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ISSN: 1677-0471
revista@ibapnet.org.br
Instituto Brasileiro de Avaliação Psicológica
Brasil
RESUMO
Este estudo objetivou construir e validar um instrumento psicológico para avaliar a motivação para a aprendizagem
escolar. A amostra foi composta por 655 estudantes (387F/268M) com média de idade de 13,6 anos, de cidades do interior
de Minas Gerais e São Paulo. O instrumento utilizado foi a “Escala de Motivação para a Aprendizagem Escolar”. A
Análise Fatorial (Varimax) apontou uma estrutura de cinco fatores, nos quais se agruparam 50 itens. Na análise da
precisão (alfa de Cronbach) dos fatores, o Fator 1 obteve um bom índice. A estabilidade temporal da escala de motivação
foi estudada por meio do teste-reteste, a correlação obtida foi significativa para todos os fatores da escala. De forma geral,
a escala de motivação apresentou boas propriedades psicométricas, principalmente o Fator 1. Para os demais serão
necessários mais estudos, com a elaboração de novos itens para melhorar a consistência interna dos fatores.
Palavra-chave: Validade de Instrumento; Avaliação Psicológica; Motivação
& Ryan, 1985a,.Pintrich & Schunk, 2002 e segue este tipo de formato, pois é respondida por
Marquesi, 2004). professores, ou seja, o professor irá responder a
Dessa forma, estudar a motivação para a respeito de aspectos que poderiam refletir sobre a
aprendizagem envolve a compreensão de um motivação do seu aluno.
complexo sistema de fatores que se inter- Os questionários/escalas são outra forma de
relacionam, operando em conjunto na motivação do avaliar a motivação, e seriam respondidos pelo
aluno. Devido a isto, uma avaliação deste fenômeno próprio indivíduo a ser avaliado. Com relação ao
pressupõe a consideração de todos os aspectos formato, o questionário é composto por itens ou
envolvidos na análise da questão. questões que buscam investigar as ações e crenças
da pessoa. O indivíduo, neste caso, atribui valores
Avaliação da motivação em escalas numéricas correspondendo as suas
crenças e sentimentos com relação ao que está
Quando consideramos o aspecto escrito na questão ou item (Pintrich e Schunk,
motivacional, nos deparamos com a questão da 2002).
complexidade e dinamismo do fenômeno. Segundo Muitos instrumentos foram construídos
Murray (1986), a dificuldade de se avaliar a segundo este padrão, neste sentido vale citar o
motivação deriva da flutuação e combinação de trabalho de: Harter (1981) que construiu um
muitos padrões em momentos distintos, revelando, instrumento para avaliar a orientação intrínseca
dessa forma, o caráter dinâmico da motivação. Este versus extrínseca de crianças para a aprendizagem
aspecto não impossibilita a avaliação, mas sugere escolar e o domínio em sala de aula; Deci,
todo o cuidado na elaboração da medida e, Sheinman, Schwartz e Ryan (1981) que propuseram
principalmente, na compreensão do que ela pode a construção de um instrumento para avaliar a
oferecer. orientação de adultos em direção ao controle ou a
Murray (1986) apontou que existem dois autonomia com crianças; o de Gottfried (1985 e
métodos gerais para se acessar a motivação, um 1990) e Gottfried, Fleming e Gottfried (2001) que
deles seria verificar por meio de medidas, as elaboraram um instrumento para medir o construto
condições externas nas quais se presume produzir de motivação intrínseca em crianças e jovens e o de
um impulso que leve a uma ação. O outro método Mitchell Jr (1992) que desenvolveu um instrumento
seria medir certos aspectos do comportamento de para avaliar a motivação intrínseca e extrínseca para
um indivíduo que poderiam de alguma forma a aprendizagem de estudantes.
refletir seus motivos. Outros estudos sobre a construção ou
Pintrich e Schunk (2002) apontaram que a adaptação de instrumentos para avaliar a motivação
motivação para a aprendizagem pode ser avaliada para a aprendizagem foram realizados por Deci e
por meio de observações diretas de Ryan (1985b) Pintrich e de Groot (1990), Vallerand
comportamentos, pelo julgamento de outros e por e colaboradores (1992), Amabile, Hill, Hennessey e
relatos e auto-avaliações. As observações diretas Tighe (1994), Guimarães e Bzuneck (2002), Reeve
estão relacionadas à análise dos comportamentos de e Sickenius (1994) e Guimarães (2003). Os
um estudante que poderiam ser indicativos de resultados destes estudos permitiram concluir que é
aspectos motivacionais. Um exemplo seria colocar possível avaliar a motivação de forma válida,
o estudante de frente a algumas opções de tarefas e precisa e confiável.
verificar como este escolhe a atividade, seu esforço Todos os estudos citados anteriormente
na manutenção e realização da ação e a persistência tinham como objetivo principal a elaboração e
frente às dificuldades ou obstáculos. validação de uma escala ou questionário para
O julgamento por outros, pode ser feito por avaliar a motivação. De forma geral, o processo
pessoas que tenham contato com o estudante e que envolvido para a obtenção deste objetivo envolve: a
possam observar e avaliar suas ações. Neste caso construção do instrumento, de acordo com
também são estipulados alguns aspectos pressupostos teóricos; a aplicação num número
comportamentais que deverão ser avaliados, adequado de sujeitos (considerando-se o formato do
podendo aparecer novamente aspectos como: o instrumento, número de itens, etc); a aplicação de
processo de escolha de tarefas, o esforço empregado outros instrumentos psicológicos validados para o
para executar uma atividade, a persistência e o estudo da validade convergente e para verificação
vínculo com as tarefas. Algumas escalas criadas de hipóteses teóricas; a realização de uma Análise
como, por exemplo, a desenvolvida por Chiu (1997) Fatorial para a composição dos itens nos fatores que
determinaram o formato final do instrumento e, por características que apareciam na literatura sobre o
fim, o estudo da estabilidade temporal por meio da tema e que estavam relacionadas com a motivação
aplicação do teste e do re-teste após um período de intrínseca e extrínseca para a aprendizagem escolar.
tempo. Após esta análise, 14 áreas relacionadas à
Estes estudos forneceram subsídios para a motivação foram escolhidas como as melhores
construção do instrumento da presente pesquisa. representantes da motivação para a aprendizagem
Poucas pesquisas brasileiras sobre o assunto foram em sala de aula. Para cada uma das áreas foram
encontradas, na opinião de Guimarães e Bzuneck elaborados quatro itens, sendo dois positivos, ou
(2002) existe uma falta de instrumentos seja, relacionados com a característica escolhida e
psicológicos que possibilitem o avanço desta área dois negativos, relacionados inversamente com a
de conhecimento, principalmente no Brasil. característica escolhida.
Considerando-se tais aspectos, o objetivo As 14 áreas selecionadas foram:
do estudo foi o de construir e validar uma escala 1) Percepção de Competência, que está
sobre a motivação para a aprendizagem escolar, relacionada à percepção que um indivíduo tem da
investigando-se a validade de construto, a sua capacidade, habilidade ou aptidão para resolver
consistência interna e a precisão por meio da um determinado problema ou situação.
estabilidade temporal. 2) Curiosidade, representada pelo desejo de
descobrir, de saber, de conhecer ou de investigar
MÉTODO determinados assuntos.
3) Preferências por Desafio, vinculada ao
Participantes gosto por atividades e atos que estimulem,
A amostra foi composta por 655 estudantes, provoquem ou excitem um indivíduo a buscar algo.
sendo 465 alunos da 5a. a 8a. série do Ensino 4) Independência de Julgamento,
Fundamental e 190 alunos da 1a. a 3a. série do relacionado ao gosto pela autonomia, buscando-se
Ensino Médio. Do total 387 pertenciam ao sexo recorrer aos próprios meios para resolver uma
feminino e 268 ao sexo masculino. A idade variou situação ou tomar uma decisão.
dos 10 aos 23 anos, sendo a média de idade de 13,6 5) Critério Interno, para o Sucesso ou o
anos. Com relação ao tipo de escola, 328 eram Fracasso, o que representa a atribuição que uma
estudantes de escolas particulares e 327 estudavam pessoa pode fazer do seu sucesso ou fracasso, neste
em escolas públicas, eram de cidades do interior do caso o sucesso ou o fracasso seria explicado por
estado de São Paulo e de Minas Gerais. questões individuais, internas do próprio sujeito.
Dos 655 estudantes, 100 responderam 6) Persistência, vinculada à perseverança,
novamente a escala de motivação após 3 meses, ou seja, quando uma pessoa insiste numa tarefa
este procedimento foi adotado para investigar a mesmo que existam obstáculos ou dificuldades.
precisão por meio da estabilidade temporal da 7) Prazer da Tarefa/Envolvimento,
“Escala de Motivação para a Aprendizagem relacionada à sensação de agradabilidade, de
Escolar”. Na sua totalidade foram estudantes do contentamento, de satisfação que possam surgir
Ensino Fundamental (5a, 6a, e 8a séries), de ambos quando uma atividade é proposta.
os sexos, sendo 49 do sexo feminino e 51 do sexo 8) Preferência por Trabalho Fácil, o que
masculino, com média de idade de 13 anos, de uma reflete um gosto por atividades que podem ser
cidade do interior de são Paulo. realizadas sem muito esforço e investimento
mental.
Instrumento 9) Dependência de Julgamento, relacionada
Para a coleta de dados foi utilizada uma a uma necessidade de apoio ou da opinião de outras
escala criada para o estudo cujo objetivo era pessoas sobre a realização de uma atividade ou
verificar a orientação motivacional de estudantes tomada de decisão.
para a aprendizagem escolar. 10) Critério Externo para o Sucesso ou o
Para isto foram selecionadas as principais Fracasso, neste caso as explicações para os sucessos
pesquisas nacionais e internacionais que tinham por ou falhas seriam atribuídas a fatores externos, fora
objetivo a construção de um instrumento do controle do sujeito.
psicológico para avaliar a motivação para a 11) Preocupação com a Avaliação por
aprendizagem escolar. Tais pesquisas foram Notas, relacionada a um pensamento excessivo na
analisadas e então foi feito um levantamento das questão das notas.
motivação. O estudo de Gottfried (1985) também escala, não foi influenciada pela questão do tempo,
evidenciou que crianças com alta motivação tendendo a ter uma certa estabilidade.
intrínseca tenderiam a apresentar uma alta De acordo com Guimarães e Bzuneck
realização escolar. (2002) pesquisas sobre motivação para a
O fator 4 foi nomeado de Independência, aprendizagem escolar são recentes, ainda existe
esta característica está relacionada ao gosto pela uma carência de instrumentos psicológicos que
oportunidade de fazer escolhas. Embora nem possibilitem o desenvolvimento desta área no
sempre seja uma característica desejada ou Brasil. Para Pintrich e Schunk (2002), existem
incentivada nas escolas, é muito importante para a muitas coisas que ainda não sabemos sobre a
motivação. Deci, Spiegel, Ryan, Koestner e motivação, principalmente devido à complexidade
Kauffman (1982), Deci e Ryan (1985a) e Koestner do fenômeno motivacional, o que justifica a
e McClelland (1990) apontam a auto-determinação importância dos estudos feitos dentro do ambiente
(ações autodeterminadas seriam aquelas escolar com o intuito de se tentar compreender
essencialmente voluntárias, determinadas pela como o estudante se envolve nas atividades
própria pessoa), uma característica vinculada a acadêmicas.
independência, como sendo essencial para a Ao término do estudo e frente aos
manutenção e aumento da motivação. resultados obtidos, algumas considerações a
O fator 5 recebeu o nome de Preocupação respeito das limitações do trabalho realizado
de Reconhecimento. Este fator, talvez seja o mais necessitam ser feitas. Considerando-se o processo
próximo da noção de motivação extrínseca. de validação da Escala de Motivação para a
Considerando-se as características do ambiente Aprendizagem Escolar, outros estudos ainda
escolar, é possível afirmar que este tipo de necessitarão ser realizados para que o instrumento
preocupação afetaria a motivação do estudante para criado obtenha propriedades psicométricas mais
a aprendizagem. Alguns estudos realizados apontam confiáveis. Este é o caso, principalmente da
esta relação entre questões externas como uma consistência interna dos fatores 2, 3, 4 e 5, que
preocupação com o reconhecimento e a motivação apresentaram valores inferiores ao adequado.
extrínseca acadêmica do estudante, inclusive pra Talvez, com a formulação de mais itens em cada
alguns alunos que carecem de motivação intrínseca, um dos fatores o problema possa ser solucionado.
as recompensas e os reforços de todas as naturezas Vale ressaltar que o instrumento
acabam se tornando a única razão para o estudo psicológico criado para a presente pesquisa
(Pfromm, 1987; Deci, Vallerand, Pelletier & Ryan, demonstrou que é possível medir-se a motivação de
1991; Lens, 1994). maneira válida e precisa, embora saiba-se que
A pesquisa realizou uma análise da estudos ainda necessitam ser aprimorados. Seria
consistência interna dos fatores da escala de interessante também que futuros estudos incluíssem
motivação pelo coeficiente Alfa de Cronbach. a normatização da Escala de Motivação para a
Segundo Pasquali (2003), a análise da consistência Aprendizagem segundo gênero, série e tipo de
interna dos itens é uma outra forma de se verificar a escola.
validade de construto do instrumento psicológico. Para finalizar, é importante salientar a
De acordo com os resultados obtidos, apenas o fator relevância de se compreender e de se avaliar de
1, Envolvimento/Persistência com as Atividades forma precisa os aspectos motivacionais, pois dessa
Escolares conseguiu um valor Alfa de Cronbach forma é possível a elaboração de estratégias e
aceitável, os demais fatores precisarão de futuros formas para se incentivar e explorar a motivação em
estudos, para a obtenção de índices mais adequados. ambientes como o escolar. Muitos de nossos
Ainda buscando-se verificar as problemas educacionais poderiam ser minimizados
propriedades psicométricas da escala, foi efetuada com uma atenção especial a este aspecto.
uma análise de precisão pelo método de teste e re-
teste, este procedimento foi adotado para examinar REFERÊNCIAS
a estabilidade temporal do instrumento. Os
resultados obtidos revelaram uma adequada Amabile, T.M., Hill, K.G., Hennessey, B.A. &
estabilidade de todos os fatores, ou seja, os fatores Tighe, E. (1994). The work preference
apresentaram entre si correlações significativas. Tal inventory: assessing intrinsic and extrinsic
fato evidencia que a resposta dada pelos alunos na motivational orientations. Journal of
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Reformulado em Julho de 2006
Aceito em Agosto de 2006
SOBRE AS AUTORAS:
Luciana Gurgel Guida Siqueira: psicóloga, Mestre em Psicologia Escolar, Doutora em Psicologia pela PUC-
Campinas. Atualmente, professora do Centro Universitário Salesiano de São Paulo, unidade de Campinas.