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Volume II
João Pessoa
Instituto de Pesquisa e Extensão Perspectivas e Desafios de Humanização do Direito Civil-
Constitucional – IDCC
2017
Comissão Editorial
Adriano Marteleto Godinho Gabriel Honorato de Carvalho
Ana Paula Correia de Albuquerque da Costa Jailton Macana de Araújo
Cinthia Caroline L. do Nascimento Juliana Fernandes Moreira
Filipe Lins dos Santos Maria Cristina Paiva Santiago
Conselho Cientifico
Adriano Marteleto Godinho Marcos Augusto de Albuquerque Ehrhardt Junior
Ana Paula Correia de Albuquerque da Costa Maria Luiza Pereira de Alencar Mayer Feitosa
Heloisa Helena Pinho Veloso Robson Antão de Medeiros
Henrique Ribeiro Cardoso Rodrigo Azevedo Toscano de Brito
Larissa Maria de Moraes Leal Wladimir Alcibiades Marinho Falcao Cunha
Catalogação na publicação
Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Jurídicas da UFPB
Bibliotecária Vânia Maria Ramos da Silva - CRB 15/0243
CDU – 347
SUMARIO
APRESENTAÇÃO................................................................................................................. 1
I
A RESPONSABILIDADE CIVIL DO MÉDICO NA CIRURGIA PLÁSTICA .............. 169
II
APRESENTAÇÃO
É com imensa alegria e satisfação que anunciamos a publicação de mais uma obra que nasce
da inquietude de seus idealizadores. Trata-se de um compêndio das pesquisas discutidas por ocasião
do evento intitulado “III Seminário de Humanização do Direito Civil-Constitucional:
hipervulnerabilidade, saúde e humanização do Direito Civil-Constitucional”, realizado no Centro de
Ciências Jurídicas da UFPB, em João Pessoa-PB, no período de 02 a 04 de março de 2016.
Este volume condensa os trabalhos que foram avaliados e organizados em grupos temáticos
pelos professores Maria Luíza Pereira Alencar Mayer Feitosa (UFPB); Marcos Ehrhardt Jr (UFAL) e
Maria Cristina Paiva Santiago (UNIPÊ). A obra, intitulada “Temas de Direito Civil-Constitucional:
da constitucionalização à humanização – Volume II”, resulta das reflexões, debates e pesquisas
apresentadas no Seminário do grupo de pesquisa Perspectivas e Desafios de Humanização do Direito
Civil-Constitucional, sediado pela UFPB e composto por pesquisadores de mais de dez instituições
universitárias brasileiras e estrangeiras, em formato de rede, constituída como Instituto de Pesquisa
(conferir www.institutodcc.org.br).
A ideia de base do GP mencionado é a certeza de que a coerência e a coesão do Direito
Privado brasileiro serão alcançadas a partir da renovação da dogmática de institutos clássicos do
Direito Civil, guiada pelos paradigmas dos direitos humanos. A proposta de humanização do direito
civil-constitucional permite o descortinar de um novo marco teórico-acadêmico que reconhece a
imprescindibilidade da tutela dos direitos sociais no campo do direito privado.
No que concerne à organização interna desta coletânea, optamos por iniciar com temas de
cunho mais genérico, como a discussão crítica do principio da dignidade da pessoa humana,
encontrada nos capítulos: “O uso reiterado do princípio da dignidade da pessoa humana no direito civil-
constitucional”; “Por um sistema jurídico que funcione: discutindo a funcionalização do direito civil;
“Liberdade de expressão versus tutela dos direitos da personalidade: a constitucionalidade da
publicação de biografias não autorizadas”; “Análise jurídica da proteção da pessoa “com” deficiência
à luz do direito civil constitucional humanizado”.
Na sequência, são colacionados textos contendo discussões temáticas sobre alguns institutos
clássicos de direito civil na perspectiva da humanização. Neste ponto, serão abordados temas como
contratos, proteção do consumidor e direto imobiliário, distribuídos nos seguintes ensaios:
“Constitucionalização do direito do consumidor: condição de hipervulnerabilidade diante da prática
abusiva da venda casada como pré- requisito a aprovação e liberação do pedido de crédito”;
“Conflitos jurídicos decorrentes dos contratos celebrados em sites de compras coletivas; “Direito ao
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desenvolvimento – a alienação fiduciária de imóveis como instrumento de expansão do crédito
imobiliário.
Na terceira seção são agrupados artigos que discorrem sobre a responsabilidade civil em
perspectiva humanizada. São eles: “O princípio da precaução, risco e responsabilidade civil por danos
ambientais: uma análise sobre as articulações entre a questão do risco e a teoria da responsabilidade
civil”; “Reflexões sobre a responsabilidade civil do desabamento de parte da ciclovia Tim Maia à luz
do direito civil-constitucional: relativização do direito e garantia fundamental à vida”; “A
responsabilidade civil do médico na cirurgia plástica”.
Na quarta seção estão os textos que abordam a temática do direito das famílias confrontando
os novos paradigmas que orientam esse ramo do direito privado à luz do direito civil-humanizado.
Encontram-se assim distribuídos: “A afetividade como impulsora da família multiespécie: natureza
jurídica e posição ocupada pelos animais de estimação”; “O contrato extrapatrimonial na relação de
maternidade de substituição”; “A natureza jurídica das uniões paralelas”. Por último, vem o artigo
intitulado “Sistemática da distribuição da prova no atual código de processo civil: novo direito
fundamental processual”, que aborda o atual direito processual civil brasileiro destacando seu caráter
de direito fundamental.
Apresentada esta sintética referência aos trabalhos aqui reunidos, resta aos organizadores
agradecer aos eminentes autores por tornar possível a obra, notadamente pela magnitude das
contribuições oferecidas e pela generosa disponibilidade de todos que fazem parte do IDCC por
imprimirem a habitual presteza e competência na organização e publicação dos livros digitais, assim
como pela luta em prol da consolidação do primado de um novo direito civil-constitucional
humanizado.
Marcos Ehrhardt Jr
Maria Cristina Paiva Santiago
Maria Luiza Pereira de Alencar Mayer Feitosa
(organizadores)
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O USO REITERADO DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA
HUMANA NO DIREITO CIVIL-CONSTITUCIONAL
Eloisa Lopes Claudino1
Pedro Pontes de Azevêdo2
ABSTRACT: This study aims to initially expose conceptual and historical aspects about the
civil and constitutional right, and make brief explanation about the constitutional principles
that now govern private relations with the advent of the 1988 Constitution, with a greater
focus on the principle of dignity the human person. It will also be exposed as this principle
has been used in uncontrolled way, showing this reality through a practical approach,
bringing decisions of various courts for discussion.
1. INTRODUÇÃO
O presente artigo visa trazer uma explanação acerca da dignidade da pessoa humana,
iniciando com uma conceituação desse princípio, posteriormente um contexto histórico da
legislação brasileira, evidenciando a importância desse princípio, trazido com a Constituição
Federal de 1988, nas relações jurídico-privadas.
1
Graduanda em Direito pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB).
2
Doutor pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Mestre em Direito pela UFPB. Graduado em
Direito pelo Centro Universitário de João Pessoa (UNIPÊ) e em Comunicação Social - habilitação em
Jornalismo, pela UFPB.
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Entender o contexto histórico de tal princípio é imprescindível para compreender a
sua importância O artigo em questão tem por objetivo ressaltar o status garantido ao princípio
da dignidade da pessoa humana desde a promulgação da Carta Magna. Além disso, visa
conscientizar os operadores do Direito a utilizarem tal preceito com mais cautela, fazendo
com que ele seja usado como fundamento em questões de compatível status jurídico. Muitas
vezes, alguns juristas se valem desse preceito para fundamentar situações que poderiam ser
resolvidas com dispositivos infraconstitucionais, causando uma verdadeira “hipertrofia” do
uso do princípio da dignidade da pessoa humana, e acarretando uma desvalorização do
mesmo.
Para demonstrar essa realidade, o trabalho trouxe situações das quais o uso da
dignidade da pessoa humana é aceitável e até aconselhável. Porém, o foco do artigo são
aquelas situações em que a utilização desse preceito é feita de forma desarrazoada, como em
alguns casos de ações de dano moral. O trabalho conta também com a presença de alguns
julgados para demonstrar como essa situação ocorre na prática.
2. DIREITO CIVIL-CONSTITUCIONAL
2.1 Aspectos conceituais e históricos
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intervencionismo econômico e a garantia de direitos fundamentais. Esse Estado de Bem Estar
Social impôs ao direito privado uma nova percepção, pautada na valorização do homem
como centro do direito, direito este que deveria ser justo, buscando a valorização da
dignidade da pessoa humana e os interesses coletivos.
Após o Estado de Bem Estar Social, nasceu o Estado Democrático de Direito, onde
houve a institucionalização da democracia, como ocorreu na república federativa do Brasil.
No século XIX, o liberalismo jurídico era pautado pelo poder emanado do povo, a
neutralidade das normas e a concepção do homem como sujeito abstrato. No que tange ao
direito privado, a esta época os negócios jurídicos eram pautados pelo pacta sunt servanda,
ou seja, a força obrigatória dos contratos, que fazia lei entre as partes, que eram livres para
contratar.
A chegada do século XX trouxe uma pressão social para garantir direitos dos
indivíduos, principalmente os de classes econômicas inferiores. O Código Civil então foi o
primeiro a ser modificado, com a finalidade de atender a evolução da sociedade.
No Brasil, a mais recente constituição foi promulgada após o período de ditadura
militar, momento em que o povo, durante vinte e cinco anos, foi privado de seus direitos e
garantias, além de haver casos de perseguições políticas e tortura. Após muita luta da
população com intuito de garantir seus direitos e exigir eleições diretas, culminou a
promulgação de uma constituição que fizesse a transição para um estado democrático de
Direito.
Segundo BARROSO, a Constituição passa a ser encarada como um sistema aberto
de princípios e regras, permeável a valores jurídicos suprapositivos, no qual as ideias de
justiça e de realização dos direitos fundamentais desempenham um papel central (2001, p.
21).
Ainda, o mesmo estudioso afirma que o constitucionalismo moderno promove,
assim, uma volta aos valores, uma reaproximação entre ética e Direito. Para poderem
beneficiar-se do amplo instrumental do Direito, migrando da filosofia para o mundo jurídico,
esses valores compartilhados por toda a comunidade, em dado momento e lugar,
materializam-se em princípios, que passam a estar abrigados na Constituição, explícita ou
implicitamente. Alguns nela já se inscreviam de longa data, como a liberdade e a igualdade,
sem embargo da evolução de seus significados. Outros, conquanto clássicos, sofreram
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releituras e revelaram novas sutilezas, como a separação dos Poderes e o Estado democrático
de direito. Houve, ainda, princípios que se incorporaram mais recentemente ou, ao menos,
passaram a ter uma nova dimensão, como o da dignidade da pessoa humana, da razoabilidade,
da solidariedade e da reserva de justiça (2001, p. 19-20).
A Constituição Brasileira de 1988 trouxe uma série de garantias, como direitos dos
trabalhadores. Além disso, seguiu a tendência mundial e passou a abordar temas antes
exclusivos ao Código Civil, como função social da propriedade. A carta deixou clara a
prevalência aos seus princípios, como a dignidade da pessoa humana, com a finalidade de
evitar abusos de poder. A nova constituição veio trazer como centro do Direito a pessoa
humana.
Essa nova tendência afeta diretamente o Direito Civil, que passa a não ter uma
interpretação isolada, mas em conjunto com o texto constitucional, respeitando os princípios
e mostrando coerência com a Lei Maior.
2.2 Análise comparativa entre direito civil anterior e posterior a Constituição Federal
de 1988
O código de 1916 versava apenas sobre aspectos relevantes a classe dominante. Com
isso, ser sujeito de direito significava ser “sujeito de patrimônio”, “sujeito de contrato” e
“sujeito de família”. A respeito desse fato, Judith Martins Costa afirma que: “O Código
traduz, no seu conteúdo liberal no que diz respeito às manifestações de autonomia
individuais, conservador no que concerne à questão social e às relações de família -, a
antinomia verificada no tecido social entre a burguesia mercantil em ascensão e o estamento
burocrático urbano, de um lado, e , por outro, o atraso o mais absolutamente rudimentar do
campo, onde as relações de produção beiravam o modelo feudal” (MARTINS-COSTA, op.
cit, p. 266).
O referido código possuía três pilares: a família, a propriedade e o contrato. A
família, no código de 1916 era transpessoal, hierarquizada e patriarcal. Havia a conservação
da indissolubilidade do casamento e regime de comunhão universal. O homem era a parte
superior da pirâmide familiar, como, por exemplo, segundo o artigo 240 do código civil de
1916, o casamento de menores de 21 anos dependia da aprovação dos pais, porém, caso
houvesse discordância, prevalecia a vontade do pai. Além disso, a mulher, no referido código,
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era considerada como relativamente incapaz. Com a chegada da constituição de 1988, foi
concedida a capacidade a mulher, além da garantia à igualdade entre homens e mulheres,
segundo o artigo 5º, inciso I da constituição federal, a permissão do divorcio, o
reconhecimento da união estável entre homem em mulher etc.
No que diz respeito à propriedade, o Código Civil de 1916, afirmava que o
proprietário ou inquilino de um prédio teria direito de impedir que o mau uso da propriedade
vizinha prejudicasse a segurança, o sossego e saúde dos que o habitam. O artigo 572 também
limitava o direito da propriedade, pois versava que o proprietário poderia construir o que
quisesse, respeitando o direito dos vizinhos e regulamentos administrativos. A constituição
federa de 1988, em seu artigo 5º, inciso XII, garantiu o direito a propriedade, dede que essa
possuísse uma função social, sendo esta rural, deve ser produtiva, e urbana, devendo obedecer
ao plano diretor da cidade, sob pena de desapropriação.
No que tange aos contratos, as partes poderiam estipular o conteúdos das cláusulas
contratuais, abrigadas pela autonomia da vontade e da força obrigatória do contrato, não
sendo levado em consideração o desequilíbrio da formação do contrato. Com o advento da
constituição de 1988, surgiu a função social do contrato, expressamente no Código Civil de
2002, em seu artigo 421, essa função social, segundo Luiz Renato, faz com que o contrato
“permita a manutenção das trocas econômicas proporcionando a “circulação de riquezas”
mediante uma “equação de utilidade e justiça nas relações contratuais”, fazendo com que seja
possível amenizar a relatividade e vinculatividade contratuais (FERREIRA DA SILVA, op.
cit., p. 137-138). No que tange a redução da relatividade, ou seja, a possibilidade de o contrato
atingir terceiros, pode-se dar como exemplo a cláusula e não concorrência. Já no que tange
ao pacta sunt servanda, há a relativização quando há a permissão da comutatividade de
prestações.
Ante tudo o que foi exposto, percebe-se que alguns princípios foram valorizados a
no Código Civil Constitucionalizado. Podem ser citados como tais princípios o da boa fé,
que afirma que os negócios devem ser estabelecidos entre as partes pautados pela honestidade
e sinceridade de acordo com o local e o tempo, sem nenhuma intenção escondida. Ela deve
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ser pautada na proteção, onde cada uma das partes deve proteger a pessoa e o patrimônio; na
cooperação, devendo as partes se auxiliarem mutuamente; e informação, acerca dos efeitos e
defeitos do objeto do contrato. Além desse princípio, afirma o novo código civil, em seu
artigo 421, que “a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social
do contrato”, ou seja, o contrato deve ir além apenas das partes, exercendo sua função perante
a sociedade, sem prejudicar a terceiros.
O princípio norteador dos demais, intitulado como dignidade da pessoa humana, foi
valorizado pela constituição federal de 1988, e influenciou diretamente o código civil de
2002. Segundo os estóicos, a dignidade da pessoa humana é uma qualidade inerente ao ser
humano e que o distinguia dos demais. O pensador espanhol Francisco de Vitória defendeu
a existência desse princípio com a finalidade de garantir a libertação dos índios escravizados.
Immanuel Kant defendia que o homem é um fim em si mesmo, que não pode ser tratado
como coisa. Esse pensamento foi valorizado após da Segunda Guerra Mundial, onde puderam
ser vistas a consequência da coisificação humana. A partir desse fato histórico, a dignidade
da pessoa humana foi positivada em diversas constituições, como, por exemplo, a do Brasil
em 1988, e na Declaração Universal das Nações Unidas.
Devido a expansividade do princípio da dignidade da pessoa humana, percebe-se
grande dificuldade dos autores em conceitua-la, fazendo por vezes a partir de um conceito
negativo, ou seja, situações em que este princípio é mitigado. Segundo Sarlet, que parte do
pensamento Kantiano, entende-se por dignidade da pessoa humana “a qualidade intrínseca e
distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por
parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e
deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho
degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para
uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos
destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.”
(SARLET, Ingo Wolfgang. Op. cit., p. 62).
A dignidade da pessoa humana opera no direito civil uma “repersonalização” do
mesmo, ou seja, nas palavras de Gustavo Tepedino (TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito
Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2004) e também de Pietro Perlingieri ( PERLINGIERI, Pietro.
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Perfis do Direito Civil. Trad. Maria Cristina de Cicco. Rio de Janeiro: Renovar, 1997),
significa colocar a pessoa humana no centro das preocupações no Direito.
A dignidade da pessoa humana deve ser entendida de modo coexistencial, e não
individualista. Com isso, o direito privado vem deixando de lado suas concepções
individualistas e se preocupando com a dignidade da pessoa humana. Como mostram
Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald: “A expressão Direito Civil Constitucional
quer apenas realçar a necessária releitura do Direito Civil, redefinindo as categoriais jurídicas
civilistas a partir dos fundamentos principiológicos constitucionais, da nova tábua axiológica
fundada na dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), solidariedade social (art. 3º, III) e na
igualdade substancial (arts. 3º e 5º). Ou seja, a Constituição promoveu uma alteração interna,
modificando a estrutura, o conteúdo, das categoriais jurídicas civis e não apenas impondo
limites externos” (FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito Civil:
teoria geral. 6.ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 27).
Os direitos fundamentais, assim como a dignidade da pessoa humana, passam a
reger relações entre pessoas concretas, e não apenas entre o indivíduo e o Estado, como
ocorre no direito público.
Como sendo valor único e individual que não pode ser sacrificado por interesses
coletivos, pois todo ser humano é sujeito de direitos que vão além das suas necessidades
físicas, como direito à moradia, política, religião etc.
Para resguardar esse supraprincípio, ele não pode ser utilizado de maneira
desarrazoada. É aceitável se valer do princípio da dignidade da pessoa humana em assuntos
constitucionais, no que tange a afrontas às hipóteses presentes na Constituição, e mais
especificamente em seu artigo 5º e incisos.
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O princípio da dignidade da pessoa humana serve como fundamento para os demais,
portanto, não é necessário usá-lo como argumento em algumas questões de Direito Civil,
como de danos morais, visto que esse instituto já foi abarcado pelo princípio, e está em
conformidade com ele. Trazer a tona a dignidade da pessoa humana só ajuda a desgastar seu
uso.
As hipóteses de aplicação desse princípio devem ser analisadas caso a caso, na
situação concreta, porém podem ser utilizadas balizas. Em decorrência do Direito Penal
resguardar institutos tão importantes, é válido o uso da dignidade como tal argumento.
Porém, em questões relativas a demora no atendimento de atendente de telemarketing de
alguma operadora telefônica, por exemplo, o princípio da dignidade da pessoa humana não
deve ser utilizado, em decorrência de já existirem meios infraconstitucionais para resolver
tal situação.
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5.1 A QUESTÃO DO DANO MORAL
Após uma analise acerca das principais situações em que ocorre esse abuso,
contatou-se que os processos que tem como um dos pedidos compensação por dano moral
apareceu como um dos principais momentos em que se pode ver esse abuso.
Segundo Carlos Roberto Gonçalves: “Dano moral é o que atinge o ofendido como
pessoa, não lesando seu patrimônio. É lesão de bem que integra os direitos da personalidade,
como a honra, a dignidade, intimidade, a imagem, o bom nome, etc., como se infere dos art.
1º, III, e 5º, V e X, da Constituição Federal, e que acarreta ao lesado dor, sofrimento, tristeza,
vexame e humilhação” (GONCALVES, 2009, p.359).
Versa sobre o mesmo assunto Nehemias Domingos de Melo que afirma que: “dano
moral é toda agressão injusta aqueles bens imateriais, tanto de pessoa física quanto de pessoa
jurídica, insuscetível de quantificação pecuniária”. (MELO, 2004, p. 9).
Apesar de citar a Constituição Federal, não se justifica a utilização do princípio da
dignidade da pessoa humana como fundamento pelo fato de que existem normas
infraconstitucionais, como as presentes no direito civil, que estão em conformidade com tal
princípio, que dispensam o seu uso.
Nos casos em que há o efetivo dano moral, pode ser utilizado como argumento o
artigo 186 do código civil, que versa que “aquele que, por ação ou omissão voluntária,
negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente
moral, comete ato ilícito”.
O primeiro caso diz respeito a ligações telefônicas, que importunavam o autor da ação.
Esse é um clássico caso do uso desarrazoado da dignidade da pessoa humana:
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o desequilíbrio em seu bem-estar, fugiram à normalidade e se constituíram em
agressão à sua dignidade. Manutenção do montante indenizatório considerando os
aborrecimentos e os transtornos sofridos pela demandante, além do caráter
punitivo-compensatório da reparação. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. Verba
majorada para 20% do valor da condenação. APELAÇÃO PARCIALMENTE
PROVIDA. (Apelação Cível Nº 70051964955, Décima Câmara Cível, Tribunal
de Justiça do RS, Relator: Túlio de Oliveira Martins, Julgado em 25/04/2013)”.
Em outra situação que pode ser apontada como exemplo do exagerado uso da
dignidade da pessoa humana, encontra-se a questão da inserção do nome do autor da ação no
cadastro de inadimplentes:
“Ementa: CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. CONSUMIDOR.
RESPONSABILIDADECIVIL. INDENIZAÇÃO. INSERÇÃO
INDEVIDA EM CADASTRO DE INADIMPLENTES. PLANO DE
SAÚDE. LEI 9.656 /98. TEXTO CONSTITUCIONAL .
CONJUGAÇÃO.DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA.
IMPERATIVIDADE.DANO MORAL. CONFIGURAÇÃO. QUANTUM
INDENIZATÓRIO. REDUÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. A interpretação e
aplicabilidade da Lei 9.656 /98 devem ser conjugadas com o princípio
maior da dignidade da pessoa humana, bem como da garantia
constitucional da saúde, como direito de todos e dever do Estado. Além
disso há que se considerar a boa-fé nas relações contratuais, e sobrelevar a
função social do contrato. A configuração do dano moral está diretamente
relacionada ao gênero “violação a direito da personalidade”, como
expressão do princípio constitucional da “preservação
dadignidade da pessoa humana”, e do qual “ter direito ao bom nome” é
espécie. Comprovada por farta prova documental a inscrição indevida de
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consumidor em cadastro de inadimplentes, resta configurado
o dano moral e o dever de indenizar, dispensando-se a demonstração do
prejuízo. A fixação do dano moral em R$ 10.000,00 (dez mil reais) respeita
as balizas da prudência e moderação, levando-se em conta a capacidade
econômica da apelante, operadora de plano de saúde. É incabível, na
hipótese, a redução do quantum indenizatório, fixado em patamar razoável.
Recurso conhecido e desprovido”.
Ainda como exemplo para tal realidade, tem-se um julgado que trata da clonagem
de cartão de crédito:
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO
POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. CLONAGEM DE CARTÃO DE
CRÉDITO. PRELIMINAR DE FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL
AFASTADA. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. DANOS
MORAIS CONFIGURADOS. OFENSA À DIGNIDADE DA PESSOA
HUMANA. OCORRÊNCIA. QUANTUM COMPENSATÓRIO.
PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE.
VALOR ARBITRADO MANTIDO. REPETIÇÃO DO INDÉBITO EM
DOBRO. CABIMENTO. ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA. NÃO
VINCULAÇÃO AO VALOR INDICADO NA AÇÃO DE REPARAÇÃO
POR DANOS MORAIS. SENTENÇA MANTIDA.
1. O interesse processual é identificado pelo binômio
necessidade/adequação, ou seja, necessidade concreta da atividade
jurisdicional e adequação do provimento e do procedimento para a solução
do litígio.
2. Acobrança de valores decorrentes de compra fraudulenta com cartão de
crédito do cliente, não apurados pelo banco, apesar de informado, configura
danos morais passíveis de reparação pecuniária.
3.O arbitramento do valor indenizatório deve obedecer aos princípios da
razoabilidade e da proporcionalidade, de forma que a soma não seja tão
grande que provoque o enriquecimento da vítima, nem tão pequena que se
torne inexpressiva. Demonstrado que o valor fixado na sentença é justo e
adequado, deve ser mantido.
4.O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à declaração de
inexistência do débito, bem como à repetição do indébito, por valor igual
ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros
legais, salvo hipótese de engano justificável, nos termos do artigo 42,
parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor.
5.Quando a parte é vencedora em todos os pedidos formulados na inicial e
deixa apenas de receber o valor integral da indenização pelos danos morais
pleiteados, não há que se falar em sucumbência recíproca.
6.Nas ações em que se busca a reparação por dano moral, o juiz não fica
vinculado ao valor pretendido pela parte autora e, ainda que o quantitativo
fixado a esse título seja inferior ao pleiteado pela parte, não se pode
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concluir que houve da sucumbência.
7. Apelação conhecida, mas não provida. Unânime.
E outro exemplo é o seguinte julgado que versa acerca de direito à saúde e à vida:
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síntese, que o pedido de desvinculação de marca específica em detrimento
das alternativas terapêuticas disponibilizadas pelo SUS não teria sido
apreciado por esse julgador. 3 - A necessidade do medicamento está
devidamente provada através do laudo médico trazido pelo recorrido às fls.
23/24. Afinal, é o médico a pessoa indicada para decidir que tipo de
tratamento que deve ser utilizado em cada caso. 4 - Ainda conforme o laudo
acima referido, o paciente é portador de Esquizofrenia Paranóide "com
baixíssima adesão aos psicofármacos orais e com intolerância ao uso de
antipsicóticos típicos por conta do desenvolvimento de sintomas
extrapiramidais." Está, portanto, comprovado o requisito de existência de
doença grave e sendo o medicamento, uma forma de garantir a vida do
Agravado, é caso sim da aplicação da Súmula 18 deste Tribunal: "Súmula
018. É dever do Estado-membro fornecer ao cidadão carente, sem ônus
para este, medicamento essencial ao tratamento de moléstia grave, ainda
que não previsto em lista oficial" 5 - Ademais, a Carta da República dispõe
em seu artigo 196 que "a saúde é um direito de todos e dever do Estado,
garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do
risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às
ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação". Ora, da
leitura direta do texto constitucional citado.”.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS:
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ISIDRO, Marielle dos Santos. Danos morais em justa causa não comprovada. João
Pessoa: s.n, 2006. 85p. Orientador: Silvia Márcia Nogueira Monografia (Graduação) -
UFPB/CCJ.
OLIVEIRA, José Carlos de. Estudos de direitos fundamentais. São Paulo: Cultura
Acadêmica, 2010. 403p.
PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil: introdução ao direito civil constitucional. 3.
ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. 359p.
BERNARDO, Wesley de Oliveira Louzada. O princípio da Dignidade da Pessoa Humana
e o novo Direito Civil: Breves reflexões. Disponível em
<http://www.uniflu.edu.br/arquivos/Revistas/Revista08/Artigos/WesleyLousada.pdf>
Acesso em 04/07/2016.
ALBA, Felipe Camilo Dall’. Os três pilares do Código Civil de 1916: a família, a
propriedade e o contrato. Disponível em <http://www.tex.pro.br/home/artigos/109-artigos-
set-2004/5147-os-tres-pilares-do-codigo-civil-de-1916-a-familia-a-propriedade-e-o-
contrato > Acesso em 04/07/2016.
CIELO, Patrícia Fortes Lopes Donzele. A Codificação do Direito Civil brasileiro: do
Código de 1916 ao Código de 2002. Disponível em <https://jus.com.br/artigos/25739/a-
codificacao-do-direito-civil-brasileiro-do-codigo-de-1916-ao-codigo-de-2002> Acesso em
04/07/2016.
FACHIN, Luiz Edson. PIANOVSKI, Carlos Eduardo. A DIGNIDADE DA PESSOA
HUMANA NO DIREITO CONTEMPORÂNEO: uma contribuição à crítica da raiz
dogmática do neopositivismo constitucionalista. Disponível em <http://www.anima-
opet.com.br/pdf/anima5-Conselheiros/Luiz-Edson-Fachin.pdf> Acesso em 04/07/2016.
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POR UM SISTEMA JURÍDICO QUE FUNCIONE: DISCUTINDO A
FUNCIONALIZAÇÃO DO DIREITO CIVIL
RESUMO: O artigo propõe-se a demonstrar que a abordagem funcional pode adquirir várias
feições jurídicas diversas, a depender do caso concreto e do uso pretendido pelo intérprete.
Para tanto, afirma-se que a função social não pode ser entendida como um instituto dotado
de um único sentido, em oposição a outras finalidades inerentes ao sistema jurídico, pois um
conceito mais abarcante pode potencializar beneficamente sua aplicação. Em seguida, são
expostos alguns exemplos de como o elemento funcional pode assumir diferentes aspectos
no mundo jurídico: função como método; função como elemento do negócio jurídico; e
função como liberdade. Por fim, na parte conclusiva, são feitas algumas considerações
críticas sobre os assuntos abordados.
Palavras-chaves: Direito Civil - funcionalização – função social – liberdade
ABSTRACT: The article proposes to demonstrate that the functional approach can take
many different legal features, depending on the specific situation and the intended use by the
interpreter. To this end, we affirm that the social function cannot be regarded in one direction,
as opposed to other uses inherent to the legal system, for a more overarching concept can
positively enhance your application. Then, we show some examples of how the functional
element can assume different aspects in the legal context: function as a method; function as
the legal transaction element; and function as freedom. Finally, in conclusion, it is made some
critical observations on the discussed subjects.
Keywords: Civil Law – functionalization – social function – freedom
1
Doutor em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Professor de Direito Civil da UFAL.
E-mail: contato@marcosehrhardt.com.br.
2
Mestrando em Direito Público pela Universidade Federal de Alagoas - UFAL. Procurador do Município de
Arapiraca/AL. E-mail: lrbfarias@gmail.com
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1. UMA ANTIGA (DES)CONHECIDA
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estava presente em várias obras doutrinárias do período. A doutrina alemã (ENNECCERUS;
KIPP; WOLFF, 1953), por exemplo, no início do século XX já demonstrava os
questionamentos existentes entre as visões estrutural e funcional do direito, ao expor a tensão
entre, de um lado, uma análise meramente positivista da norma, e, do outro, uma abordagem
preocupada com concretização dos seus fins, notadamente a justiça, independentemente das
regras postas. Nesse passo, entendia-se que seria papel da ética e da filosofia do direito
desenvolver a ideia da finalidade ou objetivo do direito em determinado local e época, em
razão de suas condicionantes culturais, econômicas, científicas e morais.
A doutrina brasileira também abordou o tema da funcionalização no começo do
último século, como se extrai das lições do ex-ministro do STF Eduardo Espínola (1977, p.
38-39), no sentido de ser o direito uma “função específica da sociedade humana”, que oferece
“os melhores meios de atingir os fins sociais” Aqui se verifica uma visão instrumental da
função, na constatação de que o direito seria um meio (função) à disposição da sociedade
para aperfeiçoar a convivência social.
Especificamente no âmbito dos negócios jurídicos, a mesma temática funcional
também foi identificada por civilistas europeus da década de 70 e 80, ao tratarem da
necessidade de se impor balizas à autonomia da vontade. Nesse sentido, o português Carlos
Alberto da Mota Pinto (1985) afirma que a liberdade contratual não pode ser exercida de
maneira livre e absoluta, sendo limitada pela cláusula geral da ordem pública, principalmente
em contratos de adesão. De forma semelhante, o francês Jacques Ghestin (1980) fala da
modalidade diretiva das ordens pública, econômica e social, como modo de influenciar o
conteúdo dos negócios jurídicos, no intuito de promover a justiça contratual e a maior
igualdade entre as partes.
Desse modo, percebe-se que a preocupação com o assunto é algo recorrente na
história da doutrina jurídica, ainda que de forma esparsa e assistemática – ora tratando a
função como fim, ora como instrumento – o que dificulta a fixação de um conceito
minimamente consensual do que seja função ou funcionalização do direito.
Retornando às lições de Bobbio (2007), ele explica que o desenvolvimento de uma
satisfatória teoria funcionalista do direito encontra problemas justamente por conta da
diversidade de definições que se atribuem aos conceitos de direito e de função, termos
largamente polissêmicos e controversos. Nessa linha, muitas teorias que atribuem funções
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diferentes ao direito não seriam propriamente contraditórias, mas apenas partiriam de bases
teóricas diversas. Por isso, pode-se falar que o direito tem função de garantir a segurança e a
paz, redistribuir recursos e de promover a justiça social, sem que esses fins sejam
excludentes. Em verdade, essas funções se complementariam e muitas vezes seriam
instrumentos para atingir umas às outras.
Dessa forma, a utilização descuidada de termos genéricos para designar a função ou
as funções do direito civil – tais como garantir a justiça, a igualdade, a solidariedade, por
exemplo – acaba por criar fórmulas vazias, sem um mínimo de conteúdo específico (HABA,
2002). Essa postura, ao invés de possibilitar soluções para o caso concreto, apenas permite
manipulação e distorção de normas como as que prescrevem a função social dos contratos e
da propriedade. Assim, percebe-se que a funcionalização dos institutos de direito civil nem
sempre é feita de forma adequada, uma vez que grande parte da doutrina equivocadamente
procura um conceito único e exclusivo de função.
Apresentado esse problema, o artigo propõe-se a demonstrar que a abordagem
funcional pode adquirir várias feições jurídicas diversas, a depender do caso concreto e do
uso pretendido pelo intérprete. Para tanto, inicia-se o desenvolvimento demonstrando que a
função social não pode ser entendida como um instituto dotado de um único sentido, em
oposição a outras finalidades inerentes ao sistema jurídico, pois um conceito mais abarcante
pode potencializar positivamente sua aplicação.
Em seguida, traremos alguns exemplos de como o elemento funcional pode assumir
diferentes aspectos no mundo jurídico: função como método, fazendo-se a necessária
correlação com a Metodologia do Direito Civil Constitucional; função como elemento do
negócio jurídico, com base no conceito de causa; e função como liberdade, momento em que
trataremos da tese de Carlos Eduardo Pianovski. Por fim, na parte conclusiva, faremos
algumas considerações críticas sobre os assuntos abordados.
Não há dúvidas de que, atualmente, praticamente todas as áreas do Direito Civil são
interpretadas e aplicadas sob o prisma da função social. No caso dos contratos e da
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propriedade há referências expressas na legislação constitucional e legal sobre a matéria 3.
Além disso, mesmo sem expressa previsão legal, a doutrina já reconhece a necessidade de
estudar a função de outros segmentos, o que corrobora as ideias expostas no tópico
introdutório, de que a funcionalização do direito não se condiciona à positivação.
Nesse sentido, Marcos Ehrhardt Jr. (2008) fala nas diversas funções da
responsabilidade civil, tais como compensatória, preventiva, punitiva e pedagógica. Já Rosa
Maria Nery (2008), de forma propositiva, incita a reflexão sobre a função social da família e
das sucessões. Tendo em vista que os mais variados institutos civilistas são hoje guiados pela
função social, revela-se patente a necessidade de traçar contornos seguros sobre a matéria.
Por causa da relevância que a funcionalização ganhou no Direito Civil brasileiro,
Flávio Tartuce (2007, p. 244), ao tratar do negócio jurídico, afirma que “o grande desafio da
atual geração de civilistas é preencher o conteúdo do que seja essa função social dos pactos”.
Tal desafio se torna ainda maior quando se percebe a quantidade de significados e sentidos
que o conceito de função pode adotar, a depender do instituto jurídico ou do caso concreto
analisado.
Uma das questões controvertidas é saber se a função é uma finalidade ou
instrumento para se atingir um fim. Gerson Luiz Carlos Branco (2009), por exemplo, defende
que função e finalidade não se confundem, sendo aquela meio para se chegar a esta. Em
sentido contrário, Flávio Tartuce (2007, p. 249) expõe tese em que “a ideia de função está
relacionada com o conceito de finalidade ou utilidade.”
Essa divergência encontra reflexo na própria legislação, uma vez que a função social
é retratada de diversas formas. Em relação aos contratos, o art. 421 do Código Civil expõe,
ao mesmo tempo, a função social como “limite” e “razão” da liberdade de contratar. Os arts.
184 e 186 da CF, ao tratar da propriedade rural, tratam do cumprimento da função social, o
que leva a crer que se está falando em uma finalidade. Da mesma forma, o art. 5º, XXIII, da
CF, prescreve que “a propriedade atenderá a sua função social”, sendo razoável também
concluir que esta atua como fim ou objetivo. Por fim, o art. 170 da CF estabelece a função
social como um princípio da ordem econômica, o que dá ensejo a diversas considerações, já
que o próprio conceito é controverso, havendo doutrina relevante que classifica os princípios
3
Sobre a função social da propriedade ver: arts. 5º, XXIII, 170, III, 182, §2º, e 184 da CF; sobre a função social
dos contratos ver o art. 421 do CC/2002.
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como normas finalísticas. Nesse sentido, Humberto Ávila (2005) entende que os princípios
que são normas imediatamente finalísticas, com pretensão de complementar a tomada de
decisão, sem apresentar solução específica, mas de contribuir para a decisão em conjunto
com outras razões.
Por conta dessa multiplicidade de usos que a função social adquire no nosso
ordenamento, é contraproducente fixar um conceito único e em oposição a outras funções
das normas jurídicas, uma vez que tal conduta exclusiva e seletiva não se coaduna com o
ambiente plural da sociedade que o direito pretende regular, como nos lembra o jusfilósofo
argentino Carlos Santiago Nino (2003).
Assim, exemplificando com a teoria do negócio jurídico, a função social só tem
sentido quando entendida em consonância com a função individual dos contratos, uma vez
que estes atendem imediatamente interesses pessoais (LÔBO, 2003). Tal conclusão é
reforçada porque a dignidade da pessoa humana – individualizada e personificada – é um dos
fundamentos da República Federativa do Brasil, conforme art. 1º da CF. Logo, tratar a função
social como algo contrário à função individual dos institutos civilistas seria ir contra a própria
tendência contemporânea de “repersonalização” do Direito Civil (FACHIN; PIANOVSKI,
2008), no qual a pessoa humana passa a ser foco das relações, em detrimento de uma visão
meramente patrimonialista. Nesse passo, a função social tem como missão justamente
garantir a realização da dignidade da pessoa humana, conforme lição de Luiz Edson Fachin
e Carlos Eduardo Pianovski, ao tratar da propriedade:
“Se a história adverte ao estudioso e ao aplicador do direito que o discurso
pertinente a função social ainda não logrou êxito em promover, na plenitude
esperada, uma ‘repersonalização’ do direito de propriedade, mostrando-se
pertinente um repensar – sempre de sentido emancipatório – do conteúdo e do
fundamento dessa funcionalização, não se nega que, no movimento dialético que
conduz a historia, seria um equívoco negar a pertinência da função social da
propriedade para a busca da concretização da dignidade da pessoa no Direito
Civil.” (2008, p. 109)
Página 22 de 261
Visto que a funcionalização adquire diversas facetas, é possível concluir que não há
sentido em determinar abstratamente se a função social é uma finalidade em si mesmo ou
instrumento para outros fins. Isso porque há casos em que se impõe a função social no papel
de fim a ser atingido por meio de outros instrumentos, como é a hipótese do art. 186 da CF,
no qual se estabelece que a função social da propriedade agrícola é atingida por meio de
aproveitamento racional do imóvel, utilização adequada dos recursos naturais, preservação
do meio ambiente, entre outros. Por outro lado, quando se considera a função social como
um mecanismo para se concretizar a dignidade da pessoa humana ou a redução das
desigualdades, obviamente se emprega uma visão instrumental ao instituto, a serviço de
outros fins.
Ao contrário de configurar contradição conceitual, essa diversidade apenas reforça
a aludida “multifuncionalidade” da função social, como verdadeira agregadora de outras
funções instrumentais ou finalísticas. Justifica-se essa opção maleável porque o próprio
Direito Civil já não se satisfaz com construções imutáveis e rígidas.
No entanto, essa mutabilidade que se confere à função social não pode ser encarada
como carta branca para se fazer qualquer uso ou interpretação, uma vez que é justamente essa
incoerência que se pretende combater. É contra esse tipo de conduta que Gerson Luiz Carlos
Branco (2009), com base em Enzo Roppo, explica que a definição da função de determinado
instituto jurídico não deve ser feita arbitrariamente, conforme vontade do detentor do poder
em determinado momento histórico, como ocorreu nos regimes fascistas europeus. Nesse
sentido, é recomendável que os fins perseguidos estejam previstos na legislação, ainda que
implicitamente.
Seguindo esse raciocínio, quando o intérprete pretende funcionalizar determinado
instituto jurídico, não cabe a ele decidir arbitrariamente qual o conteúdo da função social,
sem observar os comandos fixados na Constituição e demais normas. Nesse sentido, quando
se decide sobre a função social dos direitos sobre imóveis urbanos, deve-se ter em mente que
“A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais
de ordenação da cidade expressas no plano diretor”, nos termos do art. 182, §2º, da CF.
Consequentemente, é necessário que a função social da propriedade seja exercida nos termos
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dos arts. 2º4 e 395 do Estatuto das Cidades – Lei Federal nº 10.257/2001, que tratam
justamente dos requisitos mínimos da política urbana prevista no plano diretor de cada
município.
No que diz respeito à função social dos contratos, prevista no art. 421 do Código
Civil, não há diretrizes tão claras e específicas, o que não significa que elas inexistem, mas
sim que se demanda maior esforço hermenêutico para encontrar essas respostas no
ordenamento. Dessa forma, parece cabível exigir que a função social da liberdade de
contratar seja exercida em respeito à cidadania, dignidade da pessoa humana, valores sociais
do trabalho e livre iniciativa, encartados como fundamentos da República Brasileira (art. 1º,
CF). Do mesmo modo os negócios jurídicos devem se guiar pelos objetivos fundamentais da
república (art. 3º, CF), notadamente a construção de uma sociedade livre e solidária, redução
das desigualdades e promoção do bem de todos, sem discriminações de qualquer natureza.
Já no âmbito dos contratos de consumo, o Código do Consumidor oferece diretrizes mais
objetivas para concretização da função social, como os princípios das relações consumeristas
(art. 4º, CDC), direitos básicos do consumidor (art. 6º, CDC), rol exemplificativo de práticas
abusivas (art. 39, CDC) e de cláusulas absolutamente nulas (art. 51, CDC).
Vale frisar que a importância da delimitação mínima do conteúdo da função social
não significa maior controle e redução da autonomia privada, mas serve, ao contrário, para
evitar abusos e arbitrariedades contra a liberdade individual (BRANCO, 2009). Também é
importante ressaltar a relevância de que a legislação, ao positivar balizas e orientações de
cunho funcional, compreenda que mesmo dentro de uma única matéria – seja a teoria dos
direitos reais, do negocio jurídico ou da responsabilidade civil – existem uma complexidade
de situações e hipóteses jurídicas diversas, sendo necessário, muitas vezes, tratar
diferentemente cada uma (TARTUCE, 2007).
Demonstrada a complexidade e multiplicidade de sentidos que a função social pode
adquirir no ordenamento jurídico, passamos a exemplificar alguns desses casos específicos.
4
Art. 2º A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e
da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais: (...)
5
Art. 39. A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de
ordenação da cidade expressas no plano diretor, assegurando o atendimento das necessidades dos cidadãos
quanto à qualidade de vida, à justiça social e ao desenvolvimento das atividades econômicas, respeitadas as
diretrizes previstas no art. 2º desta Lei.
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3. FUNÇÃO COMO MÉTODO: A METODOLOGIA DO DIREITO CIVIL
CONSTITUCIONAL
Página 25 de 261
Especificamente no ramo dos negócios jurídicos, Karl Larenz (1997), em sua já
clássica obra sobre metodologia jurídica, explica que os conceitos abstratamente positivados
não são suficientes para solucionar os casos concretos. Por isso, propõe que tais conceitos
sejam desenvolvidos com base na função que exercem no ordenamento. Essa função serviria,
inclusive, para determinar o conteúdo e a forma de determinado ato. O autor – ainda calcado
em uma visão mais tradicional – afirma que o negócio jurídico deve ser interpretado em
função da autonomia privada, por ser instrumento a serviço desta (LARENZ, 1997).
Além do método teleológico, a função social pode ser vista como elemento
metodológico de cunho sistemático, a fim de permitir que as normas sobre determinado
assunto sejam interpretadas em coerência com todo o ordenamento. Essa unidade sistêmica
que a funcionalização confere como método interpretativo é especialmente importante no
atual momento histórico, em que o Direito Civil se subdivide em inúmeros e novos campos
(como os direitos de privacidade no mundo virtual), para evitar contradições entre a
legislação própria de cada área (LEWICKI, 2014). A aplicação da função como elemento de
unidade do sistema também se coaduna com as afirmações feitas no tópico anterior, de que
não cabe ao aplicador do direito preencher o conteúdo da função social arbitrariamente, sem
observância das diretrizes constitucionais e legais que conformam o direito positivo pátrio.
Por fim, a função há muito desempenha importante papel metodológico na
experiência estrangeira. Isso ocorre porque a análise funcional permite que ordenamentos
com categorias dogmáticas diversas – o que impossibilitaria uma comparação meramente
estrutural ou normativa – sejam analisadas em razão da semelhança das funções que as
normas exercem abstratamente (CURY, 2014) ou nos casos concretos (SCHMIDT, 2009).
Logo, constata-se que a função permite a leitura mais profunda de um sistema jurídico
estrangeiro, uma vez que supera eventuais divergências dogmáticas e contribui para a troca
de soluções entre ordenamentos diversos. Além disso, a comparação com base em uma
análise funcional possibilita encontrar conjuntos normativos diferentes, mas que servem para
resolver os mesmos problemas, o que ajuda na verificação da eficiência de cada um.
Com base nessa exposição, a funcionalização revela-se como importante
instrumento metodológico para o Direito Civil, tanto no aspecto teleológico e sistemático,
como no Direito Comparado. Mas não é só, adiante mudaremos o foco para analisar a função
como elemento do próprio negócio jurídico.
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4. FUNÇÃO COMO RAZÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO: A CONTROVÉRSIA
SOBRE A CAUSA
Página 27 de 261
se coadunasse com os ditames legais e morais (GHESTIN, 1980). Portanto, a utilização da
teoria da causa para explicar a funcionalização dos contratos é bastante útil para desmistificar
as acusações de que a função social viria para descaracterizar o negócio jurídico, por suposta
interferência na autonomia privada.
Nesse contexto, a doutrina brasileira contemporânea passou a refletir sobre a causa
à luz do art. 421 do CC/2002, que diz que a liberdade de contratar será exercida “em razão”
da função social, conforme lições de Pablo Renteria (2006) e Nelson Rosenvald (2007).
É importante também transcrever a lição de Maria Celina Bodin (2015), que expõe
a relevância da causa na interpretação dos negócios jurídicos, para verificação do
cumprimento de sua função social:
“A principal utilidade da análise do elemento causal é apontada, exatamente, no
serviço que presta como meio de recusa de proteção jurídica a negócios sem
justificativa ou sem significação social. Assim é que o negócio pode ter como
requisitos de validade apenas a declaração de vontade, o objeto e a forma (art. 104,
CC 2002); mas, a causa – ou a especificação da função que desempenha – é o
elemento que o define, que lhe é próprio e único, e que serve a diferenciá-lo de
qualquer outro negócio, típico ou atípico. É, portanto, também o elemento que lhe
dá – ou nega – juridicidade.”
Página 28 de 261
seria exercida em razão ou proveito das próprias vontades das partes, e não da função social.
Em sentido semelhante, Flávio Tartuce (2007) entende que a função é apenas limite à
liberdade de contratar, ressaltando que há projeto de lei em trâmite no congresso – conhecido
com projeto Ricardo Fiuza – para retirar a expressão “em razão” do art. 421, uma vez que a
razão do contrato seria a própria autonomia privada.
Apesar das críticas, percebe-se mais uma vez como a função social pode cumprir
importante papel na interpretação dos negócios jurídicos, quando for encarada à luz da teoria
da causa, evitando que os contratos sejam desvirtuados para fins escusos ou ilícitos.
Interessante releitura da teoria funcional é feita por Carlos Eduardo Pianovski, que
procura conciliar a funcionalização com a autonomia privada ao tratar da função como
liberdade(s). É preciso ressaltar, inicialmente, que não pretendemos expor neste breve espaço
toda a complexidade da tese, mas apenas mostrar o resumo de algumas ideias que são
relevantes para o presente artigo, notadamente no que diz respeito à possibilidade de
funcionalizar o Direito Civil com diferentes objetivos. Feita essa ressalva, passamos a a
explorar a noção de função como liberdade(s).
O próprio autor reconhece que a forma de funcionalização dos institutos do Direito
Civil, durante o século XX, leva à conclusão de que a “função vem a limitar ou, mesmo,
condicionar a liberdade, de modo que uma perspectiva funcional seria a antítese de uma
compreensão fundada nessa mesma liberdade” (PIANOVSKI, 2009, p. 1.614). Por isso, na
tentativa de conciliar função e liberdade, ele apresenta uma concepção de função diferente
da tradicional postura sociológica, que a considera como uma prestação em favor de um todo,
pois “dado instituto jurídico pode realizar prestações/contributos (e, assim, realizar uma
função) para algo ou alguém (ou para atender às necessidades de algo ou de alguém) que não
precisa, necessariamente, ser o ‘todo social’.” (PIANOVSKI, 2009, p. 161)
O autor também tenta superar as noções de liberdade que tratam o indivíduo de
forma isolada e desconectado das relações intersubjetivas, e inverte a relação de que a
Página 29 de 261
liberdade seria exercida em função de algo, para concluir que são os institutos jurídicos que
devem funcionar em favor da liberdade (PIANOVSKI, 2009).
Por essa trilha, a aparente contradição entre função e liberdade seria superada
quando passamos a verificar qual o enfoque que se dá à análise funcional empreendida.
Inicialmente, é preciso questionar se estamos a investigar a função das condutas regidas pelo
Direito Civil ou a função do próprio Direito Civil (seus princípios, regras e institutos). Em
seguida, cumpre identificar qual o tipo de função analisada: é ela manifesta e apriorística
(sentido normativo teleológico), ou um “um sentido identificável na observação do
fenômeno, que propicia a sua constituição e manutenção.” (PIANOVSKI, 2009, p. 165)
Nesse passo, o autor entende que não seria cabível a abordagem funcional das
condutas individuais regidas pelo Direito Civil, já que essas condutas teriam como marca
principal justamente a ausência de qualquer fim ou telos imposto pela lei. Por outro lado,
uma funcionalização dos institutos civilistas seria possível – com base no sentido normativo
teleológico – para identificar um fim a priori do Direito Civil, que seria justamente a conduta
livre. Em outras palavras, caberia o Direito Civil a função de assegurar justamente a própria
autonomia da vontade (PIANOVSKI, 2009).
Avançando além do sentido normativo (dever-ser), também é cabível a análise
funcional do Direito Civil na observação do próprio fenômeno no caso concreto (como as
coisas são). Nesse sentido, não se procura o próprio fim do Direito Civil, mas se
“identifica[m] outros elementos funcionais explicativos desse Direito Civil Moderno”
(PIANOVSKI, 2009, p. 168). Sobre essa mudança de foco, Bobbio alerta que o jurista deve
ter cuidado para não “trocar o ser pelo dever-ser e de saltar, sem se dar conta, do problema
de qual seja a função do direito em uma dada situação para o problema de qual deva ser”
(2007, p. 107),
De todo modo, Carlos Eduardo Pianoviski (2009) não pretende colocar a liberdade
– ou as várias formas de liberdades – como função única ou última do Direito Civil, pois tal
conduta acabaria por retornar à rejeitada postura funcional sociológica, que entende que as
funções são sempre destinadas a um único todo. Assim, o autor fala do conceito de “liberdade
coexistencial”, que abarca o caráter plural da liberdade, e também se coaduna com as demais
funções exercidas pelo direito.
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É o próprio autor que reconhece eventuais contradições e dificuldades na
conciliação da função com liberdade, o que não significa que tal missão deve ser ignorada:
“A enunciação pode, pois, se dar da seguinte forma: trata-se de uma dimensão
funcional dos institutos de base do Direito Civil centrada em uma compreensão
plural - e internamente dotada de potencial conflito entre perfis de liberdade - que
pode permitir afirmar que contrato, propriedade e família têm por função propiciar
ora a proteção, ora o exercício, ora o incremento de liberdades coexistenciais, tanto
do titular de um direito determinado quanto de terceiros que podem sofrer
conseqüências materiais advindas do exercício desse direito. (...) O norte
enunciado significa que tanto o contrato como a propriedade e a família têm
prestações a realizar em termos de liberdade em favor de indivíduos e de grupos de
indivíduos, ampliando o espaço de escolhas, incrementando opções de vida e
ofertando possibilidades concretas de exercício efetivo dessas escolhas.”
(PIANOVSKI, 2009, p. 229-230)
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6. O DIREITO CIVIL PRECISA FUNCIONAR
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da liberdade ou liberdades, já que esta adquire conteúdo variável a depender de cada
indivíduo e de cada situação. Essa postura certamente causa colisão de interesses e valores,
mas isso apenas atesta a pluralidade dos conceitos de função e de liberdade, exigindo a
conciliação dos mesmos em cada caso concreto. De qualquer forma, a função não pode se
sobrepor à autonomia privada a ponto de controlar todas as condutas dos particulares de
forma mecânica, principalmente quando não se verifica nenhum prejuízo para a coletividade,
já que os indivíduos são livres para tomar suas próprias decisões, ainda que aparentemente
possam ser pessoalmente desvantajosas (ÁLVAREZ, 2015).
Por tudo isso, a comunidade jurídica tem a missão de fazer o Direito Civil funcionar,
o que importa na correta identificação e delimitação das várias funções que os institutos
civilistas podem exercer. Essa tarefa exige do intérprete eleger como a função deve incidir
no caso concreto (na forma de método, por exemplo), bem como precisa observar os limites
do ordenamento quanto aos fins perseguidos, principalmente no que diz respeito à garantia
da liberdade que caracteriza as relações privadas.
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LIBERDADE DE EXPRESSÃO VERSUS TUTELA DOS
DIREITOS DA PERSONALIDADE: A CONSTITUCIONALIDADE
DA PUBLICAÇÃO DE BIOGRAFIAS NÃO AUTORIZADAS
RESUMO: O presente artigo versa sobre a atual configuração das biografias não autorizadas
no Brasil, abordando desde os conceitos primários que embasam o tema, como o conflito entre
a liberdade de expressão e o direito à privacidade, até um estudo mais aprofundado acerca da
edição de obras biográficas não consentidas, suas consequências e casos emblemáticos,
abordando. Por fim, verificar-se-á o mérito da Ação direita de Inconstitucionalidade n. 4.815,
que trata da análise dos arts. 20 e 21 do Código Civil, e o teor do Projeto de Lei 393/11, que
visa à alteração deste derradeiro dispositivo legal.
Palavras-chave: biografias não autorizadas, liberdade de expressão, direito à imagem, direito
à privacidade.
ABSTRACT: The present article deals with the current configuration of the unauthorized
biographies in Brazil, approaching the elementary concepts that bases the matter, such as the
conflict between the freedom of speech and the right to privacy, up to a further study about the
unauthorized biographies, its consequences and emblematic cases. Finally, the substance of the
ADI n. 4815, which deals with the analysis of the articles 20 and 21 of the Civil Code, will be
checked, as well as the Bill 393/11, which aims to change this ultimate legal provision.
Keywords: unauthorized biographies, freedom of expression, image rights, right to privacy.
1. INTRODUÇÃO
1
Professor adjunto da Universidade Federal da Paraíba. Doutor em Ciências Jurídicas pela Universidade
de Lisboa. Mestre em Direito Civil pela Universidade Federal de Minas Gerais.
2
Graduada em Direito pela Universidade Federal da Paraíba.
3
Graduada em Direito pela Universidade Federal da Paraíba. Advogada. Pós-graduanda em Direito
Constitucional na Faculdade Damásio. Pós-graduanda no preparatório para carreiras jurídicas pela
Fundação Escola Superior do Ministério Público.
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A publicação de biografias no Brasil, nomeadamente as que não contam com prévia
autorização da pessoa biografada ou de seus familiares, quando aquela for falecida, é um tema
controverso que desperta infindáveis discussões sobre o conflito entre os direitos à imagem e à
privacidade e a liberdade de expressão.
Primeiramente, no que diz respeito à base legal, tais direitos fundamentais possuem
fundamento na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, que protege igualmente
os direitos à liberdade de expressão e informação, à intimidade e à vida privada, consagrando-
os em um mesmo patamar de observância e obrigatoriedade. No Código Civil brasileiro, por
outro lado, o seu art. 20 determina haver a necessidade da concessão da permissão de uma
pessoa quando da divulgação de imagens a seu respeito, o que aparenta, à partida, demonstrar
a prevalência do direito à intimidade em detrimento dos demais. Tal interpretação gera críticas
acerca da constitucionalidade do aludido dispositivo, que, consoante se verá, já é objeto do
Projeto de Lei 393/11, que almeja sua alteração, de modo a ampliar a liberdade de expressão,
informação e acesso à cultura.
Alcides Leopoldo e Silva Júnior (SILVA JÚNIOR, 2002, p. 89) considera pessoa
pública aquela que está ligada ou se dedica à vida pública, como por exemplo, artistas,
esportistas e políticos, cuja atuação dependa do reconhecimento das pessoas ou a elas seja
voltado, mesmo para lazer ou entretenimento. Precisamente por se tratarem de indivíduos
constantemente expostos, sua vida privada, assim como os textos biográficos que versem sobre
eles, tendem a atrair o interesse da população, seja por mera curiosidade ou pela necessidade
de se construir a própria história da humanidade, em virtude da amplitude, influência e
notoriedade atribuída às pessoas notórias.
Neste contexto, surge o grande impasse da proibição das publicações de biografias não
autorizadas, tendo em vista que podem limitar o autor da obra literária a nela fazer constar
apenas as informações com as quais o biografado consinta, proliferando-se as denominadas
biografias chapas-brancas, que pouco ou nada revelam sobre a verdadeira trajetória do
biografado, o que pode vir a comprometer, afinal, o amplo e mais autêntico exercício do direito
de informação.
O enfrentamento do tema exige a abordagem dos direitos constitucionais e da
personalidade que embasam a temática e a investigação dos casos mais polêmicos que a
envolvem.
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Preliminarmente à análise do mérito da temática proposta, são necessários
esclarecimentos inaugurais acerca dos direitos que fundamentam e dão suporte à discussão.
Tratar sobre a edição de biografias não autorizadas significa, essencialmente, colocar
em xeque a ponderação entre duas categorias de direitos. De um lado, figuram os direitos da
personalidade, assegurados entre os arts. 11 a 21 do Código Civil – nomeadamente os direitos
à imagem, à honra, à privacidade e à intimidade, que também encontram guarida no art. 5º, X
da Constituição Federal da Republica de 1988, que assim determina: “são invioláveis a
intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização
pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”; de outro lado, apresentam-se as
liberdades de expressão e de expressão da atividade intelectual, artística, científica e de
comunicação, independentemente de censura ou licença, igualmente alicerçadas ao status de
direitos fundamentais.
Os direitos da personalidade são caracterizados como direitos inerentes ao ser humano
e essenciais à preservação da sua dignidade. Segundo Carlos Alberto Bittar (BITTAR, 1989, p.7),
tais direitos não existem por força de lei, mas antes correspondem às faculdades normalmente
exercidas pelo homem, relacionadas a atributos inerentes à condição humana. Entre os direitos
da personalidade figuram, exemplificativamente, os direitos à vida, à saúde, à integridade
psicofísica, ao nome, à honra, à imagem, à privacidade e à intimidade – estes dois últimos, a
propósito, concernentes ao direito que cada pessoa tem de resguardar para si certos aspectos de
sua vida, mantendo-os em uma esfera particular, inatingível e inviolável por terceiros. A este
respeito, Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona Filho (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2005,
p. 188) definem:
O elemento fundamental do direito à intimidade, manifestação primordial do
direito a vida privada, é a exigibilidade de respeito ao isolamento de cada ser
humano, que não pretende que certos aspectos de sua vida cheguem ao
conhecimento de terceiros. Em outras palavras, é o direito de estar só.
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Embora os direitos da personalidade, por sua notável relevância, sejam dignos de ampla
e cabal tutela, não se pode afirmar que sempre serão preservados em caso de conflito ou colisão
com outros direitos fundamentais, nomeadamente a liberdade de expressão; afinal, estes direitos
encontram-se no mesmo grau hierárquico e a solução imediata não passa pela eliminação prévia
e acrítica de qualquer deles. A depender do caso concreto, haverá um julgamento de valores
entre os direitos abordados, de modo a ponderar a forma de sua aplicabilidade, buscando-se
uma solução de equilíbrio, com base no princípio da dignidade da pessoa humana.
A solução ideal para as hipóteses de conflito seria conciliatória, prevalecendo ambos,
ainda que com parcial sacrifício de lado a lado. Todavia, em determinadas situações, a
prevalência de um princípio em detrimento de outro é inevitável, pois, embora a lógica da
ponderação consista na tentativa de conciliação dos interesses e valores envolvidos, tal feito
nem sempre se torna possível, devendo haver uma avaliação de acordo com determinados
critérios hierárquicos. Na prática, pois, os direitos fundamentais e da personalidade, ainda que
se intitulem como absolutos, podem ser relativizados em certos casos específicos.
No que diz respeito à liberdade de expressão, consiste no direito que as pessoas têm de
informar, de comunicar e de exteriorizar suas opiniões, donde também decorre o direito ao
acesso à informação, consoante dispõe o art. 5º, incisos IV, IX e XIV, da Constituição da
República de 1988:
Art. 5º, IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de
comunicação, independentemente de censura ou licença;
XIV – é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da
fonte, quando necessário ao exercício profissional.
Sendo assim, resta claro que o texto constitucional arrola expressamente a liberdade de
pensamento e o acesso à informação entre o rol dos direitos e garantias fundamentais. José
Afonso da Silva (SILVA, 1989, p. 230), a propósito, salienta que
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o direito de informar, como aspecto da liberdade de manifestação do
pensamento, revela-se um direito individual, mas já contaminado de sentido
coletivo, em virtude das transformações dos meios de comunicação, de sorte
que a caracterização mais moderna do direito de comunicação, que
especialmente se concretiza pelos meios de comunicação social ou de massa,
envolve a transmutação do antigo direito de imprensa e de manifestação do
pensamento, por esses direitos, em direitos de feição coletiva.
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As pessoas notórias, cuja trajetória pessoal, profissional, artística ou política tenham
dimensões públicas, têm, de algum modo, reduzido o espectro de resguardo de suas vidas
privadas. Naturalmente, tais direitos não lhes são negados, mas sensivelmente mitigados em
face de suas trajetórias se tornarem de interesse público. Citados como exemplo, Roberto Carlos
é um famoso cantor e compositor brasileiro desde a década de 1960; Noel Rosa foi um dos
maiores e mais importantes artistas da musica popular brasileira; Guimarães Rosa, além de
médico e diplomata, foi um exímio escritor; Garrincha, um renomado atleta futebolístico
brasileiro; Lampião, um cangaceiro genuinamente brasileiro, que fez história por onde passou.
Indubitável a importância e contribuição dessas pessoas para a construção da história do país.
Neste domínio, surge o grande dilema enfrentado pelos biógrafos que consiste na
censura para a publicação das biografias não autorizadas. Alguns biografados e herdeiros
apenas permitem a publicação da obra se previamente submetida ao seu crivo, para que alterem
ou excluam os trechos que não acharem pertinentes. Esta censura prévia, todavia, pode ser tida
por inconstitucional, ao contrariar direitos fundamentais como a liberdade de expressão e de
informação. Neste embate, talvez a grande prejudicada seja, afinal, a história – a verdadeira
História, com “H” maiúsculo, como afirma Luiz Felipe Carneiro (CARNEIRO, 2013, p.118).
A preocupação com manipulação de informações e o debate acerca do direito de
liberdade de expressão recebeu destaque, na contemporaneidade, no século XX, após a
experiência de regimes totalitários, a exemplo do fascismo, do nazismo e do socialismo, na
antiga URSS.
Tanto no totalitarismo como no autoritarismo, os meios de comunicação de massa foram
usados para que a população legitimasse o governo, a exemplo do que Goebbels fez na
propaganda nazista, após idealizar a queima de livros que fossem considerados subversivos em
praça pública, ou da escandalosa manipulação fotográfica, na Rússia, no Governo de Stálin, em
que pessoas poderiam ser suprimidas das fotos, à medida que o líder político se
incompatibilizava com os seus “camaradas”, ou mesmo ser multiplicadas, como em uma
famosa foto de um discurso de Stálin.
A literatura do pós-Segunda Guerra Mundial é contundente na crítica aos regimes
autoritários às e restrições à liberdade de expressão, como, por exemplo, se vê do teor das obras
“Fahrenheit 451” (de Ray Bradbury, 1953), em que ter e ler livros são crime, cumprindo aos
bombeiros queimá-los, pois, segundo o governo, o conhecimento não traz felicidade, e “1984”
(de George Orwell, 1949), que alerta a humanidade não apenas para a manipulação de
informações por quem detém o poder (pois o protagonista, Winston Smith é funcionário do
Departamento de Documentação do Ministério da Verdade e seu papel é falsificar registros
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históricos, a fim de moldar o passado em função dos interesses do atual tirano), mas também
para a problemática da invasão da privacidade pelo “Big Brother”.
A história mostra que em momentos de exposições de ideais contrárias é que a liberdade
de expressão deve ser assegurada e defendida, pois é na divergência que algumas vozes correm
o perigo de serem silenciadas. Conforme assinalou George Orwell (ORWELL, 2007), “a
liberdade, se é que significa alguma coisa, significa o nosso direito de dizer às pessoas o que
não querem ouvir”. Trata-se, em essência, da mesma lógica encontrada na famosa máxima de
Voltaire: “detesto cada palavra que o senhor diz, mas defenderei até a morte seu direito de
dizê-las”.
Não é preciso ir longe para observar os riscos da restrição arbitrária da liberdade de
expressão: no passado relativamente recente da história brasileira, a ditadura militar (1964-
1985) deixou a marca da opressão sobre as liberdades fundamentais, através dos Atos
Institucionais, entre estes o mais voraz, o AI-5, além da utilização da tortura, homicídios e do
exílio como punição para quem ousasse manifestar opinião contrária à do governo.
Contudo não foram apenas as violações ao direito às liberdades que o regime ditatorial
legou à história. Os direitos à privacidade e à intimidade também foram devastados, pois,
naquele período, era comum que o Serviço Nacional de Informações anotasse dados sobre
cidadãos, principalmente os considerados “subversivos”, mantendo-as em cadastros estatais, os
quais as pessoas, em geral, não tinham acesso.
O direito à liberdade de expressão tem relação intrínseca com a democracia e o direito
de informar e ser informado, sendo essencial para a manutenção do Estado Democrático de
Direito. Mas não se pode desconsiderar a importância da proteção do direito à privacidade no
exercício da cidadania, enquanto projeção da dignidade da pessoa humana.
A problemática das biografias não autorizadas é, portanto, complexa, e tem foco na
discussão do conflito entre o direito à liberdade de expressão e o direito à privacidade; a
problemática passa, essencialmente, pela exigência ou dispensa da autorização do biografado
(ou dos seus familiares, no caso de biografias póstumas) para que a obra possa ser divulgada.
Emerge, neste contexto, o teor do art. 20 do Código Civil, enunciado nos seguintes
termos:
Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à
manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da
palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma
pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da
indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a
respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.
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Em pese a boa intenção do legislador ao tutelar a honra e a imagem dos indivíduos, a
crítica que recai sobre o texto normativo toca à sua amplitude semântica, a provocar
interpretações exorbitantes, que não se coadunam com os preceitos constitucionais da liberdade
de informação e da livre manifestação do pensamento.
O fantasma da censura embasa os argumentos daqueles contrários à autorização prévia
para a comercialização das biografias: segundo entendem, o Estado não é responsável apenas
por se abster de praticar a censura, mas também por garantir o exercício da liberdade de
expressão, visto que o dissenso é pressuposto da democracia. Para estes, interpretar o art. 20 do
Código Civil de modo a exigir prévia autorização dos biografados é um forma de censura, não
a censura pública, imposta pelo poder estatal, mas uma censura privada, que condiciona a
publicação de obras biográficas aos interesses das pessoas nelas retratadas.
Lado outro, os que apoiam a autorização prévia para a edição de tais biografias afirmam
que não se trata de censura privada, eis que sempre se poderá submeter a questão ao crivo do
Poder Judiciário, a quem competirá decidir pela proibição da veiculação de determinada obra.
Tal proibição, se houver, se dará não pelo simples motivo de não haver prévia autorização, mas
por esta desrespeitar direitos inerentes à personalidade do individuo retratado.
Outra questão que provoca controvérsias é que, para os defensores das biografias não
autorizadas, a questão dos danos causados à privacidade, à imagem e à honra do biografado –
ou de seus familiares, o que caracteriza o denominado dano reflexo ou por ricochete –, poderia
ser resolvida pela via da responsabilidade civil. Contudo, há que se observar que a essência da
reparação é restaurar a situação ao seu estado anterior, na medida do possível. Quando ocorre
o dano moral, torna-se impossível restaurar o bem jurídico lesado – a dignidade em sim, em
última análise – ao estado anterior; por isso, estabeleceu-se legislativamente a incidência das
tutelas preventivas, de modo a evitar a consumação de danos à esfera da personalidade das
pessoas naturais. Uma vez publicada a obra literária, em havendo danos, já não caberá falar na
sua prevenção, mas apenas na eventual reparação – o que, no caso dos danos extrapatrimoniais,
pode se revelar como medida insuficiente para tutelar adequadamente os direitos da
personalidade.
Tem-se, de todo modo – sopesados os argumentos favoráveis e contrários à publicação
de biografias não autorizadas – que estas são consideradas um gênero textual e uma fonte de
produção literária histórica, pois destacam a importância de personalidades de grande
relevância social, artística e econômica, que participam ativamente da formação da identidade
cultural de um povo em dado tempo e lugar. Este, enfim, tem sido um argumento decisivo para
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pender a balança em prol da liberdade de expressão e da livre edição destas obras, mesmo que
não contem com a aprovação das pessoas nela retratadas.
No Brasil, tem sido constante o debate judicial acerca do tema central destas linhas.
A obra “Noel Rosa: uma biografia”, dos autores João Máximo e Carlos Didier, foi alvo
de ações interpostas pelas sobrinhas do biografado, Irami Medeiros Rosa de Melo e Maria Alice
Joseph, que alegaram que a obra desrespeitava a memória do pai e do avô de Noel Rosa, que
cometeram suicídio, e que destacava a ebriedade constante do personagem principal. Assim, a
biografia, que foi lançada em 1990, não recebeu nova edição, e apenas pode ser encontrada em
sebos.
Outro caso de grande repercussão foi a biografia “Estrela solitária - um brasileiro
chamado Garrincha”, do autor Ruy Castro, que teve a sua comercialização proibida em 1995.
As autoras da ação, filhas do reconhecido gênio das pernas tortas, alegaram que a obra não
relatava o talento de Garrincha no futebol, mas violava sua intimidade, com relatos dos seus
vícios e casos amorosos. Apesar da proibição de sua comercialização durante onze meses, o
livro ganhou o Prêmio Jabuti em 1996 de Melhor Ensaio e Biografia. Na decisão judicial, em
segunda instância, o autor e a editora foram condenados a pagar indenização por danos
materiais às herdeiras, no importe de 5% sobre o valor de capa de cada livro comercializado.
O caso brasileiro mais emblemático, apesar de ter sido resolvido por meio de acordo
judicial, foi a obra “Roberto Carlos em Detalhes”, de autoria do jornalista Paulo César de
Araújo, lançado em 2006. Foi a partir desta ocorrência que a mídia começou a fazer referência
à “batalha das biografias”, e a dividir os posicionamentos em dois grandes blocos antagônicos:
os favoráveis às biografias não autorizadas, em defesa da liberdade de expressão, e seus
detratores, sob o argumento de ser necessário preservar os direitos da personalidade dos
biografados. No caso em apreço, o acordo firmado entre as partes pressupunha o fim da edição
da obra e a entrega dos exemplares remanescentes ao próprio cantor.
Quando se trata da biografia de uma pessoa notória, é realmente tênue a linha que separa
os fatos da vida privada dos de âmbito ou interesse público. Tomando-se por base o exemplo
de Roberto Carlos, não há como contar sua trajetória artística sem falar de sua vida privada,
pois o cantor, de certa forma, a exibiu ao público e a utilizou como inspiração para suas canções,
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visto que muitas delas fazem referência a relacionamentos amorosos e a seus familiares. Assim,
em alguns casos, é necessário conhecer fatos da vida privada do artista para compreender os
elementos históricos, sociais e culturais que ajudaram a compor sua obra.
Há, ainda, o caso da biografia “Sinfonia de Minas Gerais - A Vida e a Literatura de
Guimarães Rosa”, de autoria de Alaor Barbosa, retirado das livrarias, em 2008, em virtude de
decisão proferida nos autos de uma ação cível, ajuizada pela filha do escritor.
Um dos mais recentes e rumorosos casos foi o da biografia “Lampião – o Mata Sete”,
escrito por Pedro de Morais, que teve sua comercialização proibida, através de liminar, em
2011, pelo juiz da 7ª Vara Cível de Aracaju/SE. Nesta obra, o autor apresenta a versão de que
Virgulino Ferreira da Silva seria homossexual, a sua companheira Maria Bonita adúltera, e que
ambos se relacionavam com outro membro do bando, Luiz Pedro, além do fato de Lampião ser
possivelmente estéril por causa de um tiro que acertou a sua genitália, o que colocou em xeque
a paternidade da filha do casal, Expedita. Analisada a questão, à partida, é notória a violação
aos direitos da personalidade dos indivíduos retratados na biografia, que contempla relatando
acerca da sua sexualidade – fator decisivo para a fundamentação da decisão judicial que vetou
a divulgação da obra.
Todavia, em 2014, a 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Sergipe reformou a
decisão de primeiro grau, permitindo a comercialização da obra. O relator do caso, Cezário
Siqueira Neto, afirmou que o papel do Poder Judiciário é o de estabelecer a reparação de
possíveis danos, mas não de restringir a liberdade de expressão.
Para que se alcancem válidas conclusões em casos de tal sorte complexos, cumpre apelar
à aplicabilidade de um componente do princípio geral de proporcionalidade, a técnica da
ponderação. De acordo com ela, segundo Guilherme Soares (SOARES, 2005, p. 332),
uma restrição a um determinado direito fundamental é admitida quando
endereçada à satisfação de outro direito individual ou bem coletivo
constitucionalmente protegido, cujo peso ou importância revele-se
igual ou superior, à luz das circunstâncias concretas envolvidas.
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a) Qualquer solução, sobretudo em se tratando de direitos fundamentais e da
personalidade, deve ser pautada pelo respeito à dignidade da pessoa humana;
b) A escolha sobre qual dos valores deverá prevalecer será feita com base nas
circunstâncias do caso concreto;
c) O emprego da ponderação concretiza, como já se afirmou, uma noção de
proporcionalidade. Para que se dê o afastamento (no todo ou em parte) da incidência de um
direito em prol da eficácia de outro, é fundamental analisar se a importância da preservação do
direito prevalecente é suficiente para justificar a restrição do direito sucumbente.
A técnica da ponderação propõe, como medida inaugural, a incidência em conjunto de
valores que, à partida, se revelam colidentes. O fato de tais valores se dirigirem a direções
opostas não quer implicar, necessariamente, o completo afastamento de um e a absoluta
prevalência do outro.
Se, todavia, a harmonização entre os valores conflitantes se mostrar impossível,
cumprirá contrapesá-los para verificar, na sua densificação, qual deles merecerá resguardo.
Ainda que esta seja a solução a adotar, entretanto, a melhor saída implicará uma tentativa de
não se sacrificar por completo o valor sucumbente, a não ser que a sua anulação seja necessária
para a preservação do valor ao qual se conferirá primazia.
Assim quando há conflito entre direitos fundamentais, que pela ordem constitucional
brasileira estão no mesmo patamar hierárquico, se observa a importância do método eficaz para
o Estado juiz resolver a lide que lhe é posta. A ponderação traduz um método clássico, aplicado
na medida em que cada direito fundamental padeça da mínima restrição possível, na
salvaguarda do direito contraposto. Estas restrições devem ser estipuladas respeitando o
princípio da proporcionalidade, de forma que o juiz procure o ponto de equilíbrio entre os
interesses em conflito, sem negar ou deixar de assegurar nenhum dos direitos em lide, pois
apesar de não serem absolutos, são direitos fundamentais.
Importa salientar, mais, que no Brasil a interpretação dos preceitos constitucionais e
infraconstitucionais se orienta pelo princípio da unidade, de maneira a fazer com que os
dispositivos legais sejam interpretados como um todo, e não de forma isolada, sob o risco de
serem conduzidos a contradições insuperáveis.
Caberá, de todo modo, verificar as condições especiais de cada caso em concreto, a fim
de se verificar quais circunstâncias que compõem a trajetória de um indivíduo estão
efetivamente acobertadas pela inviolabilidade da vida privada e quais estão, lado outro, sujeitas
à exposição pública. Nos dizeres de Anderson Schreiber (SCHREIBER, 2015):
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Em alguns países, por exemplo, não se reconhece violação à privacidade ou à
honra na menção a dados que já constam de registros públicos (processos
judiciais, administrativos etc.), ou já foram divulgados pelo próprio
biografado em ocasiões públicas pretéritas, ou, ainda, foram legitimamente
obtidas em entrevistas com pessoas identificadas. De outro lado, a transcrição
em biografias não autorizadas de trechos de cartas particulares tem sido, em
muitos países, considerada violação à privacidade, por infração ao sigilo de
correspondência. O mesmo se tem entendido em relação ao uso de dados
constantes de prontuários médicos ou de procedimentos sigilosos, ou ainda de
informações relativas à intimidade sexual do biografado.
Em junho de 2012, a Associação Nacional dos Editores de Livro – ANEL – propôs uma
Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), que tencionava obter a declaração da
inconstitucionalidade parcial, sem redução de texto, dos artigos 20 e 21 da Lei Federal n.
10.406/2002 (Código Civil brasileiro). A legitimidade ativa da ANEL foi justificada com o
disposto no art. 103, IX, da Constituição Federal/1988, sendo enquadrada na categoria de
entidade de classe de âmbito nacional, que tem interesse temático sobre a matéria, visto que as
restrições de publicação e comercialização das biografias não autorizadas prejudicam as
editoras literárias.
Em síntese, a Associação Nacional dos Editores de Livro argumentou, na petição inicial
da ADI 4.815, que as pessoas notórias gozam de esfera de vida privada mais restrita do que as
demais pessoas, que exigir a autorização antecedente do biografado ou de seus parentes
configuraria censura prévia privada, e que tal exigência não se coaduna com os direitos de
liberdade de expressão e informação assegurados pela Constituição da República.
A petição inicial foi instruída com um parecer doutrinário da lavra de Gustavo Tepedino,
que respondeu negativamente ao questionamento exposto no início do parecer, formulado nos
seguintes termos:
À luz do ordenamento jurídico-constitucional brasileiro, a publicação ou
veiculação de obras biográficas, literárias ou audiovisuais, de pessoas
públicas, ou pessoas envolvidas em acontecimentos de interesse público,
depende de autorização das pessoas biografadas o envolvidas de qualquer
forma na obra biográfica (ou de seus familiares, em caso de pessoas
falecidas)?
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O referido parecerista ainda afirma que caberá o direito ao ressarcimento de danos
causados ao biografado ou a seus descendentes (nos casos de biografados falecidos), mediante
a aplicação in concreto dos arts. 20 e 21 do Código Civil, apenas se houver abuso de direito no
exercício da liberdade de expressão ou o desvio da sua prática. Assim, danos eventualmente
causados por informações verídicas não seriam passíveis de responsabilização do biógrafo, que
estaria a agir, em casos tais, nos limites do exercício pleno da liberdade de expressão. Segundo
consta do parecer juntado aos autos,
A exigência de autorização do biografado ou de seus familiares (na hipótese
de pessoa falecida) prévia à publicação de biografia representa intolerável
violação às liberdades de informação, expressão e pensamento,
constitucionalmente tuteladas, a configurar, a partir de ponderação in
abstracto, censura privada, acarretando, inevitavelmente, a extinção do
gênero biografia. Por isso mesmo, tal interpretação dos arts. 20 e 21 do Código
Civil afigura-se inconstitucional, não podendo ser admitida.
As biografias revelam narrativas históricas descritas a partir de referências
subjetivas, isto é, do ponto de vista dos protagonistas dos fatos que integram
a história. Tais fatos, só por serem considerados históricos já revelam seu
interesse público, em favor da liberdade de informar e de ser informado,
essencial não somente como garantia individual, mas como preservação da
memória e identidade cultural da sociedade.
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A Advocacia Geral da União se pronunciou no sentido de pedir a improcedência do
pedido central formulado na ADI, ao destacar que o preceito fundamental da dignidade da
pessoa humana necessita da inviolabilidade da privacidade e da intimidade para ser plenamente
garantido, sendo árdua a tarefa de editar uma obra biográfica que não ingresse nos meandros da
vida privada do biografado, a quem cumpriria, com exclusividade, explorar seus próprios
direitos da personalidade.
Por fim, sopesados os argumentos lançados de lado a lado, proferiu o Supremo Tribunal
Federal sua decisão, assim ementada:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTS. 20 E 21 DA
LEI N. 10.406/2002 (CÓDIGO CIVIL). PRELIMINAR DE
ILEGITIMIDADE ATIVA REJEITADA. REQUISITOS LEGAIS
OBSERVADOS. MÉRITO: APARENTE CONFLITO ENTRE PRINCÍPIOS
CONSTITUCIONAIS: LIBERDADE DE EXPRESSÃO, DE
INFORMAÇÃO, ARTÍSTICA E CULTURAL, INDEPENDENTE DE
CENSURA OU AUTORIZAÇÃO PRÉVIA (ART. 5º INCS. IV, IX, XIV;
220, §§ 1º E 2º) E INVIOLABILIDADE DA INTIMIDADE, VIDA
PRIVADA, HONRA E IMAGEM DAS PESSOAS (ART. 5º, INC. X).
ADOÇÃO DE CRITÉRIO DA PONDERAÇÃO PARA INTERPRETAÇÃO
DE PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL. PROIBIÇÃO DE CENSURA
(ESTATAL OU PARTICULAR). GARANTIA CONSTITUCIONAL DE
INDENIZAÇÃO E DE DIREITO DE RESPOSTA. AÇÃO DIRETA
JULGADA PROCEDENTE PARA DAR INTERPRETAÇÃO CONFORME
À CONSTITUIÇÃO AOS ARTS. 20 E 21 DO CÓDIGO CIVIL, SEM
REDUÇÃO DE TEXTO.
1. A Associação Nacional dos Editores de Livros - Anel congrega a classe dos
editores, considerados, para fins estatutários, a pessoa natural ou jurídica à
qual se atribui o direito de reprodução de obra literária, artística ou científica,
podendo publicá-la e divulgá-la. A correlação entre o conteúdo da norma
impugnada e os objetivos da Autora preenche o requisito de pertinência
temática e a presença de seus associados em nove Estados da Federação
comprova sua representação nacional, nos termos da jurisprudência deste
Supremo Tribunal. Preliminar de ilegitimidade ativa rejeitada.
2. O objeto da presente ação restringe-se à interpretação dos arts. 20 e 21 do
Código Civil relativas à divulgação de escritos, à transmissão da palavra, à
produção, publicação, exposição ou utilização da imagem de pessoa
biografada.
3. A Constituição do Brasil proíbe qualquer censura. O exercício do direito à
liberdade de expressão não pode ser cerceada pelo Estado ou por particular.
4. O direito de informação, constitucionalmente garantido, contém a liberdade
de informar, de se informar e de ser informado. O primeiro refere-se à
formação da opinião pública, considerado cada qual dos cidadãos que pode
receber livremente dados sobre assuntos de interesse da coletividade e sobre
as pessoas cujas ações, público-estatais ou público-sociais, interferem em sua
esfera do acervo do direito de saber, de aprender sobre temas relacionados a
suas legítimas cogitações.
5. Biografia é história. A vida não se desenvolve apenas a partir da soleira da
porta de casa.
6. Autorização prévia para biografia constitui censura prévia particular. O
recolhimento de obras é censura judicial, a substituir a administrativa. O risco
é próprio do viver. Erros corrigem-se segundo o direito, não se coartando
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liberdades conquistadas. A reparação de danos e o direito de resposta devem
ser exercidos nos termos da lei.
7. A liberdade é constitucionalmente garantida, não se podendo anular por
outra norma constitucional (inc. IV do art. 60), menos ainda por norma de
hierarquia inferior (lei civil), ainda que sob o argumento de se estar a
resguardar e proteger outro direito constitucionalmente assegurado, qual seja,
o da inviolabilidade do direito à intimidade, à privacidade, à honra e à imagem.
8. Para a coexistência das normas constitucionais dos incs. IV, IX e X do art.
5º, há de se acolher o balanceamento de direitos, conjugando-se o direito às
liberdades com a inviolabilidade da intimidade, da privacidade, da honra e da
imagem da pessoa biografada e daqueles que pretendem elaborar as
biografias.
9. Ação direta julgada procedente para dar interpretação conforme à
Constituição aos arts. 20 e 21 do Código Civil, sem redução de texto, para, em
consonância com os direitos fundamentais à liberdade de pensamento e de sua
expressão, de criação artística, produção científica, declarar inexigível
autorização de pessoa biografada relativamente a obras biográficas literárias
ou audiovisuais, sendo também desnecessária autorização de pessoas
retratadas como coadjuvantes (ou de seus familiares, em caso de pessoas
falecidas ou ausentes).
Em seu voto, a relatora, Ministra Carmem Lúcia, pontuou, entre diversos outros
argumentos, os que se destacam a seguir:
O direito à liberdade de expressão – transcendendo o cogitar solitário e
mudo e permitindo a exposição do pensamento - permeia a história da
humanidade, pela circunstância mesma de ser a comunicação própria das
relações entre as pessoas e por ela não apenas se diz do bem, mas também se
critica, se denuncia, se conta e reconta o que há de vida e da vida, da própria
pessoa e do outro, fazendo-se a arte exprimindo-se o humano do bem e do
mau, da sombra e do claro. E forma-se pela expressão do que é, do que
se pensa ser, do que se quer seja, do que foi e do que se pensa possa ser a
história humana transmitida. Afinal, no princípio é o Verbo. Encarna-se a
vida no Verbo. E o verbo faz-se carne e torna-se vida.
O ser faz-se verbo.
Cada tempo tem sua história. Cada história, sua narrativa. Cada narrativa
constrói e reconstrói-se pelo relato do que foi não apenas uma pessoa, mas
uma comunidade. E assim se tem a expressão histórica do que pôde e o que
não pôde ser, do que foi para se imaginar o que poderia ter sido e, em especial,
o que poderá ser.
História faz-se pelo que se conta. Silêncio também é história. Mas apenas
quando relatada e de alguma forma dada a conhecimento de outrem. Pela
sua força de construção e desconstrução de relações sociais, políticas e até
mesmo econômicas, a expressão como direito é fruto de lutas permanentes
desde os primórdios da história.
(...)
O sistema constitucional brasileiro traz, pois, em norma taxativa, a proibição
de qualquer censura, valendo a vedação ao Estado e também a particulares.
Tem-se, assim, assentada a horizontalidade da principiologia
constitucional, aplicável a entes estatais ou a particulares.
Quer-se dizer: os princípios constitucionais relativos a direitos
fundamentais não obrigam apenas os entes e órgãos estatais. São de
acatamento impositivo e insuperável de todos os cidadãos em relação aos
demais. O exercício do direito à liberdade de expressão não pode ser cerceada
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pelo Estado nem pelo vizinho, salvo nos limites impostos pela legislação
legítima para garantir a igual liberdade do outro, não a ablação deste direito
para superposição do direito de um sobre o outro.
(...)
A coexistência das normas constitucionais dos incs.VI e IX do art. 5º requer,
para a superação do aparente conflito do que nelas se contém, se ponderar se
pode a pessoa assegurar-se inviolável em sua intimidade, privacidade, honra
e em sua imagem se não é livre para pensar e configurar a sua intimidade,
estabelecer o seu espaço de privacidade, formar o conceito moral e social
que lhe confere a honradez e cunhar imagem que lhe garanta o atributo
reconhecido que busca.
Para perfeito deslinde do caso em exame, há de se acolher o
balanceamento de direitos, conjugando-se o direito às liberdades com a
inviolabilidade da intimidade, da privacidade, da honra e da imagem da pessoa
biografada e daqueles que pretendem elaborar as biografias.
(...)
Pelo exposto, julgo procedente a presente ação direta de
inconstitucionalidade para dar interpretação conforme à Constituição aos arts.
20 e 21 do Código Civil, sem redução de texto, para,
a) em consonância com os direitos fundamentais à liberdade de
pensamento e de sua expressão, de criação artística, produção científica,
declarar inexigível o consentimento de pessoa biografada relativamente a
obras biográficas literárias ou audiovisuais, sendo por igual desnecessária
autorização de pessoas retratadas como coadjuvantes (ou de seus
familiares, em caso de pessoas falecidas);
b) reafirmar o direito à inviolabilidade da intimidade, da privacidade, da
honra e da imagem da pessoa, nos termos do inc. X do art. 5º da Constituição
da República, cuja transgressão haverá de se reparar mediante indenização.
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O referido Projeto, desde maio de 2014, foi aprovado no Plenário da Câmara de
Deputados, com uma emenda, e aguarda apreciação do Senado Federal. Se aprovado, consistirá
em mais um firme passo rumo à ampla permissão para a publicação de biografias não
autorizadas no país.
6. CONCLUSÃO
A temática abordada nas linhas até aqui tracejadas é complexa. Tanto os defensores das
biografias não autorizadas, em favor do direito à liberdade de expressão e informação, como os
patronos da necessidade de autorização prévia do biografado ou de seus familiares, que
tencionam proteger os direitos à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem, apresentam
argumentos juridicamente válidos para embasar seus posicionamentos.
A solução mais satisfatória passa pela linha da ponderação de valores, cujos padrões
podem ser estabelecidos pelo Poder Legislativo e pelo Judiciário. No primeiro caso, aguarda-
se posição definitiva sobre os rumos do Projeto de Lei n. 393/2011; no segundo, a decisão
proferida pelo Supremo Tribunal Federal nos autos da ADI n. 4.815 dita a tônica a prevalecer:
o prévio consentimento para a divulgação de biografias não autorizadas é dispensável, em
evidente reconhecimento do império do direito fundamental à livre expressão artística e do
pensamento.
De todo modo, releva ir além de se discutir a necessidade ou não de autorização prévia
para a publicação de tais biografias. É preciso investigar as consequências jurídicas de possível
extrapolação ou abuso do exercício do direito à liberdade de expressão, de modo a proteger o
ser humano, centro do ordenamento jurídico, de exposições vexatórias e desnecessárias de seus
mais nobres direitos.
REFERÊNCIAS
Página 53 de 261
ORWELL, George. Revolução dos bichos. In: A liberdade de Imprensa, prefácio proposto pelo
autor à primeira edição inglesa, de 1945. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
SCHREIBER, Anderson. A questão da biografia: de quem é a razão? Disponível em:
http://carloslula.com/a-questao-da-biografia-de-quem-e-a-razao/. Acesso em 02/05/2015.
SCHREIBER, Anderson. Estabelecimento de parâmetros é solução para as biografias.
Disponível em:
http://professorflaviotartuce.blogspot.com.br/search?q=biografias+n%C3%A3o+autorizadas.
Acesso em 02/05/2015.
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1989.
SILVA JUNIOR, Alcides Leopoldo e. A pessoa pública e o seu direito de imagem: políticos,
artistas, modelos, personagens históricos, pessoas notórias, criminosos célebres,
esportistas, socialites. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002.
SILVEIRA, Vinicius Loureiro da Mota. Ponderação e proporcionalidade no direito
brasileiro. Disponível em:
http://www.egov.ufsc.br/portal/conteudo/pondera%C3%A7%C3%A3o-e-proporcionalidade-
no-direito-brasileiro. Acesso em 02/05/2015.
SOARES, Guilherme. Restrições aos direitos fundamentais: a ponderação é indispensável?
In: Estudos em homenagem ao Prof. Doutor Joaquim Moreira da Silva Cunha. Coimbra: Ed.
Coimbra, 2005.
Página 54 de 261
ANÁLISE JURÍDICA DA PROTEÇÃO DA PESSOA “COM”
DEFICIÊNCIA À LUZ DO DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL
HUMANIZADO
ABSTRACT: work legally analyzes the current protection of people with disabilities in
accordance with the Constitutional Law Civil Humanized. The objective is to analyze the
1
Advogado, integrante do Projeto de Pesquisa AFROEDUCAÇÃO da UFPB, integrante do Projeto de
Pesquisa IDCC da UFPB, especialização em Direto Civil, Processo Civil, Direito Público na FAÍSA,
especialização em andamento em Direito Trabalho e Processo Trabalho na Damásio Educacional João
Pessoa-PB, mestrando em Direitos Humanos no PPGDH da UFPB.
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theory of Constitutional Civil Law Humanized and international and national legislation
to protect the disabled person in the democratic rule of law. The methodology of work is
based on the deductive method and the historical-comparative method, in which the work
presents a comparative historical development for the protection of people with
disabilities. The main laws are studied: the Civil Code of 1916, the Federal Constitution
of 1988, the Civil Code of 2002, the Convention People with Disabilities and the Statute
Person with Disabilities. The work of the problem is the following question: how the
protection of people with disabilities in the light of the Constitutional Civil Law
Humanized the democratic rule of law is treated? The justification of the work is the
importance and relevance of a study on the person's protection rightly deficiency of the
changes that has been suffering in recent years, this study intends an inclusion and
accessibility of dignified and fair for people with disability in society today.
1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho trata de uma análise jurídica da atual proteção da pessoa com
deficiência em conformidade o Direito Civil Constitucional Humanizado. Nessa
concepção, a pessoa com deficiência, no Estado Democrático de Direito, goza de proteção
internacional e nacional.
O objetivo do presente trabalho consiste em analisar juridicamente a Teoria do
Direito Civil Constitucional Humanizado e os principais institutos jurídicos de proteção
da pessoa com deficiência, tais como: o Código Civil de 1916, a Constituição Federal, o
Código Civil de 2002, a Convenção da Pessoa com Deficiência e o Estatuto da Pessoa
com Deficiência.
A metodologia do trabalho está embasada no método dedutivo e histórico-
comparativo, tendo em vista que trata da Teoria Geral do Direito Civil Constitucional
Humanizado e estabelece uma análise histórico-comparativa do progresso da proteção da
pessoa com deficiência do século XX até a atualidade.
Em relação à problemática do trabalho, diante da exclusão e discriminação que a
pessoa com deficiência sofreu (e vem sofrendo) ao logo da história do Brasil, faz-se
necessário estudar a legislação protetiva dessa pessoa, diante disso, indagar-se: como é
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tratada a proteção da pessoa com deficiência à luz do Direito Civil Constitucional
Humanizado no Estado Democrático de Direito?
A justificativa do trabalho é que a proteção da pessoa com deficiência vem
sofrendo modificações ao longo do tempo para que haja uma humanização quanto à
proteção dessa pessoa no que tange a inclusão e acessibilidade de forma justa e digna dela
no Estado Democrático de Direito. Por essa razão, é interessante e relevante estudar a
atual proteção da pessoa com deficiência de acordo com a legislação nacional e
internacional.
O Direito Civil Clássico pode ser conhecido por ser um “Direito Civil
Patrimonialista”, pois se preocupava mais em proteger o patrimônio, que a pessoa
humana, por exemplo, o escravo não era considerado como pessoa humana, mas sim
como uma “coisa” que poderia ser vendido, trocado, lesionado ou até mesmo “destruído”
(morto).
Com o decorrer da civilização de forma humanizada, diante de lutas pelo
reconhecimento dos Direitos Humanos, no decorrer do progresso dos Direitos
Humanos/Fundamentais à luz da dignidade da pessoa humana, o Direito Civil Moderno
é intitulado por ser “Direito Civil Constitucional Humanizado”, tendo em vista que se
preocupa em promover e proteger os Direitos Humanos, por exemplo, a pessoa com
deficiência não é mais absolutamente capaz, mas sim é uma pessoa planamente capaz.
Para Macêdo (2015, p. 135):
O Direito Civil Constitucional Humanizado é o Direito doutrinário
(entendimento de doutrinadores modernos) em que há uma relação
sistemática do Direito Humano que tem por objeto o estudo da
Declaração Universal dos Direitos Humanos (por exemplo), com o
Direito Constitucional que tem por objeto principal de estudo a
Constituição Federal 1988 com o Direito Civil que tem como objeto
principal de estudo o Código Civil de 2002. Por exemplo: o código civil
de 2002 deve ser interpretado à luz da Constituição Federal de 1988 e à
luz da Declaração Universal dos Direito Humanos.
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Em se tratando do Direito Civil Constitucional, para Tartuce (2016, p. 58 e 59)
O Direito Civil Constitucional, como uma mudança de postura,
representa uma atitude bem pensada, que tem contribuído para a
evolução do pensamento privado, para a evolução dos civilistas
contemporâneos e para um sadio diálogo entre os juristas das mais
diversas áreas. Essa inovação reside no fato de que há uma inversão da
forma de interação dos dois ramos do direito - o público e o privado -,
interpretando o Código Civil segundo a Constituição Federal em
substituição do que se costumava fazer, isto é, exatamente o inverso.
O Direito Civil Clássico pode ser compreendido com a análise do Código Civil
de 1916, Lei 3071, de 1 de janeiro de 1916, quando trata da Teorias da Incapacidades nos
artigos 5º, 12, 142, 446, 457, 1627 e 165. Os respectivos artigos descrevem o seguinte:
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Art. 142. Não podem ser admitidos como testemunhas:
I. Os loucos de todo o gênero.
II. Os cegos e surdos, quando a ciência do fato, que se quer provar,
dependa dos sentidos, que lhes faltam.
III. Os menores de dezesseis anos.
IV. O interessado no objeto do litígio, bem como o ascedente e o
descendente, ou o colateral, até o terceiro grau de alguma das partes,
por consangüinidade, ou afinidade.
V. Os cônjuges.
O Art. 457 descreve que: “os loucos, sempre que parecer inconveniente conserva-
os em casa, ou o exigir o seu tratamento, serão também recolhidos em estabelecimento
adequado”.
Art. 1.627. São incapazes de testar:
I - Os menores de dezeseis anos.
II - Os loucos de todo o gênero.
III - Os que, ao testar, não estejam em seu perfeito juízo.
IV - Os surdos-mudos, que não puderem manifestar a sua vontade.
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reconhecia judicialmente. Após isso, o “louco não importava o grau” não poderia praticar
atos patrimoniais nem existência sem a concordância do curador.
Complementa-se que quanto ao tratamento do “louco” no Código Civil de 1916:
a interdição do “louco” era inscrita em registro público, ele não poderia ser testemunha,
estavam sujeitos a curatela, recolhidos em estabelecimento adequado e era incapaz de
testar. Diante disso, pode-se constar que é uma “loucura” entender o Código Civil de 1916
no atual contexto jurídico vivenciado.
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criar leis que protejam e promoção o respeito às pessoas com deficiência; incumbe ao
poder executivo adotar políticas públicas que discipline a acessibilidade das pessoas com
deficiência; e compete ao poder judiciário efetivar os direitos humanos da pessoa com
deficiência por meio de sentença judicial.
O artigo 3º da CF/88 alude que:
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do
Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II - garantir o desenvolvimento nacional;
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades
sociais e regionais;
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo,
cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
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repúdio ao terrorismo e ao racismo; cooperação entre os povos para o desenvolvimento
da humanidade; concessão de asilo político; e integração dos povos da América Latina.
O artigo 5º trata de igualdade material desenvolvimento que “todos são iguais
perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade,
à segurança e à propriedade (...)”. Nesse sentido, as pessoas com deficiência devem ser
tratadas como iguais na medida da sua igualdade (igualdade material).
O artigo 7º, inciso XXXI, da CF/88 trata sobre a vedação a qualquer discriminação
em relação a salário e critério de admissão de trabalhador com deficiência.
O artigo 23, inciso II, da CF/88 dispõe que é de competência comum dos Entes
Federativos cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas com
deficiência.
O artigo 24, inciso XIV, da CF/88 alude que competência à União, aos Estados e
ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre a proteção e integração social das
pessoas com deficiência.
O artigo 37, inciso VIII, da CF/88 descreve que a lei brasileira tratará de um
percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas com deficiência, bem como
determinará o critério de admissibilidade.
O artigo 40, parágrafo 1º, da CF/88 determina que Lei Complementar tratará sobre
a aposentadoria do servidor públicos das pessoas com deficiência. A Lei que trata da
aposentadoria da pessoa com deficiência é a Lei Complementar 142, de 8 de maio de
2013.
O artigo 203, Incisos IV e V, da CF/88 descrevem sobre a assistência social, que
deve ser prestada aos necessitados, tendo por objetivos: habilitação e reabilitação das
pessoas com deficiência e garantia de um salário mínimo de beneficio mensal à pessoa
com deficiência.
O artigo 208, inciso III, da CF/88 trata sobre o dever do Estado com a educação
no atendimento educacional especializado as pessoas com deficiência. Nesse sentido, o
Estado deve promover a acessibilidade e nenhuma escola pode se recusar a aceitar aludo
com deficiência.
O artigo 227, parágrafo 2º, da CF/88 dispõe que a lei deve garanti o acesso
adequado as pessoas com deficiência. Nesse mesmo sentido está o artigo 244 da
Constituição Federal de 1988.
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5 CÓDIGO CIVIL DE 2002
O Código Civil de 2002, Lei 10406, de 10 de janeiro de 2002, alterado pela Lei
13.146 de 2015, trata da Teoria das Capacidades nos seguintes artigos:
Art. 1o Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil.
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o necessário discernimento para por deficiência mental, tenham o
a prática desses atos; discernimento reduzido;
III - os que, mesmo por causa III - os excepcionais, sem
transitória, não puderem desenvolvimento mental
exprimir sua vontade. completo;
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incapazes, em algum enquadramento do art. 4.º do Código Civil,
também ora alterado.
Como se pode perceber, no último preceito não há mais a menção às
pessoas com deficiência no inciso II. Quanto ao termo excepcionais sem
desenvolvimento completo (art. 4.0, III), ele foi substituído pela antiga
expressão que se encontrava no anterior art. 3.0, III, ora revogado
("aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem
exprimir sua vontade"). Em suma, podemos dizer que houve uma
verdadeira revolução na teoria das incapacidades.
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O artigo 1º da Convenção trata do objetivo/propósito, qual seja, o de promover,
proteger e assegurar o exercício pleno dos Direitos Humanos da pessoa com deficiência,
bem como promover o respeito a sua dignidade.
Com relação às definições da Convenção, o artigo 2º apresenta que:
Artigo 2
Definições
Para os propósitos da presente Convenção:
“Comunicação” abrange as línguas, a visualização de textos, o braille,
a comunicação tátil, os caracteres ampliados, os dispositivos de
multimídia acessível, assim como a linguagem simples, escrita e oral,
os sistemas auditivos e os meios de voz digitalizada e os modos, meios
e formatos aumentativos e alternativos de comunicação, inclusive a
tecnologia da informação e comunicação acessíveis;
“Língua” abrange as línguas faladas e de sinais e outras formas de
comunicação não-falada;
“Discriminação por motivo de deficiência” significa qualquer
diferenciação, exclusão ou restrição baseada em deficiência, com o
propósito ou efeito de impedir ou impossibilitar o reconhecimento, o
desfrute ou o exercício, em igualdade de oportunidades com as demais
pessoas, de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais nos
âmbitos político, econômico, social, cultural, civil ou qualquer outro.
Abrange todas as formas de discriminação, inclusive a recusa de
adaptação razoável;
“Adaptação razoável” significa as modificações e os ajustes necessários
e adequados que não acarretem ônus desproporcional ou indevido,
quando requeridos em cada caso, a fim de assegurar que as pessoas com
deficiência possam gozar ou exercer, em igualdade de oportunidades
com as demais pessoas, todos os direitos humanos e liberdades
fundamentais;
“Desenho universal” significa a concepção de produtos, ambientes,
programas e serviços a serem usados, na maior medida possível, por
todas as pessoas, sem necessidade de adaptação ou projeto específico.
O “desenho universal” não excluirá as ajudas técnicas para grupos
específicos de pessoas com deficiência, quando necessárias.
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f) A acessibilidade;
g) A igualdade entre o homem e a mulher;
h) O respeito pelo desenvolvimento das capacidades das crianças com
deficiência e pelo direito das crianças com deficiência de preservar sua
identidade.
Todas as pessoas devem ser tratas de forma igual, essa igualdade é a substancial,
pois ela visa promover de forma proporcional e razoável o tratamento igualitário entre as
pessoas com medidas inclusivas. Portanto, não pode haver discriminação violadora de
Direitos Humanos, mas pode haver discriminação positiva (ações afirmativas).
Ao tratar do acesso à justiça o artigo 13 da Convenção desenvolve que:
Artigo 13
Acesso à justiça
1.Os Estados Partes assegurarão o efetivo acesso das pessoas com
deficiência à justiça, em igualdade de condições com as demais pessoas,
inclusive mediante a provisão de adaptações processuais adequadas à
idade, a fim de facilitar o efetivo papel das pessoas com deficiência
como participantes diretos ou indiretos, inclusive como testemunhas,
em todos os procedimentos jurídicos, tais como investigações e outras
etapas preliminares.
2.A fim de assegurar às pessoas com deficiência o efetivo acesso à
justiça, os Estados Partes promoverão a capacitação apropriada
daqueles que trabalham na área de administração da justiça, inclusive a
polícia e os funcionários do sistema penitenciário.
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O acesso à justiça é um direito humano de todos. Esse direito visa garantir outros
Direitos Humanos. Por essa razão, o Estado deve assegurar um adequado e adaptado
acesso à justiça das pessoas com deficiência. Nessa concepção, é necessário que o Estado
promova uma capacitação apropriação dos respectivos profissionais que vão trabalhar no
efetivo acesso à justiça das pessoas com deficiência.
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ou o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais de pessoa com
deficiência, incluindo a recusa de adaptações razoáveis e de
fornecimento de tecnologias assistivas.
§ 2o A pessoa com deficiência não está obrigada à fruição de benefícios
decorrentes de ação afirmativa.
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Art. 8o É dever do Estado, da sociedade e da família assegurar à pessoa
com deficiência, com prioridade, a efetivação dos direitos referentes à
vida, à saúde, à sexualidade, à paternidade e à maternidade, à
alimentação, à habitação, à educação, à profissionalização, ao trabalho,
à previdência social, à habilitação e à reabilitação, ao transporte, à
acessibilidade, à cultura, ao desporto, ao turismo, ao lazer, à
informação, à comunicação, aos avanços científicos e tecnológicos, à
dignidade, ao respeito, à liberdade, à convivência familiar e
comunitária, entre outros decorrentes da Constituição Federal, da
Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu
Protocolo Facultativo e das leis e de outras normas que garantam seu
bem-estar pessoal, social e econômico.
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§ 2o Nos serviços de emergência públicos e privados, a prioridade
conferida por esta Lei é condicionada aos protocolos de atendimento
médico.
Art. 85. A curatela afetará tão somente os atos relacionados aos direitos
de natureza patrimonial e negocial.
§ 1o A definição da curatela não alcança o direito ao próprio corpo, à
sexualidade, ao matrimônio, à privacidade, à educação, à saúde, ao
trabalho e ao voto.
§ 2o A curatela constitui medida extraordinária, devendo constar da
sentença as razões e motivações de sua definição, preservados os
interesses do curatelado.
§ 3o No caso de pessoa em situação de institucionalização, ao nomear
curador, o juiz deve dar preferência a pessoa que tenha vínculo de
natureza familiar, afetiva ou comunitária com o curatelado.
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A Lei 8213, de 24 de julho de 1991 descreve no artigo 93 que:
Art. 93. A empresa com 100 (cem) ou mais empregados está obrigada
a preencher de 2% (dois por cento) a 5% (cinco por cento) dos seus
cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de
deficiência, habilitadas, na seguinte proporção:
O artigo 37, VII, da CF/88 descreve que: “a lei reservará percentual dos cargos e
empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência e definirá os critérios de sua
admissão”.
O artigo 5º, parágrafo 2º, da Lei 8112, de 11 de dezembro de 1990 apresenta o
seguinte:
Art. 5o São requisitos básicos para investidura em cargo público:
I - a nacionalidade brasileira;
II - o gozo dos direitos políticos;
III - a quitação com as obrigações militares e eleitorais;
IV - o nível de escolaridade exigido para o exercício do cargo;
V - a idade mínima de dezoito anos;
VI - aptidão física e mental.
§ 1o As atribuições do cargo podem justificar a exigência de
outros requisitos estabelecidos em lei.
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10 ISENÇÃO TRIBUTÁRIA PARA PESSOAS COM DEFICIÊNCIA
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§ 1o São incapazes:
I - o interdito por enfermidade ou deficiência mental;
II - o que, acometido por enfermidade ou retardamento mental, ao
tempo em que ocorreram os fatos, não podia discerni-los, ou, ao
tempo em que deve depor, não está habilitado a transmitir as
percepções;
III - o que tiver menos de 16 (dezesseis) anos;
IV - o cego e o surdo, quando a ciência do fato depender dos sentidos
que lhes faltam.
O artigo 447, parágrafo 1º, I, do Código Processo Civil menciona que o interdito
por enfermidade ou deficiente mental é incapaz, logo, não pode ser testemunha. Mas é
interessante ressalta que a pessoa com deficiência não é incapaz, conforme o Estatuto da
Pessoa com Deficiência.
De forma breve, o CPC/15 trata da interdição nos artigos 747 e seguintes. A
interdição poderá ser promovida: cônjuge, companheiro, parentes, tutores, representante
da entidade em que se encontra obrigado o interditando ou pelo Ministério Público. Por
fim, o CPC/15 permite a tomada de decisão e em caso excepcional a curatela. Observa-
se que a interdição não é mais aplicada com a vigência do Estatuto da Pessoa com
Deficiência.
O Estatuto da Pessoa com Deficiência é uma lei inclusiva, que garante a igualdade
material, justiça social, liberdade, fraternidade, dignidade da pessoa humana, entre outros.
Nesse sentido, o Estatuto da Pessoa com Deficiência combate a discriminação, a violação,
a violência e a exclusão das pessoas com deficiência.
O Estatuto da Pessoa com Deficiência contribui para a quebra do paradigma de
que a pessoa com deficiência é doente, pois a deficiência deve ser vista como uma
característica ou qualidade, mas nunca como limitação ou doença.
Para José Fernando Simão (2015)1:
1
SIMÃO, José Fernando. Estatuto da Pessoa com Deficiência causa perplexidade (Parte I), 2015.
Disponível em: http://www.conjur.com.br/2015-ago-06/jose-simao-estatuto-pessoa-deficiencia-causa-
perplexidade. Acesso em 30.07.2016
Página 74 de 261
capaz ou incapaz é parte do estado da pessoa natural. A lei de estado
tem eficácia imediata e o levantamento da interdição é desnecessário.
Ainda, não serão mais considerados incapazes, a partir da vigência da
lei, nenhuma pessoa enferma, nem deficiente mental, nem excepcional
(redação expressa do artigo 6º do Estatuto).
Imaginemos uma pessoa que tenha deficiência profunda. Tal pessoa,
em razão da deficiência, não consegue exprimir sua vontade. Esta
pessoa, hoje, passa por um processo de interdição e é reconhecida como
absolutamente incapaz. Seu representante legal (normalmente um dos
pais), na qualidade de curador a representa para os atos da vida civil.
Com a mudança trazida pelo Estatuto, tal pessoa, apesar da deficiência
profunda, passa a ser capaz.
E qual a consequência, para o direito da capacidade plena desta pessoa?
Responderemos em nossas conclusões.
Página 75 de 261
assinar um contrato que lhe é desvantajoso (curso por correspondência
de inglês ofertado na porta do metrô) esse contrato é anulável, pois não
foi o incapaz assistido. Com a vigência do Estatuto esse contrato passa
a ser, em tese, válido, pois celebrado por pessoa capaz. Para sua
anulação, necessária será a prova dos vícios do consentimento (erro ou
dolo) o que por exigirá prova de maior complexidade e as dificuldades
desta ação são enormes.
Trouxe, nesse aspecto, o Estatuto alguma vantagem aos deficientes? A
mim, parece que nenhuma, pois deixou o deficiente a mercê de pessoas
sem escrúpulos e com maior dificuldade para invalidar negócios
jurídicos.
Página 76 de 261
No campo Direito Civil das Capacidades, considerar uma pessoa com deficiência
como incapaz pelo fato dela ser “deficiente” é uma discriminação e uma violação aos
Direitos Humanos.
No campo do Direito de família, a pessoa com deficiência pode casar, pode se
divorciar, pode ter a quantidade de filhos que quiser, pode amar, pode adotar, pode se
utilizar de técnicas de reprodução assistida, entre outros.
Em relação à realização de atos de natureza patrimonial ou negocial a pessoa com
deficiência pode contar com o auxilio de um curador. Mas em relação aos atos
existenciais, a pessoa com deficiência não precisa de curador.
Ao interpretar o artigo 928 do Código Civil à luz do Estatuto da Pessoa com
Deficiência e da Constituição Federal é interessante visualizar que a pessoa com
deficiência responde pelos seus próprios atos, portanto, é possível visualizar que não há
mais a responsabilidade subsidiária do artigo 928 do CC/02 da pessoa com deficiência.
Dado o exposto, é bom lembrar que o Estatuto da Pessoa com Deficiência revoga
a interdição, logo, é possível o processo de tomada de decisão ou curatela.
13 CONSIDERAÇÕES FINAIS
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para praticar os atos de natureza existência, patrimonial e negocial, logo, a pessoa com
deficiência não é mais absolutamente incapaz como era previsto.
A Convenção da Pessoa com Deficiência promove, protege e assegura o pleno
exercício dos Direitos Humanos da pessoa com deficiência, nesse sentido, essa pessoa
tem dignidade humana, então, deve ser respeitada, protegida e incluída no Estado
Democrático de Direito.
O Estatuto da Pessoa com Deficiência conceitua de forma legal o que vem a ser a
pessoa com deficiência da seguinte forma: “é a pessoa que detém impedimento de
natureza física, metal, intelectual ou sensorial de longo prazo, que pode dificultar a sua
igualdade de condições com as demais pessoas”. Esse Estatuto protege os direitos
existenciais da pessoa com deficiência, portanto, essa pessoa pode casar, formar união
estável; exercer direitos sexuais e reprodutivos; desempenhar o direito de decidir o
número de filhos e de ter acesso à educação familiar; conservar sua fertilidade; exercer o
direito à família e a convivência familiar e comunitária; praticar o direito à guarda, à
tutela, à curatela, à adoção, entre outros.
Há uma política de empregabilidade da pessoa com deficiência, tendo em vista
que em empresas de 100 ou mais empregados deve haver de 2 a 5 % empregados com
deficiência.
Quanto a cotas para concurso, a pessoa com deficiência detém o direito de até 20
% das vagas oferecidas em concurso público para o provimento de cargos cujas
atribuições sejam compatíveis.
Em âmbito tributário, a pessoa com deficiência detém direito à isenção de pagar
IPI (Imposto sobre produtos industrializados), IOF (imposto sobre operações de crédito,
câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários incidências), ICMS (imposto
sobre circulação de mercadorias e prestação de serviços) e IPVA (imposto sobre a
propriedade de veículos automotores).
O novo CPC (CPC 2015) deve se adequar a Convenção da Pessoa com
Deficiência, pois esta detém status de Emenda Constitucional. O CPC disciplina matéria
processual e no que tange a pessoa com deficiência é possível a tomada de decisão e em
caso excepcional a curatela.
Dado o exposto, a pessoa com deficiência detém proteção jurídica em âmbito
internacional e nacional. Nesse sentido, é interessante e relevante estudar sobre a proteção
dessa pessoa à luz do Direito Civil Constitucional Humanizado, em razão das atuais
modificações realizadas pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência como a plena
Página 78 de 261
capacidade da pessoa com deficiência e o respeito aos direitos existenciais, patrimoniais
e negociais dessa pessoa.
REFERÊNCIA
Página 79 de 261
CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO DO CONSUMIDOR:
CONDIÇÃO DE HIPERVULNERABILIDADE DIANTE DA PRÁTICA
ABUSIVA DA VENDA CASADA COMO PRÉ- REQUISITO A
APROVAÇÃO E LIBERAÇÃO DO PEDIDO DE CRÉDITO BANCÁRIO.
1
Mestranda em Ciências Jurídicas pela Universidade Federal da Paraíba na Área de concentração em Direito
Econômico - PPGCJ/UFPB. Graduada em Direito pela Universidade Federal de Campina Grande - UFCG,
Paraíba. E-mail: nanda83_braga@hotmail.com.
2
Docente dos cursos de formação e habilitação da Instituição Corpo de Bombeiros Militar da Paraíba. Mestranda
em Ciências Jurídicas pela Universidade Federal da Paraíba na Área de concentração em Direito Econômico -
PPGCJ/UFPB. Graduada em Direito pela Faculdade Maurício de Nassau - João Pessoa, Paraíba. E-mail:
ynaica@yahoo.com.br.
3
Graduanda em Direito pela Universidade Federal da Paraíba. E-mail: ivannapessoa@hotmail.com
Página 80 de 261
Palavras-chave: Direito Constitucional. Consumidor Hipervulnerável. Prática Abusiva. Venda
Casada Responsabilidade Civil das instituições financeiras.
ABSTRACT: The aim of this paper is to analyze consumer hipossuficiência on the abusive
imposition of banking practice, popularly known as "tying" because it is a business activity
practiced by the banking provider unlawfully since shuns legal standards unbalancing the
consumer relationship between client and financial institution therefore uses its economic
superiority or technical conditioning the release of a credit acceptance of another service or
banking product, removing the consumer's freedom of choice, typical features of the accession
agreement, accentuating their vulnerability. The survey, in its approach, it uses the deductive
method seeking to ascertain the concept of the practice of selling regarded as unfair, in doctrine
and law, as also seeks to identify the jurisprudential profile of the courts and the configuration
of tying quoting and enjoying cases controversial court. In this context, gives opportunity is an
increasing discussion about the liability of financial institutions by abuse in the provision of
products or services, emphasizing the need for a review of civil law in the light of the
Constitution, taking into account that the private autonomy you can not override your desire to
profit at the expense of basic consumer rights, or at least take advantage of the consumer
hipervulnerabilidade stage when seeking the release of a financial credit.
1. INTRODUÇÃO
Página 81 de 261
predispostas, típicas dos contratos bancários, oportunizando ao consumidor apenas a
possibilidade de aderir as cláusulas avençadas.
O Código de Defesa do Consumidor, deste modo, regula uma das formas mais
utilizadas, atualmente, nas contratações de massa: os contratos de adesão, disciplinando-os no
capítulo VI, art. 54.
Pois bem, partindo deste reconhecimento de vulnerabilidade expresso
constitucionalmente, o presente artigo preocupa-se em averiguar a incidência das práticas
abusivas, cometidas por partes dos bancos, que se aproveitam do uso indiscriminado da forma
contratual na modalidade adesão, anexando aos contratos firmados a venda casada de produtos
ou serviços condicionada a liberação de um financiamento bancário demonstrando que a técnica
de contratação acaba por ocasionar a falta de liberdade de escolha do consumidor elevando-o
ao estágio de hipervulnerável.
Página 82 de 261
Portanto, há impossibilidade jurídica de proposta de emenda constitucional tendente a
abolir ou diminuir a eficácia da referida norma constitucional. Ciente de que a defesa do sujeito
consumidor está inserida no rol dos direitos fundamentais constitucionais, tratando-se então de
cláusula pétrea, não sendo objeto de deliberação, qualquer conflito que agrida o postulado da
primazia da Carta Magna viola pelo menos um princípio essencial, qual seja, o da Supremacia
da Constituição, comprometendo assim, a harmonia de todo o ordenamento jurídico brasileiro.
Sendo ainda, enfatizada pela Carta Magna como princípio da ordem econômica e
financeira, previsto no artigo 170, V, que ressalta a importância da defesa do consumidor nas
relações de cunho econômicas. Consiste em Direito abraçado pela Lei Maior, que garantiu a
existência e efetividade do direito do consumidor no Brasil, possuindo eficácia seja contra o
próprio Estado ou nas relações privadas.
Além do manto Constitucional, os consumidores brasileiros foram contemplados com
a Lei nº 8.078 de 11 de setembro de 1990, que rege especificamente as relações de consumo,
que traz o consumidor como parte vulnerável e em algumas situações, hipervulnerável da
relação.
A fim de garantir o equilíbrio das relações, levando em consideração que o consumo
assume características peculiares, os agentes econômicos devem pautar suas atividades no
princípio da boa-fé1 com vistas a minorar as assimetrias com os consumidores, como também,
os padrões mercadológicos em desconformidade com tal princípio basilar.
Com a inclusão da atividade econômica na Carta Magna brasileira, o Estado assume o
compromisso de disciplinar a relação entre mercado e indivíduos, conferindo-a valor jurídico-
Constitucional, assumindo tarefas de limitação e organização econômicas, garantindo que os
interesses privados não afetem direitos fundamentais dos indivíduos, sobretudo, princípios já
consolidados na lex mater, dentre eles, a defesa do consumidor.
Assim, a Constituição Federal brasileira de 1988 é o respaldo legal fundamental e o
Código de Defesa do Consumidor, instrumento específico adequado para resguardar o
indivíduo-consumidor, como também, coibir os abusos do mercado de consumo, devendo ser
1 Quando expresso na Lei nº 8.078/1990, o princípio da boa-fé é garantidor daqueles outros princípios previstos
no art. 170 da Constituição Federal, a fim de viabilizar os ditames constitucionais da ordem econômica, visando à
proteção do consumidor e ao desenvolvimento econômico e tecnológico. Afirma Nunes (2011, p. 657) que “a boa-
fé não serve somente para a defesa do débil, mas sim como fundamento para orientar a interpretação garantidora
da ordem econômica, que, como vimos, tem na harmonia dos princípios constitucionais do art. 170 sua razão de
ser”. Para Vasconcelos e Brandão (2008, p. 10) “segundo a doutrina que orienta o Direito do Consumidor, o
fornecedor de qualquer produto ou serviço, deve agir sob o princípio da boa fé objetiva, mantendo conduta
contratual compatível nas relações com o consumidor vulnerável”.
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observadas pelos agentes econômicos nas contratações, a fim de harmonizar a relação que per
se já nasce desequilibrada.
1
Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça por intermédio do julgamento do Recurso Especial nº 1.037.759/RJ,
cotejou a Constituição Federal de 1988, o Código de Defesa do Consumidor e o Código Civil de 2002 para
consolidar o referido precedente, senão vejamos: “DIREITO CIVIL E CONSUMIDOR. RECUSA DE CLÍNICA
CONVENIADA A PLANO DE SAÚDE EM REALIZAR EXAMES RADIOLÓGICOS. DANO MORAL.
EXISTÊNCIA. VÍTIMA MENOR. IRRELEVÂNCIA. OFENSA A DIREITO DA PERSONALIDADE.
- A recusa indevida à cobertura médica pleiteada pelo segurado é causa de danos morais, pois agrava a situação de
aflição psicológica e de angústia no espírito daquele. Precedentes
- As crianças, mesmo da mais tenra idade, fazem jus à proteção irrestrita dos direitos da personalidade, entre os
quais se inclui o direito à integridade mental, assegurada a indenização pelo dano moral decorrente de sua violação,
nos termos dos arts. 5º, X, in fine, da CF e 12, caput, do CC/02.
- Mesmo quando o prejuízo impingido ao menor decorre de uma relação de consumo, o CDC, em seu art. 6º, VI,
assegura a efetiva reparação do dano, sem fazer qualquer distinção quanto à condição do consumidor, notadamente
sua idade. Ao contrário, o art. 7º da Lei nº 8.078/90 fixa o chamado diálogo de fontes, segundo o qual sempre que
uma lei garantir algum direito para o consumidor, ela poderá se somar ao microssistema do CDC, incorporando-
se na tutela especial e tendo a mesma preferência no trato da relação de consumo; [...]”.
Página 84 de 261
Alerta Sozzo (2014) para a necessidade de associar as normativas compreendidas no
direito privado, nunca divergindo-as2, sendo o diálogo das fontes grande inovação do direito.
Logo, o diálogo entre fontes normativas visa fortalecer a estrutura jurídica, evitando conflitos
entre as normas jurídicas, numa interação harmoniosa entre elas, a fim de proporcionar um
coerente funcionamento da máquina jurídica.
Sabendo que nas relações de ordem consumeristas, prevalecem as disposições
expressas no CDC, a aproximação das normas por meio de diálogo das fontes consolida a
reafirmação de direitos, à exemplo do Princípio da boa-fé que possui previsão no art. 422 do
Código Civil brasileiro de 2002, assegurando proteção de forma geral e genérica de matéria
obrigacional, assim como no art. 51, IV do CDC, Lei especial de tutela dos direitos dos
consumidores, ora amparada pela CF/88, mandamento Constitucional que positivou a devida
tutela em seu artigo 5º, XXXII.
Nesse sentido, explica Marques, Benjamin e Miragem (2013, p. 68) que “[...], a
aplicação conjunta e coordenada das fontes tem como consequência a inexistência de lacunas,
onde o Direito do consumidor pode ser complementado por outras leis e princípios”. Nas
relações de cunho consumeristas, o diálogo das fontes jurídicas permite assegurar ao
consumidor, tutela especial e digna, conforme os valores e os princípios constitucionais de
proteção especial.
Porquanto, o método do diálogo das fontes visa esclarecer a lógica do manto especial
protetivo conferido ao sujeito consumidor à égide do CDC, possibilitando visão unitária e
coerente do Direito privado, tendo por base primordial a Constituição Federal, elevando a visão
do intérprete para a existência do conjunto sistemático de normas. Assim, explicam os autores
Marques, Benjamin e Miragem (2013, p. 68) que o método do diálogo das fontes “é muito útil
nos dias de hoje, de grande pluralismo de fontes e de incertezas em matéria de Teoria Geral do
Direito: assegura uma aplicação do conjunto de fontes a favor do consumidor”.
Logo, o método do diálogo das fontes é uma generosa ferramenta que possibilita um
olhar mais qualificado sobre o direito do consumidor, uma vez que correlaciona fontes jurídicas
na medida em que uma lei pode servir de base conceitual para outra, possibilitando a aplicação
coordenada entre as normas, a partir de conversações recíprocas entre os sistemas.
2
Afirma Sozzo (2014, p. 18) que “es necesario profundizar la tarea de deconstrucción de la dicotomía público
privado como tal y reconstruirla como una asociación, [...]” (texto original).
Página 85 de 261
4. A CONDIÇÃO DE VULNERABILIDADE DO CONSUMIDOR NAS
CONTRATAÇÕES
3
Esse é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, por intermédio do julgamento do Recurso Especial n.º
476.428-SC: “Direito do Consumidor. Recurso especial. Conceito de consumidor. Critério subjetivo ou finalista.
Mitigação. Pessoa Jurídica. Excepcionalidade. Vulnerabilidade. Constatação na hipótese dos autos. Prática
abusiva. Oferta inadequada. Característica, quantidade e composição do produto. Equiparação (art. 29).
Decadência. Inexistência. Relação jurídica sob a premissa de tratos sucessivos. Renovação do compromisso. Vício
oculto.
- A relação jurídica qualificada por ser "de consumo" não se caracteriza pela presença de pessoa física ou jurídica
em seus pólos, mas pela presença de uma parte vulnerável de um lado (consumidor), e de um fornecedor, de outro.
- Mesmo nas relações entre pessoas jurídicas, se da análise da hipótese concreta decorrer inegável
vulnerabilidade entre a pessoa-jurídica consumidora e a fornecedora, deve-se aplicar o CDC na busca do
equilíbrio entre as partes. Ao consagrar o critério finalista para interpretação do conceito de consumidor, a
jurisprudência deste STJ também reconhece a necessidade de, em situações específicas, abrandar o rigor do critério
subjetivo do conceito de consumidor, para admitir a aplicabilidade do CDC nas relações entre fornecedores e
consumidores-empresários em que fique evidenciada a relação de consumo. [...]”.
Página 86 de 261
sendo “em razão dela que foi editado o CDC, que busca fazer retornar o equilíbrio a essa relação
frequentemente desigual entre consumidor e fornecedor”.
Ainda sobre as assimetrias existentes entre fornecedor e consumidor, para os autores
Brito e Torres (2013, p. 88), o CDC além de resguardar direitos “disciplina as relações entre
consumidores e fornecedores, estabelecendo as diretrizes sobre as quais essas relações estarão
assentadas, a fim de restabelecer o equilíbrio entre esses dois polos”.
Não obstante, de posse do produto ou serviço e tendo grande poderio econômico, os
fornecedores de bens e serviços abrem grande vantagem na relação, cujo consumidor, ora
submisso as suas imposições, resta vulnerável e carente de proteção legal. Sendo assim, o
princípio da vulnerabilidade atua como norteador das relações consumeristas, assegurando à
parte mais fragilizada, amparo legal protetivo.
4
Estabelecendo situações gerais de hipervulnerabilidade, ao prever que “É vedado ao fornecedor de produtos ou
serviços, dentre outras práticas abusivas: [...]; IV - prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo
em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços”;
(BRASIL, 1990).
Página 87 de 261
Recurso Especial nº 586.316/MG5 que reconhece a situação de hipervulnerabilidade dos
consumidores portadores de doença celíaca, frente ao descumprimento do dever de informar do
fornecedor.
Logo, a condição de hipervulnerabilidade está relacionada à situação acentuada da
fragilidade do consumidor em virtude de seu estado momentâneo ou permanente, requerendo
maior proteção legal, como também respeito por parte dos fornecedores de bens e serviços nas
relações de consumo, devendo a Lei nº 8.078/1990, servir de parâmetro nas relações.
Assim, a partir do desdobramento da situação de vulnerabilidade, o reconhecimento
legal das diferenças com o grupo de consumidores hipervulneráveis estabelece graus de
proteção diferenciados entre eles, na medida em que estes necessitam de amparo qualificado
pelas normas do CDC, como também, por outras fontes normativas.
5
O STJ tem apresentado importantes decisões que destacam a proteção dos hipervulneráveis, reconhecendo e
tutelando os consumidores que encontram-se em situações distintas. Sobre a matéria, o Ministro Herman
Benjamin ressaltou a situação de hipervulnerabilidade do consumidor, ao proferir voto no REsp 586.316/MG.
Vejamos: “DIREITO DO CONSUMIDOR. ADMINISTRATIVO. NORMAS DE PROTEÇÃO E DEFESA DO
CONSUMIDOR. ORDEM PÚBLICA E INTERESSE SOCIAL. PRINCÍPIO DA VULNERABILIDADE DO
CONSUMIDOR. PRINCÍPIO DA TRANSPARÊNCIA. PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA. PRINCÍPIO DA
CONFIANÇA. OBRIGAÇÃO DE SEGURANÇA. DIREITO À INFORMAÇÃO. DEVER POSITIVO DO
FORNECEDOR DE INFORMAR, ADEQUADA E CLARAMENTE, SOBRE RISCOS DE PRODUTOS E
SERVIÇOS. DISTINÇÃO ENTRE INFORMAÇÃO-CONTEÚDO E INFORMAÇÃO-ADVERTÊNCIA.
ROTULAGEM. PROTEÇÃO DE CONSUMIDORES HIPERVULNERÁVEIS. CAMPO DE APLICAÇÃO DA
LEI DO GLÚTEN (LEI 8.543/92 AB-ROGADA PELA LEI 10.674/2003) E EVENTUAL ANTINOMIA COM
O ART. 31 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. MANDADO DE SEGURANÇA PREVENTIVO.
JUSTO RECEIO DA IMPETRANTE DE OFENSA À SUA LIVRE INICIATIVA E À COMERCIALIZAÇÃO
DE SEUS PRODUTOS. SANÇÕES ADMINISTRATIVAS POR DEIXAR DE ADVERTIR SOBRE OS RISCOS
DO GLÚTEN AOS DOENTES CELÍACOS. INEXISTÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO.
DENEGAÇÃO DA SEGURANÇA.
[...]; 18. Ao Estado Social importam não apenas os vulneráveis, mas sobretudo os hipervulneráveis , pois são esses
que, exatamente por serem minoritários e amiúde discriminados ou ignorados, mais sofrem com a massificação
do consumo e a "pasteurização" das diferenças que caracterizam e enriquecem a sociedade moderna.
19. Ser diferente ou minoria, por doença ou qualquer outra razão, não é ser menos consumidor, nem menos cidadão,
tampouco merecer direitos de segunda classe ou proteção apenas retórica do legislador.
20. O fornecedor tem o dever de informar que o produto ou serviço pode causar malefícios a um grupo de pessoas,
embora não seja prejudicial à generalidade da população, pois o que o ordenamento pretende resguardar não é
somente a vida de muitos, mas também a vida de poucos. [...];”.
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montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou
comercialização de produtos ou prestação de serviços.”.
Uma vez configurado legalmente a figura do Fornecedor como sendo aquele que
desenvolve atividade em suas mais variadas formas, inevitável foi a preocupação do legislador
em definir de maneira expressa, visando eximir qualquer espécie de dúvidas na aplicação da
norma protetiva, o conceito de “ serviços” pois também foi delegado ao fornecer a possibilidade
de prestá-los.
Fruto dessa precaução, surge o §2º do art. 3º do CDC definindo serviço como qualquer
atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza
bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter
trabalhista.
A redação do §2º do art. 3º do CDC, não obteve uma boa recepção , especificamente,
pelos bancos, que passaram a exigir que as “instituições financeiras fossem excluídas do
conceito de fornecedores de serviços, resultando na impetração de uma Ação Direta de
Inconstitucionalidade – ADI nº2591 formulado pela Confederação Nacional das Instituições
Financeiras (CONSIF) alegando que o vício de inconstitucionalidade estaria na ofensa ao artigo
192 da Carta Magna, pois a regulação do Sistema Financeiro Nacional seria matéria de lei
complementar, e não do CDC, uma lei ordinária.
Dentre as alegações da Confederação Nacional do Sistema Financeiro, além da
necessidade de lei complementar para a criação de novas obrigações impostas aos bancos,
questionava se também se o cliente de instituição financeira poderia ser considerado
consumidor.
Após longos anos de controvérsias, Ação Direta de Inconstitucionalidade n.
2.591/DF, proposta pela Confederação Nacional do Sistema Financeiro, em face do Presidente
da República e do Congresso Nacional, e que visava extirpar do artigo 3º, §2º da Lei n. 8.078/90
a expressão “inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária”, foi
finalmente julgada improcedente.
Segundo o posicionamento de Cesar Perluzo, o CDC não veio para regular as relações
entre as instituições do Sistema Financeiro Nacional e os clientes sob o ângulo estritamente
financeiro, mas sim para dispor sobre as relações de consumo entre bancos e clientes.
Tal entendimento posteriormente passou a ser sumulado com a edição da Súmula 297
do Superior Tribunal de Justiça-STJ ratificando a aplicação do Código de Defesa do
Consumidor as às instituições financeiras.
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Segundo o posicionamento Ministro Ruy Rosado de Aguiar em julgamento do
Recurso Especial nº 57.974/RS (94.386150)
[...] A instituição bancária, está submetido às disposições do Código de Defesa do
Consumidor, não porque ele seja fornecedor de um produto, mas porque presta um
serviço consumido pelo cliente, que é o consumidor final desses serviços, e seus
direitos devem ser igualmente protegidos como o de qualquer outro, especialmente
porque nas relações bancárias há difusa utilização de contratos de massa e o onde,
com mais evidência, surge desigualdade de forças e a vulnerabilidade do usuário .
Em suma, após longos períodos de discursão, não restam dúvidas que aplicação do
Código de Defesa do Consumidor- CDC a instituição financeira representa um passo valoroso
rumo a manutenção aos direitos do consumidor, tendo em vista a crescente lucratividade dos
estabelecimentos bancários e a situação de vulnerabilidade de seus clientes – usuários.
Página 90 de 261
central de atendimento ao Consumidor, foram registradas 2.792 reclamações, envolvendo a
oferta ou prestação de serviços6.
Na verdade, o crescente índice de reclamações dos consumidores, envolvendo a má
prestação de serviços, não é algo surpreendedor, segundo Fundação Procon (Órgão de Defesa
e Proteção do Consumidor) as instituições financeiras vêm liderando o ranking de reclamações,
perdendo apenas para as empresas de telecomunicações.
Dentre as principais reclamações do consumidor, pioneiramente, encontram -se as
cobranças das taxas consideradas indevidas na celebração dos contratos de financiamentos.
O consumidor na ânsia da obtenção de um crédito torna-se mais vulnerável a adesão
de propostas de serviços, tipicamente conhecidas como “Venda Casada’’ que seria o ato de
condicionar a compra de um produto ou serviço à aquisição de outro, sem necessidade técnica
para isso. Em comum, todas essas situações inibem a liberdade de escolha do consumidor. Por
isso, a venda casada é considerada um crime contra a ordem econômica e contra as relações de
consumo.
Para um melhor entendimento da situação de vulnerabilidade do consumidor frente às
práticas consideradas abusivas, percebe-se que o Código de Defesa do Consumidor - CDC
demonstrou atenção especial quanto a prática proibida, popularmente conhecida no mercado
financeiro como venda casada., traduzindo em seu o artigo 39, I, do Código de Defesa do
Consumidor in “ É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas
abusivas: I - condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro
produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos”
A explicação de tal preceito é feita por (Magela. 2008 p. 74) “Quer-se evitar que o
consumidor, para ter acesso ao produto ou serviço que efetivamente deseja, tenha de arcar com
o ônus de adquirir outro, não de sua eleição, mas imposto pelo fornecedor como condição à
usufruirão do desejado”
Em continuidade ao tema, a proibição da prática da venda casada também é tipificada
em âmbito penal através da 8137/1990, onde o sujeito ativo deste crime é o fornecedor ou o
prestador de serviços, conceito esse trazido pelo Estatuto Consumerista em seu artigo 3º, o qual
condiciona à venda de um produto a aquisição de outro.
6
Procon orienta consumidores sobre venda casada, disponível em:
http://proconcastelo.es.gov.br/site/Noticia.aspx?id=78 < Acesso em: 28 de setembro de 2016.
Página 91 de 261
O referido dispositivo penal trata seu art. 5º, incisos II e III, a constituição de crime a
prática de a subordinar a venda de bem ou a utilização de serviço à aquisição de outro bem, ou
ao uso de determinado serviço; além de sujeitar a venda de bem ou a utilização de serviço à
aquisição de quantidade arbitrariamente determinada; com pena de detenção de 2 (dois) a 5
(cinco) anos, ou multa.
Nos tempos atuais, com as constantes modificações e facilidades junto ao mercado, é
indiscutível que o consumo é uma realidade cotidiana, pois com razão já disse Almeida (2009,
p. 1) “é verdadeira a afirmação de que todos nós somos consumidores”. Com o aquecimento do
mercado econômico em uma sociedade movida pelo consumismo, destaca-se que um grande
número de pessoas que recorre aos financiamentos ou empréstimos para adquirir o bem
desejado, ficando a mercê de aceitar qualquer oferta de serviços, mesmo que não almejada no
momento.
A apelação abusiva dos bancos no oferecimento de serviços acontece nas mais
variadas modalidades de empréstimos, sendo viável, neste momento, destacar a obtenção de
empréstimos, na modalidade consignado em folha de pagamento do cliente, onde banco
indiretamente condiciona a aprovação do pedido de empréstimo, desde que seja feita na
modalidade cartão de crédito. Acontece que, preliminarmente, a intenção do consumidor era
adquirir empréstimo consignado e não um cartão de crédito.
Essa conexão de serviços, acarreta ao consumidor ter que suportar todos os encargos
de taxas juros, saldo devedor, número e valor das parcelas, eventuais taxas administrativas e
impostos incidentes. De fato, a maneira de se ofertar o crédito pelo banco acaba por tornar a
dívida infindável. Ainda se não bastasse, o empréstimo consignado não deve ser condicionado
à aceitação de cartão de crédito, sob pena de incidência da proibida "venda casada”.
Segundo os ensinamentos (Marques 2013 p. 763) “A prática de venda casada não pode
ser tolerada, ‘mesmo se há uma benesse para o consumidor incluída nesta prática abusiva, pois
apenas os limites quantitativos é que podem ser valorados como justificados ou com justa
causa” De fato, não se configuraria um benefício ao consumidor arcar com todas as taxas
alusivas ao uso de um cartão de crédito, se o mesmo não foi solicitado, e sim imposto ao
consumidor.
O consumidor tem o direito à informação adequada e clara e clara sobre o produto ou
serviço que se pretende consumir, não obstante, existe uma categoria de consumidor que vem
sendo bastante prejudicada, por não sabe lidar com as artimanhas das instituições financeiras
utilizadas na hora da liberação crédito consignado, é o idoso, que se encontram notadamente
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fragilizados nas relações contratuais, de maneira geral, em virtude de limitações financeiras,
sociais e principalmente decorrente da idade, o que dificulta ainda mais a leitura e compreensão
das cláusulas preestabelecidas na avença contratual e da necessidade de se adquirir mais um
serviço.
A prática abusiva denominada como venda casada, apesar de toda a fiscalização por
parte dos órgãos de defesa do Consumidor (Procon), ainda insiste em ser algo rotineiro no
mundo comercial bancário.
Vejamos o caso da condenação da Caixa Econômica Federal (CEF) por Dano Moral
Coletivo. Após apuração de relatos e analise de documentação restou comprovado, de acordo
com a denúncia formulada pelo Ministério Público Federal (MPF) que a referida instituição
financeira exigia dos mutuários a abertura da conta corrente na instituição financeira para o
pagamento das parcelas do crédito, ora financiado, para que o mesmo fosse descontado por
meio do débito automático, além de impor aos mutuários a contratação do seguro de crédito
interno.
Ora, o fato do consumidor ter adquirido o empréstimo numa instituição financeira não
lhe obriga a pagar as parcelas do débito, restritivamente, no banco financiador, sob pena de ter
o seu crédito vetado, tal exigência retira do consumidor qualquer liberdade de escolha, não
restando dúvida que o fato da Caixa Econômica Federal condicionar a concessão do empréstimo
da linha de crédito a abertura de uma conta corrente caracteriza-se a prática de venda casada,
mesmo que de forma velada.
Judicialmente, eventuais repressões as práticas comerciais abusivas que prestigiam a
vulnerabilidade do consumidor frente à prática de venda casada, merecem um destaque
especial, como é o caso da decisão do Superior Tribunal de Justiça - STJ, apreciando ação de
revisão de contrato de mutuo, pedindo a substituição do reajuste pela TR (Taxa Referencial)
pelo INPC, a aplicação correta dos valores do seguro habitacional e o direito de escolher o
seguro habitacional que melhor lhes conviesse.
Na verdade, apesar de o seguro habitacional ser obrigatório por lei no Sistema
Financeiro de Habitação (SFH), o mutuário não é obrigado a adquirir esse seguro da mesma
entidade que financia o imóvel ou da seguradora por ela indicada, entendimento que acabou
concretizado com a edição da súmula 473 do STJ.
Quando questionados quanto à manutenção da prática da venda casada, os bancos
apelam para o discurso que ao ser oferecido tal serviço, continua sendo livre e espontânea a
vontade de aceitar ou recusar o serviço por parte do consumidor, que as condições ajustadas na
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hora de se obter um crédito financiado fazem parte do espirito de livre negociação entre as
partes, que deve ser respeitado e cumprido em face do princípio "pacta sunt servanda”.
Não obstante, o fato de o consumidor consentir com o ato abusivo ao adquirir o produto
não tem o condão de suprir a sua abusividade. A autonomia privada não pode ser mais
considerada como um dogma para as relações civis, principalmente com o advento da releitura
do Direito Civil à luz da Constituição. Conforme lição de Gustavo Tepedino, essa mudança de
entendimento representa a incorporação de valores não-patrimoniais, principalmente a
dignidade da pessoa humana, o desenvolvimento da sua personalidade, direitos sociais e a
justiça distributiva, objetivos pelos quais os agentes econômicos também devem cooperar para
a sua consecução.
Como se não bastassem os exemplos citados acima, ainda subsistem por parte das
instituições financeiras, em casos de financiamentos para a compra de um automóvel ou
motocicleta a vinculação da liberação do crédito condicionado a aceitação de um seguro de
vida.
É, sobretudo, o momento oportuno de se oferecer “a casadinha de serviços”, e porque
não, vinculá-lo a aprovação do financiamento. Neste momento, o consumidor encontra-se
vulnerável ao oferecimento de qualquer oferta, que além de apresentar-se como imposição a
aprovação do seu pedido de crédito, também serve para amenizar os danos sofridos, em caso
de uso imprudente ou indevido do bem financiado.
Continuando no discursão da problemática, salutar citar o posicionamento da 3º Turma
Recursal do Tribunal de Justiça de Justiça do Distrito Federal - DF, que aprecia em fase de
Recurso Inominado pedido de anulação de negócio Jurídico realizado entre cliente e banco.
Trata-se da realização de um empréstimo consignado que foi condicionado a contratação de um
seguro, que segundo o entendimento do poder judiciário houve falha na prestação do serviço
bancário, configurando a responsabilidade objetiva por vício na prestação de serviço bancário
devendo a prestadora de serviços responder pelos danos que causar ao consumidor, uma vez
que ausência de esclarecimento ao consumidor quanto a verdadeira necessidade da aquisição
do seguro.
Nestes termos, a referida turma recursal constata a vulnerabilidade do consumidor
diante da prática da “venda casada", ao estabelecer que é vedado ao fornecedor "condicionar o
fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como,
sem justa causa, a limites quantitativos.
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Ainda quanto aos julgados citados, a legislação brasileira em seu o artigo 52 e incisos
do CDC, reforça o direito à informação ao consumidor, determinando a explicitação das
condições a serem contratadas para que a escolha do consumidor seja a mais racional possível.
E, por fim, sendo o consumidor considerado parte hipossuficiente na relação de
consumo e, seguindo o princípio da vulnerabilidade, torna-se inaceitável qualquer tentativa por
parte das instituições financeiras a utilização das técnicas de negociação, que venha influenciar
o cliente a aceitar a vinculação de serviços extras ao seu pedido de liberação de crédito.
8- CONCLUSÃO
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E ainda, sob o foco do discursão central, a título de aprimoramento do tema, os
principais casos de condenação as instituições financeiras pela prática abusiva da venda casada,
passam a ser citados, a exemplo da condenação da Caixa Econômica Federal (CEF) por Dano
Moral Coletivo devido a exigência direcionados aos mutuários a abertura da conta corrente na
instituição financeira para o pagamento das parcelas do crédito.
Dando prosseguimento a análise da citação dos julgados, a decisão do Superior
Tribunal de Justiça - STJ, apreciando ação de revisão de contrato de mutuo cumulado com o
pedido do direito de escolher o seguro habitacional, respeitando a liberdade de contratação do
consumidor, é destacada pela pesquisa, tomando como base a súmula 473 do STJ.
E por fim, a pesquisa conclui que apesar de não haver discrepâncias de entendimento
quanto definição e análise da denominada venda casada, uma vez que a doutrina e
jurisprudência se utilizam dos mesmos critérios conceituais, ainda persiste no mercado
financeiros, em especial nas práticas bancárias, a reiteração da conduta desleal do fornecedor
de produtos e serviço.
De fato, a imposição da aceitação da oferta da venda casada como requisito
condicionante para aprovação ou liberação de outro serviço, inicialmente não pretendia pelo
consumidor caracteriza um abuso comercial, que retira a liberdade de escolha do consumidor
acentuando a sua vulnerabilidade.
Após análise das principais decisões proferidas pelo Poder Judiciário, no tocante a
prática abusiva, em questão, reflexões a respeito da vulnerabilidade do consumidor, diante a
imposição da aceitação da oferta da venda casada como requisito condicionante para aprovação
da liberação de um crédito.
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CONFLITOS JURÍDICOS DECORRENTES DOS CONTRATOS
CELEBRADOS EM SITES DE COMPRAS COLETIVAS
ABSTRACT: This article presents the difficulties faced by the digital age, particularly
with regard to collective shopping sites and the challenges that business imposes on the
legal world because of their way of celebration and its rapid popularization, allowing for
the legal and social protection of hypervulnerable.
Keywords: e-commerce; collective purchase; Electronic Law; Civil rights framework for
the internet.
1- INTRODUÇÃO
Com a proposta de descontos de até 90% no preço dos produtos, os sites de
compras coletivas ganham a cada dia mais espaço no mercado. O objetivo é atrair o maior
número de pessoas possível para que empresas dos mais diferentes segmentos possam
divulgar suas marcas e produtos e aquecer suas vendas. A ânsia de adquirir o produto bem
abaixo do preço de mercado leva milhares de internautas a compras por impulso e na
maioria das vezes sem o conhecimento dos seus direitos, na total ignorância das
conseqüências desses contratos.
Diante desse contexto, o artigo será dividido em três etapas: na primeira
analisaremos o comportamento desses contratos eletrônicos antes do Marco Civil, na
segunda esclareceremos como funciona o procedimento das compras realizadas em grupo
1
Especialista em Direito e servidor público do Ministério Público do Estado da Paraíba.
2
Advogada.
Página 99 de 261
através de sites de compras coletivas e na terceira o que mudou após a publicação da Lei:
12.965/14, conhecida popularmente como “Marco Civil”.
Vimos no tópico anterior acerca dos principais desafios enfrentado pelo contratos
eletronicos. No que se refere aos contratos de compra coletiva, além de todos os
supracitados podemos acrescentar ainda outros, inerentes aos contratos de compras
coletivas. Vamos salientar alguns deles e discorrer sobre os pincipais pontos nevráugicos
nessas relações:
- Sites que induzem o consumidor em erro ao divulgar imagens extremamente
convidativas de estabelecimentos dos mais diversos segmentos, pratos apetitosos,
tratamentos de beleza milagrosos, quando na realidade nao passam de imagens
ilustrativas, o que anda na margem da porpaganda enganosa, fazendo o cliente consumir
pelo impulso do visual, mas causando posteriormente momento de extrema frustração
para o consumidor de boa- fé;
No que se refere aos princípios que norteiam o Marco Civil da internet, podemos
nos arriscar afirmando que eles possuem forte influência constitucional e que o ponto alto
seria a garantia da proteção da privacidade e informações pessoais dos usuários. A
liberdade de expressão é outro fator com inspiração nos direitos fundamentais elencados
na Constituição. Esses pontos, podemos encontrar no primeiro capítulo da referida Lei,
mais especificamente em seu art. 3o, senão, vejamos:
Art. 3o - A disciplina do uso da internet no Brasil tem os seguintes
princípios:
I - garantia da liberdade de expressão, comunicação e
manifestação de pensamento, nos termos da Constituição Federal;
II - proteção da privacidade;
III - proteção dos dados pessoais, na forma da lei;
IV - preservação e garantia da neutralidade de rede;
V - preservação da estabilidade, segurança e funcionalidade da
rede, por meio de medidas técnicas compatíveis com os padrões
internacionais e pelo estímulo ao uso de boas práticas;
VI - responsabilização dos agentes de acordo com suas
atividades, nos termos da lei;
VII - preservação da natureza participativa da rede;
VIII - liberdade dos modelos de negócios promovidos na internet,
desde que não conflitem com os demais princípios estabelecidos
nesta Lei.
Ao analisarmos o Marco Civil podemos ter a sensação de que a norma não cuida
especificamente de contratos eletrônicos (no sentido estrito), mas abrange outras
operações decorrentes do comércio eletrônico, como por exemplo, questões que se
referem à privacidade e a vedação do uso de bancos de dados para fins comerciais.
Todavia, como se trata de norma pioneira no assunto, suas regras e princípios serão
responsáveis por nortear todo assunto correlacionado.
Além de ser fortemente influenciado por normas constitucionais, o Marco Civil
também reforça a aplicação das normas de defesa do consumidor nas relações
consolidadas através da internet, desde que se apresentem como relação de consumo.
Podemos enxergar isso no art. 7º, inc. XIII, da referida Lei.
A Lei ainda contemplou a importância de sua interpretação, em especial, na
preservação de usos e costumes, ao prever que não sejam ignorados os seus
fundamentos, princípios e escopo na sua aplicação. Essa contemplação encontra-se no
art. 6 º, da referida Lei.
Impende ressaltar que, para cuidar especificamente do comércio eletrônico, o
Decreto n. 7.962/13 será mais adequado, pois trata de forma bem direcionada sobre a
contratação no comércio eletrônico, bem como, é responsável pela regulamentação do
Código de Defesa do Consumidor (CDC). Já no art. 1º, o decreto dispõe acerca da
necessidade de informações claras sobre o produto, o serviço, o fornecedor, o
atendimento facilitado ao consumidor e o respeito ao exercício do direito ao
arrependimento. O mesmo Decreto, no art. 2º disciplina que os sites comerciais devem
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1
Pesquisador em Estágio Pós-Doutoral no Programa de Pós-Graduação em Democracia e Direitos Humanos da
Universidade de Coimbra (IGC/FDUC) e no Programa de Pós-Graduação em Ciências Jurídicas da Universidade
Federal da Paraíba (PPGCJ/UFPB). Doutor e Mestre em Direito, Estado e Cidadania (UGF/Rio; Especialista em
Direito Constitucional Processual (FAPESE/UFS); Professor do Programa de Pós-Graduação da Universidade
Federal de Sergipe (Mestrado/PRODIR/UFS); Professor de Programa de Pós-Graduação da Universidade
Tiradentes (Mestrado/PPGD/UNIT). Promotor de Justiça Curador da Fazenda Pública em Sergipe (MPSE);
Diretor do Centro de Apoio Operacional de Defesa do Patrimônio Público e da Ordem Tributária; Coordenador de
Ensino da Escola Superior do Ministério Público (ESMP/SE).
2
Mestrando em Direitos Humanos no Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Tiradentes
(PPGD/UNIT). Pós-Graduado em Direito Imobiliário pela Universidade Anhanguera. Graduado em Direito pela
Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC/GO). Graduado em Ciências Econômicas pela Universidade
Tiradentes (UNIT). Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da Ordem dos Advogados do Brasil – seccional
Sergipe.
ABSTRACT: The real estate credit in Brazil, granted mainly by Caixa Econômica Federal -
CEF, whose guarantee was the mortgage, has long had clear signs of exhaustion, especially
given the difficulty of the financial agent to recover the contractual warranty and recover the
loan capital in the case of default of purchasers. Judicial executions of mortgages lasted for
years and often decades. This guarantee difficult and costly recovery, pushed private banks this
type of credit, and consequently impacted on applied interest rates and curbed for many years
the housing boom in the country, whose main consequence was the low offered new properties
on the market. In this vein, the intense observation of the experience of other countries showed
that housing growth was inextricably linked to the existence of effective guarantees of return
on invested funds, autonomy in the contracting of the operations and a mortgage market able to
attract long-term funds, especially with major investors. In this scenario, Property Fiduciary
Alienation, regulated by Law No. 9,514 / 1997, is designed to cause the rise in the Brazilian
real estate market, especially in the face of the Property fiduciary guarantee institution, with the
extrajudicial procedure immensely faster and more effective to resumption of guarantee by the
financial agent in the event of default of the debtor. This degree is also designed with the
objective to strengthen the housing finance system parental rights and provide expansion of real
estate credit in Brazil, attracting private banks for this type of credit, providing for lower interest
rates borrowers and providing opportunities for home ownership. In this sense, it is adopted in
this work pragmatism of Richard Posner, embodied in the economic analysis of the chattel real
estate institute, in order to assess whether the Law No. 9.514 / 1997 reached the goal proposed
and their efficiency and impact in society.
Key-Words: Economic Analysis of Law; Fiduciary Real Estate sale; Mortgage Loans.
I INTRODUÇÃO
3
Associação Brasileira das Empresas de Crédito Imobiliário e Poupança (ABECIP), foi constituída no I Encontro
Nacional das Empresas de Crédito Imobiliário e Poupança, realizado no Club Nacional, em São Paulo, de 17 a 19
de agosto de 1967, como um sociedade civil de direito privado, sem fins lucrativos, representante do setor
financeiro de crédito imobiliário, congregando as instituições integrantes do SFH, do Sistema Brasileiro de
Poupança e Empréstimo (SBPE) e, a partir de 1997, também do Sistema de Financiamento Imobiliário (SFI).
Com efeito, a Law and Economics, que inicialmente contou com a contribuição de
Richard Posner, Gary Becker e Henry Manne, vem evoluindo em ritmo acelerado, sobretudo
nas universidades norte-americanas e europeias, e, num ritmo menos acelerado nas
universidades latino-americanas.
Para Barbosa (2014, p. 48), “como definição do que seja o Direito e a Economia, temos
que esta é a utilização do arsenal analítico e empírico da ciência econômica, em especial da
microeconomia e da economia do bem-estar social, para se tentar entender, explicar e prever as
implicações fáticas do ordenamento jurídico”.
Richard Posner, desenvolveu o pragmatismo e a sua forma particular de enxergar o
Direito, analisando os problemas postos de forma prática em flagrante oposição às formas
idealistas eurocêntricas, razão pela qual, o pragmatismo de Posner recebeu inúmeras
denominações, tais como: praticalismo, consequencialismo e eficientismo.
O pragmatismo sistematizado por Posner, claramente influenciado pelo pragmatismo
filosófico, embora não automaticamente incorporado, proporcionou a aplicação do instrumental
analítico da Economia aos diversos ramos do Direito, cujo método ficou conhecido como
Análise Econômica do Direito, cujas premissas estão assentadas na ideia de escassez de
recursos e que as pessoas são maximizadoras de riqueza e fazem escolhas com o fito de
promover a melhor alocação dos recursos escassos.
Quanto à incorporação automática do pragmatismo filosófico, Posner (2010, p. 38)
afirmou:
Encontrei pouca coisa no pragmatismo americano clássico ou nas
versões ortodoxas ou não ortodoxas da filosofia pragmática moderna
que o direito possa usar. Mas o tom pragmático, a cultura pragmática
que Tocqueville descreveu, deu ensejo a um pragmatismo diferente –
que eu chamo de “pragmatismo cotidiano” – que tem muito a contribuir
com o direito.
Pérsio Arida (2005, p. 63), classifica as normas em três vertentes, sendo a primeira
como distorção4, a segunda corretiva5 e a terceira fundante6.
Analisando a Lei nº 9.514/1997, e reconhecendo-a como uma norma jurídica
economicamente eficiente, esta promoveu uma expansão do crédito imobiliário de 35.000
(trinta e cinco mil) imóveis financiados antes da sua promulgação, para mais de 538.000
(quinhentos e trinta e oito mil) imóveis financiados em 2014.
Ademais, o robusto sistema de garantia trazido pela norma em análise, além de
proporcionar uma expansão do crédito imobiliário, sobretudo com a entrada de bancos privados
nesse segmento, até então dominado pela Caixa Econômica Federal, proporcionou também uma
substancial redução nas taxas de juros para essa modalidade de crédito e ainda, fomentou a
política de habitação, oportunizando que famílias adquirissem o seu imóvel residencial,
elevando a autoestima dessas famílias.
Nessa quadra, uma norma jurídica economicamente eficiente desencadeia um círculo
virtuoso na sociedade, no caso específico da Lei nº 9.514/1997, ao oportunizar a aquisição da
casa própria às famílias que consumiam parte considerável das suas rendas com alugueis,
promoveu também uma queda nos preços dos alugueis médios em determinadas localidades.
4
A primeira vertente da pesquisa em Economia busca mostrar como normas editadas com o objetivo de impor
valores terminam muitas vezes por distorcer o equilíbrio de mercado. O pressuposto é que o equilíbrio de mercado,
na ausência da norma, tenha as propriedades do ótimo de Pareto. O impacto da norma, julgado do ponto de vista
da geração de riqueza, é negativo.
5
A segunda vertente de pesquisa em Economia examina situações nas quais há falha ou anomalia de mercado e,
portanto, o equilíbrio não é Pareto-ótimo. A pesquisa concentra-se, então, na determinação da norma capaz de
corrigir a distorção observada.
6
A terceira vertente se volta para a norma como o regramento a partir do qual contratos e mercados são
estruturados, sob as óticas contratualista e comparativa.
O instituto da fidúcia tem origem no Direito Romano oriundo da antiga fidúcia cum
amico, baseado no contrato de confiança que possibilitava o acautelamento de bens no intuito
de evitar riscos e proteger o devedor fiduciante de circunstância aleatórias, que poderiam
ocasionar o perdimento de bens, ou seja, consistia numa venda provisória ou fictícia, lastreada
na convenção da qual uma das partes, ao receber de outra a propriedade de um bem, obrigava-
se a restituí-lo assim que alcançado determinado objetivo estipulado em um pacto adjeto,
denominado pactum fiduciae.
Para o conspícuo doutrinador Melhim Chalhub (2006, p. 38), em obra homônima, a
alienação fiduciária pode ser definida da seguinte forma:
Negócio jurídico inominado pelo qual uma pessoa o (fiduciante)
transmite a propriedade de uma coisa ou a titularidade de um direito a
outra (fiduciário), que se obriga a dar-lhe determinada destinação e,
cumprido esse encargo, retransmitir a coisa ou direito ao fiduciante ou
a um beneficiário indicado no pacto fiduciário.
Nessa senda, importante colacionar a lição de Orlando Gomes apud Dantzger (2007,
p. 28):
Considerando na perspectiva das limitações do poder do adquirente da
propriedade, o negócio fiduciário explica-se à luz de três principais
construções teóricas: A primeira serve-se de um pacto obrigacional
agregado à transferência da propriedade, que se destina a neutralizar o
efeito real da transmissão, condicionando-o ao fim especial para o qual
ela se realiza. As raízes dessa explicação encontram-se no direito
romano. A segunda teoria, de inspiração alemã, recorre à condição
resolutiva para justificar a limitação, no tempo e no conteúdo, do direito
real do fiduciário. Sustentam seus adeptos que ele adquire uma
propriedade temporária, para fim determinado. A terceira teoria
dissocia o direito fiduciário, assinalando que, nas relações externas, é
de propriedade, e nas relações internas, de crédito, figurando ele em
certos casos, como um mandatário [...].
Assim, esse é exatamente o alcance dos negócios jurídicos celebrados sob égide da Lei
nº 9.514/1997, haja vista que, por força do registro do contrato de alienação fiduciária, o credor
fiduciário adquire o imóvel, para fins de garantia, sob a condição resolutiva e, de outra banda,
o devedor fiduciante torna-se titular do direito de aquisição sob a condição suspensiva, de forma
que, desdobra-se a posse do imóvel, ficando o devedor fiduciante com a posse direta do imóvel
e o credor fiduciário com a posse indireta.
Com efeito, a Alienação Fiduciária de Imóvel constitui um direito real de garantia,
restando clara essa sua função de garantia conforme definido em Lei, a alienação fiduciária é
um direito acessório em relação ao crédito ou à obrigação à qual se vinculou para constituição
da garantia.
Nesse sentido, preleciona Melhim Chalhub (2012, p. 4);
A alienação fiduciária difere da hipoteca, do penhor e da anticrese,
porque enquanto nestas o devedor grava o bem, mas o conserva em seu
patrimônio, na propriedade fiduciária em garantia do devedor (ou o
terceiro prestador da garantia) transmite a propriedade do bem ao
credor, em caráter fiduciário, demitindo-se do seu direito de
propriedade.
Contudo, não obstante o contrato de alienação fiduciária ter como objeto quaisquer
bens imóveis, na prática comercial, tem sido aplicado com maior frequência, como garantia de
pagamento do preço de imóveis nas incorporações imobiliárias.
Ademais, considerando a alienação fiduciária regulada por essa lei tem escopo de
garantia, conforme mencionado alhures, é plenamente possível, que o objeto do contrato de
alienação fiduciária possa ser também, acrescentando aos demais anteriormente mencionados,
o imóvel construído ou imóvel em construção.
Nessa quadra, é forçoso mencionar o comentário do insigne doutrinador Pedro Elias
Avvad (2012, p. 286), a saber “destacam-se, entretanto, os bens cuja propriedade não foi
inteiramente adquirida, tais como: (a) promessa de compra e venda quitada e registrada; (b)
7
Como exceção, o imóvel clausulado com inalienabilidade não poderá ser objeto da alienação fiduciária.
6 CONCLUSÃO
8
Embora a lei dispense a escritura pública, tal situação é uma faculdade, nada obstando que se utilize do
instrumento público, se assim às partes aprouver.
REFERÊNCIAS
1
Professora Permaente do Programa de Pós Graduação em Ciências Jurídicas e do Departamento de direito
Privado da Univesidade Federal da Paraíba.
2
Graduanda no 5º período do curso de Direito da Univesidade Federal da Paraíba.
1 INTRODUÇÃO
Nas últimas décadas, a mundo tem voltado sua atenção para os sinais de danos
irreparáveis no meio ambiente, como por exemplo o chamado “buraco” na camada de
ozônio, as mudanças climáticas, a extinção de algumas espécies, além do agravamento da
saúde de populações mais diretamente expostas à poluição. Assim, o agravamento das
condições de vida no planeta e das pressões internacionais sofridas pelos Estados
poluidores, a pauta da proteção ambiental tomou proporções mais amplas e, então, os
ordenamentos jurídicos internos tiveram que se adaptar às novas demandas de atores não
estatais preocupados com a degradação do meio ambiente.
Aos poucos a pauta ambiental virou matéria de políticas públicas e de legislações
protetivas. No caso brasileiro, a Constituição dedica uma parte especial para tratar do
tema e prevê, ainda, o direito fundamental a um meio ambiente equilibrado. No âmbito
infralegal, além das leis propriamente ditas, há uma série de tratados com tema ambiental,
especialmente na esfera da América Latina, os quais são recepcionados com caráter
infraconstitucional. Ainda, é possível que leis estaduais ou municipais, desde que apenas
complementem lei federal, regulem algumas questões sobre a preservação ambiental. Isto
Dentro da clássica divisão entre Direito Público e Direito Privado, é por este que
as relações entre particulares são reguladas, implicando no pressuposto da liberdade que
têm as partes para regularem a relação que elas próprias instituem, entre outras
características do Direito Privado. O principal e mais antigo ramo do Direito Privado é o
Direito Civil, que tem como princípio essencial a autonomia da vontade das partes, hoje
é tratado pela doutrina mais vanguardista como um microssistema compreendido
Tradicionalmente, no Direito Civil brasileiro, é adotada a teoria da
responsabilidade subjetiva, que requer, para que nasça a obrigação de indenizar, o nexo
entre o dano e a conduta. Contudo, como apontam Rosenvald, Farias e Braga (2015),
houve uma mudança de perspectiva no Direito Civil, que outrora buscava censurar o
ofensor pela prática de ato reprovável, agora procura um responsável para um dano
perpetrado.
Tal divisão é percebida em alguns dispositivos do Código Civil. A regra geral,
portanto, é que se aplique a teoria da responsabilização subjetiva. Entretanto, em algumas
situações, previstas no parágrafo único do artigo 927 do Código Civil, é aplicada a teoria
da responsabilidade objetiva, em que há a reparação independentemente de culpa. Um
desses casos se dá quando a responsabilização objetiva é prevista em lei, tal como ocorre
com o dano ambiental.
A matéria ambiental, por sua vez, é regulada pela Lei nº 6.938 de 1981, que
instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente. O parágrafo primeiro do artigo 14 da Lei
é claro no que diz respeito à responsabilização objetiva do perpetrador do dano ambiental,
sendo obrigado a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros
afetados. Ainda, o dispositivo confere aos Ministérios Públicos dos Estados e da União a
legitimidade para proporem ação de responsabilidade civil e criminal pelos danos
causados ao meio ambiente.
Entretanto, como aponta Alvim, o Direito hoje é atravessado por uma mudança de
perspectiva no que tange à responsabilidade civil, que passa a visar à valorização da
pessoa humana e de sua dignidade, que implica na superação do fundamento da culpa e
passa a buscar um responsável pela indenização. Assim, o risco surge como nexo de
1 A transcrição dos votos ainda não havia sido publicada até a metade do mês de setembro de 2016.
Os dados são retirados de notícia divulgada no portal do Supremo Tribunal Federal na internet.
Para a superação desse “tudo ou nada”, Silva (2004) propõe que a aplicação do
princípio da precaução está ligado à proporcionalidade, à proteção ambiental e à
determinação de escalas de risco, devendo haver um exame comparativo nas ações do
poder público. Assim, “os atores políticos devem avaliar as consequências potenciais da
falta de uma determinada ação sobre o meio ambiente e a saúde humana” (p. 90), ainda
que não exista prova científica concernente à ação sobre o meio ambiente.
Na prática, contudo, cabe ao Judiciário aceitar ou não os dados apresentados pela
comunidade científica. Como exlica Bim (2014), os pareceres técnicos e os estudos
ambientais não têm força vinculante nas decisões, cabendo aos juízes ponderar entre outra
implicações de possíveis empreendimentos. Contudo, é evidente que a aplicação do
princípio pode ser prejudicada em vista de tal margem de escolha, como ocorreu no
supracitado caso do STF.
De outra forma, contudo, o Supremo Tribunal, em outros casos, aplicou
corretamente o princípio precaucional, de acordo com o Princípio 15 da Declaração do
Rio, como na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 101, em que foi
todo tempo reiterado a importância da precaução, reconhecido como princípio
constitucional, em que foi proibida a importação de pneus usados, com base no artigo 225
da Constituição.
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental, 16 ed. São Paulo: Atlas, 2014.
BECK, Ulrich. A reinvenção da política: rumo a uma teoria da modernização reflexiva.
In: GIDDENS, Anthony; BECK, Ulrich; LASH, Scott. Modernização reflexiva: política,
RESUMO: A Constituição Federal brasileira de 1988 respalda o direito à vida como garantia
fundamental, insculpido como cláusula pétrea. Logo, cabe ao Estado assegurar tal garantia aos
seus tutelados. Nesse sentido, o presente estudo visa abordar a relativização do direito
fundamental à vida, assim como delinear reflexões acerca da responsabilidade civil na ocasião
do desabamento da ciclovia Tim Maia na Cidade do Rio de Janeiro. Para tanto, busca-se, através
de uma análise fundamentada no Direito Civil-Constitucional, explorar o instituto da
responsabilidade civil, principalmente no que tange à responsabilidade do Estado e da
empreiteira, que resultaram na relativização da garantia Constitucional à vida. Esta pesquisa,
após investigação dogmática, doutrinária e jurisprudencial, também buscará discutir a opinião
doutrinária que vincula a Administração Pública e a empresa contratada, sustentando uma
posição sobre o tema. A partir disso, será traçado um panorama, que envolve a
Responsabilidade Civil com o caso da ciclovia e suas repercussões para o agente responsável
pela reparação de danos às famílias das vítimas. Para o desenvolvimento do presente trabalho,
prediz-se o método de abordagem dedutivo, partindo-se da garantia fundamental do direito à
vida disposta na Constituição Federal de 1988, premissa maior, para análise específica do
desabamento da Ciclovia Tim Maia à luz do Código Civil brasileiro, delineando, assim, o
percurso do geral para o particular, como elemento norteador de pesquisa. Além disso, busca-
se, como técnica de pesquisa, a utilização de fontes bibliográficas, entendimentos legais e
doutrinários, enquanto documentação indireta.
1
Docente dos cursos de formação e habilitação da Instituição Corpo de Bombeiros Militar da Paraíba. Mestranda
em Ciências Jurídicas pela Universidade Federal da Paraíba na Área de concentração em Direito Econômico -
PPGCJ/UFPB. Graduada em Direito pela Faculdade Maurício de Nassau - João Pessoa, Paraíba. E-mail:
ynaica@yahoo.com.br
2
Mestranda em Ciências Jurídicas pela Universidade Federal da Paraíba na Área de concentração em Direito
Econômico - PPGCJ/UFPB. Graduada em Direito pela Universidade Federal de Campina Grande - UFCG,
Paraíba. E-mail: nanda83_braga@hotmail.com
3
Graduanda em Direito pela Universidade Federal da Paraíba. E-mail: ivannapessoa@hotmail.com
ABSTRACT: The Brazilian Federal Constitution of 1988 supports the right to life as a
fundamental guarantee, described as entrenchment clause. Therefore, the State must ensure that
such a guarantee to their wards. In this sense, the present study aims to address the relativity of
the fundamental right to life, as well as outline reflections on liability at the time of the collapse
of the bike path Tim Maia in the city of Rio de Janeiro. Therefore, we seek, through an analysis
based on the Civil and Constitutional Law, explore the liability institute, especially with regard
to the responsibility of the state and the contractor, which resulted in the relativization of the
Constitutional guarantee to life. This research, after extensive dogmatic, doctrinal and
jurisprudential investigation also seek to discuss the doctrinal opinion that links public
administration and the contractor, holding a position on the subject. From this it will be traced
a panorama, which involves civil liability with the case the bike path and its impact on the agent
responsible for the repair of damages to the families of victims. For the development of this
work, it is foretold the deductive method of approach, starting from the fundamental guarantee
of the right to life arranged in the Federal Constitution of 1988, major premise, to collapse the
specific analysis of Lane Tim Maia in the light of the Civil Code Brazilian, delineating thereby
a general route for the particular as a guiding element of research. In addition, it seeks to, as a
research technique, the use of library resources, legal and doctrinal understandings, as indirect
documentation.
Keywords: Constitutional Right to life. Bike lane Tim Maia. Relativization. Civil
responsability. Public administration.
1. INTRODUÇÃO
Visando a integração dos bairros de Leblon e São Conrado, assim como maior
mobilidade para os ciclistas, foi inaugurada em 17 de janeiro de 2016, na cidade do Rio de
Janeiro, a ciclovia Tim Maia1, contendo 3,9 (três vírgula nove) quilômetros de extensão,
1
“Ciclovia Tim Maia: é só chegar e pedalar!”. Disponível em: <http://www.cidadeolimpica.com.br/ciclovia-da-
niemeyer-e-so-chegar-e-pedalar>. Acesso em: 19 de ago. 2016.
2
“Ciclovia Tim Maia, quatro meses após a inauguração, caiu ao ser atingida por onda”. Disponível em:
<http://www.praquempedala.com.br/blog/ciclovia-tim-maia-quatro-meses-apos-a-inauguracao-caiu-ao-ser-
atingida-por-onda/>. Acesso em: 24 ago. 2016.
3
As cláusulas pétreas Constitucionais, dispostas no artigo 60, § 4º, são barreiras que resguardam a forma federativa
de Estado; o voto direto, secreto, universal e periódico; a separação dos Poderes; e os direitos e garantias
individuais. Segundo o entendimento de Novelino (2009, p. 384), “trata-se de restrições impostas pelo poder
constituinte originário ao poder reformador”, não sendo então, objeto de deliberação. Portanto, aponta Sarlet
(2004, p. 77) para a impossibilidade jurídica de proposta de emenda constitucional tendente a abolir ou diminuir a
eficácia da referida norma constitucional, “impedindo a supressão e erosão dos preceitos relativos aos direitos
fundamentais pela ação do poder Constituinte derivado”.
4
Nesse sentido, afirma Bittar (2008, p. 71) que consiste em “direito que se reveste, em sua plenitude, de todas as
características gerais dos direitos da personalidade, devendo-se enfatizar o aspecto da indisponibilidade, uma vez
que se caracteriza, nesse campo, um direito à vida e não um direito sobre a vida. Constitui-se direito de caráter
negativo, impondo-se pelo respeito que a todos os componentes da coletividade se exige. Com isso, tem-se presente
a ineficácia de qualquer declaração de vontade do titular que importe em cerceamento a esse direito, eis que se não
pode ceifar a vida humana, por si, ou por outrem, mesmo sob consentimento, porque se entende, universalmente,
que o homem não vive apenas para si, mas para cumprir missão própria da sociedade. Cabe-lhe, assim, perseguir
o seu aperfeiçoamento pessoal, mas também contribuir para o progresso geral da coletividade, objetivos esses
alcançáveis ante o pressuposto da vida”.
5
Gagliano e Pamplona Filho (2015, p.78) destacam que "pode haver responsabilidade civil sem necessariamente
haver antijuridicidade, ainda que excepcionalmente, por força de norma legal". Seria o caso, por exemplo, da
indenização por expropriação.
Há situações que não ensejam reparação pecuniária por estarem de encontro com
algum dos elementos ou pressupostos gerais da responsabilidade civil, configurando, assim,
excludentes de responsabilidade. Disciplina o art. 393 do CC/02 sobre o caso fortuito e a força
maior, estabelecendo que o devedor não se responsabiliza pelos prejuízos ocasionados nas duas
6
“Responsabilidade civil. Município. Queda de árvore. Vendaval. Força maior. Exclusão de nexo de causalidade.
A Constituição Federal, em seu art. 37, parágrafo 6º prevê apenas a responsabilidade objetiva do Estado pelos
danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, não o responsabilizando, no entanto, por fatos
provocados por condutas de terceiros ou decorrentes de fenômenos da natureza. A responsabilidade, neste caso,
somente ocorreria quando provado que, por omissão ou falha de serviço, tenha concorrido para o evento, o que
incorreu na espécie que se aponta. Sentença confirmada” (RIO GRANDE DO SUL, Tribunal de Justiça. Ap. Cível
nº 70000352617. Quinta Câmara Cível. Rel. Des. Clarindo Favaretto Julgado em: 01 jun. 2000).
7
Para a existência da responsabilidade objetiva restam necessários três elementos: o dano, a conduta e o nexo. A
noção de culpa é considerada um dos pontos mais complexos e controversos, devido a abstração que a envolve.
Sendo assim, entende Dias (1979), um dos precursores do estudo da responsabilidade civil, a culpa como falta de
diligência quando na observância da norma de conduta. Já Glagliano e Pamplona Filho (2015) chegam à conclusão
que a culpa (em sentido amplo) decorre da inobservância de um dever de conduta, predisposto pelo ordenamento
jurídico, com vista à manutenção da paz social. Para os autores, sendo a violação proposital, o agente atuou com
dolo. Caso decorra de negligência, imprudência ou imperícia, a sua atuação é apenas culposa, em sentido estrito.
Logo, a culpa lato sensu seria composta da violação de um dever de cuidado, da previsibilidade e da voluntariedade
do comportamento do agente. A responsabilidade objetiva incide quando prevista expressamente na lei ou quando
a atividade desenvolvida pelo agente implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem, conforme se
depreende do parágrafo único do art. 927 do CC/02. O entendimento mais concreto relacionado ao final do
mencionado dispositivo é o enunciado 38 da Jornada de Direito Civil: "a responsabilidade fundada no risco da
atividade, como prevista na segunda parte do parágrafo único do art. 927 do novo Código Civil, configura-se
quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano causar a pessoa determinada um ônus maior do
que aos demais membros da coletividade". Disponível em: <http://www.cjf.jus.br/cjf/CEJ-Coedi/jornadas-
cej/enunciados-aprovados-da-i-iii-iv-e-v-jornada-de-direito-civil/jornadas-de-direito-civil-enunciados-
aprovados>. Acesso em: 19 ago. 2016.
8
Trata o artigo 43 do Código Civil brasileiro que “as pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente
responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo
contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo” (BRASIL, 2002).
9
Nesse sentido, afirmam Alves e Delgado (2002, p. 44) que “a atual redação do art. 43 restringe a Lei Maior, pois
não menciona as prestadoras de serviços públicos, e só se refere às pessoas jurídicas de direito público interno,
excluindo, aparentemente as pessoas jurídicas de direito público externo”. Por não poder limitar a norma
fundamental, o dispositivo do CC já nasce sem aplicação, razão pela qual o Deputado Ricardo Fiuza propôs,
através do PL 6.960 de 2002, a sua alteração, a fim de adequá-lo à Constituição Federal.
10
A partir do entendimento do Ministro Moreira Alves quando no julgamento do Recurso Extraordinário nº
130.764/PR, "a responsabilidade do Estado, embora objetiva por força do disposto no art. 107 da Emenda
Constitucional nº 1/69 (e, atualmente, no § 6º do art. 37 da Carta Magna), não dispensa, obviamente, o requisito,
também objetivo, do nexo de causalidade entre a ação ou omissão atribuída a seus agentes e o dano causado a
terceiros.". Já o Ministro Thompson Flores por intermédio do Recurso Extraordinário nº 68.107/SP, entendeu que
"a responsabilidade objetiva, insculpida no art. 194 e seu parágrafo da Constituição Federal de 1946, cujo texto
foi repetido pelas Cartas de 1967 e 1969, arts. 105 e 107, respectivamente, não importa no reconhecimento do
risco integral, mas temperado".
11
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO – INOCORRÊNCIA DE CONTRADIÇÃO, OBSCURIDADE OU
OMISSÃO – PRETENDIDO REEXAME DA CAUSA – CARÁTER INFRINGENTE – INADMISSIBILIDADE
– RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO PODER PÚBLICO – 0ELEMENTOS ESTRUTURAIS –
TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO – FATO DANOSO (MORTE) PARA O OFENDIDO (MENOR
IMPÚBERE) RESULTANTE DE TRATAMENTO MÉDICO INADEQUADO EM HOSPITAL PÚBLICO –
PRESTAÇÃO DEFICIENTE, PELO DISTRITO FEDERAL, DO DIREITO FUNDAMENTAL A SAÚDE,
INDISSOCIÁVEL DO DIREITO À VIDA – EMBARGOS DE DECLARAÇÃO REJEITADOS. - Os elementos
que compõem a estrutura e delineiam o perfil da responsabilidade civil objetiva do Poder Público compreendem
(a) a alteridade do dano, (b) a causalidade material entre o “eventus damni” e o comportamento positivo (ação) ou
negativo (omissão) do agente público, (c) a oficialidade da atividade causal e lesiva imputável a agente do Poder
Público que tenha, nessa específica condição, incidido em conduta comissiva ou omissiva, independentemente da
licitude, ou não, do comportamento funcional e (d) a ausência de causa excludente da responsabilidade estatal.
Precedentes. A omissão do Poder Público, quando lesiva aos direitos de qualquer pessoa, induz à responsabilidade
civil objetiva do Estado, desde que presentes os pressupostos primários que lhe determinam a obrigação de
indenizar os prejuízos que os seus agentes, nessa condição, hajam causado a terceiros. Doutrina. Precedentes
(grifos nossos).
12
De acordo com Carvalho Filho (2014, p. 193), as cláusulas exorbitantes "são as prerrogativas especiais
conferidas à Administração na relação do contrato administrativo em virtude de sua posição de supremacia em
relação à parte contratada".
13
Com vistas a ratificar tal entendimento, afirma Araújo (2011) que o Estado responde pelas ações e omissões dos
agentes públicos em geral, podendo a omissão vir a ser causa eficiente do dano. A Constituição Federal de 1988
ratificou entendimento sobre a responsabilidade objetiva, tanto nos atos comissivos como nos omissivos.
Se a pessoa contratada para obra ou serviço causar dano a terceiros, por força de
conduta culposa e exclusiva de um de seus agentes, sua responsabilidade civil será a
que prevê o Código Civil, ou seja, a responsabilidade subjetiva. Não se lhe poderá
atribuir a responsabilidade objetiva para o fim de sujeitá-la ao art. 37, § 6º, da
Constituição (CARVALHO FILHO, 2006, p. 152).
Como já foi visto, a culpa em sentido estrito se manifesta por meio da negligência,
imprudência e imperícia. Esta última merece destaque no caso concreto ora analisado, tendo
em vista que a culpa, neste caso, decorre da ausência de habilidade ou aptidão específica em
relação a uma determinada atividade técnica ou científica. Foram apontados no laudo preliminar
14
Para devido entendimento, destaque-se o inciso VIII e suas alíneas: “Execução indireta - a que o órgão ou
entidade contrata com terceiros sob qualquer dos seguintes regimes: a) empreitada por preço global - quando se
contrata a execução da obra ou do serviço por preço certo e total; b) empreitada por preço unitário - quando se
contrata a execução da obra ou do serviço por preço certo de unidades determinadas; e) empreitada
integral - quando se contrata um empreendimento em sua integralidade, compreendendo todas as etapas das obras,
serviços e instalações necessárias, sob inteira responsabilidade da contratada até a sua entrega ao contratante em
condições de entrada em operação, atendidos os requisitos técnicos e legais para sua utilização em condições de
segurança estrutural e operacional e com as características adequadas às finalidades para que foi contratada”
(BRASIL, 1993).
15
A partir das notícias circuladas no Estadão do Rio de Janeiro. “Perícia conclui que projeto de ciclovia ignorou
efeito de ondas”. Disponível em: <http://brasil.estadao.com.br/noticias/rio-de-janeiro,pericia-conclui-que-projeto-
de-ciclovia-ignorou-efeito-das-ondas,10000049081>. Acesso em: 19 de ago. 2016.
16
Ibidem.
17
“RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE DE CIRCULAÇÃO. EXECUÇÃO DE OBRAS EM VIA
PÚBLICA DE INTENSO TRÁFEGO. QUEDA EM BURACO RESULTANTE DE TRABALHOS DE
ESCAVAÇÃO. EVENTO PROVOCADO POR COMPLETA FALTA DE SINALIZAÇÃO E POR MANOBRA
IMPERITA DA MOTORISTA. CONCORRÊNCIA DE CULPAS. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DO
MUNICÍPIO E DA EMPREITEIRA CONTRATADA. DANOS MATERIAIS E MORAIS COMPROVADOS”
(SANTA CATARINA, Tribunal de Justiça. Apelação Cível - AC 99036 SC 2006.009903-6. Primeira Câmara de
Direito Público. Relator: Newton Janke. Julgado em: 17 mai. 2007).
Outro pensamento que merece ser avaliado é o de Mello (2010), que defende a
responsabilidade subjetiva do Estado em casos de omissão: se o serviço não funcionou, se
funcionou tardiamente, ou ineficientemente. De acordo com o referido autor, se o Estado não
agiu, não pode ser o autor do dano, não cabendo responsabilizá-lo – ao menos se ele tiver a
obrigação de impedir o dano, ou seja, caso ele tenha descumprido dever legal que lhe era
imputado para evitar a ocorrência de evento lesivo. Segundo ainda o citado autor, "é necessário
que o Estado haja incorrido em ilicitude, por não ter acorrido para impedir o dano ou por haver
sido insuficiente neste mister, em razão de comportamento inferior ao padrão legal exigível"
(2010, p. 1.013).
Em contrapartida, entende o STJ por ocasião do Recurso Especial nº 106.48518 que o
Estado é responsável pelos atos da empreiteira na execução de obras públicas. Outrossim,
ressalta-se o entendimento do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro ao entender inafastável a
responsabilidade do Estado quando o dano causado ao administrado decorre de obra pública,
compreendendo que “o ente federado, que ordena a execução da obra pública, não poderá se
eximir de responsabilidade, pelo simples fato de esta estar sendo executada por um
particular”19.
Por fim, trazemos mais uma posição adotada, dessa vez por Carvalho Filho (2006), em
seu artigo intitulado "Responsabilidade civil das Pessoas de Direito Privado Prestadoras de
Serviços Públicos", ressaltando três possibilidades: quando há conduta culposa e exclusiva de
um dos agentes contratados para executar a obra pública, a responsabilidade da Administração
18
“É jure et de jure a presunção de culpa do Estado por atos da empreiteira que para ele executa obra pública, por
isso mesmo é que se deve ver nos próprios atos ilícitos praticados pelo preposto a prova suficiente da culpa do
preponente”.
19
“AÇÃO INDENIZATÓRIA. DANO DECORRENTE DE EXECUÇÃO DE OBRA
PÚBLICA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA ESTATAL. LEGITIMIDADE PASSIVA. NEXO DE
CAUSALIDADE COMPROVADO. PROCEDÊNCIA PARCIAL MANTIDA. 1. Preliminar de ilegitimidade
passiva que se afasta, pois se o dano causado ao administrado decorre de obra pública, inafastável
a responsabilidade objetiva do ente público. 2. O ente federado, que ordena a execução da obra pública, não poderá
se eximir de responsabilidade, pelo simples fato de esta estar sendo executada por um particular. 3. Dano e nexo
de causalidade comprovados através de prova documental. Dever de indenizar pelos prejuízos materiais causados.
4. Recurso conhecido e improvido” (RIO DE JANEIRO, Tribunal de Justiça. Apelação APL
01178904020098190001. Quarta Câmara Cível. Relator Antônio Iloizio Barros Bastos. Julgado em: 13 ago. 2014).
6. CONCLUSÃO
A partir da ruptura da ciclovia Tim Maia na cidade do Rio de Janeiro, que resultou na
morte de duas pessoas, este presente estudo delineou debates sobre o cabimento da
responsabilidade civil e suas nuances, assim como suas excludentes. Logo, foi descartada a
hipótese de se aplicar ao presente caso, as excludentes de responsabilidade, especialmente no
que concerne ao caso fortuito e a força maior.
Desse modo, traçadas as questões mais pertinentes que envolvem os aspectos da
responsabilidade Civil, foi identificada conduta omissiva do Estado, ensejando a devida
reparação. Além disso, verificou-se a caracterização da responsabilidade objetiva do Estado,
sob à égide da Constituição Federal de 1988, assim como, a responsabilidade subjetiva da
empreiteira responsável pela estruturação da ciclovia, delineando os elementos da culpa,
notadamente vinculada com a imperícia.
Nesse sentido, constata-se que a Administração possui responsabilidade pela obra,
pois é a dona dela, tendo a incumbência de zelar por ela como um todo (em relação a execução
ou, quando não o faz, por meio da escolha da empresa contratada e da fiscalização dos seus
atos). É importante levar em conta a empresa que executou a obra, tendo em vista que, por mais
que o Poder Público tenha que supervisionar e fazer uma boa escolha do ente privado, este
sinalizou possuir conhecimentos específicos para o trabalho, entendendo a complexa tarefa da
construção e a grande responsabilidade que envolve a execução de uma obra ou a prestação de
qualquer serviço.
Embora a vida humana seja bem de maior proteção dentre todos os demais direitos
garantidos constitucionalmente, constata-se que a omissão Estatal na condução da obra da
Ciclovia Tim Maia concorreu para o desabamento de um de seus trechos e consequente
vitimização de dois transeuntes que passavam no local no momento do sinistro.
Logo, enquanto garantidor da segurança de seus tutelados, a conduta omissiva Estatal,
além de caracterizar a responsabilidade civil objetiva, concorreu com o perecimento da vida
REFERÊNCIAS
AZEVEDO, Álvaro Villaça. Teoria Geral das Obrigações. 9. ed., São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2001.
ALVES, Jones Figueirêdo; DELGADO Mário Luiz. Novo Código Civil Comentado, Coord.
Ricardo Fiúza. São Paulo: Saraiva, 2002.
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ago. 2016.
BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. Rio de Janeiro: Forense
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Editores, 2011.
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<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 19 ago.
2016.
_____. Lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Dispõe sobre o Código Civil brasileiro.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em:
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_____. Lei nº 8.666 de 21 de junho de 1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da
Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e
dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8666cons.htm>. Acesso em: 16 mai. 2016.
_____. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 130.764/PR. Relator Ministro
Moreira Alves. Julgado em: 12 mai. 1992. Disponível em:
ABSTRACT. Medical errors from plastic surgery were incorporated into the branch of civil
responsibility, and comes every day gaining more prominence in the legal field because the
exorbitant growth of surgeries, especially the so-called cosmetic surgeries by media stimulus
bill and society so there is the search for beauty that meets established standards and that people
achieve perfect forms. This study aims at the analysis of liability in medical activity, specifically
the issue of plastic surgery, addressing restorative and cosmetic surgery, questioning how
entails the responsibility for each of them, with a view to implementing the means and
obligation result. Therefore, we applied the methodology literature, partly exploratory and
qualitative, so the best way to contribute to the theme of questioning presented here.
1
Graduada em Direito pela Universidade Federal da Paraíba
2
Professor dos Cursos de Graduação e de Pós-graduação em Ciências Jurídicas, da Universidade Federal da
Paraíba.
1. INTRODUÇÃO
3
Este estudo fez parte na monografia de Trabalho de Conclusão de Curso de Direito da Universidade Federal da
Paraíba, em fevereiro de 2015.
É vetado ao médico, de acordo com o art. 31, do Código de Ética (Res. 1931/2009),
segundo portal http://www.portalmedico.org.br (2014): “Desrespeitar o direito do paciente ou
Art. 951. O disposto nos arts. 948, 949 e 950 aplica-se ainda no caso de indenização
devida por aquele que, no exercício de atividade profissional, por negligência,
imprudência ou imperícia, causar a morte do paciente, agravar-lhe o mal, causar-lhe
lesão, ou inabilitá-lo para o trabalho.
Dessa maneira, a culpa em stricto sensu pode ser identificada caso comprove que o
médico agiu com: a) Negligência é quando o médico age com falta de diligência, ou seja, sem
o devido cuidado e atenção deixando de observar seus deveres e obrigações, sendo, de acordo
com Genival Veloso França (1994), uma conduta sempre relacionada com omissão de
comportamentos. Como exemplo, pode-se citar o retardamento na intervenção cirúrgica, troca
de prontuário e exames de paciente, esquecimento de objeto dentro do corpo do paciente.
1. quando se tratar de lesão que teve origem em diagnóstico errado, só será imputada
responsabilidade ao médico que tiver cometido erro grosseiro;
2. o clínico geral deve ser tratado com maior benevolência que o especialista;
3. a questão do consentimento do paciente em cirurgia onde há risco de mutilação e
de vida é essencial;
4. o mesmo assentimento se exige no caso de tratamento que deixa seqüelas. E age
com culpa grave o médico que submete o cliente a tratamento perigoso, sem antes
certificar-se da imperiosidade de seu uso;
5. dever-se-á observar se o médico não praticou cirurgia desnecessária;
6. não se deve olvidar que o médico pode até mesmo mutilar o paciente, se um bem
superior – a própria vida do enfermo – o exigir;
7. outro dado importante é que o médico sempre trabalha com uma margem de risco,
inerente ao seu ofício, circunstância que deverá ser preliminarmente avaliada e levada
em consideração;
8. nas intervenções médicas sem finalidade terapêutica ou curativa imediata, como
cirurgia plástica, a responsabilidade por dano deverá ser avaliada com muito maior
rigor.
A liquidação dos danos consiste na determinação de uma quantia em dinheiro que deve
ser paga pelo agente para a compensação pelos danos sofridos pela vítima.
Para liquidação de danos patrimoniais o Código Civil estabeleceu nos artigos 948, 949
e 950 seu cumprimento.
Assim, quando o ato médico causar a morte de outrem, a reparação ocorrerá nos
moldes do art. 948 do CC, compreendendo quantia suficiente que cumpra despesas de
tratamento, funeral, luto da família, bem como os alimentos para os dependentes da vítima.
A reparação do ofendido no caso de ato médico que provoca lesões ou ofensa a saúde
compreende despesas do tratamento e lucros cessantes, conforme dispõe o art. 949 e pela
De acordo com o art. 14, §4°, CDC, os profissionais liberais são responsabilizados
somente mediante comprovação de culpa pelo defeito ou vício do serviço prestado, isso pode
ser justificado devido exercerem atividade baseada nos conhecimentos aprofundados para
garantia do sustento próprio, não se caracterizando como uma atividade empresarial. Nota-se
que essa justificativa foi apresentada pelo legislador através do art. 966, parágrafo único do CC,
segundo Coelho (idem).
Justifica-se a responsabilidade subjetiva para o profissional liberal devido à prestação
de serviço ser estabelecida através da confiança do cliente no seu serviço, sendo assim a
atividade realizada é intuitu personae. Por ser responsabilidade subjetiva, a obrigação é de
meio, ou seja, o profissional liberal tem o dever de usar do seu conhecimento, sua atenção,
experiência e habilidade para tenta atingir o resultado desejado. Então, o profissional liberal
não pode garantir a total possibilidade de se alcançar o resultado, mas pode trabalhar mediante
da probabilidade de consegui-lo.
Porém, há críticas doutrinárias e jurisprudenciais sobre a responsabilidade subjetiva
do profissional liberal, que defendem que dependendo da natureza da atividade ou da obrigação
de resultado assumida por meio do contrato, a responsabilização do mesmo também pode ser
Tal realidade está mudando, uma vez que cirurgia plástica é também realizada por uma
questão de saúde. Nessa perspectiva, afirma Kfouri Neto (op.cit.):
De acordo com o julgado acima, verifica-se que a justificativa para ensejar a obrigação
de resultado do médico pela cirurgia de embelezamento ocorre em virtude do contrato
estabelecido entre as partes que assegura ao paciente a melhoria da sua aparência, pois ninguém
se submete a riscos em uma cirurgia e dispor de altos gastos para ficar com a mesma aparência
ou pior, pois o paciente quer a garantia do resultado esperado, segundo Cavalieri Filho (2012).
Dessa forma, em cirurgia com fins estéticos a culpa do médico é presumida. Sendo
assim, para excluir sua responsabilidade, necessário é fazer o uso das excludentes na tentativa
de romper o nexo causal existente entre o ato cirúrgico e o dano, como exemplo, caso fortuito
e culpa exclusiva da vítima.
Ainda no que se refere à cirurgia estética como obrigação de resultado, afirma Caio
Mário Pereira (1995):
[...] É que a questão da responsabilidade civil por erro decorrente de cirurgia plástica
meramente embelezadora não caracteriza obrigação de meio, mas de resultado.
Para essa corrente, quem se submete a uma cirurgia plástica quer melhorar sua aparência
e consequentemente aumentar sua auto-estima, ou seja, deseja melhorar seu estado de saúde.
Dessa maneira, compreende-se que a cirurgia plástica, seja ela reparadora ou estética, é fator
de saúde, de acordo com Coelho (idem).
Como todo profissional liberal, o cirurgião plástico é um prestador de serviços, de
acordo com art. 14, § 4°, conforme acima mencionado. Assim, devido à natureza da atividade
que exerce sobre ele enseja a responsabilidade subjetiva e a obrigação de meio, não se
admitindo falar sobre teoria do risco da atividade exercida por profissional liberal.
Sobre esta tese Aguiar Jr., descrito no site www.ruyrosado.com.br que:
O acerto está, no, com os que atribuem ao cirurgião estético uma obrigação de meios,
embora se diga que os cirurgiões plásticos prometam corrigir, sem o que ninguém se
submeteria, sendo são, a uma intervenção cirúrgica, pelo que assumiriam eles a
obrigação de alcançar o resultado prometido, a verdade é que a álea está presente em
toda intervenção cirúrgica, e imprevisíveis as reações de cada organismo à agressão
de ato cirúrgico. Pode acontecer que algum cirurgião plástico, ou muitos deles
assegurem a obtenção de um certo resultado, mas isso não define a natureza da
obrigação, não altera a sua categoria jurídica, que continua sendo sempre a obrigação
de prestar um serviço que traz consigo o risco. É bem verdade que se pode examinar
com maior rigor o elemento culpa, pois mais facilmente se constata a imprudência na
conduta do cirurgião que se aventura à prática da cirurgia estética, que tinha chances
reais, tanto que ocorrente de fracasso. A falta de uma informação precisa sobre o risco
e a não-obtenção de consentimento plenamente esclarecido conduzirão eventualmente
à responsabilidade do cirurgião, mas por descumprimento culposo da obrigação de
meios.
Art. 1º - A Cirurgia Plástica é especialidade única, indivisível e como tal deve ser
exercida por médicos devidamente qualificados, utilizando técnicas habituais
reconhecidas cientificamente.
Art. 2º - O tratamento pela Cirurgia Plástica constitui ato médico cuja finalidade é
trazer benefício à saúde do paciente, seja física, psicológica ou social.
Art. 3º - Na Cirurgia Plástica, como em qualquer especialidade médica, não se pode
prometer resultados ou garantir o sucesso do tratamento, devendo o médico informar
ao paciente, de forma clara, os benefícios e riscos do procedimento.
Art. 4º - O objetivo do ato médico na Cirurgia Plástica como em toda a prática médica
constitui obrigação de meio e não de fim ou resultado.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. Responsabilidade civil do médico. Em: Direito e
medicina: aspectos jurídicos da Medicina. Belo Horizonte. Del Rey, 2000.
REFERÊNCIAS ELETRÔNICAS:
RESUMO: A ideia central deste trabalho é realizar um estudo sobre as implicações jurídicas
advindas da forte relação afetiva travada entre as pessoas e seus animais de estimação, tendo
em vista a crescente e disseminada consideração desses últimos como membros efetivos das
famílias brasileiras. Em que pese o status jurídico dos animais no ordenamento pátrio seja de
objeto de direito, eis que é atribuído como bem semovente conforme o Código Civil de 2002,
a íntima afetividade entre eles e seus tutores reclama uma revisão reflexiva de tal consideração.
De acordo com a evolução de teorias filosóficas que explanam a possível consideração dos
animais como sujeitos jurídicos, atrelada à constitucionalização do Direito Ambiental no Brasil,
o estudo realizado vislumbra o alicerce da transformação de pensamento social destinado a
animais não humanos. Em paralelo, analisa o caráter multifacetário das entidades familiares,
que nos dias atuais não são mais influenciadas pelos arcaicos ditames da sociedade ou por
imposições estatais, situação que permite a proposta de consideração jurídica de famílias
multiespécie.
Palavras-chave: Famílias multiespécie. Animais de estimação. Afetividade.
ABSTRACT. The central idea of this article is to conduct a study on the legal implications
arising from the strong emotional relationship developed between people and their pets,
regarding the increasing and widespread consideration of the latter as effective members of
Brazilian families. Although their current national legal status is of objects of law, for they are
assigned as self moving assets on the Civil legislation of 2002, the intimate affection between
1
Graduada em Direito pela Universidade Federal da Paraíba.
2
Doutoranda em Direito Econômico pelo programa do Curso de Pós-Graduação em Ciências Jurídicas pela
Universidade Federal da Paraíba. Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Cândido Mendes
(UCAM). Graduada em Direito pela Universidade Federal da Paraíba. Professora efetiva dos Cursos de graduação
e pós-graduação em Direito do Centro Universitário de João Pessoa (UNIPÊ). Professora do Curso de
Especialização da Escola Superior da Advocacia, Seccional Paraíba (ESA). Advogada.
3
Graduada em Direito pela Universidade Federal da Paraíba.
1- INTRODUÇÃO
Entender a natureza jurídica de um instituto significa saber sua essência para o direito,
aonde ele se enquadra dentro do ordenamento jurídico e o que ele representa. É como se fosse
uma coordenada geográfica que, no caso deste trabalho, apontará qual a situação dos animais
no direito brasileiro, estudo que será indispensável para a compreensão do que se desenvolverá
ao longo da pesquisa.
Desde os primórdios da humanidade, é notável que os seres humanos sempre mantiveram algum
tipo de relação com outros seres vivos que os circundavam, a saber, as plantas e os animais. De
Desse modo, era percebido que o ser humano em nada se obriga moralmente para com
os animais, ideia essa também compartilhada pelo filósofo alemão Immanuel Kant, que apesar
de discordar com Descartes no sentido de que os animais são sim seres sencientes 2 e podem
sofrer, defendia que eles não são seres racionais nem conscientes, o que o levava a crer que os
animais são apenas os meios para as finalidades humanas (FRANCIONE, 2000, p. 42).
Faz-se oportuno, neste contexto, conceituar o especismo, para que fique clarividente a
mudança de pensamento ocorrida com a brilhante obra de Charles Darwin, "A Origem das
Espécies”. Segundo Samory Pereira Santos (2014, p. 19), especismo “[…] é definido como uma
forma arbitrária de tratamento discriminatório entre indivíduos, utilizando-se como critério a
espécie deles, com indiferença por seus interesses e sofrimento”.
O evolucionismo, pois, trouxe a ideia de que os humanos e os animais não mais se
diferenciam em gênero, mas sim em grau. Essa aproximação chocou-se com o que versa o
especismo, pois este sempre foi baseado na errônea concepção de que humanos são seres de
origem e natureza distinta de qualquer outro animal.
A ordem jurídica hierarquiza a sociedade pelo domínio antropocêntrico. O debate que
engloba a formação de um Estado socioambiental de Direito é de singular importância, posto
que significa que a norma constitucional deve refletir a transição para o compromisso com
valores não percebidos anteriormente pela sociedade, conforme uma perspectiva ética (SILVA,
1
É tão sem sentido falar sobre nossa obrigação moral para com os animais, máquinas criadas por Deus, como
também é falar da obrigação moral para com os relógios, máquinas criadas por humanos. Nós temos obrigações
morais que envolvem os relógios, mas essas obrigações são, na verdade, devidas aos humanos e não ao relógio em
si. (Tradução nossa)
2
A ideia de senciência fora introduzida por Peter Singer, que explica ser, em linhas breves , a capacidade de sentir
dor/prazer (SINGER, 2002, p. 15).
3
Nas palavras de José Afonso da Silva (2011, p. 20), meio ambiente é a “interação do conjunto de elementos
naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas”.
4
A saber, os exemplos da Grécia (1975), art. 24; Portugal (1976), art. 66; Espanha (1978), art. 45; dispositivos
constitucionais estes que tratam da tutela jurídica destinada ao meio ambiente.
Tradicionalmente, os animais são considerados coisas para o direito brasileiro, eis que
são disciplinados pelo Direito Civil, no que concerne à parte que estuda as coisas, os Direitos
Reais. Na definição de Clóvis Beviláqua (2003, p. 38), o Direito das Coisas “[…] é complexo
de normas reguladoras das relações jurídicas referentes às coisas susceptíveis de apropriação
pelo homem. Tais coisas são, ordinariamente, do mundo físico, porque sobre elas é que é
possível exercer o poder de domínio".
5
Na linguagem coloquial, pessoa significa ser humano. Contudo, faz-se necessária a construção de uma conotação
jurídica de pessoa, como sendo o ser com personalidade jurídica, aptidão para a titularidade de direitos e deveres.
(AMARAL, 2003, p.139).
6
Sobre isso, comenta o nobre jurista paraibano Flamarion Tavares Leite, ao diferenciar a moral do direito conforme
os ensinamentos de Kant, que “[…] o primeiro e verdadeiro critério de distinção entre moral e direito é o motivo
(móbil) por que a legislação é obedecida. Temos, assim, o motivo absoluto do dever pelo dever no caso da
legislação moral - que não pode ser senão interna - e um motivo empírico no caso da legislação jurídica (que é,
portanto, externa). […] Importante assinalar que no plano jurídico há legalidade, isto é, a conformidade da ação
com a lei, ainda que o móbil seja patológico. […] Por sua vez, o plano ético requer a moralidade, sendo a simples
conformidade com a lei insuficiente […]” (LEITE, 2011. p. 132-134).
7
Expressão utilizada por Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald (2016, p. 39).
8
Acrescentam que tal eficácia é horizontal, pois traduz a incidência dos direitos e garantias fundamentais nas
relações de família, ou seja, de Direito Privado (GAGLIANO; FILHO, 2014, p. 57-58).
9
Maria Berenice Dias (2013, p. 48) afirma que “Trata-se do princípio fundante do Estado Democrático de Direito,
sendo afirmado já no primeiro artigo da Constituição Federal”. Ademais, Rodrigo da Cunha Pereira (2004, p. 68)
acrescenta que é “[…] macroprincípio sob o qual irradiam e estão contidos outros princípios e valores essenciais
como a liberdade, autonomia privada, cidadania, igualdade, alteridade e solidariedade. São, portanto uma coleção
de princípios éticos”.
10
Art. 226. “ A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”. Constituição Federal.
11
A EC 66/10 alterou a redação originária do § 6º do art. 226, que versa “O casamento civil pode ser dissolvido
pelo divórcio”. Assim, suprimiu do texto anterior a separação judicial prévia e a exigência de prazos para conseguir
findar o casamento via divórcio. Constituição Federal.
Interessante caso que ilustra a situação ora em comento surgiu em sede de apelação à
decisão da 5a Vara de Família do Fórum Regional do Meier, que bateu as portas da 22a Câmara
Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e trata da disputa da companhia do cão Dully. A
decisão de primeira instância ocorreu na demanda de dissolução de união estável c/c partilha
de bens e conferiu à apelada a posse do referido animal por ter comprovado ser sua legítima
proprietária (BRASIL, Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, 2015).
Contudo, o apelante não se conformou com a decisão proferida em primeira instância
no que se refere à posse do cachorro, muito embora concordasse com a partilha de outros bens
propostos na inicial. A custódia de animais de estimação envolve maiores complicações que a
partilha de outros bens, eis que o forte relacionamento afetivo compartilhado por ambas as
partes e o tão querido pet acarreta profundo pesar àquele que possivelmente não obtiver sua
posse (ou “guarda”), situação essa que se assemelha aos conflitos relacionados à guarda de
crianças (CHAVES, 2015, p. 15-16).
12
Nesse sentido, importa a colocação de Fredie Didier Jr.: "Atualmente, reconhece-se a necessidade de uma
posição muito mais ativa do juiz, cumprindo-lhe compreender as particularidades do caso concreto e encontrar, na
norma geral e abstrata, uma solução que esteja em conformidade com as disposições e normas constitucionais,
mormente com os direitos fundamentais.”(DIDIER JR, 2013. p. 110).
13
Cães que estão acostumados a conviverem com humanos acabam se habituando a suas rotinas, então uma vez
abruptamente quebrada essa relação, os animais acabam sofrendo bastante. No livro Dogs behaving badly, (cães
mal comportados - tradução nossa), o diretor de comportamento da Tufts University School of Veterinary Medicine,
dos Estados Unidos, afirma que “depois da perda de alguém querido, normalmente os cães apresentam sinais de
depressão humana, incluindo distúrbios alimentares”. (FERNANDES, 2010).
14
Segundo Fredie Didier Jr., “A definição do papel dos tribunais no sistema jurídico deve partir dessa premissa:
todo problema que lhe for submetido ao Tribunal precisa ser resolvido, necessariamente. É dizer: ainda que a
situação concreta não esteja prevista expressamente na legislação, caberá ao magistrado dar uma resposta ao
problema […]”. (DIDIER JR, 2013, p. 111).
15
“Analogamente ao melhor interesse da criança, o melhor interesse do pet é um conceito jurídico indeterminado,
que deverá ser materializado pelo juiz na análise dos elementos do caso concreto, sempre em busca do bem-estar
do animal em causa. Entretanto, pode-se indicar, ainda que genericamente, alguns vetores para a sua concretização,
como: condições de vida; frequência que a pessoa irá interagir com o animal, presença de outros animais ou
crianças no lar, e a afeição dirigida ao animal”. (CHAVES, 2015, p. 21).
Desse modo, temos que esse núcleo essencial da dignidade da pessoa humana, que
deve permanecer intacto quando em conflito com a dignidade de outrem, configura-se na
harmonização dos direitos de ambos os tutores de lograrem a manutenção do convívio com seu
animal de estimação, em claro paralelo ao direito de convívio com os filhos humanos após a
dissolução conjugal - materializado no direito de visitas ou na guarda compartilhada. Essa
situação se deve ao fato de os tutores serem acometidos de grande angústia se forem
bruscamente afastados de seus entes. O tribunal deve tutelar o direito do parceiro que não tem
a guarda de visitar regularmente seu animal de companhia (EITHNE; AKERS, 2011, p. 230).
Entendem de modo diverso, porém, Adisson Leal e Vitor dos Santos (2015, p. 168-
177), que fornecem forte crítica à decisão supracitada. Para os aludidos juristas, a tendência que
se verifica com o precedente judicial em análise é de humanização dos animais de estimação, o
que não condiz com a realidade jurídica do ordenamento posto à interpretação, nem tampouco
dos princípios civis, constitucionais e gerais do direito. A consolidação desses animais como
verdadeiros membros da entidade familiar não poderia ser feita pelo fato da sua natureza
jurídica ser idêntica a dos outros animais (não domesticados), isto é, natureza de “coisa”, apesar
da forte afeição a eles destinada.
Em que pese a importância de tal posição ao Direito das Famílias, não podemos nos
restringir à regulamentação vigente destinada aos animais de estimação (de bens semoventes),
uma vez que o seu melhor interesse16, seu valor inestimável e a ligação emocional e amorosa
de seus tutores para com eles são pontos de argumentação favoráveis a sua consideração como
sujeitos de direito, como propõe a melhor doutrina já analisada.
Nessa linha de pensamento, outros julgados continuaram a atribuir aos animais
elementos de Direito das Famílias: é o exemplo do recente caso da Segunda Vara de Família e
16
Tamanha relevância se dá ao melhor interesse do animal que Eithne e Akers (2011, p. 231) defendem, inclusive,
a prevalência dos seus interesses quando conflitantes com o de um dos proprietários. Ou seja, se não for possível
ao tribunal harmonizar os interesses das partes e do animal, privilegia-se o melhor interesse do pet, posto que o
humano tem mais condições de sair de situação adversa e conseguir solução de ajuda própria.
4 CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
AMARAL, Francisco. Direito Civil. Introdução. 5a ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.
ARISTÓTELES. La Política. Tradução Patricio de Azcáte. FV Éditions, 2014. p. 12-20.
Disponível em: <https://pt.scribd.com/read/287200366/La-Politica>. Acesso em: 26 fev. 2016.
1
Graduanda em Direito pela Universidade Federal da Paraíba - Campus de Santa Rita (UFPB). E-mail:
eliama.oliveira@gmail.com
2
Graduanda em Direito pela Universidade Federal da Paraíba - Campus de Santa Rita (UFPB). E-mail:
mariacarolsantiago1@gmail.com
3
Orientadora. Professora Adjunta do Curso de Direito da Universidade Federal da Paraíba. Doutora em
Direitos Humanos e Desenvolvimento pela UFPB; Mestre em Ciências Jurídicas pela UFPB; Associada
ao Instituto Brasileiro de Direito Civil; e primeira vice-presidente do Instituto: Perspectivas e Desafios de
Humanização do Direito Civil-Constitucional.
1 NOTAS INTRODUTÓRIAS
1
SOUZA, MARISE CUNHA. As Técnicas de Reprodução Assistida. A barriga de Aluguel. A definição
da Maternidade e da Paternidade. Bioética. Revista da EMERJ, v. 3. N° 50, 2010. REVISTA EMERJ
TJRJ. Disponível em:
<http://www.emerj.tjrj.jus.br/revistaemerj_online/edicoes/revista50/Revista50_348.pdf>. Acesso em: 29
de agosto de 2016.
2
AMORIM, Caroline Sebastiany. Aspectos jurídicos da maternidade de substituição no direito
brasileiro. TCC PUC-RS, 2006. Disponível em
<http://www3.pucrs.br/pucrs/files/uni/poa/direito/graduacao/tcc/tcc2 /trabalhos 2006
_1/caroline_amorim.pdf>. Acesso em 29 de agosto de 2016.
3
A verdade sociológica da filiação se constrói, revelando-se não apenas na descendência, mas no
comportamento de quem expende cuidados, carinho e tratamento, quem em público, quer na intimidade do
lar, com afeto verdadeiramente paternal, construindo vínculo que extrapola o laço biológico, compondo a
base da paternidade.
Em casos como este, em que o casal que ingressa com uma Ação para reconhecer
a filiação do filho gerado pela mãe de substituição e não têm esse reconhecimento, temos
uma decisão jurídica que não promove e não preserva a dignidade humana, ápice da
Constituição Federal e do nosso ordenamento jurídico. Além desse problema, diversos
outros problemas podem surgir com o decorrer da relação jurídica, como: a problemática
de o filho for rejeitado por ambas as genitoras (conflitos negativos).
3 O CONTRATO EXTRAPATRIMONIAL
5 CONCLUSÕES
REFERÊNCIAS:
RESUMO: O presente artigo pretendeu analisar a natureza jurídica das uniões simultâneas.
Para tanto, fez-se um desenvolvimento histórico, com fins a determinar os elementos
caracterizadores das relações familiares. Posteriormente, analisou-se o papel da monogamia e
do dever de fidelidade na ordem jurídica brasileira. Por fim, perquirimos a natureza jurídica das
diversas possibilidades de uniões simultâneas. Como método de abordagem utilizou-se a
dialética. Já a técnica de coleta de dados foi a pesquisa bibliográfica, com análise de julgados,
de livros e artigos, impressos ou eletrônicos. O estudo revelou que o tema é ainda muito
polêmico, posto que relaciona-se com os valores morais da sociedade brasileira, há muito
sedimentados, inclusive juridicamente, tais como a fidelidade e a monogamia.
Palavras-chave: monogamia; famílias paralelas; natureza jurídica.
ABSTRACT: This article aims to analyze the legal nature of simultaneous relationships.
Therefore, there was made a historical development, with the purpose to determine the
characteristic elements of family relationships. Subsequently, it was analyzed the role of the
monogamy and the duty of fidelity in the Brazilian legal system. Finally, it was explored the
legal nature of the various possibilities of unions. As a method of approach it was used the
dialectic. As data collection technique it was used a bibliographical research, with analysis of
judged, books and articles, printed and electronics. The study revealed that the theme is still
controversial, since it relates to the moral values of Brazilian society, which is very settled,
including legal terms, such as fidelity and monogamy.
Keywords: monogamy; parallel families; legal nature.
1
Professora do curso de Direito Sociedade Educativa e Cultural Amélia Ltda (Secal). Advogada (OAB/PR).
Presidente da Comissão da Criança e Adolescente da OAB/PR. Graduada em Direito pela Faculdade 7 de
Setembro (Fa7). Especialista em Gestão e Liderança Avançada de Pessoas, também pela Faculdade 7 de
Setembro (Fa7).
2
Doutoranda em Direito Civil, pela Universidade de Coimbra. Mestra em Direito Constitucional, pela
Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Professora da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Professora da
graduação em Direito da Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas (FACISA).
1
Hoje, especialmente, após o julgamento conjunto da Arguição de Descumprimento Fundamental nº 132 e da
Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4277, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que reconheceu a união
homoafetiva como entidade familiar, é praticamente consenso, entre a doutrina familiarista, que o citado art. 226
constitui uma cláusula aberta, devendo ser interpretado de forma a incluir, sob seu manto de proteção, as diversas
modalidades de família que existem no âmbito social.
2
A família não é apenas um fato natural, mas também e, principalmente, um fato social, que está alicerçado em
outros fatores, tais como a evolução cultural, econômica, social e, por que não, política. Assim, os aspectos
biológicos não são suficientes para conceituar a família, como salienta Baptista Villela (1979), em seu trabalho
“Desbiologização da Paternidade”.
3
O modelo patriarcal de família coadunava-se com a economia de base agrária, latifundiária e escravocrata do
Brasil Colonial. Gilberto Freyre aponta como característica do regime patriarcal brasileiro “o homem fazer da
mulher uma característica tão diferente dele quanto possível” (FREYRE, 1977, p. 93). O mesmo autor (FREYRE,
1977) indica no âmbito deste regime, um padrão duplo de moralidade: os homens tinham todas as oportunidades
de iniciativa, de ação social, de contatos diversos, ao passo que as mulheres se limitavam ao serviço e às artes
domésticas, sendo o seu contato restrito aos filhos, parentes, serviçais e ao padre.
4
O CC/1916 também estabeleceu nítidas diferenças entre homens e mulheres. Tal discrepância ocorreu porque o
Direito, como fato sociocultural, representou a sociedade que o deu origem e, ao fazê-lo, também foi responsável
por ratificar e legitimar uma ideologia dominante, no caso, a patriarcal. Supostamente racional, neutro e objetivo,
o CC/1916 ratificou e recriou os papéis masculinos e femininos. É evidente a consagração da ideologia patriarcal
pelo Código Civil brasileiro de 1916, citando, como exemplo, os seguintes aspectos: a) eleição do casamento como
o único modelo de família cabível; b) casamento como uma instituição monogâmica, entre pessoas de sexos
diferentes, com finalidade reprodutiva (art. 229); c) a indissolubilidade matrimonial (redação original do art. 315);
d) existência da figura do chefe de família na pessoa do marido, sendo a mulher uma mera colaboradora do mesmo
(art. 233); e) o pátrio poder (hoje denominado de poder familiar) como poder do pai, a ser exercido com a
colaboração da mulher (art. 380); f) possibilidade de o marido requerer a anulação do casamento, no prazo de dez
dias a contar da celebração, acaso descobrisse que a mulher já não era mais virgem ao casar (redação original do
art. 178, §1º e do art. 219, inciso IV). Obviamente, o mesmo direito não cabia às mulheres, cujo exercício da
sexualidade só era considerado legítimo se atrelado ao casamento; g) estabelecimento de direitos e deveres
matrimoniais diferentes em razão do sexo (art. 233 e seguintes); h) desigualdade entre os filhos matrimoniais e
extramatrimoniais, sendo estes últimos considerados ilegítimos (art. 229, art.332, art. 337 e seguintes); i)
obrigatoriedade de inclusão do sobrenome do marido ao nome da mulher sem que a recíproca fosse verdadeira; j)
o casamento tornava a mulher relativamente incapaz, só podendo exercer os atos da vida civil mediante autorização
do marido (redação original do art. 6º). Diga-se o mesmo em relação à vida profissional, de modo que a mulher só
poderia exercer uma profissão quando o marido a autorizasse (redação original do art. 233, IV). Observe que as
diferenças legais entre os sexos estabeleciam relações de poder e subordinação sobre o gênero feminino. De acordo
com este diploma legal, o papel do homem era o de provedor, enquanto o da mulher estava adstrito às tarefas
domésticas. Ao traçar tamanhas diferenças entre os sexos, o Código Civil de 1916 contribuiu para formatação da
identidade subjetiva do que é ser homem e do que é ser mulher. O discurso jurídico presente na lei foi também
responsável conformar as identidades subjetivas.
5
No Brasil, o casamento ficou indissolúvel, pelo divórcio, até o ano de 1977, o que caracteriza a forte influência
do Direito Canônico. É que a doutrina canônica opunha-se ao divórcio, considerando-o um instituto contrário à
própria índole da família e ao interesse dos filhos. O matrimônio era concebido como sacramento, com vínculo
indissolúvel. O divórcio só era discutido em relação aos cônjuges infiéis, quando o casamento não se revestia de
caráter sagrado (WALD, 2004).
6
Ressalte-se a importância da pílula anticoncepcional para a emancipação econômica das mulheres, pois
possibilitou o sexo sem a procriação. Com o controle da procriação, a mulher passou a ter maiores chances de
trabalhar fora do lar.
7
Apesar de não possuírem proteção jurídica, as uniões livres sempre existiram. Esses consórcios, atualmente
conhecidas como “uniões estáveis”, eram considerados ilegítimos e inferiores, por não encontrarem amparo legal.
É interessante anotar que, mesmo após a legalização do divórcio, o número de uniões estáveis continuou crescente
e ainda o é até hoje. Tal fato indica que a formação da união estável não deriva da impossibilidade de casar, mas
sim de um ato de escolha deliberada.
8
Para Marlene Tamanini, o desenvolvimento tecnológico é um ponto fundamental em relação às novas formas de
tratar e constituir família, e “pode-se mesmo dizer que há uma decolagem histórico-temporal entre os avanços
científicos e as formas de organização social em famílias estruturadas na consanguinidade e na autoridade parental”
(TAMANINI, 2004, p. 101). Para a autora (TAMANINI, 2004), a reprodução assistida está no centro das
preocupações sobre a família e as novas formas de parentela.
9
Ressalte-se que a inserção da mulher no mercado de trabalho constituiu um dos principais motivos de
reconfiguração das relações familiares. Como bem salientam Andolfi, Angelo, Menghi e Nicolo-Corigliano, “a
mudança nas funções de um membro do sistema acarreta mudança simultânea nas funções complementares dos
outros e caracteriza tanto o processo de crescimento do indivíduo como a reorganização contínua do sistema
familiar através de seu ciclo de vida” (ANDOLFI ET. AL., 1984, p. 19). Elisabete Dória Bilac leciona que “as
mudanças na organização da família estão se dando, fundamentalmente, a partir das mudanças na condição
feminina, que terminou por afetar, também, os papéis masculinos” (BILAC, 2003, p. 36). Neste mesmo sentido,
vale trazer as lições de Simone de Beauvoir: “A evolução econômica da condição feminina está modificando
profundamente a instituição do casamento: este vem-se tornando uma união livremente consentida por duas
individualidades autônomas; as obrigações dos cônjuges são recíprocas e pessoais; o adultério é para as duas partes
uma denúncia do contrato; o divórcio pode ser obtido por uma ou outra das partes em idênticas condições. A
mulher não se acha mais confinada na sua função reprodutora: esta perdeu em grande parte seu caráter de servidão
natural, apresenta-se como um encargo voluntariamente assumido [...]” (BEAUVOIR, 1980, p. 165).
10
Para o Lacan (1990), o lugar do pai, da mãe e dos filhos não está necessariamente relacionado aos fatores
biológicos. “Tanto é assim, uma questão de lugar, que um indivíduo pode ocupar o lugar de pai sem que seja o pai
biológico. Exatamente por ser uma questão de lugar, de função, que é possível, no Direito, que se faça e que exista
o instituto da adoção” (LACAN, 1990, p. 13). Realmente, a função do pai ou da mãe não é apenas uma função
natural, mas, sobretudo, social.
No âmbito jurídico, boa parte de tais transformações sociais foram assimiladas pela
Constituição Federal de 1988, que trouxe um capítulo especial sobre a família. O caput do artigo
226 reconhece a “família” como a base da sociedade e, portanto, merecedora de especial
proteção do Estado. A Carta Magna, contudo, não elegeu um tipo de “família” específico para
conferir esta especial proteção. Ainda que os parágrafos do artigo 226 façam referência expressa
11
Um dos fundamentos utilizados pelo Supremo Tribunal Federal para reconhecer as uniões homoafetivas foi
justamente o direito à felicidade, mediante o agrupamento familiar (ADI nº 4277, 2012, on line).
12
Até a Constituição de 1988, considerava-se a união estável, antes conhecida como concubinato, a negação da
família. Não se observava que os mesmos atributos afetivos do casamento também pertenciam à união estável.
José Sebastião de Oliveira (2002, p. 142) reconhece que a felicidade e o amor presente na união estável não são
menores nem menos intensos do que os existentes no casamento. Segundo Caio Mário da Silva Pereira, “o
constituinte de 1988 passou a considerar as uniões extraconjugais como realidade jurídica, e não apenas como um
fato social” (Pereira, 2004, p. 524). Arnoldo Wald (2004, p. 228) que o conhecimento da união estável foi
amplamente louvável. Com essa inovação, acabaram-se as designações discriminatórias e estigmatizantes que
antes existiam nas uniões livres. Consagra-se, com isso, a liberdade de escolha do modelo familiar que melhor
atenda aos interesses das pessoas.
13
Eduardo de Oliveira Leite (2003, p. 24) ressalta que a monoparentalidade não é um fenômeno novo no ocidente,
posto que sempre existiram os viúvos e as viúvas, as mães solteiras, separadas ou abandonadas. Sendo que, nos
dias atuais, a monoparentalidade representa mais um modelo de família derivado da vontade pessoal e não de uma
imposição circunstancial, como outrora. O reconhecimento e a proteção da monoparentalidade, pela Constituição
Federal de 1988, resguardou essa modalidade de família que sempre esteve marginalizada. Tal proteção jurídica
constitui uma grande passo para coibir os preconceitos ainda existentes em relação aos grupos familiares não
tradicionais.
14
Neste sentido, vale conferir o artigo de Paulo Luiz Netto Lôbo (1999) intitulado “Entidades familiares
constitucionalizadas para além do numerus clausus”.
15
Este foi o entendimento adorado pelo Supremo Tribunal Federal (ADI nº 4277, 2012, on line).para reconhecer
juridicamente as uniões homossexuais, denominadas por uniões homoafetivas, como uma modalidade de família.
16
No julgamento da Ação Direita de Inconstitucionalidade nº 4277 (2012, on line), o Supremo Tribunal Federal
admitiu expressamente que não há hierarquia entre as entidades familiares e que os termos “família” e “entidade
familiar” constituem expressões sinônimas.
17
Neste ponto, vale distinguir os princípios das regras. Princípios são espécies de normas que caracterizam-se pelo
elevado grau de abstração, enquanto as regras apresentam sua abstração mais reduzida (CANOTILHO, 2000). No
caso de conflito, os princípios podem ser harmonizados conforme seu peso e seu valor em relação a outros
princípios, havendo um sacrifício provisório de um em benefício de outro. Já a colisão entre regras é resolvida
através de exclusão – sistemas de antinomias.
18
A redação original do §3º, do art. 226, da CF/88 estipulava requisitos formais e temporais para a realização do
divórcio. O divórcio só era admitido ou após prévia separação de fato, pelo período de dois anos, ou após um ano
da decisão judicial que concedia a separação de corpos ou do transito em julgado da sentença de separação judicial.
Tratava-se do denominado sistema dualista de dissolução da sociedade conjugal e do vínculo matrimonial.
Posicionando-se contra as exigências constitucionais originárias para o ajuizamento do divórcio, Paulo Luiz Netto
Lôbo pondera que “o fim do casamento não é fruto da irreflexão, mas epílogo do desgaste continuado ou do erro
de escolha do cônjuge, de nada servindo prolongar esse sofrimento por imposição do Estado” (LÔBO, 2010, on
line).
19
Cabe anotar que, hodiernamente, ante as técnicas de reprodução assistida e a possibilidade de utilizar o útero
alheio para procriar já não é possível considerar que a maternidade é sempre certa.
20
Neste sentido, ver os ensaios de: Daliane Mayellen Toigo (2010); e Silvia Pimentel, Valéria Pandjiarjian e
Juliana Belloque (2012, on line).
Nos termos do citado art. 1.723, os elementos caracterizadores da união estável são: a
publicidade, a estabilidade (união contínua e duradoura), o objetivo de constituição de família
e o desimpedimento matrimonial (com a possibilidade de pessoas separadas – judicialmente ou
de fato – constituírem união estável). Neste ponto, cabe chamar atenção para o elemento
“publicidade”. Foi visto que a família, hoje, constitui um espaço para realização pessoal de seus
membros. Essa finalidade da família não se coaduna com a clandestinidade. Logo, a publicidade
e a comunhão de vida (soma dos elementos da estabilidade e do objetivo de constituição de
família) constituem os principais elementos caracterizadores das diversas entidades familiares.
Verifica-se, portanto, que homens e mulheres, separados judicialmente ou de fato,
podem formar uma união estável. No entanto, a norma é bastante clara: para a formação da
união estável, faz-se necessária, dentre outros requisitos, a separação. Desse modo, a relação
21
Atualmente, existe uma forte discussão no movimento feminista sobre o fim da monogamia. Se por um lado, o
fim da monogamia poderia trazer mais liberdade sexual para as mulheres; por outro, poderia configurar uma carta
de alforria para homens, com a manutenção da repressão sexual feminina. É que em sociedades marcadas pelo
machismo, o padrão sexual diferenciado para os gêneros é subjetivado por homens e mulheres. Desde cedo, as
mulheres aprendem que são mais objeto do que sujeito do ato sexual, devendo servir aos deleites masculinos. O
patriarcalismo constrói as mulheres, ao redor da máxima: encontrar o príncipe encantado. O problema da espera
pelo príncipe encantado é que, além dele não existir, ela impõe às mulheres o dever de ser uma “princesa” (bela,
magra, passiva, educada etc.). Ao passo em que, desde cedo, os homens aprendem a associar o masculino à
virilidade e à potência sexual. O patriarcalismo não prepara os homens para serem os príncipes encantados das
mulheres. Note-se, aqui, a discrepância entre os padrões sexuais atribuídos a cada um dos gêneros. Neste sentido,
o fim da monogamia não constitui garantia de liberdade sexual das mulheres, tendo em vista a existência, a
naturalização e a subjetivação de uma ordem sexual machista e sexista. Somente com o empoderamento econômico
e pessoal, as mulheres poderiam tornar-se autônomas e, com isso, exercer a sexualidade livremente.
22
Art. 1.727. As relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem concubinato.
23
É bem verdade que, em muitas das vezes, a “aceitação” da infidelidade, por parte da mulher traída, pode ocorrer
em razão da subjetivação violenta de valores patriarcais, tais como: a passividade e a docilidade atribuídos ao
feminino; a virilidade e a impulsividade sexual atribuídos ao masculino. A dependência econômica do
marido/companheiro também pode ser um dos fatores de "aceitação" da traição do marido/companheiro. Tal
dependência também é explicada em razão do patriarcalismo, dada a divisão sexual entre os espaços público e
privado e dada a diferença salarial entre homens e mulheres. Neste sentido, a aceitação da traição pode decorrer
de uma opressão simbólica do próprio patriarcalismo, que é naturalizado e subjetivado, por todos os agentes
sociais. Por outro lado, em algumas situações – geralmente, quando há hierarquia entre as partes envolvidas –, o
próprio casal pode, autonomamente, acordar uma relação livre, aberta a relacionamentos extraconjugais, por parte
de ambos.
24
O casamento putativo constitui a circunstância em que o matrimônio é, de boa-fé, contraído com infração aos
impedimentos matrimoniais. Assim, mesmo nulo, o casamento produzirá efeitos, posto que os cônjuges se
encontravam de boa-fé. Neste sentido, segue o dispositivo: “Art. 1.561. Embora anulável ou mesmo nulo, se
contraído de boa-fé por ambos os cônjuges, o casamento, em relação a estes como aos filhos, produz todos os
efeitos até o dia da sentença anulatória”.
25
Neste sentido: Álvaro Villaça Azevedo (2002), Rodrigo da Cunha Pereira (2004), Francisco José Cahali (1996),
Flávio Tartuce (2007) e José Fernando Simão (2007).
26
Neste sentido ver: Laura de Toledo Ponzoni (2016, on line).
5 CONCLUSÃO
Após as análises e considerações anteriormente apresentadas, consideramos que as
famílias paralelas, configuradas pela convivência pública, contínua, duradoura e estabelecida
com o objetivo de constituição de família, ou seja, atendendo os requisitos da afetividade, da
publicidade e da durabilidade que são comuns a todas as demais famílias, não pode ficar de fora
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. INTRODUÇÃO
A prova, na seara do Direito Processual Civil, tem diversas acepções. Inicialmente, a
prova é concebida no sentido de fonte de algum fato. Como o próprio nome já indica, fonte de
1
Doutor e Mestre em Ciências Jurídicas pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Professor Adjunto do curso
de Direito da UFPB. Graduado em Direito pela Universidade Federal de Campina Grande (UFCG).
2
Graduanda em Direito pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB).
Tratada nos artigos 464 a 480 do Novo Código, a prova pericial é aquela que conta com
um especialista em determinada área técnica para esclarecer certo fato que interessa à demanda.
Sobre este tema, destacam-se quatro novidades: produção de prova técnica simplificada;
apresentação de currículo do perito; perícia consensual e requisitos do laudo pericial.
O artigo 464, §2º, do Código de Processo Civil vigente, dispõe expressamente que “de
ofício ou a requerimento das partes, o juiz poderá, em substituição à perícia, determinar a
produção de prova técnica simplificada, quando o ponto controvertido for de menor
complexidade.”. Nessa situação, a denominada “prova técnica simplificada” consistirá tão
somente na inquirição de especialista na área, que poderá se valer de qualquer recurso
tecnológico de transmissão de sons e imagens para esclarecer os pontos controvertidos da causa.
Essa inovação ajuda na desburocratização em demandas nas quais, embora exista a necessidade
da prova técnica, a baixa complexidade envolvida não justifica que as partes se sujeitem à
demorada e custosa produção da prova pericial nos moldes tradicionais.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
6 REFERÊNCIAS
ALEXY, Robert. Teoría de los Derechos Fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Políticos
y Constitucionales, 2002. Trad. Ernesto Garzón Valdés.
ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto. O formalismo valorativo no confronto com o
formalismo excessivo, Teoria Geral do Processo: panorama doutrinário mundial. Salvador:
JusPodivm, 2007.
______. Direitos fundamentais à efetividade e à segurança em perspectiva dinâmica, Revista
de Processo, n. 155. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.
AZEVEDO, Antonio Danilo Moura. A teoria dinâmica de distribuição do ônus da prova no
direito processual civil brasileiro. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano12, n.1500, 10 ago.
2007.Disponível: . Acesso em: 15 set. 2016.