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CYDARA CAVEDON RIPOLL

UFRGS

Slides utilizados nas Palestras ministradas no Estágio dos


Professores Premiados da OBMEP 2006, em 2007, no
IMPA, disponíveis em
http://www.obmep.org.br/videos-EPP-2006.htm
PALESTRA 1:

1. Introdução

2. O que dizem os Parâmetros Curriculares


Nacionais (PCN, 1996)

3. O que fazem os livros didáticos em geral

4. O que dizem os livros didáticos


O que dizem os PCN (1996)
"Os currículos de Matemática para o Ensino Fundamental devem
contemplar
-o estudo dos números e das operações (no campo da Aritmética
e da Álgebra),
-o estudo do espaço e das formas (no campo da Geometria) e
-o estudo das grandezas e das medidas (que permite interligações
entre os campos da Aritmética, da Álgebra, e da Geometria e
de outros campos do conhecimento),
e a aprendizagem deve desenvolver-se de forma gradual e em
diferentes níveis, supondo o estabelecimento de relações com
conceitos anteriores."
"No 3º e 4º ciclos alguns conceitos serão consolidados, uma vez que eles
já vêm sendo trabalhados desde os ciclos anteriores, como o conceito de
número racional. Outros serão iniciados como noções/idéias que vão se
completar e consolidar no ensino médio, como é o caso do conceito de
número irracional".
(3º e 4º ciclos correspondem a 5ª, 6ª 7ª e 8ª séries do EF.)
Para o 3º ciclo, referentes ao pensamento numérico:
"Ampliação, (...) operações (...) com naturais, inteiros e
racionais";
"Compreensão da raiz quadrada e cúbica de um número, a partir
de problemas como a determinação do lado de um quadrado de
área conhecida ou da aresta de um cubo de volume dado";
"Cálculos aproximados de raízes quadradas por meio de estimati-
vas e fazendo uso de calculadoras";
"Obtenção de medidas por meio de estimativas e aproximações e
decisão quanto a resultados razoáveis, dependendo da situação-
problema".
Para o 4º ciclo, referentes ao pensamento numérico:
"Ampliar e consolidar os significados dos números racionais a partir dos
diferentes usos em contextos sociais e matemáticos e reconhecer que
existem números que não são racionais";
"Resolver situações-problema envolvendo números naturais, inteiros,
racionais e irracionais, ampliando e consolidando os significados da adição,
subtração, multiplicação, divisão, potenciação e radiciação";
"Selecionar e utilizar diferentes procedimentos de cálculo com números
naturais, inteiros, racionais e irracionais".
E, da competência métrica:
"Ampliar e construir noções de medida, pelo estudo de diferentes
grandezas, utilizando dígitos significativos para representar as
medidas, efetuar cálculos e aproximar os resultados de acordo com
o grau de precisão desejável".
Especificamente sobre o ensino dos números irracionais, para o 3º e 4º ciclos:
"Ao longo do Ensino Fundamental o conhecimento sobre os números é cons-
truído e assimilado pelo aluno num processo em que tais números aparecem co-
mo instrumento eficaz para resolver determinados problemas, e também como
objeto de estudo em si mesmo, considerando-se, nesta dimensão, suas proprie-
dades, suas inter-relações e o modo como historicamente foram constituídos".
"Na perspectiva de que o aluno amplie e aprofunde a noção de número, é im-
portante colocá-lo diante de situações em que os números racionais são insufi-
cientes para resolvê-las: tornando-se necessária a consideração de outros núme-
ros: os irracionais. Recomenda-se, no entanto, que a abordagem destes últimos
não siga uma linha formal, que se evite a identificação do número irracional
com um radical e que não se enfatizem os cálculos com radicais, como ocorre
tradicionalmente".
Os PCN ainda salientam:
"As formas utilizadas no estudo dos números irracionais têm se
limitado, quase que exclusivamente, ao ensino do cálculo com
radicais. O ensino tradicional dos irracionais têm pouco
contribuído para que os alunos desenvolvam seu conceito."
"O importante é que o aluno identifique o número irracional como um número
de infinitas "casas" decimais não-periódicas, identifique esse número com um
ponto na reta, situado entre dois racionais apropriados, reconheça que esse
número não pode ser expresso por uma razão de inteiros (...). Esse trabalho tem
por finalidade, sobretudo, proporcionar contra-exemplos para ampliar a
compreensão dos números".
O que fazem os livros didáticos em geral
(Análise crítica feita em 10 livros (coleções às vezes) didáticos
escolhidos pelos alunos da atual turma do Mestrado em Ensino de
Matemática da UFRGS.)
-“a aprendizagem deve desenvolver-se de forma gradual e em dife-
rentes níveis”
- “...Outros (assuntos) serão iniciados como noções/idéias que vão se completar
e consolidar no ensino médio, como é o caso do conceito de número irracional”.
-“reconhecer que existem números que não são racionais”
-prática comum dos livros didáticos é a pouca ênfase que se dá ao método ma-
temático.
-a maneira como são introduzidos os números irracionais: o exemplo √2 é apre-
sentado sem a demonstração de sua irracionalidade sendo, portanto, induzido
que a sua expansão decimal seja não periódica.
-“As formas utilizadas no estudo dos números irracionais têm se limitado, quase
que exclusivamente, ao ensino do cálculo com radicais. O ensino tradicional dos
irracionais têm pouco contribuído para que os alunos desenvolvam seu conceito.”
-alunos de final de EM: cinco exemplos de irracionais.
Minha "sensação" ao fazer esta análise dos livros didáticos:

O assunto números irracionais e a construção do conjunto R é


ainda um desconforto para os autores dos livros didáticos:
- há, num mesmo livro, parágrafos bem escritos, onde é
introduzida uma discussão interessante sobre um assunto, mas
tal discussão logo a seguir é interrompida, passando-se a
outro aspecto sem às vezes nenhuma continuidade;
- os textos são muitas vezes apenas informativos, nada
discutem e não mostram a quê vem, isto é, para quê estão
servindo todas aquelas informações;
- muitas vezes as frases são ambíguas, o que dá margem a
muitas confusões entre os alunos e, infelizmente, também
confusões entre os próprios professores.
O que dizem estes dez livros didáticos
1. Algumas das definições de número irracional
mais freqüentemente encontradas :

• (A) “Um número é irracional se não puder ser escrito na


forma a/b, com a,bZ e b não nulo.
“Irracional é o número que não pode ser escrito na
forma de fração”.

• (B) “Irracional é o número cuja representação decimal


é infinita e não-periódica”.
“Todo número escrito na forma de um decimal
infinito e não-periódico é um número irracional”.
• (C) “Os números irracionais representam medidas de
segmentos incomensuráveis com a unidade”.
Críticas a cada grupo de definições:

(A) “Um número é irracional se não puder ser escrito


na forma a/b, com a,bZ e b não nulo”.
“Irracional é o número que não pode ser escrito
na forma de fração”.
- Pressupõe-se o conhecimento da existência de outros números
além do universo trabalhado até o momento, a saber, os núme -
ros racionais, além de um manejo com tais números, a ponto de
conseguir-se checar se eles podem ou não ser escritos nesta for-
ma.
- Números imaginários não podem ser escritos na forma de
fração, e nem por isso são irracionais !!!
- Para culminar: definem reais como união de racionais com
irracionais ...
(B) “Irracional é o número cuja representação decimal é
infinita e não-periódica”.
“Todo número escrito na forma de um decimal infi-
nito e não-periódico é um número irracional”.
- Pressupõe-se o conhecimento da existência de outros núme-
ros além dos racionais.
- Fala-se na expansão decimal de qualquer número, como se
qualquer número tivesse expansão decimal !!!

Deixo o comentário da definição (C) para a segunda palestra:


(C) “Os números irracionais representam medidas de
segmentos incomensuráveis com a unidade”.
2. Ainda relacionado com a apresentação dos números irracionais:

-"Existem números que não são racionais, tais como


0,12345..., pois este não é periódico"
ou "Existem números que não apresentam as características
descritas acima; eles possuem uma representação decimal não-
periódica e com infinitas casas decimais. Veja alguns exemplos:
(...) 0,101001000...".
0,101001000... é número?
Se sim, qual seu significado numérico?

-"Com o auxílio de conhecimentos matemáticos superiores aos


que estudamos até agora, pode-se mostrar que o processo de
melhoria das aproximações de √2 não termina nunca."
Logo a seguir, o autor explora fatoração em primos para decidir
se um número é um quadrado perfeito ou não...
3. O número π e as aproximações

-é muitas vezes introduzido de uma forma altamente im-


precisa, pois não se informa claramente que matemáticos
provaram que é constante o quociente entre o perímetro
do círculo e o comprimento do seu diâmetro.
Precisamente: a prática comum é tomar-se vários quocientes que
são aproximadamente iguais (mas só aproximadamente!) e dizer
"Este número é chamado de π".
O aluno então pode ficar com a sensação de que π representa toda
uma família de números que são aproximadamente iguais a 3,14.
Assim, por exemplo, 3,149, 3,1333, 3,153 servem (pois, afinal,
ninguém comentou sobre o tamanho admissível do erro)...

-Além disso, poucos autores usam o símbolo "" para tornar claro
que se trata de uma aproximação, e não do valor exato do número.
4. Diagramas ilustrando a relação entre os conjuntos numéricos
até então conhecidos

diagrama 1 diagrama 2 diagrama 3


Diagrama 1: Um dos autores ainda pergunta nos exercícios
se QI ou se I∩Q=.
Diagramas 2 e 3: Desconhecimento do autor ?
- Aqui se encaixa também a pobreza de irracionais apresentados
nos livros didáticos: π e raízes quadradas (jamais menciona-se
que estes são uma pequena parte (irracionalidades quadráticas)
de uma pequena parte (números algébricos) de uma imensa varie-
dade de irracionais, e o único não algébrico mencionado é π
(que faz parte da grande maioria dos números reais: os transcen-
dentes!!!!).
A visão passada aos alunos sobre números irracionais é portanto
bastante distorcida, a ponto de ainda ser reiterada nos diagramas.
5. Sobre a representação decimal de um número real:

-"Observe que √2 tem infinitos algarismos decimais não


periódicos..."

-Autores que não provam que não existe racional cujo quadrado é
2, têm a tendência (e dois dos analisados realmente o fazem!) de
afirmar: "√2 não tem representação decimal periódica, e por isso
é um número irracional".
Como se prova que √2 não tem representação decimal periódica?

-"Na calculadora, Helena calculou 7,0710678... como valor de


√(50). Pela representação decimal obtida, Você pode afirmar que
√(50) é um número racional ou um número irracional?
- Outro autor começa preocupando-se em procurar um
número x tal que x²=2. Daí, faz estimativas, tais como
(1,4)²=1,96 e (1,5)²=2,25,
chegando à escrita x=1,414... e a seguir informa:
"Adiante veremos que x é a raiz quadrada de dois (...) "

-Além disso, o autor está sugerindo que a lista 1,414... está muito
bem determinada se não levamos em conta sua procedência.
-"É muito interessante notar que números irracionais, que não
têm uma representação decimal precisa, como √2=1,414213...,
têm, no eixo real, uma imagem rigorosamente definida por um
segmento de reta".
Sabemos dizer quem é o próximo dígito nesta expansão!
Será que o autor considera que 0,12345... tem uma representação
decimal precisa? E isto implica que sua imagem no eixo real é pre-
cisa?
-Exercício proposto:
"Escreva em seu caderno o número cuja parte inteira
é zero, e a parte decimal é formada por um algarismo
1, dois algarismos 2, três algarismos 3 e assim por
diante. Este número é racional ou irracional? "
O que acontece depois que esgotarmos os algarismos, isto é,
depois de escrevermos nove algarismos 9 ????
6. Sobre a ordem em R :
-Os autores evitam lidar com as listas periódicas de perío-
do 9 (só um autor informa que 0,999...=1, os demais evi-
tam este assunto!), e isto os leva a cometerem erros:
"...Aritmeticamente, vamos analisar alguns exemplos:
2,195... < 3,189..., pois 2<3
4,128... < 4,236,..., pois 4=4 e 0,1<0,2
(...)
5,672... < 5,673..., pois 5=5, 0,6=0,6, 0,07=0,07 e 0,002<0,003
-Relacionado ao assunto “dízimas periódicas”, no que diz respei-
to a fração geratriz, um autor escreve:
“Todas as dízimas periódicas possuem fração geratriz.".
Este autor é um dos tantos que apresentam a "receita" para recu-
perar a fração geratriz, e chega à incoerência de pedir, nos exercí-
cios, para que o aluno calcule a fração geratriz de 4,999... e deu
como resposta no livro do professor 5/1 !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
7. Sobre a reta numérica:
-"Como entre dois racionais sempre há um outro número
racional, não é possivel escrever todos os elementos do
conjunto Q dos números racionais."
O conjunto Q é enumerável!!!!!! Análogo, em outro livro:
"Como sabemos, não se podem representar (na reta numérica)
todos eles (os racionais) pois entre dois números racionais existe
uma infinidade de outros números racionais".
Quer dizer então que, quando traço um segmento de reta entre os
pontos A e B, sem levantar o lápis do papel, eu não desenhei todos
os pontos deste segmento?
-"Os reais podem ser representados por uma seqüência de pontos
em uma linha reta, chamada reta numérica."
Este mesmo autor continua explicando a localização de números
na reta, inicialmente localizando inteiros. A seguir comenta
"Podemos dividir a distância entre dois inteiros conse-
cutivos em infinitas partes iguais. Assim, podemos indi-
car na reta números racionais como 0,002, -5,362. (...)
Entre dois números racionais há sempre um terceiro. Veja, por
exemplo, (...). Assim, podemos continuar localizando números
racionais entre dois racionais infinitamente.
Mesmo que fosse possível indicar na reta todos os números ra-
cionais, ainda sobrariam pontos para indicarmos os números ir-
racionais. A localização de um número irracional na reta pode
ser feita por meio de uma representação decimal aproximada ou
por um processo geométrico, que permite a localização exata do
ponto."
Acima temos uma seqüência de frases mal escritas, com termos
em lugar errado, que, para o aluno, pode ser um complicador
para seu real entendimento de número.
-Exercício:
"Considerando um segmento de 2cm como unidade..."
duas unidades diferentes para um mesmo enunciado...

Outro autor tem um exercício semelhante:


"Desenhe uma reta e marque sobre ela um segmento
de 20cm. Chame as extremidades desse segmento de 1 e 2 (...)"
8. Sobre operações com reais:
A maioria aborda apenas cálculo com radicais.
Apenas um autor se preocupa em estimar o valor de
(122 +3) / 15
ou seja, em operar com os reais escritos na forma decimal.
Excluindo o capítulo inteiro de cálculo com radicais, o máximo
que fazem sobre operações com reais é mencionar que
"R é fechado para as operações de adição, subtração, multipli-
cação e divisão", e alguns até listam todas as propriedades usuais
destas operações, sem no entanto fazer um cálculo sequer mos-
trando a utilidade destas propriedades!!!
Um autor, sem explicar de onde sai a expansão decimal de √2 e
muito menos operar com tais números, pede num exercício para
o aluno decidir se 3√2 e (√30)/2 são ou não racionais...
Por que cálculo com radicais precisa ter um
tratamento tão distinto do que se faz com as
operações com reais em geral, expressos na
forma decimal (isto é, nada) ?
9. Dentro do capítulo "cálculo com radicais":

-Além de só listar as regras de operações com os mesmos,


sem prová-las, um autor lista uma de forma incompleta:
"Quando multiplicamos ou dividimos o índice e o expoente por
um mesmo número natural não-nulo, obtemos um radical equi-
valente ao primeiro".
Note que, com esta regra, o aluno fica legitimado a escrever
...
(o autor repete esta imprecisão nos exercícios...).
Por que "radicais equivalentes" e não "números reais iguais"?

-Primorosa proibição, sem explicar o por quê:


"Na adição e subtração só podemos escrever o resultado num só
radical se os termos forem semelhantes".
10. Sobre racionalização:
-Exercício: “Encontre a fração equivalente a √2/2.”
Outro análogo:
"Lembre-se que uma fração não se altera quando multi-
plicamos numerador e denominador pelo mesmo número
diferente de zero."
E o exemplo que ele dá é (1/(√3))=((1.√3)/(√3.√3))=...
-Uma questão discutível: um autor introduz racionalização, e de-
pois mostra uma figura onde um aluno comenta:
"Para este tipo de cálculo eu prefiro mesmo é usar a calculadora",
ao que o autor complementa, confirmando:
“Hoje em dia, com a presença das calculadoras, esta técnica não
tem tanto uso".
Em minha calculadora encontrei:
(1/(√2))=0,7071068 e ((√2)/2)=0,7071067.
11. Sobre o (mau) uso da calculadora:

- "Para converter uma fração em número decimal, basta


dividir o numerador pelo denominador. Usando a calcu-
ladora vamos encontrar a forma decimal das frações
9/2, 5/4, 6/8 e 9/8."
Este mesmo autor propõe adiante, no entanto, o seguinte Exercício:
"Utilize a calculadora para resolver 1/2, 1/3, 1/6"

-Exercício: “Determine por aproximações (até o centésimo) o


valor aproximado de √7. Depois, use a calculadora e confira
seus resultados.”
A calculadora não erra jamais!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!.
12. Sobre a não abordagem de aproximações:

Muitos autores descuidam do uso do símbolo "",


aparecendo situações como a seguinte: ao exemplificar um
cálculo com radicais semelhantes, o autor dá os exemplos:

"b) 5√9-2√(169)=5.3-2.13=15-26=-11

c) 4√(28)+3√(45)=4.(5,29)+3.(6,70)=21,16+20,10=41,26",

dando igual tratamento tantos aos valores exatos quanto aos


valores aproximados.
13. Frases imprecisas,
que só dificultam o entendimento por parte do aluno:

-Explicando a crise dos incomensuráveis, um autor men-


ciona:
“Os matemáticos verificaram que o lado de um quadrado e sua
diagonal não admitem uma unidade comum, ou seja, não existe
uma unidade de medida que caiba um número exato de vezes
no lado do quadrado e na sua diagonal.”
-"Podemos estabelecer uma correspondência entre os pontos de
uma reta e os números irracionais",
para, mais adiante, mencionar:
"A cada número real é possível fazer corresponder um ponto da
reta".
-Exercício: "Calcule o valor aproximado de cada raiz quadrada,
com uma casa decimal." de precisão, não?
14. Deveria ser evitado pelo professor,
que tem mais conhecimento de matemática do que o aluno
- frases do tipo
-"Irracional é o número que não pode ser escrito na forma de
fração."
-"Seja x=0,12342534... ."
-"Raiz quadrada de número negativo não existe."
-terminologias em excesso:
-"reta racional" - não se fala em "reta dos inteiros"...
Além disso, a uma reta não faltam pontos....
-"radicais equivalentes"-
por que não simplesmente Números reais iguais?
-"numerais decimais"
-Pior: "numerais com ordens decimais finitas“
E, se não pretende fazer maiores comentários:

-a soma dos infinitos termos de uma PG de razão menor do que 1.

-“Desafio:
Mostre que o número x=√(2+√(2+√(2+...))) é racional.”
(Quem garante ao aluno que isto é um número???)
PALESTRA 2:

1. Por que o "abismo" entre os PCN e


muitos livros didáticos?

2. O que deveria ser enfatizado/salientado?

3. Uma proposta para o curso de


Licenciatura.

4. A proposta implementada numa oitava


série.

5. Considerações finais.
1. Por que o "abismo" entre os PCN e muitos
livros didáticos?

É flagrante o desconforto com que ainda a grande maioria dos au-


tores dos livros didáticos falam sobre eles em seus trabalhos...

E por que isto está ocorrendo?


Por que é tão difícil alcançar-se tais objetivos num livro didático?
O que os cursos de Licenciatura têm feito, em termos
de formação de seus professores, em relação a este te-
ma - números irracionais - no sentido de esclarecer as
confusões que em geral existem sobre ele?

Curso de Análise na Reta ou similar, onde é feita a construção de


R via cortes de Dedekind ou via seqüências de Cauchy, deduzin –
do-se dessa estrutura as demais propriedades e muito pouco (ou
nada) é esclarecido sobre os conflitos normalmente existentes so-
bre este assunto, tais como
Se 2  1, 4142... e 3  1, 7321...,
então qual é a expansão decimal de 2 3?
2. O que deveria ser enfatizado/salientado?
Relembremos o que dizem os PCN (resumidamente):
"Resolver situações-problema envolvendo números naturais, inteiros, ra-
cionais e irracionais, ampliando e consolidando os significados da adição,
subtração, multiplicação, divisão, potenciação e radiciação";
"Ampliar e construir noções de medida (...), efetuar cálculos e aproximar
os resultados de acordo com o grau de precisão desejável".
"Ao longo do Ensino Fundamental o conhecimento sobre os números é cons-
truído e assimilado pelo aluno num processo em que tais números aparecem
como instrumento eficaz para resolver determinados problemas, e também co-
mo objeto de estudo em si mesmo, considerando-se, nesta dimensão, suas
propriedades, suas inter-relações e o modo como historicamente foram
constituídos".
"Na perspectiva de que o aluno amplie e aprofunde a noção de número, é
importante colocá-lo diante de situações em que os números racionais
são insuficientes para resolvê-las: tornando-se necessária a considera-
ção de outros números: os irracionais.
3. Uma proposta para o curso de Licenciatura.

No lugar de um Curso de Análise na Reta ou similar, no


qual é feita a construção de IR via cortes de Dedekind
ou via seqüências de Cauchy, deduzindo-se dessa estrutura as de-
mais propriedades e muito pouco (ou nada) é esclarecido sobre os
conflitos normalmente existentes sobre este assunto, tais como

Se 2  1, 4142... e 3  1, 7321...,
então qual é a expansão decimal de 2 3?
Propomos uma abordagem precisa matematicamente, mas mais
adaptada, na nossa opinião, ao conhecimento de um aluno de fi-
nal do Ensino Básico e de Ensino Médio.
Passamos a apresentar o que acreditamos deva ser
abordado com alunos da Licenciatura, e que con-
siste em uma abordagem precisa matematicamente,
mas mais adaptada, na nossa opinião, ao conheci-
mento de um aluno de final do Ensino Fundamental e de Ensino
Médio. O que segue está baseado em um texto escrito para o
terceiro grau – licenciatura :
Números Racionais, Reais e Complexos, C.C.Ripoll, J.B.Ripoll
e J.F.P.Silveira, Editora da UFRGS

O processo de completamento em nosso texto é motivado pelo


problema geométrico de
expressar a medida exata de qualquer segmento de reta,
coincidindo com a evolução histórica.
Neste sentido, o conceito de número irracional a que
Chegamos aproxima-se da definição (C) dada inicial-
mente:
(C) “Os números irracionais representam medidas de segmen-
segmentos incomensuráveis com a unidade”.
Crítica: Nenhum número negativo expressa uma medida de
comprimento.
(C') “Os números irracionais positivos representam medidas
de segmentos que são incomensuráveis com a unidade''.
É com esta idéia que vamos trabalhar: tentando expressar a
medida exata de um segmento de reta, vamos chegar à cons-
trução dos números irracionais positivos, coincidindo com a
evolução histórica. Note-se aqui a abstração matemática en-
volvida.
O processo de completamento baseia-se no fato geomé-
métrico, que todo aluno aceita, de que a reta é completa,
não lhe faltam pontos, enunciado como
Princípio dos segmentos evanescentes:
Se P1Q1, P2Q2, P3Q3,... é uma seqüência de segmentos evanescen-
tes da reta euclidiana, então existe um, e somente um ponto P co-
mum a todos os segmen-
tos desta seqüência.
Def: Uma seqüência (in-
finita) de segmentos
P1Q1, P2Q2, P3Q3,..., é
dita encaixante se para

cada n tivermos Pn+1Qn+1 PnQn.
Uma seqüência encaixante de segmentos P1Q1, P2Q2, P3Q3,...,é dita
evanescente se, dado qualquer segmento AB, sempre pudermos
encontrar um n tal que PnQn AB.

Com uma generalização de um instrumento muito familiar ao
aluno que é a régua escolar, construímos um instrumento ma-
temático - a régua decimal infinita - que vai nos permitir ex-
pressar a medida exata de qualquer segmento de reta.
A construção da régua decimal infinita.

• Consideremos uma reta (horizontal) r e fixemos sobre


r um segmento de reta  qualquer que não se reduz a um único
ponto. Este segmento passa a ser nossa unidade de medida.

• Seja O a extremidade esquerda de 


A construção desta régua é feita por etapas:
• Em uma primeira etapa marcamos uma série de pontos de r do
seguinte modo: o primeiro ponto é simplesmente o ponto extre-
mo direito de  . Denotamos este ponto por P(1). Para marcar –
mos o segundo ponto, tomamos um compasso com a abertura do
segmento  . A seguir colocamos a ponta seca do compasso em
P(1) e marcamos com a outra ponta do compasso um ponto de r
à direita de P(1). Denotamos este novo ponto por P(2). ....
Repetindo este processo indefinidamente, obtemos um con-
junto de infinitos pontos de r: P(1), P(2), P(3),..., P(n),...,
que constituem a rede de graduação unitária da régua de-
cimal infinita.
• Numa segunda etapa colocamos no compasso uma abertura i -
gual a um décimo do segmento unitário, e marcamos sucessiva-
mente, à direita de O, a rede de graduação decimal da régua de-
cimal infinita:
 1   2   3   10 
O, P  , P , P  ,...., P    P 1 ,
 10   10   10   10 
 11   12   13   20 
P , P , P  ,...., P    P  2 ,
 10   10   10   10 
 21   22   23   30 
P , P , P  ,...., P    P  3 ,
 10   10   10   10 
.....

ou, usando a representação decimal dos racionais:


O, P(0,1), P(0, 2), P(0,3),...., P(0,9), P(1, 0)  P(1),
P(1,1), P(1, 2), P(1,3),...., P(1,9), P(2, 0)  P(2),
P(2,1), P(2, 2), P(2,3),...., P(2,9), P(3, 0)  P(3),
....
• Numa terceira etapa, usamos o compasso com abertura igual a
um centésimo do segmento unitário, marcamos os pontos da rede
de graduação centesimal:

O, P (0, 01), P(0, 02), P(0, 03),...., P(1, 00)  P(1),


P(1, 01), P(1, 02), P(1, 03),....., P(2, 00)  P(2),.....

E assim por diante: para cada número natural n, construímos ou


marcamos os pontos da rede de graduação 1/10n da régua deci-
mal.
A etapa final consiste em considerar o conjunto de todos esses
pontos, ou equivalentemente, a união de todas essas redes, que
é chamada régua decimal infinita de unidade de medida  . Note
que este conjunto consta de todos os pontos à direita de O da for-
n
ma P(m /10 ) . Eles são denominados pontos graduados da reta.
A questão que se coloca aqui é a seguinte:

Será que, com esta régua, consegue-se expressar a


medida de qualquer segmento de reta?
Medindo segmentos de reta - parte 1
Sejam A,B pontos quaisquer à direita de O e distintos.

Com a ajuda do compasso, podemos


transladar AB de tal forma que uma
de suas extremidades coincida com
O e a outra (P) fique à direita de O.
Assim, |AB|=|OP|, e nosso problema se resume a expressar a
medida de um segmento da forma |OP| com P um ponto (não
graduado) da reta à direita de O.
- não temos problema nenhum em medir segmentos da forma |OP|
quando P é um ponto graduado da reta: quando P é um ponto gra-
duado da reta, a medida |OP| é da forma (m/(10ⁿ)), ou seja, uma
fração decimal.
-existem pontos não graduados da reta que originam
segmentos da forma OP para os quais também não te-
mos problema nenhum em expressar sua medida.
É o caso dos pontos que originam segmentos comensuráveis com
a unidade δ, isto é, para os quais existem naturais m,n não nulos
tais que m|OP|=nδ, quando então chegamos a |OP|=(n/m),
onde talvez esta não seja uma fração decimal mas certamente é
um número racional.
Mas neste ponto surge-nos outra questão (natural mas que repre-
senta toda a motivação para o que segue):
Será que os racionais positivos são suficientes para me-
dir qualquer segmento de reta? Ou seja: qualquer seg-
mento de reta da forma OP com P à direita de O é tal
que |OP| pode ser expressa por um número racional?
A resposta é não:
A insuficiência geométrica dos racionais:
A partir do segmen-
to unitário  cons-
truímos um quadra-
do no plano com la-
do  . A seguir, com um compasso, construímos, sobre a reta que
contém  , um segmento S que é congruente à diagonal deste
quadrado.
Por Pitágoras: | S | |  |  |  |  1  1  2
2 2 2
Daí, se o segmento S pudesse ser medido por um número
racional, concluiríamos que existe um racional cujo qua –
drado vale 2, absurdo, pela seguinte

Proposição: Não existe um número racional cujo quadrado vale 2.

Prova (por absurdo): se existe um racional x=a/b (com a,bN)


tal que x²=2, então
2=x²=a²/b²
E portanto 2b²=a².
Chegamos a um absurdo analisando a fatoração em primos de a² e
de 2b²:
a² envolve uma quantidade par de fatores primos, enquanto que
2b² envolve uma quantidade ímpar de fatores primos.
Conclusão:
Se queremos expressar a medida exata de qualquer segmento
de reta através de um número, somos forçados a expandir
nosso conjunto numérico.

Continundo com este novo objetivo, surge-nos a questão:

Ainda podemos aproveitar o que discutimos acima para se ex-


pressar a medida de qualquer segmento de reta?

A resposta é sim.
Medindo segmentos de reta - parte 2:

A idéia é desdobrarmos o processo de medição em uma seqüência


de etapas procurando, a cada etapa, obter uma medida aproximada
do segmento, nos aproximando o mais possível do ponto P por
pontos graduados de uma fixada rede de graduação.

E fazemos isto determinando pontos consecutivos desta rede que


cercam P:
* Numa primeira etapa, determinamos inteiros consecu-
tivos m e m+1 tais que P está entre P(m) e P(m+1), de
modo que OP(m)  OP  OP(m  1) . Daí:
- se P é um ponto da rede de graduação unitária (isto é, P=P(m)),
então o processo de medição está encerrado: |OP|=|OP(m)|=m.
- se P não for um ponto da rede de graduação unitária então
OP(m)  OP  OP(m  1), e neste caso m não pode ser toma-
do como a medida exata de OP, e então podemos apenas dizer
que m é uma medida aproximada do que imaginamos ser a me-
dida de OP, e com erro menor do que 1, já que, neste caso,
m=|OP(m)|
<|OP(m)|+|P(m)P|=|OP|
<|OP|+|PP(m+1)|=|OP(m+1)|=m+1, e portanto
m < |OP| < m+1.
Para obtermos uma melhor aproximação para a “medida de OP”,
recorremos à rede de graduação decimal:
* Numa segunda etapa, verificamos quantos segmentos
1
congruentes a  cabem, a partir de P(m), no segmen-
10
to OP (note aqui a semelhança com o processo prático
de medição utilizado na Escola com régua de graduação
finita). Seja a1 tal número. Note então que a1 {0,1,...9}, já que
P P(m)P(m+1) e P(m)P(m+1) é um segmento de medida
1=10/10.
a1
Então a1 é um dígito tal que P  P( m  ) ou P está entre P(m  a1 )
10 10
e P(m  a1  1 ) :
10 10
1
OP(m, a1 )  OP  OP(m, a1  )
10
Daí:
- Se P  P(m, a1 ) então o processo de medição está encerrado:
| OP || OP(m, a1 ) | m, a1
1
- Se P  P(m, a1 ) então OP(m, a1 )  OP  OP(m, a1  ),
10
e podemos no máximo dizer que m, a1 é uma aproxima-
ção da medida de OP com erro menor que 1/10, já
que, neste caso, m, a1 | OP(m, a1 ) || OP( m, a1 ) |  | P( m, a1 ) P |
1
| OP || OP |  | PP(m, a1  ) |
10
1 1
| OP(m, a1  ) | m, a1 
10 10
1
e portanto m, a1 | OP | m, a1 
10
- Para obtermos uma ainda melhor aproximação da medida de OP
no caso em que P não é um ponto gradudo, recorremos à rede de
graduação centesimal e repetimos o mesmo raciocínio, encontran-
do um dígito a2 que nos indica quantas vezes um segmento con –
1
gruente a  cabe em OP a partir de P(m, a1 ) ou seja, tal que
100
1
OP(m, a1a2 )  OP  OP(m, a1a2  )
100
Daí, se P é um ponto graduado....
Podemos repetir este processo quantas vezes necessário for.
Mas aí nos surge naturalmente a seguinte questão:
É verdade que sempre chegaremos, após um número
finito de repetições deste processo, digamos n, à con-
clusão que P  P(m, a1a2 ...an ) ?
Ora, já sabemos que a resposta à questão acima é negativa, pois
nem todo ponto da reta à direita de O é graduado.
O que acontece com o processo de medição do segmento OP se P
não é um ponto graduado da reta???
O máximo que conseguimos, até agora foi obter valores numéri-
cos aproximados para o que seria a medida de OP com erro arbi-
trariamente pequeno:
1
m, a1a2 ...an | OP | m, a1a2 ...an 
10n
No entanto, matematicamente falando, o número
m, a1a2 ...an jamais poderá ser tomado como a medida exata de
OP pois o erro cometido na aproximação da medida de OP ja-
mais será exatamente zero.

Já que nenhuma lista finita pode expressar a medida exata de OP


quando P não é um ponto graduado, passamos então a conside-
rar, como expressão exata desta medida, a lista COMPLETA,
portanto INFINITA, para representar a medida EXATA de OP,
e escrevemos
|OP|= m, a1a2 ...an ...
significando um processo de medição que não tem fim.
Resumindo tudo o que fizemos até agora:

Dado um segmento de reta AB, o processo de obtenção da


medida de AB via régua decimal infinita associa a AB:
- o número 0 se A=B,
- uma lista finita da forma m, a1a2 ...an com m  N e a1 , a2 ,...an
dígitos, no caso de AB ser concongruente a um segmento OP com
P um ponto graduado da reta e diferente de O,
- uma lista infinita da forma m, a1a2 ...an ... , com m  N e
a1 , a2 ,...an ... dígitos, no caso de AB ser concongruente a um seg-
mento OP com P um ponto não graduado da reta.

Antes de chamarmos tais listas de números, precisamos abordar


ainda várias questões, muitas delas relativas à “coerência”:
Questão 1: Já aprendemos a, dados quaisquer naturais
a e b com b  0 , construir um segmento OP tal que
a 1
| OP | : basta tomarmos OP  a(  ) .
b b

A questão que podemos nos colocar é:

Que lista obtemos ao aplicarmos o processo acima a este seg-


mento OP? O quê tal lista tem a ver com o número racional a/b?
Questão 2: (sobre o problema inverso) Suponha que a
lista obtida através do processo de medição de um seg-
mento via régua decimal infinita seja igual à lista que
representa a expansão decimal de um racional. Podemos então di-
zer que este racional é a medida deste segmento?
Questão 3: Será que qualquer lista m, a1a2 ...an ... representa sem-
pre a medida de algum segmento de reta? Em caso afirmativo, é
bem determinado este segmento?

(Aqui é que entra em jogo o Postulado dos segmentos evanescen-


tes.)
A resposta a esta questão é:
Todas as possíveis listas com exceção das listas periódi-
cas de período formado só por 9’s expressam a medida
de algum (e único!) segmento da forma OP.
Assim, se nosso problema é aumentar o conjunto numérico exclu-
sivamente para conseguirmos expressar a medida exata de qual –
quer segmento, vemos que não precisamos incluir as listas que
não são periódicas de período formado só por 9’s.
A situação acima é um tanto antipática: melhor seria se todas as
listas pudessem expressar uma quantidade numérica.
E o que é possível mostrar é que se quisermos dar um sentido nu-
mérico para listas periódicas de período formado só por 9's, um
bom candidato para a lista m,999... é o número m+1, e para a lista
m, a1a2 ...an 999... com an  9 é o número m, a1 , a2 ,...an1b, com
b  an  1 . Com isso estamos admitindo por exemplo 4,999...=5.
E, finalmente:
Questão 4: Não poderia uma situação análoga à que o –
corre com os racionais (a saber, existem frações distintas
representando a mesma quantidade e, portanto, determinando um
mesmo número racional), ocorrer com as listas acima definidas,
ou seja, não podem duas listas distintas estar representando uma
mesma medida?
Só depois de considerarmos todas as questões acima é que pode-
mos ampliar o conceito de número, considerando também como
números tais listas infinitas, criando assim os chamados reais ab-
solutos (que, depois passam a ser chamados de irracionais posi-
tivos). Estamos assim legitimando a definição (C’):
(C') “Os números irracionais positivos representam medidas
de segmentos que são incomensuráveis com a unidade''.
4. A proposta implementada numa oitava série.
(Implementada por Daiane Scopel Boff, em 2006, enquan-
enquanto aluna do Mestrado em Ensino de Matemática da
UFRGS)

Justificativa:
A construção via medição exata de segmentos de reta parte de uma
motivação que já faz parte da vida do aluno de Ensino Fundamen-
tal: medir segmentos de reta.
Além disso, utiliza-se de um instrumento com o qual um aluno de
qualquer nível da Escola Básica tem muita familiaridade: a régua
escolar.
Passo 1: Convencer os alunos da precariedade da régua
escolar para expressar a medida exata de qualquer seg-
mento.
Passo 2: Provar a insuficiência geométrica dos racionais
-lançando a questão:
Qualquer quantidade não inteira pode ser representada na
forma de fração? Ou seja, ao dividirmos um segmento em dois pe-
daços de quaisquer tamanhos (não necessariamente iguais), será
que cada pedaço sempre vai ter uma medida expressa na forma de
fração?
Os alunos achavam a princípio que sim...
-construção do quadrado unitário e estimativa para a sua diagonal
Com o auxílio de material concreto, os alunos convenceram-se de
que a diagonal tinha um comprimento maior do que 1 e menor do
que 2.
Depois de muito tentarem, surgiu a questão:
Como convencer-nos de que não existe uma fração
que represente a medida da diagonal de um qua-
drado unitário?
A prova por absurdo, nos moldes já apresentados antes.

Passo 3: Concluir sobre a necessidade de se criar novos números


para medir de maneira exata qualquer segmento de reta.

Passo 4: A construção (idealização) matemática de um instrumen-


to capaz de medir qualquer segmento: a régua decimal infinita.
(A cada nova graduação percebe-se que existem segmentos cuja
medida exata ainda não pode ser expressa por tal rede de gradua-
ção.
Haverá alguma graduação que será suficiente para expressar a
medida exata de qualquer segmento?
Passo 5: Discutir a questão:
Tendo agora a régua decimal infinita na mão, vamos
conseguir que a extremidade de qualquer segmento se
torne um ponto graduado?
Passo 6: Perceber que este instrumento vai nos permitir expressar
de maneira exata a medida de qualquer segmento de reta (e dessa
forma representar qualquer quantidade, inteira ou não inteira), mas
para tal precisaremos fazer uso de listas infinitas.

Passo 7: Reconhecer o significado numérico de uma lista.


Por exemplo, dizer que x=1,23456.... significa dizer que
x é uma quantidade tal que 1<x<2;
mais precisamente, 1,2 < x<1,3 ...
Passo 8: Encontrar a lista que afinal define a medida da
diagonal do quadrado de lado 1.
A diagonal de um quadrado de lado unitário não pode
ser expressa por uma fração; então, como será a lista
que produz esta medida?
Possibilidades descartadas: lista finita e lista infinita periódica,
pois estas podem ser geradas por frações.
Possibilidade aceita: lista infinita e não periódica.
=================================
É a partir do significado numérico e do controle do erro que
vamos aprender a operar com os números irracionais.
Estes seriam os próximos passos.
5. Considerações finais.

- Quando é que os alunos passam a não gostar de Matemática?


- Encontramos nos Parâmetros Curriculares Nacionais nossas
convicções sobre o ensino dos números irracionais e reais com-
templadas. No entanto:
-lá não é mencionada a continuidade topológica dos núme-
ros reais, que nos permite modelar e tratar fenômenos que em-
volvem grandezas contínuas, como muito ocorre na Física.
-em nenhum momento foi feita qualquer alusão à dificulda-
de de se operar com números irracionais. (Esta falta de menção,
principalmente sobre as operações envolvendo irracionais, faz,
a meu ver, com que se pense ainda em abordar “cálculo com
radicais”).
-Para quê precisamos saber se um número é ou não irra-
cional ainda na escola básica, se afinal ao operarmos com
eles em geral utilizamos aproximações racionais (trunca-
mentos da expansão decimal do número?)

Em primeiro lugar, não é de se esperar que o círculo seja aborda-


do apenas no EM só porque envolve um número irracional;
ainda. a continuidade topológica já é explorada logo no início
do EM pela Física, e, pela Matemática, com o estudo das funções
reais de variável real.
-também não é de se esperar que, “da noite para o dia” o aluno
vá se habituar ao pensamento abstrato (requisitado nos PCN:
"Ao longo do Ensino Fundamental o conhecimento sobre os números é cons-
truído e assimilado pelo aluno num processo em que tais números aparecem co-
mo instrumento eficaz para resolver determinados problemas, e também como
objeto de estudo em si mesmo,(...)
O que poderia ser tratado no Ensino Médio, ao se
retomar conjuntos numéricos, com relação ao apro-
fundamento sugerido nos PCN?
Algumas sugestões:
i) a diferença entre os conjuntos Z e Q :discreto×denso
ii) com relação aos racionais:
- mostrar que período 9 nunca ocorre quando tentamos
encontrar a expansão decimal de uma fração (o que gera
conflito com a regra de recuperação da fração geratriz) e
a discussão (com demonstração verdadeira) de tal regra;
- discussão da questão: afinal: 0,999... é ou não igual a 1?;
iii) as dízimas periódicas ajudam a avaliar tecnicamente uma cal-
culadora
iv) introdução histórica sobre grandezas incomensuráveis (moti-
vando assim os irracionais)
v) quanto aos irracionais:
- abordar o erro,
- as limitações de uma calculadora (Pode uma
calculadora decidir por nós se um número é
ou não irracional?
- os arredondamentos de uma calculadora)

Bibliografia:

*Ripoll, J.B. - Ripoll, C.C. - Silveira, J.F.P. Números Racionais,


Reais e Complexos, Editora da UFRGS, 2006.
*Boff, Daiane Scopel. A Construção dos Números Reais na Es-
cola Básica, Dissertação de Mestrado do Pós-Graduação
em Ensino de Matemática, UFRGS, 2007
(a ser disponibilizada em www.mat.ufrgs.br/~ppgem)

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