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Notas sobre estática dos fluidos

P ROF. S AVIO V IANNA


Universidade Estadual de Campinas

1 Introdução
Existem situações em que o fluido não sofre a ação de forças cisalhantes.
Quando o fluido está em movimento uniforme ou quando o mesmo está
em repouso o balanço de forças está limitado as forças de campo e a força
devido ao gradiente de pressão.
Nesta etapa do curso trata-se da ação do campo gravitacional e de como
a variação da pressão se manifesta como força por unidade de volume num
elemento de fluido. O equacionamento matemático do fluido em repouso é
tratado de forma detalhada com ênfase no significado físico de cada termo
da equação geral da estática dos fluidos. Atenção particular é dada as
medidas de pressão assim como as formas pelas quais pode-se medir a
pressão.

2 Estática dos fluidos


Conforme discutido na aula anterior, o gradiente de velocidade, como por
exemplo du
dy , provoca uma tensão (representada pelo tensor de segunda or-
dem) que age na interface tangente a direção do escoamento e é proporcional
ao gradiente de velocidade na direção normal a superfície, de acordo com a
expressão abaixo.

du
τy,x = µ (1)
dy
onde µ é a viscosidade dinâmica do fluido.
Por outro lado, quando o fluido está em repouso ou em movimento
uniforme, as forças cisalhantes por unidade de área não estão presentes,

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uma vez que não há gradiente de velocidade. A única tensão (força por
unidade de área) que está presente é a tensão normal.
Desta forma, para que o equacionamento do fluido em repouso seja de-
senvolvido, considera-se as demais forças que estão atuando num elemento
de fluido. Tomando F como a resultante das forças atuando num elemento
de fluido, pode-se aplicar o princípio da conservação da quantidade de
movimento, que leva a seguinte equação diferencial.

d ( mV~)
F= (2)
dt
Para o caso em que não há variação da velocidade e que a massa é
mantida constante (ausência de efeitos relativísticos), o lado direito da
equação 2 é nulo. Este fato implica que a resultante F das forças que atua no
elemento de fluido também seje nula.
Cabe então identificar as forças que atuam no elemento de fluido e como
estas forças anulam umas as outras levando a resultante F também ser nula.

2.1 Balanço de Forças num elemento de fuido


Seja um elemento de fluido em repouso conforme ilustrado na Figura 1.
Como ponto de partida toma-se o balanço de forças neste elemento in-
finitesimal (o elemento mede δx,δy e δz) . Para facilitar o entendimento,
os balanços são realizados individualmente. Inicialmente considera-se a
direção x e posteriormente a direção y e finalmente a direção z.
Tomando como base a face escura do elemento de fluido (direção x) apre-
sentado na Figura 1 pode-se aplicar a equação da conservação da quantidade
de movimento. Tal abordagem leva a;

Fx − Fx+δx = m · a x (3)

Como o fluido está em repouso e tomando a força que age na direção x


como o produto da pressão pela área da face (δy * δz), a equação acima pode
ser escrita como sendo.

( Px − Px+δx )(δy ∗ δz) = 0 (4)

A pressão na posição x + δx, pode ser escrita como;

∂P
Px+δx = Px + ∗ δx (5)
∂x

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em que ∂P∂x representa a variação da pressão P na direção x por unidade
de comprimento. Assim, para que seja conhecido o valor de pressão num
ponto que dista δx (face oposta do cubo da Figura 1), basta adicionar à
∂x ∗ δx), que pode ser obtida
pressão no ponto x (Px ) a variação pressão ( ∂P
multiplicando-se variação da pressão P na direção x por unidade de com-
primento ( ∂P
∂x ) pelo comprimento desejado. Neste caso, δx.
Substituição da equação 5 na equação 4 leva a;

∂P
Px (δy ∗ δz) − ( Px + ∗ δx )(δy ∗ δz) = 0 (6)
∂x
Eliminando os termos iguais e de sinal contrário tem-se que;

∂P
− ∗ δx ∗ δy ∗ δz = 0 (7)
∂x

Figure 1: Elemento de fluido com dimensões δx = δy = δz com as respecti-


vas forças normais a cada face

Procedimento análogo pode ser feito para a direção y, levando ao seguinte


equacionamento;

∂P
− ∗ δx ∗ δy ∗ δz = 0 (8)
∂y
Na direção z, tem-se no entanto, a ação do campo gravitacional. Neste
sentido, para o mesmo balanço de forças realizado em x e em y, deve-se
ainda considerar a ação da força peso. Assim na direção z ;

3
∂P
− ∗ δx ∗ δy ∗ δz − m ∗ ~g = 0 (9)
∂z
Pode-se então finalmente escrever o balanço de forças num elemento de
fluido de volume V = δxδyδz como sendo;

∂P ∂P ∂P
− ∗ δxδy ∗ δz − ∗ δxδy ∗ δz − ∗ δxδy ∗ δz − m ∗ ~g = 0 (10)
∂x ∂y ∂z

Dividindo a equação 10 acima pelo volume V = δxδyδz, temos;

∂P ∂P ∂P
− − − − ρ ∗ ~g = 0 (11)
∂x ∂y ∂z

A equação acima representa a equação fundamental da estática dos


fluidos e na forma vetorial pode ser escrita como;

−∇ P − ρ ∗ ~g = 0 (12)

−∇ P = ρ ∗ ~g (13)

Análise da equação 13 acima mostra que a resultante das forças de


pressão por unidade de volume de um fluido (∇ P) é equilibrada pela força
de campo por unidade de volume (ρ~g).
A equação 13 é a equação geral da estática dos fluidos escrita na forma
vetorial. Antes de prosseguir com um exemplo de aplicação da equação 13,
que será abordado na seção 3.3, é importante compreender o significado
físico do gradiente de pressão.

2.2 Significado físico do gradiente de pressão


Do desenvolvimento matemático da seção anterior pode-se observar que
chega-se a três equações (equações 7, 8 e 9) as quais contemplam as forças
de contato e de campo para as direções x, y e z.
Considerando apenas as forças de contato na três direções e represen-
tando por F̂ pode-se escrever;

!
∂P ∂P ∂P
F̂ = − i+ j+ k δxδyδz (14)
∂x ∂y ∂z

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Definindo F̄ como sendo F̄ = dV , temos que;

F̄ = −∇ P (15)

Análise das equações 14 e 15 leva a conclusão de que o gradiente de


pressão representa força por unidade de volume num elemento de fluido.
Esta dedução é importante e garante a consistência dimensional da
equação geral da estática. A análise do lado direito da equação 13 indica
que a quantidade ρ ∗ ~g é de fato a força peso por unidade de volume, uma
vez que ρ é massa específica (massa por unidade de volume). Logo é de se
esperar que o lado direito da equação 13 também apresentasse uma força
por unidade de volume, o que é comprovado pela equação 15.

3 Pressão
Em estática dos fluidos, a magnitude da força por unidade de área é a
pressão. No entanto, precisa-se ter cuidado ao trabalhar com a pressão em
um fluido em escoamento. Mais adiante, tratar-se-á deste aspecto.
Em geral, a pressão pode ser definida como a pressão absoluta, de forma
a distinguir da pressão manométrica (Gauge pressure), a qual é definida como
a pressão absoluta menos a pressão atmosférica.

Pman = P − Patm (16)

Quando o fluido está em repouso, as tensões viscosas tangenciais não


existem e apenas as forças normais entre as superfícies adjacentes estão
presentes.
Pode-se mostrar que a pressão é igual em todas as direções. Seja o
elemento triangular de fluido apresentado na Figura 2 abaixo. Em cada uma
das faces, há a pressão P1 ,P2 , e P3 . O eixo Z aponta verticalmente para cima.
Análise da Figura 2 mostra que as forças atuando no elemento são a pressão
em cada face e a força peso.
Pode-se então escrever o balanço de força considerando que o elemento
está em repouso. Assim temos;
Direção. Horizontal:

( P1 ds)sen(α) − P3 dz = 0 (17)

Como dz = (ds)sen(α), implica que P1 = P3 .


Realizando o mesmo balanço na vertical, pode-se escrever;

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Figure 2: Elemento de fluido triangular para demonstração da igualdade
das pressões em cada face do elemento

( P1 ds)cos(α) − P2 dx = 0 (18)

Como dx = (ds)cos(α), implica que P1 = P2 . Logo, P1 = P2 = P3 .


Esta conclusão tem uma implicação importante. Note que devido ao as-
pecto geométrico do elemento de fluido (triangular), ao considerar a pressão
nas faces não houve variação. Em outras palavras, a pressão mostrou-se
indiferente a mudança do sistema de coordenadas. Assim pelas definições
de vetor e de escalar introduzidas no capítulo 2, pode-se concluir que a
pressão é um escalar.

3.1 Distribuição de pressão em um fluido incompressível


Considere um recipiente em repouso conforme o esquema apresentado na
Figura 3. A partir da equação fundamental da estática dos fluidos, deseja-se
saber qual a pressão no fundo do recipiente.

Figure 3: Desenho esquemático de um recipiente com fluido incompressível


e profundidade h

Utilizando a equação 13, pode-se escrever as seguintes equações para as


três direções espaciais.

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∂P
− = ρgx i (19)
∂x

∂P
− = ρgy j (20)
∂y

∂P
− = ρgz k (21)
∂z
Como ~g = (oi + oj − gz k), pode-se estabelecer uma relação entre a
pressão e a profundidade de um fluido incompressível em repouso a partir
da seguinte equação diferencial.

dP
= ρ g~z (22)
dz
Em que as condições de contorno podem ser escritas como sendo;

P(0) = Patm
Resolvendo a equação 22 temos;
Z P Z z
dp = ρ g~z
0 0
Sendo z = h, devido a referência adotada na figura 3 temos que;

P − Patm = ρgz = ρ g~z h


Podemos finalmente chegar a:

P = Patm + ρ g~z h (23)

A equação 23 acima pode ser usada para calcular a pressão numa profun-
didade devido a coluna de líquido acima do ponto aonde deseja-se efetuar
o cálculo. Cabe ainda mencionar que a inspeção da equação 23 mostra
que a partir de uma pressão referencial (Patm ) a pressão aumenta com a
profundidade h de forma linear.
Considerando um fluido de densidade ρ = 1.000kg/m3 e no campo
gravitacional da terra (~g ∼ 10m/s2 ), qual seria o diferencial de pressão a 10
metros de profundidade?
Neste caso, pode-se escrever;

7
kg
∆P = ρ~gh = 1.000kg/m3 ∗ 10m/s2 ∗ 10m = 100.000
ms2
kg
A variação de 100.000 ms2 equivale acerca de 1 atm. Assim, para cada 10
metros de coluna de água (ρ = 1.000kg/m3 aproximadamente) a pressão
exercida no corpo submerso aumenta de aproximadamente 1 atmosfera.
Por esta razão, mergulhadores, Figura 4, precisam equalizar a pressão
do seu organismo regularmente a medida que a profundidade aumenta.
A não equalização pode provocar danos ao mergulhador, dentre eles, o
rompimento do tímpano.

Figure 4: Mergulho recreativo no litoral de Guarapari, Espírito Santo, Brasil


(31 de Janeiro de 2019). Para chegar ao nível de conforto por volta de 14
metros de profundidade, estes mergulhadores realizaram a manobra de
equalização algumas vezes.

O corpo humano é constituído basicamente de líquido, neste caso os


efeitos da compressibilidade podem ser considerados desprezíveis. No
entanto, existem partes do corpo humano como os seios da face, ouvido e
garganta que são preenchidos por ar a pressão igual a do ambiente. Con-
forme visto no exemplo acima, a medida que aumenta-se a profundidade
a pressão aumenta o que acarreta na compreesão das moléculas de ar que
passam a ocupar um volume menor. Assim, para manter o espaço aéreo com
o seu volume original durante a descida do mergulhador, faz-se necessário
a adição de ar, que é feito por meio da equalização.
A manobra de equalização é feita pinçando o nariz e sobrando contra ele
com a boca fechada. Esta manobra direcionará ar da garganta para o espaço
aéreo do ouvido e seios faciais.

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3.2 Medidas de Pressão
A pressão é medida em relação a uma referência. Neste sentido, quando a
referência não está explícita, pode haver uma indefinição, o que obviamente
não é desejável. Em geral, as referências são o vácuo absoluto (zero de
pressão) ou a pressão atmosférica.
A pressão absoluta tem como referência o vácuo absoluto (pressão zero).
Por outro lado, a pressão manométrica tem como referência a pressão ambi-
ente. Na maioria dos casos, a pressão ambiente é a pressão atmosférica.
O vácuo indica quanto a pressão está abaixo da pressão atmosférica.

3.2.1 Medidores de Pressão

3.2.2 Barômetros

Os barômetros são medidores de pressão absoluta. A Figura 5 auxilia no


entendimento da medida fornecida pelo barômetro.

Figure 5: Desenho esquemático de um barômetro

Tomando como base a igualdade de pressão na superfície livre do


líquido, pode-se escrever que;

Pv + ρ f b gh = Patm
onde ρ f b é a densidade do fluido barométrico.
Se o fluido barométrico tiver uma baixa pressão de vapor( Pv ∼ 0),
tem-se que;

Patm = ρ f b gh
O barômetro é usado para medir a pressão ambiente (absoluta).

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3.2.3 Manômetros

Os manômetros são medidores de pressão relativa. A exemplo do que foi


feito com o barômetro, utiliza-se um tubo em U para ilustar a medida de
pressão utilizando um manômetro.
Análise da Figura 6 mostra que uma extremidade do tubo está conectada
ao ponto de medida (o tanque) e a outra extremidade está aberta para o
ambiente.
A linha pontilhada da Figura 6 representa uma isobárica. Tendo em
mente que os dois fluidos são distintos (fluido no tanque e o fluido manométrico),
pode-se calcular as pressões no ponto 1 e 2 e igualar as mesmas.

Figure 6: Desenho esquemático de um tubo em U conectado a um tanque

Assim, sendo ρ a densidade do fluido de processo (dentro do tanque)


e ρ f m a densidade do fluido manométrico, pode-se usar a condição de
igualdade de pressão na isobárica para escrever o seguinte equacionamento;

P + ρgZ = Pamb + ρ f m gh
Isolando as pressões tem-se;

P − Pamb = ρ f m gh − ρgZ
No caso de gases, ocorre que ρ f m gh >> ρgZ, logo;

P − Pamb = ρ f m gh
O manômetro de Bourdon é o medidor mais empregado na indústria.
O mesmo é instalado em linhas, equipamentos, vasos, etc... Ele fornece
indicações de pressão manométrica.

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Figure 7: Manômetro de Bourdon

3.3 Empuxo
Quando corpos estão total ou parcialmente imersos em um fluido, a força
de empuxo agirá sobre esses corpos.
O empuxo ~E é dirigido para cima e é igual ao peso do volume de fluido
deslocado.
Podemos finalmente chegar a:

E = ρ F gVd (24)

Figure 8: Corpo de peso P imerso em um fluido.

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