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Caso Clínico 1

Paciente do sexo masculino, de 72 anos de idade, com diagnóstico de diabete melito (DM) tipo
2 desde os 57 anos. Há oito dias os familiares afirmam que o paciente se tornou confuso e
sonolento, não aceita as medicações e que tem apresentado piora progressiva. Referem ainda
diminuição do volume urinário desde o dia anterior à consulta, porém a diurese estava normal
antes disso.

Antecedente pessoal

O paciente apresenta DM há 15 anos, faz uso de glicazida (30 mg/dia), é hipertenso em uso de
enalapril (10 mg/dia) e de hidroclortiazida (25 mg/dia); tem doença de Alzheimer leve e faz uso
de rivastigmina.

Exame físico

O estado geral é regular, e o paciente encontra-se corado, desidratado +++/4+, eupneico e


sonolento.

o PA: 160 × 110 mmHg; FC: 100 bpm.


o Ap. resp.: MV+, raros roncos sem estertores.
o Ap. CV: 2BRNF, sem sopros.
o TGI: plano, flácido, RHA+, sem visceromegalias e massas palpáveis.
o MMII: pulsos+, sem edema.
Exame neurológico

Ao exame neurológico, o paciente encontrava-se consciente, hiporresponsivo, em Glasgow 12


(AO:3, RM:5, RV:4), sem déficits focais aparentes.

1. Qual primeira medida a ser realizada no paciente descrito?

Em pacientes com antecedente de DM, distúrbio do nível de consciência e alteração do nível


de consciência aguda, a primeira medida em caso de PCR consiste em determinar
rapidamente a glicemia capilar, pois esta prática propicia a reversão imediata dos sintomas.
Contudo, na persistência da hipoglicemia, podem ocorrer danos neurológicos irreversíveis.

2. A que classe de medicações pertence a glicazida?

A glicazida é uma medicação hipoglicemiante oral da classe das sulfonilureias. Trata-se de


medicações que se ligam ao receptor das sulfonilureias na célula beta (SUR1) promovendo:

o o fechamento dos canais de K-ATP-dependentes;


o a despolarização do potencial de membrana;
o a abertura dos canais de cálcio;
o aumento do Influxo de cálcio na célula.
O aumento da concentração de Ca++ intracelular promove a exocitose de grânulos
de insulina da célula beta. A glicazida na dose do caso é uma glicazida de ação
prolongada, os principais agentes secretagogos de insulina (sulfonilureias e
metilglinidas), a tabela a seguir cita a posologia de algumas destas medicações.

Secretagogos Dose N. de Apresentação Nome comercial


diária doses/dia
(mg) (comprimidos,
mg)

Clorpropamida 100 a 750 1 250 Diabinese

Glibenclamida 2,5 a 20 1a2 5 Daonil, euglucon, Lisaglucon

Glipizida 2,5 a 40 1a2 5 Minidiab

Gliclazida 80 a 320 1a2 80 Diamicron, gliclazida,


Azukon

Gliclazida de ação 30 a 120 1 30 Diamicron MR, Azuklon MR


prolongada

Glimepirida 1a8 1 1, 2, 4 e 6 Amaryl, bioglic,

glymepil,

azulix, glimebipal

Repaglinida 0,5 a 4 1a3 0,5, 1 e 2 Novonorm

Prandin

Nateglinida 60 a 120 1a3 60 e 120 Starlix

Foram realizados exames complementares:

o Glicemia: 870 mg/dL


o Gasometria arterial: pH 7,35; pO2 80,9; pCO2 34,8; BIC 25,2; BE -2,2; satO2 92,7%.
o Urina I: 2 leucócitos/campo, 2 eritrócitos/campo, glicose +++, cetonas +.
o Radiografia de tórax e eletrocardiograma: sem alterações.
o Na: 140 mEq/L.
o K: 3,5 mEq/L.
o Ureia: 115 mg/dL.
o Creatinina: 1,9 mg/dL.

3. Qual é a osmolaridade deste paciente?

A osmolaridade efetiva calculada é de 328,3 mOsm/kg.

A osmolaridade é calculada pela fórmula Osm = 2 × Na corrigido + glicemia/18. O sódio pode


apresentar resultados falsamente mais baixos na presença de grandes hiperglicemias, esta
variação é de 1,6 mEq a cada 100 mg/dL de glicemia acima de 100 mg/dL, ou seja, Na
corrigido = Na medido +1,6 × glicemia - 100/100. Quando a natremia é mensurada pelo método
da ionometria não é necessário realizar essa correção.

4. Qual é o diagnóstico do paciente?

O paciente foi diagnosticado com estado hiperosmolar não cetótico, ou seja, uma
descompensão do DM definida por:

o glicemia superior a 600 mg/dL;


o pH arterial superior a 7,3;
o osmolalidade sérica efetiva estimada > 320 mOsm/kg.

5. Qual é a fisiopatologia das principais complicações hiperglicêmicas?

O mecanismo básico tanto da cetoacidose (CAD) quanto do estado hiperosmolar (EHNC)


consiste na deficiência absoluta ou relativa da ação da insulina, seja por ausência de insulina
circulante ou por elevação dos hormônios contrarreguladores (glucagon, catecolaminas,
cortisol e GH).

Em quadros de cetoacidose diabética, principalmente quando causados por infecção ou outros


fatores estressores, ocorre resistência à ação insulínica extrema causada pelos hormônios
contrarreguladores, como o hormônio do crescimento, cortisol e catecolaminas, que, por sua
vez, levam ao aumento de glucagon e lipólise. A indisponibilidade da glicose para servir de
substrato para produção de energia intracelular e a alteração da relação insulina/glucagon
causam aumento na gliconeogênese e na glicogenólise. Assim, o paciente apresenta índices
glicêmicos progressivamente maiores, daí decorre todo o processo de diurese osmótica que
leva à desidratação e ao aumento da osmolaridade.

Para ocorrer a acidose é preciso também haver alteração do metabolismo dos lipídios, o que
acontece apenas quando a ausência relativa de insulina é absoluta, ou quase absoluta, pois,
mesmo quando mínimas, as quantidades de insulina são capazes de suprimir toda a produção
de glucagon por efeito parácrino nas ilhotas pancreáticas.

Quando tal ausência relativa de insulina ocorre, há aumento da produção de glucagon, o que,
por sua vez, diminui a produção de uma enzima denominada malonil coenzima, cuja função é
inibir a produção da carnitina-palmitil-transferase. Com a redução da malonil coenzima ocorre o
aumento da já citada carnitina-palmitil-transferase, que faz o transporte de ácidos graxos para
as mitocôndrias hepáticas. Dessa forma, há produção de energia usando como substrato estes
lipídios no referido processo em que ocorre a produção de ácido acetoacético, ácido beta-
hidroxibutírico e acetona, caracterizando, assim, o quadro de cetoacidose, com consumo da
reserva alcalina e posterior diminuição do PH sanguíneo. Isso provoca também uma grande
produção de lipídios e triglicérides, podendo, inclusive, ser desencadeadas complicações da
hipertrigliceridemia como pancreatite, embora isso seja raro.

Na CAD, a maior diferença em relação ao estado hiperosmolar é que além da alteração do


metabolismo dos carboidratos ocorre também aumento da liberação de triglicérides e ácidos
graxos por lipólise e betaoxidação dos ácidos graxos, determinando a formação de corpos
cetônicos (beta-hidroxibutirato e cetoacetato), responsáveis pela acidose metabólica e
cetonemia.

No EHHNC, a insulina circulante, apesar de reduzida, ainda é suficiente para prevenir a lipólise
e subsequente cetogênese. Ambas as condições são associadas à glicosúria com diurese
osmótica e perda de água, sódio, potássio e outros eletrólitos. O grau de desidratação é mais
intenso no EHHNC, enquanto a acidose é mais intensa na CAD. De fato, o déficit de líquido
costuma ser de 4 a 6 litros na CAD, comparado com 8 a 10 litros no EHHNC. A tabela a seguir
sumariza as fisiopatologias de ambas as condições.

Insulina quase absoluta + Hormônios contrarregulatórios

Produção de ácidos graxos (lipólise) → transportados para o fígado pela CPTF → produção de corpos cetônicos (ácido
beta-hidroxibutirato) →

CETONEMIA E ACIDOSE METABÓLICA

Há produção mínima de insulina, mas suficiente para inibir a produção de corpos cetônicos, e, portanto, não evolu

Evolução arrastada que se desenvolve em semanas, costumeiramente associada a condições que dificultam a mobilizaç
do paciente (acamados, idosos demenciados, residentes em casas de repouso e pacientes com sequelas neurológicas)
6. Qual é o tratamento para o estado hiperosmolar?

Os tratamentos para o estado hiperosmolar e a cetoacidose são semelhantes. O tratamento do


estado hiperosmolar encontra-se sumarizado no algoritmo a seguir:

Após o tratamento adequado e a reversão do estado hiperosmolar, o paciente apresentou


melhora apenas parcial do quadro confusional. Percebeu-se pelo exame físico que o paciente
apresentava hemiparesia esquerda discreta. Foi realizada tomografia de crânio que gerou a
seguinte imagem:
7.O que aconteceu com o paciente?

O paciente apresentou quadro de AVC isquêmico. Observou-se também imagem hipodensa


extensa à direita, sugestiva de quadro isquêmico - provavelmente o fator precipitante do estado
hiperosmolar, pois o AVC pode provocar aumento dos hormônios contrarreguladores e da
glicemia, também pode limitar o acesso do paciente à água e contribuir para desidratação, o
que acarreta hiperosmolaridade. Deve-se destacar a importância de, em pacientes com
descompensações como cetoacidose e estado hiperosmolar, procurar fatores precipitantes,
como infecções e causas cárdio e cerebrovasculares como o AVC.

Caso Clínico 2
Paciente do sexo masculino, 46 anos, com episódios de calafrios, tremores, febre e tosse
produtiva há cinco dias. Foi avaliado em outro serviço há três dias, onde recebeu amoxacilina.
Há dois dias tem apresentado dor torácica ventilatória-dependente à esquerda, febre
persistente e tosse produtiva.

Antecedentes pessoais

O paciente é tabagista há 22 anos (1 maço/dia); nega outras patologias.

Exame físico

O paciente apresenta-se em BEG, corado, hidratado, anictérico e acianótico.

o FC: 104 bpm.


o PA: 110 × 70 mmHg.
o SaO2: 93%.
o Ap resp: MV+, mas abolido à E, com estertores crepitantes em campo médio e com
macicez à percussão à esquerda.
o ApCV: 2BRNF, sem sopros.
o TGI: plano, flácido, indolor, RHA+, sem RA.
o MMII: pulsos positivos, sem edema.

1. Inicialmente, qual é o diagnóstico provável?

Em princípio, o diagnóstico possível é de pneumonia adquirida na comunidade.

Pneumonia deve fazer parte do diagnóstico diferencial em todos os pacientes que procuram o
pronto-socorro (PS) referindo tosse, febre, expectoração, dor torácica e dispneia. No caso em
questão, o paciente apresenta quadro febril, com expectoração e achado de estertores
crepitantes no exame clínico, o que sugere o diagnóstico. É fato que os achados de exame
físico não apresentam desempenho diagnóstico muito alto, e em certas populações, como a de
idosos, um único sintoma pode significar a queda do estado geral. O contexto principal em que
ocorrem as pneumonias domiciliares é o de paciente com quadro sugestivo de infecção de vias
aéreas, sem apresentar melhora e com persistência do quadro febril por vários dias.
Apresentações mais abruptas, que duram um dia, com dor pleurítica, escarro sanguinolento e
sepse podem ocorrer e estão descritas na literatura antiga como manifestações da pneumonia
pneumocócica clássica, principalmente doença pneumocócica invasiva. São achados
sugestivos de pneumonia:

o febre, principalmente se por mais de três dias;


o FR > 25 irm;
o expectoração amarelada;
o FC > 100 bpm;
o estertores creptantes ao exame físico;
o diminuição de sons respiratórios;
o mialgias;
o sudorese noturna.

2. Qual outra possibilidade associada o exame físico sugere?

O paciente apresenta diminuição importante de murmúrio vesicular à esquerda com percussão


maciça, o que sugere a possibilidade de derrame pleural. A consolidação pulmonar pode cursar
com diminuição de murmúrio vesicular, mas dificilmente cursaria com abolição de murmúrio
vesicular. O paciente apresenta, ainda, macicez à percussão, o que ocorre com presença de
líquido pleural ou conteúdo sólido no local. São indícios de acometimento pleural: tosse, febre,
dispneia e dor torácica; a dor é tipicamente ventilatório-dependente, com intensidade moderada
a forte e relativamente bem localizada. Por outro lado, o paciente pode não evidenciar nenhum
sintoma atribuído à pleura ou ter ausculta pulmonar normal, mesmo assim, poderá apresentar
derrame pleural. Portanto, a propedêutica pulmonar normal não exclui um derrame pleural. A
ausculta típica consiste na redução do murmúrio vesicular geralmente em áreas dependentes
da gravidade (bases pulmonares) associada à diminuição da ausculta da voz e macicez à
percussão.

3. Quais sinais clínicos podemos encontrar em pacientes com esse tipo de


complicação?

Em pacientes com essas complicações podemos identificar sinal de Signorelli e Lemos-Torres.

O sinal de Signorelli é verificado com a percussão e ocorre quando o som claro pulmonar da
coluna dorsal é substituído por submacicez, e a macicez ocorre em derrames pleurais de
tamanho moderado ou grande. O sinal de Lemos-Torres é verificado quando se inspeciona
abaulamento expiratório localizado, observado em 1 a 3 espaços intercostais, e ocorre em
derrames pleurais menores.

4. Qual exame deve ser solicitado imediatamente?

Pacientes com suspeita de pneumonia devem ser submetidos à radiografia de tórax. O


Consenso Britânico recomenda não solicitar radiografia em pacientes com história e exame
físico sugestivos em unidades básicas de saúde. Todas as outras sociedades mundiais,
inclusive o Consenso Brasileiro, recomendam fortemente a realização de radiografia de tórax.
Esta poderá ser útil não apenas para confirmar uma consolidação parenquimatosa e afastar
outras causas para os sintomas do paciente, mas também para fornecer informações
importantes, como cavitação, derrame pleural e número de lobos acometidos, e para avaliar
pacientes que não apresentam melhoram após 3 ou 4 dias de antibioticoterapia. É interessante
ressaltar que o diagnóstico de pneumonia é confirmado pela radiografia de tórax, embora a
sensibilidade não seja de 100%.O derrame pleural também exige confirmação por exame de
radiografia de tórax.

A radiografia de tórax do paciente apresenta-se como na imagem a seguir:

5. Qual foi o achado dessa radiografia de tórax?


Paciente apresenta obliteração do seio costofrênico à esquerda, com imagem hipotransparente
em hemitórax esquerdo, que pode ser correspondente a consolidação, massa ou derrame
pleural. O achado sugere presença de derrame pleural.

6. Quais exames são indicados para esse paciente?

Punção de líquido pleural, com Gram, citologia, proteínas, DHL, PH, glicose e cultura, também
devem ser colhidos proteína e DHL séricos. Ainda devem ser realizados sódio, potássio, ureia,
creatinina, glicemia e hemograma.

Pacientes com classificação PORT I na escala PSI não necessitam realizar exames
laboratoriais, mas nos que apresentam PORT I (menos de 70 pontos, mas com presença de
preditores) a presença de derrame pleural é um dos preditores clínicos (vide escala PSI) e
indica necessidade de coleta de sódio, potássio, ureia, creatinina, glicemia, hemograma.

Deve-se aferir a saturação de oxigênio (neste caso, 93%), a gasometria arterial deve ser
colhida apenas se houver hipoxemia (saturação de oxigênio < 90%), insuficiência respiratória,
ou na suspeita de hipercapnia no paciente com DPOC. A coleta de proteínas e DHL sérico
deve ser feita, assim como a punção de líquido pleural, com Gram, citologia, proteínas, DHL,
PH, glicose e cultura para avaliar o derrame pleural. Caso se indique internação hospitalar,
será necessário realizar hemoculturas, e pesquisa com cultura de escarro pode ser útil.

O resultado dos exames foi o seguinte:

o Na: 141 mEq/L;


o K: 3,9 mEq/L;
o ureia: 22 mg/dL;
o creatinina: 0,8 mg/dL;
o glicemia: 93 mg/dL;
o proteínas totais: 6 mg/dL;
o DHL: 320 mg/dL.
No líquido pleural:

o pH: 7,03;
o 3.000 células com 86% de neutrófilos;
o DHL: 452 mg/dL;
o proteínas totais: 4,5 mg/dL;
o Gram: presença de cocos Gram-positivos;
o cultura negativa;
o glicose: 36 mg/dL.
7. Qual é a classificação PSI da pneumonia do paciente citado neste caso?

PORT II

A classificação PSI é apresentada na tabela a seguir:

O paciente tem 46 anos de idade e derrame pleural, portanto está com 56 pontos, mas com
presença de derrame pleural, logo PORT II.
A tabela a seguir mostra as diferentes classes PORT:

8. O derrame pleural do paciente consiste em um exsudato ou um


transudato?

O paciente apresenta exsudato. Os melhores critérios para diferenciação entre exsudato e


transudato são os critérios de Light - o paciente que apresenta a positividade dos três critérios
segue os critérios de Light, conforme a tabela a seguir.
9. Considerando que o paciente apresenta derrame parapneumônico, pois
ocorreu na vigência de pneumonia, qual seria sua classificação e
tratamento?

O paciente apresenta derrame pleural parapneumônico complicado ou tipo 4 e necessita de


drenagem pleural. A classificação de Light com os critérios para definição e seu tratamento é
mostrada na tabela a seguir.

O paciente apresenta glicose abaixo de 40 mg/dL e Gram com critério que define derrame
pleural como tipo 4. Deve-se, portanto, realizar exame de imagem complementar para verificar
se há loculação.

Solicita-se tomografia computadorizada (TC) de tórax em caso de derrame pleural sem


loculação.
10. Qual seria o tratamento antibiótico para este paciente?

O tratamente antibiótico consiste na combinação de cefalosporina de terceira geração e


macrolídeo ou quinolona respiratória.

Paciente com indicação de internação hospitalar devido a derrame pleural complicado: nestes
casos, segundo consenso do ATS/IDSA é a indicação é do uso de betalactâmico e macrolídeo
como a cefalosporina de terceira geração com macrolídeo e opção do uso de quimnolona
respiratória. O tempo de antibioticoterapia não é bem definido, mas a presença de derrame
pleural indica necessidade de antibioticoterapia por pelo menos duas semanas. Conforme a
evolução, a antibioticoterapia pode ser ajustada de acordo com o resultado das culturas.

Caso Clínico 3
Paciente do sexo feminino, 18 anos de idade, refere quadro de metrorragia há dois meses e
apresentou há alguns dias episódio de aparecimento espontâneo de equimoses não
relacionadas a traumas. Paciente sem antecedentes patológicos, nega uso de qualquer
medicação.

EXAME FÍSICO

Ao exame físico, aperesentou-se em bom estado geral, corado, hidratado, anictérico,


acianótico.

o PA:110/70 mmHg;
o FC: 75 bpm;
o Ap resp: MV +, sem RA;
o Ap CV: 2BRNF, sem sopros;
o TGI: plano, flácido, RHA+, indolor à palpação, sem visceromegalias e massas palpáveis;
o MMII: pulsos +, sem edema.
O paciente apresentava as seguintes lesões na inspeção:

1. Qual é a alteração notada ao exame da pele?

O paciente apresenta petéquias nos membros inferiores.


2. Qual seria a suspeita diagnóstica inicial?

Inicialmente, suspeita-se de distúrbio de hemostasia primária. Quadro de metrorragia e


equimoses não associadad a trauma e aparecimento de petéquias são dados que sugerem
sangramento por alterações da hemostasia primária.

A hemostasia primária é uma resposta imediata (alguns segundos), porém temporária, à


lesão de vasos sanguíneos. Plaquetas e fator de von Willebrand (FVW) interagem de modo a
formar o selo primário. Após a ativação plaquetária os vasos contraem-se reduzindo o fluxo.

3. Que exames devem ser solicitados para investigação inicial do paciente?

Deve-se solicitar hemograma com contagem de plaquetas. Em paciente com suposta alteração
da hemostasia primária, causada principalmente por doenças que alteram número de
plaquetas ou sua função, seria interessante saber qual é a contagem inicial das plaquetas.
Caso estejam normais, deve-se investigar alteração de sua função.

o Hb: 13,5g/dL;
o Ht: 40%;
o 6.500 leucócitos;
o 8.000 plaquetas mm3;
o esfregaço de sangue: normal.

4. Qual é o principal diagnóstico diferencial?

Púrpura trombocitopênica idiopática. Paciente com sangramento do tipo cutaneomucoso,


sugestivo de alteração de hemostasia primária, com alteração de plaquetas que aponta para o
diagnóstico de PTI.

5. Quais exames complementares devem ser realizados para o diagnóstico


deste paciente?

O diagnóstico da PTI é de exclusão e se baseia em história, exame físico, hemograma


completo e análise do esfregaço de sangue periférico. Dessa forma, procura excluir outras
causas de plaquetopenia.
Os pacientes apresentam plaquetopenias cuja gravidade costuma se correlacionar com a
gravidade das manifestações hemorrágicas, embora não exista nenhum marcador fidedigno do
risco de sangramento. O esfregaço de sangue periférico é importante para descartar a
pseudotrombocitopenia, um artefato laboratorial causado pela presença de EDTA que leva à
aglutinação plaquetária. Portanto, deve ser confirmada a presença de plaquetopenia, a
contagem manual de plaquetas.

O esfregaço de sangue periférico é útil também para descartar causas secundárias de


plaquetopenia; a presença de esquizócitos, por exemplo, sugere os diagnósticos alternativos
de púrpura trombocitopênica trombótica (PTT) ou síndrome hemoliticourêmica. O esfregaço de
sangue periférico pode sugerir também anemia megaloblástica, leucemias e mielodisplasia.

A pesquisa de anticorpos antiplaquetários não é recomendada rotineiramente para o


diagnóstico de PTI. A sensibilidade nos diferentes estudos varia entre 49 a 66%, e a
especificidade, de 78 a 92%; a correlação entre diferentes laboratórios é pobre, e exame
positivo não confirma o diagnóstico definitivamente. O exame negativo não exclui o
diagnóstico.

O mielograma não é recomendado para o diagnóstico de PTI, sendo indicado quando os


pacientes têm mais de 60 anos de idade, se recidiva após remissão completa e antes de
esplenectomia. Tipicamente, o mielograma demonstra celularidade normal com eritropoiese e
mielopoiese também normais. Megacariócitos são presentes em números normais ou
aumentados normalmente com desvio à esquerda e megacariócitos jovens.

Outros exames recomendados na avaliação desses pacientes incluem sorologia para HIV em
pacientes de risco, e a função tireoideana deve ser verificada em todos os pacientes
candidatos a esplenectomia, para verificar a presença de hiper ou hipotireoidismo oculto.

6. Qual é o tratamento?

O tratamento depende da situação clínica de apresentação e muitas vezes não é necessário o


tratamento. Pacientes adultos evoluindo com cronicidade e sem sangramento não necessitam
de tratamento, exceto se forem submetidos a algum procedimento cirúrgico, no caso pacientes
do sexo feminino devem manter plaquetas acima de 50.000 mm 3.

Alguns autores recomendam tratamento quando há contagem de plaquetas entre 10.000 e


30.000 u/L sem sangramento ou com sangramento leve. A indicação de tratamento é
indiscutível nas seguintes situações:

o plaquetas inferiores a 10.000 mm 3;


o tendência grave/moderada a sangramento e plaquetas < 30.000 mm 3;
o risco elevado de sangramento com plaquetas < 50.000 mm 3: trauma SNC, cirurgia recente.
Em pacientes fora de situação emergencial, a corticoterapia oral é o esteio do tratamento. A
prednisona é usada em dose de 1 a 1,5 mg/kg/dia durante 2 a 4 semanas, com diminuição
progressiva da dose nas semanas posteriores. Segundo alguns autores, a descontinuação
lenta e gradativa ajuda a prevenir recidiva.

Pacientes sem resposta a PTI podem usar a imunoglobulina endovenosa, que apresenta taxa
de resposta de 85%.

A esplenectomia foi o primeiro tratamento efetivo para a PTI, e é alternativa para pacientes
sem resposta à corticoterapia. Aproximadamente 75% deles apresentam resposta permanente,
embora alguns estudos tenham resultados piores. A maioria das recidivas ocorre nos dois
primeiros anos. Em pacientes com PTI refratária, outras opções terapêuticas, como vincristina,
azatioprina etc., podem ser necessárias.
O algoritmo a seguir sumariza a abordagem dos pacientes com PTI

Caso Clínico 4
ID: S.A.S., sexo feminino, 26 anos, branca, separada, com dois filhos, natural e procedente de
São Paulo, desempregada.

QD: Apresenta anasarca há três semanas e dor articular há um dia.


HMA: Paciente com quadro progressivo de edemas periocular e de membros inferiores há três
semanas, com piora no período matutino, apresenta também falta de ar discreta. Deu entrada
no PS com quadro importante de artralgia generalizada com edema e calor local,
principalmente em joelhos e tornozelo. Teve pico febril de 38,5° associado. Nega alterações
urinárias, apenas urina espumosa desde julho de 2007. Nega alterações intestinais ou qualquer
queixa respiratória. Notou aparecimento de pequenas manchas vermelhas em MMII e abdome
nos últimos dias.

AP: Nega DM. Teve amigdalectomia aos 6 anos de idade.

II G II P normais Ø Ab

HV: Nega tabagismo e etilismo.

AF: Mãe, H.A.S., nega outros antecedentes familiares relevantes.

ISDA: Cefaleias esporádicas (1 episódio a cada 2 semanas com duração de 2 a 3 dias) em


região frontal e occipital, associadas a náuseas com melhora com analgésicos. Urina
espumosa há um mês.

EXAME FÍSICO

A paciente apresenta-se em bom estado geral, orientada, descorada +/4+, HAAAE, Glasgow
15, com PA = 110 × 70 mmHg, FC 98, FR 16, T 36,5°C.

o Cabeça e pescoço: edema facial, úlceras orais, ausência de linfonodomegalias.


o Pulmonar: expansibilidade preservada, MV + diminuídos em base esquerda, com macicez
à percussão.
o Cardíaco: BRNF 2T com sopro sistólico 2+/6+ em focos Ao e Ao acessório.
o Abdome: globoso, flácido, c/ estrias, ascítico (macicez móvel e Skoda), s/ massas ou VCM,
RHA +.
o MMII: edema 3+/4+ simétrico, sem sinais TVP, pulsos presentes e simétricos.
o Articular: MCF, IFD, IFP, punhos, cotovelos, joelhos e tornozelos dolorosos à palpação.
Edema e calor local principalmente em joelhos.
o Pele: pétéquias disseminadas em MMII e abdome.

1. Qual é a principal hipótese diagnóstica?

Em pacientes com dor articular importante com artrite ao exame físico e presença de úlceras
orais a principal hipótese diagnóstica consiste em LES. O paciente apresenta por fim quadro de
anasarca e urina espumosa, que pode ser associado à síndrome nefrótica, a qual pode ocorrer
ainda em paciente com LES.
Foi realizada radiografia de tórax que apresentou o seguinte achado:

2. Qual foi a alteração encontrada na radiografia de tórax?

Identificou-se obliteração do seio costofrênico à esquerda, considerando o quadro de macicez


à percussão e diminuição de ausculta da voz, o que indica provável derrame pleural.

Foi realizada punção do líquido pleural, e foram solicitados exames gerais com os seguintes
resultados:

o DHL sérico: 322 u/L;


o PT: 3,0 g/dL (albumina 1,7 g/dL);
o DHL líquido pleural: 100 u/L;
o proteína líquido pleural: 0,8 g/dL (albumina de 0,3 g/dL);
o U: 84 mg/dL;
o Cr: 1,0 mg/dL;
o Colesterol total: 320;
o LDL colesterol: 240 mg/dL;
o Triglicérides: 150 mg/dL;
o HDL: 50 mg/dL;
o Urina I: proteinúria superior a 1 g/L, leucocitose 15/campo, eritrocitose 3/campo,
numerosos cilindros granulosos;
o FAN + 1/200 pontilhado / FAN hep2 pontilhado fino;
o anti-DNA - / anti-RNA >1/400;
o anti-Card - anti-SM - / anti-P + fraco;
o proteinúria de 24 horas: 25 g/dL.
3. O paciente confirmou o diagnóstico de LES?

Sim. O LES necessita de quatro critérios diagnósticos para confirmação: úlceras orais, artrite,
nefropatia e FAN e anti-Dna positivos.

São critérios para LES:

o Rash malar: eritema fixo em “asas de borboleta”, sobre eminências malares, poupando as
regiões nasolabiais.
o Lesão discoide: placas eritematosas salientes com descamação queratótica
e plugging foliculares, cicatrizes atróficas podem ocorrer em lesões antigas.
o Fotossensibilidade: rash cutâneo como reação não usual à exposição solar, pela história
ou observação médica.
o Úlceras orais: geralmente indolores, observadas pelo médico.
o Artrite: artrite não erosiva observada em duas ou mais articulações.
o Serosite: pleurite – história convincente de dor pleurítica, atrito pleural ou evidência de
efusão pleural; pericardite – detectada no EGC, atrito pericárdico ou evidência de efusão
pericárdica.
o Renal: proteinúria persistente > 0,5 g/dia ou > 3+ ou cilindros celulares ou mistos.
o Neurológicos: convulsões ou psicose – na ausência de drogas ou desordens metabólicas.
o Hematológicos: anemia hemolítica com reticulocitose ou leucopenia < 4.000/mm³ em
duas ou mais ocasiões ou linfopenia < 1.500/mm³ em duas ou mais ocasiões ou
trombocitopenia < 100.000/mm³ na ausência de drogas responsáveis.
o Imunológicos: anticorpo antifosfolípide positivo ou anti-DNA positivo em títulos anormais
ou anti-Sm positivo ou teste sorológico para sífilis falso-positivo por pelo menos seis meses
e confirmado pelo FTA-abs.
o Anticorpo antinuclear (FAN): positivo em títulos anormais na ausência de drogas
conhecidamente relacionadas a lúpus induzido por drogas.

4. Qual é o diagnóstico do derrame pleural?

O diagnóstico consiste em transudato por provável hipoalbuminemia. Os critérios de Light


indicam diagnóstico de transudato, também demonstrado pelo gradiente de albumina maior
que 1,2 g/dL. Os critérios para diferenciar exsudato e transudato estão descritos na tabela a
seguir.
Existem poucas causas de transudato, uma delas, a hipoalbuminemia, é a provável causa no
paciente em questão. Veja a tabela a seguir:

5. Qual é a provável classificação de nefrite lúpica neste paciente?

Nefrite lúpica tipo V: paciente com síndrome nefrótica, caracterizando provável glomerulonefrite
membranosa, sem hematúria, sedimento urinário pobre, sem hipertensão e perda de função
renal. A classificação da nefrite lúpica é descrita na tabela a seguir:

CLASSE NOMENCLATURA* ACHADOS LABORATÓRIO TRATAMENTO


CLÍNICOS
I Glomérulo normal - - -

II o Mesângio Pode não o Proteinúria Depende dos


apresentar outros órgãos
normal à MO sintoma; discreta acometidos.
mas com ocasionalmente, o Hematúria Pode necessitar
depósitos à hipertensão. discreta de corticoide
oral, mas na
IF/ME o Creatinina
maioria dos
o Depósitos normal casos sem
mesangiais tratamento
com
hipercelularidad
e

III GN proliferativa Pode haver o Proteinúria Se evoluir com


focal hipertensão, aumento de
síndrome aumentada creatinina e
nefrítica ou o Hematúria sedimento
mesmo presente ativo, pode
nefrótica necessitar de
o Creatinina
pulso de
normal a ↑ corticoide com
o Pode evoluir ou sem
azatioprina
para tipo IV
Ciclofosfamida
o Complemento também é
baixo e DNA opção
dupla fita (+)

IV GN proliferativa Presença de o Proteinúria Necessita de


difusa hipertensão, pulso de
edema, pode aumentada corticoide com
haver oligúria, o Hematúria ciclofosfamida
síndrome intensa
nefrítica,
o Creatinina ↑
nefrótica ou
GNRP o Complemento
consumido
DNA dupla
fita (++++)

V GN membranosa Síndrome o Proteinúria Corticosteroides


nefrótica
nefrótica
o Pode evoluir
com
inflamação
glomerular e
hematúria
6. Qual é o tratamento de escolha para este paciente?

Corticoterapia é tratamento de escolha para este caso. Para paciente com LES, manifestações
articulares e nefrite membranosa, com indicação de uso de corticosteroides, não há ainda
indicação do uso de imunossupressores como a ciclofosfamida.

Caso Clínico 5
Homem de 48 anos veio em consulta para check-up de rotina. Sua única queixa se refere à
lombalgia que apresenta ocasionalmente, mas que não o preocupa no momento. Foram-lhe
solicitados exames de colesterol total e frações, triglicérides, ureia, creatinina, glicemia e
eletrólitos. As únicas alterações apresentadas foram as seguintes:

o Na+: 118 mEq/L;


o triglicérides: 650 mg/dL;
o colesterol total: 220 mg/dL;
o HDL: 42 mg/dL.

EXAME FÍSICO

o PA: 135/88 mmHg;


o FC: 82 bpm;
o Ap resp: MV+, sem RA;
o ApCV: 2BRNF, sem sopros;
o TGI: plano, flácido, RHA+, sem visceromegalias e massas palpáveis;
o MMII: pulsos positivos, sem edema;
o exame neurológico: sem alterações.
Ao exame físico, o paciente encontrava-se corado, hidratado, anictérico e acianótico.

1. Qual a abordagem inicial para o diagnóstico da hiponatremia apresentada pelo


paciente?

Dosagem da osmolaridade plasmática.

O paciente, apesar de apresentar Na abaixo de 120 mEq/L, encontra-se absolutamente


assintomático, o que nos faz questionar se a hiponatremia é real, principalmente considerando
que o paciente apresenta hipertrigliceridemia associada. A hiponatremia é definida como sódio
sérico menor que 135 mEq/L. Geralmente, a queda no sódio sérico implica queda da
osmolalidade plasmática e adaptação da célula, que é a perda de solutos, embora,
ocasionalmente, a hiponatremia possa ser acompanhada de osmolalidade normal ou alta. A
primeira ação em pacientes com hiponatremia, independentemente da etiologia suspeitada,
consiste em verificar se o paciente apresenta ou não uma pseudo-hiponatremia; caso a
osmolaridade sérica medida diretamente esteja normal ou aumentada, a hiponatremia que o
paciente apresenta é uma pseudo-hiponatremia.

Osmolaridade plasmática medida: 285 mOsm/kg.

2. O paciente apresenta pseudo-hiponatremia? Quais as principais causas?

Sim. A pseudo-hiponatremia (hiponatremia isotônica) pode ocorrer em graves


hipertrigliceridemias ou quando há substancial quantidade de paraproteínas no sangue. Isso só
ocorre nos aparelhos de espectrofotometria de chama que detectam o sódio somente em fase
aquosa. Tal erro não acontece nos aparelhos com eletrodos íon-específicos. No caso em
estudo, o paciente apresenta osmolaridade normal (280 a 295 mOsm/kg), cuja causa provável
é hipertrigliceridemia.

3. Por que ao solicitar os exames do paciente mencionou-se apenas o colesterol HDL, e


não houve referência ao LDL e ao VLDL?

O motivo para tal procedimento é a hipertrigliceridemia. Quando se mensura as frações do


colesterol, mensura-se diretamente o HDL colesterol e os triglicérides. O VLDL é calculado
dividindo o valor dos triglicerídes por 5, o valor restante no colesterol total será o LDL
colesterol. Porém, quando temos valores superiores a 400 mg/dL de triglicérides, essa relação
se perde e não é mais possível calcular o colesterol VLDL a partir dos valores de triglicérides.

4. Qual deve ser a abordagem em relação ao paciente hipertrigliceridemiado?

A abordagem padrão consiste em introdução de dieta e de medicações como o fibrato.


Recomenda-se tratar a hipertrigliceridemia quando em níveis acima de 150 mg/dL, procurando
enfatizar as medidas gerais de dieta e atividade física quando os níveis são entre 150 e 199
mg/dL. Caso ultrapassem 200 mg/dL o tratamento da hipertrigliceridemia passa a ser objetivo
secundário no tratamento, enfatizando a importância de, primeiramente, tratar o LDL colesterol
elevado e, posteriormente, o HDL colesterol baixo. Nesses pacientes, considera-se introduzir
intervenção medicamentosa adjuvante às medidas gerais.

Quando esses níveis ultrapassam 500 mg/dL, os triglicérides passam a ser objetivo primordial
do tratamento com combinação de terapia medicamentosa com ácido nicotínico ou fibratos e
medidas gerais. As orientações dietéticas baseiam-se na redução do consumo de álcool, em
dieta hipogordurosa, com diminuição da gordura trans, e orientação para prática de atividade
física, apresentando boa resposta em diminuição dos níveis de triglicérides, principalmente no
sexo masculino.

Níveis de triglicérides acima de 1.000 mg/dL podem causar pancreatite aguda, sendo a
hipertrigliceridemia responsável por cerca de 1,3 a 3,8% dos casos. A maioria dos pacientes
tem triglicérides em níveis superiores a 4.000 mg/dL. Os pacientes com hipertrigliceridemia
importante e sintomas sugestivos de pancreatite devem permanecer em repouso até que os
níveis de triglicérides fiquem abaixo de 1.000 mg/dL. As tabelas a seguir sumarizam os
principais fibratos e o ácido nicotínico e suas posologias.

Fibrato Dose Melhor administrar

Genfibrozil 600 mg 2 vezes/dia* 30 min antes das refeições

Bezafibrato 200 mg 3 vezes/dia** Durante ou após as refeições

400 mg À noite

Fenofibrato 250 mg dose única À noite

Fenofibrato micronizado 200 mg dose única À noite

Ciprofibrato 100 mg dose única À noite, longe da refeição

Etofibrato 500 mg dose única À noite, durante o jantar

Fibrato Apresentação
Genfibrozil Lopid comp. 600 e 900 mg

Bezafibrato Cedur comp. 200 mg

Cedur retard comp. 400 mg

Fenofibrato Lipanon retard comprimido 250 mg

Lipidil cápsula 200 mg

Ciprofibrato Lipless comp. 100 mg

Oroxadin comp. 100 mg

Etofibrato Tricerol comp.

Ácido nicotínico: A terapia deve ser iniciada com 100 mg 2 vezes/dia, aumentando
gradualmente até a dose-alvo tolerada (dose máxima de 1,5 a 2 g, divididos em 3 vezes/dia).
Administrar durante a refeição para diminuir os efeitos colaterais de flushing e náuseas. A
administração prévia de aspirina também diminui a ocorrência desses efeitos.

o Olbetan: caps. 250 mg


o Niaspan: caps. 500 mg, 750 mg, 1.000 mg
o Slo-niacin: caps. 250 mg, 500 mg, 750 mg
o Ácido nicotínico: comp 50 mg, 100 mg, 250 mg, 500 mg

O paciente retorna após três meses referindo quadro de dores ósseas generalizadas e piora da
lombalgia inicialmente observada, e apresenta-se levemente descorado ao exame físico. Os
níveis de triglicérides no momento estão em 180 mg/dL, com colesterol total de 190 mg/dL e
HDL de 53 mg/dL, Hb 11,1, Ht: 32, sendo as hemácias normocrômicas e normocíticas. Uma
nova dosagem de sódio resultou em 108 mEq/L.

5. Quais os sinais e sintomas usuais da hiponatremia ?

A hiponatremia, por si só, pode se manifestar com:


a) sintomas sistêmicos: fraqueza, adinamia, anorexia, fadiga, vômitos, mal-estar;

b) manifestações neurológicas: costumam ser progressivas e dependem do valor do sódio


sérico e da velocidade de instalação. Incluem: sonolência, confusão, convulsões e coma.

Deve-se acrescentar que um paciente com Na 108 mEq/L dificilmente não apresentaria
sintomas neurológicos, e uma trigliceridemia de 190 mg/dL não justifica pseudo-hiponatremia.

Foi solicitada nova dosagem de osmolaridade plasmática, a qual estava novamente dentro do
normal, confirmando pseudo-hiponatremia. A glicemia do paciente é de 89 mg/dL.

6. Qual é a hipótese para a manutenção da pseudo-hiponatremia?

A hipótese para a manutenção da pseudo-hiponatremia é a hiperparaproteinemia. O paciente


deve apresentar outra causa de pseudo-hiponatremia, que poderia ser hiperglicemia ou uso de
manitol. A hiperparaproteinemia é uma ótima hipótese considerando que o paciente apresenta
lombalgia, dores ósseas e anemia, todas manifestações que surgem em pacientes com
mieloma múltiplo que cursa com hiperparaproteinemia.

Foram solicitados eletroforese de proteínas e R-X de crânio e de coluna lombar. O paciente


apresentava albumina de 3,5 g/dL com globulina de 8,4 g/dL com pico monoclonal, e a
radiografia de coluna mostrou lesão lítica em L4. A imagem a seguir corresponde ao raio X de
crânio:

7. Qual é a hipótese diagnóstica?

A hipótese diagnóstica consiste em mieloma múltiplo. Paciente apresenta pseudo-


hiponatremia, aumento de globulinas e pico monoclonal, o que sugere paraproteínas, mieloma
múltiplo, macroglobulinemia de Waldenstroem e gamopatia monoclonal de significado incerto,
que podem cursar com essas alterações, mas as lesões líticas são exclusivas de pacientes
com mieloma múltiplo.

8. Quais os critérios diagnósticos para determinar que o paciente apresenta mieloma


múltiplo?

Os critérios de diagnóstico em mieloma múltiplo são os seguintes:

o Critérios maiores:
a) plasmocitoma em biópsia de tecido;

b) plasmocitose na medula óssea maior que 30%;

c) pico monoclonal de imunoglobulina na eletroforese de proteínas séricas com IgG maior que
3,5 g/dL ou IgA maior que 2,0 g/dL; excreção de cadeia leve kappa ou lambda maior que 1,0
/dL em urina de 24 horas.

o Critérios menores:
a) plasmocitose na medula óssea entre 10 e 30%;

b) pico monoclonal de imunoglobulina em níveis inferiores aos citados;

c) lesões osteolíticas;

d) diminuição dos níveis das imunoglobulinas não envolvidas (IgM menor que 50 mg/dL, IgA
menor que 100 mg/dL, ou IgG menor que 600 mg/dL).

o Qualquer uma das associações a seguir confirma o diagnóstico:


- dois critérios maiores.

- critério maior 1 associado a um critério menor b, c, ou d.

- critério maior 3 associado a um critério menor a ou c.

- três critérios menores (a, b e c, ou a, b e d).

Caso Clínico 6
Paciente do sexo masculino, 38 anos de idade, refere dor epigástrica e queimação há três
semanas, com piora associada à alimentação. Nega disfagia, vômitos e outros sintomas
associados. Sem antecedentes patológicos dignos de nota, não faz uso de medicação alguma.
o Exame físico: BEG, corado, hidratado, anictérico e acianótico;
o PA: 120/70 mmHg;
o FC: 80 bpm;
o Ap resp: MV+, sem RA;
o Ap CV: 2BRNF, sem sopros;
o TGI: plano, flácido, dor discreta à palpação de epigástrio, descompressão brusca negativa,
sem visceromegalias e massas palpáveis.

1. Qual o diagnóstico do paciente?

Síndrome dispéptica ou dispepsia. Paciente com sintoma dispéptico de epigastralgia em


queimação, sem sinais de alarme como disfagia, icterícia, sangramento, anemia, alterações de
exame físico sugestivas de doença maligna, que indicariam a realização de endoscopia
digestiva alta. Apresenta ainda idade inferior a 50 anos, o que caracteriza outra indicação para
a realização do procedimento. O paciente pode apresentar diagnóstico de doença ulcerosa
péptica com esses sintomas, mas sem apresentar sinais de alarme pode ser manejado de
forma conservadora nesse momento.

2. Qual a conduta mais adequada inicialmente?

Sugerir modificações de hábitos e introduzir bloqueador H2 para tratamento da dispepsia.

Em pacientes sem sinais de alarme e sem indicação para realizar endoscopia digestiva alta,
pode-se orientar modificações de hábitos de vida, como diminuição de ingesta de álcool e café
e observar quais alimentos desencadeiam com maior frequência os sintomas.

Os bloqueadores H2 como a ranitidina podem ser usados em doses de 150 mg, 2 vezes/dia por
2 a 4 semanas.O uso de bloqueadores de bomba de prótons é uma opção, embora não tenha
sido demonstrado sua superioridade em relação aos bloqueadores H 2, e devido ao seu custo
mais elevado não deve ser utilizado. 4 semanas.

O paciente descontinuou o uso da medicação após uma semana, com melhora dos sintomas.
Posteriormente, apresentou quadro de lombalgia para o qual foi prescrito diclofenaco,
medicamento que já estava em uso há duas semanas e que propiciou melhora parcial dos
sintomas, entretanto apresentou recorrência da epigastralgia na última semana, procurando o
pronto-socorro dessa vez com relato de fezes escurecidas e um episódio de vômitos com
laivos de sangue em seu conteúdo, apresenta-se com PA = 130/80 mmHg e FC = 80 bpm.

3. Qual deve ser a conduta realizada no pronto-socorro?


Realização de endoscopia digestiva alta de urgência. O paciente apresenta fezes escurecidas,
sugestivas de melena e vômitos com sangue. Portanto, até que se prove o contrário, há
hemorragia digestiva alta que é indicação para endoscopia de urgência. O mais importante
aspecto inicial na abordagem é a ressuscitação volêmica, porém o paciente aparenta estar
hemodinamicamente estável. Mesmo assim, acessos calibrosos devem ser obtidos para caso
de eventualidades. Pode-se passar sonda nasogástrica com lavagem com soro fisiológico,
embora essa conduta não seja obrigatória em todos os casos.

A medida mais importante para esse doente estável é a realização de endoscopia digestiva
alta.

A endoscopia digestiva demonstrou úlcera em duodeno não sangrante, mas com coágulo
aderido. Não apresentou outras lesões ulceradas.

4. Qual o tratamento indicado?

Bloqueador de bomba de prótons endovenoso em bomba de infusão contínua e terapia


endoscópica para úlcera.

Paciente apresenta úlcera duodenal não sangrante, porém com estigma de alto risco de
ressangramento (coágulo aderido na base da úlcera). Outros estigmas de alto risco de novo
sangramento são presença de sangramento ativo e vaso visível não sangrante.

Quando o paciente apresenta estigmas de alto risco de ressangramento, indica-se o uso de


bloqueadores de bombas de prótons endovenoso e terapia endoscópica. Não parece existir
superioridade dentro das diferentes técnicas endoscópicas de hemostasia, como clipagem ou
utilização de soluções para hemostasia. Portanto, fica a critério do endoscopista o método
endoscópico de hemostasia. A utilização de bloqueadores de bomba de prótons endovenoso
em forma de bolus de 80 mg EV seguida de infusão contínua de omeprazol na dose de 8
mg/EV/hora durante 72 horas foi associada a grande diminuição de ressangramento em alguns
estudos. Deve-se manter o bloqueador de bomba de prótons posteriormente por via oral por
mais 2 a 4 semanas.

5. Quais os dois principais fatores associados à recorrência que devem ser abordados?

Descontinuar o uso de anti-inflamatórios. Pesquisar e, se positivo, tratar a infecção


pelo Helicobacter pylori.

O primeiro passo em pacientes com quadros dispépticos consiste na descontinuação de


drogas anti-inflamatórias associadas à grande recorrência e a complicações. Caso durante a
vida esse paciente apresente indicação de uso crônico de anti-inflamatórios sem outras
possibilidades terapêuticas, deverá utilizar concomitantemente bloqueadores de bombas de
prótons.

Outro importante fator associado é a infecção pelo Helicobacter pylori associada à grande
recorrência, a qual deve ser tratada em casos de doença ulcerosa péptica, antecedente familiar
de neoplasia gástrica e linfoma MALT de estômago. Pode-se ainda considerar o tratamento em
pacientes com quadros crônicos de dispepsia comHelicobacter positivo. Vários esquemas de
erradicação de Helicobacter pylori foram propostos, porém aparentemente o de melhor eficácia
é o uso de claritromicina, amoxacilina e omeprazol por sete dias.

Após quatro meses, o paciente voltou a procurar ajuda médica, apresentando-se assintomático
e não fazendo mais uso de bloqueador de bomba de prótons. ApresentavaHelicobacter positivo
no exame inicial, fez tratamento com esquema com amoxacilina, claritromicina e ompeprazol
por uma semana, mas não fez controle de cura.

6. É necessário realizar algum exame neste momento?

Endoscopia digestiva alta com pesquisa de Helicobacter pylori.

O paciente apresentava Helicobacter pylori positivo e realizou tratamento habitual cuja taxa de
sucesso é superior a 90%. Há controvérsia na literatura quanto à necessidade de confirmação
da erradicação da infecção pelo Helicobacter pylori em pacientes que evoluem assintomáticos.
Quando decidido por confirmar a erradicação, pode-se realizar teste não invasivo, como o teste
respiratório ou a pesquisa nas fezes.

O caso em voga, entretanto, é atípico. Normalmente não é necessário repetir endoscopia em


pacientes com úlcera duodenal assintomática, porém quando os pacientes apresentam
complicações, como hermorragia, perfuração ou estenoses, deve-se confirmar a erradicação
por meio de endoscopia digestiva alta, e aproveita-se o exame para pesquisar a erradicação
do Helicobacter pylori.

Caso Clínico 8
Paciente de 26 anos, sexo masculino, há 6 meses apresenta cefaleia holocraniana quase
diariamente. Há três semanas com adinamia, fraqueza e fadiga, citava ainda aumento de
diurese nos últimos meses. Mediu a pressão na farmácia (178 × 115 mmHg), e foi orientado a
procurar atendimento hospitalar.

Nunca havia aferido a PA, não tem HF(+) para HAS.


A PA foi confirmada em duas novas medidas.Realizou-se medida de glicemia capilar de valor:
85 mg/dL. Realizou posteriormente o seguinte ECG:
1. Qual é a alteração eletrocardiográfica no ECG em estudo?

Alteração típica da presença de hipocalemia. O paciente apresenta achatamento de ondas p e


principalmente da onda t, que aparece não apenas achatada, mas com aumento de duração
aparentemente por juntar-se a uma onda “u”. Essa alteração é característica da presença de
hipocalemia. A seguir, veremos as alterações características que apresentam os pacientes com
hipocalemia em ECG.

2. Considerando a história clínica do paciente e sua alteração


eletrocardiográfica, qual seria o diagnóstico provável deste paciente?

Hiperaldosteronismo primário. O paciente apresenta quadro de hipertensão arterial em idade


jovem com achado eletrocardiográfico sugestivo de hipocalemia. Também apresenta outros
achados sugestivos do diagnóstico de hiperaldosteronismo (fraqueza e adinamia devido às
alterações do potássio). Presença de poliúria também é uma das queixas mais relatadas pelos
pacientes, causando ocasionalmente confusão com outras síndromes responsáveis pela
poliúria, como o diabete melito. Deve-se acrescentar, entretanto, que embora esta seja a
descrição clássica do hiperaldosteronismo primário, hoje a maioria dos casos diagnosticados
ocorre sem hipocalemia e, muitas vezes, em pacientes assintomáticos, sendo hoje o
hiperaldosteronismo primário considerado a principal causa de hipertensão secundária. Outro
fator de hipertensão que eventualmente evolui com hipocalemia é a hipertensão renovascular.

Foram solicitados alguns exames laboratoriais:

o Urina I = normal;
o Na+ = 142 mEq;
o K+ = 2,8 mEq/L;
o gasometria venosa com pH = 7,48
o Bic = 34 mEq/L;
o PaCO2 = 44 mmHg;
o PO2 = 95 mmHg.

3. Qual a alteração gasométrica deste paciente? Sua presença sugere ou não


o diagnóstico inicial?

Paciente apresenta alcalose metabólica, com hipocalemia, o que é compatível com o


diagnóstico de hiperaldosteronismo primário. Há aumento de PH compatível com alcalose, com
concomitante elevação de bicarbonato firmando o diagnóstico de alcalose metabólica. Os
pacientes com hiperaldosteronismo primário apresentam alcalose metabólica com hipocalemia
em grande frequência.

4. Qual é o exame diagnóstico inicial para ser realizado neste paciente?

Dosagem de aldosterona e renina para fazer a relação entre aldosterona e renina para
diagnóstico de hiperaldosteronismo primário.

O hiperaldosteronismo primário cursa com produção autônoma de aldosterona e com renina


diminuída, pois esta produção autônoma suprime a produção de renina. Quando a relação
entre os valores de aldosterona/renina é superior a 20, a possibilidade do diagnóstico de
hiperaldosteronismo passa a existir – quanto maior for essa relação maior é a probabilidade
desse diagnóstico, sendo que em valores acima de 50 a probabilidade do diagnóstico é maior
que 90%. Os valores de aldosterona e renina foram de 15 ng/dL e 0,2 ng/dL.

5. Estes achados sugerem o diagnóstico de hiperaldosteronismo primário?


A relação é de 15/0,2, ou seja, de 75, portanto sugestiva do diagnóstico de hiperaldosteronismo
primário.

6. Qual exame deve ser realizado para confirmar o diagnóstico?

Teste de infusão salina com dosagem de aldosterona ao final da infusão.

O exame confirmatório é feito por meio de sobrecarga salina, que pode ser realizada por dieta
ou com infusão salina de 2 litros de soro fisiológico a 0,9% em 2 horas, com dosagem de
aldosterona após o final da infusão. Em indivíduos normais, a sobrecarga salina deveria
suprimir a produção de aldosterona. Caso esta continue aumentada, significa produção
autônoma de aldosterona confirmando o diagnóstico de hiperaldosteronismo primário.

A dosagem de aldosterona após infusão salina foi de 10 ng/dL.

7. Como interpretar o resultado?

O teste confirma o diagnóstico de hiperaldosteronismo primário.

Valores acima de 8,5 ng/dL são considerados aumentados e confirmam a hipótese de


hiperaldosteronismo primário.

8. Qual é o próximo passo para o diagnóstico?

Realizar exame de imagem de adrenais. Após confirmação diagnóstica, deve-se fazer o


diagnóstico de imagem do hiperaldosteronismo. Se causado por aldosteronoma, hiperplasia de
suprarrenais idiopática ou primária entre outras formas de hiperaldosteronismo primário. Alguns
autores sugerem cateterismo de adrenais com dosagem do gradiente de aldosterona em
ambos os lados das adrenais para verificar qual adrenal é responsável pelo
hiperaldosteronismo, porém se houver tumor unilateral, esse exame pode ser dispensado na
maioria dos doentes.
A tomografia do paciente é mostrada a seguir.

9. Qual é a alteração encontrada na tomografia de abdome?

Paciente apresenta adenoma provável em adrenal esquerda e lesão escura em topografia de


adrenal esquerda, acima do polo superior do rim esquerdo de cerca de 3 cm, com densidade
sugestiva de gordura, cujo principal diagnóstico diferencial na circunstância clínica do nosso
paciente é de aldosteronoma.

10. Qual é o tratamento indicado para este paciente?

Tratamento cirúrgico do aldosteronoma.

Paciente apresenta provável tumor produtor de aldosterona cujo tratamento é a


remoção cirúrgica. Caso apresente hiperplasia de adrenais, o tratamento seria
medicamentoso com o uso de bloqueadores da aldosterona como a
espironolactona ou o eplerenona.

Caso Clínico 9
Paciente do sexo feminino, 57 anos, chega ao PS com tontura, como se os objetos estivessem
rodando, e sensação de desequilíbrio que começaram há uma semana, com piora progressiva.
Essa tontura é contínua, sem piora com mudança de posição. Há história de HAS, com
tratamento irregular. Nega cefaleia.

o PA = 160 × 98 mmHg;
o P = 88;
o AP CV: BRNF, sem sopros;
o AP = MV+, sem RA;
o Glasgow = 15.
A força dos membros superiores e inferiores está normal.
1. Quais achados devem ser procurados no exame físico?

Procurar por nistagmo e sua caracterização, testar coordenação da paciente em particular com
prova do índex-nariz. Observar se a paciente apresenta disdiadococinesia, alterações de
marcha e sinal de Romberg positivo.

O diagnóstico diferencial dos pacientes com tontura e alteração de equilíbrio inclui


principalmente alterações vestibulares e cerebelares, também se incluiriam como diagnóstico
diferencial doenças que evoluíssem com alterações de propriocepção como as lesões de
coluna posterior, porém estes caracteristicamente não apresentam vertigem, que é a falsa
sensação de movimento ou rotação como a descrita neste caso.

Pacientes com alterações vestibulares apresentam caracteristicamente sensação de vertigem


intensa, de caráter intermitente e não contínuo e que piora com o movimento. A grande maioria
dos pacientes apresenta nistagmo de caráter horizontorrotatório, nunca vertical. Pode
apresentar alteração do equilíbrio no teste de Romberg com piora típica com o fechar dos
olhos.

Os pacientes com alterações cerebelares, por sua vez, apresentam vertigem de caráter
contínuo, menos intensa, sem piora com a movimentação. Pode estar presente nistagmo,
embora com menor frequência do que nos pacientes com alterações vestibulares e pode ser
horizontorrotatório ou vertical – quando vertical, é altamente sugestivo de patologia cerebelar.
Os pacientes apresentam, ainda, alterações de coordenação, com dismetria na prova de índex-
nariz e disdiadococinesia, que é a dificuldade em realizar movimentos rápidos alternados, cujo
teste é realizado por meio da realização de movimentos de pronação e supinação das mãos.
Ocorrem ainda alterações de equilíbrio, com dificuldade em manter-se em pé, mas com
alterações que não pioram com os olhos fechados.

A paciente não conseguia ficar em pé, com tendência de queda para esquerda. Além disso,
apresentava índex- nariz alterado com dismetria à esquerda e nistagmo vertical.

2. Qual é o local provável da lesão que acomete este paciente?

A alteração provavelmente acomete o cerebelo. O paciente apresenta nistagmo vertical


indicativo de lesão cerebelar e alteração de coordenação com dismetria à esquerda. Outra
característica sugestiva é a incapacidade de ficar em pé, o que impossibilita a realização do
teste de Romberg.

3. Em qual região do cerebelo é possível a existência de alteração?


O paciente provavelmente apresenta lesão em hemisfério cerebelar esquerdo. O verme
cerebelar controla as funções axiais como postura de tronco e cabeça, já os hemisférios
cerebelares controlam movimento e tônus dos membros ipsilaterais. A presença de dismetria à
esquerda e de ataxia principalmente à esquerda sugere lesão cerebelar em hemisfério
cerebelar à esquerda.

4. Qual o melhor método de imagem para investigar esta paciente?

Ressonância magnética de encéfalo. Embora a tomografia computadorizada possa ser usada


para avaliar essas lesões – principalmente lesões cerebelares, especialmente acidentes
vasculares cerebelares hemorrágicos –, apresenta desempenho bastante inferior à ressonância
magnética para lesões em fossa posterior, como as do cerebelo. Portanto, a ressonância
magnética é o exame de imagem de escolha para estes pacientes.

A seguir, vejamos a ressonância magnética da paciente.

5. Qual a lesão encontrada no exame?

Lesão em hemisfério cerebelar esquerdo com edema associado e extensão para verme
cerebelar. Há provável neoplasia cerebelar.

6. Quais as lesões neoplásicas mais comuns do cerebelo?

Metástase de tumores de outros sítios, astrocitomas, meduloblastomas, meningiomas,


schwanomas, hemangioblastomas.

As lesões tumorais mais frequentes em cerebelo são tumores de outros sítios, principalmente
de mamas e pulmões, representando cerca de 50% destas lesões. Os astrocitomas
representam de 10 a 28% dessas lesões, mas ocorrem principalmente entre 2 e 20 anos de
idade. Os meduloblastomas também são mais comuns em crianças. Os hemangioblastomas
são raros e associados à doença de Von Hippel-Lindau. Os schwanomas ou neurinomas do
acústico são associados mais frequentemente a alterações vestibulares e podem acometer
ângulo ponto-cerebelar. Os meningiomas e ependimomas representam cerca de 5% das
lesões.

Caso Clínico 10
Paciente de 58 anos é levado ao PS por alteração do nível de consciência. Tem história de
etilismo (1 a 2 cervejas por dia), nega outras doenças, transfusões e cirurgias. Há três meses
apresenta queda do estado geral e perda de peso; há um mês teve aumento do volume
abdominal e edema de MMII.

Há duas semanas parou de beber, há quatro dias tem apresentado febre não aferida por
termômetro e há dois dias refere sonolência diurna excessiva e agitação. Ao exame encontra-
se desidratado (2+/4+), descorado (2+/4+), com temperatura de 38,9°C. Encontra-se ictérico
(3+/4+).

o PA = 100 × 60 mmHg;
o P = 98;
o flapping (+)
o sem déficit localizatório;
o Glasgow 14 (AO = 4, RM = 5, RV = 5).
A imagem a seguir relaciona-se ao paciente:

1. Qual é o achado de exame da imagem?

Presença de ascite à ectoscopia com circulação colateral. O paciente apresenta ascite na


inspeção, o que indica uma ascite de razoável volume (5 litros ou mais). O volume é
considerado moderado, pois, ao ficar em pé o abdome tendia a cair sobre regiões crurais,
configurando o chamado abdome em avental ou pêndulo. Quando o paciente fica em pé, e o
abdome fica globoso e com pele lisa e estendida, o que indica ascite de grande volume. Pode-
se perceber ainda veias azuladas superficiais no abdome indicativas de hipertensão portal.
2. Qual a provável etiologia da alteração do nível de consciência?

Encefalopatia hepática. Paciente com quadro de confusão mental, sonolência


predominantemente diurna como acontece na encefalopatia hepática em que há alterações no
padrão do sono (inversão do ritmo, insônia e sonolência excessiva) e graus variáveis de
alterações nos níveis de consciência e comportamento. Apesar de esses achados serem
inespecíficos, o fato de o paciente aparentemente apresentar um quadro de hepatopatia com
hipertensão portal sugere que esta seja a causa da alteração mental. A presença de flapping é
também sugestiva de encefalopatia hepática embora possa ocorrer em outros casos como
narcose e uremia. O diagnóstico é de exclusão, e outros diagnósticos devem ser procurados.
Um paciente com febre e confusão mental poderia, por exemplo, ter meningite.

3. Caso o diagnóstico de encefalopatia hepática seja confirmado, qual a classificação da


encefalopatia neste doente?

Paciente com encefalopatia grau 2. Paciente com quadro de agitação e alteração de nível de
consciência não tão importante apresentando Glasgow 14, a presença de flappingindica
encefalopatia graus 2 e 3, mas não aparece no grau 1 e desaparece no paciente em grau 4,
que está em coma hepático. Veja a seguir a classificação de West Haven da encefalopatia
hepática.

CRITÉRIOS DE WEST HAVEN PARA AVALIAÇÃO DO ESTADO DE CONSCIÊNCIA

ESTÁGIO ALTERAÇÕES

0 Ausência de alterações clínicas (sem


anormalidades de personalidade ou
comportamento)

1 Períodos insignificantes de comprometimento da


consciência. Déficits de atenção; dificuldade para
somar ou subtrair; sonolência excessiva, insônia
ou inversão do padrão de sono; euforia ou
depressão (mais comumente o último)

2 Letargia ou apatia; desorientação; comportamento


inadequado; comprometimento da fala

3 Rebaixamento importante do nível de consciência,


estupor
4 Coma

4. Que exames devem ser solicitados para este paciente?

Hemograma completo, enzimas e função hepática, bilirrubinas e punção do líquido ascítico.

O paciente precisa de hemograma, pois apresenta quadro febril. Como apresenta provável
hepatopatia, a dosagem de transaminases pode indicar lesão hepatocelular, com dosagem de
enzimas canaliculares para verificarmos se o predomínio da lesão é colestático ou
hepatocelular. A dosagem de albumina e de proteínas, coagulograma e bilirrubinas pode
indicar extensão do dano funcional ao fígado; já a punção do líquido ascítico pode determinar a
etiologia da ascite e verificar presença de peritonite bacteriana espontânea.

Exames laboratoriais demonstraram bilirubima total de 18 mg/dL (bilirrubina direta 16,1 mg/dL),
tempo de protrombina de 17 segundos (o normal é até 13 segundos), TGO ou AST = 146
mg/dL, TGP = 72 mg/dL, albumina = 3,1 mg/dL, fosfatase alcalina = 98 mg/dL e gama
glutamiltransferase de 102 mg/dL, punção do líquido ascítico com 210 polimorfonucleares com
albumina de 0,4 mg/dL, Hb = 11,8 mg/dL com VCM de 104, 18.000 leucócitos com 10% de
bastonetes e 75% de segmentados, foi colhido ainda exame de urina com resultado normal.

5. Qual é a etiologia da ascite deste paciente?

Hipertensão portal. O paciente apresenta gradiente entre albumina medida no soro e na ascite
de 2,7 (3,1 – 0,4), que é indicativo de hipertensão portal quando maior ou igual a 1,1. Essa
relação apresenta sensibilidade de 97% e especificidade de 93% para o diagnóstico de
hipertensão portal com acurácia maior que 97%.

6. O paciente apresenta peritonite bacteriana espontânea (PBE)?

Não. A peritonite bacteriana é definida pelo crescimento de micro-organismo na cultura de


líquido ascítico e presença de mais de 250 polimorfonucleares neste líquido. Atualmente, em
pacientes com ascite neutocítica com presença de mais de 250 polimorfonucleares já se
considera como tendo peritonite bacteriana espontânea, e indica-se antibioticoterapia. No caso,
o paciente apresenta apenas 250 polimorfonucleares, não caracterizando, portanto, PBE.

7. Qual é o diagnóstico deste paciente?


Hepatite alcoólica. Paciente com aumento de volume abdominal relativamente recente com
estigmas de hepatopatia, sem outros fatores de risco, exceto ingestão importante de álcool.
Apresenta quadro de lesão predominantemente hepatocelular, com aumento maior de
transaminases em comparação com fosfatase alcalina, sugestivo de lesão hepatocelular, com
predomínio de TGO com relação 2 vezes maior em comparação com TGP, dado sugestivo de
hepatite alcoólica. O paciente apresenta febre com desvio à esquerda em hemograma que
ocorre com grande frequência em pacientes com surtos agudos de hepatite alcoólica. Não
houve evidência de outros focos infecciosos ao exame físico.

8. Qual o tratamento para este paciente?

Tiamina, suporte nutricional e corticoterapia com prednisona em dose de cerca de 30 a 40 mg


ao dia por 4 semanas.

O paciente etilista deve repor tiamina para prevenir o aparecimento de síndrome de Wernicke-
Korsakoff, justificando o uso desta neste paciente. Poucas medidas podem ser realizadas no
manejo do paciente com hepatite alcoólica, mas suporte nutricional e abstinência ao álcool são
associadas a melhor prognóstico. Em pacientes com hepatite grave causada por álcool, há
diminuição de mortalidade durante a internação com uso de corticosteroide. O escore de
Maddrey é usado para definir hepatite alcoólica grave:

Escore: 4,6 x alteração do TP em segundos + Bilirrubina total = 4,6 x (17 - 13) + 18

Ou 4,6 x 4 + 18 = 18,4 + 18 = 36,4

Quando esse escore é maior que 32, considera-se que o paciente apresenta hepatite por álcool
grave, e é indicado uso de corticosteroide em doses de 30 a 40 mg de prednisona ou
equivalente. Outra medicação estudada nesses pacientes é a pentoxifilina com benefício
demonstrado em pelo menos um estudo.

Caso Clínico 11
Paciente do sexo feminino, 59 anos, chega ao PS com hemiparesia esquerda há cerca de uma
hora. História de diabetes e HAS, com tratamento irregular com uso de daonil e
hidroclortiazida.

PA = 160 × 100 mmHg

P = 72 (irregular)

Bulhas arrítmicas, sem sopros

AP = limpa
Glasgow = 15 com hemiparesia completa à esquerda

Dextro: 230 mg/dL.

Apresenta, ainda, o ECG a seguir:

1. Qual é a hipótese diagnóstica principal?

Acidente vascular cerebral. Paciente deu entrada no serviço com quadro de déficit neurológico
localizatório (hemiparesia à esquerda) de aparecimento súbito, situação na qual o AVC é a
principal suspeita clínica, o déficit é dependente da região afetada e, classicamente, os
pacientes apresentam quadros de hemiparesias em sua apresentação. Caso o paciente
apresente regressão dos sintomas em menos de 24 horas, este será um caso de ataque
isquêmico transitório, mas a maioria dos déficits nestes casos apresenta reversão na primeira
hora.

2. Qual é a alteração eletrocardiográfica encontrada?

Fibrilação atrial. O ECG demonstra intervalo R-R irregular sem ondas “p” precedendo os
complexos QRS caracterizando a presença de fibrilação atrial.

3. Qual é o principal exame a ser realizado neste momento no serviço de emergência?

Tomografia de crânio sem contraste. O paciente apresenta como principal hipótese diagnóstica
um quadro de AVC isquêmico. Deve-se descartar com maior urgência a presença de
sangramento. O AVC isquêmico apresenta-se com área hipoatenuante, porém nas primeiras
horas pode estar normal ou com sinais de alterações sutis, como leve apagamento de sulcos
cerebrais e tênue hipoatenuação de gânglios da base.
4. A imagem a seguir corresponde à tomografia de crânio sem contraste. Existe alguma
alteração?

A tomografia de crânio está normal. A principal importância do exame no momento era


descartar sangramento cerebral. As alterações esperadas na tomografia de crânio devem
aparecer nas próximas horas.

5. Qual conduta pode alterar a evolução do paciente neste momento?

Trombólise intravenosa com rt-PA. Caso o paciente se apresente com menos de 3 horas de
evolução dos sintomas, há benefício com diminuição de déficit neurológico em longo prazo com
o tratamento trombolítico realizado com rt-PA em dose de 0,9 mg/kg, com dose máxima de 90
mg. O paciente deve ser cuidadosamente monitorado, e a terapia pode ser realizada caso o
paciente tenha idade superior a 18 anos e apresente:

o diagnóstico clínico de AVCi;


o déficit neurológico significativo;
o tomografia sem evidências de hemorragia;
o tempo de evolução inferior a 3 horas.
O procedimento é contraindicado nas seguintes situações:

o anticoagulação oral ou INR > 1,7;


o hepatopatia com atividade de protrombina menor que 50%;
o cirurgia recente em sistema nervoso central, TCE grave recente (3 meses);
o punção liquórica há menos de 7 dias;
o PA > 180/105 mmHg;
o história prévia de hemorragia cerebral;
o sangramento interno ativo;
o cirurgia de grande porte nos últimos 14 dias.
6. A imagem a seguir corresponde à tomografia de crânio sem contraste 48 horas
depois. Qual o diagnóstico definitivo do paciente?

Acidente vascular cerebral isquêmico. O paciente apresenta imagem hipoatenuante importante


à direita extensa em território de artéria cerebral média confirmando a hipótese de acidente
vascular isquêmico.

7. Considerando o provável mecanismo desse AVC, qual medicação deve ser indicada
para prevenção de novos eventos?

Anticoagulação oral com warfarina. O paciente apresenta provável fonte cardioembólica do


AVC devido à fibrilação atrial. O objetivo é manter o INR entre 2,0 e 3,0.

A anticoagulação com warfarina deve ser realizada em pacientes com FA caso apresentem as
seguintes indicações:

o idade maior que 75 anos (embora boa parte da literatura recomende anticoagulação a
partir dos 65 anos);
o AVC prévio;
o doença reumática;
o insuficiência cardíaca;
o HAS;
o diabete melito (embora exista alguma controvérsia da anticoagulação nestes pacientes, se
é ou não uma indicação definitiva de anticoagulação).

Caso Clínico 12
Paciente de 42 anos de idade, sexo feminino, apresenta dores em articulação de punhos e
mãos simétricas há 3 meses com piora progressiva. Há um mês evoluiu com dores em região
tibial anterior bilateral. Nesse período, a paciente apresentou perda de peso (4 kg), procurou
vários serviços médicos, sendo prescrito AINE, o que resultou em melhora parcial.

o AP: tabagista (um maço/dia durante 25 anos).


o Exame físico: BEG, corada, hidratada, anictérica, acianórica.
o PA: 110/70 mmHg.
o FC: 85 bpm.
o Ap resp: MV+, sem RA.
o Ap CV: 2 BRNF sem sopros.
o TGI: plano, flácido, RHA +, sem visceromegalias palpáveis.
o MMII: pulsos +, sem edema.
Houve presença de edema articular discreto e a seguinte alteração ao exame físico:

1. O que é a alteração da imagem?

Baqueteamento digital dos dedos. O baqueteamento digital é o sinal clínico mais antigo da
história da medicina – foi descrito por Hipócrates em IV a.C.

É definido pelo índice digital, utilizando o perímetro digital no nível do leito ungueal e da
articulação interfalangeana distal. Se essa relação for maior que 1, há presença do sinal.

2. O que a presença deste sinal sugere?

O baqueteamento digital sugere presença de doenças pulmonares, neoplasias, doenças


cardiológicas com shunt direito-esquerdo, entre outras causas.
3. Qual é a fisiopatologia do aparecimento dessa alteração?

A fisiopatologia dessa doença ainda hoje não é totalmente conhecida. Acreditava-se que
poderia existir envolvimento de vias vagais comuns, pois ocorria melhora sintomática com
realização de vagotomia, poderia ainda ser por neovascularização óssea secundária à
isquemia e hipoxemia, pois em alguns trabalhos foi demonstrado que a PaO 2 média de
pacientes com a patologia era menor que a demonstrada em grupos controle, e ocorria piora
da osteoartropatia quando pacientes iam para locais de maior altitude. Também foram
relacionados à fisiopatologia da síndrome imunocomplexos circulantes de origem tumoral e
prostaglandinas F2 e F.

Atualmente, a teoria mais aceita é de que existem patologias que permitem, por meio
de shunts venoso-arteriais, a passagem de megacariócitos da circulação venosa
para arterial (megacariócitos estes que em condições normais não passariam da
circulação pulmonar), estes ao chegarem nas extremidades distais de ossos
acometidos liberariam PDGF (fator de crescimento derivado de plaquetas) que
levaria a periostose de ossos tubulares e baqueteamento digital. Tais achados são
corroborados pelo aumento do PDGF e pelo achado de megacariócitos na
circulação arterial dos pacientes com osteoartropatia hipertrófica. Alem disso, a
produção de PDGF por tumores pode estar relacionada à fisiopatologia da
síndrome.

4. Cite três condições não cardiopulmonares que levam ao aparecimento desse sinal.

Cirrose hepática, hipertireoidismo, doenças anti-inflamatórias intestinais. Condições que levam


ao aparecimento de shunt podem ocasionar o aparecimento do baqueteamento digital em
pacientes com as três condições associadas por vasodilatação no caso da cirrose e
hipertireoidismo e por shunts localizados no caso da doença inflamatória intestinal. Pode haver
condição em que o PDGF atinja a circulação sistêmica e leve ao aparecimento dessas lesões,
o que também descreve seu aparecimento em pacientes com síndrome do anticorpo
antifosfolípide, embora o mecanismo seja incerto. No caso de pacientes com hipertireoidismo,
esse sinal é denominado acropacia tireoide.

5. De que condições se deve suspeitar neste paciente?

Osteoartropatia hipertrófica, artrite reumatoide e outras colagenoses. Considerando o achado


de baqueteamento digital e a associação de manifestações articulares, a osteoartropatia
hipertrófica é a causa mais provável. Como a paciente apresenta artrite simétrica de mãos com
rigidez matinal, a artrite reumatoide também é uma hipótese provável. A artrite psoriática pode
levar a comprometimento articular semelhante à artrite reumatoide, algumas vezes precedendo
o aparecimento de psoríase. Outras colagensoses como lúpus eritematoso sistêmico também
são possíveis.

6. Quais exames devem ser solicitados para investigação inicial?

VHS ou outras provas de inflamação, fator reumatoide, raio X de ossos longos e mãos e raio X
de tórax.

As provas inflamatórias são necessárias nesses pacientes, e estarão aumentadas em artrites


inflamatórias e também nos pacientes com osteoartropatia hipertrófica. Fator reumatoide é
positivo em cerca de 70 a 75% dos pacientes com artrite reumatoide, mas é negativo na
grande maioria dos casos de osteoartropatia hipertrófica. O raio X de ossos longos no paciente
com osteoartropatia hipertrófica secundária mostra espessamento periosteal que pode justificar
a dor em região tibial bilateral que a paciente apresenta. O raio X de tórax é importante para
procurar causas pulmonares de osteoartropatia hipertrófica, frequentemente na forma de
neoplasias pulmonares.

o VHS: 67 mm;
o FR: negativo;
o raio X de mãos: sinais incipientes de sinovite, mas sem osteoporose justa-articular
importante, com ainda tumefação discreta de partes moles;
o raio X de ossos longos: importante espessamento periosteal;
o raio X de tórax:

7. Qual é o diagnóstico nesta paciente?

Osteoartropatia hipertrófica pulmonar. O fator reumatoide negativo fala contra artrite


reumatoide, mas não é excludente. O raio X, apesar de não apresentar osteoporose justa-
articular, pode ser compatível com artrite reumatoide, mas a presença de espessamento
periosteal em ossos longos e o nódulo pulmonar fecham o diagnóstico em osteoartropatia
hipertrófica de causa pulmonar.

8. Qual é o próximo passo para o diagnóstico nesta paciente?

Realizar biópsia transbrônquica ou a céu aberto para diagnóstico histológico da lesão


pulmonar.

Paciente apresenta lesão nodular no pulmão, sem história prévia de lesão em pulmão. A lesão
não parece calcificada e necessita de diagnóstico histológico. Nas circunstâncias deste caso o
mais provável é neoplasia pulmonar.

9. Quais são os critérios diagnósticos da osteoartropatia hipertrófica?

Baqueteamento digistal, periostite de ossos longos, artrite – normalmente oligoartrite.

10. Como classificar a osteoartropatia hipertrófica?

A classificação divide os pacientes em primários ou secundários, conforme a presença ou não


de doença que possa ser estabelecida como causa desta (principalmente doenças
pleuropulmonares, em especial o carcinoma broncogênico).

Características clínicas

Primária (síndrome de Touraine, Solente e Golé)

Síndrome de aparecimento insidioso, que ocorre principalmente em crianças, rara, de


característica familiar, predomina no sexo masculino. Apresenta três formas:

o Forma completa: periostite e paquidermia.


o Forma incompleta: sem paquidermia.
o Forma frusta: paquidermia, mas alterações esqueléticas mínimas.
Ocorre ainda em grande associação com a cutis verticis gyrata (enrugamento e espessamento
da pele da testa e do escalpe). Pode apresentar desaparecimento espontâneo.

Secundária (síndrome de Bamberger-Pierre-Marrie)

Essa síndrome tem progressão mais rápida. Entretanto, quando presente, a doença de base já
é aparente. Ocorre principalmente em adultos, hoje a patologia mais associada à síndrome é a
neoplasia pulmonar.
Após toracotomia para osteoartropatia hipertrófica pulmonar por carcinoma, pode ocorrer
diminuição importante da tumefação e desaparecimento da dor em 24 horas.

11. Qual o tratamento para as manifestações articulares da paciente?

Anti-inflamatórios não esteroidais costumam ser suficientes para o controle dos sintomas, mas
algumas vezes pode ser necessário o uso de corticosteroides.

Drogas parassimpaticolíticas (atropina, propantilina) e vagotomia são opções terapêuticas


pouco utilizadas atualmente. Colchicina pode ser utilizada em alguns casos refratários e os
anticorpos anti-PDGF ainda são uma terapeutica experimental.

A resolução da doença de base nos casos da osteoartropatia secundária geralmente leva à


remissão da patologia e é o tratamento de escolha. No caso, a paciente apresentava
adenocarcinoma de pulmão com 5 cm, mas ainda em estádio II. A ressecção cirúrgica foi
associada à reversão de todas as manifestações articulares, e mesmo o baqueteamento digital
reverteu-se quase totalmente. Como descrito na literatura, o aparecimento da osteoartropatia
hipertrófica fez o diagnóstico precoce nessa paciente.

Caso Clínico 13
Homem de 38 anos de idade, evoluindo há um dia com quadro de desorientação temporo-
espacial e agitação. Segundo a sua esposa, há 4 ou 5 meses se queixa de cefaleia
intermitente, palpitações e mal-estar com sudorese importante após a prática de exercício
físico. Há uma semana, após consulta médica, foi diagnosticada hipertensão arterial, e iniciou-
se o uso de atenolol 100 mg ao dia.

Ao exame físico, apresentava-se afebril, hidratado, anictérico e acianótico.

FC: 118 bpm;

FR: 22 irm;

SaO2: 98%;

PA: 240/145 mmHg igual em ambos os braços;

Glasgow: 14 (AO 4, RM 6, RV 4);

Cervical: sem presença de adenopatia ou bócio;

Ap resp: MV+, sem RA;

Ap CV: 2BRNF, sem sopros;


TGI: plano, flácido, RHA +, sem visceromegalias e massas palpáveis;

MMII: pulsos +, sem edema

1. Quais as principais hipóteses diagnósticas?

Encefalopatia hipertensiva ou acidente vascular cerebral hemorrágico.

Paciente jovem sem antecedentes patológicos exceto hipertensão arterial recentemente


diagnosticada, deu entrada no pronto-socorro com quadro de confusão mental e desorientação
e pressão arterial extremamente elevada. Em pacientes com quadro confusional e valores
muito elevados de pressão arterial, há chance de evento vascular cerebral, como acidente
vascular hemorrágico intraparenquimatoso – o qual é associado a elevação de pressão arterial
quando ocorre hipertensão intracraniana ou pode ser secundário à própria hipertensão arterial
– e hemorragia subaracnoide, frequentemente associada a níveis elevados de pressão arterial.
A encefalopatia hipertensiva é definida por síndrome cerebral orgânica aguda, que ocorre como
resultado da falência da autorregulação da pressão cerebral e caracteriza-se pela tríade de
hipertensão (em geral em altos níveis), alteração do nível de consciência e edema de papila.

2. Quais exames são requeridos imediatamente para avaliação deste


paciente?

Tomografia de crânio e avaliação de fundo de olho. A tomografia craniana é necessária para


descartar quadro de hemorragia cerebral e apresenta sensibilidade de 100% para quadro de
hematomas intraparenquimatosos e de 95% até 3 horas do evento de uma hemorragia
subaracnoide. A sensibilidade cai para 70% após 24 horas e, se houver história de dados
suspeitos para HSA com tomografia normal, deve ser realizada punção liquórica devido à
sensibilidade inapropriada dos exames de imagem para descartar o evento. O paciente com
encefalopatia hipertensiva deve apresentar obrigatoriamente sinais à fundoscopia que sugiram
alterações agudas causadas por hipertensão arterial no caso de papiledema e hemorragias
retinianas.
A tomografia do paciente é a seguinte:

3. O paciente apresenta alguma alteração à tomografia?

Não. Este é um estudo tomográfico normal.

O paciente apresentava papiledema e hemorragias retinianas difusas ao fundo de olho.

4. Qual o diagnóstico do paciente na sala de emergência?

Iniciar droga parenteral para controle de pressão arterial, sendo de escolha o nitroprussiato de
sódio.

O nitroprussiato de sódio permite uma redução rápida, previsível e titulável da pressão arterial,
sendo a droga de escolha em pacientes com emergências hipertensivas. O objetivo na primeira
hora de tratamento é redução de 20% da pressão arterial média na primeira hora. Sua ação é
de vasodilatador direto sem aumentar o retorno venoso, e apresenta meia-vida curta, o que é
particularmente útil nessas situações.

Os exames laboratoriais do paciente demonstraram:

Ureia: 60 mg/dL;

Creatinina: 1,4 mg/dL;

Na: 139 mEq/dL;

K: 4,7 mEq/L ;

Gasometria: pH 7,40, PO2: 89 mmHg; PCO2: 40 mmHg; Bic: 24 mEq/L;


Hb: 16, 2, sem outras alterações ao hemograma;

Urina 1: normal.

5. Devemos investigar hipertensão secundária neste paciente?

Sim. A hipertensão de causa secundária deve ser suspeita nos casos de início precoce (antes
dos 30 anos), tardio (após 50 anos), ausência de história familiar, descontrole inesperado da
pressão arterial e hipertensão refratária. Outros sinais podem estar presentes. No caso o
paciente apresenta hipertensão arterial com complicação aguda e descontrole inesperado.
Portanto, há indicação de rastreamento de hipertensão secundária. A tabela a seguir especifica
as principais indicações de rastreamento de hipertensão secundária.

6. Quais são as principais causas de hipertensão secundária?

Hiperaldosteronismo primário, hipertensão renovascular e doença renal. A hipertensão


renovascular sempre foi considerada, juntamente com as doenças renais, a principal causa de
hipertensão secundária, porém estudos recentes demonstram que o hiperaldosteronismo
primário provavelmente é uma causa mais prevalente de hipertensão secundária com
estatísticas demonstrando de 5 até 15% em algumas séries de pacientes com hipertensão com
o diagnóstico.

7. Qual diagnóstico deve ser suspeitado nesse paciente?

Feocromocitoma. O paciente apresenta a tríade clássica do feocromocitoma (palpitações,


sudorese, normalmente acompanhadas de HAS). A presença dessa tríade deve levantar
suspeita imediata para o diagnóstico de feocromocitoma. Entretanto, essa tríade ocorre em
menos de 50% dos eventos em séries recentes. O sintoma de apresentação mais comum é o
de HAS sustentada ou paroxística (90% em algumas séries, porém um terço dos pacientes
normotensos em uma série de pacientes), essa hipertensão é caracteristicamente resistente à
terapia medicamentosa e pode apresentar piora paradoxal com o uso de betabloqueadores,
como a que ocorreu no paciente deste caso, pois os betabloqueadores causam vasoconstrição
por sua ação nos vasos. Esses pacientes frequentemente apresentam episódios de hipotensão
na maioria das vezes postural, mas podendo aparecer sem essa correlação. O sintoma de mal-
estar após o exercício pode ser secundário a esta manifestação. São consideradas indicações
de pesquisa de feocromocitoma:

o hipertensos jovens;
o hipertensos com IAM, AVC, arritimias e insuficiência renal;
o episódios paroxísticos de hipertensão, palpitações;
o hipotensão ortostática;
o choque inexplicado;
o história familiar de feocromocitoma e carcinoma medular de tireoide;
1. neurofibromatose ou neuromas cutâneos;
2. hiperglicemia;
3. miocardiopatia;
o labilidade da pressão arterial;
o hipotensão em resposta: anestesia e cirurgia;
o parto;
o procedimentos invasivos;
o uso de drogas anti-hipertensivas;
o evidência radiológica de massa adrenal.
Deve-se considerar que o paciente não apresenta alterações de urina tipo 1 sugestivas de
doença renal glomerular, o potássio sérico é normal e o paciente não apresenta alcalose
metabólica na gasometria arterial, o que fala contra o diagnóstico de hiperaldosteronismo
(embora em séries recentes a maioria dos pacientes não apresente hipocalemia).

8. Quais exames bioquímicos devo solicitar para a pesquisa de


feocromocitoma?

Pesquisa de metanefrinas urinárias e catecolaminas plasmáticas, e caso disponível, a pesquisa


de metanefrinas plasmáticas livres.

O primeiro passo na avaliação desses pacientes é a realização do diagnóstico bioquímico de


feocromocitoma. O diagnóstico do feocromocitoma é realizado por meio da dosagem de
catecolaminas e seus metabólitos, podendo ser efetuado em mais de 95% dos casos.

A dosagem de catecolaminas plasmáticas tem alta sensibilidade e especificidade diagnóstica,


94 e 97% respectivamente; entretanto, as catecolaminas produzidas na adrenal nem sempre
atingem a circulação, seus metabólitos, as metanefrinas plasmáticas (normetanefrina e
metanefrina), no entanto, sempre aparecem aumentadas, pois vazam dos grânulos da medula
adrenal. A dosagem de metanefrinas plasmáticas livres apresenta sensibilidade e
especificidade respectivamente de 97 e 96% para casos familiares de feocromocitoma, e 100 e
80% nos casos esporádicos, resultados que as tornam o exame de escolha caso disponíveis
para o diagnóstico de feocromocitoma. As metanefrinas podem ser excretadas sem nova
desaminação pela MAO, o que permite a dosagem de metanefrina urinária, com sensibilidade
relatada na literatura próxima de 80% e especificidade acima de 90%. O ácido vanilmandélico
também pode ser utilizado, mas com performance diagnóstica inferior. A tabela abaixo mostra
os resultados do estudo de Lenders e colaboradores de diferentes exames para o diagnóstico
de feocromocitoma.

SENSIBILIDADE ESPECIFICIDADE

Testes Hereditários (%) Esporádicos Hereditários (%) Esporádicos


plasmáticos (%) (%)

Metanefrinas 97 99 96 82
livres

Catecolaminas 69 92 89 72

Testes urinários

Metanefrinas 96 97 82 45
livres

Metanefrinas 60 88 97 89
totais

Catecolaminas 79 91 96 75

VMA 46 77 99 86

Resultados dos exames:

o catecolaminas plasmáticas: 3.000 pg/mL (normal até 800 pg/mL);


o noradrenalina plasmática: 2.100 pg/mL (normal 70 a 750 pg/mL);
o metanefrinas urinárias: 4,0 mcg/g (normal até 0,30).

9. Como interpretar os resultados laboratoriais?


Valores aumentados mais de cinco vezes do que normal do método das metanefrinas ou
catecolaminas definem o diagnóstico de feocromocitoma. Alguns autores consideram que
níveis mais de 2 vezes aumentados já eliminam a necessidade de testes estimulativos ou
provocativos; e o próximo papel diagnóstico é localizar o tumor; outros autores usam valores
fixos como de 2.000 pg/mL para catecolaminas plasmáticas, e maior ou igual a 3 mcg/mg de
creatinina na urina de 24 horas, na dosagem de metanefrinas urinárias, como virtualmente
diagnósticos de feocromocitoma. Combinação de testes como o valor de catecolaminas
plasmáticas de pelo menos 2.000 pg/mL e de metanefrinas urinárias superior a 1,8 mcg, em 24
horas, apresenta acurácia diagnóstica aproximadamente de 98% tanto para casos esporádicos
como familiares.

10. Qual exame de imagem devo realizar para diagnóstico localizatório?

Tomografia de abdome ou ressonância magnética de abdome.

A tomografia computadorizada (TC) de abdome talvez seja o melhor exame diagnóstico inicial,
pois consegue identificar tumores de 0,5 a 1,0 cm, quando localizados em adrenal, e de 1 a 2
cm, quando extra-adrenais. Esse procedimento identifica cerca de 95% dos feocromocitomas.

A ressonância magnética (RM) é considerada exame de maior confiabilidade para o


diagnóstico em comparação com a tomografia computadorizada, conseguindo identificar mais
de 95% dos casos, produzindo imagens brilhantes nos cortes em T-2; a ressonância magnética
é particularmente superior à tomografia computadorizada para tumores extra-adrenais e casos
familiares. Deve-se salientar, entretanto, que ambas as modalidades citadas apresentam
especificidade baixa para o diagnóstico de feocromocitoma (67 a 75%).

A cintilografia com MIBG (metaiodobenzilguanidina) é exame de maior especificidade (95 a


100%). Esse radioisótopo tende a se concentrar em vesículas que contêm catecolaminas. O
exame, entretanto, peca pela baixa sensibilidade, reportada entre 78 a 83%; o I-131 MIBG é o
radioisótopo mais utilizado, mas I-123 MIBG apresenta qualidade de imagem superior. O
exame deve ser realizado principalmente em pacientes com exames radiológicos negativos.

Outro método de medicina nuclear estudado é a cintilografia com octreotide radiomarcado que
parece ter sucesso apenas limitado no diagnóstico do feocromocitoma.

A tomografia com emissão de pósitrons (PET-scan) com metabólitos como fluordeoxiglicose,


11-C-epinefrina, entre outros agentes, vem sendo estudada recentemente; o maior sucesso
parece ser com 6-18F (fluordopamina), que é agente simpatoneural que se acumula em
vesículas que estocam as catecolaminas, permitindo visualizar as células cromafins. Dados
preliminares indicam que esse método é provavelmente superior ao MIBG.

11. O que mostram as imagens?

Feocromocitoma em adrenal direita. Imagens de ressonância magnética, a primeira em T1 com


grande massa heterogênea em adrenal direita, que apresenta em imagem em T2 o hipersinal
característico, tornando o feocromocitoma o diagnóstico mais provável.

12. Qual é o tratamento e como preparar o paciente para tal?

O tratamento definitivo do feocromocitoma é a excisão cirúrgica. Entretanto, antes da excisão


cirúrgica é preciso preparar o paciente para cirurgia, realizando bloqueio simpático
farmacológico.

A maioria dos autores prefere realizar esse bloqueio com o uso de fenoxibenzamina; como
alfabloqueador combinado com betabloqueadores como propranolol, atenolol e metoprolol. O
uso isolado de betabloqueadores é contraindicado, pois pode causar hipertensão paradoxal por
betabloqueio sem bloqueio alfa-adrenérgico concomitante.
A dose de fenoxibenzamina inicial é de 10 mg 2 vezes ao dia com aumento progressivo até
controle das manifestações clínicas ou aparecimento de efeitos colaterais. A maioria dos
pacientes requer de 80 a 100 mg/dia, e os aumentos nas dosagens são realizados a cada dois
dias.

Na indisponibilidade para o uso de fenoxibenzamina, podem ser utilizados prazosin, alfa-1-


antagonista de curta duração; com dose inicial de 1 mg, 2 vezes ao dia, com aumentos
progressivos na dose, até dose média de 8 mg diários, podendo chegar a doses de até 20
mg/dia. A combinação de outras drogas como bloqueadores dos canais de cálcio e inibidores
da ECA também pode ser adicionada para o controle clínico.

Critérios para considerar adequada a preparação cirúrgica:

o PA: < 160/90 mmHg;


o hipotensão ortostática não maior que 85/55 mmHg;
o menos que 5 extrassístoles ventriculares/minuto e sem alterações específicas dinâmicas
de ST.

Caso Clínico 14
Paciente do sexo feminino, branca, 64 anos, apresenta quadro de cansaço progressivo aos
esforços, apatia com três meses de duração, há um mês parestesias em extremidades de
membro inferior e sensação indefinida de mal-estar. Há cinco dias evoluiu com quadro de
disúria e polaciúria, e há dois dias com quadro de dor lombar à direita, houve piora da dispneia
ao deitar-se e edema de membros inferiores. Chegou ao pronto-socorro apresentando:

o PA: 110/70 mmHg;


o FC: 120 bpm;
o SaO2: 94%;
o temperatura: 38,5ºC;
o descorada +++/4, ictérica+/4, acianótica;
o apresentava língua atrófica;
o Ap Resp: MV+;
o EC bibasais;
o Ap CV: BRNF, presença de terceira bulha, sopro+/6;
o TGI: plano, flácido, RHA+, indolor, flácido, RHA+;
o MMII: pulsos+, edema de membros inferiores ++/4.

1. Quais as principais hipóteses diagnósticas para o quadro agudo da paciente?

Paciente com provável quadro de insuficiência cardíaca congestiva (ICC) provavelmente


secundária à anemia (cor anêmica) e quadro de infecção urinária alta, descompensando a ICC.

Paciente com quadro progressivo de dispneia aos esforços, com piora aguda associada a
edema de membros inferiores, estertoração creptante pulmonar, piora da dispneia ao deitar e
presença de terceira bulha - todos sugestivos de ICC. Apresenta-se ainda extremamente
descorada, o que sugere grande probabilidade de anemia importante que pode ser fator
precipitador de quadro de ICC de alto débito. A paciente ainda apresenta quadro de disúria e
polaciúria sugestivos de infecção urinária, evoluindo com dor lombar e na apresentação febril.
Quando a paciente com quadro sugestivo de infecção urinária apresenta sintomas como dor
lombar, sinal de Giordano positivo, dor no flanco ou febre este quadro é interpretado como
infecção urinária alta, pois a cistite não apresenta sintomas sistêmicos.

2. Que exames devem ser solicitados para essa paciente?

Raio X de tórax, hemograma completo, urianálise, urocultura, enzimas hepáticas, ureia,


creatinina, bilirubinas totais e frações e ECG.

A paciente apresenta quadro de dispneia com estertoração creptante, que embora ocorra em
pacientes com ICC também pode ocorrer em quadros pneumônicos. Presença de febre
concomitante, embora possivelmente secundária à pielonefrite, deve ser considerada também.
A paciente apresenta-se descorada justificando a realização de hemograma, além do quadro
infeccioso, presença de icterícia justifica a dosagem de bilirrubinas e suas frações para verificar
se são indicativas de hemólise ou lesão hepática. Mulheres com infecção urinária baixa não
necessitam de exames complementares, mas na presença de febre com suspeita de
pielonefrite a urianálise e urocultura estão indicadas. Alguns autores acreditam que em
suspeita de pielonefrite deve se considerar a realização de ultrassonografia de vias urinárias,
mas essa conduta é controversa, sendo indicada em ITUs de repetição e principalmente caso
ocorra persistência de febre por mais de 3 a 5 dias, para pesquisar principalmente abscesso
renal. A função renal deve ser considerada em pacientes com quadros edematosos e é
marcadora prognóstica em pacientes com ICC, com os pacientes com valores de creatinina
maiores que 1,5 mg/dL apresentando maior mortalidade. O ECG é realizado também de rotina
em pacientes com ICC, principalmente em apresentação aguda, para descartar isquemia,
tendo algum grau de alteração virtualmente em todos pacientes com miocardiopatia.

Exames:

o Ureia: 32 mg/dL;
o creatinina: 0,7 mg/dL;
o bilirubina total: 4 mg/dL, sendo a fração indireta de 3,5 mg/dL;
o Urina 1: > 1.000.000 de leucócitos com nitrito positivos;
o Hb: 4,1;
o Ht:12,0;
o VCM:132 u/L;
o 3.200 leucócitos com 56% de neutrófilos;
o 110.000 plaquetas;
o ECG: taquicardia sinusal;
o raio X de tórax sinais discretos de congestão pulmonar, área cardíaca discretamente
aumentada.

3. Qual é a provável etiologia do quadro de anemia do paciente?

Anemia megaloblástica em primeiro lugar e, em segundo, anemia hemolítica. O paciente


apresenta anemia com macrocitose, o que restringe o diagnóstico etiológico dessa anemia,
embora condições como hepatopatia, hipertrigliceridemia entre outras possam cursar com
macrocitose, estas não costumam por si só ocorrer com anemia e não apresentam VCM tão
aumentado. A mielodisplasia e a anemia aplásica podem cursar com anemia ocasionalmente
macrocítica, embora usualmente normocítica, e outras citopenias verificadas neste caso, mas
também não apresentam VCM tão elevado. A presença de VCM > 110 é bastante sugestiva de
anemia megaloblástica, mas também podem ocorrer em pacientes com anemia hemolítica com
grande reticulocitose, pois essas células apresentam VCM aumentado. A presença de outras
citopenias, embora discretas sugerem mais o diagnóstico de anemia megaloblástica que pode
cursar com pancitopenia em alguns casos. Presença de língua atrófica e parestesias ocorrem
em deficiência da vitamina B12 e são sugestivas, portanto, de anemia megaloblástica.

4. Pode-se tratar a infecção urinária desta paciente com norfloxacina?

Não. A norfloxacina é uma quinolona apropriada para tratar infecções urionárias baixas, mas
não tem penetração em túbulos renais para tratar pielonefrite. O sultametoxazol-trimetropim, ou
outra quinolona como a ciprofloxacina, entretanto, poderia ser usado para esse tratamento.

5. Qual o melhor exame neste momento para diferenciar a anemia hemolítica e a anemia
megaloblástica?

A dosagem de reticulócitos. A hiperbilirrubinemia indireta desse paciente apesar de ser sinal de


hemólise, pode ocorrer também nos pacientes com anemia megaloblástica devido à hemólise
intramedular que ocorre nesses pacientes. O DHL que é um marcador de hemólise que
também se encontra extremamente elevado em pacientes com anemia megaloblástica.
Pacientes com anemia hemolítica, exceto na presença de concomitante deficiência de folato ou
outras condições, apresentam reticulocitose marcante ao contrário dos pacientes com anemia
megaloblástica que apresentam estes diminuídos ou normais.

Reticulócitos: 0,8%

6. Que exame pode ser solicitado para confirmação etiológica do quadro de anemia do
paciente?

Dosagem de vitamina B12 e ácido fólico. Paciente com dosagem de reticulócitos total diminuída
sugere ainda mais o diagnóstico de anemia megaloblástica, que neste caso, em razão das
parestesias sugerindo alterações neurológicas, há possibilidade de a deficiência ser de B12, e
não de ácido fólico.

7. Qual o exame considerado padrão-ouro para o diagnóstico de deficiência de vitamina


B12?

Dosagem de ácido metilmalônico e homocisteína. A vitamina B12 é essencial no metabolismo


do ácido fólico, e na sua ausência a homocisteína, por exemplo, não se transforma em
metionina. Em12, está diminuída na grande maioria, mas não em todos os casos. Entretanto, os
níveis de ácido metilmalônico e homocisteína aumentam antes de ocorrer a diminuição dos
níveis séricos da vitamina B12, sendo o teste diagnóstico mais sensível para este
diagnóstico. pacientes com deficiência de vitamina B

8. Qual a causa mais comum de anemia megaloblástica?

Anemia perniciosa, a qual é causada por uma gastrite atrófica autoimune, que é em muitos
casos associada a outras doenças autoimune, em particular endocrinopatias e entre elas
principalmente o hipotireoidismo. Esses pacientes apresentam risco aumentado de câncer
gástrico, e endoscopia digestiva alta para biopsia gástrica é recomendada, em cerca de 90%
dos casos de anemia megaloblástica, são causadas pela anemia perniciosa.
9. Existe algum marcador sorológico da anemia perniciosa?

Sim, o anticorpo contra fator intrínseco e contra a célula parietal gástrica.

O fator intrínseco se liga à vitamina B12 transportando até o íleo terminal. Anticorpos contra o
fator intrínseco estão presentes em cerca de 90% dos pacientes com anemia perniciosa, e os
anticorpos contra a célula parietal gástrica em cerca de 60% dos casos, estes últimos apesar
de responsáveis pela gastrite autoimune não são causadores de anemia perniciosa.

10. Quais as outras causas de deficiência de vitamina B12? Existe algum teste para ajudar
na diferenciação?

Doenças com má-absorção intestinal com aumento da flora bacteriana, deficiência de B12 na
dieta (só corre em vegetarianos estritos), pancreatopatias, doenças inflamatória intestinal,
gastrectomia, entre outras. O teste de Schilling pode ser usado para diferenciação.

Existem muitas causas de deficiência da vitamina B12. Um paciente com estrongiloidíase, por
exemplo, pode apresentar o quasro devido à má-absorção secundária.

O teste de Schilling é pouco utilizado, mas consiste em reposição de vitamina


B12 radiomarcada, caso menos de 8% de vitamina B12 seja excretada via renal pode-se
diagnosticar má-absorção da vitamina, na segunda fase se repõe o fator intrínseco e observa-
se a absorção da vitamina B12 aumentar. Caso aumente, diagnostica-se anemia
perniciosa. Outros testes podem ser realizados, como uso de antibióticos para
superproliferação da flora bacteriana ou reposição de enzimas pancreáticas para
pacientes com suspeita de insuficiência pancreática.

Exames demonstraram vitamina B12 baixa, com endoscopia com gastrite atrófica autoimune e
anticorpo contra o fator intrínseco positivo.

11. Como realizar a reposição de vitamina B12?

Existem vários esquemas de reposição da vitamina B12, um deles recomenda reposição


intramuscular: 1.000 mcg/dia por uma semana, depois semanalmente por um mês e,
posteriormente, reposição de 1.000 mcg/mês. A reposição com vitamina B12 oral pode ser feita
concomitantemente, embora não seja recomendada isoladamente exceto em pacientes com
deficiência de B12 devido à dieta ou no caso de hemofílicos, que não podem receber injeções
intramusculares.
12. Alguns dias após iniciar a reposição de vitamina B12, a paciente passa a apresentar
quadro de fraqueza muscular intensa, ascendente, evoluindo com hipoventilação. A TC
de crânio e o líquor estão normais.O ECG da paciente é o seguinte:

O que aconteceu?

Hipocalemia secundária a reposição de vitamina B12.

Aumento agudo na eritropoiese é associado à captura de potássio pelas novas células, que
pode evoluir com hipocalemia. A reposição de vitamina B12 é a causa mais comum de
hipocalemia por causa desse mecanismo, e deve-se estar atento a esse problema. As
manifestações da hipocalemia podem levar à fraqueza muscular importante, com fraqueza de
músculos respiratórios e hipoventilação. A hipocalemia cursa com algumas alterações
eletrocardiográficas como o aparecimento de ondas u. A figura a seguir sumariza as
manifestações eletrocardiográficas da hipocalemia.

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