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no apreço pela celebração litúrgica, na experiência comunitária e no compromisso apostólico,
mediante um permanente serviço aos demais.” (DAp 299) 1
Caráter experiencial do catecumenato. O querigma e o processo iniciático como um
todo visam suscitar e desenvolver uma experiência pessoal profunda de fé, com todas as suas
consequências. A proposta cristã não é um amontoado de idéias, um emaranhado de
doutrinas, um sem-fim de preceitos, uma lista interminável de regras disciplinares, mas um
todo orgânico e dinâmico, muito mais, uma experiência de amor, o encontro da totalidade do
ser humano com o Pai pelo Filho, no Espírito Santo, com o Deus-Amor-Trindade, mistério
insondável de vida e comunhão. Embora a experiência seja, em última análise, intransferível,
não é possível suscitá-la em outro sem ter passado por ela e sem ser sustentado por ela. Paulo
não seria o maior evangelizador de todos os tempos sem a reviravolta provocada pela
experiência de Damasco (cf. Gl 1,15-16; At 9,3-19). “Anunciar o querigma implica em
comunicar a experiência de fé daquele que anuncia, em posicionar-se como pessoa de fé numa
sociedade que duvida, questiona, põe à prova as convicções do missionário. Não se trata só de
falar a verdade da fé, antes, trata-se de apresentar um estilo de vida, uma postura, um modo de
ser no mundo, em que se demonstra a fé na qual se crê, se celebra e se estabelecem relações
com o próximo.” 2 Sem a experiência pessoal e comunitária, a revelação seria letra morta, a fé
da Igreja mera aceitação de um conjunto de verdades, a interpretação do Magistério um peso
insuportável.
Integralidade. O catecumenato é um processo de iniciação, cujo ponto de partida é o
encontro pessoal com Jesus Cristo e cujo ponto de chegada é a inserção, como discípulo e
missionário, no mistério pascal de Cristo – liturgicamente celebrado – e na comunidade cristã,
enriquecida por uma rica variedade de carismas, toda ela a serviço da missão. Está como que
emblematicamente compendiado no “caminho” descrito em Mc 3,13-15! O método
catecumenal oferece uma formação integral (encontro com Jesus Cristo, conversão,
discipulado, comunhão, missão) 3 a partir da interação catequese↔liturgia↔conversão da
vida, ou seja, o aprofundamento do encontro com o Cristo vivo, mediante a acolhida e o
encontro com os irmãos e irmãs de fé, a meditação da Palavra, a celebração do mistério ao
longo do ano litúrgico, buscando responder, pela graça, aos apelos à permanente conversão.
Conectividade. A catequese tradicional era fragmentária, dissociada da liturgia e
indiferente às estruturas e necessidades do sujeito e ao seu contexto. A metodologia
catecumenal, ao invés, articula três componentes básicos: uma catequese apropriada, em
etapas, ritmada pelo ano litúrgico, apoiada em celebrações da Palavra, de modo que os
candidatos cheguem à íntima percepção do mistério da salvação e à adesão pessoal e plena ao
mesmo; uma articulação entre anúncio do mistério, ação celebrativa e vida, de modo que a
graça, presente e atuante na Palavra anunciada, na celebração e na vida, vá edificando o
cristão; as disposições interiores, em que se debatem forças contraditórias, em meio às quais o
candidato vai adquirindo maturidade espiritual: processo de conversão, que, de um lado,
significa luta contra o pecado e, do outro, crescimento na fé, na esperança e na caridade. 4
A formação do cristão, discípulo e missionário. A estrutura do RICA é disposta de
modo a propiciar este itinerário e proporcionar – pressuposto o difícil diálogo entre graça e
liberdade – o caminho de formação integral do cristão. Sincronicamente, são três tempos de
preparação: pré-catecumenato, catecumenato e purificação; duas celebrações de passagem:
entrada no catecumenato e inscrição do nome; celebração unitária dos sacramentos de
iniciação; mistagogia. Diacronicamente: o pré-catecumenato, o catecumenato, a purificação e
a mistagogia. O RICA tem o mérito de recolocar, num conjunto abrangente e orgânico, os
1
Cf. DNC, 31.
2
A. F. LELO, Pedagogia catecumenal: moda ou herança?
3
Cf. DAp, 278.
4
Cf. RICA
2
elementos que dão coerência ao processo de iniciação de modo que este possa alcançar a sua
finalidade de formar o cristão, discípulo missionário.
Processualidade e progressividade. A Iniciação é um processo complexo, lento e
progressivo. A totalidade do ser humano – coração e inteligência, consciência e vontade, vida
pessoal, comunitária e social – é interpelada neste processo. O princípio da progressividade
“orienta e organiza as orações e os ritos preparatórios, bem como fundamenta a qualidade do
processo educativo. Durante esse tempo, a iniciativa humana será transformada pela graça de
Deus e, pouco a pouco, o candidato é introduzido na Igreja, corpo de Cristo. Segue a direção
do menor compromisso ao maior empenho, da escuta da Palavra e da mudança de costumes e
prática de boas obras.” 5
A atualidade da história da salvação. A catequese de inspiração catecumenal é
fundamentalmente bíblica, disposta em etapas, articulada com diversas expressões litúrgicas.
Tanto a catequese como a liturgia estão, portanto, inseridas na economia histórico-salvífica,
isto é, compreendem o atual momento histórico dentro da dinâmica de salvação-libertação,
que tem seu início na Criação, culmina na pessoa e na obra de Jesus Cristo e antecipa a
plenitude do Reino, que só se dará quando Cristo entregar o Reino ao seu Pai. O Cristo
glorificado e o Espírito Criador agem em cada aqui e em cada agora da história, que é sempre
história da salvação, individual, comunitária, coletiva, cósmica.
A centralidade do mistério pascal. O mistério pascal – culminância da vida dada do
Senhor – é o centro e o ambiente vital de todo o processo. A iniciação cristã visa à nossa
configuração com Cristo, o Filho de Deus, morto e ressuscitado, fazendo-nos filhos e filhas do
Pai, irmãos e irmãs entre nós, através dos sacramentos pascais do batismo, da crisma e da
eucaristia. Daí por que o processo iniciático tem o seu cume na celebração do Tríduo Pascal,
preparado pela Quaresma e desdobrado no Tempo Pascal. O mistério pascal, por sua vez,
torna-se fonte incessante da vida cristã, vivida como seguimento de Jesus e serviço aos irmãos
nos dias e nas noites de nossa história terrestre, à espera do repouso sabático, celebrado a cada
domingo na Eucaristia da comunidade.
A dimensão comunitária da Iniciação. A iniciação envolve toda a comunidade. Os
cristãos e as cristãs com quem se entra em contato no dia a dia da vida familiar, do trabalho,
dos negócios, da política...: pela palavra, mas sobretudo pela vida, testemunham o Evangelho
e anunciam Jesus, tornando-o interessante, significativo, simpático. Os padrinhos e
madrinhas, que encaminham o simpatizante à comunidade e o acompanham vida afora. No
seio da comunidade, que, como mãe, gerará novos filhos e filhas de Deus, têm papel decisivo
os introdutores. Diversos ministérios ordenados e não ordenados exprimem, assim, o serviço
que a comunidade toda presta àqueles que se aproximam dela para se tornarem um com ela e
com Cristo. Os símbolos, os gestos, os ritos, as celebrações litúrgicas – realizados pela
comunidade toda, dotada de diferentes ministérios – vão introduzindo o catecúmeno no
mistério, na vida e na missão da Igreja.
A unidade do mistério cristão e da vida cristã. A conjugação entre palavra, liturgia e
vida, de um lado, e a celebração conjunta dos sacramentos da iniciação, do outro, exprimem a
unidade do mistério cristão e a unidade da vida cristã, cujas estruturas existenciais
fundamentais são a fé, a esperança e a caridade.
Em busca do “homem perfeito em Cristo”. A iniciação, assim, cumpre sua finalidade
de ajudar efetivamente a pessoa a se tornar cristã, participante consciente do mistério pascal
de Cristo e da comunidade eclesial; de viver a união dinâmica com Cristo, numa constante
busca de se assemelhar a ele; de levar a uma experiência de fé que, tocando e brotando das
estruturas mais fundamentais da pessoa, se traduz em vida e serviço à vida e a liberdade dos
irmãos e irmãs, num processo contínuo e nunca acabado de conversão. A iniciação oferece
5
IBIDEM, p. 28.
3
aos que a abraçam com fidelidade um projeto de vida, um modo de ver o mundo com os olhos
de Deus e de se colocar no mundo com os valores, as atitudes e os comportamentos de Jesus,
de quem a pessoa vai se tornando discípulo e missionário a serviço do Reino.
CONCLUSÃO
Graças a estes elementos caracterizantes, o estilo catecumental está apto a provocar
um salto de qualidade não só em toda a catequese, mas em todas as expressões da
evangelização e da vida eclesial.
Na prática, porém, é um desafio para nossas comunidades, para os mais diversos
agentes eclesiais, para quantos se acham diretamente envolvidos com a catequese e a liturgia.
Todos somos chamados a nos debruçar, animados e guiados pelo Espírito, sobre esta
rica e promissora proposta, dispostos a encontrar os melhores caminhos para pô-la em prática.