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A ECONOMIA BRASILEIRA
no contexto da crise global
Os artigos que compõem este livro são o no contexto da crise global
com artigos de
resultado do acompanhamento da conjuntura
econômica pelo Grupo de Economia da José Roberto Afonso
Fundação do Desenvolvimento Administrativo Júlio Sergio Gomes de Almeida
(Fundap), bem como de contribuições de Carolina Troncoso Baltar
pesquisadores convidados. O trabalho se Geraldo Biasoto Junior
enquadra na perspectiva de compreender a Rafael Fagundes Cagnin
economia política contemporânea, em linha Marcos Antonio Macedo Cintra
com o esforço de diferentes instituições – e Maryse Farhi
por meio de diversas correntes teóricas – de
Adriana Nunes Ferreira
construir uma narrativa das transformações
políticas, econômicas e sociais ocorridas no
A ECONOMIA BRASILEIRA Maria Cristina Penido de Freitas
Daniela Salomão Gorayeb
Brasil nas últimas duas décadas. Seus capítulos no contexto da crise global
Biasoto Junior
Luis Fernando Novais Luis Fernando Novais
retomam o período posterior ao agravamento
Rafael Fagundes CAGNIN Luciana Portilho
organizadores
da crise internacional de 2008 e seus efeitos
CAGNIN
Novais
sobre a economia brasileira. Geraldo Biasoto Junior Daniela Magalhães Prates
organizadores Marina SequetTo
CAPÍTULO 8
Introdução1
A política fiscal brasileira entre 2003 e 2013 pode ser dividida em dois perí-
odos bastante específicos. O primeiro é uma composição entre a herança do go-
verno Fernando Henrique Cardoso (FHC) e a influência do presidente do Banco
Central do Brasil (BCB), Henrique Meirelles, e do Ministro da Fazenda, Antonio
Palocci, no comando da política econômica do primeiro governo Luiz Inácio
Lula da Silva (Lula). O segundo período teve seus contornos iniciais nos últimos
meses do primeiro governo Lula, depois reforçados com o advento do Programa
de Aceleração do Crescimento (PAC); mas só se apresenta de forma plena a partir
do aprofundamento da crise mundial em 2008. Esse segundo período prevalece
ao longo do governo Dilma Rousseff (Dilma). A grande diferença entre os dois
períodos refere-se ao modo como é entendido o papel da política fiscal no regime
de política macroeconômica. Em verdade, essa diferença reflete uma mudança do
próprio entendimento das funções do Estado na dinâmica da economia.
A entrevista do secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin, ao jornal Va-
lor Econômico, em abril de 2013, tornou clara a mudança de lógica na política
fiscal. A meta implícita da política fiscal, na primeira década deste século, foi a
evolução da dívida pública em relação ao Produto Interno Bruto (PIB). Agora,
1. Este artigo reproduz, em parte, argumentos e trechos do ensaio técnico “Sobre Fazer o Cumprimento da
Meta de Superávit Primário”, escrito em parceria com Gabriel Leal de Barros, para o Ibre/FGV, em feve-
reiro de 2013. Como de praxe, as opiniões são próprias e não das instituições citadas.
2. Em 29 de abril de 2013, Arno Augustin afirmou o seguinte, ao jornal Valor Econômico: “Estamos deixando
claro desde o início do ano que para 2013 e 2014, e provavelmente será essa a política do governo para 2015 e
2016, que o [superávit] primário vai ser sempre uma variável da economia e não mais da dívida pública em si”.
Fonte: Banco Central do Brasil e Secretaria da Receita Federal. Elaboração: Grupo de Economia / Fundap.
2013
2007 2008 2009 2010 2011 2012
(junho)
Empresas estatais federais 0,06 0,01 0,05 0,02 -0,01 0,02 0,01
Empresas estatais estaduais -0,01 -0,07 -0,08 -0,07 -0,04 0,04 -0,00
Empresas estatais municipais -0,00 -0,00 -0,01 -0,01 -0,01 -0,01 -0,01
Dois aspectos indicam que a política econômica trocou a política fiscal austera
pelo estímulo à demanda. Em primeiro lugar, é visível que o segmento ‘governo
federal’ (exceto Banco Central e INSS) foi responsável por grande parte da queda
no superávit primário, de 3,9% do PIB para 2,9% do PIB, entre 2007 e 2012,
passando a 2,6% do PIB no primeiro semestre de 2013. Em segundo lugar, o
governo federal voltou a permitir aos governos estaduais a obtenção de financia-
mentos junto às instituições oficiais de crédito. Premido pela forte contestação ao
Acordo da Dívida de 1997, o governo federal resolveu contornar a questão abrin-
do linhas de crédito aos estados, o que se espelha na queda do superávit primário
em 2012 (BIASOTO JR., 2011).
Tabela 5. Despesa do Tesouro Nacional – Acumulado de janeiro a junho de 2012 e 2013 (em R$ mil)
Variação
2012 2013
Nominal
RECEITA LÍQUIDA TOTAL 427.589,6 417.654,7 -2,3%
DESPESA TOTAL1 379.621,4 428.413,3 12,9%
Despesas do Tesouro Nacional 231.593,8 259.780,5 12,2%
Pessoal e Encargos Sociais2 89.525,5 96.317,7 7,6%
Custeio e Capital 140.983,1 162.245,0 15,1%
Despesa do FAT 14.189,2 17.333,8 22,2%
Abono e Seguro-desemprego 14.007,2 17.095,5 22,0%
Demais Despesas do FAT 182,0 238,3 31,0%
Subsídios e Subvenções Econômicas 7.838,2 6.230,4 -20,5%
Operações Oficiais de Crédito e Reordenamento de Passivos 5.737,5 3.938,8 -31,4%
Despesas com Subvenções aos Fundos Regionais 2.100,7 2.291,6 9,1%
Benefícios Assistenciais (Loas e RMV) 14.537,7 16.832,6 15,8%
Outras Despesas de Custeio e Capital 104.418,0 121.848,3 16,7%
Outras Despesas de Custeio 71.584,9 88.681,5 23,9%
Outras Despesas de Capital 32.833,1 33.166,8 1,0%
Transferência do Tesouro ao Banco Central 1.085,1 1.217,8 12,2%
Benefícios Previdenciários 146.399,2 166.740,8 13,9%
Benefícios Previdenciários – Urbano3 113.389,5 128.940,0 13,7%
Benefícios Previdenciários – Rural3 33.009,6 37.800,8 14,5%
Despesas do Banco Central 1.628,5 1.892,0 16,2%
RESULTADO PRIMÁRIO DO GOVERNO CENTRAL 48.061,8 32.304,1 -32,8%
JUROS NOMINAIS -82.250,0 -78.756,0 -4,2%
RESULTADO NOMINAL DO GOVERNO CENTRAL -34.188,3 -46.451,9 35,9%
Fontes: Secretaria do Tesouro Nacional (STN) e Ministério da Previdência Social.
(1) Apurado pelo conceito de “pagamento efetivo”, que corresponde ao valor do saque efetuado na Conta Única. A partir de
1/3/2012, inclui recursos de complementação do FGTS e despesas realizadas com recursos dessa contribuição, conforme
previsto na Portaria STN n. 278, de 19/4/2012.
(2) Exclui, da receita da Contribuição para o Plano da Seguridade Social (CPSS) e da despesa de pessoal, a parcela patronal
da CPSS do servidor público federal, sem efeitos no resultado primário consolidado.
(3) A apuração do resultado do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) por clientela urbana e rural é realizada pelo
Ministério da Previdência Social, segundo metodologia própria.
0
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012
Embora seja quase senso comum que a evolução da Dívida Líquida do Setor
Público (DLSP) é função do superávit primário, é importante frisar que há outros
determinantes de sua dinâmica. A Tabela 7 mostra que, nos anos de 2011 e 2012,
a DLSP caiu 2,7% do PIB e 1,2% do PIB, respectivamente. No primeiro ano,
os juros nominais de 5,7% do PIB foram mais que compensados pelo superávit
primário de 3,1% do PIB, somado à expansão do PIB de 3,5% e ao ajuste cambial
de 1,6%. Esse último refletiu a desvalorização do real sobre o estoque liquida-
mente credor em moeda estrangeira.
Em 2012, as variáveis “extrafiscais” não foram tão favoráveis. A queda da dí-
vida líquida foi menor: 1,2% do PIB. A forte desaceleração do crescimento do
produto colaborou com 2,5% do PIB. Os juros nominais caíram do patamar de
5,7% do PIB para 4,9% do PIB, mas essa queda foi compensada pela retração do
superávit primário de 3,1% do PIB para 2,4% do PIB. Enquanto isso, o ajuste
cambial continuou sendo utilizado como redutor da dívida, em função da desva-
11. A utilização do Fundo Soberano no conceito de déficit até poderia ser realizada se fosse feito um esforço
teórico no sentido de contabilizar patrimônios do Estado ao cálculo das variáveis da política fiscal. Esse
movimento traria um padrão muito mais relevante ao cálculo do déficit, mas o governo federal não fez esse
movimento de releitura dos conceitos das contas públicas.
Dívida líquida total – saldo 1.508.547 36,4 1.550.083 35,2 1.580.271 34,5
Dívida líquida – variação acumulada no ano 32.727 -2,7 41.536 -1,2 30.188 -0,7
Fatores condicionantes1: 32.727 0,8 41.536 0,9 30.188 0,7
NFSP 107.963 2,6 108.912 2,5 65.935 1,4
Primário -128.710 -3,1 -104.951 -2,4 -52.158 -1,1
Juros nominais 236.673 5,7 213.863 4,9 118.093 2,6
Ajuste cambial2 -66.626 -1,6 -56.560 -1,3 -55.321 -1,2
Dívida interna indexada ao câmbio -3.405 -0,1 -3.171 -0,1 -2.966 -0,1
Dívida externa – metodológico -63.221 -1,5 -53.389 -1,2 -52.355 -1,1
Dívida externa – outros ajustes3 -9.097 -0,2 -5.011 -0,1 19.485 0,4
Reconhecimento de dívidas 487 0,0 -5.805 -0,1 88 0,0
Privatizações 0 0 0 0 0 0
Efeito crescimento PIB – dívida4 -3,5 -2,1 -1,4
PIB últimos 12 mesess em valores correntes* 4.143.013 4.402.537 4.579.954
12. A discussão sobre a retirada de empresas estatais produtivas não foi bem realizada no âmbito do governo
nem dos analistas econômicos. É importante frisar que os conceitos de déficit, geralmente usados em
momentos de crise, acabaram assumindo um escopo maior que o desejável e conceitualmente correto,
justamente pela situação de crise e descrédito. Numa estratégia de longo prazo, não há por que contabilizar
empresas que têm retornos positivos de seus investimentos e não dependem de recursos do Tesouro para
a sua sobrevivência.
13. A equalização cambial cumpre o papel de ressarcir o Banco Central das perdas envolvidas em operações
de swap e no carregamento das reservas, tal como instituído pela Medida Provisória n. 435, de 26 de junho
de 2008.
16. Para aceitar esse argumento, é preciso ignorar que tais títulos seriam parte dos meios de pagamento,
mesmo no seu conceito menos abrangente.
17. Ver Relatório de Gestão Fiscal da LRF, para o segundo quadrimestre, em: http://bit.ly/XOXSa9.
18. Serviços online até chegaram a noticiar isso em 27/12/2012, mas poucos notaram ou repercutiram o as-
sunto. O Globo OnLine comentou: “[...] De acordo com a Resolução n. 4.175 do Banco Central, 25% das
ações que o BNDES possui e que são classificadas como ‘disponíveis’ (papéis de longo prazo que não são
negociados no dia a dia do banco, mas que formam sua reserva e servem de esteio para o patrimônio líqui-
do do banco e seus empréstimos) não precisarão mais ser reclassificadas toda vez que houver uma variação
muito grande na cotação destas ações. Assim, o lucro do banco não será afetado com a recente queda nas
cotações das ações que predominam na carteira do BNDES: Petrobras e Eletrobras. Indiretamente, dizem
fontes, essas medidas podem até ajudar o resultado fiscal do governo, uma vez que o BNDES tem sido nos
últimos anos um dos maiores pagadores de dividendos ao governo, que entra em seu caixa, melhorando
suas contas. [...] Mas fontes do mercado confirmam que o impacto poderá ser significativo no resultado
do banco. No terceiro trimestre de 2012, o lucro do BNDES foi de R$ 2,043 bilhões, valor 21% inferior
ao registrado no mesmo período do ano passado (R$ 2,587 bilhões). No acumulado do ano, a queda no
lucro é ainda maior: nos nove primeiros meses o resultado foi de R$ 4,785 bilhões, 39,2% a menos que no
acumulado em 2011 até setembro (R$ 7,866 bilhões)”.
19 Ver Acordão TCU n. 3071/2012. Disponível em: http://bit.ly/UhjC0i
20. Ver balanços da Petrobras e do BNDES, respectivamente, ao final de setembro de 2012, em: http://bit.
ly/WM3piA e http://bit.ly/Vl2K6z
21. Segundo o BCB (http://bit.ly/mPJVtx), em outubro de 2012, a Caixa tinha R$ 25,1 bilhões de patrimô-
nio de referência – nível 1.
22. Ver matéria “O Risco de ter como sócio o governo”, publicada no jornal Correio Braziliense de 6/1/2013, disponibi-
lizado em: http://bit.ly/UAjc3Z.
23. Ver artigo publicado no jornal Valor Econômico, edição de 15/1/2013 – copiado, dentre outros, em: http://
bit.ly/1h5wymg
Observações finais
Referências