serviram como grande re-
ferência para as notícias, mas os usuários também tiveram a
independência de publicar em seus próprios sites e Blogs.
Em relação ao tráfego de usuários da BBC, este ba-
teu o recorde de acessos durante as 24 horas posteriores ao inci-
dente: foram 115 milhões de page views. Este número represen-
tou 28,6% de todo os acessos do Reino Unido. Foi montado um
esquema especial com a rede de distribuição de banda Akamai3
para que se pudesse dar conta de todo o fluxo de acesso.
A Internet foi responsável por grande parte do foco
de atenções depois dos acidentes. O site Technorati, responsá-
vel por averiguar o movimento dos Blogs, detectou 1.300 posts
sobre o incidente por volta das 10h:15min GMT. Além disso,
um site islâmico colocou minutos depois que o Al-Qaeda esta-
va reivindicando o atentado. Estes acontecimentos foram tam-
bém responsáveis pelos números de acessos ao site da BBC.
As pessoas acompanhavam o desenrolar dos acontecimentos
acessando várias vezes o site da empresa pública britânica.

Empresa de infra-estrutura de redes http://www.akamai.com/


3

100 Tecnologia, pra quê?


Pode-se perceber neste caso que a Internet e os
meios móveis estão desempenhando um novo papel neste mu-
tante ambiente midiático. Em nenhum meio anterior era pos-
sível ter a versão dos dois lados de um conflito com relatórios
oficiais e depoimentos de cidadãos que vivenciaram o fato ou
que querem se manifestar sobre o assunto.
O cidadão repórter agora capta e publica tudo o
que vê. O jornal londrino The Guardian proclamou este acon-
tecimento como “o verdadeiro nascimento do cidadão repór-
ter”. A câmera no celular não é mais simplesmente a possi-
bilidade de tirar fotos, mas sim uma máquina de publicação
instantânea. Fotos e vídeos de amadores não são novidades,
mas a coincidência de ter algum cidadão com uma câmera em
um dado acontecimento tornou estes eventos raros no passado.
As câmaras nos celulares estão se popularizando de modo a ser
cada vez mais provável que quando aconteça algum incidente
alguém possuir alguma forma de registrá-lo.
Com os Blogs sendo produzidos no mundo a uma
taxa de criação de um a cada dois segundos, uma outra ten-
dência desponta neste momento, na Internet: o de colocar o
usuário no papel antes dedicado às empresas de mídia. Como
afirmou Gillmor (2004), o movimento dos Blogs, Podcastings
e outros meios de publicação de conteúdo está invertendo o
papel tradicional dos mercados de comunicação. Os exemplos
de Londres e do tsunami foram evidentes manifestações da
publicação instantânea potencializadas por aparelhos celula-
res. O ambiente móvel tem amplificado esta tendência de usu-
ários editores colocando a possibilidade de narração dos fatos
vividos no ambiente real. Se os Blogs já potencializam diversos
tipos de diálogos, os Blogs móveis, ou Moblogs, são narrações
instantâneas de fatos com publicações instantâneas. O exemplo
do caso de Londres mostra que grandes empresas de mídia,
como a BBC, começam a possuir um outro papel em cobertu-
ras como essa. Antes detentoras de todos os aspectos relativos
ao conteúdo e agora com a função de reunir “olhares” captados
pelas pessoas que viveram o fato em questão.

Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano 101


Não somente os conteúdos dos Blogs passam a
ser alterados pela situação de acesso à internet em ambiente
móvel mas toda a relação de conversação geradas pelos posts e
comentários. A questão espaço/tempo muda quando há a pos-
sibilidade de inserção no ciberespaço com o internauta presen-
ciando o fato e não somente fazendo uma narração posterior.
Um outro exemplo que explora a produção por par-
te dos usuários foi a pesquisa realizada pelo Mobile Experien-
ce Lab do Massachusetts Institute of Technology (MIT MEL) e
pela PUCRS denominado Locast Civic Media4. A pesquisa teve
como objetivo explorar a mídia cidadã aplicada ao contexto do
local como ferramenta de divulgação e estimular as dinâmicas
sociais realizadas nos bairros. Outra finalidade, foi compreender
como as redes sociais móveis impactam na cidade e na repre-
sentação do espaço urbano. Ainda neste sentido, observar como
esta ferramenta ajuda as pessoas a se manterem informadas, en-
gajadas socialmente e com participação ativa nos processos de
criação das mídias, sobretudo nas relacionadas com as suas co-
munidades. Depois do experimento, que durou dez dias, houve
uma série de entrevistas individuais e grupo de discussão com
os participantes. A plataforma é composta por um site que con-
tém as notícias que foram atualizadas por celular ou na própria
página. Neste último caso, a atualização da posição geográfica é
feita manualmente. Vinculada com cada notícia está um ponto
onde ela foi capturada no mapa, estes fatos podem ser visualiza-
dos somente deste modo gráfico. Deste modo, o indivíduo pode
se situar dos acontecimentos ao seu redor, o que representa um
modo alternativo de visualização de fatos, já que usualmente os
sites e blogs mostram as notícias em modo de destaque pela re-
levância do fato ou de maneira cronológica. O site teve também
a função de cadastrar e gerenciar os usuários do sistema. Além
do site, o centro da plataforma é baseado na aplicação móvel,
que neste caso foi desenvolvida no sistema operacional Android.
O software permitiu que os participantes do projeto pudessem

http://locast.mit.edu/civic/
4

102 Tecnologia, pra quê?


capturar vídeos e enviá-los para o site com uma descrição de
texto e a informação da posição geográfica capturada pelo GPS5
do aparelho em forma de metadado6. Estas notícias puderam ser
comentadas e também serem compartilhadas na rede Facebook.
Um perfil no Twitter também foi criado separadamente e man-
tido pelos bolsistas do projeto.
Depois dos dez dias de trabalho se observou diver-
sos tipos de pautas registradas pelos participantes, desde as mais
cotidianas como buracos nas ruas e narrações de engarrafamen-
tos até coberturas de eventos passando por outras mais atem-
porais que buscavam narrações da vida cotidiana. A plataforma
Locast teve como base a linguagem audiovisual com os vídeos
gerados pelos participantes. Os textos eram basicamente descri-
ções resumidas dos acontecimentos. Especificamente sobre este
ponto foram feitas várias observações nas entrevistas individuais
e nos grupos. Os vídeos foram todos captados e publicados sem
cortes, em plano sequência, e sem edição. Esta característica foi
percebida pelos participantes como um ponto positivo no sen-
tido de relatar fatos. A impressão foi de realismo, uma imagem
mais próxima da cena do que matérias de TV. A edição foi com-
parada nas entrevistas como “supressão de realidade”.
O ponto principal o experimento era vincular o fa-
tos, imagens e conversações aos lugares onde elas ocorreram.
Toda a estrutura de reconhecimento geográfico que os aparatos
móveis proporcionam neste momento histórico permite que se
ligue espaços ao seu histórico de acontecimentos, tornando as-
sim um ambiente propício para uma memória cotidiana (CA-
SALEGNO, 2006). Esse mesmo autor, foi o responsável pela
coordenação do projeto no MIT, ele sustenta o seu trabalho
nesta tese de expansão da cidadania com redes de armazena-
mento e conversação urbana.

5
Global Positioning System – Sistema de localização da posição geográfica usando satélites e um
chip que captura os sinais nos aparelhos celulares.
6
A informação de latitude e longitude é inserida jundo com o arquivo de video, mas só é visuali-
zada pelo sistema do site que traduz a informação para a visualização no mapa.

Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano 103


O mapa de acontecimentos no site permite uma
nova visualização dos acontecimentos de maneira que o pró-
prio indivíduo possa fazer suas próprias conexões entre os fa-
tos que são pertinentes ao seu cotidiano. Em uma futura versão
devem ser implantados filtros de assuntos, lugares e pessoas
para que a observação deste eventos seja mais precisa.
Esta gama de diferentes possibilidades demonstra-
ram que o contexto de uma câmera conectada, que a base dos
smartphones, pode ser uma interface entre os lugares físicos,
ou átomos, e o fluxo de informação baseada em bits, que for-
mam a base da internet. Se “...lugares não podem ser separados
de seu contexto de experiência” (SANTAELLA, 2007, p. 161)
tem-se agora mais potenciais relações contextuais com infor-
mações e trocas sociais em redes de comunidades. A medida
que se faz uma foto com tag geográfico de um local e se com-
partilha em uma rede social o encadeamento de ações com este
espaço físico tende a aumentar.
Em um outro cenário, que pode ajudar no entendi-
mento para a compreensão de alguns aspectos das transforma-
ções do jornalismo pelas tecnologias móveis, é o surgimento de
redes sociais móveis como o sistema Foursquare. A rede nasceu
em Nova Iorque com a concepção de Dennis Crowley e Nave-
en Selvadurai em 2008, com a versão final pública em março
de 2009. Em agosto de 2010 a empresa já possuía 3 milhões
de pessoas cadastradas7 e ativas na plataforma. Embora exista
um site com capacidade de editar conexões e visualizar lugares
cadastrados as principais inteirações da rede são realizadas em
aplicativos para dispositivos móveis como iPhone , Android e
Blackberry. Nestes aparelhos, o membro realiza check-in, ou
seja, se cadastra a um determinado lugar que está no banco de
dados do sistema que corresponde a localização geográfica que
o indivíduo se encontra. Desta forma, os outros componentes
da rede podem visualizar onde seus contatos estão ou podem
visualizar recomendações destes espaços. Quando alguns cri-
térios de frequência deste determinado lugar são preenchidos
7
Números oficiais da empresa: http://foursquare.com/about

104 Tecnologia, pra quê?


o indivíduo se torna “prefeito” da área e pode ainda ganhar se-
los pelas conquistas e somar pontos. Este elementos são novos
em redes, pois consistem na adição de características de games
dentro da rede social. Este tem sido um dos pontos de suces-
so da expansão da rede, pois os membros tem comparado as
suas performances com as de seus contatos. Este desempenho
é basicamente referente a locomoção do individuo pela cidade;
quanto mais ele se move, mais terá pontos.
Um exemplo de uso jornalístico entre as informa-
ções (Fig 2) e lugares é o perfil do canal de TV History Chan-
nel8, que adiciona informações históricas aos lugares cadastra-
dos no Foursquare.

Figura 2 - Fonte: reprodução de tela

8
http://foursquare.com/historychannel

Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano 105


Com isso, eles possibilitam que informações des-
contextualizas do espaço físico ganhem outra formatação. Os in-
divíduos que estão fisicamente nestes espaços tem como poten-
cialmente perceber o ambiente com outra significação. O jornal
New York Times também está fazendo um trabalho semelhante
vinculando informações aos espaços da cidade. Neste caso, os
alvos principais são galerias de arte, museus e restaurantes.
O exemplo do Foursquare é uma evidência das po-
tencialidades de conexões entre espaços virtuais e atuais. Ele
compõe uma possibilidade de transformação da percepção do
ciberespaço e do próprio entendimento de ambientes urbanos.
Os lugares só são entendidos como espaços quando há uma sig-
nificação social humana nestas atmosferas (DE CERTEAU 1994)
em que o sujeito transforma o seu entorno. A medida em que os
lugares são preenchidos e vinculados por informações, que ser-
vem como alimento para novos laços sociais (RECUERO 2009),
eles são transformados constantemente em novos espaços.

Considerações finais

Estes cenários apresentados são evidências em três


direções distintas de aspectos de transformação da comunica-
ção online pela mobilidade. As categorias de análise fundamen-
tais dizem respeito com a mobilidade urbana, a conexão entre
espaço físico e informações na internet e ainda a intensidade
de comunicação em um ambiente always on.
A permanente conexão com as fontes e a possibili-
dade de captar informações em sua volta colocam o leitor em
uma outra posição. Claro, jornalistas também se beneficiam
deste cenário para aumentar as suas comunicações com fontes,
redações e leitores, mas parece que o ineditismo está nesta mu-
dança de papel do leitor que passa a explorar mais a experiên-
cia da produção e do compartilhamento. Esta é uma expansão
de um panorama já iniciado com a Web 2.0, mas que no con-
texto da mobilidade é algo mais sinérgico e direto. O cidadão
está com os meios de captura, produção e compartilhamento

106 Tecnologia, pra quê?


justamente no local onde ocorre o fato. Isso não necessaria-
mente infere sobre o trabalho do jornalista, mas o modifica.
Grandes fatos começam a ser cobertos de vários ângulos, com
olhares profissionais ou amadores, de espectadores ativos. Já
pequenas questões urbanas que não eram reportadas começam
a ser registradas. Neste último caso, elas podem ser filtradas e
conferidas por jornalistas que mudam de função por não só
produzir, mas avaliar, classificar e também apurar.
Outro ponto analisado, a questão de Apps e novos
formatos, podem significar realmente uma ponte entre o pa-
pel e o digital. Algo que o PC não conseguiu ser completamente
(DERTOUZOS 2001) por uma série de características. Os tablets
e smartphones não só estão conectados de forma ubíqua como
também são suportes nativos para a convergência de conteúdos.
Enfim, em diversos aspectos de produção e con-
sumo de conteúdos jornalísticos podemos perceber mutações
derivadas do cruzamentos das tecnologias móveis. Está claro
que não se trata somente de uma expansão evolutiva da inter-
net como meio de comunicação, mas percebe-se a inauguração
de novas dinâmicas para a atividade do jornalismo que podem
ter implicações profundas nos conceitos historicamente esta-
belecidos. A extensão natural desta discussão é a intensificação
da realização de pesquisas que identifiquem e gerem propos-
tas sobre o uso e apropriações da internet móvel para que este
novo cenário possa ser melhor explorado.

Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano 107


Refer ê n c i a s

CASALEGNO, Federico. Memoria Cotidiana. Porto Alegre:


Sulina, 2006.
CASTELLS, Manuel. A era da intercomunicação, Le Monde,,
no. 24 (June 2006).
CHARTIER, Roger. Aventura do livro ao navegador . São
Paulo, SP: UNESP, 1998.
DE CERTAU, Michel. A Invenção do Cotidiano. Petropolis:
Editora Vozes, 1994.
DERTOUZOS, Michael. The Unfinished Revolution. New
York: HarperCollins, 2001.
GILLMOR, Dam. We the Media – Grassroots by the people,
for the people. Sebastopol: O’Reilly Media, 2004.
JENKINS, Henry. Cultura da convergência. São Paulo: Aleph,
2009.
LEMOS, André. Cibercidade As Cidades Na Cibercultura. Rio
de Janeiro: E-PAPERS, 2004.
MITTCHELL, William J. ME++ The Cyborg Self and the Net-
worked City. Boston: MIT Press, 2003.
PELLANDA, Eduardo Campos. Internet Móvel: Novas Rela-
ções na Cibercultura derivadas da Mobilidade na Comuni-
cação. Porto Alegre, RS, 2005.
RECUERO, Raquel. Redes Sociais na Internet. Porto Alegre:
Sulina, 2009.
RHEINGOLD, Howard. Smart Mobs. Cambridge: Perseus
Publishing, 2003.
SANTAELLA, Lúcia. Linguagens líquidas na era da mobili-
dade. São Paulo, SP: Paulus, 2007.
108 Tecnologia, pra quê?
Tecnologias digitais e
seres humanos:
para muito além da
simples interação

Mônica Elisa Dias Pons


UNISC-RS

Nize Maria Campos Pellanda


UNISC-RS

“Quando o arqueiro zen dispara a flecha ele atinge a si mesmo.”


Prefácio do livro A arte cavalheiresca do arqueiro zen de E. Herrigel

Introdução

Na perspectiva da complexidade não podemos se-


parar nenhuma dimensão da realidade. Partimos então para
aquela tarefa sobre a qual nos alerta Edgar Morin (1991) com a
maior gravidade – é preciso juntar o que foi desconjuntado. Es-
tas providências se tornam cada vez mais urgentes para dar con-
ta de uma patologia na cultura ocidental, a fragmentação, que
não cessa de desdobrar-se causando tantos estragos. O projeto
de purificação da modernidade (LATOUR, 2000) que pretendia
estatutos diferentes para seres vivos, máquinas e natureza cons-
tituiu-se numa violência epistêmica e ontológica no sentido do
comprometimento da cognição e da subjetivação humanas.
A modernidade somente pôde efetivar-se às custas
do sujeito. Foi preciso matá-lo para que ela pudesse concretizar
seu projeto. O que vai nos ocupar daqui por diante está profun-
damente relacionado com a denúncia de Nietzsche na A Gaia
Ciência: a filosofia, a cultura e a ciência ocidental se esvazia-
ram da vida. Elas são tristes porque perderam a alegria de viver
porque deixaram escapar o sopro da vida nas malhas das for-
malizações, conceitualizações e categorizações (NIETZSCHE,
2007). Ora isso nos enrijeceu e perdemos então a leveza para
fluir na vida. Para o filósofo alemão, é preciso “dançar com os
pés, com os conceitos, com as palavras” (NIETZSCHE, 1996, p.
137). É preciso que cada um de nós se torne um dançarino.
Esther Diaz aborda esta questão com seu olhar de
epistemóloga usando como instrumento os pressupostos niet-
zschianos:

A ciência decadente seria o oposto da ciência alegre


que se assume com uma perspectiva humana, histórica
opondo-se à ciência moderna auto-proclamada universal
e verdadeira. O saber, então, seria decadente, pois priva
de sentido a quem não se rege pelos estreitos parâmetros
lógico-racionais exigidos pela tradição ilustrada. A ciên-
cia jovial, pelo contrário, seria propulsora de pluralidade
de sentidos, afirmativa de existência e promotora de li-
berdade. (DIAZ, 2007, p. 25)

Nesta avalanche moderna de ataque violento à vida,


perdeu-se também a dimensão ontológica da técnica, pois a
techné e a poiesis dos gregos perderam seus sentidos originais
de constituição do humano, perderam sua proximidade e seus
vínculos configurando a cultura esvaziada de vida denunciada
por Nietzsche. Nas origens da cultura grega, techné significava
tanto técnica como arte. No entanto, a complexificação da téc-
nica com o advento da era digital subverte este quadro e nos
coloca novamente a questão da técnica como inseparável do
humano, como poiesis, ou seja, como invenção de realidade e
de subjetividade superando o mecanicismo rumo a um hibri-
dismo revitalizador.
Este é o tom deste artigo: aqui pretendemos colocar
a questão do acoplamento das mídias digitais e seres humanos

110 Tecnologia, pra quê?


à luz da complexidade tentando mostrar que estas interações
são potencializadoras do humano para muito além do simples
viver, mas em direção a uma resignificação de nossas vidas.
Diríamos então, à maneira de Nietzsche, que é preciso dan-
çar com as tecnologias digitais para nos subjetivarmos e nos
expandirmos com elas. Neste sentido, vamos nos valer de um
quadro teórico constituído no bojo do paradigma da comple-
xidade articulando, à maneira complexa, estudos de diferentes
campos do conhecimento numa abordagem transdisciplinar
para responder nossa questão: não seriam as tecnologias di-
gitais acoplamentos complexos capazes de nos levar a novos
patamares de complexificação?

Revolução paradigmática e a emergência


do mundo digital

A modernidade nasceu marcada pela fragmentação.


A cisão básica já aparece na sistematização matricial da ciência
moderna realizada por René Descartes – a separação mente e
corpo. A partir dela surgem todas as outras separações o que faz
surgir um paradigma científico estruturado pelo esfacelamento
da realidade. A partir daí, se configura uma cultura da fragmen-
tação que passa a orientar a vida dos seres humanos. Carregamos
hoje em nossas subjetividades a marca destes padrões separado-
res. E assim chegamos então à contemporaneidade arrastando
esta pesada herança. O fato de nossa sociedade atual estar atra-
vessada pela violência, pelo desespero existencial, pela destrui-
ção dos jovens pela droga, corrupção, etc. não é, absolutamente,
por acaso. Temos a maior dificuldade de juntar os pedaços de
nós mesmos para viver de maneira integrada, pois não nos sen-
timos pertencentes ao cosmos, como se estivéssemos soltos no
mundo o que dificulta nossa capacidade de produzir sentido.
Esta cultura do esfacelamento atravessou séculos
praticamente incontestada. Na ciência ela reinou quase abso-
luta só questionada por alguns visionários e artistas como é

Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano 111


o caso de Goethe e W. Blake. O século XIX, com o positivis-
mo, aprofundou ainda mais o paradigma racionalista com a
negação mais radical ainda das questões sutis e latentes enfa-
tizando o aparente, o determinístico, a linearidade numa ati-
tude profundamente reducionista. No entanto, ainda ao final
deste mesmo século, começam a emergir objetos complexos na
ciência que desafiavam a abordagem tradicional por conside-
rar devires e transformações ao longo do tempo. É o caso, por
exemplo, da evolução da vida e da termodinâmica. Na Mate-
mática, surgem então, as primeiras equações não-lineares para
enfrentar um novo contexto científico. Estava instalada a sub-
versão na ciência.
O século XX viu nascer já nos primeiros anos, a
grande revolução paradigmática com a Psicanálise (A inter-
pretação dos sonhos de Freud surgiu em 1900) e com a Física
Quântica que exigia uma lógica estranha à lógica formal e à
linearidade. No mundo dos sonhos e do inconsciente, por um
lado, e, por outro, no mundo do infinitamente pequeno, a lógi-
ca linear não tem vez, a pura racionalidade é inócua e a própria
matéria se vê contestada pela força da relação.
Seguiu-se outra etapa de revolução com a emer-
gência de uma lógica complexa na Matemática nos anos 30,
ocasião em que se prepararam as condições para o mais revo-
lucionários dos movimentos científicos: a Cibernética.
A Cibernética é a primeira ciência complexa, pois
implica na abordagem operatória dos fenômenos com uma
articulação entre vários campos do conhecimento tais como:
Matemática, Epistemologia, Lingüística, Inteligência Artificial,
Antropologia, etc.
A primeira fase do movimento, conhecida como a
Primeira Cibernética, ainda está muito próxima às atitudes tra-
dicionais da ciência porque marcada por um certo determinis-
mo mas há, ao mesmo tempo, um rompimento evidente aí pois
passa a lidar com a idéia de um trabalho interno do sistema que
se auto-alimenta e se auto-organiza. Com isso, surge o conceito
fundamental de feedback e o principio operatório da auto-orga-

112 Tecnologia, pra quê?


nização que estaria destinado a ser o princípio fundante da com-
plexidade. Com Heinz von Foerster, chegado da Europa, já para
a metade das Macy`s Conference, que é como se convencionou
chamar as dez conferências cibernéticas, mais uma revolução –
o desdobramento do movimento na Segunda Cibernética.1 O
trabalho deste cientista complexifica ao trazer para os estudos
cibernéticos os problemas da vida e ao incluir o observador no
sistema observado. Com isso, passa-se a trabalhar com os concei-
tos de segunda ordem para dar conta das operações do próprio
observador. Como sugere Dupuy (1996): passamos dos sistemas
observados para os sistemas observantes. E mais, von Foerster
descobriu que os sistemas aprendem ao operar o que impulsio-
nou de forma profunda a Informática e as Ciências Cognitivas,
as duas principais filhas da Cibernética.
Von Foerster foi um dos cientistas mais brilhantes
do século XX não somente por esta atitude da inclusão do ob-
servador, mas pelo conjunto de sua obra que vai ser decisiva
para entendermos o funcionamento de um sistema complexo.
E, ao nos mostrar que os sistemas aprendem ao operar como
referido, nos chama a atenção para o devir e para o papel das
emergências. Trata-se agora de entendermos a realidade e o co-
nhecimento como aquilo que emerge na ação. O que interessa,
por exemplo, num sistema, seja vivo ou não-vivo, é o efetivo
desempenho e não algo que poderá acontecer ou não.
Esta complexificação no movimento vai ficando
cada vez mais profunda nos mostrando a necessidade de uma
abordagem integrada da ciência, da filosofia e da técnica e a
necessidade da constituição de uma nova epistemologia. Esta
situação vai levar a desdobramentos que vão permitir incríveis

1
A série de conferências conhecidas como The Macy Conferences, reuniram pesquisadores prove-
nientes de áreas diversas como a matemática, medicina, psicologia, filosofia, antropologia e so-
ciologia, foram propostas por Rosenblueth em maio de 1942 a um grupo de pesquisadores em um
encontro sob os auspícios da Josiah Macy Foundation. A primeira conferência aconteceu apenas
em 1946 sob o título Feedback Mechanisms and Circular Causal Systems in Biological and Social
Systems. O nome da conferência sofreu pequenas alterações em várias edições até que em março
de 1950, na sua sétima edição, passou a se chamar Cybernetics: Circular Causal and Feedback
Mechanisms in Biological and Social Systems, nome que preservou até a décima e última edição,
em abril de 1953. Ver mais em AMERICAN SOCIETY FOR CYBERNETICS. Sumary: the Macy
conferences, 2010.

Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano 113


avanços da ciência que vão das engenharias às neurociências.
Varela percebe esta necessidade e a expressa de uma maneira
muito nítida:

[...] o conhecimento tornou-se pela primeira vez tangi-


velmente ligado a uma tecnologia que transforma as prá-
ticas sociais sobre as quais assenta – sendo a Inteligência
Artificial o exemplo mais flagrante. A tecnologia, entre
outras coisas, age como amplificador. Não se pode sepa-
rar as ciências cognitivas sem amputar esta ou aquelas
de um elemento complementar vital. Por outras palavras,
através da tecnologia, a exploração científica do espírito
estende à sociedade um espelho que ela própria não vê,
muito para além do círculo do filósofo, do psicólogo ou
do pensador. (VARELA, 1996, p. 10).

Os estudos de von Foerster vão pavimentar o ca-


minho para as teorias biológicas complexas como a “Biologia
da Cognição” de H. Maturana e F. Varela e a “Teoria da com-
plexificação pelo ruído” de H. Atlan2. Estas teorias são consi-
deradas complexas porque não separaram o conhecer do viver.
Elas partiram de princípios da Segunda Cibernética formula-
dos por von Foerster: “a ordem pelo ruído” e “os sistemas vivos
são fechados para a informação e abertos para a energia”. ( von
FOERSTER, 2003,pp. 225-226)
Atlan se apropriou do primeiro princípio e transfor-
mou-o na teoria da complexificação pelo ruído, como já referi-
do e Maturana/Varela desenvolveram o conceito de Autopoiesis
como princípio organizador de sua teoria. Estas duas teorias vão
nos servir de base para responder nossa questão inicial desta-
cando nelas dois conceitos fundamentais destes estudos:
a complexificação – que leva os sujeitos a se organizarem
a partir de ruídos iniciais com reconfigurações sucessivas

2
O nome do livro de Henri Atlan no qual publica a referida teoria é Organisation biologique et
theórie de l´information. Foi publicado em 1971. A teoria de Maturana e Varela foi publicado em
1971 com o titulo de De máquinas y seres vivos.

114 Tecnologia, pra quê?


atingindo patamares cada vez mais complexos em seu
processo de viver;
o acoplamento estrutural – que expressa o funcionamento
autônomo (autopoiesis) os seres vivos a partir de uma rela-
ção sujeito/mundo de tal forma que há uma co-emergên-
cia de cognição/sujeito e de mundo. O sujeito que emerge,
de maneira complexa é inseparável do conhecer.

Tecnologias digitais como novos acoplamentos:


potencializando o humano

Uma das mutilações mais graves da modernidade


foi a separação ser humano/técnica negando aquela dimensão
do ser humano em seu devir com sua técnica. Esta separação
está profundamente relacionada com a separação básica mente-
corpo. A modernidade esqueceu o corpo e a técnica acompanha
esta negação. Tudo se passa mais uma vez de forma esquizofrê-
nica: sujeito, mundo e conhecimento são considerados de forma
separada assim como se a técnica não fizesse parte do humano.
Como dizia Ortega y Gasset (1963, p. 45) um pen-
sador complexo da técnica: “O homem começa quando começa
a técnica”. O que este filósofo intuiu foi a dimensão da técnica
como aquilo que Maturana e Varela chamam de acoplamen-
to estrutural. Na perspectiva autopoiética e, mais tarde, com a
teoria da Enação de Varela percebemos uma unidade mente/
corpo e uma unidade do fazer/conhecer/subjetivar-se que nos
levam aos pressupostos de uma mente/corpo onde a cognição/
ação formam um todo com as tecnologias no fluir do viver.
A partir, portanto, desta visão integradora das di-
mensões do humano coloca-se a necessidade de esclarecer o
que entendemos por tecnologias. Trata-se de um conceito am-
pliado do termo que abrange as mais diversas formas de um
complexo agenciamento dos fazeres humanos que vão das tec-
nologias pessoais de auto-transformação até as tecnologias di-
gitais de última geração.

Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano 115


O ser humano vai então se constituindo pela téc-
nica porque ele não foi jogado neste mundo vindo do além.
Ele emerge no seu movimento cósmico num processo de auto-
constituição. O artifício, a técnica, a arte, a cultura em geral e o
trabalho sobre si mesmo fazem parte deste processo de emer-
gência. Como diz Ortega y Gasset (1963, p. 44): “O homem,
queira ou não, tem que fazer-se a si mesmo, autofabricar-se”.
Há um acoplamento estrutural constante onde a
técnica, seja ela qual for, é sempre um elemento importante.
Existem tecnologias pouco interativas que implicam em aco-
plamentos mais fracos ou mais fortes, mas elas sempre impli-
cam na relação sujeito/meio o que é constituinte do humano
em termos anatômicos ou mentais. Von Foerster (1996) fazia
uma distinção em máquinas triviais e não-triviais. Podería-
mos pensar então a partir desta classificação que as primeiras
pouco interagem com os seres que as construiu limitando-se a
comandos simples e as segundas, à maneira de uma máquina
digital, por exemplo, são máquinas de interação tão íntima que
implicam em agenciamentos subjetivos e, portanto, comple-
xas. Nas tecnologias digitais há uma maior interação sujeito/
máquina porque esta última passa ser um objeto com o qual
pensamos como também nos subjetivamos em grau mais in-
tenso. No entanto, Sherry Turkle (1997), pesquisadora do MIT
(Massachussets Institute of Tecnology), nos fala de duas estéti-
cas conflitantes em nossos dias em relação à abordagem do uso
dos computadores. A primeira seria a estética computacional
moderna segundo a qual nos relacionamos com o computador
em termos de que este é uma máquina que segue regras estritas
e claras. Por essa estética, poderíamos analisar coisas compli-
cadas simplesmente fragmentando tudo em pequenas partes.
A segunda estética está relacionada com computadores mais
recentes onde se trabalha com simulação, navegação e intera-
ção. Os sujeitos imersos nestas atividades potencializam sua
subjetividade/cognição, pois inventam realidades ao inventar
a si mesmos nas inúmeras situações de navegação nas quais
enfrentam-se com bifurcações de caminhos onde precisam to-

116 Tecnologia, pra quê?


mar decisões rápidas articulando várias situações virtuais si-
multaneamente. (PELLANDA, 2005).
Para a autora citada, nós estamos entrando cada
vez mais nesse segundo modelo que é o modelo da complexi-
dade porque não simplifica a realidade e mostra os fenômenos
tecendo-se de forma inseparável com o processo de subjetiva-
ção dos sujeitos. A primeira estética está ficando obsoleta com
a sofisticação dos atuais computadores que vão sendo constru-
ídos de forma a acoplar de maneira cada vez mais fluida, plás-
tica e envolvente os sujeitos usuários.
Acreditamos que hoje poderíamos acrescentar às
estéticas mencionadas uma terceira e quarta estéticas. Uma
terceira seria aquela da realidade virtual onde mergulhamos
num meio no qual o self e o não-self têm fronteiras cada vez
mais tênues. Prado comentando Phillipe Quéau diz que a lin-
guagem do virtual:

[...] não é simplesmente uma técnica a mais na história


das representações, é, literalmente, o surgimento de uma
nova escrita comparável à invenção da imprensa ou ao
surgimento do alfabeto. Uma escrita interativa e imersi-
va que emerge nas comunidades virtuais, nas cidades e
mundos virtuais, na realidade virtual onde se apresenta
necessário penetrar nessa escrita, dominar sua gramática
e seu estilo. (PRADO, 2003, p. 207)

É preciso recusar o modelo essencialista do ser, ou


seja, aquela idéia de um ser já dado para sempre e pensar um
processo de subjetivação que é uma emergência de acoplamen-
tos complexos incluídos aí os objetos técnicos. O não-self pode
ser definido, ao mesmo tempo, como um processo de tornar-se
bojo de um acoplamento na rede como também a ação de cada
sujeito na interação com o todo desta mesma rede.
Uma quarta estética seria o das tecnologias “touch”
como o iPad, por exemplo, que estabelece novas configurações
por haver um acoplamento muito fino. Através do toque e dos

Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano 117


ícones os usuários parecem se integrar à máquina de maneira
muito íntima. Tudo indica que esta tecnologia mobiliza o su-
jeito por inteiro de forma intensa levando a um trabalho de
conectividade densa do sistema nervoso. Como é uma tecno-
logia muito recente ainda temos poucos e não conclusivos es-
tudos sobre isto. Mas já existem evidências de crianças muito
pequenas que se desenvolvem de maneira muito significativa
com o iPad inclusive com a emergência de uma linguagem
consistente com a presença de frases estruturadas. Na Internet
acessamos a notícia de uma pesquisa com iPad com crianças
autistas ou com patologias cerebrais apontando para significa-
tivas mudanças de comportamento (VALENTINO-DEVRIES,
2010). Tudo isto se constitui em acoplamentos cada vez mais
refinados e complexos que potencializam os sujeitos porque
disparam ressonâncias em um tipo de sistema nervoso onde a
mente e a cognição são emergências de um trabalho de cone-
xão neural impulsionado cada vez mais por tecnologias inte-
gradoras corpo/mente. Santaella coloca que,

[...] as condições limítrofes – já insinuadas antes mesmo


da emergência dos espaços móveis interconectados pelo
uso de interfaces portáteis – progressivamente vieram
se tornando pervasivas, tomando conta de todas as si-
tuações vividas e provocando significativas mutações no
estatuto do corpo e de suas condições de existência em
um espaço digital agora metamorfoseado na medida em
que se cruza com o espaço físico no ato mesmo em que
se dão as conexões. O corpo, cuja perda iminente foi tão
lastimada, está na realidade se transformando rapida-
mente em um conjunto de extensões ligadas a um mun-
do multidimensional pautado pela interconexão de redes
e sistemas on e off line. (SANTAELLA, 2009, p. 134)

No caso do iPad, enquanto tecnologia móvel, per-


cebe-se que embora permaneçamos com um corpo físico, que
ocupa um espaço físico, a multiplicidade de interação com a

118 Tecnologia, pra quê?


máquina multiplica as possibilidades que permitirão aos usu-
ários adaptarem forma e conteúdo às suas capacidades cogni-
tivas. As tecnologias “touch” estão reconfigurando nosso olhar
sobre o ver e entender o mundo que nos cerca, como apontou
Merleau-Ponty (1994, p. 27) “precisamos reconhecer o inde-
terminado como um fenômeno positivo”, experiências mul-
tissensoriais na utilização de dispositivos tecnológicos podem
representar uma exemplificação desse contexto. O elemento
surpresa, o desconhecido, o diferente, o não-material pode se
tornar revelador para o usuário desse universo tecnológico.
Pensando na sociedade contemporânea, a concep-
ção de espaço-tempo foi completamente modificada a partir da
revolução digital, percebe-se essa mudança de forma pontual
na comunicação, e principalmente no campo da comunicação
digital que segundo Massimo Di Felice:

[. . .] apresenta-se como um processo comunicativo em


rede e interativo. Neste, a distinção entre emissor e re-
ceptor é substituída por uma interação de fluxos infor-
mativos entre o internauta e as redes, resultante de uma
navegação única e individual que cria um rizomático
processo comunicativo entre arquiteturas informativas
(site, blog, comunidades virtuais, etc.), conteúdos e pes-
soas (DI FELICE, 2008, p. 44).

Essa mudança ofereceu um novo modo interativo de


comunicação, para muito além das tecnologias analógicas, que
apresentavam limitações de interação para o receptor, a comuni-
cação digital possibilita a criação de um ambiente onde o usuário/
receptor participa, intervém, articula, toma decisões; produzindo
através do hipertexto narrativas e auto-narrativas; dando signifi-
cados as mesmas através de suas experiências on line.
Vivemos um momento em que o nível de intera-
tividade do usuário com o computador tem se apresentado de
forma cada vez mais complexa. Diz Ascott (2003, p. 274) que
“assim como a globalização significa que nós não apenas es-

Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano 119


tamos todos conectados, mas que nossas ideias, instituições e
mesmo nossas próprias identidades estão em fluxo constante”.
Um dos aspectos mais interessantes desse cenário informacio-
nal e comunicacional é a questão do processo de hibridização
que ocorre entre sujeitos na rede, a troca de papéis emissor/re-
ceptor que possibilita uma produção conjunta entre dois pon-
tos distintos. Essa produção se materializa através dos signos
e significados dispostos na rede, no ambiente virtual “o mais
fascinante está nesse novo roteiro de relações em que cada um
se torna um virtuose dos mídia” (TURKLE, 1999, p. 120)
Há muito tempo a relação homem-máquina ultra-
passou os limites de uma relação mecanicista, percebe-se que
quanto maior a evolução tecnológica se apresenta, maiores são
as perturbações e, portanto, maior o quadro de complexifica-
ção dos sujeitos.

O aspecto subjetivo da tecnologia não está no que a infor-


mática faz por nós, mas no que ela faz conosco. Tento in-
terpretar a questão de maneira a abrir espaço, na discussão
sobre o virtual e seus descontentamentos (ou satisfação),
para a importância do sonho contido na comunicação
quase instantânea. Isso também pode ser um cimento que
dá às pessoas o sentimento de “pertencimento”. Falo da
sensação de que, num grupo de discussão on-line, escrevo
e depois, imediatamente, alguém pode retomar a minha
idéia, desenvolvê-la e remeter-me alguma coisa. Tais gra-
tificações são estimulantes e produzem um sentimento de
filiação.” (TURKLE, 1999, p. 121)

O indivíduo, na atualidade, através dos meios de


comunicação e dos dispositivos tecnológicos disponibilizados
busca permanentemente adaptar-se a essa situação, nos depa-
ramos com um cenário que influencia todos os campos da vida
humana: social, político, econômico, cultural, entre outros. Po-
tencialmente a tecnologia apresenta uma ferramenta poderosa
de manifestação da individualidade no coletivo, numa intera-

120 Tecnologia, pra quê?


ção de auto-experimentação em um ambiente que vivencia ve-
locidade e instantaneidade. A comunicação estaria elevada a
uma potência jamais conhecida, a um horizonte quase infinito
de experimentação da liberdade criativa.

Perspectivas...

Ao rompermos com um paradigma fragmentador


e ao mergulharmos em situações de complexidade começamos
a experimentar novas possibilidades de ser. E experimentação
é uma palavra de ordem para Nietzsche ao denunciar a hege-
monia do racionalismo e das intelectualizações. “Experimenta-
te” (NIETZSCHE, 2007), dizia ele num claro apelo ao sujeito
integrado em todas as suas dimensões. Esta experimentação
no mundo da navegação digital nos pega por inteiro num pro-
cesso que nos complexifica pelo desenvolvimento de nossa ca-
pacidade de fazer conexões em diferentes níveis do existir. Roy
Ascott expressa isso de maneira muito sensível e complexa:

Cada fibra, cada nó, cada servidor na Net é parte de


mim. À medida em que interajo com a rede, reconfigu-
ro a mim mesmo. Minha extensão rede me define exa-
tamente como meu corpo material me definiu na velha
cultura biológica. Não tenho nem peso nem dimensão
em qualquer sentido exato. Sou medido pela minha co-
nectividade. Minha paixão é plantar sementes conceitu-
ais no substrato da NET e vê-las crescer; olhar a NET
atentamente numa atitude Zen à medida em que novas
formas emergem, à medida que energia criativa da co-
nectividade gera novas idéias, novas imagens, uma nova
vida. Emergência é o comportamento-chave na NET.
(ASCOTT, 1997, p. 336).

É importante lembrar aqui também ao tratarmos


das questões da potencialização que a vida digital nos oferece
aquelas oportunidades de II ordem da qual falava von Foerster

Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano 121


(2003) e já referido aqui. Trata-se das atitudes metacognitivas
de podermos pensar a todo o momento nos rastros que deixa-
mos na rede, na possibilidade de pensar sobre nosso pensar,
aprender a aprender e conhecer como conhecemos. Trata-se
da passagem da topografia com seus terrenos já mapeados para
a topologia com o caminho fazendo-se ao andar, na qual nos-
sos passos vão criando as próprias cartografias. E, acrescenta-
ríamos ainda, a capacidade de observarmos o observador que
somos e, com isto aumentar o poder sobre nós mesmos numa
tecnologia autopoiética que potencializa nossa autonomia che-
gando a sermos os “mestres de nós mesmos” como pregam os
yogues em sua sabedoria perene.
E, para finalizar, voltando ao início, circularmente,
trazemos novamente a questão proposta: não seriam as tecno-
logias digitais acoplamentos complexos capazes de nos levar a
novos patamares de complexificação? Na verdade não pretende-
mos responder à questão, mas, à maneira complexa, trazer novas
problematizações rizomaticamente. Ao sugerirmos as virtuali-
dades que emergem nos ambientes digitais, e usamos aqui vir-
tual em sua acepção latina, virtualis (o que existe em potencia),
apenas levantamos alguns dados para ilustrar uma reflexão que
é crucial no mundo de hoje: como estamos nos subjetivando e
construindo conhecimento ao devir nas tecnologias digitais?

122 Tecnologia, pra quê?


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Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano 125


Mobilidade ampliada:
tecnologias móveis
digitais no jornalismo

Fernando Firmino da Silva


UEPB-PB

Jornalismo móvel


Durante a Guerra do Iraque e do Afeganistão jorna-
listas no campo de batalha se utilizaram do videofone1 para entra-
das ao vivo do front. No contexto dessas situações identificamos as
chamadas “gambiarras” para a montagem de equipamentos como
este para transmissão em condições extremas principalmente
para emissoras de televisão. TV Globo e CNN (pioneira no uso de
videofone) foram algumas das emissoras que muniram seus re-
pórteres correspondentes com esse equipamento portátil a partir
de 2001 para a cobertura jornalística no pós 11 de Setembro no
oriente médio (figura 1). A qualidade das imagens não se com-
parava à gerada pelas câmeras e transmissões convencionais, mas
realçava uma “nova narrativa de guerra” (PEDRO, 2009, 2004) e
apresentava o cenário dos acontecimentos por dentro.

A cobertura de TV, com a presença do repórter e da tec-


nologia móvel, não deixa dúvidas de quando a guerra
está acontecendo nem onde. São utilizadas as imagens

1
O videofone utilizado pelos correspondentes de emissoras de televisão como Rede Globo e CNN
durante a invasão americana ao Iraque em 2003 se constituía de um kit composto por laptop,
câmera, antenas especiais e telefone via satélite. Com este equipamento os repórteres faziam as
entradas ao vivo superando as dificuldades operacionais da região. Portanto, era um antecedente
para o jornalismo móvel que foi adotado posteriormente pela Agência Reuters em 2007 com seu
kit do jornalista móvel com um celular Nokia N95 com 3G, microfone externo unidirecional e
teclado sem fio bluetooth.
ao vivo do “teatro de operações”, via satélite através do
videofone, de onde quer que o repórter queira estar, para
os telespectadores nos seus respectivos sofás (PEDRO,
2009, p.1).

FIGURA 1 - Repórter da CNN no Afeganistão, em 2001,


utilizando o videofone na transmissão ao vivo2

Esse contexto pertence ao chamado jornalismo mó-


vel (SILVA, 2008, 2009a, 2009b; QUINN, 2002; PAVLIK, 2001),
um novo conceito relacionado às rotinas de produção de cam-
po dos repórteres equipados com um “simples” celular com 3G
ou com uma parafernália portátil constituída por câmeras HD
estilo Flip, smartphones, tablets, entre outros equipamentos e
acessórios que transformam o local de apuração em uma reda-
ção remota. No decorrer da década passada visualizamos essa
expansão rápida do conjunto de tecnologias móveis digitais e

2
Disponível em http://www.seattlepi.com/news/article/CNN-goes-with-videophones-1068135.
php acesso em 10 ago. 2011

128 Tecnologia, pra quê?


das redes sem fio (Wi-Fi, 3G, 4G, WiMax, Blutooth3) que logo
foi absorvido pelo jornalismo e incorporado nas rotinas dos
repórteres no dia-a-dia das redações.
O jornalismo móvel, definido como o uso de tecno-
logias móveis conectadas pelos repórteres para o processo de apu-
ração, edição e distribuição de conteúdos dos locais dos eventos,
redefine aspectos importantes das coberturas jornalísticas do bre-
aking news e do papel do jornalista. O conceito se entrelaça com a
questão da mobilidade (URRY, 2007; SANTAELLA, 2007; LEMOS,
2007) e do processo de convergência jornalística (SALAVERRIA;
NEGREDO, 2008; AVILÉS e al, 2007) incorporada nos modelos
de negócios contemporâneos das empresas de comunicação para
lidar com a produção multiplataforma. Portanto, estamos nos con-
frontando com uma mobilidade ampliada (LEMOS, 2009) que traz
novas implicações para: a) rotinas dos repórteres; b) para a narrativa
jornalística em campo; c) para o consumo de notícias.
Destrinchando a conjuntura, temos os repórteres
com novas funções e demandas forçando a redefinição do perfil
e da aquisição de outras habilidades para lidar com novos instru-
mentos na sua prática como os celulares com recursos embutidos
de edição multimídia, aplicações para transmissão ao vivo e con-
dições sempre online. Por sua vez, esses recursos alteram aspectos
da narrativa4 e da estética pela geração de imagens de baixa resolu-
ção (ou não) produzindo uma sensação mais apurada do in loco.
Em relação ao consumo de notícias pela audiência esta também se

3
As conexões sem fio são constituídas pela característica de velocidade e de alcance, entre outras es-
pecificidades e diferenciações entre elas. O bluetooth, por exemplo, permite a troca de arquivos entre
aparelhos emparelhados de curta distância. As tecnologias 3G e 4G (terceira e quarta gerações) se
utilizam das redes das operadoras de celular e funcionam como banda larga oferecendo uma maior
cobertura que o Wi-Fi e, portanto, mais adequadas ao objetivo do jornalismo em mobilidade

4
“Nesta guerra [em 2003, no Iraque], a partir da declaração de guerra, a presença do repórter e
a transmissão da guerra ao vivo se acentuaram e tornaram-se o carro-chefe das representações
do conflito. Mas do que a guerra ao vivo, o elemento de portabilidade conferiu um novo caráter
à cobertura. O uso do videofone é definidor da forma de narrar, principalmente no início do
conflito, na declaração de guerra e nas primeiras semanas de ocupação, oferecendo a sensação
buscada pelos meios de comunicação há tempos: a presença do repórter ao vivo, em “ tempo real”
nas cena da batalha, só que agora possibilitando ao jornalista estar virtualmente onde ele quises-
se ou pudesse estar para reportar o que se vê, já que se tratava de um equipamento portátil que
poderia ser transportado em uma valise e transmitir imagens e som de onde quer que se estivesse”
(PEDRO, 2009, p.4-5).

Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano 129


reconfigura com o acesso de informações através de smartphones
e tablets permitindo a mobilidade do consumo e, consequente-
mente, a exigência da atualização contínua, além de novos forma-
tos adaptados aos dispositivos móveis (DRAKE, 2011; NATAN-
SOHN; CUNHA, 2010; FIDALGO; CANAVILHAS, 2009).
Para Castells et al. (2006) é a atualização da “socieda-
de em rede” para a “sociedade em rede móvel” disponível de forma
ubíqua e pervasiva através dos dispositivos conectados. “Hoje, a
cidade informacional do século XXI encontra na cultura da mobi-
lidade o seu princípio fundamental: a mobilidade de pessoas, ob-
jetos, tecnologias e informação sem precedente” (LEMOS, 2009,
p.28). Uma questão fundamental emerge como problematização
desse cenário para o jornalismo através e/ou para dispositivos mó-
veis: quais as implicações que esta nova prática enseja em relação
aos produtos jornalísticos desenvolvidos e quanto às dinâmicas de
produção estabelecidas em condições de mobilidade?
Temos, portanto, duas abordagens principais sobre o
jornalismo móvel: produção e consumo/acesso. No primeiro aspec-
to, podemos constatar que essa estrutura de “guerra” descrita acima
para reportar acerca dos conflitos bélicos no oriente médio foi trans-
posta para outros conflitos de características urbanas como a co-
bertura do hardnews e acontecimentos de repercussão local como a
ocupação do Morro do Alemão, no Rio de Janeiro, em novembro de
2010. Na ocasião, repórteres do Extra Online realizaram a cobertura
direto do local (figura 2) através de transmissão em streaming via
aplicações como o twitcam e o uso de notebooks, celulares e tecno-
logia 3G. Um aspecto a considerar é a própria interação do público
participando da narrativa do repórter de forma colaborativa, intera-
tiva e conversacional. Ou seja: uma potencialização da relação entre
jornalistas e audiência no processo em andamento e impulsionado
pelas tecnologias digitais além da possibilidade real de contribui-
ções diretas do público no sentido produser (BRUNS, 2005).
Com a disponibilização de tecnologias móveis
também para o público, dispositivos como smartphones com
câmera fotográfica e de filmagem embarcadas, as pessoas se
utilizam cada vez mais do recurso para registro de situações

130 Tecnologia, pra quê?


com característica de noticiabilidade. Estudos5 demonstram
que os celulares se tornaram ferramentas essenciais do dia-
a-dia para atividades multimídia, acesso à Internet, escuta de
rádio ou recepção de canais de TV, entre outros usos. No Bra-
sil, segundo dados da ANATEL (2011), o número de aparelhos
habilitados já supera o da população e, no primeiro semestre
de 2011, já ultrapassou os 220 milhões6, sendo que mais de 27
milhões são de tecnologia 3G7 considerando uma população
de aproximadamente 192 milhões de habitantes, segundo o
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE (2010).
Em escala global, em 2010 foram mais de 5 bilhões de assina-
turas de celulares globalmente (ITU, 2010a, 2010b)8.
Figura 2 - Repórter do Extra Online ao vivo do Mor-
ro do Alemão via Twitcam

Para o jornalismo esta é uma dinâmica e complexa


infra-estrutura de uma mobilidade ampliada com diferentes
capacidades e apropriações em jogo que restaura a noção de
5
Disponível em http://www.cbc.ca/news/technology/story/2011/08/15/technology-cellphone-pew.
html acesso em 15 ago. 2011
Disponível em http://www.teleco.com.br/ncel.asp acesso em 15 ago. 2011
6

Disponível em http://www.teleco.com.br/3g_brasil.asp acesso em 15 ago. 2011


7

8
Disponível em http://www.itu.int/ITU-D/ict/statistics/at_glance/KeyTelecom.html acesso em
23 out. 2010

Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano 131


computação ubíqua e pervasiva apresentada por Weiser (1991)
no início da década de 90 dentro da sua previsão de que a tec-
nologia estaria embutida nos mais diversos dispositivos ele-
trônicos. Para Weiser a computação ubíqua significa as tecno-
logias desaparecendo nas coisas, se tornando invisível devido
ao grau de penetrabilidade. “These machines and more will be
interconnected in a ubiquitous network” (WEISER, 1991, p.2).
Os estudos da mobilidade apontam as consequências e possi-
bilidades abertas com essa realidade na combinação crescente
entre tecnologias móveis digitais e conexões sem fio.
Mimi Sheller (2011) aponta com ênfase o entrela-
çamento entre convergência e mobilidade com as transforma-
ções sócio-técnicas que, por conseguinte, exigem novos méto-
dos e base teórica para apreensão dos fenômenos do entorno.

As mobile connectivity begins to occur in new ways across


a wide range of mobile devices and ‘smart’ environments,
there is a new convergence between physical movement of
people, vehicles and things; information production, stora-
ge and retrieval; wireless distributed computing and com-
munications; and surveillance and tracking technologies.
These sociotechnical transformations raise new substantive
issues for the social sciences, while also being suggestive of
new theoretical and methodological approaches.

As pesquisas empíricas e teóricas em torno do


jornalismo móvel devem exploram essas condições de conec-
tividade e suas implicações para o campo da comunicação
procurando compreender a relação que se estabelece entre a
mobilidade que se apresenta no século XXI e a convergência
jornalística. Portanto, as tecnologias móveis introduzidas na
prática jornalística exigem novas reflexões sobre os processos
desencadeados através da modalidade do jornalismo móvel.

132 Tecnologia, pra quê?


Mobilidade e convergência na rotina jornalística

O conceito de convergência, antes de sua aplicação


mais recente ao jornalismo, aparecia na biologia, na economia,
na tecnologia e na matemática. Com a digitalização, a trans-
formação da informação em bits, emergiram as discussões em
torno da convergência tecnológica e dos meios de comunica-
ção (NEGROPONTE, 1995) relacionando o fato à fusão das
telecomunicações com a informática (redes telemáticas) na dé-
cada de 1970 com o desenvolvimento das tecnologias da infor-
mação (CASTELLS, 1999). Na década de 1980, a imbricação
entre tecnologias digitais e meios de comunicação recebeu a
denominação de convergência midiática, ou seja, da interação
de dois ou mais meios. Não obstante, nos últimos anos alguns
autores passaram a construir um recorte mais específico com a
definição de convergência jornalística. Esse entendimento pro-
cura avançar além do aspecto tecnológico, mesmo contextuali-
zando que o mesmo atravessa todo o processo.
Com a convergência de redações é pertinente ob-
servar as práticas nas redações e essas alterações indicadas. Al-
gumas pesquisas indicam as mudanças ocorridas nas redações
convergentes em termos de reestruturação organizacional e de
novas práticas (ERDAL, 2007; MICÓ; MASIP; BARBOSA, 2009;
SALTIZIS; DICKINSON, 2008). A digitalização das mídias e o
surgimento da Internet, colocou o jornalismo digital imerso na
produção multiplataforma e nas redações integradas.

Digitization of news production systems facilitates the


erosion of borders that have traditionally separated the
creation of content for print, the internet, radio and te-
levision, thus allowing so-called ‘media convergence’.
Digital systems allow journalists to share data files (au-
dio, video and text) with increasing versatility, in order
to elaborate content for the various platforms. (GARCÍA
AVILÉS; CARVAJAL, 2008, p.221).

Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano 133


A convergência ocorre em meio à busca por mode-
los de negócios das empresas de comunicação com a crise do
impresso e do jornalismo em si (SANT´ANNA, 2008; CHA-
PARRO, 2004; MEYER, 2007) com implicações para as práticas
e novas questões sobre a qualidade da notícia produzida pelos
repórteres com as tecnologias digitais, entre as quais as móveis.

No campo mais específico do ofício de jornalista, a possível


combinação de ferramentas de apuração também produz um
inquietante desafio. Os novos meios convergentes demandam
notícias em forma de texto, fotografia, vídeo e áudio. A digita-
lização de gravadores e câmeras permite a mescla dessas lin-
guagens no ato da apuração pelo repórter. A prática de alguns
meios digitais de encarregar seus repórteres de voltar para a
redação com conteúdos em mais de uma linguagem deu ori-
gem à expressão “jornalista de mochila”, e a questionamentos
sobre a possível queda de qualidade na apuração jornalística,
dada a sobrecarga de tarefas e de preocupação com aspectos
técnicos, por mais simplificadas que sejam as operações dos
novos aparelhos digitais. (SANT´ANNA, 2008, p.23).

O que parece factível é a necessidade de estabele-


cimento de um equilíbrio no uso das tecnologias móveis digi-
tais no ambiente de convergência das redações. Erdal (2009),
em análise do impacto da convergência nas redações do grupo
NRK9 da Noruega, na Europa, chama a atenção para o que define
de culturas da (re)produção cross-media, ou seja, da produção
que atravessa as múltiplas plataformas de redações integradas.

The term cross-media journalism, emphasizing the re-


lationship between different media platforms. This con-
cept describes communication or production where two
or more media platforms are involved in an integrated
way. The essence is whether the different media platfor-

Disponível em http://www.nrk.no/ acesso em 22 abril 2010


9

134 Tecnologia, pra quê?


ms ‘talk to each other’. Of particular interest is the deve-
lopment towards increased reproduction of news, and its
implications for the daily work routines of reporters in a
converged newsroom. (ERDAL, 2009, p.216).

O autor está preocupado com as implicações do


processo cross-media em relação às rotinas dos jornalistas e sua
pesquisa indica conflitos entre os profissionais em vez de coo-
peração e problemas vinculados a reproduções do material por
plataformas devido ao trabalho sob a pressão da distribuição,
negligenciando-se um trabalho mais apurado para cada veícu-
lo. No processo de convergência nas redações e da mobilidade
as implicações à cultura jornalística fazem do mesmo processo
de reestruturação das redações integradas tendo em vista que
as tecnologias móveis digitais atravessam as diversas platafor-
mas e é importante observar como os repórteres conduzem o
trabalho sem comprometer a notícia.
Estas mudanças da introdução de tecnologias no
jornalismo e da convergência podem ser percebidas em estudo
também no mesmo grupo de comunicação (NRK) conduzido
por Puijk (2008), que compara duas pesquisas realizadas por
ele mesmo: uma em 1980 e outra em 2003 podendo contex-
tualizar as mudanças temporais. O estudo captura, portanto,
a produção na redação tradicional (1980) e depois na redação
digital (2003) com a introdução dos computadores, da internet
e do processo de convergência. Como resultado comparativo,
Puijk conclui que a competição e a pressão por produtividade
aumentou. “Increased competition, combined with changes in
(media) technology, has resulted in, amongst others, increased
pressure on productivity, changes in divisions of labor and fre-
quent reorganizations” (PUIJK, 2008, p.31). Ele exemplifica
que a NRK adotou novas técnicas e plataformas como podcast,
vídeos em streaming, celulares e PDA’s, sendo que a produção
em multiplataformas e a convergência  foram os mais impac-
tantes na reorganização da empresa.

Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano 135


The entrance of computer in media organizations is not
only confined to new production outlets, but has also
changed production processes, communication patterns
and labor routines. In media research, more focus has been
on the consequences of digitization of production chain
for the division of labor and the resulting convergence and
divergence processes” (PUIJK, 2008, p.31-32).

Puijk salienta que neste ambiente também as im-


plicações são para os pesquisadores com as dificuldades para
lidar com o contexto de multiplataformas permitidas pela in-
ternet. Em 1980 a saída da produção era mais fácil de arquivar
e controlar. Mas com a internet utilize-se diversas saidas.

This implies that what was clearly delimitated and fixed


output before, now has become variable, a flux. For a re-
searcher it poses several problems. One of these is that a
vast amount of material is produced and should be over-
looked and archived. When doing fieldwork it is often
unclear which parts of the published material will be-
come important for the analysis. An additional problem
is that with cross media production different platforms
are used in relation to the other. (PUIJK, 2008, p.38-39).

Neste sentido, as implicações não se referem ape-


nas aos jornalistas. Os pesquisadores também estão diante de
modificações que afetam seus métodos e forma de encarar a
pesquisa de campo, como colocado anteriormente, com no-
vas oportunidades de estudo dentro das redações. “Newsroom
convergence offers a case study for the value of the case study:
It is an ideal subject to explore through ethnographic methods
that can confortably mix and match participant observation,
in-depth interviews, documents analysis, and subject surveys”
(SINGER, 2008, p.157).
O paradigma da mobilidade (URRY, 2007) representa
novos desafios para os estudos da comunicação e sua abordagem

136 Tecnologia, pra quê?


perpassa uma exploração interdisciplinar para compreensão do
fenômeno em suas dimensões contemporâneas com as especifici-
dades relacionadas ao movimento de informações por redes mó-
veis caracterizadas pela portabilidade dos dispositivos conectados
como ocorreu na cobertura do The Guardian na plataforma onli-
ne dos conflitos em Londres em agosto de 2011 (figura 3) onde as
estratégias de narrativa dos fatos hardnews foi construída a par-
tir de recursos técnicos disponíveis com os repórteres em campo
com seu kit formatado por celulares, computadores portáteis e
tecnologia 3G para transmissão instantânea dos dados coletados e
registrados. Dentro da cultura da produção da notícia, em face da
relação jornalismo e tecnologia, ocorrem mudanças significativas
na prática e nas rotinas que exponencializam as condições vincu-
ladas ao processo de produção jornalística.

Figura 3 - The Guardian usa recursos de


mobilidade para cobertura de tumulto e conflito em
Londres como geolocalização, áudio e video do campo
além da narrativa minuto a minuto.10

Disponível em http://www.guardian.co.uk/uk/blog/2011/aug/08/london-riots-third-night-live
10

acesso em 8 ago. 2011

Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano 137


O jornalismo contemporâneo, portanto, se reconfi-
gura com a digitalização e as tecnologias móveis digitais imer-
sas na prática, essencialmente nas reportagens de campo que
incorporam uma estrutura móvel de produção.

Consideraçoes finais

Os estudos em torno do jornalismo para e em dis-


positivos móveis, ou seja, com o uso de plataformas emergentes
como tablets e smartphones endereçam questões novas para os
pesquisadores e para a própria tradição das teorias da comuni-
cação. A partir dos conceitos de mobilidade, convergência jor-
nalística e jornalismo móvel mapeamos alguns aspectos nesta
artigo para o que consideramos uma etapa avançada do jorna-
lismo digital e das organizações midiáticas e seus suportes.
É necessário refletir sobre os desdobramentos que as
novas funções jornalísticas e as emergentes narrativas calcadas nas
plataformas flexíveis e líquidas possibilitam enquanto atividades
do processo de produção na atualidade. Ao mesmo tempo que se
avista características de inovação, de experimentações, de interati-
vidade, de espaço compartilhado de diálogo com o público, temos
também problemas que afetam a construção da notícia em condi-
ções de mobilidade e ampliação da velocidade inerente.
Ao retomarmos a argumentação central do jor-
nalismo móvel como uma vertente cada vez mais presente no
dia-a-dia do mundo dos jornalistas e do público via tecnolo-
gias móveis com recursos abundantes e capacidade crescente de
processamento de dados multimídia, presenciamos uma “quase
revolução” no interior do jornalismo. Novos desafios, portanto,
para pesquisadores e produtores da notícia diante de uma mobi-
lidade convergente apontando para um futuro imediato.

138 Tecnologia, pra quê?


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Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano 143


Capít u l o I I I

TV D i g i t a l
A TV digital na web:
modelos, estruturas
e acessibilidade
Valério Cruz Brittos
Maíra Carneiro Bittencourt
UNISINOS - RS

Introdução

Cabe pensar a TV na web como espaço de inte-


ração e mediação entre os vários campos que coexistem nas
sociedades. Trata-se de uma plataforma que integra vídeo e
áudio, disponibilizados através de uma conexão via internet.
Esses produtos audiovisuais podem ser assistidos através do
monitor de um computador, da tela de um televisor convencio-
nal (através de um decodificador) ou por dispositivos móveis,
como celulares e iPods. Um dos diferenciais é a possibilidade
de acesso a uma gama muito ampla de conteúdos, com toda
sorte de especificidade.
Nos sites, o modo de disponibilização dos conteú-
dos, geralmente, é sob demanda, quando o telespectador pode
montar sua programação ou até mesmo assisti-los em fluxo.
Este artigo detém-se especificamente na questão do audiovisu-
al na internet, concebendo a web como um espaço de televisão
digital alternativo, que engloba produtos de veículos hegemôni-
cos e também abarca outras experiências em produções comu-
nicacionais. “O aparato tecnológico contemporâneo, emble-
maticamente simbolizado em redes integradas por fibras óticas
e satélite, deve ser dimensionado considerando-se o conjunto
do contexto econômico, político e cultural”. (BOLAÑO; BRIT-
TOS, 2007. p. 59)
A internet é por excelência um local de convergên-
cia, onde coexistem texto, áudio, infográficos e imagens em
movimento, recursos passíveis de uso em um mesmo produto;
também há possibilidades de interatividade entre transmissor
e receptor, escolha de programas para download e visualização
de conteúdos com qualidade e formato digital. São recursos
já disponíveis através da televisão na web e que na TV digital
terrestre ainda é promessa.
Os canais utilizam-se das tecnologias de webcasting,1
que tanto proporcionam a possibilidade de vídeos em tempo
real quanto a adaptação ao tempo do espectador. Assim, existem
aqueles portais que exibem seus produtos em fluxo2 e também os
que utilizam de menus, onde o usuário pode clicar e encontrar o
material à disposição. Já em outros, esses dois sistemas – o fluxo
e os de menus – coexistem. Outra possibilidade é a opção de
download de vídeos, nesse caso a apropriação do material pode
ser maior, por ser possível a pausa, interrupção, associação e vi-
sualização do material quantas vezes forem convenientes e dos
mais diversos locais, até mesmo sem o acesso à rede.
Nesse contexto, a internet permite que hajam produtos
diferenciados, ou seja, com um padrão tecno-estético alternativo,3
contrapondo-se aos modelos hegemônicos de planejamento e
apresentação audiovisual. Nela podem existir formatos, formas,
características completamente inovadoras, onde o audiovisual
pode ser repensado e modelado de acordo com o pensamento de
seus autores, isso porque se trata de um meio onde também há es-
paço para quem quer participar da comunicação sem gastar altos
valores nem ter imposições a seus produtos, ainda que tendencial-
mente a internet formate-se com a lógica comercial.

1
Por webcasting entende-se a transmissão de arquivos de dados através da internet com a
tecnologia do streaming, capaz de enviar áudio e vídeo de maneira contínua. Além disso, pode-se
optar pela exibição de um conteúdo ao vivo ou gravado. Mesmo no ao vivo, durante a realização
da transmissão, os arquivos são salvos no computador, o que possibilita novos tipos de acesso,
como a possibilidade de pausa e ainda a exibição de conteúdos por demanda, como acontece, por
exemplo, no You Tube.
2
No modelo de fluxo, à medida que o telespectador liga o televisor, encontra sempre algum
conteúdo sendo exibido. Esse não pode ser modificado ou parado, nem alterada a ordem de
exibição ou tempo, ao menos no que se refere à televisão analógica.
3
Considera-se aqui como padrão tecno-estético alternativo aquele que inova nas questões
referentes a formato, tempo, conteúdo, produção de imagens e áudio, tecnologias utilizadas,
captação, edição e produção. Acredita-se que ser alternativo é buscar uma diferenciação do
padrão convencional, no que se refere a essas características, com uma componente de dimensão
social do conteúdo elevada, visando à democratização da comunicação.

148 Tecnologia, pra quê?


A partir da observação, pode-se dizer que existem
seis grandes divisões de modelos de disposição de audiovisual
na internet, a seguir apresentados a partir de uma ordem alea-
tória. Os modelos não obedecem a uma organização por com-
plexidade ou evoluções tecnológicas. Eles foram elaborados de
acordo com observação e análise de características comuns e
divergentes entre sites, com intuito de agrupar conceitos exis-
tentes na TV online, levando em consideração que não existe
um único modelo seguido na web, proliferando diversas ex-
perimentações para o audiovisual. Os modelos são analisados
separadamente, utilizando-se de um exemplo de site para cada
um. Os portais são analisados perante suas características de
funcionamento, estrutura de layout, acessibilidade, estrutura
de links e qualidade de imagem.

Modelo 1: “Super Canais”

Como primeiro modelo, traz-se os portais elabora-


dos para serem armazenadores de links para canais televisivos
de diversas localidades e programações. Nesse tipo de portal
encontram-se disponíveis listagens de canais, as quais podem
ser acessadas pelo idioma ou pelo estilo de programação dese-
jada, sendo dessa maneira um local de mediação entre os es-
pectadores e os elaboradores dos conteúdos digitais.
O usuário que chega a esse canal depara-se com
um local de busca para televisões digitais na web. Pode-se, in-
clusive, comparar com buscadores, onde, através deles, os usu-
ários pesquisam o que desejam e encaminha-se para as páginas
mais adequadas àquilo que procuram com o diferencial que o
produto desejado, por exemplo, um canal sobre futebol, não é
exibido em outra página e sim no próprio portal.
O portal escolhido para análise no modelo 1 é o
Super Canais – www.supercanais.com.br – um espaço com
as características descritas. O Super Canais está sob a aba do
tetoplex, registrado no domínio http://www.tetoplex.com/. O
Tetoplex é um portal mais abrangente, que abriga jogos online,

Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano 149


guia de mídia, fóruns, e a televisão online – chamada de Super
Canais - a qual é o objeto de análise desta pesquisa.
No modelo 1, os patrocínios aparecem em forma de
banners, patrocínios e mecanismos de buscas. Nele, pode-se viabili-
zar os três tipos de financiamentos, como mostra a figura a seguir. 4

Ilustração 1.Layout do portal Super Canais – Página


de entrada, com visualização
dos patrocínios
Fonte: Super Canais. Bem vindo! Disponível em:
<http://www.supercanais.com/>. Acesso em: 17 out.
2010.

Todo conteúdo audiovisual do Super Canais é forne-


cido por terceiros, o portal não possui produção própria. Apenas
organiza os canais juntando produtos de rádio e televisão con-
vencionais (analógica, digital, cabo, satélite...) e via internet. Para
agrupar esses links, ele recorre a conteúdos já disponibilizados
gratuitamente via internet e, também, materiais oferecidos ao por-
tal exclusivawmente ou não exclusivo. São dezenas de canais bra-
sileiros, incluindo todos os canais acessíveis por antena parabólica
e outras dúzias transmitidos localmente, permitindo “ver os noti-
ciários de várias localidades do país”. (SUPER CANAIS, 2010).

4Investimentos financeiros no portal identificado por marcações circulares de cor vermelha.

150 Tecnologia, pra quê?


No layout de abertura do Super Canais, o usuário
depara-se no canto esquerdo da tela com uma listagem de canais
tidos como os mais populares; nesse espaço, encontram-se 13
links das televisões mais acessadas. Se for feito um clique em um
desses links, imediatamente abrirá uma tela, parecida com um
televisor, bem ao centro do portal, onde começa a ser transmiti-
da a programação daquela TV. O telespectador pode optar pela
exibição do conteúdo em tela cheia, o qual se assemelha mais a
um televisor convencional. Nessa opção, as demais imagens do
portal deixam de interferir no programa assistido. A atenção do
usuário fica voltada somente ao conteúdo televisivo.
O portal conta com informações sobre a qualidade
de transmissão de seus canais. Ao lado de cada link existem
bolinhas indicativas. As verdes indicam que o canal encontra-se
online, a amarela instável, vermelha off-line e branca, indefinido.
Passando a barra de rolagem, percebe-se que na
parte mais abaixo do portal existe um fórum, onde os usuários
podem interagir entre si e com o canal. Em forma de tópicos,
assim como blogs, é possível deixar seu comentário sobre os
conteúdos exibidos. É comum os usuários deixam suas dúvi-
das, sugestões e questionamentos diversos; outros usuários co-
mentam e os proprietários do portal respondem.
Além das televisões convencionais, esse portal
dedica atenção também às emissoras alternativas, geralmente de
produção exclusivamente online. Através do link Canais Flash,
pode-se encontrar diretamente esses canais. Pode-se também ter
acesso a rádios e a possibilidade de se fazer download.
No que se refere à qualidade de imagens, percebe-
se que há uma distinção dependendo do conteúdo transmitido,
isso se justifica pelo fato de que:

A qualidade da resolução das imagens dependerá da quali-


dade do sinal enviado pela emissora (quanto maior o tama-
nho da transmissão melhor será a resolução) o que coloca a
questão seguinte: se sua conexão da internet for baixa você
não conseguirá assistir aos canais com as melhores trans-

Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano 151


missões, pois eles exigem conexões rápidas de internet (com
500k ou superior). (SUPER CANAIS, op. Cit.)

Resumindo as possibilidades, pode-se afirmar que


o usuário pode acessar e acompanhar os canais, vídeos, pod-
casts e qualquer outro tipo de conteúdo divulgado no portal,
pode ainda divulgar os links a terceiros e interagir com outros
internautas no fórum, enviando e recebendo mensagens. Ainda
há disponível uma página pessoal, onde é possível armazenar
informações pessoais, criar listas de canais e outros conteúdos
de interesse particular, o que dá maior agilidade no processo de
navegação e visualização do material que deseja assistir. Pode-
se ainda elencar essas características através da tabela a seguir.

Tabela 1. Resumo das possibilidades ofertadas


pelo portal Super Canais

Fornecimento do conteúdo Terceirizados


Hegemônicos, profissionais e
Origem dos conteúdos
alternativos
Estilo de programação Em catálogo

Possibilidade de download Sim

Possibilidade de interatividade Sim

Qualidade de imagem Média e baixa

Fonte: autores.

Portanto, esse modelo, em geral, traz como fun-


ção a possibilidade de ser um buscador e armazenador de links
para outros canais, com os conteúdos totalmente terceirizados,
mas com o layout e estrutura de um portal, pois, tem por preo-
cupação o foco no consumidor e a abertura à interatividade,
com participações dos usuários.

152 Tecnologia, pra quê?


Modelo 2: “allTV”

O segundo modelo aqui apontado se distingue bas-


tante do anterior: é o padrão de portal que possui programação
própria. Nesse caso, a programação é elaborada essencialmen-
te para a internet podendo depois ser transmitida para outros
suportes, mas planejada primordialmente para a web. Como
exemplo desse modelo tem-se a allTV, que elabora conteúdo
exclusivamente online, estando hospedado sob domínio http://
www.alltv.com.br.
A allTV nasceu como uma possibilidade de inte-
ração entre usuários e grupo midiático: “o receptor não seria
mais nem leitor nem telespectador, mas sim um telenauta”.
(LUCHETTI, 1999. p. 22.) Em 2001 surge a ideia de fazer uma
televisão 24 horas ao vivo na internet. Ao longo dos anos a
programação ampliou significativamente. Atualmente a allTV
conta com quase 120 apresentadores e 64 programas, todos
produzidos e criados pela emissora. “A emissora privilegia o
jornalismo, que ocupa 9 horas diárias de sua grade. As demais
15 horas são dedicadas a programas de entretenimento e pres-
tação de serviço”. (LUCHETTI, op. cit. p. 23). A montagem da
grade de programação envolvendo programas próprios e pro-
jetos terceirizados.
A interatividade na allTV acontece da seguinte
maneira: o internauta pode interagir diretamente com os apre-
sentadores dos programas através do chat do portal, sendo o
filtro das mensagens feito pelos apresentadores. Há interação
dos usuários nos debates com entrevistados e em tempo real.
Nos primeiros anos de existência os “telenautas” trocavam in-
formações diretas com os apresentadores ao vivo através de
chat e tudo que era enviado pela web era lido no ar.
Ainda segundo relatos, espectadores que já tinham
uma postura ativa através dos canais de interatividade passa-
ram a ocupar inclusive funções dentro da allTV “depois de
enfrentar um período de estágio um deles tranformou-se em
ombudsman, outros em locutores, produtores, técnicos e até

Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano 153


atores”. (Ibid, p. 24) O método de análise de audiência utilizado
pelo portal é o oferecido pelo Google Analytics.5
O usuário que a acessa depara-se diretamente com
uma tela parecida com um televisor convencional em tamanho
reduzido, localizado no centro do portal. Nas laterais, come-
çando pela esquerda, existe uma listagem de navegação.
“Ao adicionar a internet nessa receita, contei tam-
bém com a multimidialidade. Ou seja, a gama de possibilida-
des que a internet oferece. Nela estão disponíveis recursos fo-
tográficos, de texto, de hipertexto, de arquivos de áudio e de
arquivos de imagens”. (Ibid, p. 22)
O portal allTV também dispõe de informações so-
bre o programa exibido, como tempo, apresentação e conteúdo,
com possibilidade de acesso através de uma coluna de ícones
dispostos ao lado do televisor virtual. Esses ícones informam
a programação, com horários e dias dos programas, havendo
espaço para anúncios e abrindo possibilidade de deixar mensa-
gens, saber mais sobre os apresentadores e encaminhar e-mail
para amigos, indicando a allTV. O portal ainda conta com a
possibilidade de envio de reportagens pelo usuário.
O usuário que a acessa depara-se diretamente com
uma tela parecida com um televisor convencional em tamanho
reduzido, localizado no centro do portal. Nas laterais, come-
çando pela esquerda, existe uma listagem de navegação.

“Ao adicionar a internet nessa receita, contei também


com a multimidialidade. Ou seja, a gama de possibilida-
des que a internet oferece. Nela estão disponíveis recur-
sos fotográficos, de texto, de hipertexto, de arquivos de
áudio e de arquivos de imagens”. (Ibid, p. 22)

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Google Analytics: ferramenta que oferece às empresas visibilidade do tráfego e da eficiência do marke-
ting do website. Com o Google Analytics é possível se preparar para anúncios segmentados, fortalecer
as iniciativas de marketing e criar portais que geram mais conversões. Com ele pode-se monitorar o
fluxo de visitantes e ver a fonte de referências. Ainda é possível controlar campanhas do AdWords não-
publicidade, como campanhas em banner ou outros programas de pagamento por clique.

154 Tecnologia, pra quê?


O portal allTV também dispõe de informações so-
bre o programa exibido, como tempo, apresentação e conteúdo,
com possibilidade de acesso através de uma coluna de ícones
dispostos ao lado do televisor virtual. Esses ícones informam
a programação, com horários e dias dos programas, havendo
espaço para anúncios e abrindo possibilidade de deixar mensa-
gens, saber mais sobre os apresentadores e encaminhar e-mail
para amigos, indicando a allTV. O portal ainda conta com a
possibilidade de envio de reportagens pelo usuário.

Ilustração 2. Layout do portal allTV – Página de


entrada Fonte: ALL TV.COM.BR. allTV. Disponível
em: <http://www.alltv.com.br/>. Acesso em: 17 out.
2009.

Já em relação ao financiamento, a allTV passou


por diversas etapas de existência: no início, os públicos de in-
vestidores, em mídia brasileira, não estavam habituados a pu-
blicidade no ambiente de TV online; então foram buscados
públicos estrangeiros já acostumados com os programas de
interatividade na rede. Logo no primeiro ano, houve um patro-
cínio da Nobel.com, empresa norte-americana, que, através da
MDV Consulting LLC, da Flórida, promoveu uma promoção
Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano 155
de tarifas para os brasileiros que moravam nos EUA. “A ação
englobava banners e merchandising com os apresentadores do
canal estimulando a venda de cartões telefônicos”. (Ibid, p. 25)
Nesse período, 38% da audiência era de brasileiros que mora-
vam em outros países com maiores índices nos EUA, Japão e
Europa, atualmente esse público já representa uma fatia bem
menor, ficando nos 30%.
Referente à visualização de publicidade, existe um
banner rotativo na parte superior. Além disso, entre os pro-
gramas são mostrados pequenos comerciais no formato pa-
trocínios. Também são exibidos comerciais educativos, tra-
zendo temáticas como juventude, educação, drogas e cultura.
As possibilidades desse tipo de portal são resumidas na tabela
a seguir.

Tabela 2. Resumo das possibilidades ofertadas


pelo portal allTV

Fornecimento do conteúdo Próprio


Origem dos conteúdos Profissionais e alternativos
Estilo de programação Em fluxo e em catálogo
Possibilidade de download Sim
Possibilidade de interatividade Sim

Qualidade de imagem Média e baixa


Fonte: autores.

Desse modo, nesse estilo de TV pode-se perceber


a semelhança com a televisão digital terrestre, pois, além de
tudo que já possui de familiar com o modelo convencional,
ainda dispõe da questão da interatividade e possibilidade de
download, bem como a programação disponível para d