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Livro-Texto - Unidade I PDF
Livro-Texto - Unidade I PDF
Mestre em Língua Portuguesa pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP) e doutoranda pela
mesma Instituição desde o início de 2010. Atualmente professora nas Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU). Além
da experiência no nível superior, já lecionou no ensino básico, tanto em escolas particulares quanto em escola pública.
Participa de bancas de correção como Enem, Enade, entre outras.
100 p. il.
CDU 801
© Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou
quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem
permissão escrita da Universidade Paulista.
Prof. Dr. João Carlos Di Genio
Reitor
Comissão editorial:
Dra. Angélica L. Carlini (UNIP)
Dra. Divane Alves da Silva (UNIP)
Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR)
Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT)
Dra. Valéria de Carvalho (UNIP)
Apoio:
Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD
Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos
Projeto gráfico:
Prof. Alexandre Ponzetto
Revisão:
Juliana Mendes
Sumário
Linguística
APRESENTAÇÃO.......................................................................................................................................................7
INTRODUÇÃO............................................................................................................................................................8
Unidade I
1 LINGUAGEM, LÍNGUA E SOCIEDADE...........................................................................................................9
2 OS ESTUDOS SOCIOLINGUÍSTICOS............................................................................................................ 13
2.1 As contribuições de William Labov................................................................................................ 13
2.1.1 A sociolinguística e sua área de atuação....................................................................................... 15
3 VARIEDADES LINGUÍSTICAS......................................................................................................................... 18
3.1 A heterogeneidade da língua e suas dimensões...................................................................... 18
3.2 A variação linguística.......................................................................................................................... 21
3.2.1 A variação lexical..................................................................................................................................... 22
3.2.2 A variação diatópica no nível fonético........................................................................................... 23
3.2.3 A variação diafásica................................................................................................................................ 24
3.2.4 A variação morfológica......................................................................................................................... 25
3.3 Variação e mudança linguística...................................................................................................... 26
3.3.1 Mudanças na língua portuguesa...................................................................................................... 26
3.3.2 Mudanças linguísticas na língua inglesa....................................................................................... 28
3.3.3 Outras variações na língua e questões variacionistas.............................................................. 28
4 VARIAÇÃO LINGUÍSTICA E ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA..................................................... 29
4.1 Variedade linguística e PCN.............................................................................................................. 29
Unidade II
5 FONÉTICA E FONOLOGIA................................................................................................................................ 35
5.1 Consoantes do português.................................................................................................................. 37
5.2 Sons vocálicos......................................................................................................................................... 41
5.3 Fonemas e alofones.............................................................................................................................. 44
5.4 A sílaba...................................................................................................................................................... 45
5.5 Vogais do português............................................................................................................................ 48
5.6 Fonologia e ortografia......................................................................................................................... 49
6 MORFOLOGIA..................................................................................................................................................... 51
6.1 Morfemas e alomorfes........................................................................................................................ 53
6.2 Processos de formação de palavras em português................................................................. 54
6.3 Fonologia, morfologia e ensino‑aprendizagem........................................................................ 55
6.3.1 Ensino‑aprendizagem de línguas estrangeiras............................................................................ 56
Unidade III
7 SINTAXE E SEMÂNTICA.................................................................................................................................. 63
7.1 A semântica............................................................................................................................................. 67
8 PERSPECTIVAS ESTRUTURALISTA, GERATIVISTA E DISCURSIVA CONFORME OS
PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS...............................................................................................71
8.1 Língua ou linguagem?..........................................................................................................................71
8.2 Perspectivas estruturalista e gerativista...................................................................................... 72
8.3 Linguagem e prática social................................................................................................................ 74
8.4 Linguagem e dialogismo.................................................................................................................... 75
8.5 Aquisição da linguagem..................................................................................................................... 77
8.6 A perspectiva sociointeracionista................................................................................................... 78
8.7 Linguagem e transformação social................................................................................................ 80
8.8 Linguagem e produção de sentidos............................................................................................... 81
8.9 O aluno como sujeito ativo de sua aprendizagem.................................................................. 81
8.10 A noção de erro na perspectiva linguística e da gramática.............................................. 82
8.11 A falsa premissa da deficiência linguística............................................................................... 83
8.12 Conhecimento prévio do aluno e reflexão............................................................................... 85
APRESENTAÇÃO
Caro aluno, seja bem‑vindo à disciplina Linguística, que passamos a apresentar‑lhe para que possa
ter uma visão do que encontrará ao longo deste material.
Assim, esperamos que você, aluno, desenvolva a habilidade de observação e de análise da sua língua
materna a partir de sua intuição linguística enquanto falante, relacionando‑a aos conceitos que as
teorias linguísticas propõem.
É importante, ainda, que desenvolva uma postura crítico‑reflexiva em relação ao uso da língua e
ao seu papel social, assim como o raciocínio abstrato, tanto por meio de práticas discursivas quanto da
análise do uso da língua em práticas sociais.
• Fonologia: conceituação e elementos gerais; fonologia enquanto estudo dos sistemas fonológicos
característicos de uma comunidade linguística; conceituação de fonemas, alofones e variações
livres; identificação de fonemas, alofones e variações livres do português a partir das variedades
linguísticas do português brasileiro; importância para o ensino e a aprendizagem de língua
materna e língua estrangeira.
7
• Morfologia: conceituação e elementos gerais; morfologia e fonologia: a dupla articulação da
linguagem; conceituação de morfemas e alomorfes; identificação de morfemas e alomorfes do
português brasileiro; importância para o ensino e a aprendizagem de língua materna e língua
estrangeira (inglês/espanhol).
• Sintaxe: conceituação básica dos pontos de vista estruturalista, gerativista e discursivo; aspectos
da sintaxe do português brasileiro considerados a partir das variedades linguísticas observadas
pelos alunos; importância para o ensino e a aprendizagem de língua materna e língua estrangeira
(inglês/espanhol).
INTRODUÇÃO
A partir da apresentação dos objetivos e conteúdos de nossa disciplina, vamos falar um pouco sobre
ela.
Como se trata de uma disciplina específica, você, aluno, deve estar se perguntando do que ela trata,
pois não é o mesmo que estudar gramática, por exemplo, ou literatura, não é mesmo? Então, pense que
a linguística é a ciência que estuda a língua. Comparada a outras ciências, é relativamente nova porque
ganhou expressão no início do século XX com os estudos propostos por Saussure, que foi professor em
Genebra (Suíça) e cujas ideias levaram a uma mudança de paradigma, passando a configurar‑se o que
se conhece hoje por estruturalismo.
Você iniciará o estudo tendo alguns conceitos básicos, por exemplo, a diferença entre língua e
linguagem, que parecem a mesma coisa, mas têm suas peculiaridades. Em seguida, verá uma síntese dos
estudos sociolinguísticos para, em seguida, ter contato com as principais áreas de descrição da língua:
a fonética/fonologia, a morfologia e a sintaxe.
São esses conceitos que o introduzirão na área que se denomina linguística, e você observará quão
importante é essa ciência para a compreensão de outras áreas do conhecimento em nosso curso.
8
LINGUÍSTICA
Unidade I
Estudar a língua é considerar os vários fatores que podem influenciar os fenômenos de variação
quanto ao sistema linguístico em uso. Todavia, além de saber o que pode produzir alterações, é
importante descrever também em que nível – fonológico, mórfico, sintático, por exemplo – estas podem
ocorrer. Além disso, o léxico pressupõe a língua em uso e pode também variar de acordo com algumas
circunstâncias. Essas questões compõem a primeira unidade deste material.
A linguagem é uma peculiaridade do ser humano que o distingue do animal irracional, uma vez que
o homem elabora o seu código de comunicação, podendo interferir de acordo com as intenções que
existem na situação comunicativa. Para tanto, dispõe de vários sistemas semióticos, entre eles o sistema
linguístico, objeto de estudo de nossa disciplina.
A linguística é definida, de modo geral, como a disciplina que estuda a linguagem. Mas o que é
linguagem? Esse termo pode ter vários sentidos. Alguns linguistas atribuem‑no a qualquer processo
de comunicação, como a linguagem dos animais, a linguagem corporal, a linguagem computacional, a
linguagem das artes, entre outras.
Essa ciência privilegia bases teóricas e metodológicas interdisciplinares e multidisciplinares, tais como
a aquisição da linguagem, a linguística de texto, a linguística do discurso, a linguística da conversação
e a linguística da enunciação. A partir do prisma da pragmática, os estudiosos da língua voltam‑se para
o uso efetivo, de forma que abra novas perspectivas de investigação.
Entende‑se que a linguagem humana é definida por diferentes naturezas, tais como a cognitiva, a
social, a ideológica, a cultural, a linguística, entre outras. Todas necessitam ser consideradas no ensino
da língua.
Os seres humanos são os únicos dotados de linguagem como uma habilidade de se comunicar por
meio da língua. Desse modo, o termo língua refere‑se a um sistema de signos utilizado na comunicação
em sociedade.
Como o ser humano é um ser social e, portanto, múltiplo, o fenômeno da linguagem é abordado
pelos linguistas, cientistas que estudam a língua, de várias maneiras, e cada abordagem incorpora
características diferentes no tratamento da linguagem humana.
9
Unidade I
Os estudos linguísticos passaram a ter expressão a partir de Saussure, na década de 1920, quando
propôs um estudo da língua enquanto sistema, ou seja, ele e seus discípulos estudaram a língua em uma
visão unidisciplinar, sem levar em conta o falante dessa língua.
Observação
Observação
Até a década de 1960, o objeto de estudo é a língua nessa visão unívoca, o que origina dois
paradigmas, o estruturalista e o gerativo‑transformacionalista. Até essa época, os estudos foram
feitos na dimensão da frase, seja pelos estruturalistas, seja pelos gerativo‑transformacionalistas.
Para os primeiros, o objeto da linguística é o estudo do sistema da língua, e, para os outros,
o objeto é a gramática da competência linguística de um falante ideal. Ambos operaram,
metodologicamente, com a unidisciplinaridade, e o objeto examinado foi a língua fora do uso,
tratada de forma ideal e abstrata.
Tal mudança de objeto implica mudança teórica e metodológica. No que se refere à mudança
teórica, a linguagem torna‑se complexa e exige uma diversidade de prismas para o seu tratamento,
tais como o linguístico, o cognitivo, o social, o histórico, o cultural, o ideológico. No que se
refere à mudança metodológica, necessária para o procedimento científico desses diferentes
prismas, a unidisciplinaridade é substituída por interdisciplinaridade, multidisciplinaridade e
transdisciplinaridade.
Ainda na década de 1960, as análises transfrásticas (fase intermediária entre frase e texto) preconizam
uma interdisciplinaridade porque os estudiosos desse período entendem que é preciso inserir o estudo
10
LINGUÍSTICA
da semântica, o qual não era levado em consideração por estruturalistas e gerativistas. Tais análises
ultrapassam o enunciado enquanto oração, ou seja, enquanto um conjunto de palavras organizadas de
acordo com as regras gramaticais da língua.
Observação
Foi a partir dos estudos de Benveniste que se iniciaram as análises transfrásticas, uma vez
que ele postula que o “que se diz” não é “o que se quer dizer”. Seus estudos levam a diferenciar o
enunciado da enunciação. Dessa forma, os que eram estruturalistas passam a tratar a fala como
uma forma de ação sobre o outro. Assim, começam a trabalhar a linguagem levando em conta a
argumentatividade.
Saiba mais
Nesse sentido, um dos estudiosos que trabalham esse enfoque e propõem modelos de análise é
Ducrot (1987). No primeiro modelo, ele postula as noções de posto, pressuposto e subentendido,
incluindo o primeiro no componente linguístico e os dois últimos no componente retórico. Já em seu
segundo modelo, Ducrot insere os dois primeiros no componente linguístico e o último no componente
retórico.
Observação
Outro momento que se configura nessa fase intermediária dos estudos linguísticos é o das gramáticas
textuais, propostas pelos gerativistas, que postulam a competência textual, ou seja, a aplicação de
11
Unidade I
regras a um texto pelo indivíduo, a fim de demonstrar tal competência. Trata‑se, ainda, de um modelo
ideacional, quer dizer, a produtividade encontra‑se no texto, e não no falante da língua.
O terceiro momento da fase intermediária tem como ponto de partida os filósofos de Oxford, que,
saindo da unidisciplinaridade, postulam a não existência de relações lógicas entre o que se diz e o que
se encontra no mundo. Trata‑se, segundo eles, de uma relação analógica, e, nesse sentido, defendem a
competência comunicativa, também ideacional ainda.
Nesse contexto, a linguística textual instaura‑se na década de 1970, a partir de insatisfações dos
gramáticos de texto, que chegam à conclusão de que não há regras, mas estratégias para a produção e
a interpretação de um texto. Assim, o sujeito passa a ter espaço, uma vez que se trabalha com a língua
em uso e o método é observacional.
Há duas vertentes desses estudos, que originarão a diversidade atualmente existente nas
investigações cuja ciência‑mãe seja a linguística. Uma delas é a análise do discurso, tanto a de
linha francesa, cuja base são as ciências sociais, quanto a de linha anglo‑saxônica, que se baseia
nas ciências cognitivas. A outra vertente é a linguística de texto, que se formou a partir dos
gramáticos de texto, os quais passaram a utilizar estratégias, e não regras, para explicar a produção
de sentido nos textos.
É interessante lembrar que, ao delimitar o objeto da linguística como ciência, Ferdinand de Saussure
preferiu privilegiar o estudo da língua, em detrimento da fala. A língua era entendida, então, como “algo
social” (SAUSSURE, 1972, p. 22), adquirida pelos indivíduos no convívio em sociedade. Para Saussure,
a linguística enquanto ciência só poderia estudar a língua, por ser esta um sistema homogêneo e
sistemático.
Assim, apesar de o estruturalismo, estabelecido a partir das ideias de Saussure, considerar que é em
sociedade que o indivíduo adquire o sistema linguístico, não houve, naquele momento, a preocupação
com o papel social da linguagem.
De modo semelhante, a gramática gerativa, proposta pelo americano Noam Chomsky, no final da
década de 1950, assumiu como objeto de estudo a descrição e a explicação de algumas características
do conhecimento linguístico adquirido nos primeiros anos de vida do ser humano, pela interação entre
o ambiente linguístico (social) e a informação genética (inata), fora do ambiente escolar (NEGRÃO et al.
in FIORIN, 2002, p. 96).
A teoria linguística conhecida genericamente como gramática gerativa iniciou‑se com a publicação
de Syntactic Structures (Chomsky, 1957), livro que reuniu notas de um curso que Chomsky ministrava
no Massachusetts Institute of Technology (MIT).
12
LINGUÍSTICA
Observação
Na sequência, estudaremos como os fatores sociolinguísticos passaram a fazer parte dos estudos
linguísticos.
2 OS ESTUDOS SOCIOLINGUÍSTICOS
Neste item abordaremos a relação entre os estudos linguísticos e os fatores socioculturais. Sabe‑se
que, embora o estudo da linguagem em si tenha surgido como prioridade, as relações entre linguagem
e sociedade ganharam espaço como objeto de estudo a partir do estabelecimento da sociolinguística
como área de investigação.
Segundo Alkmim (2001, p. 28), em oposição às abordagens voltadas para os aspectos linguísticos em si, o
interesse em investigar como linguagem e sociedade se relacionavam surgiu a partir de trabalhos apresentados
em um congresso, organizado por William Bright, na Universidade da Califórnia, no ano de 1964. Os referidos
trabalhos foram publicados em 1966 sob o título Sociolinguistics. Nessa publicação, o papel dos falantes em
suas interações verbais e sociais é destacado por Bright, que relaciona a diversidade linguística a fatores como:
• o contexto social;
• julgamento social distinto que os falantes fazem sobre o próprio comportamento linguístico e
sobre o dos outros.
13
Unidade I
O nome de William Labov deve ser destacado, dada a importância de seus estudos para o
desenvolvimento da teoria variacionista e, consequentemente, para os estudos sociolinguísticos.
Saiba mais
Em outro estudo, realizado em 1972, sobre o inglês falado na cidade de Nova Iorque, Labov
mostrou que os falantes dessa localidade reconheciam diferenças da ordem de 10% no uso
do ‑r pós‑vocálico para fazer julgamentos acerca do status social dos falantes. O pesquisador
constatou que deixar de pronunciar o ‑r e substituí‑lo por um alongamento da vogal anterior
era considerado sinal de baixo status social em Nova Iorque, de acordo com Beline ( in FIORIN,
2002, p. 130).
Labov continua a ser uma referência para estudos de cunho sociolinguístico. O linguista brasileiro
Marcos Bagno inicia sua novela sociolinguística intitulada A língua de Eulália (publicada em 1997)
citando Labov:
A importância do trabalho de Labov está justamente no enfoque dado a aspectos até então
desconsiderados nos estudos linguísticos de inspiração estruturalista e gerativista, já aqui referidos:
14
LINGUÍSTICA
A nova área de estudos foi denominada sociolinguística pela necessidade de englobar sua abrangência,
isto é, para designar o social, sociedade = socio + linguístico.
Lembrete
O enfoque nas variáveis como objeto de estudo representou uma inovação na teoria da
linguagem que, até então, considerava as unidades linguísticas (fones, fonemas, morfemas,
sintagmas e orações) como unidades de natureza invariante, discreta e qualitativa. A unidade de
análise criada pela sociolinguística tem uma natureza:
A preocupação em descrever e analisar a língua falada no contexto em que ela ocorre, isto é, em
situações reais de uso, é o ponto de partida da sociolinguística.
Basicamente essa área de investigação procura verificar de que modo fatores de natureza linguística
e extralinguística estão correlacionados ao uso de variantes nos diferentes níveis da gramática de uma
língua – a fonética, a morfologia e a sintaxe, segundo Beline (in FIORIN, 2002, p. 125).
Observação
Essa linguística propriamente dita, a interna, teve como tarefa descrever o sistema formal, isto
é, o sistema linguístico, numa perspectiva da língua como um sistema de signos convencionado na
sociedade e por esta, que deveria ser descrito.
A sociolinguística, portanto, está situada no que se classificou inicialmente como linguística externa,
pois os estudos da língua, nesse contexto, estão relacionados à área das ciências sociais, a qual estuda
o homem como um ser social, e, nesse sentido, é preciso relacionar língua à cultura e à sociedade,
perspectiva à qual estão vinculados os sociolinguistas.
Nessa área de estudos linguísticos, tivemos importantes contribuições de pesquisadores, dos quais
selecionamos alguns, que, por terem relevância no contexto, passamos a apresentar.
Atualmente, no Brasil, há pesquisadores com trabalhos considerados de expressão nessa área; dentre
eles, Marcos Bagno e Dino Preti.
Entre várias obras publicadas pelo autor, destaca‑se A língua de Eulália – uma novela
sociolinguística, publicada pela Editora Contexto, em que Bagno, por meio de uma linguagem
acessível, apresenta fenômenos socioculturais no uso da língua.
16
LINGUÍSTICA
O Projeto Norma Urbana Culta (NURC), no Estado de São Paulo, deve sua origem e
desenvolvimento ao professor doutor Dino Preti, que foi mais que um precursor, formando
um grupo de pesquisa que se multiplicou em outros pontos do Brasil, resultando, assim,
em várias publicações. Preti é, ainda, organizador da série Projetos Paralelos, que em 2009
chegou à nona edição.
O objeto de estudo da área que se denomina sociolinguística é a língua falada, ou seja, a língua em
seu uso efetivo, em que se deve considerar o contexto social. Neste, há o que os sociolinguistas chamam
de comunidade linguística, a qual não se define por uma localização geográfica, mas por características
comuns na realização da fala de uma língua.
A microlinguística corresponde aos estudos que se preocupam com a língua em si, ou seja, a língua
enquanto código, sistema. Esses estudos dividem‑se em fonética e fonologia, sintaxe, morfologia,
semântica e lexicologia.
17
Unidade I
É preciso considerar, então, que esse código chamado língua portuguesa, no Brasil (sem levar em
conta outros países), apresenta diversidade de uso. Basta pensarmos no falante que vive no sertão
nordestino e no falante que vive em uma metrópole como São Paulo, por exemplo.
3 VARIEDADES LINGUÍSTICAS
Observação
É certo afirmar que as línguas variam conforme o espaço geográfico, de acordo com Beline (in
FIORIN, 2002, p. 122). Por isso, mesmo havendo semelhanças entre línguas de origem latina, como o
português, o espanhol e o italiano, estas são línguas distintas faladas em países específicos.
Em um mesmo país, podem existir também diferentes povos que falam idiomas diferentes
daquele utilizado como língua oficial. Há, ainda, povos de diferentes regiões que falam idiomas
distintos, como é o caso do basco, que é falado em uma região ao norte da Espanha (BELINE in
FIORIN, 2002, p. 121).
Um dos fatores que influem na variedade é a localização geográfica. Todos concordam que o
modo de falar português no Brasil varia de acordo com a região. Frequentemente os falantes de
português se deparam com falantes de regiões distintas da sua e logo reconhecem variedades de
pronúncia, de palavras e de ordem de palavras. Paulistas podem perceber o ‑r aspirado dos cariocas,
por exemplo, que difere do modo como o mesmo som é articulado em São Paulo. Cariocas, por sua
vez, podem dizer, por exemplo, que uma pessoa é do Rio Grande do Sul pelo fato de ela usar palavras
como guri. Gaúchos podem perceber a ordem de uma oração negativa como típica dos baianos, por
exemplo, “é não”, em vez de “não é”, e assim por diante. Portanto, pode‑se dizer que a variedade
permeia nossa língua portuguesa.
Além disso, o português falado em Portugal também constitui uma variedade da língua portuguesa,
no que se refere às diferenças de pronúncia, de palavras ou de ordem de palavras. Por isso, muitos
brasileiros sentem dificuldades de compreender os portugueses, e o inverso também é verdadeiro. Veja
os exemplos a seguir:
18
LINGUÍSTICA
[...] no Brasil dizemos estou falando com você; em Portugal eles dizem
estou a falar consigo.
[...]
[...]
[Em Portugal] cuecas [...] são as calcinhas das brasileiras (BAGNO, 2006a,
p. 19).
O diagrama a seguir ajuda a entender melhor os diferentes modos como as variedades linguísticas
se manifestam:
Variedades
linguísticas
Diferentes
Diferentes Diferentes Diferentes
povos em um
países regiões cidades
mesmo país
Basco = Diferentes
Diferentes Diferentes falado modos de falar
línguas línguas em uma Diferentes uma mesma
pequena línguas língua
região da
Espanha
Brasil = Português falado
português Povos indígenas em SP versus
em suas português
EUA = inglês comunidades falado no RJ
Note que estar familiarizado com determinada variedade decorre justamente da inserção em certo
contexto social, que a usa regularmente. Por isso, o fato de um falante estranhar alguma variedade
indica simplesmente que não está familiarizado com ela. A perspectiva variacionista, desenvolvida pela
sociolinguística, defende que não existem variedades “melhores” ou “piores”. Todas integram o fenômeno
linguístico.
No Brasil essa variedade pode ser notada, principalmente, quando se trata da variação diatópica, a
que distingue os falares do paulista, do nordestino, do mineiro e assim por diante. Nosso país, em sua
19
Unidade I
grande dimensão territorial, abarca uma diversidade muito grande de modos de expressão da mesma
língua, a portuguesa, que é o nosso idioma oficial.
Essa variedade também pode ser notada entre os falantes que têm acesso à escolaridade e os que
não têm. Esse fator é responsável, inclusive, pelo preconceito, um tema abordado por Marcos Bagno em
sua obra para mostrar que o preconceito linguístico nada mais é que a consequência do preconceito
social. Há um padrão de uso da língua instituído pela classe de prestígio, e aquele falante que foge a
esse padrão é discriminado.
O texto a seguir ilustra as divergências culturais que existem entre as regiões do país. Entretanto, essas
diferenças não chegam a caracterizar dialetos no Brasil, uma vez que nos aceitamos, apesar das “intrigas”,
pois podemos até dizer que temos hoje o que os linguistas chamam de português brasileiro (PB).
Cariocas e paulistanos
Se até irmãos brigam, por que não dois vizinhos tão desiguais?
Ivan Ângelo
Uma das coisas que divertem o visitante neutro, em São Paulo, é a pendenga dos nativos
com os cariocas. Os motivos perdem‑se na bruma dos tempos, inútil procurá‑los. Seria
incorreto dizer: os santos não combinam. Não há no mundo católico notícia de divergências
entre São Sebastião e São Paulo, nem entre seus devotos.
Quem está de fora assiste aos embates com um sorriso e procura, não no episódico, mas
no permanente, entender o que os separa. Quem sabe há alguma explicação no jeito de ser?
Se até irmãos se hostilizam por ter personalidades conflitantes, que dirá dois vizinhos?
Observam os neutros que ser carioca é mais um comportamento do que uma naturalidade.
Há pessoas que nascem cariocas em Bauru, Rolândia, Florianópolis ou Quixadá. Quando vão
para o Rio se descobrem subitamente cariocas: folgados, falantes, espertos. Conheci um
sujeito em Minas que tantas fez que acabou ficando com o apelido de “Carioca”. Jurava que
era capixaba. Ora, capixabas são mineiros com praia, nada a ver. Ele pode ter nascido no
Espírito Santo, mas era carioca e não sabia.
Outro, que vi no bonde de Santa Teresa, no Rio, ostentava bigodes de cantor de ópera,
grandiloquentes, e ria para os passageiros, falava alto:
‑ Eu sou gaiato! Gosto disso! Trago estes bigodes porque sou gaiato! Sou um português
gaiato!
Já paulistanos não nascem em Goiás ou no Pará. Eles se formam na sua cidade mesmo,
em trabalhosa aprendizagem. Ficam diferentes para sempre, e são reconhecidos até pelo
20
LINGUÍSTICA
andar. Não batem pernas à toa; andam atarefados, sabem para onde vão, e está indo. Não
se adaptam a outra cidade, porque em todo lugar lhes falta alguma coisa. Não é paisagem
(que nem têm), como o mineiro que sonha com montanhas, ou o carioca que anseia pelo
mar. É a própria cidade que lhes falta, o tumulto. Talvez uma dose diária de gás carbônico,
viciados.
O carioca ganhou a sua paisagem, herdou da natureza uma obra perfeita. Com verbas
do reino, embelezou‑a ainda mais. Mora num cartão‑postal maltratado. O paulistano teve
de fazer tudo a sua custa, e refaz, insatisfeito, e muitas vezes erra, desmancha, faz de novo,
e esquece cores, mistura formas, épocas... O que ele fez tem a imperfeição e a inquietação
do humano. Por isso se orgulha.
Reparem nas roupas. O carioca se veste para si, privilegia o conforto. O paulistano se
veste para o olhar do outro, procura um efeito, valoriza o social.
O morador clássico de São Paulo, aquele que lhe dá o estilo, tem o espírito do aventureiro
e a moral do conservador; vive a ousadia no longo prazo e a cautela no aqui e agora. É um
homem do interior, esteve cercado de matos, teve de abrir com as mãos o próprio panorama.
Enquanto não o fazia, criou o hábito de olhar para dentro de si.
O do Rio tem o espírito batido de ventos, sal marinho no sangue. Caminha à vela. É
liberal porque ganhou cedo a corte, com suas licenças. O horizonte foi‑lhe oferecido, teve
desde sempre, para o espraiar‑se dos olhos, o espaço sem portas do mar. Ficou folgazão.
Um dia a sorte dele se mudou para Brasília. Acostumado, manteve‑se fiel a seu modo
de ser. O dinheiro sumiu, não o espírito. No caminho inverso, o matuto enriquecido de
Piratininga foi acrescentando alma ao bem que tinha. Não queria apenas fortunas, mas arte
e cultura, e viu que era bom.
Fonte: ÂNGELO, I. Cariocas e paulistanos. Originalmente publicada em Veja São Paulo, São Paulo, ago. 1999.
Republicada em coletânea comemorativa aos 450 anos da cidade. Disponível em: <http://veja.abril.com.br/idade/
exclusivo/vejasp/450_anos/index.html>. Acesso em: 18 abr. 2012.
As línguas variam em diversos níveis. Cabe lembrar, entretanto, que as variações internas da língua
são determinadas por fatores extralinguísticos, que se somam aos fatores linguísticos.
21
Unidade I
Os primeiros dizem respeito, por exemplo, ao nível social, ao sexo, à escolaridade, à localização
geográfica, enfim, a fatores que estão fora da língua, mas determinam sua variação.
Já o segundo grupo de fatores, os internos, está relacionado aos níveis linguísticos – fonético,
mórfico, sintático, semântico – os quais podem apresentar variantes no uso da língua.
Em sua obra intitulada A língua de Eulália: uma novela sociolinguística, Marcos Bagno (2006a)
descreve essa variação linguística, exemplificando fenômenos como o rotacismo, que compreende a
troca do /l/ por /r/ em sílabas intermediárias, como em alface, cuja variante é [a r f a s i].
Do ponto de vista fonético (talvez a diversidade mais evidente entre os falantes), um indivíduo que
vive na primeira região pronunciará o [r] de porta diferentemente, bem como haverá outras realizações
do mesmo fonema (variantes) para indivíduos de outras regiões do país.
Todavia, não é apenas quanto à fonética que se podem observar a variação e a diversidade linguísticas.
Quando se trata de léxico, por exemplo, podem também ocorrer variantes. O que é mandioca para uns
pode ser macaxeira ou aipim para outros. O pivete de São Paulo pode ser o guri do Rio Grande do Sul.
No nível sintático, é uma “marca” do falante não escolarizado, por exemplo, indicar o plural das
palavras apenas por um dos elementos do sintagma, resultando em sentenças como “Os menino vai
com você”. Veja que o plural foi determinado apenas pelo artigo, permanecendo o substantivo e o verbo
no singular.
Esses fatos identificados na investigação do uso da língua são observados por Bagno em sua obra,
como dito anteriormente. É sobre essa variação que falaremos em seguida.
Como visto, as línguas variam em relação às palavras usadas por uma comunidade linguística.
Tomando como exemplo o português falado no Brasil, podemos afirmar que há, de fato, uma variação
de uso de certas palavras para designar a mesma coisa, dependendo, é claro, da região. Beline (in FIORIN,
2002, p. 122) apresenta o exemplo do termo jerimum, usado como regionalismo do nordeste, que
corresponde a abóbora nos estados do sul e do sudeste do Brasil. Todo falante do português é capaz de
reconhecer tanto jerimum quanto abóbora como palavras de sua língua materna, pois tanto os sons
quanto o padrão silábico são típicos do português.
Exemplo:
“É abóbora?”
“É jerimum, oxente!”
Logo, um mesmo elemento do mundo enunciado em uma língua pode ser referido por mais de uma
palavra dessa língua em razão de questões geográficas. É o que se chama variação diatópica. Nesse
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LINGUÍSTICA
tipo de variação, a mudança ocorre em relação ao termo de acordo com a região, mas o elemento a que,
no exemplo citado, jerimum e abóbora se referem tem de ser obrigatoriamente o mesmo. O que varia,
nesse caso, é o léxico usado, segundo Beline (in FIORIN, 2002, p. 122).
Esse tipo de variação não se dá apenas pela localização geográfica. Se pensarmos, por exemplo,
em grupos diferentes na sociedade, veremos que há diferença de vocabulário de um grupo para outro.
Os jovens, em sua maioria, caracterizam‑se por usarem gírias, as quais podem modificar‑se de uma
comunidade linguística para outra, assim como podem se atualizar ao longo do tempo. Do mesmo
modo, os profissionais de cada área de trabalho podem ter um vocabulário específico a cada uma delas,
o qual conhecemos por “jargão”.
Como já foi mencionado, os cariocas são conhecidos por aspirar o ‑r. O modo de falar dos cariocas,
assim como o dos mineiros, baianos etc., enfim, de pessoas de diferentes regiões do Brasil, é característico
e permite identificar a origem dessas pessoas. É a comunidade linguística que garante a manutenção
de determinado modo de falar.
A região do falante também define sua pronúncia, como se pode observar a seguir:
No que se refere ao modo de falar, é interessante acrescentar que o sotaque, que nada mais é que a
percepção da variação, é responsável por diversas reações por parte dos ouvintes, seja de aceitação, de
surpresa ou até de incômodo. Do mesmo modo que as pessoas tendem a identificar‑se com o sotaque
23
Unidade I
de sua região, podem demonstrar certo estranhamento, ou até mesmo rejeição, a um sotaque distinto
do seu. Nesse sentido, postula‑se que:
É mesmo comum achar que “os outros” é que têm sotaque, e não nós. Isso ocorre porque um falante
de determinada região está tão habituado a um certo modo de falar que não se dá conta de que o
sotaque apenas sinaliza uma variação linguística de sua própria língua materna. Observa‑se, então, que
há, de fato, uma relação entre fatores sociais e linguagem.
As pessoas também podem variar seu modo de falar dependendo da situação ou do contexto social
em que se encontram. Considerar o contexto social pode remeter a informações interessantes sobre a
atitude linguística de um falante, como se pode verificar no seguinte exemplo:
Um falante não tem o mesmo comportamento linguístico quando, por exemplo, está
conversando com amigos em um bar e quando está em uma entrevista de emprego. Pelo menos
é o que pressupõe a prática. Isso ocorre porque uma situação com amigos é, por si, informal,
ao passo que uma entrevista de emprego é, sem dúvida, uma situação formal. Assim, é possível
verificar que o falante tende a adequar sua linguagem ao contexto e, consequentemente, ao seu
interlocutor. Nesse caso, temos uma variação diafásica, aquela que é caracterizada pela situação
de uso da língua.
A linguagem usada em determinado contexto pode ser responsável pela impressão que o falante
causa em seu interlocutor. Em termos práticos, podemos dizer que o objetivo comunicativo pode ou não
ser atingido de acordo com a linguagem usada.
É pertinente observar que todo contexto exige um papel específico do falante, que, por sua vez,
procura cumprir determinado papel em relação à atitude linguística.
Assim, pode‑se afirmar que o uso efetivo de variedades linguísticas significa saber adequar o modo
de falar a cada contexto, seja ele familiar, de trabalho etc. Isso faz parte da habilidade comunicativa do
falante.
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LINGUÍSTICA
No que diz respeito ao uso das palavras, verificamos que, em uma situação informal, o falante de
português pode, por exemplo, omitir o final das palavras, por exemplo, o ‑r, no caso dos verbos. Desse
modo, ele pode pronunciar o verbo fazer como “fazê”, levar como “levá” e assim por diante. A ausência
do ‑r causa também uma mudança de pronúncia da vogal final, que tende a ser acentuada. No entanto,
nesse caso não se trata de uma simples variação fonética, isto é, de pronúncia, pois esse ‑r final constitui
um morfema na palavra, trata‑se do morfema que indica a desinência modo‑temporal do verbo (o
infinitivo).
Vejamos um exemplo:
No exemplo, houve a supressão do morfema que indica plural no verbo “vamo”, assim como houve
a supressão do morfema que indica infinitivo no verbo “fazê”.
Lembre‑se de que esse tipo de variação não se dá simplesmente em virtude da região (mudança
diatópica), pois pode ocorrer com falantes de Minas Gerais, de São Paulo, do Rio de Janeiro, enfim, de
qualquer região do Brasil. A ausência ou a presença do ‑r final em verbos no infinitivo é uma variação
morfológica, pois há uma mudança na estrutura da palavra.
Lembrete
Uma outra hipótese de uso da variante diafásica pode ocorrer em razão do nível de escolaridade do
falante.
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Unidade I
A partir dos exemplos citados, é possível notar, portanto, que fatores socioculturais e linguagem
relacionam‑se de diversas maneiras, o que demonstra a relevância dos estudos de natureza
sociolinguística.
A forma padrão de uma língua varia também conforme a época, que determina a padronização.
Como as línguas mudam incessantemente, a definição do “certo”, do “agradável” e do “adequado”
também (ALKMIM, 2001).
Basta um falante de português entrar em contato com textos de épocas passadas para constatar que
a língua portuguesa mudou. Todas as línguas sofrem modificações ao longo do tempo, e a língua escrita
registra tais mudanças. Veja o exemplo a seguir:
“Onde o profeta jaz, que a lei pubrica” (VII, 34) (Trecho de Os lusíadas, de Camões, in BAGNO, 2000).
26
LINGUÍSTICA
Lembrete
Alkmim (2001, p. 41) cita ainda formas como “dereito”, “despois” e “frecha”, encontradas no texto
da carta de Pero Vaz de Caminha, de 1500, para exemplificar mudanças linguísticas ocorridas na língua
portuguesa.
Observação
Confira, a seguir, um trecho da Carta de Pero Vaz de Caminha na ortografia original e, em seguida,
na versão com a ortografia atualizada, a fim de observar as mudanças ocorridas.
(1) Snõr
(2) posto que o capitam moor desta vossa frota e asy os outros capitaães (3)
screpuam a vossa alteza a noua do achamento desta vossa terra noua (4)
que se ora neesta nauegaçom achou, nom leixarey tambem de dar disso (5)
minha comta a vossa alteza asy como eu milhor poder (6) ajmda que pera o
bem contar e falar o saiba pior que todos fazer!
(1) Senhor,
(2) posto que o capitão‑mor desta vossa frota, e assim os outros capitães
(3) escrevam a Vossa Alteza a notícia do achamento desta vossa terra
nova, (4) que se agora nesta navegação achou, não deixarei de também
dar disso (5) minha conta a Vossa Alteza, assim como eu melhor puder,
(6) ainda que para o bem contar e falar — o saiba pior que todos fazer!
(Alkmim, 2001, p. 41)
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Unidade I
O inglês, como conhecemos hoje, derivou de dialetos germânicos, do latim e do francês e formou‑se
durante um período de invasões que culminou com a criação do que hoje conhecemos como Reino
Unido da Grã‑Bretanha.
Portanto, os textos escritos no passado são a prova viva de que as línguas mudam. É por meio de
documentos, como os que foram apresentados, que podemos realizar estudos acerca de mudanças nas
línguas.
Além das variações que ocorrem no nível da palavra por causa da região do falante, do contexto e do
grau de escolaridade, existe ainda um outro tipo de variação linguística que se dá em virtude da posição
dos termos em uma oração. Esse tipo de variação é chamado de variação sintática. Como se sabe, a
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LINGUÍSTICA
sintaxe estuda os padrões estruturais, as relações recíprocas dos termos nas frases e das frases entre si.
Em português, poderíamos ter uma oração negativa com, pelo menos, três variações:
• “Quero não.”
No entanto, a variação sintática não é tão facilmente definida. Em relação ao uso do advérbio de
negação, citado anteriormente, Beline (in FIORIN, 2002, p. 124) observa que o sentido de uma oração
como a terceira, que apresenta uma dupla negação, é, de algum modo, diferente. Isso ocorre porque a
dupla negação confere mais ênfase ao sentido da oração, com uso restrito em alguns contextos. Nesse
caso, não teríamos um caso de variação sintática, pois não existe uma equivalência total; o que existe
são contextos diferentes em que os enunciados podem ocorrer.
Da mesma forma, uma variação lexical só pode ser considerada como tal se diferentes
vocábulos forem usados para designar exatamente o mesmo elemento. No exemplo apresentado
anteriormente, das palavras jerimum e abóbora, só será possível considerar a variação lexical se os
vocábulos forem sinônimos perfeitos uns dos outros e, portanto, variantes de uma variável. Caso se
constate que jerimum refere‑se a um tipo determinado de abóbora, não podemos considerar uma
variação lexical (BELINE in FIORIN, 2002, p. 124). Essas são questões essenciais para um linguista
variacionista.
Além disso, essa questão está prevista nos Parâmetros Curriculares Nacionais, cujas diretrizes servem
para nortear as práticas pedagógicas do ensino oficial, como discutido a seguir.
Os PCN descrevem a variação como “constitutiva das línguas humanas”. Tais afirmações se sustentam,
evidentemente, em teorias linguísticas e estudos aqui discutidos, que demonstraram a variação como
um fato incontestável, inerente ao fenômeno linguístico e que, por isso, não pode ser ignorado quando
se fala em parâmetros utilizados para regular e direcionar procedimentos pedagógicos de ensino da
língua portuguesa.
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Unidade I
Sabemos, por exemplo, que a expressão linguística é uma forma de interação social e que os falantes
podem julgar de forma positiva ou negativa seus interlocutores a partir do modo como falam.
Lembrete
Consequentemente, o ensino de língua portuguesa pode servir como um instrumento para promover
maior respeito a quaisquer tipos de variação, considerando:
• a democratização de ensino como uma forma de promover o acesso de classes menos prestigiadas.
A escola não pode garantir o uso da linguagem fora do seu espaço, mas
deve garantir tal exercício de uso amplo no seu espaço, como forma de
instrumentalizar o aluno para o seu desempenho social. Armá‑lo para poder
competir em situação de igualdade com aqueles que julgam ter o domínio
social da língua (BRASIL, 2000, p. 22).
Daí surge uma questão importante para reflexão sobre o ensino da língua portuguesa:
Até que ponto a língua padrão ensinada na escola como único referencial pode ser responsável pela
marginalização das demais variantes que frequentemente fazem parte do repertório linguístico dos
alunos?
Essa questão está diretamente ligada à prática do professor em sala de aula. Por um lado, conforme
Alkmim (2001),
Por outro lado, se a prática pedagógica de ensino de língua materna se preocupar em ensinar
somente uma variedade como correta, desconsiderando outras formas que fogem ao modelo imposto,
ela acabará contribuindo para excluir alunos que chegam à escola utilizando outras variedades da língua
portuguesa que são parte de seu meio social.
Isso ocorre porque o ensino de língua materna tradicional criou a noção de “certo” e “errado”, o que
obviamente enseja uma prática discriminatória em relação às variedades linguísticas que fazem parte
do repertório dos alunos. Tal prática dedica‑se a substituir um modelo supostamente “errado”, que, na
verdade, seria uma variante que o aluno traz para a sala de aula, fruto de seu contato com determinado
contexto social, pelo modelo “correto”, ditado pela chamada norma culta, ensinada na escola.
Nesse sentido, cabe aos professores garantir que todo o conhecimento trazido por estudos linguísticos
sobre a diversidade não seja descartado. Caso contrário, aqueles alunos provenientes de uma classe
social menos privilegiada serão diretamente afetados, pois: “As crianças socioeconomicamente mais
favorecidas seriam as menos prejudicadas, uma vez que se acham familiarizadas com a variedade padrão
desde a primeira infância” (ALKMIM, 2001, p. 70).
Enfim, ao não reconhecer a variedade linguística, o sistema formal de ensino acaba criando o que o
linguista Marcos Bagno chamou de preconceito linguístico. Bagno (2006b, p. 9) afirma que “tratar da língua
é tratar de um tema político, já que também é tratar de seres humanos”. Para ele, o chamado preconceito
linguístico surgiu a partir de uma grande confusão histórica entre os termos língua e gramática normativa.
Bagno (2006b, p. 10) ilustra o fato comparando a língua a um enorme iceberg, “flutuando no mar
do tempo”, ao passo que a gramática normativa seria “uma tentativa de descrever apenas uma parcela
mais visível dele, a chamada norma culta”. A metáfora usada por Bagno não descarta o mérito de tal
descrição, mas lembra que, tal qual o iceberg, cuja parte que emerge não representa sua totalidade, a
norma culta não representa todos os fenômenos da língua.
É importante ressaltar que as ideias defendidas por Marcos Bagno, bem como por outros estudiosos
da linguística, não representam um ponto de vista isolado, defendido por um teórico solitário, para
sustentar alguma teoria nova. Como visto, a questão aqui colocada é de cunho educacional, com
implicações evidentemente sociais e políticas e que, como tal, mereceu ser abordada para colaborar
com a formação dos professores, que precisam se conscientizar da relevância de sua prática pedagógica
para proporcionar transformações sociais.
Saiba mais
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Unidade I
Resumo
Exercícios
Cantiga da Ribeirinha
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LINGUÍSTICA
C) Variação histórica (diacrônica), pois indica a fala de um povo em uma época determinada,
considerando a linha temporal.
D) Variação histórica (diastrática), pois indica uma “língua morta” pelo fator tempo.
A) Alternativa incorreta.
B) Alternativa incorreta.
Justificativa: a “Cantiga da Ribeirinha” não apresenta um estilo rebuscado de fala, pelo contrário, é
um gênero tipicamente oral, com a presença de termos da linguagem cotidiana da época.
C) Alternativa correta.
D) Alternativa incorreta.
Justificativa: o texto é escrito em português arcaico, portanto, não se pode considerar que foi escrito
em uma língua morta. A variação histórica não é diastrática, mas diacrônica.
E) Alternativa incorreta.
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Unidade I
Figura 2
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