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INTERVENÇÕES URBANAS
1979–1982
MARIO RAMIRO (ORG.)
APOIO
Este projeto é selecionado
24 ENSACAMENTO
34 X-GALERIA
39 A DESPEDIDA DA VELHA SENHORA
42 TRÍPTICO
52 INTERDIÇÃO
60 A CATEGORIA BÁSICA DA COMUNICAÇÃO
62 ARTE
66 MATARAZZO (“SUPREMATISMO”)
74 INTERVERSÃO VI
85 CASOS
90 VIDEOPERFORMANCE
92 CONECÇÃO
100 CORTE AA
106 B. 81
113 ARCO 10
119 OUTDOOR / ART-DOOR
124 27.4 / 3 (23 DE MAIO)
130 27.4 / 3 – II (PINACOTECA)
134 ACABOU
Maria Adelaide Pontes
138 Intervenção urbana como sistema
Erin Aldana
165 Desenhos no mapa da cidade
Annateresa Fabris
177 Revendo as ações do 3nós3
Zanini, Regina Silveira, Annateresa Fabris, Gabriel Borba, ros, fundamentais para o entendimento da arte
Julio Plaza, José Resende, Carmela Gross, Evandro Carlos urbana no Brasil. A todos os envolvidos nesta
Jardim, Ana Mae Barbosa, Donato Ferrari e outros, que produção, em especial à equipe do Rumos Itaú
nos apoiaram incondicionalmente ao longo do período de Cultural, liderada por Sofia Fan, e à Ubu Edi-
formação e também depois. Walter Zanini, o primeiro pro- tora, os nossos agradecimentos pela paciência
fessor dos cursos de artes a se tornar diretor da escola, foi e confiança no trabalho de edição. Este livro é
um grande apoiador do nosso trabalho. Com a assessoria também uma forma de agradecermos a todos
14 Durante a gestão de Martin de seu auxiliar acadêmico, Edival Pessoa, a eca contribuiu que, ao longo de nossa trajetória, acreditaram,
Grossmann, e com Isis
diversas vezes para nossas produções, cedendo transporte, apostaram e confiaram em nosso trabalho.
Baldini à frente da Divisão
de Acervos Documentação e infraestrutura e até os serviços de sua gráfica, que imprimiu
Conservação, o Centro o catálogo do Evento de Fim de Década, de 1979, que será
Cultural São Paulo (ccsp) comentado aqui.
adquiriu em 2008 a É preciso mencionar que a organização do material que
hemeroteca de Hudinilson
deu origem a este livro tem por base a extensa catalogação
Jr., com cerca de 7 mil itens,
que veio complementar uma
e o trabalho de arquivista dedicado feito por Hudinilson Jr.
pesquisa desenvolvida pela Desde meados dos anos 1970, nosso velho amigo passou a
instituição sobre arte na rua. catalogar, com seu talento ímpar e pouco normativo, os
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PRETEXTO PARA UMA
INTERVENÇÃO
ANNATERESA FABRIS
À primeira vista, a operação artístico/crítica do 3nós3 abran- Lista das galerias de arte
ge duas esferas distintas e quase dicotômicas: o circuito programadas para a
intervenção X-Galeria.
artístico e a cidade. Àquela corresponderiam três interven-
ções que datam de 1979: o ensacamento de estátuas, a ope-
ração X-Galeria e o Tríptico. Desta seriam testemunho as
interversões quando o grupo, deixando de lado a polêmica/
diálogo com o milieu artiste, se volta explicitamente para
o espaço urbano, não mais mero contentor de estruturas/
objetos preexistentes ou ponto referencial para uma exposi-
ção, mas verdadeiro destinatário da ação artística que nele
percebe uma relação essencial com o material que lhe con-
ferirá uma fisionomia momentânea.
Se o método operacional é basicamente igual – interferir
num espaço dado –, é também igual o meio no qual essas
ações se desenvolvem – a rua, o que confere às duas atitu
des, antes distintas, uma mesma lógica e uma mesma com-
preensão do significado do fazer arte. A cidade “usada como
uma folha de desenho”1 está presente tanto nas interven-
ções quanto nas interversões, pois a ação modificadora nela
desenha outras possibilidades de visualização dum espaço
que o hábito, o consumo distraído tornaram perceptiva-
mente “neutro”.
O que o 3nós3 coloca em questão, desde as primeiras
ações de 1979, é a relação da arte com a cidade – ele quer que
o objeto artístico exista preliminarmente, quer que o artista
tenha que intervir no espaço urbano para acrescentar-lhe
uma informação, para criar zonas de cor no cinza indistin-
to de viadutos e avenidas. Num e noutro caso, o âmbito da
operação, frequentemente paródica, é a arte, ideia implíci-
ta tanto na metáfora da “folha de desenho” quanto na dis-
tância que o grupo assume em relação a um procedimento,
aparentemente análogo – a arte sociológica.
Se a arte é o centro de convergência do fazer do grupo, se
se assimila à cidade por um breve lapso de tempo, não se
pode desconhecer a ambiguidade inerente a essa e às outras
atitudes que fazem do espaço urbano o palco de suas ações. 1 3nós3, depoimento a
Arte e cidade, na verdade, não chegam a fundir-se, pois as Annateresa Fabris, 14/7/1982.
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estátuas ensacadas, as telas expostas na calçada, o celofa- va: falta de originalidade, iteratividade da proposta etc.). De
ne e o plástico interferindo nas grandes estruturas viárias, outro, o registro dos eventos pelo repórter da cidade, alheio
longe de dessacralizar a arte, acabam por converter-se ou à problemática artística, que lê a intervenção como um fato
reconverter-se em obras e espaços de fruição estética. Mes- entre outros e coloca aspas em suas intenções estéticas, que
mo que os materiais sejam pobres ou precários (saco de lixo, não reconhece por não constituir o repertório do homem
fita-crepe, celofane, plástico), a estátua torna-se mais está- comum ao qual se dirige.
tua, a tela mais tela, o viaduto ou a avenida um sucedâneo Embora, de um lado, o raio da ação da notícia sobre o
do museu/galeria porque, no transcorrer da intervenção, o leitor se amplie com essa atitude da imprensa, de outro,
tempo se suspende, são propostos valores que, do fluxo da esse procedimento estabelece um paralelo às avessas com
vida, remetem à fixidez da arte, não importando que a pre- a intencionalidade do grupo. Enquanto as primeiras inter-
sença da arte seja temporária. venções favoreciam interpretações de caráter sociológico
Nesse sentido, a ação mais flagrante do 3nós3 é a ope- por visar alvos consagrados, as interversões têm como prin-
ração X-Galeria, que não só sublinha o circuito fechado do cípio gerador especulações de caráter visual – “contrastes”,
mercado de arte, como provoca quase um curto-circuito “agrupamentos”, “relações com a forma, o espaço e a cor”,2
tautológico ao deflagrar reações esperadas, tanto por parte que deveriam ter interessado mais de perto a crítica de arte.
dos atingidos pelo “efeito-boomerang”, quanto por parte da Mas nesse jogo especular negativo, a crítica de arte não se
crítica de arte. “Mandinga”, “descontentamento”, “terroris- interessa tanto pelo 3nós3 justamente no momento em que
mo”, “brincadeira”, “criancice”, uma ou outra concordân- poderia ter debatido sua proposta operacional em termos
cia: as reações dos galeristas. A defesa do sistema: a reação propriamente estéticos.
imediata da crítica, que estabelece um longo currículo Se a relação com o espaço urbano permanece ambí-
de disciplinas que o artista jovem deve dominar antes de gua por resolver-se só em arte, a atuação do grupo mostra,
“ousar” criar, que aconselha mostrar obras “de mérito”, que porém, consciência do novo estatuto da cidade na sociedade
estranha o anonimato dos “guerrilheiros” noturnos... Não contemporânea, a transformação substancial que faz dela
se tenta sequer discutir o porquê do gesto de vedação, não não mais portadora de valores, e sim de notícias, não mais
se tenta compreender se existe uma proposta de trabalho: construção histórica, e sim sistema de informação,3 elemen-
é mais cômodo e mais fácil rechaçar o ato de vez, trans- tos que podem ser percebidos nitidamente nas relações do
formá-lo em mera boutade provocatória e inconsequente, 3nós3 com a imprensa, quer enquanto material de notícia,
dar conselhos paternalistas, provocando uma cadeia de quer enquanto produtor de notícias (ações como A categoria
respostas previsíveis, que confirmam o sabido de sobejo: básica da comunicação e “3nós3/Interversão urbana”,4 por
a sacralidade da arte/mercadoria é um dogma e, como tal, exemplo).
incontestável... A interação necessária com os meios de comunicação
A mobilização da imprensa em torno da operação (como de massa acaba por aproximar a proposta de Mario Ramiro,
já acontecera em escala menor com o ensacamento das Rafael França e Hudinilson Jr. de um dos princípios funda-
estátuas) responde exatamente a um dos desígnios dos mentais da arte sociológica: a criação do “evento-surpresa”,
rapazes do 3nós3, cujas ações necessitam dos meios de aquela conjunção de reflexão e ação que abre o caminho
2 “vi Intervenção”. São Paulo,
comunicação de massa para serem veiculadas, registradas, para um discurso crítico, que produz um acontecimento
Secretaria de Estado da
para existirem numa dimensão que ultrapasse os poucos vivencial, dirigido a um público mais amplo graças à inter- Cultura, 1981.
espectadores que presenciam os eventos em seu desenro- mediação do jornal, da televisão. Sistema de comunicação 3 Ver Giulio Carlo Argan apud
lar e em sua vida efêmera. Da página de arte ao noticiário e não “obra de arte” cristalizada (apesar de “fixar-se” no Ermanno Migliorini, L’arte e
geral: essa trajetória do grupo no âmbito jornalístico, que momento em que adquire vida), o procedimento operacio- la città. Florença: Il Fiorino,
1975, p. 135.
demonstra duas atitudes bem claras por parte da impren- nal do 3nós3 é um “evento-surpresa” em sua manifestação
4 “3nós3/Interversão urbana”,
sa. De um lado, o afastamento dos críticos de arte após o social, não enquanto projeto, pois na base daquelas “man- texto publicado pelo grupo
“escândalo X-Galeria” (serão raras as referências ao trabalho chas de cor” que criam uma nova nota na paisagem urba- na revista Arte em São Paulo,
do 3nós3 após essa data e, amiúde, com conotação pejorati- na uniforme está um longo trabalho de pesquisa, existe um n. 2, out. 1981. [n.e.]
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desenho que se explicita no papel antes de pas-
sar para aquela folha de dimensões incomensu-
ravelmente maiores que é a cidade.
A mensagem sibilina da operação X-Galeria –
“O que está dentro fica / O que está fora se expan-
de” – resume, na realidade, a filosofia de traba-
lho do 3nós3. O “trabalhar fora” não significa,
porém, colocar-se à margem do sistema, e sim
uma tomada de posição crítica perante o circui-
to estabelecido. “Trabalhar fora” para afirmar
a existência da arte fora da moldura, mesmo
que para tanto se criem novas molduras rapi-
damente perecíveis. Mas esse é um movimento
dialético, comum a todas as intervenções que se
voltam para a cidade, e que o 3nós3 não poderia
resolver em sua breve trajetória como grupo.
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ENSACAMENTO
Várias esculturas e monumentos
públicos da região central da cidade
de São Paulo foram parcialmente
cobertos com sacos de lixo azuis e
pretos na madrugada. A operação
teve início à meia-noite no parque
da Independência, no Ipiranga, e se
encerrou às 5h da manhã na praça
Marechal Deodoro. No decorrer
do dia, os jornais da cidade foram
notificados por telefonemas
anônimos sobre as esculturas
ensacadas, o que resultou num
grande número de reportagens
sobre a ação.
27 DE ABRIL DE 1979
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DIÁRIO DA NOITE, 28/4/1979
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AGRADECIMENTOS
Afonso Roperto, Alan Gilbert Dubner, Alberto Andrada,
Alemão (Ricardo Zimmermann), Alex Flemming,
Alexandre Bresson, Alfredo Damiano, Arnaldo Fiaschi,
Álvaro de Moura Lima, Amélia Pereira, Amilton S.
Almeida, Ana Helena Kurt, Annateresa Fabris, Antônio
Gonçalves Filho, Antônio Maluf, Aparecida e Hudinilson
Urbano, Arte em São Paulo, Assimina Vlachos, Betty
Leirner, Celso Andrade, Central de Out-door, Cid Galvão,
Clarisse Amaral, Clóvis Lourenço Jr., Décio Presser,
Débora Bolsoni, d’Magrelas, Edival Julio de Almeida
Pessoa, Eduardo Abramovay, Eduardo França, Eduardo
Kac, Eliana Neuber, Eliane Laurent, Eliane Prolik, Erin
Aldana, Escola de Comunicações e Artes - Universidade
de São Paulo, Espaço N.O., Fábio Magalhães, Fabio
Malavoglia, Fernanda Teixeira, Fernando C. Lemos,
Fernando Meireles, Filipe Barrocas, Florian Raiss,
Francisco Zorzete, Frederico Morais, Gê Marques, Gextu,
Gigi, Grupo Manga Rosa, Guacira Quinto Malatesta,
Gustavo, Guto Lacaz, Hamilton, Heiko Diekmeier, Hugo
França, Janete Gutierres, Jaqueline Martins, João Musa,
Jorge Bassani, Júlia Berra, Júlia Sottili, Juliano Ferreira,
Julio Plaza, Katia Coelho, Leonor Amarante, Lourenço A.
Deróbio, LS Raghy, Luiz Fernando Ramos, Marcio
Harum, Marcos Lontra Costa, Marcos Magaldi, Maria
Adelaide Pontes, Maria Estela Jordão, Maria Inês de
Camargo, Maria Luiza, Maria Olímpia Vassão, Mario
Cesar Carvalho, Marion Strecker , Marília Balbi, Massao
Ohno, Mauricio Segall, Miguel de Almeida, Miriam
Paglia Costa, Miya Tanaka, Moracy R. De Oliveira, Myê
Peixoto, Newton Goto, Ney Branco de Miranda, Nina
Moraes, Olaia Mello, Olney Krüse, Osvaldo Domene,
Oswaldo Pepe, Paulo Bruscky, Paulo Crozariol, Paulo
Figueiredo, Paulo Klein, Paulo Reis, Poesia e Arte, Rafael
Leona, Raquel Arnaud, Regina Boni, Regina Silveira,
Renato Brancatelli, Renato Vieira, Riberto, Ricardo
Resende, Roberto Sandoval, Rubem A. Jana, Rumos Itaú
Cultural, Sabina de Libman, Sandra Mager, Secretaria
Estadual de Cultura, Sergio Moura, Silvia Ruiz, Sofia Fan,
Suzanna Sassoun, Tata Amaral, Tadeu Jungle, Telmo
Martino, Thereza Andrade, TIT, Vagner Dante Veloni,
Vera Chaves Barcellos, Viajou Sem Passaporte, Vitor
Butkus, Waldemir Benedetti, Walter Silveira, Walter
Zanini, Zhô Bertholini.
Plastic Five Indústria e Comércio Ltda., Polibag – Plásticos e Este projeto foi contemplado pelo
derivados Ltda., TIM – acabamento de embalagens plásticas Programa Rumos do Itaú Cultural.
Zoom Escola de Fotografia, Akapol, Tecnovídeo Eng. e Projetos
Ltda., Telefunken Rádio e TV, Duratex S.A., Reducópias S.A. concepção
3nós3
produção e organização
Mario Ramiro
CRÉDITOS FOTOGRÁFICOS
edição de imagens
pp. 5, 198–99 Renato Brancatelli e Zhô Bertholini / p. 8 Vera Chaves Mario Ramiro e Filipe Barrocas
Barcellos / p. 11 Alex Flemming / pp. 67–71 Myriam Peixoto / coordenação editorial
pp. 77, 82–83 Roberto Keppler / p. 122 Jorge Bassani / pp. 134–35 Neno Miguel Del Castillo
/ p. 236 Eduardo França bibliografia
Maria Adelaide Pontes e 3nós3
Com exceção das imagens especificadas acima, as demais
versão para o inglês
fotografias utilizadas nesse livro foram realizadas por um grupo de
Erin Aldana
amigos e colaboradores do 3nós3 e não têm um registro específico
de sua autoria. Essa documentação foi produzida por: Afonso tradução do texto
Roperto, Alan Dubner, Alberto Andrada, Alberto Neute Filho, Bia “Desenhos no mapa da cidade”
Caldana, Carlos Gordon, Clóvis Loureiro Jr., Hudinilson Jr., Hugo Alexandre Barbosa de Souza
França, Jorge Bassani, Katia Coelho, Mario Dalcendio Jr., Mario
Ramiro, Miya Tanaka, Nina Moraes, Rafael França, Roberto Bilevic, projeto gráfico
Vera Chaves Barcelos, Vera Lucia Albuquerque e Waldemir Benedetti. Elaine Ramos
assistente de design
Todos os esforços foram feitos para reconhecer e contatar os Livia Takemura
detentores de direitos autorais das imagens aqui reproduzidas apoio, digitalização e
e agradecemos toda informação suplementar a respeito. pré-tratamento de imagens
Filipe Barrocas
© Todos os direitos reservados aos autores das imagens.
tratamento de imagens
Carlos Mesquita
Nesta edição, respeitou-se o novo Acordo Ortográfico da
digitação
Língua Portuguesa.
Débora Bolsoni
preparação
Juliano Gouveia dos Santos
revisão
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip) Daniela Uemura
(Câmara Brasileira do Livro, sp, Brasil) Isabela Sanches
3nós3: intervenções urbanas – 1979–1982 / [organizador: Mario revisão do inglês
Ramiro; autores: Hudinilson Jr., Mario Ramiro, Rafael França]. Leonardo Oliveira
São Paulo: Ubu, 2017. produção gráfica
240 pp. Aline Valli
ISBN 978 85 92886 56 1