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O GRILO E A MOEDA

Um sábio indiano tinha um amigo íntimo que vivia na grande


cidade de Barcelona. Tinham-se conhecido na Índia, onde o espanhol
tinha ido com a sua família num cruzeiro turístico. O indiano tinha
feito de guia aos passageiros espanhóis, levando-os a visitar os
lugares mais típicos do seu país.
Agradecido, o amigo espanhol tinha convidado o indiano para
sua casa. Queria corresponder ao favor, mostrando-lhe também a sua
cidade. O sábio indiano foi-se escusando, mas por fim cedeu à
insistência do seu amigo, e um belo dia tomou o avião e aterrou no
aeroporto de Barcelona.
No dia seguinte, o espanhol e o indiano estavam juntos a
passear pelo centro da cidade. O indiano, com a sua cara escura cor
de chocolate, com barba negra e turbante amarelo, atraía os olhares
das pessoas. E o espanhol caminhava orgulhoso de ter um amigo tão
exótico.
De repente, numa das avenidas mais movi-mentadas, o indiano
parou e disse:
- Ops!, estás a ouvir o que eu estou a ouvir?
O espanhol, um pouco surpreendido, aguçou o ouvido quanto
pode, mas confessou que não ouvia mais que o ruído do trânsito e
das pessoas que passavam.
- Pois aqui próximo está um grilo a cantar, disse o indiano
seguro de si mesmo.
- Enganaste-te, de certeza -, respondeu o espanhol. - Eu só
oiço o motor dos carros e o barulho da cidade. E além disso, o que
estava um grilo aqui a fazer?
- Tenho a certeza. Oiço um grilo a cantar -, respondeu o
indiano e, sem pensar duas vezes, pôs-se a procurar entre as folhas
de uns arbustos e ervas que ali havia.
Pouco depois apontava para um magnífico grilo cantador, que
se escondia entre as folhas, aborrecido com quem lhe vinha estragar
o concerto!
- Vês como era um grilo? -, disse o indiano.
- Tens razão -, admitiu o espanhol. -Vós, os indianos, tendes
um ouvido muito mais apurado que nós, os europeus...
- Enganas-te -, respondeu-lhe o indiano sorrindo. Repara
bem... E o indiano tirou do seu bolso uma pequena moeda e, como que
por descuido, deixou-a cair na calçada.
Logo quatro ou cinco pessoas viraram a cabeça!
- Viste? -, continuou o indiano. - A moeda ao cair fez um
barulho muito mais curto e muito mais fraco que o canto do grilo.
E reparaste como os europeus o ouviram?

(Bruno Ferrero, El canto del grillo)

UM RECADO

Quando assistires à retirada

dos andaimes

contempla - é claro -

o edifício que surge.

Mas pede pelos andaimes,

pois é duro servir de suporte

à construção,

ser necessário à obra,

e na hora da festa

ser retirado como entulho.

(D. Hélder Câmara)

CRISTÃOS, ESCUTAI!
Eu tinha fome
e fundastes um Clube com fins humanitários, em que discutistes
sobre a minha fome.
Eu vos agradeço!

Eu estava na prisão e vós fostes


para dentro de uma igreja
e rezastes pela minha libertação.
Eu vos agradeço!

Eu estava nu e examinastes
seriamente as consequências morais
da minha nudez.

Eu estava doente e caístes de joelhos


para agradecer ao Senhor
ter-vos dado saúde.

Eu estava desabrigado e anunciastes-me


os recursos do amor de Deus.
Pareceis tão piedosos e tão próximos de Deus.

Mas eu, eu continuo com fome,


Continuo sozinho, nu, doente,
prisioneiro e desabrigado.
Eu estou com frio...
poema Malawi – África

COMO SE CAÇAM MACACOS


Os caçadores de macacos inventaram um método genial e
infalível para os capturar. Uma vez descoberta a zona da selva em
que eles se costumam juntar, enterram no chão potes de gargalo
fundo e estreito. Tapam com cuidado os potes com terra, deixando só
livre a boca, justinha às ervas. Depois metem nos potes um punhado
de amendoins ou outras bagas de que os macacos gostam muito.

Quando os caçadores se retiram, os macacos voltam. Como são


curiosos por natureza, examinam os potes, e quando se dão conta das
guloseimas que lá têm, introduzem a mão e agarram um bom punhado de
amendoins e bagas, quanto maior melhor. Mas o gargalo dos potes é
muito estreito. A mão vazia entra e sai facilmente, mas quando está
cheia não pode sair.

Assim os macacos puxam e puxam sem conseguirem libertar-se.

É o momento que esperam os caçadores, escondidos na selva.


Caem sobre os macacos e apanham-nos facilmente. Os macacos resistem
violentamente, mas não lhes vem a mais pequena lembrança de abrirem
a mão e abandonar o punhado de coisas que seguram.

(Bruno Ferrero,
El canto del grillo)

O BAILE DE CARIDADE
Altas horas da noite, uma duquesa, toda coberta de jóias,
saía de um hotel de Londres onde tinha jantado e assistido a um
“baile de caridade” em benefício das crianças abandonadas.

Estava já a subir para o Rolls Royce quando um garoto

maltrapilho se aproximou, pedindo: “Por caridade, senhora, dê-me

200 escudos. Há dois dias que não como...”

A duquesa afastou-o com um gesto e disse-lhe: “Que garoto

mais atrevido! Não percebes que eu estive a dançar toda a noite

para ti?”

(Anthony de Mello,
La oracion de la Rana, 2)
LUÍSA
Havia naquela aldeia uma mulher
chamada Luísa,
cujo marido, Tibério, era alcoólico.
Ele batia-lhe amiúde
e destruía toda a paz do lar.

Se se podia chamar lar...


Nem casa! Uma barraca de pedra,
com a chuva a cair
em tudo o que era canto
e os vidros partidos
a deixarem entrar um frio
de regelar ossos.

Os filhos, claro,
não tinham aproveitamento escolar.

Na terra da Luísa
viviam duas mulheres
(cujos nomes devem ser omitidos)
convencidas da bondade do seu Deus.
E tinham como certo
que um Deus tão bom
também queria que a Luísa
fosse feliz.

Assim, tomaram como tarefa sua


levar à Luísa um pouco de felicidade,
pelo reconhecimento de também ela
ser amada daquele Deus.

A primeira destas mulheres


todas as semanas, duas tardes,
ia ter com a Luísa
e falava-lhe longamente desse bom Deus.

A segunda, todas as semanas,


em duas tardes,
trazia para sua casa os filhos da Luísa
e dava-lhes explicações
da matéria escolar.

Depois, convenceu o marido


a que este convencesse uns amigos
e fossem todos dar um conserto
ao telhado da casa da Luísa.

Além disso, boca a ouvido,


astuta e persistente,
organizou uma espécie
de consciência feminina local
de modo que quase não havia homem na terra
cujo último beijo da noite
não fosse uma recomendação da companheira
para controlar na taberna
o vinho do Tibério!
Um dia, cansada do “massacre”
da primeira mulher, Luísa respondeu-lhe mal,
numa linguagem que aqui não convém.

E só muito tempo depois,


um dia pelas quatro da tarde,
a Luísa finalmente subiu ao templo
daquele Deus bom
para lhe agradecer
a existência da segunda mulher,
e o bem que por ela lhe trazia.

DEUS VAI COM OS POBRES

- Senhor, o santo Narottam


nunca se digna vir ao teu real templo,
disse o servo ao Rei.
Se fosses até ao arvoredo do caminho,
verias a gente que se atropela
para ouvi-lo cantar os louvores de Deus,
como enxame de abelhas
em redor do lótus branco.
Entretanto, o templo está vazio,
e inútil o doirado tarro de mel.

O Rei, magoado em seu coração,


foi até ao campo
onde Narottam orava sentado na erva,
e disse-lhe:
- Pai, porque te sentas na poeira do campo,
para pregar o amor de Deus,
e não vais ao templo da cúpula de oiro?

- Porque Deus não está no teu templo,


respondeu Narottam.
O Rei, carrancudo, disse:
- Não sabes
que se gastaram vinte milhões de oiro
em levantar essa maravilha,
que foi consagrada
com os ritos mais caros?

- Sim, respondeu Narottam, bem sei.


Foi no ano em que o fogo
devastou a tua gente;
e milhares de pobres
vieram em vão pedir à tua porta.
Deus dizia:
- Miserável ser
que não pode dar casa a seus irmãos
e quer levantar a minha!
E foi-se embora com os desgraçados,
sob as árvores do caminho.

Essa pompa doirada, em que falas,


não tem dentro
mais que o bafo quente
do teu orgulho.

O Rei gritou-lhe, cheio de ira:


- Sai do meu reino!
O Santo respondeu tranquilo:
- Sim, desterras-me
para onde desterraste o teu Deus.

(R. Tagore)

O POVO DO EVANGELHO

O povo faminto de vida é o Povo do Evangelho.

O Povo do Evangelho, nas casas e nas comunidades, conhece a Deus, o


Pai que ama com coração de Mãe.

O Povo do Evangelho caminha na Luz de Jesus Cristo.

O Povo do Evangelho é aliado do Senhor da Vida, caminhando na terra


em direcção à Casa do Pai.

O Povo do Evangelho não adora ídolos, nem se curva diante do poder


do ouro e da vaidade.

O Povo do Evangelho é um povo de irmãos. Na terra do Evangelho há


lugar e vida para todos.

O Povo do Evangelho não ajunta tesouros, mas reparte o pão com a


criança, o jovem e o idoso.

O Povo do Evangelho não é dono de nada, nem faz escravos.

O Povo do Evangelho acredita que a terra a Deus pertence. A terra é


posse de quem nela trabalha para o sustento da vida.

O Povo do Evangelho acredita que o lucro do trabalho é a saúde e a


vida das crianças de todo o mundo.
O Povo do Evangelho, nas suas comunidades, dá o primeiro lugar ao
pequeno e ao fraco, ao doente e ao idoso.

O Povo do Evangelho, baptizado em Nome de Jesus, caminha na terra


como sinal de um tempo novo.

Pelo baptismo, cidadãos do Reino, o Povo do Evangelho sabe que, na


história de cada dia, marcada pela dor ou alegria, continua a
missão de Jesus.

O Povo do Evangelho, vivendo em união com Cristo, conhece, vive,


celebra e anuncia o Reino da Vida.

Entre o Povo do Evangelho todos têm a mesma dignidade. Cada um é


ministro e servidor da vida.

Na oração de cada dia, com a força da Palavra e com a participação


na comunidade e no coração do mundo, o Povo do Evangelho anuncia e
constrói o futuro.

Irmão e pastor, no meio do povo, sinto alegria e esperança, pois


tenho certeza de que a terra será lugar de vida.

Mauro Morelli, bispo,


in “E a Igreja se fez Povo”, Leonardo Boff.

O RICO QUE NÃO GOSTAVA DE POBRES

Havia um homem rico


que tinha lido nas sagradas escrituras
que a riqueza era um dom de Deus; e lera também,
numa outra passagem,
que para além de um dom de Deus,
a riqueza era o prémio que Deus concedia
àqueles que lutavam por ela.

O homem rico sabia que estava com Deus;


a prova era a sua riqueza!
Mas todos os dias,
ao fazer o exame de consciência,
descobria que aqui ou ali
tinha perdido uma oportunidade
de a aumentar um pouquito mais;
e penitenciava-se: pedia sentidamente
perdão a Deus
por não ter aproveitado quanto podia
os dons que o Altíssimo lhe queria dar!
E todos os dias fazia como propósito
para o dia seguinte,
aumentar o seu tesouro!
O homem rico, naturalmente,
não gostava de pobres. A razão era simples:
se eram pobres, é porque
não aproveitavam os dons de Deus.
E todos os dias o homem rico,
cumprindo os seus propósitos de consciência!,
pagando pouco aqui, exigindo mais além,
negociando habilmente direitos e deveres,
...deixava os pobres um pouco mais pobres.

O homem rico não gostava dos pobres; mas usava-os


para aumentar a sua riqueza
e a boa consciência
diante de Deus!

Claro que o homem rico


nunca lia o resto das palavras sagradas
do mesmo santo Livro,
onde também se dizia
que a riqueza era um dom de Deus
para todos os homens,
e que só era verdadeiramente rico
quem a partilhava.

Ou talvez as lesse; mas com olhos,


coração e ouvidos fechados,
para que não entendesse
e se pudesse converter...

De facto, mais do que tudo,


recusa a conversão!

ROUPA PARA OS POBRES


O pároco de um dos imensos subúrbios de Paris pediu um dia à
escritora Madeleine Delbrel, paroquiana comprometida, que levasse
um saco de roupa a uma família muito pobre e não crente.

Madeleine dirigiu-se com o saco para a casa que o padre lhe


indicara. Subiu os cinco andares de um bloco frio de mosaicos e
cimento cinzento. Uma mulher gorda e desarranjada, com uma criança
pela mão, veio abrir a porta. Entregou-lhe o saco da roupa. A
mulher agradeceu e Madeleine começou a descer as escadas.

Não tinha ainda descido um andar qundo ouviu que a chamavam.


Era a mulher do quinto piso que lhe gritava:
- Vem buscar o teu saco! São só trapos asquerosos. Somos
pobres, mas não vivemos de lixo.

Madeleine voltou a subir. Viu que a mulher tinha razão: o


saco tinha roupa suja. Tinha havido qualquer engano. Pediu desculpa
e voltou a descer apressada.

Passou diante de uma florista e viu um balde com lindíssimas


rosas brancas. Comprou-as, voltou atrás, encontrou o menino que
tinha visto com a senhora e disse-lhe:
- Leva-as à tua mamã.

Aquele menino foi o primeiro baptizado daquele bairro.

Bruno Ferrero,
No estamos solos.

E TU, MÃE, O QUE CHAMAS A ISSO?

No dia 1 de Janeiro de 1999, à meia-noite em ponto, nasciam


duas crianças a uma centena de metros de distância uma da outra.
Uma nasceu numa mansão luxuosa; a outra, num hospital da
Segurança Social.
Os pais do menino Jason eram muito ricos. O pai era um
próspero homem de negócios, e a mãe, detentora de grandes
propriedades. Por isso Jason estava feliz, comodamente deitado,
com a sua roupinha de luxo nova e limpa. Depois de a mãe o
alimentar devidamente e de lhe pôr nas fraldas pó de talco em
abundância, a criança dormiu na maior tranquilidade.
A outra criança, Frank, nascera de pais pobres. O pai era
trabalhador da Câmara Municipal e acabara de arrumar o parque de
estacionamento do hospital onde lhe nascera o filho. Frank
tentava dormir numa casa modesta da Segurança Social. Mas tinha
fome e sentia-se pouco confortável na roupita que herdara dos
seus irmãos mais velhos. A mãe, Betty, olhava-o impotente, quase
desculpando-se, e ia-lhe sussurrando:
«Não te preocupes, Frank. Muito em breve vou preparar-te um
outro biberão. Vamos aumentar um pouco o aquecimento: veremos se
isso faz com que te sintas um pouco melhor.
A mãe de Jason, Jayne, ia-lhe segredando, carinhosamente,
promessas de presentes, de férias deliciosas na sua «vila de
Espanha».
As crianças cresciam, sempre envolvidas no carinho de seus
pais, que os alimentavam e vestiam o melhor que sabiam. Claro
que o futuro de Jason estava assegurado. Bem depressa o
mandariam para uma Escola Preparatória particular, depois, para
um internato e, por fim, para Oxford ou Cambridge. Seu pai,
Nigel, sentir-se-ia satisfeito se o visse, um dia, engenheiro,
advogado ou médico. Mas tanto ele como Jayne estavam de acordo
em não forçar o filho a aceitar nenhum tipo de profissão que lhe
não agradasse, já que preferiam deixar a escolha totalmente em
suas mãos.
«Porque tenho de ir para o colégio, Mamã», perguntava
Jason.
«Porque é preciso que sejas inteligente como o papá e te
prepares para conseguires um bom emprego no qual sejas feliz e
rico, vivas confortavelmente numa bela casa e tenhas uma esposa
bonita e filhos encantadores.»
Betty e Tom sabiam que Frank iria para a escola local, como
todos os irmãos, que o iria abandonar aos dezasseis anos. Com
alguma sorte, conseguiria um curso profissional e seria
marceneiro, canalizador ou electricista. Ainda era demasiado
cedo para saber que espécie de trabalho seria mais oportuno.
«Porque não posso ter uma bicicleta nova como outros
rapazes da minha idade?»
«Porque não temos dinheiro para a comprar», replicou a mãe
imediatamente.
«E porque não o tendes como os pais dos outros rapazes?»
«Porque isto é mesmo assim!», explicou Tom.
«Alguns nasceram para ser ricos», explicou Betty,
desanimada.
«Que quer dizer ‘nascidos para’, mamã?», perguntou Frank,
perplexo.
«Ora bem, alguns chamam-lhe ‘má sorte’, outros ‘fado’,
outros boa ou má ‘estrela’ ou o ‘horóscopo’».
- «E tu, mamã, que chamas a isso?»

(Pedro Ribes, SJ,


Uma questão de macacos,
as andorinhas e outras parábolas)

A LINHA VERMELHA

Fui tirar-lhe a linha vermelha que tinha em cima do ombro,


como uma minhoca. Sorriu e estendeu-me a mão para apanhar a
minha. “Muito obrigado”, disse-me, “é muito amável, donde é que
você é?”
E começámos uma conversa despreocupada, cheia de variedade
e relatos exóticos, porque os dois tínhamos viajado e sofrido
muito. Despedi-me passado um bocado, prometendo cum-primentá-lo
da próxima vez que o visse, e se desse tomávamos um café
enquanto continuávamos a conversa.
Não sei o que me levou a voltar a cabeça para trás, alguns
passos adiante. Estava a colocar outra vez, cuidadosamente, o
fio vermelho em cima do ombro, sem dúvida para tentar apanhar
outra vítima que lhe enchesse durante alguns minutos o imenso
poço da sua solidão. Pensei que deveria penetrar no mistério de
tantas pessoas que talvez não nos procurem como o senhor da
linha, mas que precisam de nós.
(www.interrogantes.net)
Textos para blog, clic-a-clic:

Sentir frio (TR 02-03)


O kimono (TR 02-03)
A linha vermelha
E tu, mãe, o que chamas a isso?
Roupa para os pobres
O rico que não gostava de pobres
O povo do Evangelho
Deus vai com os pobres
Luísa
Baile de caridade
Como se caçam macacos
O grilo e a moeda
Um recado
Cristãos escutai

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