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Paulo ALMEIDA
Orlando FIGUEIREDO Universidade de Lisboa
Pedro RAPOSO Escola Secundária José Saramago – Mafra
Margarida CÉSAR
Introdução
Metodologia
Instrumentos
Ao longo do projecto, e no decorrer do ano lectivo foi realizada observação de aulas,
por diversos observadores – observação participante - algumas aulas, em particular as da
Unidade de Ensino sobre a qual se focou mais o projecto, foram gravadas (áudio e vídeo), foram
policopiados documentos dos alunos, como cadernos, fichas de trabalho, testes individuais de
avaliação e mini-testes, foram efectuadas entrevistas, no final do ano, a alguns alunos – 3
rapazes e 3 raparigas – que serviram de informadores privilegiados e foi entregue, a cada aluno,
um questionário sobre a avaliação do projecto, que depois de respondido foi devolvido ao
professor. Nesta comunicação vamos analisar os dados referentes aos questionários de avaliação
do projecto, aplicado no final do ano lectivo.
Procedimento
O projecto foi implementado desde o início do ano lectivo, tendo sido elaborada uma
planta da sala de aula com os alunos sentados por forma a constituírem díades não aleatórias.,
ou seja, após aplicação e análise das respostas a um questionário e uma tarefa para
conhecimento das capacidades e competências dos alunos, as díades foram constituídas de
forma heterogénea (díades assimétricas) e, de preferência, um elemento do sexo masculino com
um elemento do sexo feminino.
As actividades desenvolvidas com os alunos, na sala de aula, constaram,
essencialmente, de actividades de discussão (fichas de trabalho, actividades do manual escolar,
realização de actividades experimentais) que, inicialmente, eram realizadas pela díade e,
posteriormente, debatidas numa discussão geral (grupo turma). Os critérios de avaliação foram
explicitados no início do ano lectivo, sendo que, para além do trabalho diário da aula, os alunos
também realizaram mini-testes em díade e testes de avaliação individual. Os mini-testes
consistiram em pequenas fichas de trabalho, que abordavam os conteúdos científicos analisados
nessa semana, pois esta forma de avaliação era realizada semanalmente. Os alunos tinham a
oportunidade de, em díade, resolver o mini-teste que era entregue ao professor para correcção.
Das classificações obtidas nos mini-testes, calculava-se a média. Para o cálculo desta eram
contabilizadas todas as classificações obtidas, ao longo de um período lectivo, com excepção da
classificação mais elevada e mais baixa.
A análise que foi sendo efectuada ao longo do ano, no que diz respeito à avaliação
qualitativa e quantitativa, levou à alteração de algumas díades formadas inicialmente.
Apesar do projecto ter tido a duração de um ano lectivo, o estudo centrou-se
particularmente numa Unidade de Ensino do programa da disciplina – “A Origem da Vida”.
No questionário que foi respondido pelos alunos, que participaram no projecto até ao
final do ano lectivo, diferenciámos três grandes grupos de questões: um primeiro grupo relativo
a aspectos cognitivos, um segundo onde se avalia o desenvolvimento da socialização e um
último onde se avaliam aspectos interrelacionais. Faremos em seguida uma apresentação dos
principais aspectos relativos a cada um dos grupos atrás definidos, bem como de uma discussão
dos mesmos.
Em relação à avaliação que os alunos fizeram do projecto implementado verifica-se que
19 alunos referiram que gostaram de trabalhar em díade (Quadro1). Para além disso, 17 alunos
gostariam de continuar, no próximo ano lectivo, a desenvolver actividades em díade (Quadro 2).
Em termos de avaliação do trabalho desenvolvido (Quadro 5), 13 alunos consideraram o
trabalho muito positivo, 6 avaliaram-no como positivo, tendo apenas 1 aluno classificado o
trabalho como neutro. Verifica-se, desta forma, que a grande maioria dos alunos considera o
trabalho em díade muito proveitoso. Como principais factores relevantes que contribuíram para
essa opinião, os alunos referem a melhoria do rendimento da aprendizagem – “porque acho
muito bem. Gostei. Aprende-se mais”(J.), desenvolvimento de espírito de interajuda e
cooperação – “porque nos ajudou a desenvolver o nosso espírito de cooperação”(R.),
esclarecimento de dúvidas mais proveitoso – “é um método que nos ajuda a compreender
melhor as nossas dúvidas. Esclarecemos muito as dúvidas, pois duas cabeças pensam melhor
que uma”(A.), promoção da aproximação entre colegas – “para além de dar para nos
aproximarmos de pessoas com quem não falamos também é sempre uma grande ajuda” (I.), e
um processo de ensino-aprendizagem inovador – “porque foi uma experiência nova e achei
muito interessante” (S.).
19
20 20
17
15 15
Sim Sim
10 10
Não Não
5 5
3
1
0 0
Quadro 4 – Respostas à questão:
Quadro 3 – Respostas à questão:
“Trabalhar em díade modificou as suas relações
“Como descreve as suas relações com os seus
com os seus colegas?”
colegas?”
14
14
12
12 10
10 8 Sim
6 Não
8 6
6 12 4
4 2
2 5 0
3
0 0 0
Muito Boas Médias Más Muito
Boas Más
15
15
Sim
10
10 Não
12 5
5
5 1
3
0 0 0 0
Muito Positivo Neutro Negativo Muito
Positivo Negativo
O único aluno que refere não ter gostado do trabalho em díade, menciona que não gosta
de qualquer forma de trabalho. Compreende-se, desta forma, que a maioria dos alunos, quando
lhes é dada a opção de continuar o projecto, no ano lectivo aderem a essa hipótese, pois acham
que dessa forma melhoram o rendimento, as relações sociais e aumenta a intervenção dos alunos
nas actividades da aula, tornando as aprendizagens mais rentáveis e “divertidas”. Há, ainda, o
aconselhamento para se envolverem mais alunos neste tipo de projecto, o que revela que os
alunos que experimentaram trabalhar colaborativamente consideram que esta metodologia é
vantajosa não só para eles próprios, mas para os alunos em geral. No entanto, há alunos que
apesar de reconhecerem a importância do trabalho em díade, mostram algum receio de serem
confrontados com ideias diferentes das suas, bem como de perderem a confiança no seu trabalho
individual, como por exemplo “porque acho que nós devemos começar a trabalhar por nós
próprio. 'ão quer dizer que trabalhar em díade não se trabalhe, mas acho que devíamos
começar a ser um pouco mais individualistas e confiarmos no nosso trabalho. Por vezes, há
pessoas que deixam de estudar porque o seu parceiro na díade o faz”(R.). Isto verifica-se pois
o trabalho em díade exige uma intersubjectividade comum, de acordo com Werscht (1991), pelo
que é necessária a existência de processos de centração-descentração relativamente ao outro, o
que pode abalar as convicções e conhecimentos que cada elemento do par tem.
Ao ter sido aplicado na disciplina de C.T.V., é evidente que ao avaliarem o trabalho
desenvolvido nesta disciplina, os alunos estão também a avaliar o próprio projecto. Verifica-se
que os alunos gostaram da disciplina de C.T.V. (Quadro 6), no geral, pois consideraram que
existiu uma boa relação com o professor, a forma de trabalho foi inovadora, permitindo
rentabilizar a aprendizagem através da realização de trabalho em díade e de trabalhos
experimentais. Apesar disso, os alunos salientarem alguns aspectos negativos como o
comportamento geral da turma, o volume de trabalho realizado nas aulas (que é muito maior que
o habitual), e a dificuldade de gerir as relações interpessoais na díade. É óbvio que o clima de
uma sala de aula em que se desenvolve esta forma de trabalho é mais agitado dado que a
autonomia e a liberdade de acção dos alunos é maior quando comparada com uma aula
tradicional de tipo expositivo. Assim, se os alunos discutem entre si a resolução de questões, é
natural que o ruído na sala de aula aumente. Esta característica é salientada como negativa pelos
alunos, por oposição à grande maioria das aulas das restantes disciplinas, nas quais têm um
papel meramente passivo e pouco interventivo. Desta forma, não é de estranhar que tenham
surgido propostas que visam a alteração do comportamento global da turma no contexto da sala
de aula. No entanto, pensamos que derivado do tipo de actividades desenvolvidas torna-se
difícil contornar este aspecto, pois o barulho existente, em grande parte das situações, não era
derivado de um comportamento indisciplinado mas tão só devido à discussão, na díade, das
questões às quais os alunos tinham que responder. Aliás, os observadores externos que
assistiram às aulas não consideraram o barulho de fundo acima dos limites do que é aceitável, o
que talvez revele quanto é raro –e, por isso mesmo, estranho – para os alunos, poderem co-
elaborar soluções num contexto de sala de aula, ou seja, serem realmente co-construtores do seu
próprio saber.
O trabalho em díade tem, entre outros, o objectivo de promover o desenvolvimento
competências cognitivas e sociais. Através das respostas a este questionário confirmou-se que
os alunos, para além de se terem consciencializado sobre os benefícios que este tipo de
estratégia trazia em termos cognitivos, foi também muito relevante para o estabelecimento de
uma rede social ao nível da turma, que de outra forma dificilmente se conseguiria obter. Os
alunos, de uma forma geral, referem que o trabalho em díade modificou as relações com os
colegas(Quadro 4). Muitos referem que se não tivessem participado neste tipo de trabalho,
provavelmente haveria colegas do grupo turma com quem nunca teriam trocado ideias, opiniões
ou sequer ter tido interesse em conhecê-los. Outros referem ainda que com este tipo de trabalho
passaram a conhecer melhor os colegas, a partilhar as suas ideias e até a alterar algumas das que
eles próprios tinham relativamente aos assuntos discutidos nas aulas, o que contribuiu para
melhorar o clima da turma. Assim, podemos encontrar resposta do tipo: “Porque me ajudou a
trabalhar com um colega com quem talvez nunca viesse a trabalhar” (A.), “Porque havia
algumas pessoas com quem eu não comunicava muito e agora falo muito melhor.” (C.) ou
ainda “Ajudou-me a entender melhor a personalidade de certas pessoas e a lidar melhor com
elas” (R.).
Os alunos que indicaram que as relações com os colegas não se modificaram, justificam
a resposta indicando que as mesmas já eram muito saudáveis antes da aplicação deste tipo de
trabalho porque já se conheciam de anos anteriores, como por exemplo, “Já me dava bem com
eles antes” (D.) ou ainda “'ós, antes das díades, já nos dávamos muito bem, sempre fomos e
seremos amigas” (B.).
Quando lhes foi perguntado como descreviam as suas relações com os seus colegas
(Quadro 3), verificou-se que a grande maioria responde como boas ou mesmo muito boas,
apresentando justificações tão diversas como “porque aceito as suas ideias e eles aceitam as
minhas” (S.), ou simplesmente, “porque me dei bem com toda a gente” (N)., ou ainda “porque
existe um respeito mútuo” (F.).
Através da análise das respostas que foram dadas parece-nos evidente que o trabalho
em díade foi percepcionado por estes alunos como factor de grande importância no
estabelecimento de relações sociais, quer dentro quer fora da sala de aula. Assim, quando
pensamos em alguns objectivos definidos pela política educativa, como “contribuir para a
realização do educando, através do pleno desenvolvimento da personalidade, da formação do
carácter e da cidadania, (...)” e “assegurar a formação cívica (...) dos jovens” (Lei de Bases do
Sistema Educativo) vemos que o trabalho colaborativo permite passar dos ideais às práticas, ou
seja, possibilita a concretização do que está previsto na referida Lei. Um dos aspectos em que
esta forma de trabalho se revela particularmente adaptada é na preparação para o exercício da
cidadania, na medida em que desenvolve o espírito crítico, a capacidade de argumentação, o
respeito pelo ritmo de cada um, a capacidade de trabalhar em equipa, de seleccionar e tratar
informação e a tomada de decisão, aspectos que nos parecem essenciais para formar cidadãos
participativos e que dificilmente serão atingidos quando se recorre a aulas do tipo expositivo.
Podemos efectuar uma análise mais focalizada em termos da avaliação que os alunos
fizeram quanto ao estabelecimento de inter-relações com o seu par. Como se referiu
anteriormente, as díades constituídas eram não aleatórias, ou seja, eram assimétricas
apresentando os alunos diferentes graus de desenvolvimento das diversas competências
consideradas. Em alguns casos, associaram-se alunos que praticamente não se conheciam, ou
que nunca se tinham falado anteriormente. Tendo sido a maior parte das díades alterada ao
longo do ano lectivo, interessa-nos agora saber com que impressão ficou cada aluno
relativamente ao seu par. Antes de mais, raramente os alunos apontam outros colegas com quem
gostaram menos de trabalhar, mas dão grande relevância àqueles com os quais foram
incentivados a trabalhar e a discutir ideias ou com aqueles em que o trabalho era mais
“rentável”. A T. refere que “gostei mais de trabalhar com o D., porque mantínhamos uma boa
relação , o que fazia com que discutíssemos as perguntas com sinceridade e calma”, dizendo-
nos a S. que gostou de constituir díade com “o T. e a E., porque acho interessante esta
experiência de confronto de ideias com os outros”. Os alunos podem ainda ser motivados com
este tipo de trabalhos por ser para eles um desafio conseguir mostrar aos outros os seus pontos
de vista. Assim, o M. diz-nos que “Gostei mais de trabalhar com a I., porque me deu uma
maior capacidade de discussão de ideias na díade.” Por oposição, os motivos que levam um
aluno a não gostar tanto de trabalhar com outro em díade podem ser de natureza psicossocial,
como “porque ele não falava quase nada comigo e não tínhamos quase nenhuma troca de
ideias”(P.), ou “porque ele não era muito fácil de comunicar e com ele o nosso trabalho não
se podia chamar trabalho em díade” (I.), ou de natureza cognitiva, “porque ela ‘pendurava-se’
um pouco nas pessoas pois não estudava nada porque eu sabia tudo”(R.), ou “porque as
nossas respostas não batiam certo” (N.). É interessante notar como os alunos se apercebem,
com este tipo de trabalho, das características particulares dos outros e como se consciencializam
que tem de existir uma aproximação de cada elemento do par para que haja proveito, quer em
termos cognitivos quer em termos sociais, da relação estabelecida.
Porém, também é de realçar que, depois de trabalharem colaborativamente, os alunos
aceitaram melhor a diversidade, respeitando as diferenças, nomeadamente no modo como
abordavam as tarefas propostas, como expunham as suas ideias ou quanto às várias soluções
encontradas. Por outro lado, este aspecto é tanto mais interessante quando não corresponde a
falta de rigor ou a facilitismo. A aceitação era acompanhada de empenho, de auto-estima
positiva, o que levava a tentar melhorar os níveis atingidos nas diversas competências.
Quando solicitados a associar uma palavra a díade, os alunos escolheram termos como
“convivência (trabalho)” (T.), “confronto” (S.), “união” (F.), “amizade” (N.), “excelente”
(G.), “cooperação” (I.), ou “produtividade” (B.), entre outras. Neste caso, em que a pergunta,
por ser muito pouco estruturada, assume características próximas das técnicas projectivas,
podemos observar que as palavras escolhidas revelam adesão, gosto por esta forma de trabalho e
realça, de forma nítida, o clima de interajuda e cooperação que caracteriza esta forma de
trabalho. Numa sociedade – e numa Escola! – que desenvolve muito mais a competitividade e o
individualismo do que a cooperação e a solidariedade, apesar do trabalho em equipa ser cada
vez mais uma exigência social, parece-nos de maior relevo que as práticas de sala de aula
permitam ultrapassar este tipo de contradições, como acontece quando se implementa o trabalho
em díade.
Através do que atrás ficou referido, parece-nos bem patente o quanto o trabalho em
díade marcou a vida escolar destes alunos, pelo menos ao nível da disciplina de C. T. V. e como
deixou marcas que, muito provavelmente, ultrapassam a apropriação de conteúdos pois inserem-
se em vivências pessoais, ou seja, naquilo que Santos (1991) designava “aprender a ser”.
Considerações Finais
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