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A responsabilidade do médico junto ao


consumidor
Ângelo Miranda Neto

O Código de Defesa do Consumidor dispõe em seu artigo 3º que fornecedor é toda


pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os
entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem,
criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou
comercialização de produtos ou prestação de serviços.

O § 2° do retromencionado artigo dispõe que serviço é qualquer atividade fornecida


no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária,
financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter
trabalhista.

Assim, não existe dúvida que a pessoa física do médico ou a pessoa jurídica do
hospital ou da clínica, autorizados a realizar procedimentos médicos, configuram
prestadores de serviços para o Código de Defesa do Consumidor.

Essa responsabilidade, porém, pode ser subjetiva ou objetiva. O CDC impõe a


responsabilidade objetiva aos fornecedores, em razão de defeitos na prestação de
serviços (artigo 14), mas indica que a responsabilidade pessoal dos profissionais
liberais (médicos) será apurada mediante verificação da culpa (artigo 14, § 4º).

Na responsabilidade objetiva, não há necessidade de comprovação de dolo ou culpa,


bastando a demonstração do dano, conduta e nexo causal, ao passo que a
responsabilização subjetiva impõe a demonstração do dolo ou culpa (negligência,
imprudência ou imperícia).

A medicina impõe, em regra, uma obrigação de meio, não sendo possível exigir do
médico uma obrigação de resultado (sucesso do tratamento), ressalvadas as
hipóteses de cirurgias plásticas de natureza exclusivamente estética, conforme
entende o Superior Tribunal de Justiça:

No caso das cirurgias plásticas de natureza exclusivamente estética, o STJ considera


existir obrigação de resultado1:

"De acordo com vasta doutrina e jurisprudência, a cirurgia plástica


estética é obrigação de resultado, uma vez que o objetivo do paciente

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é justamente melhorar sua aparência, comprometendo-se o cirurgião


a proporcionar-lhe o resultado pretendido". (AgRg nos EDcl no AREsp
328.110/RS, Rel. Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, 4T, DJe 25/09/2013)

O Superior Tribunal de Justiça também possui jurisprudência sedimentada no


sentido de que a responsabilidade dos hospitais (das clínicas), no que tange à
atuação dos médicos contratados que neles trabalham, é subjetiva, dependendo da
demonstração da culpa do preposto. Indica a Corte da Cidadania que a
responsabilidade objetiva do artigo 14 do CDC ao hospital é restrita aos serviços
relacionados com o estabelecimento empresarial, como internação, alimentação,
instalações, equipamentos e serviços auxiliares de enfermagem, exames e
radiologia::

"A jurisprudência desta Corte encontra-se consolidada no sentido de


que a responsabilidade dos hospitais, no que tange à atuação dos
médicos contratados que neles trabalham, é subjetiva, dependendo
da demonstração da culpa do preposto. A responsabilidade objetiva
para o prestador do serviço prevista no artigo 14 do Código de Defesa
do Consumidor, no caso, o hospital, limita-se aos serviços
relacionados com o estabelecimento empresarial, tais como a estadia
do paciente (internação e alimentação), as instalações, os
equipamentos e os serviços auxiliares (enfermagem, exames,
radiologia)." Precedentes. (AgInt no AREsp 1375970/SP, Rel. Min.
RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, 3T, DJe 14/06/2019)

Assim, a demonstração da culpa do médico contratado atrai a responsabilidade do


hospital, a teor do artigo 932, III, do Código Civil, permitindo a ação regressiva do
hospital/clínica contra o médico responsável por causar o dano.

Por fim, cumpre mencionar que STJ já definiu que o médico possui o dever anexo
decorrente da boa-fé objetiva de informação ao paciente (artigo 6º, III do CDC) sobre
os riscos do tratamento, suas vantagens e desvantagens, técnicas a serem
empregadas, prognósticos e quadros clínicos e cirúrgicos, salvo quando esta
informação puder afetá-lo psicologicamente (situação em que a informação deve ser
repassada ao representante legal). O dever é baseado também no princípio da
autonomia da vontade (autodeterminação) e no direito ao consentimento livre e
informado do paciente.

O STJ entende que a informação genérica (blanket consent) não supre o dever de
informação, que deve ser individualizado e que a violação caracteriza
inadimplemento contratual, sendo fonte de responsabilidade civil de per se. A
indenização, nesses casos, é devida pela privação sofrida pelo paciente em sua
autodeterminação, por lhe ter sido retirada a oportunidade de ponderar os riscos e
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vantagens de determinado tratamento, que, ao final, lhe causou danos, que


poderiam não ter sido causados, caso não fosse realizado o procedimento, por
opção do paciente:

"(...) 2. É uma prestação de serviços especial a relação existente entre


médico e paciente, cujo objeto engloba deveres anexos, de suma
relevância, para além da intervenção técnica dirigida ao tratamento
da enfermidade, entre os quais está o dever de informação. 3. O dever
de informação é a obrigação que possui o médico de esclarecer o
paciente sobre os riscos do tratamento, suas vantagens e
desvantagens, as possíveis técnicas a serem empregadas, bem como a
revelação quanto aos prognósticos e aos quadros clínico e cirúrgico,
salvo quando tal informação possa afetá-lo psicologicamente, ocasião
em que a comunicação será feita a seu representante legal. 4. O
princípio da autonomia da vontade, ou autodeterminação, com base
constitucional e previsão em diversos documentos internacionais, é
fonte do dever de informação e do correlato direito ao consentimento
livre e informado do paciente e preconiza a valorização do sujeito de
direito por trás do paciente, enfatizando a sua capacidade de se
autogovernar, de fazer opções e de agir segundo suas próprias
deliberações. 5. Haverá efetivo cumprimento do dever de informação
quando os esclarecimentos se relacionarem especificamente ao caso
do paciente, não se mostrando suficiente a informação genérica. Da
mesma forma, para validar a informação prestada, não pode o
consentimento do paciente ser genérico (blanket consent),
necessitando ser claramente individualizado. 6. O dever de informar é
dever de conduta decorrente da boa-fé objetiva e sua simples
inobservância caracteriza inadimplemento contratual, fonte de
responsabilidade civil per se. A indenização, nesses casos, é devida
pela privação sofrida pelo paciente em sua autodeterminação, por lhe
ter sido retirada a oportunidade de ponderar os riscos e vantagens de
determinado tratamento, que, ao final, lhe causou danos, que
poderiam não ter sido causados, caso não fosse realizado o
procedimento, por opção do paciente. 7. O ônus da prova quanto ao
cumprimento do dever de informar e obter o consentimento
informado do paciente é do médico ou do hospital, orientado pelo
princípio da colaboração processual, em que cada parte deve
contribuir com os elementos probatórios que mais facilmente lhe
possam ser exigidos. 8. A responsabilidade subjetiva do médico (CDC,
art. 14, §4º) não exclui a possibilidade de inversão do ônus da prova,
se presentes os requisitos do art. 6º, VIII, do CDC, devendo o
profissional demonstrar ter agido com respeito às orientações
técnicas aplicáveis. Precedentes. 9. Inexistente legislação específica
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para regulamentar o dever de informação, é o Código de Defesa do


Consumidor o diploma que desempenha essa função, tornando
bastante rigorosos os deveres de informar com clareza, lealdade e
exatidão (art. 6º, III, art. 8º, art. 9º). (...)" (REsp 1540580/DF, Rel.
Ministro LÁZARO GUIMARÃES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO
TRF 5ª REGIÃO), Rel. p/ Acórdão Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, 4T,
DJe 04/09/2018)

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