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Análise Psicológica (2001), 1 (XIX): 157-170

O desporto como contexto para a


aprendizagem e ensino de competências
de vida: Programas de intervenção para
crianças e adolescentes (*)

CLÁUDIA DIAS (**)


JOSÉ F. CRUZ (**)
STEVEN DANISH (***)

1. INTRODUÇÃO em vários domínios e contextos das suas vidas: o


programa «Going for the Goal» (GOAL) e o
Hoje em dia, a probabilidade dos adolescentes programa «Sports United to Promote Education
se envolverem em comportamentos de risco, and Recreation» (SUPER).
que afectam o bem-estar individual, é cada vez Estes programas têm vindo a ser desenvolvi-
maior, surgindo assim a necessidade de intervir dos e implementados pelo Centro de Competên-
no sentido de os ajudar a serem bem sucedidos cias de Vida da Universidade da Virgínia (EUA),
durante a adolescência, juventude e, posterior- desde o início dos anos 90. O programa
mente, enquanto adultos (Danish, 1997). Neste «GOAL», por exemplo, já foi implementado e
sentido, Danish e colaboradores (1992a, 1992b) ensinado a mais de 25.000 jovens, não só nos
desenvolveram dois programas de intervenção EUA, mas também na Austrália e Nova Zelân-
psicológica que visam ensinar crianças e jovens dia. Actualmente, está também a ser traduzido e
entre os 10 e os 14 anos a serem bem-sucedidos adaptado em Espanha, Portugal e Hungria. Em
1996, foi o vencedor do prémio de prevenção
atribuído pela «Associação Americana de Saúde
Mental», tendo também sido homenageado pelo
(*) Os autores agradecem a colaboração de Rui Go- Departamento norte-americano de Saúde e Ser-
mes, Manuel Pereira, Daniela Gomes, Helena Olivei- viços Humanos para a Prevenção da Violência.
ra, Mariana Cardoso, André Alves, Sandra Sá, Paulo Ambos os programas se baseiam na ideia de
Silva e Isabel Viveiros, no processo de tradução e que a «intervenção» é um espaço planeado e pro-
adaptação para a língua portuguesa dos manuais de gramado, conduzido normalmente em grupos e
formação dos programas GOAL e SUPER.
(**) Universidade do Minho, Portugal. que visa alterar o processo de desenvolvimento
(***) Virginia Commonwealth University, USA. (Danish, 1990). Partindo do pressuposto de que

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o desenvolvimento social e pessoal é tão impor- cialmente com o facto dos grupos de colegas se
tante como o desenvolvimento académico e que, tornarem na maior e mais influente fonte a
como tal, mudanças no comportamento pessoal afectar o comportamento e os valores dos ado-
irão, provavelmente, afectar o desempenho es- lescentes (Petersen & Hamburg, 1986). Paralela-
colar, ambos os programas procuram ensinar al- mente, como os adolescentes passam uma parte
gumas competências de vida que permitam au- significativa do dia na escola, o que acontece
mentar a percepção de controle pessoal e confi- nesse contexto vai seguramente influenciar o seu
ança no seu futuro. Enquanto o GOAL é um pro- comportamento (Weissberg, Caplan & Sivo,
grama implementado maioritariamente no con- 1989). No entanto, também, não podemos mini-
texto escolar, o SUPER utiliza o desporto como mizar a importância dos contextos extra-escola-
um meio privilegiado de ensino de competências res, pois o facto dos jovens passarem mais tempo
de vida a estudantes-atletas, ao mesmo tempo fora da escola que na escola faz com que esse
que procura promover as suas capacidades e período possa ser considerado de risco, especial-
competências desportivas (Danish, Nellen & mente se os pais estiverem a trabalhar e não
Owens, 1996). existir ninguém a supervisioná-los. Assim, en-
volver os jovens em programas extra-escolares
significativos e eficazes durante este período de
2. DESENVOLVIMENTO PSICOLÓGICO E constantes mudanças, em que podem começar a
COMPETÊNCIAS DE VIDA NA ADOLESCÊNCIA mostrar indícios de problemas de comportamen-
to (ex: fumar, faltar à escola), constitui sem dú-
Seguidamente, apresentam-se os principais vida um desafio notável para os educadores
pressupostos e princípios subjacentes ao desen- (Danish et al., 1996).
volvimento destes programas (Danish, 1997,
1998, 1999). 2. As intervenções com adolescentes devem
aumentar os comportamentos de promoção
1. A adolescência é a altura mais apropria- da saúde e, simultaneamente, diminuir com-
da para ensinar competências de vida. portamentos de risco, que possam comprome-
Durante este período, os indivíduos enfrentam ter a saúde.
um conjunto cada vez mais complexo de novos Perry e Jessor (1985) identificaram quatro
papéis e, ao mesmo tempo, necessitam de rejei- domínios de saúde: saúde física, saúde psicoló-
tar ou modificar papéis anteriormente adquiridos gica, saúde social e saúde pessoal. Em cada um
(Danish et al., 1996). Os novos papéis implicam destes domínios há comportamentos de risco
várias mudanças, no sentido em que os jovens para a saúde (comportamentos que ameaçam o
têm que executar novas tarefas: desenvolver bem-estar individual) e comportamentos de pro-
certas competências, lidar com emoções, torna- moção da saúde (comportamentos que promo-
rem-se autónomos, estabelecerem e desenvolve- vem o bem-estar individual). Entre os comporta-
rem relacionamentos interpessoais mais madu- mentos que comprometem a saúde encontram-se
ros, clarificarem objectivos e desenvolverem a o abuso de drogas e álcool, comportamentos vio-
integridade pessoal (Havighurst, 1953; Chicke- lentos e delinquentes, actividades sexuais prema-
ring, 1969). A este nível, Crockett e Petersen turas e desprotegidas (que podem resultar numa
(1993) apresentam uma categorização das mu- gravidez indesejada ou em doenças sexualmente
danças de vida experienciadas pelos adolescen- transmissíveis como a SIDA) e abandono da es-
tes. Esta categorização inclui mudanças bioló- cola (Johnston & O’Malley, 1986; Perry & Jes-
gicas (no início da puberdade), mudanças de re- sor, 1985).
ferência (de criança para adolescente e depois Normalmente, quando os jovens experienciam
para jovem) e «recolocação» física (do 1.º ciclo problemas numa destas áreas têm maiores proba-
do ensino básico para o 2.º ou 3.º). Até a criança bilidades de terem problemas noutras áreas
atingir a idade da adolescência, os membros da (Johnston & O’Malley, 1986). Nesse sentido foi
família são, normalmente, a influência mais for- identificado um síndrome de «estilo de vida» as-
te. No entanto, nesta altura ocorrem também mu- sociado a comportamentos de risco, com três ca-
danças sociais significativas, relacionadas essen- racterísticas principais: (a) uma relação forte

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entre o abuso de substâncias, actividades sexuais 4. Os jovens de «alto risco» não aderem
desprotegidas, comportamento violento, falta de nem «respondem» aos programas tradicionais
assiduidade e problemas disciplinares na escola; de promoção da saúde (a mudança e modifi-
(b) apesar de se saber que os estudantes envol- cação das atitudes de alguns adolescentes im-
vidos num destes comportamentos têm maior plica o ensino de algumas competências de vi-
probabilidade de se envolverem num ou mais da).
outros comportamentos, não se sabe qual dos A maior parte das vezes, as informações di-
comportamentos de risco ocorre primeiro e como fundidas e publicitadas sobre a saúde são ignoradas
é que o ciclo se desenvolve (Farrell, Danish & pelos adolescentes (Millstein, 1993). De facto,
Howard, 1992); e (c) a ênfase na prevenção de quando os indivíduos se sentem impotentes para
um destes comportamentos, excluindo os outros, controlarem o seu futuro, não valorizam tanto a
pode ser ineficaz e servir só para «perder tempo» saúde como aqueles que se vêem a si próprios co-
(Danish, 1997). mo tendo algum poder a este nível e acreditam que
No entanto, na opinião de Danish e colabora- as pessoas atingem objectivos e sucesso (Klerman,
dores (1996), se os adolescentes tiverem opções de 1993). Torna-se então importante ensinar certas
vida saudáveis (competências de vida associadas competências aos adolescentes, de forma a que
com o sucesso futuro), eles serão capazes de evitar possam exercer algum controlo na sua vida. Caso
comportamentos não-saudáveis. Nesse sentido, contrário, as intervenções que só lhes expliquem o
torna-se necessário tentar desenvolver intervenções perigo de se envolverem em comportamentos pro-
centradas em comportamentos que promovam a blema, correm o risco de serem, pura e simples-
saúde, ensinando aos adolescentes «aquilo a que mente ignoradas (Danish & Nellen, 1997).
devem dizer sim», em em vez de aprenderem
«aquilo a que devem dizer não», procurando assim 5. As competências ensinadas devem ser
reduzir o número de comportamentos de risco e, ao úteis para a resolução de problemas e devem
mesmo tempo, aumentar o número de comporta- ser competências para uma vida eficaz (Com-
mentos de promoção da saúde (Danish, 1998). petências de Vida).
«As competências de vida são competências
3. O futuro é importante para os jovens e que nos permitem ter sucesso no meio ambiente
aqueles que não tiverem expectativas futuras em que vivemos» (Danish, 1997, p. 295). Estas
positivas têm maior probabilidade de se en- competências são facilmente ensinadas e apren-
volverem em comportamentos de risco. didas e, quando dirigidas para a vida quotidiana,
De uma forma geral, os investigadores afir- são enriquecedoras (Danish & Hale, 1983). Elas
mam existir uma relação entre os comporta- tanto podem ser comportamentais (ex: aprender
mentos de risco, ou comportamentos problema e a comunicar eficazmente com colegas e adultos),
expectativas futuras negativas. De facto, en- como cognitivas (ex: aprender a tomar decisões
quanto que os jovens com expectativas positivas eficazes), ou físicas (ex: lançar uma bola ao ces-
vêem a sua participação na sociedade como ten- to) (Danish et al., 1996).
do recompensas a longo-prazo, os adolescentes Alguns dos contextos em que vivemos inclu-
com expectativas futuras negativas, como não se em famílias, escolas, locais de trabalho, vizi-
sentem valorizados pela sociedade, preocupam- nhança e comunidades. Por outro lado, é exigido
se menos com o seu envolvimento em compor- à maior parte das pessoas que tenham sucesso
tamentos problema (Gullotta, 1990). Por isso, o em mais do que um contexto. À medida que en-
risco de elevado consumo de álcool da adoles- velhecemos, o número de contextos em que ne-
cência para o início da idade adulta (Newcomb, cessitamos de ter sucesso também aumenta (ex:
Bentler & Collins, 1986), de abuso de substân- uma criança só precisa de ter sucesso na sua fa-
cias (Johnston, O’Malley & Bachman, 1987), de mília, enquanto que um adolescente precisa de
actividades sexuais desprotegidas (Jones & Phil- ter sucesso na família, na escola e no grupo de
liber, 1983) e de deliquência (Catalano, Haw- colegas) (Danish, 1998). Paralelamente, os con-
kins, White & Padino, 1985) é claramente maior textos variam de pessoa para pessoa e o conceito
nestes jovens do que em jovens que têm confi- «ser bem-sucedido» difere de acordo com o
ança no futuro. contexto e com o indivíduo: é provável que indi-

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víduos de um mesmo ambiente sejam diferentes pacidade de sucesso. Ou seja, quando os «estu-
entre si, de acordo com as competências de vida dantes» fazem de «professores», aprendem tanto
que já adquiriram e tendo em conta os seus pró- ou mais acerca do assunto que está a ser ensina-
prios recursos e oportunidades (reais ou perce- do, como os «estudantes» a quem ensinam (Da-
bidas) (Danish, 1995; Danish & Donohue, nish et al., 1996).
1995). Por esta razão, quem ensina competências
de vida deve ser sensível às diferenças desenvol-
vimentais, ambientais e individuais, assim como 3. O ENSINO E TREINO DAS COMPETÊNCIAS
ao facto de que as competências de vida neces- DE VIDA
sárias podem não ser as mesmas para indivíduos
de diferentes idades, etnias, grupos raciais, ou Quer o adolescente «que ensina», quer o que
grupos socio-económicos (Danish, 1997). «aprende» fazem assim parte do que Seidman e
Rappaport (1977) denominam «pirâmide educa-
6. Fazer com que os pares ou colegas (ado- cional». A premissa estrutural deste modelo é
lescentes) mais velhos, que frequentam o en- que, se as competências de vida forem ensinadas
sino secundário e superior, ensinem compe- em todos os níveis de participação, o efeito posi-
tências de vida aos mais novos, é benéfico tivo que podem ter para todos os níveis de parti-
quer para uns quer para outros. cipantes envolvidos no programa será maximi-
Esta estratégia é decisiva por duas razões. Em zado (Danish & Nellen, 1997). Como se pode
primeiro lugar, porque recorrendo aos colegas ver na Figura 1, no topo da «pirâmide educacio-
mais velhos, podem escolher-se formadores «na- nal» encontra-se o staff e formadores respon-
turais», que servem como modelos, nomeada- sáveis dos programas Competências de Vida
mente no que diz respeito ao ensino do valor da que, tendo competências para ensinar outros in-
saúde e da importância de se pensar no futuro divíduos, desenvolvem as intervenções e treinam
(Aloise-Young, Graham & Hansen, 1994). Com os membros da comunidade. A um outro nível
efeito, estudantes bem-sucedidos no ensino se- encontram-se os formadores e staff das escolas,
cundário podem fornecer imagens concretas da- assim como estudantes universitários que cola-
quilo que os adolescentes podem vir a ser no fu- boram nestas actividades. Durante a formação e
turo, pois nasceram na mesma vizinhança, fre- treino eles põem em prática e simulam todos os
quentaram as mesmas escolas e confrontaram-se exercícios que irão ensinar aos estudantes e
com problemas e obstáculos semelhantes. Se ti- aprendem como implementar a intervenção. O
vermos em conta que para ensinar comporta- terceiro nível da pirâmide é constituído por um
mentos saudáveis aos jovens é importante que a grupo de estudantes-formadores do ensino se-
mensagem e o professor sejam credíveis, então cundário, seleccionados com base numa série de
podemos perceber claramente que estes jovens critérios que tem subjacente a ideia de serem
estão numa posição ideal para serem «professo- modelos positivos para os estudantes mais no-
res» e formadores eficazes (Danish, 1993). vos: bom rendimento escolar, qualidades de li-
Por outro lado, para além dos benefícios derança, envolvimento em actividades extra-
óbvios para os estudantes que aprendem, esta es- curriculares e comportamento exemplar (dentro e
tratégia é uma valiosa experiência de aprendiza- fora da escola) (Danish, 1997).
gem para os estudantes-formadores, pois promo- Estes estudantes participam numa série de
ve a sua auto-eficácia pessoal. Sendo formadores sessões e acções de formação que duram entre
eficazes, os estudantes «mais velhos» tomam 10 a 20 horas. O conteúdo da formação é clara-
consciência do seu potencial para liderarem e de- mente orientado para as competências de vida.
senvolverem um sentido de responsabilidade em Os estudantes-formadores aprendem a falar para
relação aos que os seguem, adquirindo conheci- grupos, a organizar uma aula ou uma palestra, a
mentos e competências importantes (Hines, serem bons ouvintes, a transferir competências
1988; Snyder & Omoto, 1992). Assim, ensinar para diferentes contextos de vida e a trabalhar de
pode ser uma das melhores formas de aprender, forma eficaz com grupos constituídos, simulta-
podendo trazer ao jovem formador benefícios a neamente, por colegas e adultos (Danish, 1998).
nível psicológico, bem como aumentar a sua ca- Adicionalmente, recebem um «Manual do

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FIGURA 1
«Pirâmide Educacional» utilizada nos programas GOAL e SUPER
(Adaptado de Danish, 1997

Staff
do «Centro
de Competências
de Vida»

Comunidade
Staff da escola

Estudantes universitários

Estudantes-formadores do
ensino secundário

Estudantes do ensino básico (2.º e 3.º ciclos)

Formador» que orienta o ensino de competên- lógica juntos de desportistas de alto rendimento,
cias, a promoção da discussão, a comunicação de havendo cada vez mais atletas de elite que re-
forma eficaz, o feedback eficaz e a gestão de conhecem a relação entre o seu estado mental e o
grupo (Danish et al., 1992a). Depois desta for- seu rendimento desportivo (Cruz & Viana,
mação, os estudantes do ensino secundário en- 1996). Adicionalmente, um número crescente de
sinam o programa a estudantes dos 2.º e 3.º ci- atletas começam a aperceber-se do valor do uso
clos do ensino básico, que constituem a parte de algumas técnicas e estratégias psicológicas
mais larga e ampla da pirâmide e da população- utilizadas no desporto para melhorarem a sua
alvo. As sessões com estes estudantes mais no- vida extra-desportiva. No entanto, apesar de ser
vos, lideradas pelos estudantes-formadores do excitante a possibilidade de trabalhar com atletas
ensino secundário, são efectuadas em grupos de de elite, utilizando técnicas e estratégias psico-
dois a três formadores, para cada 15 estudantes lógicas de promoção do rendimento desportivo,
mais novos, que recebem um «Manual de Activi- as oportunidades de carreira na Psicologia do
dades» com o conteúdo de cada sessão do pro- Desporto permanecerão, provavelmente, estagna-
grama. Geralmente, são supervisionadas por es- das até vermos a Psicologia do Desporto numa
tudantes universitários que as observam, que perspectiva mais abrangente, reconhecendo o seu
fornecem feedback aos formadores e que se en- potencial para influenciar atletas de todas as ida-
contram com eles depois da sessão para uma des e com qualquer nível de competência em vá-
revisão geral da mesma (Danish et al., 1996). rias áreas da sua vida (Danish & Nellen, 1997).
Neste sentido, Danish e colaboradores (Da-
nish, Petitpas & Hale, 1990, 1992, 1993, 1995),
4. O DESPORTO COMO UM CONTEXTO DE entendem que a Psicologia do Desporto também
INTERVENÇÃO PARA O ENSINO E envolve (ou deve envolver) o uso do desporto na
APRENDIZAGEM DE COMPETÊNCIAS promoção da competência e do desenvolvimento
DE VIDA humano ao longo da vida, o que implica que os
psicólogos do desporto se devem preparar para
Os últimos anos têm sido marcados pela cres- trabalharem com indivíduos de todas as idades e
cente institucionalização da intervenção psico- com os mais variados níveis de competência,

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tendo em vista não só a melhoria do seu rendi- mais importantes se pensarmos que, dos milhões
mento desportivo, mas também as suas compe- de crianças que praticam desporto, só uma milé-
tências de vida. Adicionalmente, no que diz res- sima parte vai fazer da actividade desportiva a
peito especificamente aos adolescentes e jovens, sua carreira profissional; para as restantes, cres-
é importante que os psicólogos do desporto re- cer não significa mais do que definir a sua iden-
conheçam a importância que o desporto tem tidade, descobrir outras competências e interes-
para eles, tendo em consideração que é um meio ses e, se possível, aplicar alguns dos valiosos
que pode ser usado para fazer uma diferença po- princípios e competências aprendidas durante a
sitiva nas suas vidas, especialmente no que diz sua participação no desporto, nos seus objectivos
respeito à formação da sua identidade, do ca- enquanto adultos em áreas extra-desportivas.
rácter e do seu crescimento e desenvolvimento São estes comportamentos, competências e atitu-
psicológico em geral (Danish & Nellen, 1997). des transferíveis do contexto desportivo para ou-
A este nível, Cruz (1996a) sugeriu e apresen- tros contextos (ex. família, escola, etc.) que são
tou também um modelo de intervenção psicoló- entendidos e conceptualizados como competên-
gica em contextos desportivos cujos objectivos cias de vida (Danish et al., 1996; Danish &
centrais incluíam, por um lado, a promoção do Nellen, 1997).
desenvolvimento e crescimento psicológico dos Um dos valores da experiência desportiva re-
indivíduos e/ou grupos desportivos e, por outro side na aplicação dos princípios aprendidos du-
lado, a promoção e optimização do rendimento rante a participação desportiva noutras áreas e
individual e/ou colectivo. contextos de vida. De facto, o desporto é um am-
Nesta perspectiva, o desporto é assim um biente particularmente apropriado para aprender
contexto privilegiado em termos de intervenção competências transferíveis para outros contextos,
psicológica, por duas razões centrais: (a) cada por duas ordens de razões: (a) as competências
vez existem mais adolescentes a praticarem des- físicas são similares às competências de vida, na
porto, parecendo ser um domínio onde os jovens medida em que são aprendidas através de de-
de ambos os sexos consideram ser importante es- monstração, modelagem e prática (Danish &
tarem envolvidos (Cruz, 1996b); (b) para muitos Hale, 1981; Whiting, 1969); e (b) muitas das
adolescentes, à medida que o seu interesse e en- competências aprendidas no desporto, incluindo
volvimento no desporto aumentam, também au- as capacidades de alto rendimento sob pressão,
menta a sua preocupação com o desempenho e resolução de problemas, cumprimento de prazos
competência, o que torna o desporto um bom e desafios, formulação de objectivos, comunica-
exemplo de competência pessoal e, consequen- ção, lidar com o sucesso e com o fracasso, traba-
temente, uma analogia ou metáfora eficaz para lhar numa equipa e num sistema e receber e be-
ensinar competências para uma vida bem-suce- neficiar de feedback, são capacidades e compe-
dida (Danish et al., 1990). tências que podem e devem ser aplicadas e
Esta ligação entre competências desportivas e transferidas para outros domínios de vida (ver
competências para uma vida bem-sucedida leva Quadro 1) (Danish, 1995).
treinadores, atletas e dirigentes desportivos a No entanto, ao transferir competências de um
acreditarem que a participação no desporto pode domínio para outro (ex: do desporto para áreas
ter um efeito benéfico no desenvolvimento psi- extra-desportivas), é importante reconhecer que
cossocial dos seus participantes, sendo o despor- as capacidades adquiridas numa área não se
to visto como «um forum para aprender respon- adaptam automaticamente para outro domínio ou
sabilidade, conformidade, subordinação, persis- contexto de vida. Compreender o que é necessá-
tência e até um maior grau de tomada de deci- rio para que as competências se transfiram e
sões» (Kleiber & Roberts, 1981, p. 114). Com adaptem e aprender a adaptá-las, é uma compe-
efeito, o desporto constitui uma área que pode tência de vida crítica, por si só (Danish, Petitpas
ser definida, claramente, como uma «lufada de & Hale, 1992). Foi com esse objectivo que foi
ar fresco» na «confusão» normalmente associada desenvolvido o programa SUPER e outros pro-
com adolescentes que «já não são mais uma cri- gramas que usam o desporto como uma metáfora
ança, mas também ainda não são um adulto» para que os adolescentes se apercebam que o en-
(Danish et al., 1996). Estes aspectos são ainda sino de competências necessita de ser acompa-

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QUADRO 1
Competências psicológicas («de vida») valorizadas em diferentes domínios e contextos de vida
(Adaptado de Danish et al., 1993, 1995; Fonte: Cruz & Viana, 1996)

- Ter bons rendimentos sob pressão


- Ser organizado(a)
- Ir de encontro aos desafios
- Lidar bem com o sucesso e com o fracasso
- Aceitar os valores, atitudes e crenças dos outros(as)
- Ser flexível para ter sucesso
- Ser paciente
- Aceitar tomar riscos/arriscar
- Formular um objectivo e «defendê-lo» e lutar por ele «até ao fim»
- Saber como ganhar e como perder
- Trabalhar e lidar com pessoas de quem não se tem, necessariamente, de gostar
- Respeitar os outros
- Ter auto-controlo
- Explorar os seus limites ao máximos pessoais
- Reconhecer as suas limitações
- Competir sem raiva ou ódio
- Aceitar a responsabilidade pelos comportamentos pessoais
- Ser dedicado(a)
- Aceitar a crítica e o «feedback» como fontes de aprendizagem
- Ser capaz de se auto-avaliar a si próprio(a)
- Ser flexível e compreensivo(a)
- Tomar boas decisões
- Formular, estabelecer e concretizar os objectivos
- Comunicar de forma eficaz com os outros
- Ser capaz de aprender
- Ser capaz de trabalhar em equipa
- Ser auto-motivado(a), intrinsecamente («querer mesmo» e de facto)

nhado de explicações relativas à sua utilidade ao ra além de competências físicas e motoras


longo da vida e em vários domínios (Danish et (ex: correrem e/ou lançarem a bola), tam-
al., 1996). A este propósito, é importante referir bém possuem competências cognitivas (ex:
cinco aspectos importantes: traçar planos mentais, formular objectivos,
a) Em primeiro lugar, os adolescentes devem tomar decisões, procurar instruções e lidar
acreditar que possuem competências e qua- com os seus níveis de ansiedade), algumas
lidades valiosas noutros contextos, pois é das quais são necessárias para serem bem-
frequente as pessoas, independentemente sucedidos noutros domínios, que não o
da sua idade, não reconhecerem que muitas desportivo (Danish, 1998);
das competências que adquiriram para so- c) Em terceiro lugar, os adolescentes devem
bressaírem num domínio como o desporti- saber como é que as competências físicas e
vo ou, pura e simplesmente, para sobrevi- cognitivas foram aprendidas e em que con-
verem na vida, podem ser transferíveis e texto. As competências podem ser adquiri-
aplicadas em outras áreas ou contextos de das através de instrução formal (em que a
vida (Danish et al., 1996; Danish & Nellen, competência é nomeada e descrita, sendo
1997); dadas inúmeras oportunidades ao indivíduo
b) Por outro lado, os adolescentes que parti- para a praticar sob supervisão do formador)
cipam no desporto devem aprender que, pa- ou por tentativa-e-erro (em que os adoles-

163
centes tentam imitar as competências que e testado em diversos países, entre os quais Por-
observam no «terreno» ou na televisão e, tugal (Cruz et al., 1998a, b; Danish, 1999).
por tentativas-e-erros contínuas, acabam A principal estratégia utilizada em qualquer
por adquirir a sua própria versão da compe- um destes programas é a formulação de objecti-
tência) (Danish et al., 1996; Danish, 1997); vos, que assume uma importância decisiva no
d) Em quarto lugar, os adolescentes devem ensino das competências de vida, ao fomentar o
compreender o racional e os princípios desempenho, ao clarificar os objectivos dos ado-
subjacentes à competência, em ambientes lescentes e, no que diz respeito especificamente
desportivos e extra-desportivos. A este ní- ao SUPER, ao clarificar os objectivos de treino e
vel, é importante ter em atenção que os de competição de um atleta. Para além disso, à
adolescentes podem não ter confiança nas medida que aperfeiçoam as etapas progressivas
suas capacidades para aplicarem as suas que estabelecem para atingirem os objectivos, os
competências em contextos não-desporti- adolescentes promovem a sua auto-eficácia e
vos, o que pode gerar hesitações na sua competência pessoal. Desta forma, podem aper-
aplicação (Danish & Nellen, 1997); feiçoar e refinar as suas competências básicas,
e) Por último, alguns adolescentes centram a aprendendo a dividir objectivos gerais e amplos,
construção da sua identidade pessoal de tal em passos mais «pequenos», centrando-se em
forma no desporto, que se sentem pouco características e aspectos controláveis e desen-
motivados para explorarem papéis não- volvendo os seus pontos fortes (Danish, 1998).
desportivos (Petitpas & Champagne, 1988).
Com efeito, estes indivíduos vêem-se como 5.1. O Programa GOAL
atletas bem-sucedidos e não como pessoas
bem-sucedidas, o que pode diminuir a sua O objectivo principal do programa GOAL
auto-confiança na exploração de outros pa- («Lutar por Objectivos», Cruz et al., 1998a, b)
péis extra-desportivos se pensarem que não consiste em promover competências pessoais e
vão ter sucesso noutros níveis e contextos auto-confiança nos adolescentes, ensinando-lhes
de vida (Danish et al., 1996). a planearem as suas vidas e a procurarem ajuda
dos outros. Se isto for conseguido, os adolescen-
tes serão activos e independentes e terão experi-
5. OS PROGRAMAS DE TREINO DE ências de vida positivas (Danish, D’Augelli &
COMPETÊNCIAS DE VIDA Grinsberg, 1984).
Este programa inclui 10 sessões de ensino e
Como já se referiu, O GOAL e o SUPER são treino de competências psicológicas, com a dura-
programas dirigidos para crianças e adolescentes ção de uma hora cada sessão. As competências
com idades compreendidas entre os 10 e os 14 ensinadas são as seguintes: (a) a identificação de
anos, que procuram ensiná-los e ajudá-los a objectivos de vida positivos; (b) a importância
compreender que possuem competências de vida de nos centrarmos no processo (e não no resul-
valiosas, dando-lhes o apoio social necessário tado) da concretização de objectivos; (c) o uso
para que os apliquem em diferentes contextos de de um modelo geral de resolução de problemas;
vida (Danish & Nellen, 1997). O programa (d) a identificação de comportamentos que po-
GOAL (Danish et al., 1992a, 1992b), que tem dem comprometer a saúde e que podem impedir
sido implementado desde 1987, foi desenvolvido a obtenção dos objectivos; (e) a identificação de
e aplicado sobretudo em escolas secundárias, comportamentos de promoção da saúde que po-
embora também já tenha sido aplicado em con- dem facilitar a concretização de objectivos; (f) a
textos desportivos, em modalidades tão variadas importância de procurar e criar estruturas de
como o futebol, saltos para a água, golfe ou té- apoio social; e (g) a identificação de formas de
nis. As actividades desportivas onde o GOAL foi transferir estas competências de uma situação ou
ensinado tornaram-se os percursores do progra- contexto de vida para outros (Danish, 1997).
ma SUPER, que é um programa extra-curricular No Quadro 2 são apresentadas de uma forma
baseado no desporto, que está a ser desenvolvido detalhada as sessões que constituem o programa

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QUADRO 2
Sessões do programa GOAL
(Cruz e colaboradores, 1998a, b)

TEMA DA SESSÃO OBJECTIVOS ACTIVIDADES

«Atreve-te a sonhar» Introdução do programa e dos «Quebra-gelo»


formadores; Identificação de «Exploradores de Objecti-
Discussão da importância dos vos» e de «Destruidores de Objectivos»
sonhos e de sonhar com o fu- «Viagem ao futuro» (com identificação de
turo. sonhos e composição ou história sobre
esse futuro)

«Formular objectivos» Transformar os sonhos em «Transformar os sonhos em objectivos»


objectivos e aprender a estabe- «Tornar os objectivos alcançáveis»
lecer objectivos realistas.

«Tornar o teu sonho alcan- Estabelecer um objectivo alcan- «A minha escada de sonho alternativa»
çável» çável baseado no sonho. «Estabelecer um objectivo»
«É realmente alcançável?»

«Construir uma escada de Aprender a construir uma escada «Escada de objectivos»


objectivos» de objectivos. «A minha escada de objectivos»

«Obstáculos à concretização Aprender a identificar obstáculos «Expectativas em relação à formulação


de objectivos» e a compreender o efeito que de objectivos»
estes podem ter no alcance dos «Potenciais obstáculos aos meus
objectivos. objectivos»

«Ultrapassar os obstáculos» Aprender os quatro passos do «Aprender a tomar decisões»


PPAR (Parar; Pensar; Antecipar; Demostração do PPAR
Responder).

«Procurar ajuda dos outros» Aprender a conseguir ajuda, «A minha equipa de sonho»
quem a pode dar e a importância «Folha PPAR»
de ter a ajuda de outras pessoas.

«Ressaltos e recompensas» Aprender a ultrapassar obstáculos «Fazer ressaltos para alcançar objectivos»
temporários que ocorrem quando «Cartas ao Protector de objectivos»
os objectivos nos parecem inal- «Plano de ressaltos»
cançáveis. «Os meus feitos»

«Identificação e promoção Aprender a identificar e a melho- «Identifica as tuas capacidades»


das tuas capacidades» rar capacidades. «Promove as tuas capacidades»

«Lutar pelo teu objectivo» Rever o que foi aprendido e assu- «Saber tudo sobre basquetebol»
mir o compromisso de continuar. «Objectivo pessoal e compromisso de
sonho»

165
GOAL, incluindo o tema, objectivos e activida- competências de vida, mas também de compe-
des de cada sessão. tências para melhorarem o seu rendimento
No âmbito da avaliação da eficácia do GOAL, desportivo (competências físicas e psicológicas).
desde que começou a ser implementado, alguns Pretende ensinar-se os participantes a aplicarem
resultados são claramente significativos: (a) os as competências psicológicas não só em contex-
participantes aprenderam a informação que o tos desportivos, mas também em variados con-
programa ensina; (b) os participantes consegui- textos de vida extra-desportivos.
ram atingir os objectivos que formularam, consi- Este programa tem como objectivo central fa-
deravam o processo mais fácil do que esperavam zer com que cada participante compreenda que:
e pensavam que tinham aprendido «muitas coi-
a) existem modelos de papéis estudante-atleta
sas» sobre como formular objectivos; (c) os par-
eficazes e acessíveis;
ticipantes tinham melhor rendimento na escola
b) as competências físicas e mentais são tão
(comparativamente a grupos de controlo que
importantes no desporto como na vida;
não participaram nos programas implementa-
c) é importante estabelecer e atingir objecti-
dos); (d) os participantes não se envolveram
vos no desporto;
tanto em comportamentos de risco (ex: consumo
d) é importante estabelecer e atingir objecti-
de álcool e tabaco) como os grupos de controlo;
vos na vida;
(e) os participantes manifestaram uma diminui-
e) é importante que os obstáculos e objectivos
ção no número de comportamentos violentos e
possam ser concretizados e superados (Da-
outros comportamentos problema, em compara-
nish et al., 1996).
ção com grupos de controlo que manifestaram
um aumento nestes comportamentos; e (f) os O SUPER tem a duração de 30 horas, dividi-
participantes pensavam que o programa GOAL das por 10 sessões. Estas sessões são implemen-
era divertido, útil e importante, mas também al- tadas como «clinics» desportivos, com os parti-
go que seria útil para os seus amigos (Meyer, cipantes a serem envolvidos em três tipos de
Burgess & Danish, 1996; Meyer & Danish, actividades: (a) aprendizagem de competências
1996). físicas relacionadas com uma modalidade espe-
Adicionalmente, no que se refere às percep- cífica; (b) aprendizagem de competências de vi-
ções que os participantes tinham do programa, as da relacionadas com o desporto em geral; e (c)
avaliações indicaram que os estudantes: (a) promoção e melhoria do desempenho desportivo.
atribuíam ao programa um efeito facilitativo no No SUPER, tal como no programa GOAL, estu-
processo de trabalharem e atingirem os seus ob- dantes-atletas mais velhos, geralmente estudan-
jectivos; (b) consideravam que o GOAL os aju- tes universitários bem treinados, são escolhidos
dou a centrarem-se nas etapas necessárias para para ensinarem o programa aos seus colegas
atingirem os seus objectivos, em vez de só se fo- mais novos (Danish, 1997).
calizarem no resultado; (c) queriam continuar a No âmbito do programa SUPER, algumas das
utilizar estas capacidades e competências ao competências de vida para as quais existem ou
longo das suas vidas; e (d) pensavam que o pro- estão a ser desenvolvidas sessões incluem: (a)
grama lhes tinha fornecido o ambiente certo de aprender a aprender, (b) comunicar com os ou-
aprendizagem para explorarem as suas opções tros; (c) lidar com a raiva e irritação; (d) usar au-
com outros colegas mais velhos que se preocu- to-afirmações positivas; (e) dar e receber feed-
pavam com eles, mais do que com as pessoas back; (f) tornar-se parte de uma equipa; (g) au-
com quem lidavam diariamente na escola e em mentar a atenção e a concentração; (h) aprender
casa (Danish, 1997). como ganhar, como perder e a respeitar o adver-
sário; (i) regular e controlar a ansiedade; (j) to-
5.2. O Programa SUPER mar decisões eficazes e assumir riscos (Danish,
1998; Danish, Green & Brunelle, no prelo).
Segundo Danish e colaboradores (1996), o A título ilustrativo, uma das competências en-
programa SUPER é um programa baseado no sinadas no SUPER é o significado de ser compe-
desporto, utilizando este contexto como um titivo e bem-sucedido no desporto e na vida. Se-
«campo» ou contexto de treino e formação em gundo Danish e Nellen (1997), actualmente, o

166
desporto é por vezes muito violento, ou porque 1. Determinar os objectivos da intervenção
os atletas não têm respeito por si próprios ou Em primeiro lugar torna-se necessário estudar
porque têm um sentido «inflacionado» da sua e avaliar as características da comunidade, sendo
própria importância, o que os leva a encararem a muitas vezes utilizado mais de um procedimento
vida como se fosse uma competição, fazendo metodológico (ex.: estudo demográfico). No ca-
com que a natureza das interacções com os ou- so do SUPER, por exemplo, sentiu-se a necessi-
tros colegas, amigos e família, seja semelhante dade de ajudar os jovens a serem mais optimistas
ao que se passa no contexto desportivo. em relação ao futuro, a diminuirem o seu envol-
A principal ideia subjacente ao SUPER é que vimento em comportamentos de risco e a com-
os jovens «...têm que aprender a competir consi- preenderem que as competências aprendidas e
go próprios e com o seu potencial, em vez de o aplicadas no desporto podiam ser também trans-
fazerem contra outras pessoas» (Danish & Nel- feridas para outras áreas das suas vidas.
len, 1997, p. 109). Desta forma, os adolescentes
poderão verificar mudanças na sua competência, 2. Determinar o(s) alvo(s) da intervenção
experienciar algumas «vitórias na vida» e senti- Ao desenvolver uma intervenção, as questões
rem-se menos desejosos que os outros falhem «quem», «onde» e «quando» são fundamentais.
para se sentirem bem-sucedidos (Danish, 1996). Rappaport (1977) identificou seis possíveis alvos
Adoptando esta perspectiva, o resultado torna-se de intervenção: o indivíduo, o grupo, a organiza-
assim menos importante e a qualidade de jogo e ção, a instituição, a comunidade e a sociedade.
o nível de execução constituem o objectivo cen- Tendo por base a ideia de que, antes de intervir a
tral. Em vez de celebrarem os fracassos dos ou- um nível «inferior», deve também ensinar-se
tros, os atletas passam a experienciar e a celebrar aos adolescentes novas competências, o progra-
os seus próprios sucessos (Danish, 1995).
ma SUPER procura intervir a um nível indivi-
Em suma, a forma mais eficaz e eficiente de
dual, recorrendo a um formato de grupo. Tam-
implementar programas de competências de vida
bém se insere neste ponto o timing da interven-
baseados no desporto, como o SUPER, é através
ção no que diz respeito à experiência, por parte
da comunidade, porque o desporto é um fenóme-
dos participantes, de acontecimentos de vida
no social que se alarga à educação, política, eco-
críticos (ex.: lesão ou abandono da prática des-
nomia, arte, mass media e até às relações diplo-
portiva). Neste caso, Danish, Smyer e Nowak
máticas internacionais (Eitzen, 1984). Paralela-
mente, o envolvimento no desporto é uma acti- (1980) sugeriram e desenvolveram uma série de
vidade comunitária: são actividades de grupo, alternativas relacionadas com o timing da inter-
disputadas com e/ou contra outros, podendo ser venção e com as estratégias adequadas: a) antes
vistas por um grande número de adeptos e de es- da intervenção: estratégias de promoção; b) du-
pectadores interessados (Danish et al., 1996). rante a intervenção: estratégias de apoio; e c) de-
pois da intervenção: estratégias de aconselha-
mento.
6. IMPLEMENTAÇÃO E AVALIAÇÃO DA
EFICÁCIA DOS PROGRAMAS DE 3. Desenvolver os materiais a serem usados
INTERVENÇÃO NA COMUNIDADE na implementação da intervenção
O «curriculum» de um programa deve ser
Danish e colaboradores (1996, 1997, 1998) desenvolvido e disponibilizado para divulgação,
referem alguns princípios e pressupostos básicos sendo muito útil um manual de actividades que
para o desenvolvimento e implementação dos descreva como planear, implementar e avaliar o
programas de intervenção psicológica, como é o programa e como treinar os formadores. Além
caso do GOAL ou do SUPER. Paralelamente, sa- disso, deve também conter informações relativas
lientam a necessidade e importância da avaliação à divulgação do programa em diferentes locais e
da eficácia de tais programas de intervenção co- como trabalhar com diferentes organizações para
munitária. implementar a intervenção (Danish et al., 1992a,
1992b).

167
4. Determinar quais os meios mais eficazes REFERÊNCIAS
para implementar a intervenção
As pessoas da comunidade devem acreditar Aloise-Young, P., Graham, J., & Hansen, W. (1994).
que o programa está a ser desenvolvido com Peer influences on smoking initiation during early
adolescence: A comparison of group members and
elas e não para elas. Tal pode ser conseguido fa- group outsiders. Journal of Applied Psychology, 79
cilmente recorrendo a pessoas que estão ou esti- (2), 281-287.
veram envolvidas profissionalmente nesse con- Catalano, R. F., Hawkins, J. D., White, H., & Padino, R.
texto e que são «nativas» dessa comunidade (1985). Predicting marijuana use and delinquency
(ex.: o professor de uma das escolas da comuni- in two longitudinal studies. Comunicação apresen-
dade). Isso faz com que a implementação do pro- tada no Encontro Anual da Sociedade Americana
de Criminologia, San Diego, CA.
grama seja menos perturbadora e a avaliação me-
Chickering, A. W. (1969). Education and identity. San
nos intrusiva (Danish et al., 1996). Francisco: Jossey Bass.
Crockett, L., & Petersen, A. (1993). Adolescent deve-
5. Determinar a(s) razão(ões) pela(s) lopment: Health risks and opportunities for health
qual(quais) a intervenção é feita promotion. In S. Millstein, A. Petersen, & E.
Os responsáveis pela avaliação da eficácia da Nigthingale (Eds.), Promoting the health of adoles-
intervenção devem ser sensíveis às necessidades cents (pp. 13-37). New York: Oxford.
Cruz, J. F. (1996a). Psicologia do desporto e da activi-
e expectativas dos que querem a avaliação e
dade física. In J. F. Cruz (Ed.), Manual de Psico-
efectuá-la num formato que vá de encontro às logia do Desporto (pp. 17-41). Braga: Sistemas
suas necessidades. A intervenção deverá ter três Humanos e Organizacionais, SHO.
objectivos centrais: (1) provar que a intervenção Cruz, J. F. (1996b). Motivação para a prática e com-
foi eficaz ou útil e que fez o que se pretendia que petição desportiva. In J. F. Cruz (Ed.), Manual de
fosse feito; (2) melhorar a intervenção; (3) con- Psicologia do Desporto (pp. 305-331). Braga: Sis-
tribuir para o avanço do conhecimento científico, temas Humanos e Organizacionais, SHO.
Cruz, J., Dias, C., Gomes, A. R., Cardoso, M., Gomes,
no sentido de que as intervenções não só aplicam
D., Oliveira, H., Pereira, M., & Alves, A. (1998a).
conhecimentos, mas também geram novos co- Lutar por Objectivos: Manual do formador. Braga:
nhecimentos (Danish et al., 1996). Universidade do Minho.
Cruz, J., Dias, C., Gomes, A. R., Cardoso, M., Gomes,
6. Determinar os tipos de avaliação a ser D., Oliveira, H., Pereira, M., & Alves, A. (1998b).
realizada e os meios mais eficazes para o fazer Lutar por Objectivos: Manual do estudante. Braga:
Existem dois tipos principais de avaliação: a Universidade do Minho.
Cruz, J. F., & Viana, M. F. (1996). Treino de compe-
avaliação formativa ou de processo e a avaliação
tências psicológicas no desporto (pp. 533-565). In
sumativa ou de resultado (Scriven, 1980). Para J. F. Cruz (Ed.), Manual de Psicologia do Despor-
uma avaliação ser eficaz, ela deve ser parte inte- to. Braga: Sistemas Humanos e Organizacionais,
grante da intervenção e não ser um processo SHO.
aplicado após a sua implementação (Danish & Danish, S. J. (1990). Ethical considerations in the de-
Conter, 1978). sign, implementation and evaluation of develop-
mental interventions. In C. B. Fisher, & W. W.
Tryon (Eds.), Ethics in applied developmental psy-
7. Desenvolver programas de intervenção
chology: Emerging issues in an emerging field
que possam ser divulgados em mais do que (Vol. 4, pp. 93-112). New York: Ablex Publishing.
um local ou comunidade Danish, S. J. (1993). A life-skills, multi-site interven-
Uma forma de avaliar a eficácia de um pro- tion program for adolescents. NMHA Prevention
grama consiste em avaliar se ele pode ser facil- Update, 4, 8-9.
mente implementado em mais do que um local Danish, S. J. (1995). Reflections on the status and future
ou comunidade. Por outras palavras, trata-se de of community psychology. Community Psycholo-
gist, 28, 16-18.
avaliar se a intervenção, independentemente da Danish, S. J. (1997). Going for the goal: A life skills
sua eficácia no local de intervenção original, tem program for adolescents. In G. Albee, & T. Gullot-
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