editorial
METADE CARA, METADEE MÁSCARA
ELIANE POTIGUARA
METADE CARA,
METADE MÁSCARA
ELIANE POTIGUARA
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Impresso no Brasil.
ISBN 978-85-64045-08-8
17-09926 CDD-306.089981
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(12) 3301-2190
Pablo Neruda
Daniel Munduruku 1
Houve um tempo em que pertencer a um povo indígena era quase uma maldição.
Falava-se desses povos como atrasados, selvagens, inoportunos para o
progresso, sem razões e sem convicções. Havia quem falasse que
desapareceriam à mercê do capitalismo selvagem, já que não teriam como resistir
ao impacto da “civilização”. Havia, porém, quem ousasse defendê-los, encorajá-
los, informá-los sobre seu real papel dentro da sociedade envolvente. Esses
amigos acreditaram na verdade desses povos, acreditaram em sua índole,
acreditaram no seu futuro.
Daqueles primeiros líderes muito se viu e ouviu, mas pouco se leu. O povo
brasileiro viu o trabalho deles e ouviu suas palavras;
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viu o seu sangue escorrer pela covardia das emboscadas armadas daqueles que
eram atingidos pelas balas de suas palavras; viu suas danças embaladas pelas
denúncias de desrespeito; ouviu suas músicas, lamentos de resistências; viu
gestos, atitudes, dignidades, verdades; ouviu murmúrios, queixas, lamentos,
choros e rituais de quem briga para sobreviver.
Agora é hora de ler as palavras que foram ditas ao papel. Palavras que chocarão,
trarão vertigens, denúncias, tristezas, verdades, realidades. Realidades sombrias,
frágeis, únicas. Realidades marcadas pela dor, pela alegria, pela esperança, pelo
sucesso. Realidades ditas pela poesia, pela prosa, por números, por nomes.
Realidades mostradas com as singularidades das visões indígenas.
Esta obra foi criada para dar a possibilidade de externalizar o olhar indígena sobre
si mesmo, sobre os “outros” das ciências e sobre a sociedade brasileira. Fazendo
isso, acreditamos, estaremos “deixando que o Outro seja”.
p.10
Graça Graúna 2
................
Por volta de 1979, o cacique Faustino dissera que o sinal cor de jenipapo
que Eliane Potiguara traz no lado direito do rosto (de nascença) representa uma
marca de ancestralidade. Essa cosmovisão fortalece o vínculo que os filhos da
terra mantêm com as leis que regem a natureza, sem desprender-se da realidade
que os cerca. Essa vivência-vidência vai ao encontro da luta que a escritora
Potiguara abraça em defesa da propriedade intelectual indígena; uma luta que ela
também compartilha pelos caminhos da internet, com escritores(as) indígenas e
afrodescendentes. Seu objetivo é “difundir e debater a tradicionalidade do
discurso oral e escrito das histórias, contos, filosofias e direitos em toda a sua
plenitude, enfim, a literatura indígena como um importante pensamento brasileiro”.
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p.14
Nosso ancestral dizia: temos vida longa Mas caio da vida e da morte
[...]
Eu viverei 200, 500 ou 700 anos
E contarei minhas dores para ti
Oh! Identidade.
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divididos
Radicalmente
Entre milhares de aldeados e “desplazados”
Como nós.
p.17
Ela representa o início da solidão das mulheres motivada pela violência e pelo
racismo.
P.19
P.21
P.23
P.23
migrante do nordeste brasileiro, uma das áreas mais pobres do país. Nas
cidades de Santa Maria, Bagé, Santo Angelo e cidadelas próximas à fronteira do
Uruguai, em 1978, pôde conhecer as mulheres indígenas que testemunhavam em
suas peles e rugas o sofrimento que causava a violação dos direitos dos povos
indígenas. Ali começou a segunda etapa de seu diálogo com as mulheres
indígenas. Pensava, já naquela época, na organização e na articulação das
mulheres indígenas. Há quase quatro décadas!
P.24
SIMILARIDADES DE HISTÓRIAS
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P.26
P.27
P.28
BRASIL
E minha história
E meus segredos?
E meus espíritos
E meu Toré
E meu sagrado
E meus“cabocos”
E minha Terra?
E meu sangue
Eu sou história
Eu sou cunhã
Barriga brasileira
Ventre sagrado
Povo brasileiro.
INVASÃO
E a fé é encontrá-la.
Rogai por nós, meu Pai-Xamã
Pra que o espírito ruim da mata
.................
4Nnhendiru: Deus
5 Mintã: criança
FIM DE MINHA ALDEIA
MIGRAÇÃO INDÍGENA
Entristecidas
P.34
Fria
Sem amor e sem ninguém.
Vai-se a graúna negra do meu cais
ORFÃ
P.35
Ao sabor do ácool
Se cala
E umedece de vez
E te deserma
É uma criança faminta
Doente
Órfã de pais
Órfã de pais
CONCIÊNCIA TIKUNA
Avenidas, matas
Florestas e espaço...
Procurando a verdade.
TAMOIOS E TUKANOS
E te cortarem as orelhas
Não precisam de mais nada...
BICHO-MARIONETE?
Pra agradar o poder, esconder o grito
Pra servir de história social...
Eles criticam
Por nos encontrar nas estradas
Alegrem-se
Por não nos encontrar ainda nos hospícios!...
P.37
Eu mesma
Fugia de mim na outra margem...
Quebrou-se um destino
Fora de combate
P.39
2 A ANGÚSTIA E DESESPERO PELA A PERDA DAS TERRAS E PELA A
AMEAÇA Á CULTURA E AS TRADIÇÕES
P.41
Por todas essas razões, há muitas décadas, muitas lideranças têm sido
sacrificadas por lutar por seus direitos. Os casos mais polêmicos referem-se ao
assassinato de Marçal Tupã-y, em 1983; ao caso dos 14 índios Tikuna
assassinados, em 1988; ao caso do assassinato dos 16 índios Yanomami, em
1993 e ao caso do índio Galdino, do povo Pataxó, queimado em Brasília, um
exemplo clássico de racismo urbano e violento, em 1997. Todos esses casos
continuam impunes. Ainda existem outras centenas de casos anônimos,
indefinidos, e outros abafados de indígenas que lutam pelos seus direitos, por
temerem represálias ou por estarem abalados moral e psicologicamente.
P.42
Quando o branco chegou nas nossas terras, índio pensava que branco era
do lado de Deus, índio pensava que Deus tinha vindo visitar. De fato, branco tem
tudo e índio não tem nada: branco tem arame farpado, nós não temos; branco
tem livro, nós não temos; branco tem machado de ferro, nós não temos; branco
tem carro, nós não temos; branco tem avião, nós não temos [...] Mas o branco
veio e roubou as nossas terras; e o índio não podia mais caçar. Falou que as
terras boas eram dele, falou que os peixes dos rios e dos lagos eram dele. Depois
trouxe doenças. E depois se aproveitou de nossas mulheres [grifo nosso]. E o
índio se revoltou. Então o branco matou os nossos avós, matou-os, massacrou-os
muito,
P.43
e o índio fugia tão rápido como a coisa mais rápida. Então o índio entendeu que o
Deus do branco era ruim.
Exemplos como esse mostram que povos indígenas são colonizados, mas, na
realidade, não aceitam integralmente os valores impostos por terceiros. Povos
indígenas, na realidade, e até muitas vezes precariamente, dependendo da região
e dos níveis de integração, continuam mantendo e exercendo sua espiritualidade
e suas raízes cosmológicas, rendendo homenagens aos seus ancestrais e aos
símbolos tradicionais da natureza.
P.44
P.45
Eu reclamo...
Eu falo...
Eu denuncio!...
P.47
P.48
P.49
CAPACITAÇÃO
P.50
P.51
VIOLÊNCIA
P.52
P.53
CONCLUSÃO
Em resumo, o governo deve reconhecer, na prática, isto é, por meio das ações
afirmativas, o fator pluricultural e diferenciado dos povos indígenas, incluindo os
direitos relativos a gênero, direitos sexuais e reprodutivos das mulheres
indígenas, como foi discutido na Conferência Mundial sobre População (Cairo,
1994) e na Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial,
Xenofobia e Intolerâncias Correlatas, ocorrida em Durban (África do Sul), em
2001, ambas realizadas pela ONU. As terras indígenas devem ser definitivamente
demarcadas como garantia da integridade física, social, cultural, econômica e
psicológica dos povos indígenas e, em particular, das mulheres — velhas, viúvas
e mães solteiras. Os invasores devem ser definitivamente retirados para garantir a
sobrevivência e a segurança das mulheres, das crianças e dos mais velhos.
P.54
DIZIAM OS OBJETIVOS
PROJETO ATUAL
P.55
PROJETOS JÁ DESENVOLVIDOS
3. Boletins Informativos.
P.56
Vamos ousar dizer que não haverá defesa do meio ambiente se inicialmente
não se reconhecerem os direitos indígenas. O meio ambiente, o território, o
planeta Terra estão intrinsecamente ligados ao ventre da mulher indígena, da
mulher selvagem nos dois sentidos (primeira cidadã do mundo e intuitiva) e,
por isso, não haverá defesa ambiental se não se destacar a influência e o
conhecimento milenar da mulher, do ser que habita esse meio ambiente. Isso
é um testemunho para a sociedade e para a formação da cidadania brasileira.
p.57
Nos tempos atuais, é hora do desafio. Extirpar o monstro que nos mata
dia a dia é dura tarefa. Primeiro se sofre calado. Há os que se acostumam com
a dor, a opressão e a repressão social e política, desembocando no
desequilíbrio ou na loucura. Mas há os que clamam, depois de invernos. Há os
que berram! Nesse momento, abre-se uma porta. A mudança dentro de nós só
se dá quando identificamos o inimigo interno (às vezes o inimigo somos nós
mesmos) e o rejeitamos, seja da maneira que for. Então, podemos parecer
loucos, mas, no ato de “vomitar”, é que está a transformação do espírito para o
novo homem, para a nova mulher! Sofremos e não estamos aqui para sofrer.
O Criador oferece grandes dádivas de vida para seu filho, senão ele não
criaria tantas belezas, tantos mares, tantas planícies, céus, montanhas,
pássaros, seres humanos, ad infinitum...
p.59
E esse único ato de criação é o suficiente para alimentar um oceano,
assim como o leite doce e materno de uma jovem mãe é o suficiente para
trazer de volta um ser nascido prematuramente. No ato da criação se dá a
purificação do espírito, da anima, da alma e, consequentemente, a purificação
do corpo e a extirpação de velhos tumores, velhos fantasmas... O termo
“purificação” não está ligado a facções religiosas ou conotações cristãs. O
termo refere-se ao ser primeiro, ao ser sutil, à compreensão simples de que a
vida precisa ser vivida com amor e dignidade, e que o amor, a compreensão, o
diálogo e cooperação são os alicerces para o novo homem, a nova mulher.
p.60
IDENTIDADE PERDIDA
Desprendida.
Há flor nesta vida
Há vida nesta vida
De guerreiro desprendido.
A vida e a alegria
A ida que não devia.
p.61
Tão guerreiro
Desprendido.
Banha o suor do mundo
Com tua luta
Junta líquidos, faz crescer
Nossa gente pobre
Às vezes
Me olho no espelho
E me vejo tão distante
Tão fora de contexto!
Parece que não sou daqui
Parece que não sou desse tempo.
PANKARARU
ESSÊNCIA INDÍGENA
Um dia
Esse corpo vai apodrecer
Neste século já não teremos mais os sexos. Porque ser mãe neste século de
morte
Eu repito
Que neste século não teremos mais os sexos Tampouco me importa que
entendam
Basta um só mandante.
P.63
SEPÉ TIRAJU
Eu sou rebelde
E faço questão de o ser.
Tenho fome, tenho ódio
UNI-ÃO
NA TRILHA DA MATA
Não me importo
Se o que escrevo
São ilusões
Não me importo
Se o que escrevo
As ervas daninhas.
Onde estavas identidade adormecida?
Ao pé da porta?
Quem tu és identidade?
DESILUSÃO