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3
Veja-se o elenco das obras, in Figanier (1949) 9-14.
4
Braga (2008d).
OS MANUSCRITOS ÁRABES DE FREI JOÃO DE SOUSA 3
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5
Chaves (1987) 11-13.
6
Além de uma outra publicada na época, resultante de uma vinda inesperada de uma
comitiva marroquina chegada a Lisboa acidentalmente. Cf. Sousa (1793).
7
Sobre o conhecimento do árabe em Portugal até ao século XVIII, cf. Braga (2008) 111-128.
8
Figanier (1949) 22-25; Sidarus (1986) 40.
9
Sousa (1830). Frei José de Santo António Moura foi discípulo de frei João de Sousa e
aperfeiçoou os estudos de árabe em Marrocos, com Hajje Haddu. Foi igualmente autor de um
trabalho sobre as dinastias marroquinas. Cf. Moura (1827) 47-140. Deixou um relato da
viagem de Lisboa a Fez, efectuada em 1797 (de 6 de Janeiro a 21 de Abril), na qual serviu de
intérprete ao cônsul de Portugal, Jorge Pedro Colaço. Esta deslocação visou a entrega de um
presente ao soberano de Marrocos. Cf. Lisboa, A.N.T.T., Ministério dos Negócios
Estrangeiros, cx. 299, documento não numerado.
OS MANUSCRITOS ÁRABES DE FREI JOÃO DE SOUSA 5
10
1795, produzido para facilitar o estudo no convento de Jesus. Nesta obra, o
frade arabista referiu a importância do árabe para o estudo da teologia, da
história de Espanha e, consequentemente, da portuguesa; do conhecimento
da etimologia de muitas palavras, aduzindo ainda o facto de o árabe ser uma
língua vernácula numa parte do mundo, o que facilitava o comércio, a
diplomacia, a missionação e a necessidade de entender, analisar e refutar o
Alcorão. Este tipo de argumentos era comum a alguns autores castelhanos,
quer contemporâneos quer anteriores, a frei João de Sousa.11
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18
Lisboa, Arquivos Nacionais Torre do Tombo (A.N.T.T.), Ministério dos Negócios
Estrangeiros, cx. 271, doc. 44.
8 ISABEL M. R. MENDES DRUMOND BRAGA
fez a primeira traducção e não podendo emendar todo hum tratado, resolveo-
se a mandar a nova traducção que eu fiz acompanhada de huma attestação
feita e assignada por mim e remetteo-a ao primeiro ministro o excelentissimo
conde de Floridablanca para que á vista de huma e outra traducção se visse a
cavillação que se tinha feito á Corte de Madrid e o ludibrio que o negociador
Expelly fez em fazer que Sua Magestade Catholica assignasse hum tratado
tão viciado que para prova só apontarei huma passagem do artigo 25 que
trata das costas do mar do Estado Pontificio.19 Na traducção espanhola se
diz: “Os argelinos respeitarão as costas Pontificias deste civita vechia asta
Tarracina” e no original turco se acha escrito o seguinte: “os corsarios
argelinos respeitarão as costas de Espanha ate Ponta, Eficia” entendendo que
Eficia era huma terra assim chamada e que serve de limites ao reino de
Espanha e Ponte era cabo ou ponta de terra junto a Eficia e tanto não
entenderão os argelinos que coiza erão as costas Ponteficias que este nome
se acha no original turco dividido em dois, em Ponte e Eficia, o que não
succederia se soubesse que era nome enteiro e o que queria dizer, e á
proporção assim erão os mais artigos do tratado”.20
2. Se, como temos vindo a referir, frei João de Sousa, académico correspondente
da Academia Real das Ciências de Lisboa, desde a sua fundação em 1779, foi
autor de relações de embaixadas, percorreu o Alentejo à procura de inscrições
árabes, coleccionou moedas e examinou e leu manuscritos árabes, alguns dos
quais traduziu,21 não podemos esquecer que foi também autor de textos árabes
alguns dos quais se mantêm inéditos. Por exemplo, em 1775, escreveu uma oração
gratulatória em louvor de D. José I, Mandîhu fî hamdi sûrati ’lsultâni Yûsufa
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19
Este he o 9.º dos dez artigos declaratorios que Expelly levou na 2.ª viagem que fez a
Argel.
20
Lisboa, A.C.L., Manuscritos Azuis, n. 696, pp. 63-64. Outras informações nas pp. 48, 60
e 61.
21
Sobre o coleccionismo português do século XVIII, cf. Brigola (2003).
OS MANUSCRITOS ÁRABES DE FREI JOÃO DE SOUSA 9
22 23
’lawwali, por ocasião da inauguração da estátua equestre do monarca. Nela
elogiou o monarca, considerando-o responsável pelo ressurgimento das ciências,
pela restauração do comércio e pela edificação de uma nova cidade de Lisboa,
considerando-o, de acordo com a teoria política da Época Moderna,24 um pai da
pátria e uma glória da nação.
Frei João de Sousa foi responsável pela doutrinação de indivíduos que
deixaram o islamismo e passavam a ser cristãos, chegando a escrever textos
para o efeito.25 Assim, foi autor de um catecismo para doutrinar os
muçulmanos antes de estes abraçarem o catolicismo. O texto tem duas
versões não datadas e ambas são bilingues, com uma coluna em árabe e
outra em português. No texto mais pequeno, quase um rascunho, aparece um
diálogo, a que se segue a indicação para constar o Padre-Nosso, a Ave-
Maria, o Credo, os 10 mandamentos, os cinco mandamentos da Igreja, os
sete Sacramentos, a Salve Rainha e, finalmente, a explicação do Santíssimo
Sacramento do Altar, de novo em diálogo.26 O texto que se destinava à
publicação é mais completo. Começa por apresentar um título —Doutrina
Christã em Portuguez e Arabico que se deve ensinar a qualquer Mouro que
quiser abraçar a nossa santa religião27— e, seguidamente, inicia com um
diálogo semelhante ao do rascunho. No interior, o texto inclui, além de tudo
o que antes se explicitou para o documento anterior, os sete pecados mortais,
as 14 obras de misericórdia, as três virtudes teológicas, os quatro pecados
que bradam ao céu, os quatro pecados novíssimos do homem e os actos de
contrição, de fé, e de caridade, os dois últimos em duas versões, uma
completa e outra abreviada. Encerra o catecismo com as seguintes
advertências: “Antes de se baptizar qualquer adulto, além da doutrina
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22
Lisboa, A.C.L., Manuscritos Vermelhos n. 921. Uma tradução do documento no
manuscrito 920.
23
Sobre o significado desta cerimónia, cf. Monteiro (2006) 249-260.
24
Bercé (1997) 229-322.
25
Braga (2008) 41-52.
26
Lisboa, A.C.L., Manuscritos Vermelhos, 744, n. 5, 4 fols.
27
Lisboa, A.C.L., Manuscritos Azuis, n. 1019.
10 ISABEL M. R. MENDES DRUMOND BRAGA
precedente se lhe há de ensinar a ter intenção e por dor sobrenatural e que
fação actos de fé, esperança e caridade. Tambem se lhes deve explicar os
encargos a que se obrigão e as penas com que serão castigados se não
cumprirem com a lei que professão. Deve-se-lhe finalmente declarar que o
baptismo cauza graça e nos abre as portas dos ceos”.28
O catecismo bilingue levanta o problema do uso do árabe na
doutrinação. Efectivamente, tenhamos em atenção que, no século XVI, parte
do clero castelhano e aragonês, familiarizado com os mouriscos daqueles
reinos ibéricos, era favorável à erradicação do árabe entendido como língua
que facilitava a identidade muçulmana e, consequentemente, a manutenção
da fé e das práticas proibidas, dificultando a doutrinação cristã. Porém, na
mesma centúria, uma minoria entre os elementos eclesiásticos, mais realista
e mais pragmática, defendia o recurso ao árabe para levar a efeito a
doutrinação. Entre os elementos desta corrente, conta-se o primeiro
arcebispo de Granada, frei Hernando de Talavera (1428-1507).29 De facto,
especialmente após o édito de Carlos V, de 1525, vários pregadores
franciscanos e jesuítas, encarregados de doutrinar mouriscos, sabiam árabe.
Tais foram os casos, de entre outros, frei Bartolomé de los Angeles, frei Juan
de Oliva e frei Diego de Guadix.30 Recorde-se que, ao longo da centúria de
Quinhentos, ocorreram diversas campanhas de evangelização de mouriscos,
nomeadamente em 1527-1529, 1533, 1543, 1555, 1587 e 1599.31 Para
Portugal não se encontra nada afim, a não ser o tardio texto de frei João de
Sousa, que não logrou os seus propósitos, pois manteve-se inédito.
A vertente pedagógica do arabista teve repercussão em outros textos que
escreveu e que se mantiveram manuscritos. Quando integrou a comitiva que se
dirigiu a Argel, nos anos de 1786-1787, teve oportunidade de fazer uma longa
viagem, a qual incluiu uma passagem por Espanha à ida e uma outra por França
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28
Lisboa, A.C.L., Manuscritos Azuis, n. 1019, fol. 8.
29
Vincent (2006) 116. Sobre o conhecimento do árabe, cf. também Císcar Pallarés (1994)
131-162. Sobre este prelado, cf. Alaoui (2006) 239-246.
30
González (2005) pp. 43-47.
31
Alaoui (2006) 150.
OS MANUSCRITOS ÁRABES DE FREI JOÃO DE SOUSA 11
32
no regresso. Em Mérida, uma inscrição sobre a porta do castelo despertou-lhe
atenção, de tal maneira que a copiou em caracteres árabes e em caracteres
levantinos, tendo, em seguida, feito a tradução para português.33
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36
Mattoso (1987); Costa (1987) 561-576; Macário Lopes (1992); Viana (1993) 7-22;
Braga (2002) 261-271.
OS MANUSCRITOS ÁRABES DE FREI JOÃO DE SOUSA 15
37
sempre válidas. Descrevem estados de coisas gerais, não admitindo leituras
episódicas só compreensíveis num espaço ou num tempo. No entanto, se uns
suscitam uma interpretação literal, outros desencadeiam a necessidade de
uma interpretação figurada.38 São textos curtos, com uma estrutura concisa,
anónimos, ou melhor, da autoria da respectiva comunidade linguística e
cultural, os quais fazem circular uma experiência colectiva,39 o que não
impede a semelhança de provérbios da autoria de comunidades diferentes.40
Frei João de Sousa interessou-se por provérbios em três manuscritos.
Um pequeno, com as frases em português e árabe e algumas em castelhano
(por exemplo “achaque el viernes pera no ayunar”, ou “al hombre mayor dar
le honor”),41 outro maior, em princípio destinado à publicação, em árabe e
em português42 e, finalmente, uma cópia deste em árabe e latim.43 Em
qualquer dos casos, aparentemente, o autor mais não fez do que as traduções.
Detenhamo-nos no manuscrito mais completo, em árabe e em português,
intitulado Provérbios e Sentenças Arabicas com tradução Portugueza para
se Imprimirem quando houver occasião.
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37
Schmidt-Radefeldt (1984) 216.
38
Macário Lopes (1992) 21.
39
Schmidt-Radefeldt (1984) 213.
40
Ghitescu (1991) 357-360; Funk (2000) 345-353.
41
Lisboa, A.C.L., Manuscritos Azuis, n. 1406.
42
Lisboa, A.C.L., Manuscritos Vermelhos, n. 838.
43
Lisboa, A.C.L., Manuscritos Vermelhos, n. 839.
16 ISABEL M. R. MENDES DRUMOND BRAGA
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46
Lisboa, A.C.L., Manuscritos Vermelhos, n. 838, fol. 17.
47
Lisboa, A.C.L., Manuscritos Vermelhos, n. 838, fol. 4v.
48
Lisboa, A.C.L., Manuscritos Vermelhos, n. 838, fol. 6v.
49
Lisboa, A.C.L., Manuscritos Vermelhos, n. 838, fol. 13.
50
Lisboa, A.C.L., Manuscritos Vermelhos, n. 838, fol. 4v.
51
Lisboa, A.C.L., Manuscritos Vermelhos, n. 838, fol. 17v.
52
Lisboa, A.C.L., Manuscritos Vermelhos, n. 838, fol. 32.
53
Lisboa, A.C.L., Manuscritos Vermelhos, n. 838, fol. 28.
54
Lisboa, A.C.L., Manuscritos Vermelhos, n. 838, fol. 36v.
55
Lisboa, A.C.L., Manuscritos Vermelhos, n. 838, fol. 30v.
56
Lisboa, A.C.L., Manuscritos Vermelhos, n. 838, fol. 25.
57
Lisboa, A.C.L., Manuscritos Vermelhos, n. 838, fol. 9v.
58
Lisboa, A.C.L., Manuscritos Vermelhos, n. 838, fol. 9v.
18 ISABEL M. R. MENDES DRUMOND BRAGA
Fig. 9. Fólio com vários provérbios, entre os quais o primeiro sobre as mulheres
(Lisboa, A.C.L., Manuscritos Vermelhos, n. 838, fol. 24v)
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63
Sobre as mulheres nos provérbios, cf. Barrocas (1988) 995-1009; Maciel (1999).
20 ISABEL M. R. MENDES DRUMOND BRAGA
Os manuscritos árabes de frei João de Sousa evidenciam-nos a sua formação
erudita e as suas preocupações ao nível do ensino. O arabista, enquanto
alguém que viveu para servir a sua comunidade, desdobrou-se em múltiplas
actividades cuja língua árabe esteve sempre no centro: a recolha de materiais
escritos em árabe independentemente do suporte em que se encontravam, a
tradução de inscrições, de cartas, de tratados e de outro tipo de documentos
e, sobretudo a produção de textos com vista ao ensino, o que passou por uma
gramática, um catecismo ou simples recolhas de provérbios.
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