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09/03/2020 Direito e moral: as principais distinções - Âmbito Jurídico

    

Direito e moral: as principais distinções


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01/03/2014

Resumo: O presente artigo tem como finalidade, demonstrar alguns aspectos e distinções entre o
Direito e a Moral, uma das discussões doutrinarias mais complexa, mas não menos debatida. Tal
problemática se estende desde os primórdios até os dias atuais, nunca tendo sido deixada de lado por
parte da Doutrina e dos próprios operários do Direito. A discussão sobre este tema se estende até
então pela dificuldade de se distinguir Direito e Moral, pois em muitos pontos eles se convergem.
Mas apesar de pontos convergentes, num estudo breve e sistemático, vão ser oferecidos elementos
necessários para que não os confundamos, sendo este o objetivo desse artigo.

Sumário: Introdução. 1. Breve Histórico; 2. a Teoria do Mínimo Ético; 3. Do cumprimento das


regras sociais: Direito e Moral; 4. Direito e heteronomia x Moral e autonomia; 5. Bilateralidade
atributiva; Conclusão; Referências bibliográficas.

INTRODUÇÃO

O Direito e a Moral são regras sociais que regulam o comportamento do Homem em sociedade,
definindo um conceito de comportamento que é certo e o que não se enquadra neste comportamento é
tido como errado. Se observarmos os fatos que acontecem na sociedade, desde os primórdios, é
possível enxergarmos que existem regras sociais que se cumprem de maneira espontânea, como por
exemplo, ser bom e honesto. Tais comportamentos são cumpridos sem a necessidade de ninguém nos
forçar para agir dessa maneira, é o mundo de conduta espontânea, onde estas regras sociais são
cumpridas, muitas das vezes, sem nem percebermos, este é o campo de atribuição da moral. Já por
outro lado existem regras sociais que o homem em sociedade só cumpre de forma obrigatória ou
forçada, este é o campo de atribuição do Direito, regra social que tem como sua essência a
coercibilidade, visando regular o homem em sociedade de forma jurídica tendo a figura do Estado
como regulador dessas regras de organização, onde não sendo cumpridas tais regras, o homem será
forçado a cumpri-las e se enquadrar nesses ditames. Essa é só uma das diferenças entre o Direito e a
Moral, no qual, algumas das outras serão abordadas neste artigo.

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1. BREVE HISTÓRICO

Antes de buscar o entendimento sobre o Direito e a Moral, apresentando suas principais


convergências e diferenças, se faz necessário uma pequena explanação do surgimento desse problema
tão discutido pela Doutrina até hoje.

Este problema se apresenta deste a mais remota sociedade, quando deste então houve a separação
entre o Direito e a Moral, não se confundindo um com o outro apesar de alguns pontos semelhantes.
Surgiu desde os pré-socráticos até os estóicos, sendo também discutido por grandes filósofos como
Platão e Aristóteles, mas tal discussão ganhou caráter de importância na época moderna, basicamente
depois dos conflitos surgidos entre a Igreja Católica e os protestantes, que eclodiram nesta época.

A Reforma Luterana trouxe consigo o surgimento de lutas violentíssimas não só na Europa, onde esta
teve sua origem, mas também no Continente Americano, causando mortes e destruição no mundo
todo. O problema ganhou esta proporção, pois os protestantes passaram a conflitar-se não somente
com a Igreja Católica, mas entre eles mesmos, surgindo desta feita, várias correntes protestantes. E
desta maneira, cada Chefe de Estado passou a intervir na vida das pessoas, interferindo nas
convicções religiosas, evidentemente querendo que estes fossem da religião em que eles defendiam,
ou seja, quando o Chefe de Estado fosse membro da Igreja Católica queria que seus súditos fizessem
parte dessa religião, assim como ocorria nos casos dos Protestantes.

Foi neste momento, em que o problema, ganhou um olhar mais significativo, pois como os Chefes de
Estado passaram a intervir na vida pessoal dos seus súditos, houve a necessidade de se delimitar até
que ponto o poder público poderia fazer essa intervenção, o que só era possível, voltando ao ponto de
discussão do que era Direito e Moral, distinguindo assim o mundo jurídico e o mundo
religioso/moral.

Grandes nomes dessa problemática foram o Jurista alemão Thomasius e o Wilhelm Leibniz, que
deram atenção especial para tal problema, que procuraram, desde logo e de forma urgente, fazer uma
diferenciação prática do que seria Direito e o que seria Moral, de maneira a defender a liberdade de
pensamento, consciência e claro religiosa, pois este foi o principal ponto de eclosão dessa discussão,
já que a sociedade nesta época tinha seu comportamento ditado pela Religião. O doutrinador
Thomasius, tratou de forma prática e delimitou o Direito e a Moral, um denominador de “foro
externo” e “foro íntimo”. É o que observa Miguel Reale (P.54).

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“O Direito, dizia ele, só deve cuidar da ação humana depois de exteriorizada; a Moral, ao contrário,
diz respeito àquilo que se processa no plano da consciência. Enquanto uma ação se desenrola no foro
intimo, ninguém pode interferir e obrigar a fazer ou deixar de fazer. O Direito, por conseguinte, rege
as ações exteriores do homem, ao passo que as ações íntimas pertencem ao domínio especial da
Moral. A moral e o Direito ficavam assim totalmente separados, sem possibilidade de invasão
recíproca nos seus campos, de maneira que a liberdade de pensamento e de consciência recebia,
através de doutrina engenhosa, uma tutela necessária.”

Desta forma, Thomasius entendia que como o Direito, denominado por ele como foro externo, só
cuidava das ações que o homem em sociedade exteriorizava o Poder Público só poderia intervir
naquilo que se projetava no mundo exterior. Sendo assim, para ele, o homem não poderia ser
obrigado pelo Chefe de Estado, a ser Católico ou Protestante, já que essa escolha é interna, pessoal,
intima. Mas ressaltou que se essa escolha causar dano a outrem, aí sim poderia ser coagido, não pelo
fato de estar exteriorizando e sim por ter causado um dano.

A doutrina denominou esse conceito como “exterioridade do Direito”, e vale ressaltar que este
conceito só se aplica ao homem em sociedade, já que o Direito nunca cuida do homem isolado.

No mundo moderno, outros doutrinadores trataram do assunto, como por exemplo, o pensador
Grócio, grande nome do Direito Internacional. Já no mundo contemporâneo, basicamente nas ultimas
décadas do século XIX, é que o assunto voltou a adquirir importância, principalmente com o
doutrinador Rudolf Stammler.

2. A TEORIA DO MÍNIMO ÉTICO

A teoria do mínimo ético tem como grande representante o filósofo inglês Jeremias Bentham, sendo
em sequência desenvolvida e discutida por outros doutrinadores, no qual destacamos o Alemão
Jellink.

Direito e Moral, em alguns pontos se convergem, e a teoria do mínimo ético explicita tal
convergência, também denominada como “teoria dos círculos concêntricos”, onde o círculo maior
seria o da Moral, e o círculo menor o do Direito. Desta forma, existem pontos iguais entre Direito e
Moral, já que esta seria mais ampla do que aquele. Foi dessa teoria que surgiu a explanação “tudo o
que é jurídico é moral, mas nem tudo o que é moral é jurídico”, tão usada pelos estudantes do Direito,
iniciantes da graduação. Ao lermos essa explanação concluímos que o campo moral é mais amplo que
o campo jurídico. Sobre a teoria do mínimo ético enfatiza Reale (p. 42):

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“A teoria do mínimo ético, consiste em dizer que o Direito representa apenas o mínimo de Moral
declarado obrigatório para que a sociedade possa sobrevier. Como nem todos podem ou querem
realizar de maneira espontânea, mas como as violações são inevitáveis, é indispensável que se
impeça, com mais vigor e rigor, a transgressão dos dispositivos que a comunidade considerar
indispensável à paz social.”

Sobre essa teoria, os Doutrinadores destacam que fora do campo da Moral existe o “imoral” que é o
confronto direito a tudo aquilo que é Moral. Mas fora isso existe o ato que é apenas “amoral”, ou seja,
apenas indiferente a Moral, mas não sendo imoral. Sobre isso observa novamente Reale (p. 42 e 43):

“Uma regra de trânsito, como, por exemplo, aquela que exige que os veículos obedeçam à mão
direita, é uma norma jurídica. Se amanhã, o legislador, obedecendo a imperativos técnicos, optar pela
mão esquerda, poderá essa decisão influir no campo moral? Evidentemente que não. […] Além disso,
existem atos juridicamente lícitos que não são moral. Lembre-se o exemplo de uma sociedade
comercial de dois sócios, na qual um deles se dedica, de corpo e alma, aos objetivos da empresa,
enquanto que o outro repousa no trabalho alheio, prestando, de longe em longe, um rala colaboração
para fazer jus aos lucros sociais. Se o contrato estabelecesse para cada sócio uma compensação igual,
ambos receberão o mesmo quinhão. E eu pergunto; é moral?”

Observa-se que existe um campo da moral que não se confunde com o campo do Direito. Sendo
assim, há uma distinção entre o campo jurídico que, não é imoral e sim amoral. E a teoria do mínimo
ético apresenta os círculos concêntricos , numa visão ideal e também os círculos secantes numa visão
real entre Direito e Moral.

3. DO CUMPRIMENTO DAS REGRAS SOCIAIS: DIREITO E MORAL

Já foi mencionado que a Moral é um campo mais amplo do que o campo do Direito, bem como este
se cumpre de forma coercitiva enquanto aquele de forma espontânea. Desta forma, as regras morais
são cumpridas naturalmente sem a presença de qualquer forma coercitiva para tanto, muitas das vezes
cumpridas inconscientemente pelo homem já que encontram na própria razão de existir do individuo,
é impossível existir ato moral cumprido de força forçada ou por interferência de um terceiro. Sobre
isso aborda Reale (p.44 e 46)

“A Moral, para realizar-se autenticamente, deve contar com a adesão dos obrigados. Quem pratica um
ato, consciente da sua moralidade, já aderiu ao mandamento a que obedece. Se respeito meu pai,
pratico um ato na plena convicção da sua intrínseca valia, coincidindo o ditame de minha consciência

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com o conteúdo da regra moral. […] A moral é incompatível com a violência, com a força, ou seja,
com a coação, mesmo quando a força se manifesta juridicamente organizada.”

Observa-se que a moral é cumprida de forma incoercível. Diferentemente com que ocorre com o
Direito, este é coercível, o que distingue Direito e Moral, neste caso é a coercibilidade, ou seja, a
relação entre Direito e a força. A doutrina diverge sobre a relação entre Direito e força, há partes dela
que defendem a tese que Direito e força não tem nada a ver e outra parte defende o contrário, dentre
defensores desse posicionamento podemos citar o Jhering que dizia que o Direito se resume a “norma
mais coação”; Tobias Barreto, que define Direito como “a organização da força” e também pelo
renomado Hans Kelsen, que defende essa posição. Para essa parte da Doutrina, para o Direito atingir
a finalidade de regular o homem em sociedade, só é possível através da força do Estado. Sobre a
teoria da coação observa Reale (p.48):

“Por outro lado, a coação já é em si mesma, um conceito jurídico, dando-se a interferência da força
em virtude da norma que a prevê, a qual, por sua vez, pressupõe outra manifestação de força, e, por
conseguinte, outra norma superior, e assim, sucessivamente até se chegar a uma norma pura ou à pura
coação.”

A grande crítica a essa teoria é possível o cumprimento do Direito de forma espontânea, sem a
necessidade da utilização da força. Sendo essa utilizada somente para a garantia da execução da
norma, ou seja, não é efetiva e sim potencial.

4. DIREITO E HETERENOMIA X MORAL E AUTONOMIA

O Direito tem suas normas oriundas do Legislador, pelos juízes, pelos usos e costumes, sempre
impostas por terceiros, ou seja, são normas objetivas que nos são impostas independentemente de
nossa opinião, tendo seu cumprimento feito de forma coercitiva. Já a moral, é o contrário, são normas
cumpridas de forma voluntária, o que afasta o caráter coercitivel que tem o Direito. É o que observa
Reale (p. 47)

“Essa validade objetiva e transpessoal das normas jurídicas, as quais se põem, por assim dizer, acima
das pretensões dos sujeitos de uma relação, superando-as na estrutura de um querer irredutível ao
querer dos destinatário, e o que se denomina heteronomia. Foi Kant o primeiro pensador a trazer à luz
essa nota diferenciadora afirmando ser a Moral autônoma e o Direito heterônomo […] Há no Direito,
um caráter de “alheidade” do individuo, com relação a regra. Dizemos, então, que o Direito é
heterônomo, visto ser posto por terceiros aquilo que juridicamente somos obrigados a cumprir.”

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Este é outro ponto de diferença entre Direito e Moral, sendo o primeiro cumprido, muita das vezes de
forma coercitiva e o segundo de forma voluntária. Há também a diferença entre a heteronomia e a
autonomia, pois o as normas do Direito nos são impostas sem que pudéssemos questioná-las sendo no
caso de não cumprimento de tais regras somos coagidos ao seu cumprimento, diferentemente da
Moral que é cumprida de forma espontânea.

5. BILATERALIDADE ATRIBUTIVA

Como já foi explanada, a teoria da coação sofreu várias críticas por entender que a força é elemento
essencial do Direito, posicionamento este defendido pelos pensadores influenciados pela Escola
Positivista. Só que, com o passar dos tempos, esse posicionamento defendido pela teoria da coação
foi sendo ultrapassado, pois a Doutrina passou a entender que a força não é elemento essencial do
Direito e sim potencial, ou seja, entenderam que no Direito há a possibilidade de coação, sendo este
apenas um elemento garantidor para o cumprimento da norma. Nota-se que apesar das divergências, a
coercibilidade ainda estar presente.

Surgiu então a teoria da bilateralidade atributiva, defendida por jusfilósofos contemporâneos, definida
por Reale como: (p.51):

“Bilateralidade atributiva é, pois, uma proporção intersubjetiva em função da qual os sujeitos de uma
relação ficam autorizados a pretender, exigir, ou a fazer, garantidamente algo. Esse conceito
desdobra-se nos seguintes elementos complementares:

a) Sem relação que uma duas ou mais pessoas não há Direito (bilateralidade em sentido social, como
intersubjetividade)

b) Para que haja Direito é indispensável que a relação entre os sujeitos seja objetiva, isto é,
insuscetível de ser reduzida, unilateralmente, a qualquer dos sujeitos da relação (bilateralidade em
sentido axiológico)

c) Da proporção estabelecida deve resultar a atribuição garantida de uma pretensão ou ação, que
podem se limitar aos sujeitos da relação ou estender-se a terceiros (atributividade)”

A bilateralidade atributiva é um conceito muito mais utilizado para se definir o que venha ser o
Direito, do que para distingui-lo da Moral. Muito embora , os elementos apresentados por essa teoria
sirvam também para fazer essa distinção.
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CONCLUSÃO

A discussão entre Direito e Moral, é um tema que se estende desde os primórdios até os dias atuais,
embora com o passar do tempo tal tema começou a ser pacificado, ainda existem ponto de
divergências doutrinarias sobre a função do Direito e da Moral. O que é certo, é que se tanto Direito
quanto a Moral, conseguirem caminhar lado a lado, sendo um auxiliando o outro, quem ganha é a
sociedade que passará ter um mundo mais justo e moral, onde as diferenças serão menores, e, por
conseguinte, a procura pelo Poder Judiciário, visando à solução de conflitos será menor. Desta forma,
o interessante seria buscar um equilíbrio entre Direito e Moral.

Referências
REALE, Miguel. Lições preliminares de Direito. 29° edição, ajustada ao novo Código Civil, 6°
Tiragem
CARNELUTTI, Francesco. Teoria Geral do Direito. 2° impressão, São Paulo, Editora Lejus. 2000
CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 21. Ed. São Paulo: Editora Atlas,
2012.
MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de Direito Processual Civil. 8. Ed, São Paulo: Editora
Atlas, 2012.
DINIZ, Maria Helena. Código Civil anotado. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
GUIMARÃES, Deocleciano Torrieri. Dicionário técnico jurídico. 12 ed. São Paulo: Rideel, 2009.
VADE MECUM COMPACTO. 6.ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

Informações Sobre o Autor

Raydenwerbet Nonato Ferreira Sá

Bacharel em Direito pela Faculdade do Maranhão. Pós graduando em Direito Civil e Processo Civil
pela Universidade UNICEUMA

Filosofia Revista 122

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