Você está na página 1de 15

16/03/2020 seminário de filosofia | grupo de estudos de filosofia grega, clássicos da literatura greco-romana e religião cristã

seminário de filosofia

grupo de estudos de filosofia grega, clássicos da literatura greco-romana e religião cristã

Thalla a chluiche le do deideagan

setembro 6, 2009

I’m afraid there’s many a spectacled sod

Prefers the British Museum to God.

***

Receio que haja muitos caixa-d’óculos filisteus

que preferem o Museu Britânico ao próprio Deus.

(W. H. Auden)

Posted by davijd
Filed in Uncategorized
Leave a Comment »

Game Over

agosto 30, 2009

(…)

And indeed there will be time

For the yellow smoke that slides along the street,

Rubbing its back upon the window-panes;

There will be time, there will be time

To prepare a face to meet the faces that you meet;

There will be time to murder and create,


https://seminariodefilosofia.wordpress.com 1/15
16/03/2020 seminário de filosofia | grupo de estudos de filosofia grega, clássicos da literatura greco-romana e religião cristã

And time for all the works and days of hands

That lift and drop a question on your plate;

Time for you and time for me,

And time yet for a hundred indecisions,

And for a hundred visions and revisions,

Before the taking of a toast and tea.

(…)

E na verdade tempo haverá

Para que ao longo das ruas flua a parda fumaça,

Roçando suas espáduas na vidraça;

Tempo haverá, tempo haverá

Para moldar um rosto com que enfrentar

Os rostos que encontrares;

Tempo para matar e criar,

E tempo para todos os trabalhos e os dias em que mãos

Sobre teu prato erguem, mas depois deixam cair uma questão;

Tempo para ti e tempo para mim,

E tempo ainda para uma centena de indecisões,

E uma centena de visões e revisões,

Antes do chá com torradas.

(The Love Song of J. Alfred Prufrock, T. S. Eliot. – Tradução de Ivan Junqueira)

Posted by davijd
Filed in Uncategorized
Leave a Comment »

O Coração e O Mundo

agosto 16, 2009

por Pedro Se e Câmara

https://seminariodefilosofia.wordpress.com 2/15
16/03/2020 seminário de filosofia | grupo de estudos de filosofia grega, clássicos da literatura greco-romana e religião cristã

…põe teu coração


nas mãos Daquele grande solitário.

(Bruno Tolentino)

Criticar o mundo moderno em nome de um mundo que passou, por melhor que tenha sido, é
literalmente uma forma de culto da História, tão condenável quanto o culto que lhe prestam
progressistas de toda sorte. É por isto que não creio na crítica ao mundo moderno em nome da Igreja
Católica ou de um tempo passado, mas somente em nome da verdade, trazida pela consciência
individual, sua única portadora. Ela é que fundamentará qualquer fala, a favor ou contra qualquer
coisa.

Um mundo antigo não era bom porque sua organização social era melhor do que a atual, ou porque a
cultura era diferente, ou porque as tecnologias eram outras; ele era melhor ou pior conforme a
santidade e o desejo de verdade de cada indivíduo em particular. E não podemos restaurar, de um
mundo passado, as suas instituições, suas leis, ou sua cultura; mas podemos restaurar, dentro de nós
mesmos, a sua essência cristã, a mesma que já sustentou sociedades tão diferentes através dos últimos
dois mil anos, e ter conosco “a única coisa necessária”, inclusive para a nossa felicidade.

Se não desejarmos primeiro isso, estaremos confundindo o Cristianismo com um determinado


momento da história cristã ao qual nos apegamos particularmente. Pentecostais e membros da
“Renovação Carismática” se apegam a uma imagem da “Igreja primitiva”; conservadores franceses se
apegam aos tempos monárquicos; partidários da Sociedade de São Pio X, também, muitas vezes se
apegam ao Concílio de Trento. Porém, a crítica de qualquer coisa em nome de um mundo passado ou
mesmo de uma instituição, ainda que seja a Igreja Católica, não vale muita coisa, assim como não vale
a pena ser católico se não se traz, intimamente, os fundamentos do catolicismo. Se cada um não
trouxer em si, pessoalmente, as verdades da religião, ela corre o risco de se tornar apenas um
legalismo de fariseus, um passadismo insuportável, ou uma ridícula e imaginária nostalgia da Idade
Média.

O que devemos buscar, para além dos vários momentos da Igreja, é o Espírito que animou estes
momentos, o Espírito que lhes confere unidade, o Espírito que nos mostra o Cristo tão presente em
Pentecostes como no Magistério, o Espírito que permite que, dois mil anos após a Revelação, ela
esteja tão próxima quanto no primeiro dia. Em nome deste Espírito as montanhas são movidas; por
este Espírito vem a santidade.

Talvez, para a minha geração – tenho 23 anos – seja mais fácil compreender que a questão não é lutar
pela restauração de “como as coisas eram antes de tais ou quais eventos”, porque já nascemos em um
mundo tão minado, tão esvaziado de Cristianismo, que não podemos nem sentir saudades de algum
tempo em que tenhamos vivido, como nossos avós ou eventualmente nossos pais. Se por um lado isto
nos priva de certas facilidades para nossa educação, ao nos obrigar a estar dialetizando
constantemente as idéias modernas, por outro nos dá a vantagem de não nos comprometermos com
uma cristalização de uma possibilidade de mundo cristão, confundindo-a com o Cristianismo
mesmo; a nós, jovens hoje, só nos é dada a possibilidade de irmos direto às coisas mesmas, ao próprio
centro da realidade, pois é só nela que encontramos o Cristo, e não mais no tecido cultural que
deveria ser um caminho para ela.

Vivemos apenas com a justa sensação de que algo está ruindo, se acabando; que um mundo se esvai.
A cultura que erigiu um ocidente desaba, atacada por aqueles que desejam substituí-la por uma
massa politicamente correta, e a própria Igreja Católica, que mantinha institucionalmente a unidade
de valores do mundo antigo, está tão contaminada e comprometida com esta nova ordem mundial

https://seminariodefilosofia.wordpress.com 3/15
16/03/2020 seminário de filosofia | grupo de estudos de filosofia grega, clássicos da literatura greco-romana e religião cristã

que não pode mais lhe oferecer uma resistência real – muitas vezes, nem uma resistência superficial.
Não há porque querer restaurar o mundo anterior, que foi terminar neste e que neste terminaria uma
vez mais se restaurado fosse.

Talvez algum leitor imagine que eu esteja propondo nestas linhas algo distante da autoridade, do
aspecto institucional da Igreja. Na verdade, o que proponho é que olhemos não para os pecados da
Igreja moderna, nem para virtudes particulares da Igreja neste ou naquele tempo, mas para o centro
de onde emana toda a autoridade e virtude da Igreja em qualquer tempo, e que peçamos a Deus que
nos conceda esta visão, pois foi com ela que o Cristianismo resistiu por dois mil anos, e é dela que
depende o futuro do Cristianismo sobre a terra.

O fato é que em meio ao nosso mundo decadente não adianta buscar abrigo ou respaldo cultural em
um tempo que passou. O cristão, na verdade, sempre foi um solitário; agora, que uma vez mais a
cultura se volta contra o Cristianismo, esta solidão está apenas evidenciada. E é na solidão do nosso
próprio coração, que muito mais facilmente do que antes não consegue se comprazer no mundo, que
vamos encontrar a fé que nos animará.

No coração, como disse a Virgem em Fátima, falando de seu próprio coração imaculado. Nele é que
está o triunfo. O triunfo que talvez os homens sequer percebam, de tão inconscientes que estão. O
triunfo de uma coisa eterna e fixa sobre a transitoriedade e a “agitação feroz e sem finalidade” (nas
palavras de Manuel Bandeira) do discurso moderno. Entregando o coração ao Cristo, buscando o
Cristo solitário na Cruz, abandonado pelo mundo, sem ter outros que o entendessem que não o Pai e
Maria, assim é que encontraremos a força para vencer as potestades. Não buscando um tempo que
passou, mas fazendo uma verdadeira revolução, isto é, uma volta ao ponto original: a Cruz.

Só quando perdermos completamente o desejo de restaurar um mundo qualquer, que na verdade não
conhecemos, e desejarmos simplesmente instaurar o Reino de Deus em nosso coração, então nossa
consciência estará alimentada de palavras que podem até vir a aquecer outros corações, como o
Cristo ressurrecto fez com os discípulos de Emaús. Porque só mesmo quando morrermos para este
mundo teremos nascido para a vida eterna.

14/07/2000 Festa de São Boaventura

Este artigo foi publicado numa edição especial do cristiandad.org (h p://www.cristiandad.org/)

FONTE: h p://www.oindividuo.com/pedro/pedro26.htm
(h p://www.oindividuo.com/pedro/pedro26.htm)

Posted by davijd
Filed in Uncategorized
Leave a Comment »

Sobre a vocação pessoal

agosto 16, 2009

Contudo, todos ou quase todos se atrevem a subir no Capitólio e a proferir oráculos para o porvir e
para a sorte dos homens e dos povos. E deslumbrados pela grande mentira de que podemos
improvisar tudo e fazer de cada um de nós um ministro, um professor de filosofia ou um escritor,

https://seminariodefilosofia.wordpress.com 4/15
16/03/2020 seminário de filosofia | grupo de estudos de filosofia grega, clássicos da literatura greco-romana e religião cristã

marchamos com os braços soltos e balançando.

Nosso empobrecimento – quanto aos valores humanos – é um fato que está diante de nossos olhos;
nossa miséria não pode ser dissimulada porque os farrapos que levamos sobre nós revelam a
presença de um mendigo. O que devemos fazer? Enriquecermo-nos. Formar o patrimônio dos valores
humanos que devem ser o tesouro vivo e inesgotável de nossa pátria. E para isso dever-se-á formular
um programa cujos pontos centrais estejam em aberta luta contra as tendências fundamentais da
mentira das democracias, que nos empobreceu e despojou. Este programa pode ou não ter algum
valor para os velhos, mas deve ser a bandeira dos jovens novos e fortes que querem levar à sua direita
a chave do porvir.

(…)

A juventude deve se deter na posse de um profundo movimento de reverência diante de sua própria
vocação. E deve entregar-se com paixão e empenho ao significado de seu próprio destino e da direção
de suas energias pessoais.

Há uma imensa caravana dos que nunca suspeitaram sequer sua vocação. No entanto, isto não prova
mais do que o esquecimento em que todos os dias se põem as próprias responsabilidades e os
próprios pensamentos. Precisamos marchar em meio à vertigem e todos os viajantes marcham
precipitadamente nesta hora de debandada. Mas apesar disso devemos deter ou moderar a marcha,
voltar sobre os nossos próprios passos, escarvar o mais recôndito das nossas entranhas, gritar de
forma penetrante ao homem que todos levamos no nosso interior, e não suspender nem a nossa
exploração nem os nossos chamados, até ouvirmos que nos fala a voz ressoante de nossa vocação
pessoal. Ao nosso redor sempre há forças que nos despertam e podem sacudir o impulso íntimo de
nossos destinos individuais.

(…)

Se nossos gritos – durante o momento em que nos aproximamos do abismo de nós mesmos – se
perdem e não ouvimos a resposta, devemos gritar para fora, a todos os ventos, e tocar as molas que
comecem e acabem a obra total do nosso despertar.

E ainda que de início se extingam nossas vozes no deserto e nos pareça que não há dentro de nós
mesmos nada além de solidão e abatimento, haverá de chegar o instante da revelação e estaremos
cara a cara com nós mesmos e com o sentido claro e preciso de nossa vocação pessoal. Nada ou quase
nada se encontra, porque nada ou quase nada se busca; e o primeiro passo que se deve dar é este:
desenterrar-nos, fixar a direção de nosso destino individual. Teremos encontrado ouro ou cobre,
barro ou ferro para fazer espadas; mas ouro ou cobre são os materiais de que se fazem todos os
valores humanos.

(Trecho de ‘Tu Serás Rey’, de Anacleto González Flores)

Posted by davijd
Filed in Uncategorized
Leave a Comment »

Paulo VI e Jean Guitton

julho 14, 2009


https://seminariodefilosofia.wordpress.com 5/15
16/03/2020 seminário de filosofia | grupo de estudos de filosofia grega, clássicos da literatura greco-romana e religião cristã

– Mestre, sem dúvida vim saudar em seus últimos momentos de vida uma grande mente e um
servidor da fé. Também vim para assistir um amigo em sua dolorosa caminhada. Mas antes de tudo
sou um sacerdote. Você mesmo me disse. O amor de Deus me obriga a abrir para sua salvação minha
alma sacerdotal. Mestre, responda-me: sua vida foi um êxito?

– Sua Santidade, é Deus quem me vai dizer isso.

– Gui on, não fale como se já estivesse morto. Seu tempo não está consumado. Até o último momento
a balança não pende nem para um lado nem para outro.

– Trabalhei cem anos para Deus. Dediquei-Lhe todos os meus esforços e consegui saber e crer. Escrevi
cinqüenta livros para explicar as verdades que conheci.

– Mas você rendeu frutos?

– Já disse que publiquei cinqüenta livros.

– Eu sei, li-os todos. Mas, em nome de Deus, já não se trata de fé, mas de amor.

– Santíssimo Padre, a mim ainda me resta tempo de amar?

– Sempre há tempo para aquele que está no tempo.

– Desgraçadamente! Se perdi cem anos, como posso esperar algo em meus últimos segundos?

– Como? Deixe-me contar-lhe. Um jovem havia se matado. Sua mãe, pungida de dor, fez uma viagem
ao povoado de Ars, onde então era pároco João Maria Vianney, o cura d’Ars. Ele confessava da
manhã à noite. A igreja estava cheia de gente que esperava a sua vez. A mulher se sentou e começou a
chorar. Passaram-se seis horas. Chegou a vez dela. Aproximou-se do confessionário e se acomodou
no local do penitente. As grades se abriram. Através da vidraça passou um raio de luz. Pôde ver o
azul dos olhos do santo. Aquele azul. Não teve tempo de dizer nada. O santo sussurrou em seu
íntimo: “Está salvo”. “Como é possível?”. “Entre a ponte e a água há um espaço para o
arrependimento”.

– Santíssimo Padre, o que é o arrependimento?

– Em uma palavra: é amar.

– Quase nunca tive tempo de amar. Tinha que pensar, crer e saber. Refletir. Saber sempre melhor, crer
sempre mais firmemente. Esta era a minha vida. Sempre deixava o amor para o dia seguinte. E a
oração também.

– Hoje você deve amar.

– Mas Deus gosta dos restos?

– Deus ama o último.

– Estou tão longe do amor divino…

– Você é o São João do Último Extremo. Venho do Céu para plantar o amor.

– Lutei, estudei, cri e soube das coisas. Ah, Montini!

– O que foi?
https://seminariodefilosofia.wordpress.com 6/15
16/03/2020 seminário de filosofia | grupo de estudos de filosofia grega, clássicos da literatura greco-romana e religião cristã

– O coração… Estou melhor já… Santo Padre, creio que já não tenho medo do amor.

– Diga: “Deus meu, te amo!”.

– Deus meu, sei que Sua santa religião é verdadeira.

– Não se trata disso, Gui on. Diga: “Deus meu, te amo!”.

– “Meu Deus, creio firmemente em Ti”.

– Por Deus, Gui on, repita depois de mim: “Deus meu, te amo!”.

– Jamais conseguirei.

– Jean, se abra!

– Estou fechado.

Paulo VI levantou as mãos ao céu e gritou com voz forte:

– Jesus! Jesus! Jesus!

– O nome do meu Salvador foi pronunciado sobre mim por seu santo vigário e assim minha alma se
liquefez. Falarei a Deus neste último instante.

– E o que Lhe dirá?

– Deus meu, te a… Ah…!

Assim morri, nos braços de Paulo VI. Quando sentiu que eu caía, amorteceu a queda e me deitou,
com bondade e respeito, sobre o velho e belo tapete. Fechou-me os olhos, e logo se ajeitou ao meu
lado. Rezava. Marzena entrou e deu um grito.

(Trecho de “Meu testamento filosófico”, de Jean Gui on.)

Posted by davijd
Filed in Uncategorized
Leave a Comment »

A prudência: ver aquilo que é

junho 23, 2009

Se perguntarmos, então, sóbria e objetivamente, o que se pode exigir e esperar em termos de “ser-
bom” do homem comum – e, portanto, de cada um de nós -, logo pede a palavra a antiga sabedoria
que fala do espectro de quatro cores em que se desdobra a luz da perfeição. É a doutrina das
“Virtudes Cardeais”: Prudência, Justiça, Fortaleza e Temperança. O termo latino cardus significa
gonzo, que abre o portal da vida.

https://seminariodefilosofia.wordpress.com 7/15
16/03/2020 seminário de filosofia | grupo de estudos de filosofia grega, clássicos da literatura greco-romana e religião cristã

Esses quatro nomes certamente já foram ouvidos muitas vezes, sem que seu significado fosse levado a
sério. No momento, porém, em que isto se faça, a situação torna-se complicada. Por exemplo cabe já
perguntar: como pode a Prudência ser virtude? E a compreensão tornar-se-á ainda mais difícil
quando nos disserem que a seqüência não é casual, mas obedece a uma lógica de significado e de
hierarquia: à Prudência, cabe, portanto, o primeiro e mais elevado posto. E mais ainda, tal formulação
nem ao menos é precisa; a rigor, a Prudência não ocuparia um lugar como elo dessa série: ela não é
algo assim como a irmã das outras virtudes; ela é a sua mãe e já foi designada literalmente como
“genitora das virtudes” (genitrix virtutum).

Desse modo, ninguém poderia – e, por estranho que possa parecer, de fato é assim – praticar a
Justiça, a Fortaleza ou a Temperança a não ser que seja ao mesmo tempo prudente. Ao mesmo tempo,
e até antes.

Pelo uso comum da linguagem e pelos hábitos de pensamento, temos alguma dificuldade não só para
concordar com o afirmado, mas até para entendê-lo. Pois não dizemos na língua alemã que é
“prudente” (Klug em alemão significa prudente e esperto) quem é esperto e com ágil inteligência
logo percebe como “levar vantagem”? E não dizemos que Fulano ou Sicrano é “prudente” demais e,
portanto, não defende com determinação e coragem suas convicções? Tudo isto, sem dúvida, é certo.
No entanto, devemos esquecer estes casos, deixá-los de lado e lembrar-nos de outras situações que
nos são igualmente familiares – por exemplo, de que, digamos, em caso de conflito, ninguém pode
tomar uma decisão justa se não conhece a realidade: como as coisas são e em que pé estão. O mais
puro desejo de Justiça, a “melhor das boas vontades”, a “boa intenção”, tudo isto não basta. Antes, a
realização do bem concreto pressupõe sempre o conhecimento da realidade.

Isso se pode exprimir também do seguinte modo: o agir humano é bom e ordenado quando procede
da verdade, que afinal de contas nada mais é que o vir-a-encarar a realidade. E precisamente este é o
sentido da prudência e de sua posição privilegiada: que – tanto quanto possível – vejamos a
realidade, que eu veja como realmente são os elementos que compõem a situação que exige de mim
uma decisão.

Este “ver as coisas”, entretanto, não é de modo algum um assunto acessório que se possa considerar
com ligeireza. Além do mais, a capacidade de “ver a realidade” é ameaçada de diversas maneiras.
Pois não se trata de uma neutra contemplação da natureza, mas da incorruptível “busca da verdade”
a respeito de situações nas quais costumam estar fortemente envolvidos fatores de interesse pessoal.
O que importa, portanto, é fazer calar nossos interesses – e, talvez também ouvir o outro,
possivelmente um oponente. Quem não consegue isto, ou não está disposto a isto, jamais chegará a
ver a realidade como ela é.

Mas isso é apenas o começo e a primeira metade da Prudência. A outra, bem mais difícil, consiste em
transformar aquilo que foi visto, a verdade das coisas, em diretriz do próprio querer e agir. Só então
se perfaz a virtude da Prudência, que com razão foi definida como “a arte de decidir-se
corretamente”. Só quem domina esta arte pode ser considerado um homem moralmente maduro e
adulto. Para ele foi cunhada a palavra da Sagrada Escritura: “Se o teu olho é simples (simplex), então
todo teu corpo estará na luz” (Mt 6,22).

Josef Pieper. Trecho de Estar certo enquanto homem – as virtudes cardeais


(h p://www.ho opos.com.br/videtur11/estcert.htm).

Posted by davijd
Filed in Uncategorized
Leave a Comment »

https://seminariodefilosofia.wordpress.com 8/15
16/03/2020 seminário de filosofia | grupo de estudos de filosofia grega, clássicos da literatura greco-romana e religião cristã

Acídia e Curiositas, por Josef Pieper

junho 19, 2009

Há um desejo de ver que perverte o sentido original da visão e leva o próprio homem à desordem.
O fim do sentido da vista é a percepção da realidade. A “concupiscência dos olhos”, porém, não
quer perceber a realidade, mas ver. Agostinho diz que a avidez dos gulosos não é de saciar-se,
mas de comer e saborear; e o mesmo se pode aplicar à curiositas e à “concupiscencia dos olhos”. A
preocupação deste ver não é a de apreender e, fazendo-o, penetrar na verdade, mas a de se
abandonar ao mundo, como diz Heidegger em seu Ser e tempo. Tomás liga a curiositas à evagatio
mentis, “dissipação do espírito”, que considera filha primogênita da acídia. E a acídia é aquela
tristeza modorrenta do coração que não se julga capaz de realizar aquilo para que Deus criou o
homem. Essa modorra mostra sempre sua face fúnebre, onde quer que o homem tente sacudir a
ontológica e essencial nobreza de seu ser como pessoa e suas obrigações e sobretudo a nobreza de
sua filiação divina: isto é, quando repudia seu verdadeiro ser! A acídia manifesta-se assim, diz
Tomás, primeiramente na “dissipação do espírito” (a sua segunda filha é o desespero e isto é
muito elucidativo). A “dissipação do espírito” manifesta-se, por sua vez, na tagarelice, na
apetência indomável “de sair da torre do espírito e derramar-se no variado”, numa irrequietação
interior, na inconstância da decisão e na volubilidade do caráter e, portanto, na insatisfação
insaciável da curiositas.

A perversão da inclinação natural de conhecer em curiositas pode, conseqüentemente, ser algo


mais do que uma confusão inofensiva à flor do ser humano. Pode ser o sinal de sua total
esterilidade e desenraizamento. Pode significar que o homem perdeu a capacidade de habitar em
si próprio; que ele, na fuga de si, avesso e entediado com a aridez de um interior queimado pelo
desespero, procura, com angustioso egoísmo, em mil caminhos baldados, aquele bem que só a
magnânima serenidade de um coração preparado para o sacrifício, portanto senhor de si, pode
alcançar: a plenitude da existência, uma vida inteiramente vivida. E porque não há realmente vida
na fonte profunda de sua essência, vai mendigando, como outra vez diz Heidegger, na
curiosidade que nada deixa inexplorado”, a garantia de uma fictícia “vida intensamente vivida”.

Do Sal Terrae (h p://salterrae.org/2009/04/22/acidia-e-curiositas-por-j-pieper/).

Posted by davijd
Filed in Uncategorized
Leave a Comment »

Cronograma

abril 30, 2009

1. Homero: Ilíada – jan./09

https://seminariodefilosofia.wordpress.com 9/15
16/03/2020 seminário de filosofia | grupo de estudos de filosofia grega, clássicos da literatura greco-romana e religião cristã

1ª palestra: Homero (Luíza)

2. Platão: Apologia de Sócrates e Críton

3. Ésquilo: Trilogia de Oréstia (Agamêmnon, Coéforas, Eumênides)

2ª palestra: “A Abolição do Homem”, de C. S. Lewis (Davi)

4. Sófocles: Trilogia Tebana (Antígona, Édipo Rei e Édipo em Colono)

5. Aristófanes: As Nuvens; Eurípedes: As Bacantes – Junho

6. Platão: A República (Livros I e II)

7. Heródoto: Histórias (Livros I e II)

8. Aristóteles: Física (Livros I, II e III)

9. Aristóteles: Categorias e Ética (Livro I)

10. Plutarco: Vidas Comparadas (Licurgo, Numa Pompílio, Licurgo e Numa comparados, Alexandre,
César)

11. Evangelho Segundo S. Mateus, Atos dos Apóstolos e I Epístola de S. Paulo aos Coríntios

12. Santo Agostinho: As Confissões (Livros I-IX)

Posted by davijd
Filed in Uncategorized
Leave a Comment »

Filosofia cristã

abril 29, 2009

A realidade não chega ao nosso conhecimento só pela observação; é-nos também acessível pela
Revelação divina. Di-lo a fé, e nós somos cristãos. As nossas conclusões não deverão portanto oporse
à doutrina revelada; a nossa filosofia deverá ser, essencialmente, uma filosofia cristã.

Nenhuma das notas que caracterizam a verdadeira filosofia tem sido tão mal compreendida como
esta. No entanto é bem simples: Se a razão nos afirma a possibilidade duma revelação, e a validade
dos motivos por que aceitamos a Revelação cristã, não podemos admitir que se contradiga, e chegue,
em filosofia, a conclusões opostas à verdade revelada.

Raciocínio que termine por uma afirmação contrária à fé está errado: ou teríamos de admitir que
estão errados aqueles em que fundamos a nossa crença; não há meio-termo. E não podendo nós
aceitar a segunda hipótese, tantos séculos de estudo não encontraram nenhum vício nos raciocínios
que conduzem à fé, resta só a primeira. Quando, portanto, no fim dum raciocínio, chegarmos a uma
conclusão oposta a uma verdade teológica, podemos afirmar que há vício nesse raciocínio exatamente
como se a conclusão contradissesse um fato observado, e procurar onde ele está. É o pensamento de
S. Tomás: “Se alguma coisa, no que dizem os filósofos, é contrária à fé, não é filosofia, mas abuso da
https://seminariodefilosofia.wordpress.com 10/15
16/03/2020 seminário de filosofia | grupo de estudos de filosofia grega, clássicos da literatura greco-romana e religião cristã

filosofia, provocado pela fraqueza da razão. É por isso possível refutar o erro, e refutá-lo pelos
próprios princípios da filosofia, mostrando que o que se objeta é complemente impossível, ou pelo
menos que não é necessário [11]”.

Note-se que a recíproca não é verdadeira: a conclusão pode estar de acordo com a teologia, e no
entanto o raciocínio estar errado, não na conclusão, mas no seu desenvolvimento. O caso tem-se dado
muitas vezes.

A fé auxilia a filosofia doutras maneiras ainda. Já não falo de todos os auxílios pessoais que o filósofo
cristão encontra, diretamente, na Graça, nos Dons que a acompanham, na iluminação da inteligência
pela Fé, e indiretamente na liberdade de espírito proveniente duma vida moralmente sã; falo só do
auxilio prestado à própria filosofia.

Assim, pode o filósofo cristão conhecer, antecipadamente, pela teologia, a conclusão a que quer
chegar, o que lhe torna o trabalho muito mais fácil. O seu raciocínio não deixa, por isso, de ser
estritamente filosófico. Realmente, se o raciocínio se baseia, exclusivamente, nos princípios naturais e
na observação, é filosófico, quer se conheça quer não, anteriormente, por outra via, a veracidade da
conclusão. Há uma analogia frisante: é frequente darse aos alunos de matemática, como exercício, a
demonstração dum teorema cujo enunciado se lhes indica; os seus cálculos não deixam de ser
matemáticos, pelo fato deles já saberem, de antemão, que o enunciado é verdadeiro. O mesmo se dá
aqui.

Mais ainda. A teologia afirma a possibilidade, para a razão, de demonstrar certas verdades de fé. O
Concílio do Vaticano definiu, por exemplo, que a existência de Deus pode ser demonstrada
racionalmente. Uma tal certeza só pode aumentar a confiança com que um filósofo cristão aborda
esses problemas.

A filosofia recebe portanto da teologia um tríplice auxílio: a descoberta de muitos erros, a indicação
de algumas conclusões, a afirmação da possibilidade de resolver certos assuntos. Em paga, também
auxilia a teologia. Estuda a possibilidade e a conveniência duma revelação, nesse capítulo especial da
filosofia que é a apologética. Analisa e confirma os motivos de credibilidade, e estabelece assim a
evidência extrínseca da doutrina revelada. Refuta os erros dos que opõem à fé, erros que a teologia
não pode combater, porque eles tomam, como posição inicial, a negação da Revelação em que a
teologia se baseia. Finalmente, fornece à teologia noções e elementos de que ela se serve no estudo
racional das verdades de fé; por exemplo, o estudo, feito na filosofia de noções como as de substância
e acidente, natureza pessoa, é utilizado pela teologia quando trata dos mistérios da Santíssima
Trindade, da Encarnação, da Eucaristia.

A natureza das relações entre a teologia e a filosofia deu origem ao aforismo da Escolástica: “A
filosofia é serva da teologia”. Há duas maneiras de entender essa expressão. Pode compreender-se
como significando que se estuda filosofia unicamente com o fim de poder abordar a teologia
prevenido com as noções indispensáveis; o que, muitas vezes, tem como corolário o procurar-se
menos, na filosofia, veracidade duma solução, do que a sua conveniência sob ponto de vista
teológico. A filosofia fica então reduzida uma simples ciência auxiliar da teologia, que se serve das
suas teses e do seu vocabulário. Esta maneira de ver não é propriamente filosófica: pode ser aceitável,
se quem a adota não erra nos seus raciocínios filosóficos; mas, para a filosofia é sempre um sintoma
de decadência. A outra maneira de ver é a que, na filosofia, procura a verdade, com os recursos que a
filosofia dispõe, e por amor da verdade; reconhecendo, no entanto, que à teologia cabe indicar que
está errada qualquer afirmação da filosofia que contradiga as suas. Filosofia autônoma no seu campo,
mas subordinada à teologia, detentora de certezas de ordem superior; é a maneira de ver de S. Tomás
de Aquino.

Manuel Correa de Barros, Lições de Filosofia Tomista.

https://seminariodefilosofia.wordpress.com 11/15
16/03/2020 seminário de filosofia | grupo de estudos de filosofia grega, clássicos da literatura greco-romana e religião cristã

Posted by davijd
Filed in Uncategorized
Leave a Comment »

A vida familiar de pequeno-burgueses

abril 20, 2009

Júlio Fleichman

O jornal “O Catolicismo” teve idéia feliz de nos lembrar, arrostando as antipatias de esquerdistas, que
o ideal cristão (católico) de vida na terra deveria eleger um modo de viver modesto, pacífico, um
ambiente de recato e calma felicidade, como se pode, às vezes, descobrir na vida familiar dos simples.
Procuraram discernir este modo de viver nos quadros de vida doméstica da Holanda antiga que
Vermeer pintou tomados como exemplo visual. E em três desses quadros, assim escolhidos e
publicados como exemplos, mostram-nos a paz risonha, o ambiente acolhedor, cheio de sinais de
simplicidade e recolhimento, de naturalidade, calma e aconchego, como diz o jornal que citamos. Eis
a descrição que fazem de um dos quadros:

“Uma jovem detém-se em seus afazeres domésticos para observar, por um momento, a rua. Sua
fisionomia é distendida e calma, o gesto é natural, a cena corriqueira. Uma das mãos segura
levemente a alça de um lavabo, enquanto a outra mantém entreaberta a folha da janela. A parede é
grossa e pintada de uma só cor como numa residência modesta e comum da pequena burguesia
flamenga da época. Dá idéia de força, estabilidade, simplicidade. A sala é como um mundo fechado,
dentro da qual a pessoa se sente numa atmosfera moral específica inteiramente diversa da rua. Abre-
se para ela a janela em vitral, mas o mundo externo parece estar, psicologicamente, a mil léguas da
personagem. Ambiente fechado, sim. Porém não ambiente vazio e sem vida. Nele penetram várias
claridades de espécies diversas. Da janela vem uma luz que banha o semblante da moça se difunde
pelas paredes e pelos objetos, refletindo tons variados e se transforma em suave penumbra junto à
mesa…”.

Essa mesma idéia — um pouco surpreendente para o homem moderno — nos vem da descoberta que
grandes historiadores europeus já fizeram — um Fustel de Coulanges, por exemplo — a de que os
povos medievais, vivendo uma vida para nós frugal e simples, foram felizes, da relativa felicidade
que é possível neste mundo e conheceram os melhores governos que a Europa já viu até hoje — como
o do rei S. Luís — em que populações alegres amavam seu rei justiceiro e santo e viviam em paz.
Também João Ameal, depois de apontar as qualidades excepcionais de rei de Dom Dinis, mostra-o
trovador e trovadores com ele inúmeros fidalgos de sua corte, nomes todos a encherem os
Cancioneiros portugueses. E acrescenta: “Trova o rei. Quer dizer que Portugal é feliz, próspero, vive
em paz e unidade: que a terra produz com abundancia…; que o dever foi cumprido…” e mais
adiante: “Belo momento este em que, sobre uma pátria venturosa, uma corte de trovadores canta”.

https://seminariodefilosofia.wordpress.com 12/15
16/03/2020 seminário de filosofia | grupo de estudos de filosofia grega, clássicos da literatura greco-romana e religião cristã

Lembramo-nos do insistente tom de desdém e escárnio que os intelectuais afinados com o espírito do
mundo, sobretudo os de índole esquerdista, sempre reservaram para o ideal de vida “pequeno-
burgueses”. É verdade que seu desprezo incidia sobre uma imagem diferente de homem. O pequeno-
burguês de que zombam é, ao menos literariamente, o burguês modesto que ambiciona a vida do rico
e poderoso gozador, que pouco se importa com os que sofrem ao seu lado. Esta última é a imagem
estereotipada que os de esquerda construíram para contra ela arremeterem, ao menos na aparência. O
pequeno-burguês, em suma, é uma espécie de Madame Bovary que sonha com gozos terrenos.

Ora, o que é para nós, católicos, um ideal de vida digno de amor e defesa, é uma vida familiar que se
distancia da miséria insuportável mas sobretudo da ambição de mais riqueza e influência. Nosso
ideal inclui uma nota de renúncia e até de preferência pela modéstia e obscuridade. Uma aceitação
dos limites naturais de nossa condição e até do que de Cruz tais limites encerrem. Enfim, uma
libertação do espírito quanto à ambição e gozos terrenos para vôos mais altos da alma à procura de
espiritualizar seus deleites e mais do que isso, buscando tomar, todos os dias, a Cruz que nos coube
para seguir Aquele que é o Caminho, Verdade e Vida.

A alma que não se pode desvencilhar de cuidados terrenos, ou porque o estado insuportável de
miséria não lhe permite outra atenção ou porque ela não quer senão sonhar com riquezas e prazeres,
esta, é evidente, não poderá ter os vagares e o ócio que permitem alcançar a Sabedoria, como se lê no
Eclesiástico (38, 25).

Mas os de esquerda, ao vomitarem o burguês e seu imitador pequeno-burguês, querem lá saber disso
tudo? Pouco se lhes dá que renunciemos aos desejos e ambições de gozos e riquezas do tempo para
alçarmo-nos ao sabor das coisas do céu. Isto é, cremos nós, evidente. Por que é, então, que tanta
questão fazem (ou faziam) de vilipendiar o burguês e zombar do pequeno-burguês?

Não há de ser o fato de que tais figuras estereotipadas gozam a vida. Não têm, os de esquerda, em
princípio, razão alguma para desprezar os que assim agem, além do fato de que eles também não
fazem outra coisa quando podem (é só olhar como vivem e em torno de que requintes, os intelectuais
esquerdistas e os filhinhos de mamãe que vão de automóvel à P.U.C. fazer assembléias contra o
governo ou a favor de todas as iniciativas de esquerda). Temos ainda a evidência de que a
mentalidade que ostentam não comporta uma recusa aos gozos da terra em favor da procura dos
gozos celestes. Mas o que é então? Será, segundo eles mesmos apregoam, o puro amor aos pobres,
isto é, uma repulsa ao burguês, não porque goze a vida, mas porque o faz sem que todos os outros
gozem do mesmo modo? Terão, assim, amor aos pobres sem terem amor a Deus. Querem apenas,
para os pobres, o que querem para si mesmos. O que pode ser verdade e também pode ser que não
seja, mas, de qualquer modo, é muito mais um amor de si mesmos que um amor dos outros. Sim,
porque muito mais se horrorizam com a idéia de sofrerem a carência que vêem outros sofrer, do que
lhes acrescenta algo o fato de que os demais gozam o que eles mesmos gozam.

Convém insistir um pouco nas diferenças de posição. Nós afligimo-nos pelo fato de que uma família,
em estado de miséria, não tenha de tal modo o necessário que sua vida espiritual não se possa
desenvolver. Na verdade, uma miséria a esse ponto não é tão comum como se pensa e quando existe
decorre muito mais de circunstâncias específicas, do que de condições sociológicas ou econômicas.
Mas se a encontramos diante de nós, sabemos que temos o dever de socorre-la. Nós, porém, isto é, os
que vivem parcamente, com limitações às vezes acentuadas, alcancem os gozos da vida mundana que
https://seminariodefilosofia.wordpress.com 13/15
16/03/2020 seminário de filosofia | grupo de estudos de filosofia grega, clássicos da literatura greco-romana e religião cristã

aos homens de nosso tempo, muitas vezes, parecem condições indispensáveis de uma vida normal.
Preocupa-nos, isso sim, que não se empenhem na busca do “único necessário”. Enquanto que os de
esquerda e seus afluentes modernos, estes dizem-nos que se preocupam com os pobres, “fazem opção
pelos pobres”, segundo sua fórmula mais recente, e nos censuram porque não os seguimos.
Desafiamos a quem nos aponte um só exemplo de clamor de “opção pelos pobres” em que haja uma
única menção de zelo por condições ou conveniência de estado para a busca da vida interior. O
mínimo que se pode dizer então é que se preocupam apenas com a vida farta e distraída das
multidões, qualquer que seja o rumo de sua espiritualidade. Esta pode ser positiva, negativa,
embrutecida pelos prazeres e diversões ou cega de ódio e ambição de poder. Ou o ódio e ambição de
poder não mais seduzem o coração dos homens, ainda que fartos? Ou o ódio entre os homens decorre
sempre, como dizem os afluentes dos intelectuais de esquerda, do fato de que “o baixo poder
aquisitivo de uns e o luxo de outros são os responsáveis pelo germe de conflito e violência em que
vivemos”, como repetiu há pouco o Bispo-auxiliar Dom Afonso Gregory, aliás repetindo o que vivem
dizendo os Arns e Helderes? Cremos ser evidente, para tragédia da humanidade, que os atuais
bispos, em sua imensa maioria, não têm mais nenhuma preocupação com a vida religiosa, menos
ainda com a busca da perfeição interior, dos infelicíssimos pobres, pelos quais dizem ter feito opção.

E de que lhes valerá o cuidado — aparente ou real — com os pobres se não o fazem pela vida interior
destes, para ajudá-los a buscar o “único necessário”? A despreocupação com a dimensão sobrenatural
do amor aos pobres é que levou São Paulo a dizer: “E ainda que distribuísse todos os meus bens no
sustento dos pobres… se não tiver caridade, nada me aproveita” (I Cor. 13, 3) isto é, sustentar os
pobres com meus bens por razões meramente sentimentais ou por uma espécie de solidariedade
apenas humana, isto não vale nada, e nem para mim nem para eles. Porque é por amar a Deus que
devo amar os pobres e não amá-los diretamente de modo natural; do contrário, também os pobres
estarão sendo mal amados. Para que viveriam eles, fartos e distraídos? Supondo-se, o que é pouco
provável, que seria eficiente no fartá-los, o universo econômico, político e social que os bispos de
esquerda, que já dão mostra de excepcional incompetência e inacreditável pequenez intelectual,
querem criar. Não haverá mais de um e profundo sentido na riqueza das implicações que os dois
milagres da multiplicação dos pães encerra? Jesus, por duas vezes, alimenta milhares de pessoas até
ficarem fartas com alguns poucos pedaços de pão. Quando os homens viram o que Ele fizera,
buscaram-no para o proclamarem rei. Mas Ele não quis… Não é assim, não por esse caminho.

Para terminar e para sermos completos, lembremo-nos também que o desdém esquerdista pelos
pequeno-burgueses inclui uma nota de intelectualidade. Desprezam o burguês que não tem cultura,
isto é, a cultura dos intelectuais de esquerda (que, aliás, não é lá tão grande como insinuam). Ora, de
nossa parte, isso de cultura é um bem relativo que pode ser compatível com o nível de inteligência e
com o papel que nos cabe exercer mas não é um valor superior à modesta sabedoria do senso comum
católico, muitas vezes finamente enriquecido pela luz da fé, que faz do pequeno-burguês católico,
capaz de renúncias e vida interior, uma pessoa muito mais estimável, uma alma mais bela e
enriquecida do que a de qualquer intelectual que nem sequer suspeita nada da grandeza e da beleza
do mundo sobrenatural. Faz parte da simplicidade da vida e da simplicidade da alma do nosso
pequeno-burguês, protótipo de vida familiar adequada à vida espiritual católica, a mansidão e a
humildade que os diferencia tão fortemente dos “intelectuais”. Podemos sorrir discretamente do
desprezo de tais intelectuais, porque sabemos — ouvimos e entendemos — o que Jesus disse: “Graças
vos dou, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondestes estas coisas aos sábios e aos prudentes e
as revelastes aos pequeninos. Assim é, ó Pai, porque assim foi do Vosso agrado” (Mateus, 11, 25).
Aqui mundanos e homens bem sucedidos no mundo, e onde está escrito: “pequeninos”, lemos nós,
os homens de vida modesta que, como acima procuramos mostrar, têm melhores chances do que
quaisquer outros de buscar o Reino dos céus.
https://seminariodefilosofia.wordpress.com 14/15
16/03/2020 seminário de filosofia | grupo de estudos de filosofia grega, clássicos da literatura greco-romana e religião cristã

Editorial da Revista Permanência, n° 138-139, Maio-Junho de 1980.


(h p://www.permanencia.org.br/revista/Pensamento/Juliofleichman/Julio7.htm)

Posted by davijd
Filed in Uncategorized
Leave a Comment »
Posts mais antigos

Blog no WordPress.com.

https://seminariodefilosofia.wordpress.com 15/15

Você também pode gostar