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Discurso no ato de estatuir-se o Instituto Historico e Geogrdfico Brasileiro’ Januario da Cunha Barbosa’ 1839 JoRNAL pO TRSFITUTO BisroRtco GEOGRAPHICO- BRASILEIRO, ‘PUNDADO NO RIO DE JANEIRO soi 08 ACAICIOS soctnoXb® AUXILIADORA DA INDUNTRIA NACIONAL: Procura ... resuscitar tambem as memorias da patria da indigna obscuridade em que jaziao até agora. Alexandre de Gusmao’, na falla 4 Academia Real da Historia Portugueza’. Nao se compadecia j4 com o genio brasileiro, sempre zelo- so da gloria da patria, deixar por mais tempo em esquecimento 0s factos notaveis da sua historia, acontecidos em diversos pontos do imperio, sem duvida ainda nao bem designados. Eis 0 motivo, senhores, porque dous membros do conselho da Sociedade Auxi- liadora da Industria Nacional’, e tambem socios do Instituto His- torico de Paris‘, participando dos generosos sentimentos dos nos- sos litteratos, se animérao a propor a fundagao de hum instituto historico e geographico brasileiro’, que, sob os auspicios de tao util quanto respeitavel sociedade curasse de reunir e organisar os cle- mentos para a historia e geographia do Brasil, espalhados por suas provincias, e por isso mesmo difficeis de se colher por qualquer pa- triota que tentasse escrever exactamente tao desejada historia. Esta proposta, vis o sabeis, senhores, foi coroada do mais feliz successo ¢ de huma geral approvaco, como se esperava do patriotismo ¢ amor das letras que animao os benemeritos membros da Sociedade Auxiliadora. Eis-nos hoje congregados para encetarmos os trabalhos do proposto Instituto Historico e Geographico do Brasil; e desta arte mostrarmos ds nagGes cultas que tambem presamos a gloria da pa- SISBI/ UFU 1000319400 22 Livro de fontes de historiografia brasileira tria, propondo-nos a concentrar, em huma litteraria associagao, os diversos factos da nossa historia e os esclarecimentos geographicos do nosso paiz, para que possio ser offerecidos ao conhecimento do mundo, purificados de erros ¢ inexactidées que os manchio em muitos impressos, tanto nacionaes como estrangeiros, Basta attendermos ao que diz Cicero* sobre a historia, para co- nhecermos logo as vantagens que se devem esperar de hum [f. 9] ins- tituto que della particularmente se occupe, e composto de homens os mais conspicuos por suas letras e por suas virtudes. — A historia (escreve aquelle philosopho romano) he a testemunha dos tempos, a luz, da verdade e a escola da vida. — Por esta judiciosa doutrina bem facilmente se conhece quio proficua deve ser a nossa associagio, encarregada, como em outras nagées, de eternisar pela historia os factos memoraveis da patria, salvando-os da voragem dos tempos, ¢ desembaracando-os das espessas nuvens que no poucas vezes Ihes agelomerao a parcialidade, o espitito de partidos, e até mesmo a ignorancia. Oxalé nao tivessemos nés infinitas provas desta verdade em tantas obras, mérmente estrangeiras, que correm 0 mundo! O nosso silencio, reprehensivel, de certo, em materia que tanto affecta ahonra da patria, tem dado occasido a que os historiadores huns de outros se copiem, propagando-se por isso muitas inexactidoes, que deveriao ser immediatamente corrigidas. © corago do verdadeiro patriota Brasileiro aperta-se dentro no peito quando vé relatados desfiguradamente até mesmo os mo- dernos factos da nossa gloriosa independencia. Ainda estao elles ao alcance das nossas vistas, porque apenas 16 annos se tem passado dessa época memoravel da nossa moderna historia, que accrescentou no novo mundo hum esperangoso imperio ao catalogo das nagées constituidas, e j4 muitos se vao obliterando na memoria daquelles a quem mais interess4o, s6 porque tem sido escriptos sem a imparcia- lidade e necessario criterio, que devem sempre formar o caracter de hum veridico historiador. Documento1 23 Nao é meu intento, senhores, apontar-vos agora os erros de que estio saturadas muitas obras sobre 0 imperio do Brasil. Esta honrosa tarefa ser de certo emprehendida pelos membros do nosso instituto: ella offerece hum campo vastissimo 4 investigacao daquel- les socios que conhecem a necessidade de remediar os males dahi provindos. Talvez me fosse mais desculpavel deplorar a nossa fria in differenca sobre pontos de tanto interesse 4 gloria nacional; mas nao cabe no abreviado quadro deste mal ordenado discurso a discussio da materia, que me levaria a longo desemvolvimento. ~ Comegamos hoje hum trabalho que, sem duvida, remediara de alguma sorte os nossos descuidos, reparando os erros e enchendo as lacunas, que se encontrao na nossa historia. Nés vamos salvar da indigna obscurida- de, em que jazido até hoje, muitas memorias da patria, ¢ os nomes de seus melhores filhos; nds vamos assignalar, com a possivel exactidio, © assento de suas cidades ¢ villas mais notaveis, a corrente de seus caudalosos rios, a 4rea de seus campos, a direc¢do de suas serras, € a capacidade de seus innumeraveis portos. Esta tarefa, em nossas cir- cumstancias, bem superior 4s forgas de hum sé [f. 10] homem ainda © mais emprehendedor, tornar-se-ha facil pela coadjuvagao de mui- tos Brasileiros esclarecidos das provincias do imperio, que, attrahi- dos ao nosso instituto pela gloria nacional, que he o nosso timbre, trar46 a deposito commum os seus trabalhos e observagoes, para que sirvio de membros a0 corpo de huma historia geral e philosophica do Brasil. As forcas reunidas dao resultados prodigiosos; e quando os que se reunem em to nobre associag4o apparecem possuidos do mais encendrado patriotismo, eu nao duvido preconisar hum hon- roso sucesso 4 fundagao do nosso instituto historico e geographico. A nossa historia, dividindo-se em antiga e moderna, deve ser ainda subdividida em varios ramos e épocas, cujo conhecimento se torne de maior interesse aos sabios investigadores da marcha da nos- sa civilisagao. Ou ella se considere pela conquista de intrepidos mis- sionarios, que tantos povos attrahirao 4 adoragéo da cruz, erguida por Cabral? neste continente, que lhe parecia surgir do sepulchro do SS 2A Livro de fontes de historiografia brasileira soly ou pelo lado de acces guerreiras, na penetracao de seus emma- tanhados bosques, ¢ na defensa de tao feliz quanto prodigiosa des- betta, contra inimigos externos invejosos da nossa fortuna} ou, fi- nalmente, pelas riquezas de suas minas € mactas, pelos productos de seus campos e serras, pela grandeza de seus rios ¢ bahias, variedade e pompas de seus vegetaes, abundancia e preciosidade de seus fructos, pasmosa novidade de seus animaes, ¢ finalmente pela constante be- hignidade de hum clima que faz tao fecundos 08 engenhos dos nos- sos patricios como 0 solo abengoado que habitaos acharemos sempre Iron thesouro inexgotavel de honrosa recordagao ¢ de interessantes idéas, que se deve manifesta a0 mundo em sua verdadeira luz. No tem faltado escriptores que se dessem ao trabalho de re- commendar 4 posteridade muitos desses factos, que sao lidos em todos os tempos com justa admiracao; mas, espalhados por hum tao yasto territorio como este em que agora © Brasil assenta 0 seu trono imperial, elles mais escrevério historias particulares das provincias do que huma historia geral, encadeados os seus acontecimentos com esclarecido criterio, com deduccao philosophica, e com luz pura da verdade. Ah! Se ainda assim mesmo tantos escriptos de illustres Bra- vileitos fossem dados 4 luz publica, ou conservados em archivos, Para que a posteridade delles se aproveitasse, talvez que entio se podesse vealisar em parte, a doutrina de Cicero", quando chama a historia testemunha dos tempos. Mas, por desgraca nossa, em desar do nosso patriotismo, te- mos visto, € continuamos a ver, sepultarem-se muitos escriptores de merito como abragados com as suas producgées litterarias. [f 11] A ignorancia ou descuido de seus herdeiros as entrega logo 4 voragem dos annos: eus nomes vaguedo por algum tempo sobre as suas cam= pas, até que de todo se esvaecem, perdendo-se até mesmo a noticia dos lugares em que estes escriptores nascérao ou honrdrao por suas gloriosas fadigas. Nem pouco influio, para esta lamentavel falta de publicagao dlas cousas da patria o triste fado que sobre nés peséra por mais de Documento1 25 300 annos, sendo obrigados a mendigar o favor dos typos da metro- pole, nfo se nos consentindo assentar huma imprensa nesta entéo Pr onia, O intolerante monopolio, mola principal da administracao portugueza nos tempos do absolutismo, ¢ com especialidade a res- peito do Brasil, estendia-se tambem 4 publicagao dos escriptos dos hhossos litteratos, € por isso ou morrido em gabinetes particulares sem. verem a luz da estampa, ou erdo tao mutilados, para que se accom- modassem ao systema de seu monopolio, como a agua tomando a forma do vaso que enche, que parecido como idéas destacadas, nao podendo servir bem de elementos para a historis geral brasileira. O {que digo, Srs., confirma-se bem claramente pelo acto do governo portuguez, em meio do seculo pasado, mandando destruir a unica imprensa brasileira levantada por Antonio da Fonseca", nesta cida- de, da qual havia sahido impressa, com data de 1747, a Relagdo da entrada que fez. 0 bispo D. Fr. ‘Antonio do Desterro Malheiro”, escripta pelo juiz de fora Luiz Antonio Rosado da Cunha’; ¢ sabe-se que della tambem sahira, disfargado com 0 titulo de impresso de Ma- drid, 0 livro — Exame de Bombeiros". industrioso, patrocinado pelos jesuitas, empregava em prol da sua Taes erdo as cautelas que esse vifficina, que todavia néo escapou 4 violenta espada da destruigao. Nos tempos da passada monarchia os escriptos brasileiros, que assim entdo se publicavao, punhdo a gloria de seus autores em communh4o com a dos Portuguezes; ¢ como, por tantas difficul- dades ero em muito menor numero, ficavao absorvidos pelo credi- to litterario da metropole, que bem pouco reflectia sobre o Brasil. Quem examina a volumosa Bibliotheca Luzitana do Abbade Bar- joa, encontra ahi os nomes de alguns Brasileiros preclaros, que provario, por seus escriptos em diversos ramos, genio fecundo e amor das letras. Pertence agora ao nosso Instituto, ou ao zelo de ‘eada hum de seus illustres membros, extremar essa heranga precio- sh, que pertence ao Brasil, € que nos péde servir na organisagao da su historia geral. De todos esses materiaes informes, incompletos, 4 meselados dos prejuizos do tempo, poderemos formar hum com- 8 Livre de fontes de historiografia brasileira plexo regular de factos, purificados no crisol da critica. O talento de hum historiador, diz 0 barao de Barante", assemelha-se 4 sagaci- dade do naturalis- [£. 12] ta, que, com pequenos fragmentos de os- sos, colhidos de escavacées, como que ressuscita hum animal, cuja raga desconhecida existia em plagas, que soffrérao cathaclismos. A vida moral tem suas condigées e suas leis; compée-se tambem de circunstancias ligadas por meio de relagdes quasi necessarias; a phi- losophia péde reconhecé-las demonstra-las; e a imaginacao, com mais celeridade e certeza, saberd entio dellas assenhorear-se. A ra- x40 do homem, sempre vagarosa em sua marcha, necessita de hum guia esclarecido ¢ seguro, que accelere os seus passos. O talento dos historiadores ¢ dos geographos he sé quem péde offerecer-nos essa galeria de factos, que, sendo bem ordenados por suas relagdes de tempo e de logar, levo-nos a conhecer na antiguidade a fonte de grandes acontecimentos, que muitas vezes se desenvolver6 em remoto futuro, A historia seria, por tanto, incompleta, descorada arida, se, occupando-se unicamente de resultados geraes, por huma mal entendida abstrac¢4o, nao collocasse os factos no theatro em que se passdrdo, para que melhor se apreciem pela confrontagéo de muitas e poderosas circunstancias que desembaracem a intelligencia dos leitores. A sorte geral da humanidade muito nos interessa, € a nossa simpathia mais vivamente se abala, quando se nos conta 0 que fizerao, 0 que pens4rao, 0 que soffrerao aqueles que nos precedérao na scena do mundo: he isso o que falla 4 nossa imaginagao, he isso © que ressuscita, por assim dizer, a vida do passado e que nos faz ser presentes ao espectaculo animado das geracées sepultadas. Sé desta arte a historia nos péde offerecer importantissimas licdes; ella ndo deve representar os homens como instrumentos cegos do destino, empregados como pegas de hum machinismo, que concorrem a0 desempenho dos fins do seu inventor. A historia os deve pintar taes quaes foro na sua vida, obrando em liberdade, e fazendo-se respon- saveis por suas acgdes. A providencia, he verdade, faz muitas vezes sahir o bem do seio do mal, a ordem das turbulencias da anarchia, Documento] 27 ea liberdade dos terrores do despotismo; mas, € fora dize-lo, Srs., estes caminhos nao esto ao nosso alcance; os caminhos do homem sao tracados pelos seus deveres, e, aos olhos da musa severa da his- toria o crime sempre deve ser crime. Conduzido por estas reflexes do barao de Barante, nao posso deixar de accrescentar-lhes a expresso dos nobres sentimentos de Plinio 0 moco”, escrevendo a Tacito" sobre a desastrosa morte de seu tio, — Quanto a mim (diz este philosopho) considero igualmente benemeritos aquelles a quem os deoses tem concedido o dom, ou de fazer cousas dignas de serem escriptas, ou de escrever cousas dignas de serem lidas; ¢ muito mais benemeritos ainda os que favorecem 0 exercicio destas duas preciosas [f. 14] faculdades — E se mais podesse eu accrescentar 4 téo animador pensamento, dissera, com 0 nosso literato patricio Alexandre de Gusmao”, que a historia he hum fe- cundo seminario de herées. A prosecugio do meu discurso me faz chegar a hum ponto que, designando bem claramente a grande utilidade, que se péde colher dos estudos historicos € geographicos, marca por isso mesmo huma época gloriosa em nossa patria, da qual se descobre a honrosa estrada que podem melhor seguir aquelles dos nossos patricios em cujos peitos palpitéo coragées animados pelo amor da gloria litve- raria. Elles, de certo, faré6 0 melhor uso dos seus estudos sobre a historia da patria, expurgada de tantos erros, enriquecendo os seus espiritos de conhecimentos interessantissimos, que lhes sirvio nos empregos a que forem chamados pelos votos dos seus concidadaos. Da combinacao dessas idéas, assim adquiridas, nascerd6 principios de que deduzdo novos conhecimentos, que illustrem a carreira de sua vida, tornando mais proficuos os seus servigos em beneficio da patria, Ndo duvidamos, Sts., que as melhores lig6es que os homens podem receber, Ihes so dadas pela historia. Por isso que a virtude he sempre digna da veneracéo publica, a gloria abrilhanta os honrados cidadaos, ainda mesmo quando parecao haver succumbido aos gol- pes da inveja e da intriga dos méos; a justiga que a posteridade Ihes 2H Livro de fontes de historiografia brasileira faz, salvando scus nomes e seus feitos de hum injusto esquecimento, he forte estimulo para huma patriotica emulacéo. Os crimes, posto que seguidos de hum sucesso apparentemente feliz, ndo deixao de ser detestaveis no tribunal da historia, se a imparcial penna de sabios os descreve em sua verdadeira luz. O circumspecto genio do histo- riador, sentando-se sobre a tumba do homem, que ahi termina as suas fadigas, despreza argumentos de partido e conselhos de lisonja, portando-se em seus juizos como austero sacerdote da verdade. A fama dos grandes homens, rompendo as trevas da antiguidade, tem chegado a nés com os documentos de seus meritos acrisolados pela historia: ella assim premia a virtude muitas vezes perseguida, resti- tuindo 4 veneracdo dos homens a memoria daquelles que della se fizerio dignos. Porém, Sts., se em geral sio estas as vantagens da historia, qua- ¢s no serdo ainda as do nosso paiz, se o amor da gloria nacional nos levar a depura-la de suas inexactidées, e a escrevé-la com essa atilada critica, que deve formar o caracter de hum verdadeiro historiador? E ser4 pouco arrancar do esquecimento, em que jazem sepultados, os nomes ¢ feitos de tantos illustres Brasileiros, que honrarao a patria por suas letras e por seus diversos ¢ brilhantes servigos? O desejo de dar vida a tantos benemeritos, que 0 nosso descuido tem deixado mortos para a gloria da patria e para a estima do mundo, jé se tem apoderado de alguns dos [f. 14] illustres socios deste nosso Insti- tuto, Huma biographia dos mais preclaros Brasileiros he tarefa, de certo, mui superior 4s forcas de hum sé homem, attentas as nossas circunstancias; mas a gloria que deve resultar de huma tal empresa accende o zelo dos que a tem encetado em communhio de trabalho, ¢ reflectira tambem sobre 0 nosso Instituto, porque sao de seu gre- mio os emprehendedores da desejada biographia brasileira; e se a sua modestia me priva de Ihes dar os devidos louvores por huma obra de honra nacional, a justiga nao soffte que eu deixe de publicar os seus nomes em credito dos membros fundadores deste Instituto. Os illustres Srs, Visconde de S. Leopoldo”, Dr. Emilio Joaquim Maia” Documento1 29 € outros, j4 tem colligido muitos elementos para esse importante monumento litterario; nem ja se Ihes quebra 0 animo de o levarem a0 fim, pois que de nossa efficaz cooperagio ¢ zelo social resultaré maior facilidade ao desempenho de seu nobre projecto. Na vida dos grandes homens aprende-se a conhecer as appli- cagées da honra, a apreciar a gloria e a affrontar os perigos, que muitas vezes sio causas de maior gloria. O livro de Plutarco* (diz o bardo de Morogues*) he huma excellente escola do homem, porque offerece em todos os generos os mais nobres exemplos de magnani- midade; ahi se encontra descoberta toda a antiguidade; cada homem celebre ahi aparece com seu genio, com seus talentos, com suas virtudes ¢ com a influencia que exercéra sobre seu seculo; ahi se apprende como 0 genio dé movimento a povos inteiros, por suas leis, por suas conquistas, por sua eloquencia; ahi se conhece a sa- bedoria dos designios, humas vezes profundamente concebidos, ¢ amadurados pelos annos, outras vezes como inspirados, admittidos, e executados 4 hum sé tempo com a energia que domina os maiores obstaculos; ahi vidas brilhantes e mortes illustres ensinao a amar a gloria, a apreciar as suas causas, a prever os seus resultados, ¢ a acau- telarmo-nos daquelles petigos que a seguem como sombras, porque (diz M. Thomaz) os homens que pesio sobre 0 universo tambem lutdo com o seu proprio peso; logo apoz.a gloria achao-se frequente- mente occultos 0 desterro, o ferro e 0 veneno. E nio offerecerd huma historia veridica do nosso paiz essas ligdes, que tio proficuas podem ser aos cidadaos brasileiros no de- sempenho de seus mais importantes deveres? No periodo de pouco mais de tres seculos nao ter apparecido, neste fertil continente, var6es preclaros por diversas qualidades, que mere¢ao os cuidados do circunspecto historiador, ¢ que se possao offerecer ds nascentes geracdes como typos de grandes virtudes? E deixaremos sempre a genio especulador dos estrangeiros 0 escrever a nossa historia, sem aquelle acerto que melhor péde conseguir [f. 15] hum escriptor na- cional? Ah! o meu coracio se dilata dentro no peito sé 4 idéa de que 10 Livro de fontes de historiografia brasileira este Instituto Historico e Geographico se occuparé desveladamente em erguer 4 gloria do Brasil hum monumento que lhe faltava, e do qual emanaré nZo pequena honra aos que agora aqui reunidos se offerecem ds vistas da nago como opifices do magestoso edificio da nossa historia, O meu coracao se dilata, sim, quando observo que sé a noticia da fundacao deste Instituto mereceo 0 mais honroso aco- Ihimento do publico; acolhimento bem facil de ser previsto pela dis- tincta Sociedade Auxiliadora da Industria Nacional, que prompta nos franqueou a sua respeitavel proteccao para levarmos a effeito a proposta que lhe haviamos submettido. Os litteratos de todo o Brasil saberdo, pela leitura de nossos estatutos, que os socios deste Instituto nao sé meditaéo organisar hum monumento de gloria nacional, aproveitando muitos rasgos historicos, que dispersos escapao 4 voragem dos tempos, mas ainda pretendem abrir hum curso de historia e geographia do Brasil, além dos principios geraes, para que 0 conhecimento das cousas da patria mais facilmente chegue 4 intelligencia de todos os Brasileiros. Este ramo de estudos, to necessario 4 civilisagao dos povos, faltava aos nossos patricios. Mas consolamo-nos de hum tal descuido, porque tambem o celebre Rollin, nos tempos em que a Franga jé muito florescia por suas lettras, lastimava 0 sacrificar-se o estudo da historia nacional ao de outras historias antigas, como se sé na Grecia e em Roma tivessem apparecido factos heroicos ¢ vardes prestantes, que merecessem ser imitados. “Eu estou bem longe de pensar, (dizia o illustre philologo) que seja indifferente o estudo da historia nacio- nal; vejo com dér que elle tem sido desprezado por aquelles mesmos a quem fora util, por nao dizer indispensavel. Confesso que pouco me tenho dado a elle, e envergonho-me de ser como estrangeiro em minha patria, depois de haver corrido outros muitos paizes.” A nossa historia abunda de modelos de virtudes; mas hum grande numero de feitos gloriosos morrem ou dormem na obscuri- dade, sem proveito das geragées subsequentes. O Brasil, Srs., posto que em circunstancias nao semelhantes 4s da Franga, pdde comtudo Documento1 31 apresentar pela historia, ao estudo e emulagio de seus filhos, huma longa serie de varées distinctos por seu saber ¢ brilhantes qualida- des, Sé tem faltado quem os apresentasse em bem ordenada galeria, collocando-os segundo os tempos ¢ os logares, para que sejam me- thor percebidos pelos que anheldo seguir os seus passos nos cami- nhos da honra e da gloria nacional. A empresa de alguns nossos escriptores, que tem escripto sobre as cousas da patria, nao serd perdida para 0 nosso Instituto. Desse cabedal, difficilmente reunido nas provincias pelos incan- [f. 16] sa~ veis e distinctos litteratos Berredo”, Rocha Pitta, bispo Azevedo”, Monsenhor Pisarro”, Frei Gaspar, Durao™, viscondes de Cairti* ede S. Leopoldo, conselheiro Balthasar Lisboa®, Rebello, Ayres do Casak”, L. Gongalves dos Santos", Accioli®, Bellegarde® ¢ ou- tros muitos, se formard no nosso Instituto o corpo da historia geral brasileira, encendrado pela philosophia de seus membros, ¢ ligado em todas as suas partes pelas relagoes de seus factos, afim de serem dignamente comprehendidos. Eu quizera, Sts., aproveitar-me deste ensejo para lembrar-vos 0 incansavel zelo pela historia e geographia do Brasil de alguns dos litteratos que honrao a matricula do nosso Instituto; mas, se me nao he dado tributar-lhes agora os elogios de que sio merecedores, eu devo, pelo menos, como orgio da voz publica, ¢ dos amigos da patria, declarar com especialidade 0 nome do nosso honrado col- lega e meu particular amigo o general Cunha Mattos". Injustiga fora, Sts., nao fazer honrosa mengao dos trabalhos historicos ja por elle offerecidos a0 publico e agora mesmo ao nosso Instituto. Ou- vistes ler a riquissima memoria sobre a navegacao dos antigos ¢ dos modernos, da qual resultara a descoberta da America, ¢ tambem a do Brasil; bem pouca meditagao se precisa para se conhecer logo que o seu excellente trabalho férma a introducgéo da nossa historia geral, em que ha muito se occupa o nosso distincto consocio. O seu zelo serd de certo imitado por outros; ¢ talvez que 0 ensaio de hum diccionario geographico brasileiro, com tanto trabalho emprehen- {2 Livro de fontes de historiografia brasileira dlido pelo illustre socio o senador Costa Pereira, agora tome 0 seu necessario desenvolvimento, aproveitando-se o seu autor dos esclarecimentos que nos he permittido esperar de muitos pontos do imperio. Desculpai-me, Srs., se na fraca exposigdo das vantagens que podem emanar da fundagao de nosso Instituto, eu mais tive em vista 4 gloria nacional, que sempre me faz bater 0 coragéo em peito bra- sileiro, do que a difficuldade das empresas a que nos enderessamos. Este magestoso edificio tem por fundamentos o amor da patria ¢ 0 amor das lettras. Nés nao seremos menos inflammados deste amor do que aquelles que, em outras nagées, Ihe tem inaugurado tio glorio- so quanto util monumento. O Brasil guarda nas estranhas de suas terras, ¢ assim tambem nos peitos de seus filhos ¢ sinceros amigos, thesouros preciosos, que devem ser aproveitados por meio de cons- tantes ¢ honrosas fadigas. Sem trabalho, sem persistencia nas grandes empresas, jémais se conseguir a gloria que abrilhanta os nomes dos bons servidores da patria. A geographia he a luz da historia, e a his- toria, tirando da obscuridade as memorias da patria, honra por isso mesmo aos que Ihe consagrao constantes des- [f. 17] vellos. Eia, Srs., nao esmoregamos 4 vista das grandes difficuldades que sahiré6 ao encontro dos nossos designios; fitemos os olhos no bem dos nossos patricios, na gloria da nossa nacio, na nossa propria honra, nds ce- lebraremos todos os annos o dia anniversario do Instituto Historico ¢ 0 Geographico Brasileiro, de que somos creadores, apresentando a0 publico relatorios dignos da sua attengao pelos uteis trabalhos que fizermos. Seja-me ainda permittido terminar este discurso com huma invocagao ao Eterno, tomada das palavras do santo Isaias*: — E ty, Sr, atéa, em luzeiro eterno; faiscas tuas, j4 assomadas neste horisonte. E sempre de face haja de encontrar-se nelle a verdade. Documento1 33 Mimosas esperangas caminhao em triumpho de molestas difficul- dades. 6 quanto, Sr. tu mudas em assento andamoso montanhas empi- nadas! Compraze-te em dar-lhe rego aberto, que engrosse o plantio por ti disposto. (Trad. do bispo D. Frei Manoel do Cenaculo) Januario da Cunha Barbosa, 1° secretario perpetuo do Instituto H. G. B. [f. 18] Notas 1 Jannuario da Cunha Barbosa. “Discurso”. Revista Trimensal de Historia ¢ Gee cgraphia ou Jomal do Instituto Historico Geographico Brasileiro, Rio de Janciro, 1839, t. 1, pp. 9-18. 2 Janudrio da Cunha Barbosa (Rio de Janeiro, 1780 ~ Rio de Janeiro, 1846). Cénego, politico e escritor. Ordenou-se em 1803, seguindo para Portugal, onde viveu até 1805. Retornando ao Brasil, fundou, em 1821, junto com 0 jornalista Gongalves Ledo, 0 periddico Revérbero Constitucional Fluminense, favordvel 2 emancipacao politica do Brasil. Sendo um dos lideres do grupo oposicionista ao de José Bonificio, foi preso e deportado. Anistiado em 1823,

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