RIO DE JANEIRO
2015
Elizabete Cristina Ribeiro Silva
RIO DE JANEIRO
2015
Elizabete Cristina Ribeiro Silva
Aprovado em:
______________________________________________________
Prof. Dr. Alexandre Brasil Carvalho da Fonseca - UFRJ
______________________________________________________
Profa. Dra. Maylta Brandão dos Anjos - IFRJ
______________________________________________________
Profa. Dra. Ana Cristina Souza dos Santos - UFRRJ
______________________________________________________
Profa. Dra. Cristhiane Oliveira da Graça Amâncio - UFRRJ
______________________________________________________
Profa. Dra. Vera Helena Ferraz de Siqueira - UFRJ
S586h Silva, Elizabete Cristina Ribeiro.
Hortas escolares urbanas agroecológicas: preparando o terreno para a educação em
ciências e para a educação em saúde. / Elizabete Cristina Ribeiro Silva. – Rio de
DEDICATÓRIA
Janeiro: UFRJ/NUTES, 2015.
245 f.: il.; 30 cm.
Ao meu companheiro, Ernani Jardim e à nossa filha, Mariana por tudo que vivemos
juntos. Eu não me arrependo de nada!
Aos meus familiares, pela certeza do apoio.
Aos meus amigos e amigas, pelos muitos choros e risos compartilhados.
Ao meu orientador, Alexandre Brasil, pelas oportunidades de crescimento.
À professora Graça Carvalho, pela acolhida além-mar.
Aos colegas de trabalho e de estudos, pelos muitos momentos de discussão e de
descontração.
Ao Hugo Cerqueira e à Fernanda Dysarz, pelos muitos momentos de ação-reflexão-
ação na e sobre a horta.
Aos professores e professoras do NUTES, pela contribuição nessa etapa de
aprendizado.
Às professoras das bancas de qualificação e de defesa pelas valiosas sugestões.
À CAPES pelas bolsas concedidas e pelos aprendizados obtidos no exterior.
Aos meus companheiros e companheiras de jornada, os professores (as), pela
cumplicidade na dor e na delícia de sermos o que somos.
A todos e todas que estiveram sob a minha responsabilidade docente, pelos
desafios que me impuseram possibilitando reformulações na minha prática
educativa.
Tudo, tudo valeu a pena.
O apanhador de desperdícios (Manoel de Barros)
Quadro 1: Teses e dissertações com o assunto “horta (s) escolar (es)” encontradas
no Banco de Teses da CAPES publicadas entre os anos de 2000 e 2012.............103
Quadro 2: Artigos científicos com o assunto “horta (s) escolar (es)” encontrados na
base de dados SciELO e no Portal de Periódicos da CAPES publicados entre os
anos de 2000 e 2013................................................................................................115
Quadro 3: Distribuição de hortas por regiões do país, entre os inscritos para o
Prêmio gestor eficiente da merenda escolar em sua versão 2012, nos 91 formulários
disponibilizados........................................................................................................145
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
1 INTRODUÇÃO.......................................................................................................16
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................228
7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...................................................................233
16
1 INTRODUÇÃO
Eu tinha menos de 20 anos quando conheci a minha primeira turma oficial, uma
classe de alfabetização na rede pública de ensino. E não sei bem o porquê, mas
achava que deveria fazer uma horta com as crianças. Era um sentimento daqueles
que são só sentidos, mas não conseguimos pensar bem a respeito. Não havia ali
elaborações pedagógicas, só um desejo e a certeza de que seria bom. Bom! Para
mim? Para eles? Ainda não sei. Minha infância e adolescência na roça - ainda
recentes na época - e aquele quintal grande me faziam acreditar na facilidade de
realizar tal intento. Como estudante assistia a algumas aulas e saia correndo da
universidade para assumir o posto de professora em escolas com tantas questões
urgentes... A horta não aconteceu na primeira escola e nem na segunda.
A ideia me perseguia e eu procurava me contentar com potinhos e vasinhos
nos cantos da sala. Gostava de chamar a atenção para as formiguinhas, os
tatuzinhos de jardim, os gongolos, as sementes, os frutinhos, as flores miúdas de
alguns matos. Aqueles bichinhos e plantinhas de que ninguém sabe os nomes por
não terem importância. Tão desimportantes como aquelas escolas, para onde
ninguém queria ir, como aquelas crianças. Tão desimportantes como eu.
A terceira escola era nova, pré-moldada, sem quintal, igualmente sem
importância, mas com uma equipe de professores e direção que vibraram com a
ideia. “Naquele cantinho ali, não dá?”. Havia a crença de que a horta comporia um
mosaico de ações contribuintes para a formação, não só dos escolares, mas de
todos nós. Assim, sobre um pequeno espaço de “chão batido” com restos de obra,
fizemos a marcação dos canteiros e, ao longo de vários dias, acrescentamos
saquinhos de terra trazidos de casa pelas crianças. Aconteceu a minha primeira
horta escolar e a partir daí não parei mais nos quase trinta anos seguintes que tenho
atuado como professora.
É muito reconfortante quando encontramos pessoas que conseguem
interpretar, traduzir e acolher sentimentos - pouco ou nada importantes - que
parecem ser tão esdruxulamente nossos. Tem sido assim com muitas pessoas que
tenho encontrado pela vida. Foi assim naquela terceira escola e na quarta. Foi assim
com Rubem Alves afirmando que uma horta é um bom lugar para começar. E pra
continuar, até acabar... E que eu poderia plantar tomatinhos na horta da escola,
daqueles pequenos, minúsculos, que não se encontram em lugar civilizado, não se
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vendem em feiras. Ah, depois veio Manoel de Barros e sua atenção aos
desimportantes. Que imensa alegria ler tudo aquilo! Sim! Ele entendia minha
predileção pelas lagartixas, pererecas, formigas!
São fragmentos de uma vida profissional que se entrelaçaram com muitos
outros e que foram consolidando em mim um alto grau de intimidade com as hortas
escolares.
A atividade agrícola, assim como tantas outras elaborações e artefatos
humanos, precede a escola e, em um dado momento, sendo percebidas suas
possibilidades pedagógicas, passa a ocupar o espaço formal de educação. Porém,
os propósitos dessa inclusão se modificaram ao longo do tempo, comportando
concepções que ora a priorizam como atividade fim, ora como atividade meio e em
outras situações os intentos se confundem. Entende-se que as intenções devem
orientar os processos envolvidos em tais transposições.
A inserção da agricultura na educação formal no Brasil data do período
colonial, no contexto rural, com objetivos que aliavam correção de condutas sociais
à qualificação técnica agrícola para crianças pobres e/ou órfãs. Posteriormente, no
ensino técnico, compõe a dicotomia com o ensino propedêutico, sendo o primeiro
voltado aos menos favorecidos visando à atuação nas regiões agrícolas e o segundo
para a formação intelectual da elite econômica e social (SOARES, 2003). Sob a
vigência da Lei nº 5 692/71 (BRASIL, 1971), objetivando a preparação para o
trabalho em áreas rurais, as técnicas agrícolas compunham o currículo do Ensino
Fundamental com estrutura robusta que incluía professores especializados,
insumos, ferramentas e até maquinário agrícola. Aqueles objetivos se tornam frágeis
com a Lei nº 7044 (BRASIL, 1982) e a disciplina passa a ser eletiva. A percepção da
agricultura vinculada estritamente ao meio rural, somada a urbanização e aos ideais
de progresso e desenvolvimento subjacentes, coincide com o abandono das ações
em agricultura no ensino fundamental formal.
Porém, nos últimos anos, sob a influência das revelações de problemas
ambientais mundiais e, mais recentemente, pela crescente apreensão com questões
de alimentação, a agricultura torna-se centro de discussões. Orientações
internacionais, marcadamente aquelas difundidas a partir das Recomendações de
Tbilisi (UNESCO, 1980) e da Carta de Ottawa (WHO, 1986), tiveram papel relevante
nas inúmeras proposições no Brasil para a Educação Ambiental e a Educação em
Saúde, respectivamente. Embora elaboradas em âmbitos e com objetivos
18
Nutricional, exibem resultados que reforçam a relevância que tem sido atribuída às
hortas escolares e trazem elementos que, ao serem analisados, podem contribuir
para a sua qualificação pedagógica.
Nesse ínterim, ocorreram participações e apresentações de dezenas de
produções do Observatório como artigos, trabalhos completos, oficinas e resumos
em eventos com publicações que dialogam com o tema. Foram realizadas oficinas
sobre hortas escolares e outras que, igualmente, visavam a expor a
multidimensionalidade da alimentação no espaço escolar, trocar experiências e
conhecimentos sobre a temática. Com esse movimento ganhamos visibilidade e
passamos a ser demandados amiúde para apoiar e orientar projetos de implantação
e/ou aperfeiçoamento de hortas escolares. Percebíamos nessas demandas o forte
desejo de ter uma horta na escola, a convicção de sua importância pedagógica e o
desconhecimento sobre os insumos e os procedimentos técnicos necessários.
Entretanto, chamava a nossa atenção a fragilidade dos argumentos que embasavam
a importância pedagógica e, principalmente, que a necessidade declarada se
restringisse, na grande maioria dos casos, aos conhecimentos técnicos em
agricultura. Ou seja, a preocupação central estava em como preparar o terreno,
como plantar, como cuidar, quais e como conseguir os insumos etc., mantendo a
lógica da agricultura comercial e desconsiderando as especificidades do ambiente
escolar. Quando muito, era citada uma ou outra variação, geralmente estéticas
reproduzidas de alguma experiência a que se teve acesso.
Nesses diálogos procurávamos evidenciar alguns aspectos teóricos e práticos
no sentido de orientar a reflexão para novas possibilidades da atividade agrícola na
escola contemporânea e, especialmente, no espaço urbano. Porém, as questões
levantadas careciam de sistematização e, de certa forma, passamos a ser
provocados a avançar nesse sentido.
Todo esse conjunto suscitou a necessidade e o desejo de desenhar uma
situação na qual o exercício da práxis (FREIRE, 1996) fosse assumido como
premissa, ou seja, a união reflexiva e recursiva dos conhecimentos reunidos, até
aquele momento, e a prática. Assim, como um desdobramento do projeto amplo
Mapeamento e delimitações da alimentação escolar... foi desenvolvido o Projeto
Horta Escolar Urbana: espaço para a construção de práticas educativas inovadoras
para a Educação em Ciências e Saúde/FAPERJ/ Apoio à Melhoria do Ensino em
Escolas da Rede Pública Sediadas no Estado do Rio de Janeiro – 2011, cujo
22
1
Cabe esclarecer o uso dado ao vocábulo parâmetro, uma vez que é possível identificar significados que fogem
ao proposto. Para o presente contexto adequa-se mais o sentido menos impositivo: elemento importante a
levar em conta, para avaliar uma situação ou compreender um fenômeno em detalhe
(http://www.dicionariodoaurelio.com).
28
O uso desse referencial nas práticas educativas aponta para uma mudança
epistemológica e sugere a valorização de um conjunto de conceitos, até então
subalternizados, para compor os processos de ensino e aprendizagem. Esse
conjunto põe em equivalência dimensões que têm sido dicotomizadas nos modelos
educacionais hegemônicos – sujeito-objeto, parte-todo, razão-emoção, simples-
36
2
...um tipo de relação lógica (indução, conjunção, disjunção, exclusão) entre certo número de noções ou categorias mestras. Um paradigma
privilegia certas relações lógicas em detrimento de outras, e é por isso que um paradigma controla a lógica do discurso. O paradigma é uma
maneira de controlar ao mesmo tempo o lógico e o semântico. (MORIN, 2007a , p.112)
40
O olhar que vê uma pessoa cultivar a terra com uma enxada não
consegue ver nela senão o camponês pré-moderno (SANTOS, 2002, p. 245).
2002, p. 247). Faz-se, então, necessária a busca por procedimentos que deem
visibilidade e fortaleçam experiências contemporâneas relevantes que têm sido
excluídas da condição de existente ou enquadradas como alternativas não
acreditáveis, fazendo valer o entendimento de que é possível usar um computador e
mexer com terra, usar um microscópio e continuar mexendo com terra... (fala de
professor em SILVA, 2010).
A Sociologia das Ausências e a Sociologia das Emergências afinadas com o
Pensamento Complexo são apresentadas como formas de criticar e enfrentar a
razão indolente, cujo objetivo denota uma racionalidade acomodada e reducionista
de percepção da realidade, o que restringe as experiências do presente e as
possibilidades futuras. A razão indolente pode se manifestar na razão metonímica e
na razão propeléptica. A primeira traz o conceito de totalidade formulado a partir de
uma parte, ou seja, uma determinada parte é tomada como o todo, como o único
presente, de modo que muito do que existe torna-se invisibilizado. A segunda é uma
forma de racionalidade que entende o futuro como algo já determinado e infinito.
Assim, as Sociologias propostas seriam ferramentas de expansão do presente, pela
ampliação do repertório de experiências presentes e de contração do futuro, pela
identificação do que já pode ser (SANTOS, 2002; 2007).
A Sociologia das Ausências, ao partir de um olhar complexo, demonstra como
se dá, ativamente e intencionalmente, o processo de redução da diversidade da
realidade e o predomínio de monoculturas, bem como apresenta possibilidades de
reversão desse quadro. Busca identificar os pontos cruciais que sustentam a visão
hegemônica e emperram a emancipação social. Anuncia que a prevalência de uma
realidade pela exclusão de diversas realidades apresenta-se como algo forjado e
que muito do que não é considerado tem sua inexistência gerada ativamente como
não existente, como uma alternativa não crível, como uma alternativa descartável,
invisível à realidade hegemônica do mundo (SANTOS, 2007, p. 29). Esclarece,
ainda, que as ausências são produzidas com a edificação de cinco monoculturas: a
monocultura do saber e do rigor, que institui e ausenta o ignorante ao supor que o
saber científico é o único reconhecido como rigoroso, enquanto que outros
conhecimentos não são avaliados como relevantes e se tornam invisíveis e vítimas
de um epistemicídio; a monocultura do tempo linear, que subtrai o residual, o pré-
moderno, o simples, o primitivo, o selvagem e uniformiza a história de diferentes
povos dividindo-os em mais ou menos desenvolvidos, consolidando a existência de
43
Assim, a Sociologia das Ausências torna presente o que já existe e tem sua
ausência produzida, aquilo que está, mas é como se não estivesse. A Sociologia das
Emergências busca os sinais do que ainda não é e produz experiências possíveis. A
combinação das duas permite ampliar o presente pela inclusão das experiências
invisibilizadas e contrair o futuro pela identificação de embriões de possibilidades.
Esse movimento enriquece a realidade com alternativas e possibilidades que para
estarem reciprocamente disponíveis precisam ser compreendidas em suas
especificidades, criando a inteligibilidade sem destruir a diversidade. O que pode se
tornar possível com um trabalho de tradução (SANTOS, 2007, p. 40).
O trabalho de tradução complementa a Sociologia das Ausências e a
Sociologia das Emergências, criando inteligibilidade, coerência e articulação num
mundo enriquecido por uma tal multiplicidade e diversidade. Além de um trabalho
intelectual e político, a tradução parte do inconformismo perante uma carência
decorrente do carácter incompleto ou deficiente de um dado conhecimento ou de
uma dada prática (SANTOS, 2002, p. 267; SANTOS, 2007).
No caso em estudo, torna-se especialmente importante pensar a tradução da
prática da agricultura (ou das agriculturas) que, antes de ser inserida na escola, é
uma prática social com seus respectivos agentes e conhecimentos. Assim, o
trabalho de tradução incide sobre os saberes enquanto saberes aplicados,
transformados em práticas e materialidades, trazendo a inteligibilidade entre os
diferentes objetivos e suas formas de organização (SANTOS, 2002, p. 265).
agrícola com extensão delimitada em função da região e que utiliza mão de obra
predominantemente familiar, retirando daí a sua renda principal (CONSEA, 2010).
O crescimento da produção agrícola privilegiando produtos para a exportação
em detrimento de alimentos para o consumo interno é uma temeridade para a
garantia da segurança alimentar. As áreas destinadas a grandes monocultivos se
expandem e incorporam as áreas de outros cultivos.
[...] uma enxada com cabo curto, com ângulo de inclinação ou afiação
inadequados pode prejudicar consideravelmente o rendimento da capina e
provocar o cansaço prematuro do usuário.
Uma forma de solucionar esse problema seria adequar ao biotipo do usuário
as dimensões do cabo da enxada, o ângulo de inclinação dela, bem como o
seu peso e largura.
De modo geral, enxadas devem dispor de cabos com comprimentos entre
1,4 e 1,6m, conforme a altura do usuário.
[...] o uso de enxadas devidamente encabadas diminui o esforço do
usuário, podendo haver uma redução de demanda de energia humana de
até 40% em relação à utilização de cabos curtos (FRANCO et al., 1991,
p.11)
postura moralizante [...]? Como implementar ações [...] sem partir de nossas
concepções? A resposta às questões pode estar na consolidação de uma política de
educação alimentar com ações que promovam hábitos alimentares saudáveis e
adequados cultural e ambientalmente (BURLANDY e MAGALHÃES, 2008, p. 54). O
Programa Nacional de Alimentação Escolar tem travado uma luta contra aqueles
aspectos impostos pela modernidade alimentar ao privilegiar, progressivamente, a
busca por adequações que favoreçam o oferecimento de alimentos saudáveis e
adequados.
Entretanto, além de enfrentar a resistência ao consumo desses alimentos, o
PNAE tem que lidar com preconceitos voltados ao programa. O histórico do
Programa, marcadamente assistencialista, imprimiu no imaginário coletivo um
estigma depreciativo aos seus comensais. As percepções negativas sobre a
merenda e a sua omissão pedagógica limitam a concretização de seus objetivos
educativos (SILVA et al., 2012). Se por um lado, é inegável o potencial educativo do
PNAE para a educação alimentar e nutricional dada a sua presença diária desde a
educação infantil, por outro, a complexidade envolvida na aceitação e consumo do
alimento oferecido costuma ser negligenciada pedagogicamente.
Entende-se que é importante agregar ao PNAE ações educativas cotidianas e
contínuas que mobilizem outras dimensões que conformam a constituição do
repertório alimentar, contribuindo para o estabelecimento de uma relação positiva
das crianças e adolescentes com os alimentos considerados mais saudáveis e
adequados oferecidos nos cardápios escolares. As hortas escolares podem se
configurar em terreno fértil nesse sentido.
apresentam, entre outros aspectos, uma panorâmica das relações estabelecidas nas
diferentes modalidades de trabalho agrícola com menção às questões fundiárias e
às lutas dos trabalhadores agrícolas por seus direitos (BRASIL, 1998c).
A recomendação para que os aspectos que compõem a saúde permeiem o
cotidiano escolar desde as séries iniciais é justificada sob a argumentação de que
[...] as atitudes favoráveis ou desfavoráveis à saúde são construídas desde a
infância, pela identificação com valores observados em modelos externos ou em
grupos de referência (BRASIL, 1998d, p.67). Sinaliza-se aqui a importância de uma
composição pedagógica que permita a vivência cotidiana de crianças e adolescentes
em um ambiente escolar saudável.
Os PCNs, embora enfatizem o caráter transversal a ser dispensado ao Meio
ambiente e à Saúde (o que inclui a alimentação), admitem serem muitas as
conexões entre Ciências Naturais e Meio Ambiente e, por considerarem os
conhecimentos científicos essenciais para a compreensão das dinâmicas da
natureza, entendem que a disciplina promove a educação ambiental, em todos os
eixos temáticos (BRASIL, 1998a, p.51). Procedem da mesma maneira em relação à
alimentação, afirmada como um tema consagrado da disciplina, que é inserida nos
diferentes eixos temáticos das Ciências Naturais em diferentes níveis do Ensino
Fundamental. A alimentação é o exemplo utilizado para esclarecer de que maneira
um item pode estar presente em diferentes níveis, nos diferentes eixos temáticos,
relacionando-o aos temas transversais. Para os dois primeiros anos do Ensino
Fundamental é sugerida a utilização de horta escolar no eixo Vida e Ambiente para a
investigação sobre a origem do alimento.
Tais perspectivas coadunam com a percepção de professores de ciências, na
qual as hortas escolares ganham destaque como estratégia educacional para
abordar temas de alimentação e nutrição, proporcionando aos estudantes vivências
de conexões entre alimento e meio ambiente com possibilidades de
desdobramentos culinários e aproximações das discussões propostas pelo enfoque
agroecológico (RANGEL et al., 2014).
A agroecologia, embasada no pensamento complexo, ganha reforço com a
perspectiva CTS - Ciência, Tecnologia e Sociedade, aplicada à horta, e amplia as
discussões sobre alimentação e meio ambiente no ensino de ciências e respalda a
conexão entre educação ambiental e educação alimentar e nutricional.
86
sugere a necessidade de mais estudos que voltem seus interesses para esse campo
(SASSI e LINDEMANN, 2013).
Os enfoques apresentados compõem um movimento de complexificação dos
conteúdos do ensino de ciências, em especial a alimentação, a partir da horta
escolar e cuja ambição maior é o exercício contra-hegemônico, como já indicado em
vários momentos. Podemos assim estender ao tema e à prática agrícola na escola o
expresso na formulação de Layrargues (2009) sobre a complexidade aplicada à
educação ambiental, a qual busca o enfrentamento de aspectos para além (e
inerentes a essa) da degradação ambiental, tais como a padronização cultural, a
exclusão social, a concentração de renda, a apatia política, a alienação ideológica,
visando a uma sociedade ecologicamente prudente, economicamente viável,
socialmente justa, culturalmente diversa, politicamente atuante e territorialmente
suficiente.
O Projeto Educando com a Horta Escolar merece particular atenção por buscar
articular um conjunto de ações envolvendo setores da gestão pública municipal e
estadual, em prol do enquadramento da alimentação escolar nos parâmetros
estabelecidos pelo PNAE. Embora a horta escolar esteja no título do projeto,
posteriormente reformulado para Projeto Educando com a Horta Escolar e
Gastronomia, ela figura entre outras ações como o estímulo e qualificação da
produção de alimento pela agricultura familiar e sua consequente aquisição para
alimentação escolar e etc. Ações essas não necessariamente ligadas à inserção da
horta na escola como sugere o título. O tema será retomado mais adiante,
abordando aspectos que compõem a elaboração e implementação do referido
projeto.
Além do Projeto Educando com a Horta Escolar, outras parcerias e projetos se
voltaram para a incorporação da promoção da alimentação saudável no ambiente
escolar por meio de ações de educação alimentar e nutricional, tais como: Dez
Passos para Alimentação Saudável na Escola, em parceria com o Ministério da
Saúde, Projeto Criança Saudável Educação Dez, com o Ministério do
Desenvolvimento Social e Projeto Alimentação Saudável nas Escolas, com a
Agência Nacional de Vigilância Sanitária (SANTOS, 2012).
Outra contribuição vinculada ao PNAE a ser pedagogicamente potencializada
com a horta é a Lei nº 11.947 de 16 de junho de 2009 por sua possibilidade de dar
visibilidade aos seus efeitos práticos. É uma medida importante de apoio ao
desenvolvimento local/regional por definir a obrigatoriedade da aquisição de no
mínimo 30% dos recursos financeiros repassados pelo PNAE em gêneros
alimentícios da Agricultura Familiar e do Empreendedor Familiar ou suas
organizações, priorizando os assentamentos da reforma agrária, as comunidades
tradicionais indígenas e as comunidades quilombolas. Incentiva, assim, a aquisição
de gêneros alimentícios diversificados, produzidos localmente, respeitando a
sazonalidade, a cultura e a tradição alimentar. Recomenda ainda a prioridade nos
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com a horta difundida pelo projeto se faz presente de forma recorrente, como é
possível verificar ao longo dessa pesquisa, embora seja questionável.
O projeto oferece material didático produzido como norteador das ações sobre
os temas educação, ambiente e nutrição. Este está estruturado em quatro Cadernos,
sendo os de número 1, 2 e 3 voltados à formação dos profissionais envolvidos. O
quarto caderno se divide em Volume I e Volume II, destinados aos estudantes de 06
a 09 anos e de 10 a 14 anos, respectivamente. Trazem informações básicas sobre
ambiente, alimentação adequada e outros temas (COSTA et al., 2010, p. 28).
Na realização prática da horta são atribuídos trabalhos específicos para as
diferentes esferas e sujeitos. Aos professores e estudantes cabem as seguintes
tarefas: a. Elaborar croquis das áreas da Horta e definir plantios e levantamento de
problemas para implantação da horta escolar; b. Semeadura de hortaliças em
bandeja e isopor (sementeira); c. Preparar canteiros (nesse caso já teriam sido feitas
limpeza, aração e adubação, que estão a cargo da Secretaria de Agricultura, de
acordo com as orientações); d. Realizar o plantio. Já a manutenção das hortas
aparece como tarefa para a comunidade escolar.
São sugeridas estratégias de ação com apelo ao rigor no planejamento das
atividades a serem realizadas na horta e, para tanto, há a indicação de que haja
sempre uma pergunta problematizadora nas idas à horta e que esta deve estar
sempre relacionada ao meio ambiente, ou alimentação saudável (grifo nosso) e que
possa suscitar discussões para as diferentes disciplinas (COSTA et al., 2010, p. 52).
Entendemos que em se tratando de uma horta no contexto do PNAE, a
problematização sobre o conceito de alimentação saudável requer,
obrigatoriamente, incluir a questão ambiental. Não seria o caso de um ou outro.
Para a parte operacional são enumeradas as ferramentas, acompanhadas de
ilustrações, necessárias na implantação e manutenção da horta. Há uma referência
a adaptações/adequações ao público escolar no Caderno 2 em uma observação de
pé de página que diz que existem no mercado ferramentas de plástico que são
apropriadas para uso pelos escolares (FERNANDES, 2007, p. 22). Não há menção
a equipamentos de proteção e segurança dos estudantes, nem tampouco as
fotografias exibem esse aspecto. Nelas os estudantes aparecem em atividade na
horta com o uniforme escolar ou com roupas comuns, sem o uso de chapéus, sem
luvas e até de chinelos. Não são mencionadas previsão de compra ou sugestão
desse tipo de material.
97
. Estado nutricional;
· Autopercepção do estado nutricional e da imagem corporal;
· Conhecimentos sobre alimentação e nutrição;
· Atitudes e hábitos alimentares;
·Hábitos alimentares e características socioeconômicas dos pais e
responsáveis;
· Referências sobre alimentação e nutrição (fontes de conhecimento);
· Perspectiva sobre a participação da escola e do Estado na formação dos
hábitos e comportamentos alimentares (COSTA et al., 2010, p.134).
O projeto amplia suas perspectivas a partir de 2012. As ações que eram até
então desenvolvidas pelo Fundo Nacional do Desenvolvimento da Educação (FNDE)
e pela Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO)
passam a ter como parceiro o Núcleo de Gastronomia do Centro de Excelência em
Turismo da UnB (CET/UnB), incorporando a gastronomia como um dos seus eixos
pedagógicos. A intenção é a valorização de ingredientes e receitas regionais, das
técnicas culinárias de preparo de alimentos e da experiência dos sabores e aromas
e, ainda, impactar positivamente na qualidade sensorial e na apresentação das
refeições escolares. A estratégia proposta é a formação de nutricionistas,
coordenadores pedagógicos dos sistemas de ensino e representantes do Conselho
de Alimentação Escolar dos municípios participantes, os quais posteriormente
devem realizar um curso de 48 horas de duração para no mínimo 20 diretores de
escola/coordenadores pedagógicos, 10 merendeiras e 30 professores (CET/UnB;
09.04.2012 www.cet.unb.br).
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Quadro 1: Teses e dissertações com o assunto “horta (s) escolar (es)” encontradas no Banco
de Teses da CAPES publicadas entre os anos de 2000 e 2012
Ano Título (Sobrenome Área Tipo de estudo Local Objeto/
do autor) Objetivo
2002 Avaliando Estratégias Ensino de Qualitativo/Quantitativo Piratininga- Analisar os
de Educação Ciências e SP/escola na impactos de um
Ambiental para a Matemática zona rural programa de
Zona Rural educação
(RIBEIRO, 2002) ambiental em
uma escola rural.
2003 A horta como Ciências Quantitativo/Qualitativo Florianópolis- Avaliar a horta
estratégia de Agrárias SC/ creche em uma
educação alimentar estratégia
em creches interdisciplinar
(MAGALHÃES, de educação
2003) alimentar.
2004 Construção coletiva Ensino em Qualitativo Estrela- Avaliar a
de uma horta escolar: Ciências e RS/escola repercussão da
repercussões entre os Matemática pública de construção
alunos participantes ensino coletiva de uma
(PETTER, 2004) fundamental horta escolar nos
hábitos de
higiene e saúde
dos escolares
participantes
104
mudança de comportamento dos diversos atores (alunos). Como produto foi criado
um folder explicativo para divulgação da implantação e gestão da horta, propondo
também para planejamento e gestão do plantio a utilização de um suporte técnico,
um software específico. No resumo não há referência às ações desenvolvidas em
educação ambiental e nem aos alimentos a serem produzidos ou ao consumo dos
mesmos.
Gonçalves (2004), em seu estudo Comunidade de insetos em hortas
escolares..., traz, explicitamente, o foco na utilização da horta como apoio ao ensino
de um tema específico da disciplina ciências. Foi realizado em 69 escolas públicas e
buscou avaliar as possibilidades de abordagens didádico-pedagógicas oferecidas
por uma horta escolar a partir de sua caracterização como ilha de diversidade
biológica no ambiente urbano. As escolas em áreas rurais apresentaram as maiores
hortas; em 78% das escolas a horta é utilizada como recurso didático e a escolha
dos cultivos é definida de acordo com a utilização na merenda escolar. A partir dos
resultados obtidos, sugere-se a utilização da armadilha de solo adaptada para coleta
de insetos vivos, possibilitando seu uso em atividades de Ciências. Cabe destaque
para as informações sobre a utilização das hortas como recurso didático e dos
cultivos escolhidos em função da merenda escolar, o que pode criar possibilidades
para outras discussões que relacionam modelos de agricultura e a diversidade
biológica, entrelaçando discussões sobre questões ambientais e alimentação.
Na segunda pesquisa, Horta Escolar como espaço didático para a
educação em Ciências... (BRANDÃO, 2012), o foco recai no processo, nos
elementos envolvidos na execução da atividade. É declarado o propósito de
compartilhar reflexões e conclusões sobre os mecanismos de implantação de duas
hortas em escolas públicas e identificar os avanços, limites e possibilidades de
intervenção que contaram com a participação de toda a comunidade escolar e do
entorno. É informado que os dados foram obtidos a partir da experiência social dos
diversos sujeitos inseridos no processo e que a horta é analisada como espaço de
aprendizagem. A pesquisa traz como conclusão que a aprendizagem mediada pela
interdisciplinaridade, pela motivação, pela contextualização, pela problematização e
pelo diálogo se faz com participação de todos e muita dedicação. Acrescenta, ainda,
que hortas escolares são espaços híbridos e dinâmicos, promovendo uma
aprendizagem significativa e capaz de superar a lógica da educação bancária,
formando cidadão críticos e reflexivos, dentro de um contexto freiriano. Menciona
109
experiência concreta e outro que traz uma discussão teórica sobre o tema. Um
terceiro é um estudo feito a partir da horta. Os demais somente fazem alusão à horta
escolar, mas foram mantidos na tentativa de trazer mais informações sobre um tema
com raras publicações.
Quadro 2: Artigos científicos com o assunto “horta (s) escolar (es)” encontrados na base de
dados SciELO e no Portal de Periódicos da CAPES publicados entre os anos de 2000 e 2013.
Ano Base de Títulos Área de Publicação Temáticas
Dados conhecimento
Scielo A horta escolar na educação Ciências Extensio: Horta escolar para a
2008 CAPES ambiental e alimentar: Agrárias Revista Educação ambiental
experiência do Projeto Eletrônica de ea
Horta Viva nas escolas Extensão, 2008, Educação alimentar
municipais de Vol.5(6),
Florianópolis(MORGADO e pp.57-67
SANTOS, 2008)
CAPES Estudo etnobotânico na
2009 educação básica Educação Poiésis, 2009, Plantas medicinais
(SILVEIRA e FARIAS, Vol.2(3), p.14 na escola
2009)
3
Com o intuito de atualizar as informações foi realizada uma nova busca no dia 05/03/2015 nas mesmas
condições utilizadas anteriormente. Foram encontrados: um artigo relatando o conteúdo de uma das
dissertações exibidas, School Gardens in the Distrito Federal (BERNARDON et al., 2014), oriundo da área da
Saúde e quatro dissertações: A construção de conhecimentos em um Projeto de Horta numa classe de 2º ano
do Ensino Fundamental (BELIZÁRIO, 2012), A formação continuada de professores e suas implicações na
promoção da alimentação saudável na escola (OLIVEIRA, 2011), Denúncias como indicativo na melhoria do
programa nacional de alimentação escolar(URU, 2011) e Aulas práticas sobre educação ambiental ministradas
em uma escola pública de ensino fundamental de Fortaleza-CE (PARENTE,2012). A primeira, da área da
Educação, analisa os conhecimentos produzidos em um projeto com horta e entre as demais da área de Ensino
de Ciências e Matemática, uma apresenta resultados prático-pedagógicos do Projeto Educando com a Horta e
as outras duas apenas citam a horta entre outras atividades. As datas das dissertações mostram que foram
produzidas no período abrangido pela busca anterior, porém, não estavam disponíveis na ocasião.
126
uma premiação nacional sobre gestão local do PNAE. O terceiro é composto por
registros de uma experiência emblemática com horta em escola urbana
desenvolvida, também por elementos de nossa equipe, a partir de pesquisas e
ações anteriores sobre o tema e intenso exercício multidisciplinar da práxis. Esses
registros compõem o corpus da investigação e foram exaustivamente lidos e estão
representados na figura abaixo:
UA. A =
Fragmentação do Unidades
material A de análise
de A
• A. Mapeamento e
delimitação da Alimentação
Escolar no Brasil Elementos de significado:
Textos: TRANSCRIÇÕES DE frases, parágrafos ou partes
ENTREVISTAS maiores
UA.A.CO [...] ela vai aprender desde cedo que alimentar-se bem é alimentar-se
variadamente.
tem. É dessa forma, mas não era isso que acontecia, as crianças simplesmente
vinham pra cá, capinavam, plantavam, não dava certo [...]
UA.A.N [...] Duas coisas que ele pensou, ele era professor de Ciências [...]
UA.A.SE [...] Eu tenho uma grande vivência na terra, eu sou de família de
agricultores no interior. Então, eu sei lidar...
UA.A.SE [...] tivemos que tirar a grama, que tava plantada, né? Aos
pedacinhos, com as crianças, cavar em volta [...] eu trouxe um regador de casa, [...]
teve um pai que trabalhava na prefeitura como... um serviço de jardinagem, foi que
trouxe umas, uma significativa ajuda [...] ele trouxe mesmo, adubo orgânico, trouxe
vários sacos, né? De adubo, de terra, adubo orgânico, doou ainda uma, uma
enxadinha, uma pazinha, e tal e é com isso que a gente trabalha até hoje.
foram analisados textos de autoria da equipe da ONG para melhor compreensão dos
processos da premiação.
O Boletim de Desempenho 2012 (FOME ZERO, 2012) descreve os processos
para a realização da premiação e traz informações que contextualizam os
formulários a serem analisados posteriormente e que expressam algumas
concepções dos idealizadores da premiação.
A seleção e a premiação dos municípios são feitas a partir de indicadores
baseados na aplicação de recursos orçamentários provenientes do PNAE e da
própria prefeitura, na qualidade nutricional da merenda oferecida, na participação
dos Conselhos de Alimentação Escolar e em iniciativas da administração pública
que resultem na promoção do desenvolvimento local.
Em 2012, 929 prefeituras de todo o Brasil inscreveram-se para a premiação, o
que representa 16,7% dos municípios brasileiros. Dentre elas, 577 foram efetivadas
e passaram por um processo de avaliação regionalizado que incluiu etapas
quantitativas e qualitativas. 107 destes municípios foram mais bem avaliados e
analisados pela Comissão Julgadora, e 45 foram categorizados como finalistas e
receberam visitas técnicas. Após a análise dos relatórios elaborados a partir das
visitas técnicas, 29 prefeituras foram contempladas com o Prêmio (FOME ZERO,
2012).
Ao compararmos a presença de hortas ao longo dos anos, observamos um
crescimento da mesma no concurso. Entre os inscritos em 2004, as hortas estavam
presentes em 25,4% do total de escolas e, no caso dos inscritos em 2005, em
29,6%. As hortas são mencionadas como empreendimento criativo e com impacto
positivo no sistema de alimentação escolar (BELIK e CHAIM, 2009). O aumento
progressivo das hortas no país é reforçado no Boletim/2012 que informa a sua
existência em 61,0% num universo de 568 inscrições (E não nos 577 efetivamente
inscritos!). É importante lembrar que nos dados do INEP (de 1994!) esse percentual
foi de apenas 4,0 %.
O conteúdo do Boletim com informações sobre a premiação da AFZ e das
experiências relatadas reflete, além dos dados fornecidos pelos municípios e
aferidos in loco pela equipe de avaliação da premiação, o entendimento que a
mesma tem sobre a temática.
A premiação declara atenção ao constante na resolução CD/FNDE nº 38,
considera as hortas escolares, assim como a inserção do tema alimentação
143
Projeto:
Secretaria municipal de:
Nome:
Telefone:
E-mail:
1. Qual o objetivo deste projeto, como surgiu a ideia de realizá-lo?
2. Quando o projeto começou? Ele ainda está em execução?
3. Onde ele é realizado e quais os beneficiários?
Tema:
Estado:
Região:
Subtema:
Município:
Status de Aprovação:
4. Quais pessoas/setores envolveram-se no planejamento e na execução deste projeto?
5. Houve parceria para sua realização? Quais?
6. Descreva como ele foi executado:
7. Quais os resultados alcançados?
8. Quais as dificuldades para a implantação do projeto?
Quadro 3: Distribuição de hortas por regiões do país, entre os inscritos para o Prêmio gestor
eficiente da merenda escolar em sua versão 2012, nos 91 formulários disponibilizados.
Inscrições Com Premiados no item Total de
Regiões em 2012 hortas Hortas por estado Eficiência e formulários
Est Educ. Alim. Nutric.
Santa Catarina-16
SUL 185 65% Rio Grande do Sul- 7 31
Paraná- 8
São Paulo- 14
SUDESTE 225 62% Minas Gerais- 10 28
Rio de Janeiro- 2
Espírito Santo -2
Paraíba- 5
NORDESTE 95 53% Bahia- 4 Formulário 29(CE)
Ceará- 4
Pernambuco- 2 17
Sergipe- 1
Rio Grande do
Norte- 1
Pará- 5
NORTE 26 58% Acre- 1 Formulário 8 (PA)
Rondônia – 1 09
Tocantins- 1
Amazonas- 1
Mato Grosso- 3
CENTRO- 46 63% Goiás- 2 Formulário 69 (GO) 06
OESTE Mato Grosso do Sul-
1
TOTAL 577 61% 91 3
Sob a ótica dos referenciais teóricos que orientam esta investigação, não foi
possível identificar, nesses três formulários, elementos que confiram distinção das
hortas dos municípios premiados em relação aos demais na contribuição para a
Educação Alimentar e Nutricional aqui defendida. Aparentemente, a horta não teria
sido um fator determinante (ou muito relevante) para a escolha ou os critérios
adotados na avaliação podem ter valorizado procedimentos criticados nesse
trabalho. O destaque dado no Boletim à hidroponia na experiência do Formulário 29
corrobora a segunda opção. Como na maioria das experiências, fala-se em tornar a
alimentação escolar mais saudável, em mudar hábitos alimentares, em aprendizado
de técnicas de plantio e apenas o Formulário 8 menciona a produção orgânica.
Na totalidade do material, selecionamos para análise em bloco os 31
formulários com expressões que podem indicar opção ou busca por um modelo de
agricultura contra-hegemônico, acreditando que estes poderiam trazer,
coerentemente, mais aspectos relacionados à compreensão ampla da realidade e
possibilidades contra-hegemônicas.
I.a Modelo de agricultura
• 2 incluem horta orgânica no título do Projeto;
• 2 (diferentes do item anterior) incluem horta orgânica nos demais itens;
• 17 incluem a expressão orgânica(s)/orgânico(s) precedidos de termos
como alimento(s), produto(s), adubo(s), composto(s) (excluindo aqueles dos itens
anteriores);
• 08 incluem os termos sem/livre agrotóxicos (excluindo aqueles dos itens
anteriores);
• 01 inclui sem aditivos químicos (excluindo aqueles dos itens anteriores);
• Um já incluído nos itens anteriores fez referência a veneno;
148
F.72 [...]. Como a escola está inserida na zona rural e todos os alunos são
filhos de agricultores [...] possamos envolver cada pai nesse modelo de agricultura e
que assim, aprendam com os filhos que existem outras formas de obter uma renda
dentro da pequena propriedade e, além disso, que é possível fazer tudo isso
obedecendo aos critérios da sustentabilidade.
F.78 Despertar os alunos da zona rural para a importância do uso adequado da
terra para produção de alimentos orgânicos e seu consumo para garantir uma
qualidade de vida.
F.51 ESCOLA URBANA Contextualizar os conteúdos aos problemas da vida
urbana.
F.64 Dificuldades: tamanho do espaço para a criação das hortas – algumas
escolas têm feito canteiros suspensos e nos muros.
IV Desenvolvimento da atividade
153
F.61 [...] os alunos, junto com os técnicos e os pais, preparavam a terra dos
canteiros para o plantio. E após era realizado o plantio, cada participante plantou
uma muda. Os próprios alunos realizam a manutenção da horta escolar.
F.72 O projeto é realizado com o auxílio das turmas do 6º ano à 8ª série, que
ajudam no preparo dos canteiros, bem como no plantio de mudas de hortaliças
produzidas na própria escola, também auxiliando na limpeza dos canteiros e
manutenção do minhocário...
F. 73 Todas as atividades envolveram os alunos da escola.
F. 83 As crianças têm a responsabilidade de ajuda na horta, regando, retirando
as ervas daninhas e também ajudando na colheita.
F.88 Ele é realizado na escola com a participação de todos os alunos, desde o
berçário até o 1º período, com alunos de 4 anos. A turma do berçário e grupo de 1
ano cultiva o tomateiro na porta das salas, pois as crianças ainda não conseguem se
locomover diariamente para a horta. As turmas de 2, 3 e 4 anos visitam diariamente
a horta, com rodízio dos alunos para a observação e cuidados necessários.
[...] uma educadora que montou um cronograma de horários com a
participação de todas as salas diariamente na horta, pomar, jardim e galinheiro. De
40 em 40 minutos 5 alunos de cada turma são convidados na sala de aula para
participarem de Projeto, de forma que durante a semana sua presença é garantida
pelo menos uma vez.
canteiros sempre acarreta meias discussões a respeito de quem vai fazê-la. Para
2012, estamos implementando um plano de ação para estimular e motivar os
profissionais a realizar a manutenção das hortas, sejam professores, alunos, vigias,
merendeiras, etc.
F.58 Escassa mão-de-obra para a construção dos canteiros e transporte para
insumos [...].
F.74 Garantir a participação efetiva de todos os alunos; mudança dos maus
hábitos alimentares.
F.77 A falta de conhecimento técnico foi a maior dificuldade. Assim como o
planejamento de como trabalhar a horta de forma interdisciplinar em sala de aula a
longo prazo.
F.89 [...] encontrar um profissional com perfil para trabalhar com Horta Escolar
e as etapas de limpeza e preparação do terreno a ser cultivado.
V Resultados alcançados
V.a Inserção de alimentos na alimentação escolar
F.1 Hoje as hortas abastecem em torno de 50% da demanda das escolas [...]
F.86 Produção de hortaliças orgânicas para complementação da merenda
escolar [...]
V.e Conscientização
F.4 Conscientização sobre a importância das vitaminas na alimentação [...].
F.45 A conscientização da importância e do valor nutricional dos alimentos
produzidos sem agrotóxicos, a produção de hortaliças para a merenda escolar e a
valorização de amor pela terra.
F.52 [...] maior conscientização dos alunos em consumir alimentos saudáveis...
F.85 [...] Conscientização sobre uma alimentação saudável.
4.2.1.3 Material C: registros referentes ao projeto Horta escolar urbana: espaço para
a construção de práticas educativas inovadoras para a educação em ciências e
saúde.
4
Entre os estudantes de Iniciação Científica, mestrandos, doutorandos e colaboradores nos projetos temos
tido membros oriundos de diferentes áreas de conhecimento como Educação, Sociologia, Biologia, Veterinária,
Artes, Enfermagem, Psicologia, Nutrição, Gastronomia e Comunicação.
160
cada qual com 25 estudantes e seus respectivos dois professores. Ocorreram, ainda,
algumas ações menos regulares e em horários alternativos a fim de atender outras
turmas.
Foram usados recursos auxiliares como vídeos, fotografias, livros, jogos e visita à
unidade de pesquisa agroecológica. Muitas ações tiveram desdobramentos conduzidos
pelos estudantes em seus lares e outras foram elaboradas considerando os saberes
trazidos desses espaços.
Ao final de cada ação, os três responsáveis pela aplicação do projeto redigiam
relatórios que eram trocados por meio eletrônico e submetidos aos demais adultos da
equipe permanente para complementações e ajustes, resultando em um relatório
amplo.
Trata-se de uma experiência emblemática para os objetivos da pesquisa por ter
sido concebida a partir da análise de ações pretéritas, da assunção do esforço
contra-hegemônico e da aproximação dos referenciais teóricos que embasam a
presente investigação. Houve a intenção de desenvolver uma estrutura que
propiciasse a implantação e manutenção da horta escolar para o desenvolvimento,
experimentação, avaliação e reformulação de práticas educativas que
perpassassem a mesma.
As ações foram orientadas pelo enfoque CTS (AULER e BAZZO, 2001) e pelas
críticas feitas ao processo que culminou com o modelo agroalimentar instalado no
Brasil e pelas proposições de modos alternativos de produção apoiados nos
conhecimentos construídos historicamente pelos camponeses em sua relação
próxima com seu entorno (MOREIRA, 2000). Desse modo, a horta foi concebida
para o espaço escolar urbano como ação pedagógica potencialmente capaz de
contribuir para ampliar a compreensão das produções e intervenções tecnológicas
no ambiente e de suas respectivas consequências, alicerçando a postura
questionadora desejável em professores e em escolares nas aulas orientadas pelos
objetivos CTS. Reconhecem-se as especificidades da agricultura brasileira ao serem
consideradas situações históricas que resultam em sentimentos diversos e, por
vezes, conflituosos em relação à sua prática, resultando no entendimento de que a
agricultura pode ser um instrumento pedagógico que permite refletir também sobre
as dimensões que envolvem afinidades e rejeições pelo seu exercício (SILVA et al.,
2011).
162
IV Desenvolvimento da atividade
IV.a Habilidades e conhecimentos necessários para elaborar e conduzir a
atividade
UA.C Ontem apareceram mais três alunos que mostraram interesse em
participar da oficina de hortas. Eu, que sou "desse jeito permissivo", deixei. Só que
eles atrapalharam o tempo todo.
UA.C [Os agrônomos] forneceram orientações técnicas, inclusive alertando
sobre alguns descuidos e equívocos cometidos no plantio dos rabanetes [...]
UA.C Oficina com professores - [...] eu tive vontade de fazer, mas imagina,
não sabia fazer nada, eu levava minha turma lá pra trás, alguns alunos muito
interessados pegavam a enxada, a gente capinou o terreno primeiro, mas aconteceu
que mais de 40 alunos naquele espaço, (um queria usar a enxada no pé do outro)
então a coisa não funcionou, infelizmente não deu pra andar, e eu fiquei meio
frustrada, porque era uma coisa que eu queria ter conseguido fazer, mas não deu.
(professora de Ciências)
UA.C Informei-lhe [ao aluno] que o papel dos mais velhos é fundamental para
apoiar nosso trabalho como monitores dos mais novos. Falei que há atribuições
diferentes de acordo com a idade [...].
UA.C [meninas dessa turma estavam resistentes em relação ao trabalho na
horta] Reforçamos a discussão retomando o assunto da visita à Fazendinha, UFRRJ
e ao CETUR, onde teriam a oportunidade de ver várias meninas no curso de
Agroecologia (ensino médio), na Universidade fazendo graduação em Agronomia,
Veterinária e, na Fazendinha, as pesquisadoras nessas áreas. Além da [nome] e da
[nome], que são as agrônomas que nos assessoram tecnicamente [...]. Elas foram
conosco e passaram a observar o trabalho dos meninos.
[...] Num dado momento, elas decidiram que também queriam trabalhar e três
delas pediram para colocar as luvas e as botas. Alguns meninos fizeram piadinhas e
algumas brincadeiras maliciosas, foi quando [membro da equipe] sugeriu que
fizessem um canteiro, sozinhas [...]. Essa estratégia funcionou muito bem. Alguns
meninos (outros mais “sérios”) se aproximaram do canteiro delas, ensaiaram uns
palpites e passaram a ajudar, embora elas tenham demonstrado autonomia e
empenho no serviço.
Troca de e-mails entre três membros da equipe executora do projeto
sobre a preparação da atividade de colheita, de preparo e de consumo do
alimento cultivado:
UA.C membro 2 [...] Como envolvê-los, como motivá-los, como sensibilizá-los
para essas reflexões? Durante a semana, pensei várias vezes nesses rabanetes e
não conseguia fechar uma proposta consistente e interessante [...] Podemos
preparar uma sessão cronológica de fotos e exibir no P.P. dando "concretude" ao
que já fizemos e à importância da participação de cada um. [...] seria o caso de
pensarmos numa receita bem interessante, mesmo que usemos/levemos outros
ingredientes [...] vasilhas para um manuseio organizado e esteticamente bonito...
No corpo do relatório do dia 20/08/2012 uma descrição da atividade
desenvolvida
UA.C membro 1 [...] Depois colheu-se a rúcula [...] A [membro da equipe]
sugeriu à professora que viesse junto à horta, pois às vezes a mesma se mantém
afastada da atividade.
168
[...] Logo após, os alunos foram conduzidos para a sala. A [membro da equipe]
fez uma exposição das fotos que mostram o desenvolvimento do trabalho feito
desde o começo do projeto [...]
O petisco foi composto de 1/6 de fatia de pão integral, rodela de rabanete e
folhas de rúcula temperadas com azeite e sal e um pedaço de queijo minas padrão
espetados por um palito.
Organizamos o refeitório com uma bancada frontal para a exposição e cadeiras
em forma de U para os estudantes.
[...] A bancada estava arrumada e as bandejas para a degustação já estavam
prontas quando os alunos chegaram. O [membro da equipe] fez uma exposição
sobre os ingredientes utilizados e a origem desses alimentos; fez a demonstração da
preparação de forma sutilmente bem-humorada. Foi feita a degustação do espetinho
que foi servido aos alunos e depois eles foram convidados a experimentarem só o
rabanete e a rúcula separadamente.
Os alunos gostaram do espetinho e repetiram algumas vezes, mas ao
provarem a rúcula e o rabanete puros, faziam caretas e comentários “é muito forte”
de forma tranquila e educada. Percebemos que a postura dos alunos foi de atenção
e respeito para com a atividade, possivelmente pela forma organizada e bela que
esta atividade foi desenvolvida.
Aqui, a mesma atividade é descrita em e-mail do membro 2 da equipe
executora para o coordenador do projeto
A coisa foi bem planejada: colheita com certa "solenidade"; exposição das
fotos/ comentários das etapas percorridas até aqui e, enquanto isso, foi preparado o
refeitório para uma demonstração culinária (tipo programa de TV). O [membro da
equipe] (escolhemos, de propósito, para a reflexão de gênero) atacou de CHEF, de
avental vermelho, numa mesa arrumadinha e bem colorida, com os
petiscos/espetinhos coloridos compostos de quadradinhos de pão de forma+
rodelinha de rabanete+ queijo + rúcula, temperados com azeite, sal, alho torrado,
orégano e gergelim... bandejas com paninhos brancos bordados.... Falou sobre a
importância do ato de cozinhar e sobre cada ingrediente, origem... (e eles super
atentos!) que deixamos estrategicamente expostos... Fez a demonstração da
montagem do pestisco e em seguida comeu com prazer. A seguir, servimos... Eles,
que normalmente são meio truculentos, se mostraram super educados e até as
reações ao amargo, picante, foi tranquila. Nenhum deles havia provado antes
169
V Resultados alcançados
V.c Melhoria na aprendizagem em geral
UA.C A adjunta e a coordenadora manifestaram muita satisfação com o
trabalho que tem sido desenvolvido, em função dos relatos dos professores das
turmas envolvidas e com os funcionários. Estão surpresas com o interesse e
comportamento dos alunos nas atividades da horta, dando a entender que eles já
não tinham “esperança” no envolvimento destes alunos.
IV Desenvolvimento da atividade
IV.a Habilidades e conhecimentos necessários para elaborar e conduzir a
atividade
IV.b Forma de participação dos estudantes
IV.c Material utilizado
IV.d Segurança e adaptações do espaço físico
IV.e Dificuldades e formas de superação
IV.f Participação da comunidade escolar e entorno (não estudantes)
IV.g Estratégia didática
V Resultados alcançados
V.a Inserção de alimentos na alimentação escolar
V.b Aumento da aceitação/consumo de verduras e legumes na escola
V.c Melhoria na aprendizagem em geral
V.d Integração entre os membros da comunidade escolar e desta com o
entorno
V.e Conscientização
V.f Aquisição de conhecimentos técnicos sobre agricultura
V.g Formas de avaliação
V.h Disposição para a experimentação de novos sabores
Figura 6: Totalidade das categorias de análise, e respectivas subcategorias, obtidas a partir da
síntese das unidades de análise.
175
também se fará presente nas discussões dos itens subsequentes, sempre que se
fizerem necessários os contrapontos.
A educação ambiental crítica alerta sobre a visão utilitarista que tem marcado a
relação humana com os demais componentes da natureza. O caráter das atividades
agrícolas pode potencializar essa visão e permear o desenvolvimento das ações
com a horta, mesmo quando são expressas preocupações ambientais. Afirmações
como: a hortelã é uma erva que serve para (UA.A.SE) [grifo nosso]..., pode indicar
o quanto o valor das plantas é medido pela sua utilidade direta ao ser humano e
reforça aquele modo de se relacionar com o ambiente.
A definição de aspectos da realidade de forma dicotômica [...] já tô formando a
personalidade dele [...] “oh isso é bom pra você, isso é ruim, o quê que você
escolhe?” (UA.A.SE) limita a problematização, a identificação de nuanças, de
gradações, reduz as alternativas.
A ciência e seus produtos podem ser compreendidos, também por educadores,
como um conjunto de conhecimentos de extrato superior, produzido por seres
iluminados e isso se refletirá na ação pedagógica: [...] eles fizeram um
EXPERIMENTO FANTASTICO [...] (UA.A.SE) [A ênfase nas palavras em destaque
foi dada pela professora entrevistada]. A idealização de um modelo de progresso e
de forma de desenvolvimento incutida na população brasileira pode promover o
deslumbramento em relação à ciência e aos produtos da tecnologia que, por vezes,
enviesa a visão crítica requerida numa ação pedagógica.
Ilustra bem a reflexão anterior o fato da experiência com horta hidropônica
merecer destaque da equipe da premiação AFZ, o que pode revelar exaltação a uma
tecnologia que reforça uma lógica produtivista e que, no contexto brasileiro, pouco
ou nada acrescenta às reflexões que visem a uma horta escolar no ensino
fundamental.
O Formulário 29 descreve a experiência acima mencionada, desenvolvida em
um dos municípios premiados. Reforça aquele deslumbramento quando em seus
objetivos pretende contribuir com uma alimentação mais saudável e ao mesmo
tempo a mudança cultural nos hábitos alimentares. Sendo a hidroponia uma técnica
extremamente artificializada de cultivo, questiona-se o conceito de alimentação
saudável sugerido e a mudança cultural pretendida. Há, ainda, o complemento,
fazendo exaltação ao reconhecimento da excelência da iniciativa pelo prefeito e pela
secretária de educação da cidade, sem que se justifique tal qualificação.
192
atividade prática não assegura necessariamente que haja participação ativa dos
escolares. Embora esta seja favorecida com ações nesse molde, é possível que
sejam alterados o espaço e os recursos de aprendizagem mantendo-se a lógica
transmissão-recepção.
Muitas das experiências analisadas mostram uma preocupação no
aperfeiçoamento técnico, por vezes, em primeiro plano, especialmente naquelas
escolas localizadas em áreas rurais (UA.A.N), com a intenção de introduzir práticas
ecologicamente mais adequadas, ou seja, ensinar e incentivar técnicas orgânicas
[...] valorizando a agricultura, melhorando o meio ambiente com técnicas
sustentáveis (F.13).
A relação da horta com o PNAE, manifestada em grande parte das
experiências, pode sinalizar para uma visão restrita de função de complementação
de gêneros alimentícios. Quando o objetivo principal expresso da horta é a produção
pra merenda (F.8; UA.A.N), manifestando necessidade de reforçar e enriquecer a
merenda escolar (F.26) ou a sua melhora na qualidade (F.37) ou trazer variedade no
cardápio (F.42; F.54; F.68); conseguir redução de gastos com a mesma para poder
investir na compra de outros itens para complementar a merenda [...] (F.68), há
indicação de falhas no cumprimento do expresso no escopo do PNAE. Não parece
que a produção de hortas escolares para a realização de atividades com os
estudantes e a utilização dos alimentos produzidos na alimentação ofertada na
escola sugeridos pela Portaria Interministerial 1010 (BRASIL, 2006) caminhe nesse
sentido. Entende-se que a vinculação dos produtos da horta ao consumo na
alimentação escolar não deveria se pautar numa carência de qualidade ou
quantidade desta última.
Espera-se que a horta seja aliada do PNAE no favorecimento de ações
voltadas à Educação Alimentar e Nutricional, sendo possível perceber um número
expressivo de escolas que relataram utilizar a horta como espaço de promoção da
alimentação saudável (BERNARDON, 2011). Assim, as hortas têm sido
consideradas, nesses projetos, como uma estratégia (F.5) importante para ensinar
escolares a se alimentarem melhor, favorecendo a aceitação dos alimentos
oferecidos pelo PNAE. A horta, ao associar cultivo e consumo, funcionaria como
uma ferramenta para incentivar os alunos a consumirem verduras e legumes (F.4).
O entendimento da infância como o momento propício à aprendizagem
alimentar e o fato de grande parte desse período ser a vivência escolar são
195
reforçados na afirmação de que a criança vai aprender desde cedo que alimentar-se
bem é alimentar-se variadamente (UA.A.CO). A FAO reitera esse objetivo quando
afirma que as hortas escolares comprovadamente promovem a nutrição infantil ao
aproximarem as crianças da horticultura (FAO, 2012). Porém, há estudos que
indicam a necessidade de aprofundamento desses resultados a fim de avaliar
melhor o uso e o impacto da horta como instrumento de promoção da alimentação
saudável nas escolas, uma vez que a maioria dos trabalhos científicos omite
aspectos importantes do processo pedagógico da atividade (BERNARDON, 2011;
SANTOS, 2012).
A percepção dos atores sociais do espaço escolar em relação à horta, de um
modo geral, não desvincula alimentação e meio ambiente, assim, na prática, os
objetivos para esses dois campos se integram porque quando você trabalha essa
questão da alimentação saudável e aí vem carregando uma série de questões ali,
principalmente em relação à questão do meio ambiente, porque tá relacionado.
Nesse bojo defende-se um trabalho estruturado e contínuo, tendo em conta que as
crianças das séries iniciais irão permanecer anos nessa escola (UA.A.N). Objetivos
que articulam alimentação e meio ambiente ganham destaque em bairros urbanos
de classes populares pelo entendimento de hortas como um ambiente saudável
capaz de promover conexão com a natureza (FAO, 2012).
Um objetivo para hortas escolares que guarda coerência com o proposto na
horticultura terapêutica é a inclusão de estudantes com dificuldades de
aprendizagem. Há a aposta de que os estímulos de vários sentidos proporcionados
pelo contato com a terra e o alimento [...] podem proporcionar ao aluno
conhecimento. É a sensibilização do aluno especial [...] a horta traz pra eles uma
oportunidade, de aprendizado, entendeu? (UA.A.SE). Nesse caso, estariam
incluídos estudantes considerados com necessidades especiais, de ordens distintas,
e também os que assim não são classificados, mas que não se adaptam bem aos
métodos convencionais de ensino. Vale ressaltar que o estímulo multissensorial,
como já mencionado, pode favorecer maior interação interpessoal e o aprendizado
de qualquer indivíduo.
Os objetivos relacionados ao Ensino de Ciências, inevitavelmente, se fazem
presentes ora de forma mais restrita à disciplina, como no caso em que se privilegia
um conteúdo específico constante no livro como a germinação (UA.A.SE), ou mais
ampla, tendo em vista o tema alimentação abordando questões como: processos de
196
técnicos para a agricultura, como a incidência solar, devem considerar o fácil acesso
e a visibilidade aos estudantes de modo que a horta esteja integrada ao contexto
escolar como um equipamento pedagógico e não como um apêndice. É necessário
também que sejam favorecidos os deslocamentos dos estudantes durante a
atividade.
Em alguns daqueles relatos foi encontrada correspondência com movimento
recente voltado para a estética dos canteiros, concretizado em novas formas
geométricas e cores e que pode ser conferido em diversas fotografias de hortas
escolares publicadas na Web. Aparece também o apelo à participação dos
estudantes nessa composição [...] a parte referente ao paisagismo foi feita com
desenhos de autoria dos alunos (F.14).
Podemos encontrar correlações com as características da agricultura urbana,
na qual as concepções de jardinagem influenciam na organização e na estética
agrícola [...] foram criadas hortas aéreas, em formato de mandalas e até como
canteiros de muros (F.33).
Considerar o impacto visual positivo e o ambiente agradável como parâmetros
importantes para o processo de aprendizagem pode incluir escolhas de cores e
formas, preparação de áreas sombreadas com bancos, por exemplo, sempre com
respaldo em avaliações de suas funções pedagógicas.
Ao lado da questão estética, aparece na escolha de materiais o apelo
ecológico: os canteiros serão construídos a partir de garrafas pet, possibilitando
economia e o reaproveitamento de materiais (F.56). Tal atitude nem sempre suscita
maiores reflexões pedagógicas, podendo ser apresentada como a reprodução de um
modismo.
Ainda na perspectiva ecológica, é frequente o uso do termo orgânico/orgânica
para adjetivar a prática em si (horta orgânica), seus produtos (alimento orgânico) ou
somente os insumos utilizados (adubo orgânico). Em relação ao adubo orgânico
podem ocorrer descuidos quanto à inocuidade do material e as formas de manuseio.
A falta de critérios no que se refere a sua origem pode, sem os devidos cuidados,
trazer risco de contaminação biológica: o adubo utilizado foi doado por uma mãe
(F.30). Há disponível, em lojas especializadas, algumas marcas de adubos
orgânicos tratados e livres de patógenos. Assim como é possível a preparação ou o
tratamento de adubos no espaço escolar, desde que sejam adotados técnicas e
cuidados apropriados.
200
outros materiais como garrafas plásticas. É preciso cuidado com a sedução por
escolhas “ecológicas” de materiais sem uma reflexão profunda sobre seus objetivos
e impactos educativos.
A inclusão da ergonomia e de elementos de proteção e segurança foi aprimorada,
também, com a participação dos estudantes na identificação de necessidades do uso
de outros itens. Assim, foram feitas, por todos, anotações em papel deixado sobre a
mesa para esse fim. Foram registrados: repelente, protetor solar, sabonete, varal
para secagem das luvas, vassoura, mais botas pequenas [...] (UA.C).
O empenho físico, rotineiro e reflexivo dos estudantes na execução das
atividades da horta pareceu ser um fator determinante na percepção de requisitos de
proteção e segurança individual e coletivo. O corpo em movimento laboral revela
suas demandas: [...] alunos que fizeram questão de dar continuidade à montagem
dos canteiros, desconsiderando a chuva fina que caia. Foi sugerida a necessidade
de adquirirmos capas de chuva (UA.C).
A diversidade de estudantes envolvidos nos trabalhos com a horta suscita a
observação das características peculiares e expõe inadequações em relação às
ferramentas usuais: [...] Adquirimos uma “enxada de jardim” e estamos estudando a
possibilidade de adaptá-la com cabo de vassouras ao uso de crianças menores. As
enxadas usuais são grandes e pesadas, impróprias para crianças (UA.C).
Além de botas, luvas, protetor solar, repelente, capas de chuva e adaptações de
ferramentas para crianças menores, foram também considerados importantes o uso de
chapéus para reforçar a proteção contra o sol, de aventais para evitar sujar o uniforme
escolar e a implantação de uma estrutura próxima com tanque e torneira que facilitasse
a higiene pessoal, das ferramentas e dos equipamentos.
Esses aspectos, ainda negligenciados no Brasil, foram observados na Quinta
Pedagógica na cidade do Porto/Portugal, na qual as escolas, ao levarem as crianças
para a atividade na horta, são orientadas sobre a adequação de roupas, calçados e uso
de chapéus ou bonés e de capas para dias chuvosos. Além disso, são usados aventais
e ferramentas de jardinagem apropriadas à idade. Também no Instituto Alícia/Espanha,
as ferramentas como enxadas, ancinhos, pás e carrinhos de mão são adequadas ao
tamanho dos estudantes.
Outra dimensão, já sinalizada, a ser considerada na elaboração da horta é que
esta tenha um desenho inclusivo. Os resultados da pesquisa sugerem diferentes formas
203
horta,” né? Dentro da caixinha, pegam pra usar lá no trabalho deles, quebram e
deixam lá atrás [...] (UA.A.SE).
A visão ingênua de que a prática da agricultura não exige conhecimentos
precisos faz com que alguns desavisados proponham ou se aventurem na execução
de hortas escolares até constatarem a falta de conhecimento técnico como a maior
dificuldade (F.77). Nesse caso, como já mencionado, é possível buscar apoio de
órgãos públicos que oferecem assistência técnica ou de algum prático, sem
descuidar do modelo de agricultura em questão. Dependendo da condição daquele
que prestará assistência técnica, solicitam-se somente orientações bem específicas,
por exemplo, de como fazer a programação de quantidade e ou rotatividade das
hortaliças nos canteiros (F.1).
Os conhecimentos técnicos podem contribuir na resolução ou na redução de
outros potenciais empecilhos como a sazonalidade climática, como no caso em que
é citado que as hortas declinam sua produção devido às chuvas intermitentes (F.11),
ou ainda, o desânimo provocado pela aparência da horta após o período de férias
escolares. Há equívocos nas formas de perceber a situação e que poderiam ser
resolvidos com soluções técnicas e abordagens educativas relativamente simples,
como plantios de culturas pouco exigentes e que possam crescer bem durante o
período de férias. Assim, no retorno das aulas, teremos não somente “mato”, mas
algo que possa ser colhido [...] (UA.C); ou esclarecimentos sobre o papel importante
da proteção do solo que desempenha o que nos acostumamos a chamar de “mato”
e, ainda, provocar conflitos entre a lógica de produtividade agrícola hegemônica e a
necessidade de repouso do solo.
Conseguir materializar a horta na escola e desenvolver um trabalho
pedagógico que atenda a novos objetivos não são empreendimentos fáceis quando
a formação do professor e toda a estrutura escolar estão presas a lógicas
incompatíveis. Nessa conjuntura é difícil fazer o planejamento de como trabalhar a
horta de forma interdisciplinar em sala de aula a longo prazo (F.77); garantir a
participação efetiva de todos os alunos (F.74); fazer adaptações para trabalhar com
alunos menores, tendo em vista que o CURRICULO é diferente... (UA.A.SE) [ênfase
dada pelo informante]; envolver outros atores sociais, como as merendeiras, uma
vez que pode-se deparar com as regras da empresa que não pode sair da
cozinha[...] (UA.A.SE); ou mesmo utilizar o espaço físico e equipamentos já
existentes na escola na preparação dos alimentos produzidos na horta, provocando
211
processo trabalhoso em grande parte dos relatos sob a alegação de que é difícil
mudar os maus hábitos alimentares (F.74) e que a criança teria dificuldade de
perceber a diversidade e a necessidade de mudança de hábitos, o que configura
obstáculos para introduzir um cardápio saudável no dia a dia (F.3). A superação
desses entraves não é apresentada de modo explícito.
A conscientização é classificada como problema e solução. Assim, a
conscientização dos alunos na mudança de hábitos alimentares foi exposta como
uma dificuldade, mas que teria sido ultrapassada a partir dela mesma, ou seja, a
mudança ocorreu a partir da conscientização: a maioria não tinha o hábito de comer
verduras e legumes – antes do projeto todas as verduras tinham que ser passadas
no liquidificador (F.4). É possível que, numa visão superficial, se entenda a
conscientização como simples tomada de consciência, porém, esta precisa ir além,
consistindo no desenvolvimento crítico da tomada de consciência (FREIRE, 2008, p.
30). Cabe, então, o aprofundamento da reflexão sobre o contexto em que a
expressão conscientização é utilizada para compreender qual o significado que lhe
está sendo atribuído.
A contribuição na integração social de grupos de escolares estigmatizados tem
sido uma das demandas das escolas para as hortas, porém, entendemos que ao
serem oferecidas atividades exclusivas para esses estudantes corre-se o risco de
reforçar a diferença destes ao invés de integrá-los. Uma vez estabelecida, tal
diferenciação passa a ser uma barreira para um trabalho coletivo heterogêneo
quando se observam atitudes discriminatórias: Explicamos que iríamos passar a
fazer as atividades junto aos alunos das turmas de Acelera [defasados série-idade].
Os alunos tiveram uma reação negativa (UA.C). A habilidade dos mediadores nos
diálogos e na organização das tarefas permitiu explorar o caráter cooperativo da
horta promovendo a integração de estudantes de diferentes séries, idades e sexos.
O desenvolvimento da horta na escola como uma prática educativa que agrega
conteúdos curriculares transversais demanda, para plenitude de suas ações e
objetivos, a participação não somente dos estudantes, mas de outros (senão de
todos!) os membros da comunidade escolar e do entorno da escola.
Tem sido comum o oferecimento da atividade na modalidade denominada
oficina sob a orientação de um técnico ou prático, na qual o escolar se inscreve e
participa no contraturno das aulas regulares ou, quando a atividade se dá no turno
regular, ocorre para toda uma turma ou mais na condição de extraclasse. Fato
213
O que plantar? Por que plantar alface e não feijão, arroz, aipim? Qual o
impacto pedagógico provocado por tais cultivos? A escolha criteriosa do que será
cultivado sobressai como um ponto fundamental. A submissão aos critérios de
plantios comerciais ou baseados na inserção na alimentação escolar inibem
ousadias mais ricas pedagogicamente. A escolha dos cultivos não pode somente ser
uma mera repetição do já tem sido feito. Em qual modelo essa escolha tem se
baseado?
É o momento de planejar e inquirir que dimensões podem ser trazidas para a
visibilidade a partir do alimento escolhido para o plantio, mesmo quando este for o
convencional, como aspectos sociais, culturais, culinários, afetivos, históricos,
ambientais, econômicos. Foi o que discutimos em relação ao plantio de feijão e
arroz, anteriormente. É possível suscitar o conflito de modelos desde os cultivos
escolhidos a partir de atividade de reflexão e registro sobre as etapas que vão da
produção até o consumo do alimento, usando, por exemplo, grãos de milho, fubá e
bolo de fubá (UA.C). As embalagens de derivados de milho trazem, atualmente,
informações sobre suas características genéticas, o que facilita a conceituação e a
problematização sobre alimentos transgênicos.
A troca de e-mails entre os membros do projeto de horta ilustra bem a angústia
e o esforço criativo para proporcionar aos estudantes um rico momento de
aprendizagem durante a colheita e o consumo, coerente com uma postura crítica ao
hegemônico e sem ser enfadonho. Como envolvê-los, como motivá-los, como
sensibilizá-los para essas reflexões? Durante a semana, pensei várias vezes nesses
rabanetes e não conseguia fechar uma proposta consistente e interessante. Como
resultados desse empenho coletivo surgiram estratégias pedagógicas com boa
acolhida pelos escolares e com impacto educativo avaliado como positivo (UA.C):
a) Antes da colheita foi organizada uma rememoração com exposição das fotos
que mostram o desenvolvimento do trabalho feito desde o começo do projeto
e a importância da participação de cada um;
b) Para o momento da colheita, a coisa foi bem planejada, lançou-se mão de
certa “solenidade”, para a percepção do valor do ato. Houve atenção para que
a professora não ficasse excluída, pois, às vezes, a mesma se mantém
afastada da atividade;
c) No momento do consumo do alimento cultivado, vários detalhes mereceram
atenção. O refeitório da escola foi organizado com uma bancada frontal para
217
Foi relatado, nas experiências com hortas, o alcance dos seguintes resultados:
a inserção de alimentos na alimentação escolar; o aumento da aceitação/consumo
de verduras e legumes na escola; a melhoria na aprendizagem em geral; a
integração entre os membros da comunidade escolar e desta com o entorno; a
conscientização sobre hábitos alimentares saudáveis; a aquisição de conhecimentos
técnicos sobre agricultura e a disposição dos estudantes para a experimentação de
novos sabores. Foram incluídas, permeando esses resultados, as formas como
ocorreu a avaliação.
A inserção direta dos alimentos produzidos na horta na alimentação escolar
aparece como objetivo recorrente como visto naquele item. Assim, há casos em que
esse objetivo é alcançado de modo significativo, chegando a abastecer em torno de
50% da demanda das escolas (F.1). Entretanto, mais importante do que a horta se
destinar a complementar quantitativamente ou qualitativamente as refeições
oferecidas na escola, o que estaria na cota do PNAE, é a possibilidade de reduzir ou
eliminar a rejeição de alimentos oferecidos pelo programa e até mesmo contribuir
para estimular a ampliação e diversificação do cardápio, promovendo a inclusão de
novos alimentos (F.27).
Assim, mesmo os muitos casos que elencam o objetivo de complementação da
alimentação escolar reconhecem que a principal mudança foi na aceitação e no
consumo de verduras pelas crianças (F.1; F.7; F.27; F.28; F.81; F.86), chegando a
alcançar consumo total dos produtos „hortaliços‟ ofertados na merenda escolar e,
consequentemente, a redução das sobras (F.29) com a aferição da diminuição de
desperdício em cerca de 80% em relação ao ano sem as ações relativas à horta
(F.81). Nos relatos é raro que os resultados apresentados venham acompanhados
de dados quantitativos, como no caso anterior, ou de explicações metodológicas
para as análises qualitativas. De modo geral, estes são apresentados a partir do
percebido pelos adultos que atuam cotidianamente no espaço escolar, portanto
relatos de merendeiras, professores e diretores que atestam mudanças significativas
no comportamento alimentar dos alunos ao observarem o aumento do consumo de
hortaliças no dia a dia, bem como o reconhecimento da manutenção de certa
resistência ao consumo de verduras (F.7).
Os relatos levam a acreditar que as mudanças alimentares mencionadas
ocorreram de modo generalizado nas escolas e foram influenciadas pela presença
da horta. Entretanto, vale recordar que a participação de todos os estudantes nas
220
ações da horta não aparece como fato em grande parte das experiências. Chama a
atenção um caso no qual é especificado que houve aumento no consumo de
hortaliças entre as crianças que participaram ativamente no cultivo das hortas em
suas escolas (F.86).
Para além dos resultados referentes ao consumo alimentar, há indicações de
que as ações na horta contribuem, de modo geral, para a melhoria na aprendizagem
e reflexões sobre aproveitamento/desperdício de alimentos (F.41). Aqui, mais uma
vez, a constatação se dá com as impressões dos adultos, como professores das
turmas envolvidas e outros funcionários da escola, surpresos diante do interesse e
comportamento dos alunos nas atividades da horta, dando ao entender que eles já
não tinham “esperança” no envolvimento destes nas atividades pedagógicas
propostas até então (UA.C). Assim, a maior participação em sala de aula, o
sentimento de inclusão e a melhoria no nível de socialização das crianças são
relatados como consequências positivas na construção de um ambiente favorável ao
aprendizado (F.77; F.2). As hortas, pelo seu caráter transversal, permitem o
envolvimento de atores diversos do espaço escolar, possibilitando interações.
Ultrapassando as fronteiras dos muros das escolas, a horta pode promover
maior integração escola e comunidade (F.2) pela simples constatação da
valorização de conhecimentos que podem estar acumulados no seio familiar dos
escolares, em situações de colaboração voluntária ou remunerada de membros do
entorno da escola e ainda pelo envolvimento de outros setores da localidade,
institucionais ou não. É importante ressaltar que, seja como for essa participação,
não se pode encará-la de forma incauta e nem incidental. O olhar pedagógico
precisa prevalecer, ou seja, a atenção ao conjunto de conhecimentos presentes
nesse processo de interação.
A conscientização, como já mencionada, mostra-se polissêmica no contexto
das práticas educativas. Nos relatos, além de ser considerada como um processo
difícil, ela aparece também como resultado alcançado, ou seja, considera-se difícil
conscientizar os escolares sobre algo, mas alega-se ter conseguido realizar a
conscientização dos mesmos. As asserções de resultados como a conscientização
sobre a importância das vitaminas na alimentação (F.4); da importância e do valor
nutricional dos alimentos (F.45); em consumir alimentos saudáveis (F.52); sobre
uma alimentação saudável (F.85) parecem pouco esclarecedoras.
221
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
elogio a minha própria história profissional, que é igual a de tantos outros e tantas
outras. Igual na responsabilidade e no empenho em reconstruir diariamente a ação
educativa. Igual! Tão igual nas armadilhas em que caí (e certamente continuo
caindo), nos deslizes para o autoritarismo, na recorrência aos modos tradicionais de
ensinar, na crítica e na resistência às proposições externas dos “doutores” da
academia, no incômodo de ver minha prática criticada, etc. Mas igual também na
vontade de fazer melhor, nas ideias interessantes colhidas aqui e ali, nas
construídas nas relações com os colegas, nos sucessos obtidos e na alegria de se
descobrir avançando. Assim, as reflexões, as críticas e as interpretações
apresentadas são reflexos do entrelaçamento do vivido com os referenciais teóricos
eleitos.
Não há um manual de instruções que habilite, instantaneamente, alguém para
a postura crítica requerida para as práticas educativas. Assim como ninguém possui
um olhar crítico pleno, estando sempre em construção. Apostando nesse processo,
a intenção foi conflitar aquilo que consideramos em desacordo com a realidade
presente e fazer indicações para reformulações e elaborações de práticas mais
coerentes.
O processo de formação humana se dá no mundo da vida, presente entre a
teoria e a prática, sendo possível a acomodação de novos conhecimentos à
estrutura mental já consolidada ou, como pretendemos, a evolução para a
construção de novas estruturas cognitivas de percepção da realidade (SANTOS et
al., 2014). Nesse sentido, o exercício sistemático do Pensamento Complexo tem se
mostrado promissor, nos tornando mais atentos, prudentes e nos impulsionando a
sair do contemporaneísmo, ou seja, da naturalização da realidade como imutável
(MORIN, 2007a). A Complexidade se constitui ainda num ponto de partida para
ações educativas mais ricas e que contemplem mais dimensões da aprendizagem,
para além da cognitiva. As proposições da Sociologia das Ausências e da Sociologia
das Emergências auxiliam na desnaturalização do presente colocando-o sob
suspeita.
A consideração da horta escolar como atividade mediadora mostrou-se como
um pressuposto fundamental para aprendizagens de ordens cognitiva, afetiva,
comportamental, relacional e, especialmente, evidenciando o entrelaçamento dessas
dimensões. Os conceitos de alimentação saudável e de educação alimentar e
nutricional, aqui defendidos, comportam praticamente todos os objetivos imputados
231
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