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INTRODUÇÃO

Tal como assinalado89 , as mudanças ocorridas no sistema de controle de constitucionalidade


brasileiro alteraram radicalmente a relação que havia entre os controles concentrado e difuso.
A ampliação do direito de propositura da ação direta e a criação da ação declaratória de
constitucionalidade vieram reforçar o controle concentrado em detrimento do difuso.

Não obstante, subsistiu um espaço residual expressivo para o controle difuso relativo às
matérias não suscetíveis de exame no controle concentrado (interpretação direta de cláusulas
constitucionais pelos juízes e tribunais, direito pré-constitucional, controvérsia constitucional
sobre normas revogadas, controle de constitucionalidade do direito municipal em face da
Constituição Federal).

Essas questões somente poderiam ser tratadas no âmbito do recurso extraordinário, o que
explica a pletora de processos desse tipo ajuizados perante o Supremo Tribunal Federal. É
exatamente esse espaço, imune à aplicação do sistema direto de controle de
constitucionalidade, que tem sido responsável pela repetição de processos, pela demora na
definição das decisões sobre importantes controvérsias constitucionais e pelo fenômeno social
e jurídico da chamada “guerra de liminares”

Foi em resposta ao quadro de incompletude de sistema de controle direto que surgiu a ideia
de desenvolvimento do chamado “incidente de inconstitucionalidade”, que pretendia
assegurar aos entes legitimados do art. 103 a possibilidade de provocar o pronunciamento do
Supremo Tribunal Federal sobre outras controvérsias constitucionais suscitadas nas ações
judiciais em curso90 . Tal instituto, porém, não vingou.

É necessário observar, todavia, que, desde março de 1997, tramitava no Congresso Nacional o
Projeto de Lei n. 2.872, de autoria da ilustre Deputada Sandra Starling, objetivando, também,
disciplinar o instituto da arguição de descumprimento de preceito fundamental, sob o nomen
juris de “reclamação”. A reclamação restringia-se aos casos em que a contrariedade ao texto
da Lei Maior fosse resultante de interpretação ou de aplicação dos Regimentos Internos das
Casas do Congresso Nacional, ou do Regimento Comum, no processo legislativo de elaboração
das normas previstas no art. 59 da Constituição Federal. Aludida reclamação haveria de ser
formulada ao Supremo Tribunal Federal por 1/10 dos deputados ou dos senadores, devendo
observar as regras e os procedimentos instituídos pela Lei n. 8.038, de 28-5-1990.

A discussão sobre a introdução no ordenamento jurídico brasileiro do chamado “incidente de


inconstitucionalidade” não é nova. Já na Revisão Constitucional de 1994 cogitou-se de um
instrumento que permitiria fosse apreciada controvérsia sobre a constitucionalidade de lei ou
ato normativo federal, estadual ou municipal diretamente pelo STF, incluindo-se nesse rol,
inclusive, os atos anteriores à Constituição. A ideia era que o Supremo Tribunal poderia, ao
acolher o incidente de inconstitucionalidade, determinar a suspensão de processo em curso
perante qualquer juízo ou tribunal para proferir decisão exclusivamente sobre a questão
constitucional suscitada95 .

Tal instituto, entretanto, não ingressou no ordenamento jurídico naquela ocasião, tendo sido
ressuscitada a discussão a seu respeito quando da entrada em vigor da Lei n. 9.882, de 1999,
que regulamentou a arguição de descumprimento de preceito fundamental. Aqueles que se
dispuseram a observar com mais atenção a conformação dada pela referida legislação à ADPF
notaram que, afora os problemas decorrentes da limitação dos parâmetros de controle, o
instituto, tal qual restou regulamentado, guarda estrita vinculação com as propostas
relacionadas ao incidente de inconstitucionalidade.

ARGUIÇÃO DIRETA
Essa é a regra-matriz da arguição autônoma. Diz-se autônoma por não depender da existência
de qualquer outro processo anterior no qual se controverta sobre a aplicação de preceito
fundamental, caso em que seria possível, em tese, a propositura de uma arguição por
derivação.

ARGUIÇÃO INCIDENTAL

Ora, após no caput ter a Lei tratado da arguição como ação judicial, a ser proposta pelos
legitimados do art. 103 da Constituição (art. 2º, I, da Lei da Arguição), com amplo espectro de
controle (todos atos do Poder Público), passa, neste ponto, a tratar de outra modalidade de
arguição, declarando que é esta cabível para o controle de atos normativos estatais (já aqui um
objeto mais restrito, porque excludente dos atos não normativos), mas, aqui, como incidente
em processo já em curso2 . E isso é assim por diversos motivos, os quais se passam em revista
doravante.

SUBSIDIÁRIO

Parece certo que o princípio da subsidiariedade, criado exclusivamente pela legislação de


regência, será aplicado para manter-se o status histórico da ação direta de
inconstitucionalidade, reservando à ADPF apenas um papel “secundário”, no sentido de
colmatar as lacunas do modelo brasileiro de controle de proteção (geral) dos preceitos
constitucionais fundamentais. Este tipo de interpretação do transcrito dispositivo não deixa de
causar certo embaraço. É que sempre haverá algum meio capaz de sanar a lesividade a
preceito fundamental. Isso porque o modelo brasileiro admite o controle judicial difuso-
concreto amplo, a ser realizado no seio de qualquer meio judicial “comum”. Daí surgiu uma
composição doutrinária, no sentido de acoplar ao dispositivo assim interpretado um
complemento, qual seja, a ideia de que não se trata de qualquer subsidiariedade, mas de
subsidiariedade dentro do universo do controle abstrato-concentrado. Logo, de
subsidiariedade propriamente não se trata (porque em todas as situações o instituto será
utilizado em paralelo com as ações “comuns”); trata-se, antes, de mera opção por restringir a
utilização desse novo instituto.

DESCUMPRIMENTO X INCONSTITUCIONALIDADE

A noção de descumprimento não deve ser confundida com a de inconstitucionalidade. O


termo “inconstitucionalidade” apresenta um rigor estrito no Direito pátrio, só devendo ser
aplicável nas situações especificamente delimitadas pela Constituição e pelo Supremo Tribunal
Federal. Sinteticamente, a inconstitucionalidade é considerada como uma desqualificação
intrassistêmica, restrita, ou seja, atribuível exclusivamente aos atos normativos estatais e não
a qualquer comportamento, ainda que estatal. Já o termo “descumprimento”, utilizado apenas
quando da previsão do instituto da ADPF, é conceito mais amplo, englobando a violação de
norma constitucional fundamental por qualquer comportamento, ou seja, tanto pode
descumprir a Constituição um ato normativo como um ato não normativo, nesta última
categoria incluídos os atos administrativos, de execução material e, ainda (em tese), os atos
dos particulares (excluídos apenas por força do art. 1º da Lei n. 9.882/99).

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