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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE


NÚCLEO DE TECNOLOGIA EDUCACIONAL PARA A SAÚDE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E SAÚDE

Elizabete Cristina Ribeiro Silva

HORTAS ESCOLARES URBANAS AGROECOLÓGICAS: preparando o terreno


para a Educação em Ciências e para a Educação em Saúde.

RIO DE JANEIRO
2015
Elizabete Cristina Ribeiro Silva

HORTAS ESCOLARES URBANAS AGROECOLÓGICAS: preparando o terreno


para a Educação em Ciências e para a Educação em Saúde.

Tese de Doutorado apresentada ao


Programa de Pós-Graduação em
Educação em Ciências e Saúde, Núcleo
de Tecnologia Educacional para a Saúde,
Universidade Federal do Rio de Janeiro,
como requisito parcial para a obtenção do
título de Doutor em Educação em
Ciências e Saúde.

Orientador: Alexandre Brasil Carvalho da Fonseca, Doutor em Sociologia,


Universidade Federal do Rio de Janeiro.

RIO DE JANEIRO
2015
Elizabete Cristina Ribeiro Silva

HORTAS ESCOLARES URBANAS AGROECOLÓGICAS: preparando o terreno para


a Educação em Ciências e para a Educação em Saúde.

Tese de Doutorado apresentada ao


Programa de Pós-Graduação
Educação em Ciências e Saúde,
Núcleo de Tecnologia Educacional
para a Saúde, Universidade Federal
do Rio de Janeiro, como requisito
parcial à obtenção do Título de
Doutor em Educação em Ciências e
Saúde.

Aprovado em:

______________________________________________________
Prof. Dr. Alexandre Brasil Carvalho da Fonseca - UFRJ

______________________________________________________
Profa. Dra. Maylta Brandão dos Anjos - IFRJ

______________________________________________________
Profa. Dra. Ana Cristina Souza dos Santos - UFRRJ

______________________________________________________
Profa. Dra. Cristhiane Oliveira da Graça Amâncio - UFRRJ

______________________________________________________
Profa. Dra. Vera Helena Ferraz de Siqueira - UFRJ
S586h Silva, Elizabete Cristina Ribeiro.
Hortas escolares urbanas agroecológicas: preparando o terreno para a educação em
ciências e para a educação em saúde. / Elizabete Cristina Ribeiro Silva. – Rio de
DEDICATÓRIA
Janeiro: UFRJ/NUTES, 2015.
245 f.: il.; 30 cm.

Orientador: Alexandre Brasil Carvalho da Fonseca.

Tese (Doutorado) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Núcleo de Tecnologia


Educacional para a Saúde, 2015.

Referências bibliográficas: f. 233-245.

1. Educação alimentar e nutricional. 2. Educação em saúde. 3. Tecnologia


Educacional em Saúde - Tese. I. Fonseca, Alexandre Brasil Carvalho da. II.
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Núcleo de Tecnologia Educacional para a
A minha
Saúde. mãe, sempre, pelo seu exemplo de força e de não subordinação ao que
III. Título.
parece determinado.
AGRADECIMENTOS

Ao meu companheiro, Ernani Jardim e à nossa filha, Mariana por tudo que vivemos
juntos. Eu não me arrependo de nada!
Aos meus familiares, pela certeza do apoio.
Aos meus amigos e amigas, pelos muitos choros e risos compartilhados.
Ao meu orientador, Alexandre Brasil, pelas oportunidades de crescimento.
À professora Graça Carvalho, pela acolhida além-mar.
Aos colegas de trabalho e de estudos, pelos muitos momentos de discussão e de
descontração.
Ao Hugo Cerqueira e à Fernanda Dysarz, pelos muitos momentos de ação-reflexão-
ação na e sobre a horta.
Aos professores e professoras do NUTES, pela contribuição nessa etapa de
aprendizado.
Às professoras das bancas de qualificação e de defesa pelas valiosas sugestões.
À CAPES pelas bolsas concedidas e pelos aprendizados obtidos no exterior.
Aos meus companheiros e companheiras de jornada, os professores (as), pela
cumplicidade na dor e na delícia de sermos o que somos.
A todos e todas que estiveram sob a minha responsabilidade docente, pelos
desafios que me impuseram possibilitando reformulações na minha prática
educativa.
Tudo, tudo valeu a pena.
O apanhador de desperdícios (Manoel de Barros)

Uso a palavra para compor meus silêncios.


Não gosto das palavras
fatigadas de informar.
Dou mais respeito
às que vivem de barriga no chão
tipo água pedra sapo.
Entendo bem o sotaque das águas
Dou respeito às coisas desimportantes
e aos seres desimportantes.
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais que a dos mísseis.
Tenho em mim um atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior do que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios [...]

A horta (Rubem Alves)

[...] Uma horta é um bom lugar para começar.


E pra continuar, até acabar.
Seria bom saber que alguém colherá coisas que nós semeamos [...]
RESUMO

SILVA, Elizabete Cristina Ribeiro. Hortas escolares urbanas agroecológicas:


preparando o terreno para a educação em ciências e para a educação em saúde.
2015. 246 f. Tese (Doutorado em Educação em Ciências e Saúde) - Núcleo de
Tecnologia Educacional para a Saúde, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio
de Janeiro, 2015.

A recente proliferação de projetos com hortas escolares no Brasil visa a


atender demandas relativas à saúde alimentar, as quais se contrapõem ao modelo
agroalimentar predominante. Com tal perspectiva, o presente estudo objetivou
contribuir para a requalificação física e pedagógica das hortas escolares. Com
abordagem qualitativa, ancorou-se na articulação de referenciais teóricos e
procedimentos metodológicos contra-hegemônicos. Assim, o Pensamento
Complexo, a Sociologia das Ausências, a Sociologia das Emergências e a
Agroecologia pautaram a eleição, a apreciação e o estabelecimento de conflitos de
conhecimentos dos temas, do corpus e dos dados. A superação do pensamento
linear e racionalizado, em prol do pensamento complexo e da emergência de
compreensões, foi instrumentalizada com a Análise Textual Discursiva. A
metodologia orientou a decomposição e a identificação de unidades de significado
em três conjuntos de textos que relatam experiências com hortas escolares: o
relatório de um abrangente estudo do Observatório da Educação/CAPES/INEP/
NUTES/UFRJ sobre o Programa Nacional de Alimentação Escolar- PNAE; 91
formulários com informações de municípios selecionados em uma premiação
nacional sobre gestão do PNAE; os registros de uma experiência emblemática de
práxis em uma horta escolar urbana. As experiências analisadas mesclam
elementos que reforçam os modelos de educação, de saúde e agroalimentar que
pretendemos superar com outros coerentes com as demandas atuais, ainda que as
intenções declaradas indiquem a contra- hegemonia, evidenciando a adesão pouco
fundamentada aos conceitos que permeiam a horta escolar. Há incongruências nos
e entre objetivos, recursos didáticos, procedimentos e estruturação física da horta
que comprometem a consolidação dos conceitos de saúde e alimentação saudável.
Investiu-se na potencial riqueza dessa heterogeneidade para a identificação das
categorias de análise, cuja problematização ensejou especificações para cada etapa
do desenvolvimento da horta escolar. O estudo considerou inconsistências
pedagógicas nos projetos com hortas escolares em curso, no Brasil, visando à
saúde alimentar do escolar, e reuniu elementos afinados com as atuais demandas
dos campos Educação em Ciências, da Educação em Saúde e do PNAE.
Destacaram-se como aspectos fundamentais na parametrização de hortas
escolares: a atitude transdisciplinar dos educadores; o refinamento dos objetivos
com a adoção da perspectiva crítica de saúde desde a produção de alimento até o
consumo; a assunção de seu papel mediador e integrador para aprendizagens
cognitiva, afetiva, comportamental e relacional, preparando o estudante para o ato
de experimentar e/ou comer “saudável” e para perceber as dimensões presentes no
sistema alimentar; a problematização do modelo de agricultura dominante e de
procedimentos insalubres naturalizados na agricultura e o conflito com os estudos e
as opções fundamentadas na agroecologia; a concepção de prática e de
equipamento pedagógico coerente com aqueles objetivos, abrangendo adequação
técnica, instrumental e estrutural, o uso de equipamentos de proteção; a seleção
criteriosa de colaboradores e a articulação de seus conhecimentos; e, sobretudo, o
exercício crítico permanente ação - reflexão - ação.
Palavras-chave: Programa Nacional de Alimentação Escolar. Alimentação saudável.
Atitude transdisciplinar. Práticas educativas. Complexidade. Sociologia das
ausências.
ABSTRACT

SILVA, Elizabete Cristina Ribeiro. Hortas escolares urbanas agroecológicas:


preparando o terreno para a educação em ciências e para a educação em saúde.
2015. 246 f. Tese (Doutorado em Educação em Ciências e Saúde) - Núcleo de
Tecnologia Educacional para a Saúde, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio
de Janeiro, 2015.

In Brazil, the recent growth of urban garden projects in schools attempts to


achieve nutritional health needs, which are opposed to the dominat agro-food model.
From this perspective, the present study aimed to contribute to the physical and
pedagogical requalification of school vegetable gardens. Using a qualitative method,
the study relied on counter-hegemonic theoretical frameworks and methodological
procedures. Thereby, the complex thought, the sociology of absence, sociology of
emergencies and agroecology guided the selection, assessment and establishment
of knowledge conflicts, corpus and data. Countering linear thought and
rationalization, and favoring complex thought and emergence of understanding,
textual analysis discourse was used. The methodology guided the decomposition
and the identification of knowledge units in three set of texts that report the
experiences with school vegetable gardens: an embracing study report of
Educational Laboratory/CAPES/INEP/ NUTES/UFRJ about the Programa Nacional
de Alimentação Escolar - PNAE; 91 forms with information about selected cities in a
national award of PNAE management; the records of an significant experience of
praxis in an urban school garden. The analyzed situations present declared
objectives towards the counter-hegemony model, but the experiences bring together
elements that reinforce dominant models of education, health and agro-food, and
others consistent with current demands. This shows little conscious adherence to
concepts that permeate the school garden. There are inconsistencies within and
between goals, teaching resources, procedures and physical structure of the garden
that compromise the consolidation of health and healthy eating concepts. The
richness of this heterogeneity was the investment point to identify categories of
analysis. Those were used for problematizing and to create a trial with the
specifications for each stage of the school garden development. The study
considered the inconsistencies in current educational projects with school gardens
aiming at healthy eating of the student, and met elements strongly connected with
current demands of science and health education and PNAE. The following are
highlighted fundamental issues in the parameterization of school gardens: the
transdisciplinary attitude of educators; the refinement of goals with the adoption of
critical health perspective from food production to consumption; the attitude of
facilitator and integrator role in cognitive, affective, behavioral and relational learning,
which prepares students for the experience and/or eating "healthy,” while realizing
the structures involved in the food system; questioning the dominant agricultural
model and its unhealthy procedures, in opposing to studies and options within
agroecology; practical conception and consistent pedagogical equipment with those
goals which includes technical, instrumental and structural adequacy, use of
protective equipment; the careful selection of employees and articulation of their
knowledge; mainly the permanent critical exercise of “action - reflection - action”.
Keywords: Programa Nacional de Alimentação Escolar. Healthy eating.
Transdisciplinary attitude. Educational practices. Complexity. Sociology of absences
LISTA DE FIGURAS

Figura 1:Tipologia das dimensões da educação ambiental (LAYRARGUES,2006, p.


98)..............................................................................................................................83
Figura 2: Etapas da Análise Textual Discursiva.......................................................131
Figura 3: Textos que compõem o corpus da investigação.......................................133
Figura 4: Esquema de unitarização do material A....................................................134
Figura 5: Modelo do Formulário de Projeto/ação preenchido pelos municípios
participantes do Prêmio gestor eficiente da merenda escolar em sua versão
2012..........................................................................................................................144
Figura 6: Totalidade das categorias de análise e respectivas subcategorias obtidas a
partir da síntese das unidades de análise................................................................174
LISTA DE QUADROS

Quadro 1: Teses e dissertações com o assunto “horta (s) escolar (es)” encontradas
no Banco de Teses da CAPES publicadas entre os anos de 2000 e 2012.............103
Quadro 2: Artigos científicos com o assunto “horta (s) escolar (es)” encontrados na
base de dados SciELO e no Portal de Periódicos da CAPES publicados entre os
anos de 2000 e 2013................................................................................................115
Quadro 3: Distribuição de hortas por regiões do país, entre os inscritos para o
Prêmio gestor eficiente da merenda escolar em sua versão 2012, nos 91 formulários
disponibilizados........................................................................................................145
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

AC- Análise de Conteúdo


AD - Análise de Discurso
AFZ - Ação Fome Zero
ANVISA - Agência Nacional de Vigilância Sanitária
ATD - Análise Textual Discursiva
BIREME - Biblioteca Regional de Medicina, atual Centro Latino-Americano e do
Caribe de Informação em Ciências da Saúde
EMATER - Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural
CAE - Comitês para a alimentação escolar
CAPES- Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CET/UnB - Núcleo de Gastronomia do Centro de Excelência em Turismo da
Universidade de Brasília
CETUR - Colégio Técnico da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
CONSEA - Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional
CTS - Ciência, Tecnologia e Sociedade
DHAA - Direito Humano à Alimentação Adequada
EAN - Educação Alimentar e Nutricional
EC - Educação em Ciências
EMBRAPA - Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
EPAGRI - Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina
ES - Educação em Saúde
FAPESP - Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo
FAO - Food and Agriculture Organization of the United Nations (ou Organização das
Nações Unidas para Agricultura e Alimentação)
FAPERJ - Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio
de Janeiro
FNDE - Fundo Nacional do Desenvolvimento da Educação
LDB - Lei de Diretrizes e Bases
INCAPER - Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural
INEP- Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
MS - Ministério da Saúde
NUTES - Núcleo de Tecnologia Educacional em Saúde
ONG - Organização Não Governamental
PANCs - Plantas Alimentícias Não Convencionais
PCNs - Parâmetros Curriculares Nacionais
PNAE- Programa Nacional de Alimentação Escolar
PNUD - Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
SECAD - Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade
SAN - Segurança Alimentar e Nutricional
SciELO - Scientific Electronic Library Online
UA. A.S - Unidades de Análise do documento A referentes à região Sul
UA. A. SE - Unidades de Análise do documento A referentes à região Sudeste
UA. A. NE - Unidades de Análise do documento A referentes à região Nordeste
UA. A.N - Unidades de Análise do documento A referentes à região Norte
UA. A. CO - Unidades de Análise do documento A referentes à região Centro Oeste.
UAB - Universitat Autònoma de Barcelona
UA.B - Unidade de Análise do material B
UA.C - Unidade de Análise do material C
UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro
UFRRJ - Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
UNESCO - United Nations Educational Scientifc and Cultural Organazation ( ou
Organização Educacional Científica e Cultural das Nações Unidas)
WHO - World Health Organization
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO.......................................................................................................16

2 EMBASANDO UMA PRÁTICA EDUCATIVA PARA O MUNDO


CONTEMPORÂNEO..................................................................................................29
2.1 A COMPLEXIDADE OU PENSAMENTO COMPLEXO .......................................35
2.2 A SOCIOLOGIA DAS AUSÊNCIAS E A SOCIOLOGIA DAS EMERGÊNCIAS..41
2.3 A AGROECOLOGIA E A AGRICULTURA URBANA...........................................45
2.4 PRÁTICAS EDUCATIVAS MULTIDIMENSIONAIS.. ...........................................48

3 HORTAS ESCOLARES NO BRASIL: demandas e orientações


contemporâneas.......................................................................................................52
3.1 HORTAS: agricultura e invisibilidades..................................................................58
3.2 HORTAS ESCOLARES: prática pedagógica e equipamento pedagógico..........66
3.3 HORTAS ESCOLARES URBANAS: anunciando ausências ..............................69
3.4HORTAS ESCOLARES URBANAS AGROECOLÓGICAS: denunciando
ausências...................................................................................................................71
3.5 HORTAS ESCOLARES URBANAS AGROECOLÓGICAS PREPARANDO O
TERRENO: aprender é processo/sobre aprender a comer ......................................74
3.6 HORTAS ESCOLARES URBANAS PREPARANDO O TERRENO PARA A
EDUCAÇÃO EM SAÚDE E PARA A EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS: abordagens
contemporâneas ........................................................................................................76
3.6.1 Educação em Ciências..................................................................................78
3.6.2 Educação em Saúde......................................................................................87
3.6.3 Programa Nacional de Alimentação Escolar-PNAE...................................91
3.6.3.1 Sobre o Projeto Educando com a Horta Escolar............................................94
3.7 HORTAS ESCOLARES NAS PESQUISAS BRASILEIRAS...............................102
3.7.1 Teses e dissertações ..................................................................................103
3.7.2 Artigos científicos .......................................................................................114

4 SOBRE TEORIAS, MÉTODOS E DADOS: escolhas.....................................126


4.1 ANÁLISE TEXTUAL DISCURSIVA: múltiplas metamorfoses ...........................129
4.2 CONSTRUINDO UM MAPA PARA O MOVIMENTO INTERPRETATIVO.........130
4.2.1 Dados? Nada é realmente dado..................................................................132

4.2.1.1 Material A: hortas escolares no Mapeamento e delimitação da Alimentação


Escolar no Brasil ......................................................................................................135
4.2.1.2 Material B: experiências brasileiras com hortas escolares no contexto do
Prêmio gestor eficiente da merenda escolar ...........................................................141
4.2.1.3 Material C: registros referentes ao Projeto Horta Escolar Urbana: espaço
para a construção de práticas educativas inovadoras para a Educação em Ciências
e Saúde....................................................................................................................159
4.2.1.4 Outros achados............................................................................................170
4.2.2 Categorização: construindo um mosaico ..................................................173
4.2.2.1 Compreensão da realidade: possibilidades contra hegemônicas ou de reforço
de elementos hegemônicos......................................................................................176
4.2.2.2 Os objetivos da atividade, as formas de desenvolvê-la e os resultados
alcançados ..............................................................................................................180

5 INTERPRETAÇÕES: conflitos de conhecimentos, denúncias e


anúncios..................................................................................................................182
5.1 QUAIS PRESSUPOSTOS GUIAM O PLANEJAMENTO E A EXECUÇÃO DE
UMA HORTA ESCOLAR? .......................................................................................182
5.2 QUAIS SÃO OS OBJETIVOS ESPERADOS PARA HORTAS ESCOLARES?
..................................................................................................................................193
5.3 O QUE CONSIDERAR PARA OS RECURSOS MATERIAIS E PARA A
ESTRUTURA FÍSICA DA HORTA?.........................................................................197
5.4 COMO DESENVOLVER A ATIVIDADE?...........................................................203
5.5 QUAIS SÃO OS OBJETIVOS ALCANÇADOS COM AS HORTAS ESCOLARES?
COMO AVALIAR?....................................................................................................218
5.6 AJUDANDO A CONSTRUIR RESPOSTAS: os caminhos e as armadilhas
identificados..............................................................................................................222

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................228

7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...................................................................233
16

1 INTRODUÇÃO

Eu tinha menos de 20 anos quando conheci a minha primeira turma oficial, uma
classe de alfabetização na rede pública de ensino. E não sei bem o porquê, mas
achava que deveria fazer uma horta com as crianças. Era um sentimento daqueles
que são só sentidos, mas não conseguimos pensar bem a respeito. Não havia ali
elaborações pedagógicas, só um desejo e a certeza de que seria bom. Bom! Para
mim? Para eles? Ainda não sei. Minha infância e adolescência na roça - ainda
recentes na época - e aquele quintal grande me faziam acreditar na facilidade de
realizar tal intento. Como estudante assistia a algumas aulas e saia correndo da
universidade para assumir o posto de professora em escolas com tantas questões
urgentes... A horta não aconteceu na primeira escola e nem na segunda.
A ideia me perseguia e eu procurava me contentar com potinhos e vasinhos
nos cantos da sala. Gostava de chamar a atenção para as formiguinhas, os
tatuzinhos de jardim, os gongolos, as sementes, os frutinhos, as flores miúdas de
alguns matos. Aqueles bichinhos e plantinhas de que ninguém sabe os nomes por
não terem importância. Tão desimportantes como aquelas escolas, para onde
ninguém queria ir, como aquelas crianças. Tão desimportantes como eu.
A terceira escola era nova, pré-moldada, sem quintal, igualmente sem
importância, mas com uma equipe de professores e direção que vibraram com a
ideia. “Naquele cantinho ali, não dá?”. Havia a crença de que a horta comporia um
mosaico de ações contribuintes para a formação, não só dos escolares, mas de
todos nós. Assim, sobre um pequeno espaço de “chão batido” com restos de obra,
fizemos a marcação dos canteiros e, ao longo de vários dias, acrescentamos
saquinhos de terra trazidos de casa pelas crianças. Aconteceu a minha primeira
horta escolar e a partir daí não parei mais nos quase trinta anos seguintes que tenho
atuado como professora.
É muito reconfortante quando encontramos pessoas que conseguem
interpretar, traduzir e acolher sentimentos - pouco ou nada importantes - que
parecem ser tão esdruxulamente nossos. Tem sido assim com muitas pessoas que
tenho encontrado pela vida. Foi assim naquela terceira escola e na quarta. Foi assim
com Rubem Alves afirmando que uma horta é um bom lugar para começar. E pra
continuar, até acabar... E que eu poderia plantar tomatinhos na horta da escola,
daqueles pequenos, minúsculos, que não se encontram em lugar civilizado, não se
17

vendem em feiras. Ah, depois veio Manoel de Barros e sua atenção aos
desimportantes. Que imensa alegria ler tudo aquilo! Sim! Ele entendia minha
predileção pelas lagartixas, pererecas, formigas!
São fragmentos de uma vida profissional que se entrelaçaram com muitos
outros e que foram consolidando em mim um alto grau de intimidade com as hortas
escolares.
A atividade agrícola, assim como tantas outras elaborações e artefatos
humanos, precede a escola e, em um dado momento, sendo percebidas suas
possibilidades pedagógicas, passa a ocupar o espaço formal de educação. Porém,
os propósitos dessa inclusão se modificaram ao longo do tempo, comportando
concepções que ora a priorizam como atividade fim, ora como atividade meio e em
outras situações os intentos se confundem. Entende-se que as intenções devem
orientar os processos envolvidos em tais transposições.
A inserção da agricultura na educação formal no Brasil data do período
colonial, no contexto rural, com objetivos que aliavam correção de condutas sociais
à qualificação técnica agrícola para crianças pobres e/ou órfãs. Posteriormente, no
ensino técnico, compõe a dicotomia com o ensino propedêutico, sendo o primeiro
voltado aos menos favorecidos visando à atuação nas regiões agrícolas e o segundo
para a formação intelectual da elite econômica e social (SOARES, 2003). Sob a
vigência da Lei nº 5 692/71 (BRASIL, 1971), objetivando a preparação para o
trabalho em áreas rurais, as técnicas agrícolas compunham o currículo do Ensino
Fundamental com estrutura robusta que incluía professores especializados,
insumos, ferramentas e até maquinário agrícola. Aqueles objetivos se tornam frágeis
com a Lei nº 7044 (BRASIL, 1982) e a disciplina passa a ser eletiva. A percepção da
agricultura vinculada estritamente ao meio rural, somada a urbanização e aos ideais
de progresso e desenvolvimento subjacentes, coincide com o abandono das ações
em agricultura no ensino fundamental formal.
Porém, nos últimos anos, sob a influência das revelações de problemas
ambientais mundiais e, mais recentemente, pela crescente apreensão com questões
de alimentação, a agricultura torna-se centro de discussões. Orientações
internacionais, marcadamente aquelas difundidas a partir das Recomendações de
Tbilisi (UNESCO, 1980) e da Carta de Ottawa (WHO, 1986), tiveram papel relevante
nas inúmeras proposições no Brasil para a Educação Ambiental e a Educação em
Saúde, respectivamente. Embora elaboradas em âmbitos e com objetivos
18

específicos, as hortas escolares são propostas como ação educativa em ambos


(BRASIL, 2011; BRASIL, 2006). Vislumbra-se a possibilidade de que o contato com
elementos naturais, o ato de plantar e os seus desdobramentos seriam capazes de
promover nas crianças uma percepção mais positiva em relação ao meio ambiente e
que o estreitamento da relação com o processo de produção de alimentos
possibilitaria minimizar problemas referentes ao acesso e a escolha dos mesmos
(SILVA, 2010).
Assim, as hortas passaram a fazer parte das propostas e ações de diversos
órgãos e instituições relacionados ao Meio Ambiente e, posteriormente, aos da
Saúde. Em ambos os casos, as escolas são indicadas como espaços privilegiados
para intervenções. O Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome e a
Portaria Interministerial nº 1010/2006 (Ministério da Educação e da Saúde), entre
outros, expressam essa última preocupação e sugerem a elaboração de hortas
escolares para a promoção da alimentação saudável (BRASIL, 2011; BRASIL,
2006).
Uma pesquisa que avaliou o perfil da gestão pública municipal do Programa
Nacional de Alimentação Escolar - PNAE (BRASIL, 2013) de 670 prefeituras
inscritas no Prêmio Gestor Eficiente da Merenda Escolar, entre os anos de 2004 e
2005, identificou a implantação de hortas escolares entre as iniciativas mais
presentes nos dois anos analisados. Entre os inscritos em 2004, as hortas
constavam em 25,4% do total de escolas e, no caso dos inscritos em 2005, em
29,6% do total de escolas. Naquela investigação as hortas são mencionadas como
empreendimento criativo e com impacto positivo no sistema de alimentação escolar
(BELIK e CHAIM, 2009). O Boletim/2012, da mesma premiação, informa a
existência, no ano de 2011, de hortas em 61,0% das escolas inscritas. As hortas são
listadas entre as ações que contribuem para a qualidade do cardápio, a saúde do
escolar e a difusão de hábitos alimentares saudáveis (FOME ZERO, 2012).
Uma busca pelo assunto horta(s) escolar(s), feita por dissertações/teses e
artigos nas bases de dados científicos www.periodicos.capes.gov.br e
www.scielo.com.br , sugere que os estudos acadêmicos sobre o tema, no Brasil,
são incipientes e não têm evoluído de forma proporcional ao demandado pela
sociedade como mostra a evolução acima. Entre os anos de 2000-2013 foram
identificadas: uma tese de doutorado e quatorze dissertações de mestrado, dentre
as quais em dez a horta aparece como tema da pesquisa. Verifica-se que tais
19

pesquisas, também, pouco geraram em termos de publicações científicas no Brasil,


no mesmo período. Nesse caso, foram encontrados dois resultados, nos quais as
hortas escolares são tema central.
A percepção inicial que esses achados estariam em defasagem quantitativa
com a expansão dessa prática no Brasil levou a uma busca genérica pelo assunto
hortas escolares em páginas do Brasil com o uso da ferramenta virtual
www.google.com.br. Constatou-se a proliferação no Brasil, nos últimos anos, de
múltiplos e diversificados projetos voltados à implantação de hortas em escolas. Os
números variam entre seis resultados encontrados no ano de 2000, 49 em 2005,
saltando para 6.890 resultados em 2013. Nesse caso enquadram-se materiais
diversos oriundos de revistas indexadas ou não, trabalhos de congressos, relatórios
e boletins técnicos e de pesquisa, legislação, notícias e outros textos sobre
implantação de hortas escolares disponíveis na web. Ainda que este aumento possa
estar relacionado ao acesso crescente à internet nesse período, é possível
identificar que os empreendimentos mais recentes, em sua maioria, dão mais ênfase
aos objetivos relacionados à formação de hábitos alimentares saudáveis e se
justificam pela preocupação com índices alarmantes, apontados em pesquisas
diversas, de problemas de saúde relacionados à alimentação inadequada e pelas
recomendações governamentais para a educação alimentar no espaço escolar.
Embora haja um aparente consenso nas menções, sugestões e no
reconhecimento das hortas como atividades facilitadoras do desenvolvimento de
hábitos alimentares saudáveis, ainda são insustentáveis, em sua maioria, as
iniciativas nesse sentido. Os poucos estudos realizados no Brasil têm sinalizado
para a ausência de elementos metodológicos balizadores para a implantação,
manutenção e avaliação dos impactos dessas práticas nas escolas urbanas. O
investimento na apreciação dos limites e das possibilidades da inserção dessas
atividades indica fragilidades na elaboração de estratégias eficazes para a
construção, exploração do potencial pedagógico e apreciação das implicações das
hortas, especialmente, nesse novo contexto - o urbano (SILVA, 2010;
BERNARDON, 2011; ALCÂNTARA e BRANCO, 2011).
Há indícios da inexistência de uma estrutura pedagógica apropriada e de
indefinição metodológica que se refletem, entre outras coisas, em contradições entre
modelos e técnicas de agricultura, nas escolhas das espécies cultivadas, no destino
da produção, na organização e nas adaptações em função do espaço disponível, na
20

aquisição e uso de ferramentas e equipamentos de uso individual e coletivo, na


responsabilidade pela iniciativa e financiamento, em objetivos e procedimentos não
especificados em função da faixa etária dos estudantes, nas incertezas quantitativas
e qualitativas para o equilíbrio entre o empenho físico e o intelectual e na ausência
de parâmetros para a avaliação de seu impacto educativo nos escolares. De um
modo geral, a gestão, o financiamento e a execução da atividade têm contado com
investidores, entusiastas e/ou voluntários efêmeros, o que inviabiliza ou dificulta a
perenidade das ações, a sua evolução e qualificação metodológica e a aferição de
seus resultados nos processos de aprendizagem (SILVA, 2010; SILVA et al., 2011).
Há na presente pesquisa, a intenção de ampliar os conhecimentos nas áreas
da Educação em Ciências e Educação em Saúde, partindo dessas lacunas
identificadas nas recomendações e utilização de hortas escolares. Tal anseio é o
resultado de minhas constatações e reflexões acumuladas durante a ação
investigativa como mestranda (2008 - 2010), na condição de membro da equipe
(bolsista/professor de educação básica/Observatório da Educação/CAPES/INEP-
núcleo local NUTES/UFRJ) de pesquisa que investiga os diferentes aspectos que
envolvem a alimentação escolar no Brasil e, ainda, o vivenciado empiricamente com
a elaboração de hortas em diferentes contextos ao longo de 30 anos como
professora no Ensino Fundamental da rede pública do Rio de Janeiro.
O interesse em aprofundar os estudos sobre o tema fez das hortas escolares o
eixo de análise para o mestrado e o doutorado e conduziu a proposições e olhares,
no Observatório da Educação referido, que permitissem um melhor entendimento de
sua inserção, abrangência e importância em diferentes regiões do Brasil.
Entre as ações realizadas junto ao Observatório ganhou destaque, para o
presente estudo, o projeto de pesquisa e extensão Mapeamento e Delimitação da
Alimentação Escolar no Brasil: conhecendo e discutindo oportunidades no campo da
Educação Alimentar e Nutricional /Edital 001/2008 –
CAPES/INEP/SECAD/Observatório da Educação/ Núcleo local NUTES/UFRJ, o qual
teve como objetivo descrever e analisar experiências relacionadas à educação
alimentar e nutricional realizadas no âmbito do Programa de Alimentação Escolar-
PNAE e contou com recursos provenientes de Editais da CAPES, INEP, SECAD,
CNPQ, FAPERJ, MAEC e AECID. As atividades e investigações desenvolvidas
sobre as múltiplas dimensões que configuram o PNAE e, especialmente, no que diz
respeito ao que tem sido considerado como boas práticas de Educação Alimentar e
21

Nutricional, exibem resultados que reforçam a relevância que tem sido atribuída às
hortas escolares e trazem elementos que, ao serem analisados, podem contribuir
para a sua qualificação pedagógica.
Nesse ínterim, ocorreram participações e apresentações de dezenas de
produções do Observatório como artigos, trabalhos completos, oficinas e resumos
em eventos com publicações que dialogam com o tema. Foram realizadas oficinas
sobre hortas escolares e outras que, igualmente, visavam a expor a
multidimensionalidade da alimentação no espaço escolar, trocar experiências e
conhecimentos sobre a temática. Com esse movimento ganhamos visibilidade e
passamos a ser demandados amiúde para apoiar e orientar projetos de implantação
e/ou aperfeiçoamento de hortas escolares. Percebíamos nessas demandas o forte
desejo de ter uma horta na escola, a convicção de sua importância pedagógica e o
desconhecimento sobre os insumos e os procedimentos técnicos necessários.
Entretanto, chamava a nossa atenção a fragilidade dos argumentos que embasavam
a importância pedagógica e, principalmente, que a necessidade declarada se
restringisse, na grande maioria dos casos, aos conhecimentos técnicos em
agricultura. Ou seja, a preocupação central estava em como preparar o terreno,
como plantar, como cuidar, quais e como conseguir os insumos etc., mantendo a
lógica da agricultura comercial e desconsiderando as especificidades do ambiente
escolar. Quando muito, era citada uma ou outra variação, geralmente estéticas
reproduzidas de alguma experiência a que se teve acesso.
Nesses diálogos procurávamos evidenciar alguns aspectos teóricos e práticos
no sentido de orientar a reflexão para novas possibilidades da atividade agrícola na
escola contemporânea e, especialmente, no espaço urbano. Porém, as questões
levantadas careciam de sistematização e, de certa forma, passamos a ser
provocados a avançar nesse sentido.
Todo esse conjunto suscitou a necessidade e o desejo de desenhar uma
situação na qual o exercício da práxis (FREIRE, 1996) fosse assumido como
premissa, ou seja, a união reflexiva e recursiva dos conhecimentos reunidos, até
aquele momento, e a prática. Assim, como um desdobramento do projeto amplo
Mapeamento e delimitações da alimentação escolar... foi desenvolvido o Projeto
Horta Escolar Urbana: espaço para a construção de práticas educativas inovadoras
para a Educação em Ciências e Saúde/FAPERJ/ Apoio à Melhoria do Ensino em
Escolas da Rede Pública Sediadas no Estado do Rio de Janeiro – 2011, cujo
22

objetivo foi a estruturação físico-pedagógica da horta de uma escola pública de


ensino fundamental. As ações, planejadas por membros da escola e do Observatório
da Educação, ocorreram em 2012. Foram realizadas elaborações e reelaborações
de ações e procedimentos, resultando na emergência de algumas considerações
pedagógicas importantes para a educação alimentar e nutricional que nos
pareceram, até então, desconsideradas em outras experiências com hortas.
A experiência acumulada fez crescer a percepção da importância e do
potencial das hortas escolares. Concordando com o poeta Manoel de Barros, que
afirma que a gente descobre que o tamanho das coisas há que ser medido pela
intimidade que temos com as coisas, tenho a convicção de estar diante de algo
grandioso, uma possibilidade que existe no presente e que pode ser um sinal do
futuro, uma experiência possível porque já existe como uma possibilidade
emergente e precisa ser trazida para a visibilidade, ser credibilizada e ampliada
(SANTOS, 2007). Sou um apanhador de desperdícios (Manoel de Barros) e,
portanto, não pretendo desperdiçar essa experiência possível, nem a minha própria
experiência e nem a oportunidade que tenho de fazê-lo.
Embora possam apresentar fragilidades e equívocos, as experiências em curso
no Brasil em geral são frutos do trabalho intenso de pessoas que estão nas escolas
e que desejam ardentemente fazer o melhor. Portanto, são situações em que se
observam pistas que indicam esforços pelo aperfeiçoamento da prática pedagógica.
Quantos elementos das experiências com hortas escolares podem estar sendo
desperdiçados no contexto brasileiro? Que contribuições podem oferecer?
Dada a constatação de poucos estudos científicos sobre hortas no Brasil
contrastando com a sua crescente proliferação, o passo seguinte seria, então,
localizar e olhar para essas diversas experiências em curso, identificar confluências
e divergências, seus elementos promissores e aqueles que ainda estão ausentes,
seus possíveis equívocos e acertos. Não há uma sistematização oficial onde seja
possível obter detalhamentos sobre as formas como ocorrem. É possível ter a noção
parcial de sua forte presença em território nacional em modalidades de divulgação
pela web.
Encontramos na premiação intitulada Prêmio Gestor Eficiente da Merenda
Escolar, organizada pela ONG Ação Fome Zero, a oportunidade de acesso a um
conjunto de descrições de experiências com hortas representativas das diferentes
regiões do país. A premiação tem como objetivo incentivar e divulgar boas práticas,
23

ações criativas e inovadoras, conduzidas no âmbito municipal na gestão do PNAE.


Com periodicidade anual, foram dez edições ocorridas entre 2004 e 2013 com o
envio de convite e material explicativo para todas as prefeituras do país. O processo
seletivo é realizado através de questionários, relatórios e visitas técnicas, sendo
sempre premiadas prefeituras das cinco regiões do Brasil. Na categoria Eficiência e
Educação Alimentar e Nutricional há uma lista de iniciativas indicadas na qual consta
o item Hortas escolares e/ou municipais a ser marcada como realizado ou não. Em
caso afirmativo, há um formulário específico para a descrição do projeto/ação. As
hortas estavam presentes em mais de 50% dos municípios inscritos, no ano de
2012, em todas as regiões (FOME ZERO, 2012). Foram disponibilizados 91
formulários referentes a essas ações de cidades inscritas no período. A leitura
atenta desse material, inevitavelmente, o punha em confronto com os
conhecimentos adquiridos nas situações mencionadas anteriormente.
Foram anos de intensa pesquisa e imersão no tema, o que gerou uma profusão
de dados e conhecimentos sobre os quais eu deveria me debruçar com afinco para
sua sistematização. O ano de 2013 trouxe a possibilidade de um afastamento
estratégico do contexto brasileiro e a conformação de um olhar mais ampliado para
a questão. Fui contemplada com bolsa - processo nº 18934-12-9 - concedida pelo
Programa Institucional de Doutorado Sanduiche no Exterior financiado pela
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior/ Brasil e estagiei
durante quatro meses no CIEC - Centro de Investigação em Estudos da
Criança/Instituto de Educação/ Universidade do Minho-Portugal.
Portugal é referência em agricultura biológica - o que no Brasil denominamos
agricultura orgânica - e possui experiências com hortas urbanas de cunho social e
terapêutico e quintas pedagógicas, nas quais foi possível identificar ações
importantes, travar contato direto com as mesmas e refletir sobre aspectos
relevantes para o desenvolvimento de práticas pedagógicas com agricultura. O
estágio possibilitou a aproximação com outros referenciais teóricos e metodológicos
e com pessoas e instituições europeias que desenvolvem ações relacionadas ao
tema de investigação.
Diante de tantas informações reunidas, ainda de forma caótica e
desorganizada, foi necessária a criação de condições para a ocorrência de uma
tempestade de luz, a fim de iluminar, produzir e expressar novas compreensões
sobre o tema investigado a partir da interação de um conjunto de vozes de
24

interlocutores empíricos e teóricos, incluindo a minha de pesquisadora. A aposta no


poder criativo de sistemas complexos e caóticos orientou para a escolha da Análise
Textual Discursiva como ferramenta de apoio metodológico (MORAES e GALIAZZI,
2007).
Considerando as muitas referências e dimensões educativas atribuídas às
hortas escolares que a tornam um fenômeno complexo, buscamos alcançar um
conhecimento igualmente complexo. O método ajuda a organizar um todo e convoca
a participação ativa do pesquisador. Esta se dá por teorias subjacentes. Assim,
teoria e método se confundem numa relação recorrente e compõem um processo de
recriação intelectual permanente (MORIN, 2005a).
Independente das controvérsias sobre as atribuições da escola e da família na
formação da criança e do adolescente, não é possível ignorar o tempo de
permanência, o espaço e as interações estabelecidas na escola e,
consequentemente, o papel formativo para a saúde do estudante (CARVALHO e
GONÇALVES, 2012). Tendo em conta que as hortas são inseridas na escola com
finalidades voltadas à saúde, há que se considerar as dimensões que compõem a
saúde e a complexidade envolvida na transposição da agricultura para a escola
urbana. Tanto é complexa a agricultura em si, quanto às relações social, cultural,
ambiental e de poder estabelecidas historicamente, em especial, no Brasil. Logo,
faz-se imperativa a identificação de valores subjacentes no processo de elaboração
da horta, que de forma direta ou indireta, permeiam a noção de saúde.
As perspectivas da Sociologia das Ausências e da Sociologia das Emergências
(SANTOS, 2002; 2007), da Complexidade (MORIN, 2007a), aliadas aos princípios
da Agroecologia e da Agricultura Urbana (CAPORAL et al., 2009; AQUINO e ASSIS,
2007) contribuem para abalizar as possibilidades das hortas escolares urbanas
como anunciadoras e denunciadoras de ausências contemporâneas (FREIRE, 1996;
SANTOS, 2007). As primeiras provêm esteio para práticas pedagógicas
emancipatórias quando denunciam a vigência da produção ativa de ausências e o
consequente ocultamento de diversas realidades com a naturalização de uma visão
hegemônica da realidade e instrumentalizam para a sua contraposição. A
Complexidade auxilia na identificação das múltiplas dimensões a serem
consideradas nas ações. A Agroecologia e a Agricultura Urbana, no espaço escolar,
somam fatores àquelas perspectivas, permitindo o exercício prático de
discernimento das ausências no sistema alimentar e suas implicações para a saúde
25

humana ao conferir visibilidade e resgatar o ocultado tornando-o presente e


disponível.
As perspectivas anunciadas complementam-se e reforçam-se em um
movimento de enfrentamento do desperdício de inúmeras experiências sociais que
põem em xeque os atuais modelos hegemônicos de funcionamento do mundo. A
hegemonia caracteriza-se por uma atuação social servida por normas culturais
dominantes e constituída por relações de poder desiguais – sejam elas relações
econômicas, sociais, sexuais, políticas, culturais e epistemológicas – e nas
interações entre elas (SANTOS, 2013, p. 31). Esse predomínio reduz a realidade,
oculta a diversidade e a riqueza de possibilidades.
Entende-se que esses são aspectos que, afinados aos intentos e aos objetivos
formativos da Educação em Saúde, da Educação em Ciências e do PNAE
(SANTOS, 2012; BRASIL, 1998a; BRASIL, 2013), podem propiciar a construção de
um ambiente no qual a alimentação se constitua em espaço educativo crítico e de
sociabilidade adequado a crianças e a adolescentes inseridos no contexto do ensino
público formal urbano.
O exposto leva a afirmar que muitos aspectos importantes estão sendo
desconsiderados na implantação e desenvolvimento de hortas escolares no Brasil e
sugere a necessidade do estabelecimento de parâmetros para seu melhor
aproveitamento. A abordagem educativa libertadora defendida por Paulo Freire tem
sido considerada o pilar fundamental para a educação alimentar e nutricional
(CONTRERAS e GRACIA, 2011). Temos, então, a intenção de contribuir para
responder a questão Quais são as especificidades de uma horta pedagógica
voltada para crianças e adolescentes em escolas públicas urbanas que criem
possibilidades para uma educação alimentar e nutricional libertadora?
A proposta de Paulo Freire de educação libertadora, pautada na pedagogia
para a autonomia, tem como essência a postura crítica, na qual é primordial a
preocupação constante com a coerência entre o dito e o praticado. Contempla a
metodologia dialógica e o entendimento do conteúdo enquanto prática para a
liberdade e não para domesticar ou alienar. Para isso busca problematizar questões
cotidianas, instaurando a dúvida ao que parece inquestionável (FREIRE, 2008).
Assim, conceber a horta escolar e sua contribuição para a educação alimentar
e nutricional com esse perfil implica uma reflexão criteriosa sobre as suas amplas
possibilidades educativas de informar e formar para escolhas alimentares. Informar e
26

formar, anunciar e denunciar são premissas que orientam para a busca de


parâmetros que deem conta tanto do direito à diversidade no aprendizado do gosto
quanto ao entendimento dos fatores envolvidos nos diferentes processos da cadeia
produtiva alimentar.
Considerando que há várias dimensões a serem ponderadas para que a
transposição dessa prática social para a escola seja validada como recurso
pedagógico que atenda as demandas a ela atribuídas na contemporaneidade,
defendeu-se a tese de inconsistências no arcabouço conceitual que tem embasado
grande parte das intervenções em curso. Por outro lado, apostou-se na análise
crítica de tais intervenções para a identificação de elementos que nos permitam
avançar a partir da reflexão e desvelamento da realidade presente.
No intuito de contribuir para as questões referidas, o presente trabalho está
estruturado nas seguintes etapas que correspondem aos seus objetivos
específicos e geral:
 O Capítulo 1 apresenta referenciais teóricos e conceitos com apelos crítico e
contra-hegemônico, visando a construir uma concepção educativa para a
horta escolar mais afinada com a contemporaneidade. Assim, são expostas
perspectivas do Pensamento Complexo, da Sociologia das Ausências e da
Sociologia das Emergências, da Agroecologia e da Agricultura Urbana para
embasar as hortas escolares como ação educativa crítica da realidade,
impulsionadora de transformações e de perfil multidimensional.
 O Capítulo 2 contextualiza as hortas escolares visando a evidenciar as
demandas e as orientações contemporâneas vinculadas às políticas públicas
no Brasil em relação às mesmas. Exibe estudos e recomendações que
referendam a importância da atividade agrícola para processos educativos e
de desenvolvimento humano no atendimento às exigências atuais nos
campos da saúde e do meio ambiente. Explicita cada conceito que compõe o
título do trabalho, acrescentando, paulatinamente, informações oriundas de
diferentes campos do conhecimento, que guardam relação direta com hortas
escolares ou que trazem contribuições para a sua elaboração prática,
correlacionando-as ao contexto nacional. Este ganha destaque nas
discussões apresentadas sobre a Educação em Ciências, a Educação em
Saúde e o PNAE, que remetem aos objetivos das hortas escolares. O capítulo
é finalizado com a revisão científica nacional em torno do tema.
27

 O capítulo 3 exibe a fundamentação e o processo de elaboração da estrutura


interpretativa para as informações obtidas, articulando os referenciais teóricos
da pesquisa e a Análise Textual Discursiva. Privilegiando o contexto nacional,
são apresentados os conjuntos de documentos que compõem o corpus da
investigação, já submetidos aos procedimentos propostos pela Análise
Textual Discursiva. Assim, fragmentos dos textos do corpus são
contextualizados e mostrados como unidades de significado. A partir destas,
são estruturadas e explicitadas as categorias e subcategorias de análise.
 O capítulo 4 é constituído pela interpretação dos dados encontrados e
estrutura o atendimento ao objetivo geral da pesquisa. São expostas
questões e reflexões que conduzem à elaboração de parâmetros1
pedagógicos que possam contribuir para o aprimoramento de ações em curso
e para a estruturação de arcabouço que qualifique futuros projetos de
intervenção com hortas em escolas públicas urbanas no Brasil para o alcance
dos objetivos formativos requisitados pelo PNAE, pela Educação em Ciências
e pela Educação em Saúde. É finalizado com uma síntese que auxilia na
construção da resposta à questão central da investigação.
 O capítulo 5 apresenta as considerações finais da investigação retomando os
aspectos que compõem a questão central do estudo para fazer uma síntese
dos resultados obtidos.
O estudo considerou a heterogeneidade e as incongruências das ações
pedagógicas presentes na recente proliferação de projetos com hortas escolares no
Brasil, visando à saúde alimentar do escolar, como um conjunto rico de
conhecimento produzido. As inúmeras demandas endereçadas a escola exigem
criatividade na elaboração e reelaboração das ações educativas. Nesse espaço
desafiador a produção de conhecimento se dá a partir da intimidade não somente
com o que tem sido reconhecido como importante e visibilizado, mas também com o
pouco visível e desimportante.
A práxis e a análise crítica dos esforços empreendidos nas diversas experiências
com hortas escolares possibilitaram a reunião de elementos mais coerentes com as

1
Cabe esclarecer o uso dado ao vocábulo parâmetro, uma vez que é possível identificar significados que fogem
ao proposto. Para o presente contexto adequa-se mais o sentido menos impositivo: elemento importante a
levar em conta, para avaliar uma situação ou compreender um fenômeno em detalhe
(http://www.dicionariodoaurelio.com).
28

atuais demandas dos campos Educação em Ciências, da Educação em Saúde e do


Programa Nacional de Alimentação Escolar para contribuir na sua parametrização.
São elementos que buscam adequar os seus objetivos, os recursos didáticos, os
procedimentos e a sua estruturação física aos conceitos amplos de saúde e de
alimentação saudável.
A partir das perspectivas apresentadas foram considerados aspectos
fundamentais para o planejamento e execução de hortas escolares: a atitude
transdisciplinar; a adoção da perspectiva crítica de saúde desde a preparação para o
plantio até o consumo; a assunção de seu papel mediador e integrador das
diferentes dimensões da aprendizagem; a preparação cognitiva e sensorial do
estudante para o ato de experimentar e/ou comer “saudável” e para perceber as
dimensões presentes no sistema alimentar; a problematização do modelo de
agricultura dominante e de procedimentos insalubres naturalizados na agricultura e o
conflito com os estudos e as opções fundamentadas na agroecologia; a concepção
de prática e equipamento pedagógico coerente com o conceito de saúde,
abrangendo adequação técnica, instrumental e estrutural, o uso de equipamentos de
proteção; a seleção criteriosa de colaboradores e a articulação de seus
conhecimentos; e, sobretudo, o exercício crítico permanente -ação-reflexão- ação-
desejável em qualquer prática educativa.
29

2 EMBASANDO UMA PRÁTICA EDUCATIVA PARA O MUNDO


CONTEMPORÂNEO

A horta escolar se materializa na escola como uma prática com finalidade


educativa. Uma prática educativa a ser elaborada em consonância com a realidade
presente. Não para passivamente reproduzi-la, mas para, pedagogicamente, ajudar
no desenvolvimento do olhar crítico sobre a mesma.
Diante das contradições impostas pelo modelo de relações humanas
dominante, investimos no exercício contra-hegemônico como contribuinte para o
movimento de desnaturalizar e problematizar a realidade vigente. Nesse sentido,
foram eleitos referenciais teóricos com apelos contra-hegemônicos para embasar a
construção de uma proposta educativa crítica de horta escolar que coadune com os
desafios do mundo contemporâneo.
Em concordância com Paulo Freire (1996), reafirmamos que a educação não é
neutra, portanto, não são neutros os procedimentos, os conteúdos, os recursos
materiais, os conceitos, a organização espacial e a linguagem, selecionados e
utilizados na composição de uma prática pedagógica.
Assim, a educação pode ser conduzida na perspectiva inexorável de
manutenção do vigente, nesse caso, com o objetivo de adequar o indivíduo, ou,
como apostamos nesse trabalho, ter o papel de instrumentalizar o sujeito para uma
postura questionadora e de assunção da condição de agente transformador da
sociedade.
Para que essa última se efetive, são necessárias práticas educativas que
propiciem um amplo espectro de informações de modo que o sujeito seja capaz de
resolver dilemas, ter autonomia e responsabilidade, ter uma autoimagem positiva e
desenvolver capacidades cognitivas para se apropriar criticamente dos benefícios
das produções humanas (LIBÂNEO, 2005). Essa composição pedagógica tem
como objetivos fundamentais:
a. Provimento de mediações culturais para o desenvolvimento da razão
crítica, isto é, conhecimento teórico-científico, capacidades cognitivas e
modos de ação;
b. Desenvolvimento da subjetividade dos alunos e ajuda na construção de
sua identidade pessoal e no acolhimento à diversidade social e cultural;
c. Formação para a cidadania e preparação para atuação na realidade
(LIBÂNEO, 2005, p. 19).
30

Aqui não cabem ingenuidades! Ao contrário, exige-se um grande esforço para


lidar com a complexidade da ação pedagógica diante das questões conflitantes
postas pela contemporaneidade. Para tal opção pedagógica é imprescindível o
reconhecimento de valores, de objetivos políticos, morais e ideológicos implicados.
As escolhas feitas nesse conjunto de elementos abstratos podem ganhar concretude
mediada por uma organização didática coerente.
A adoção de uma prática pedagógica envolve a escolha de recursos didáticos,
a forma de organizá-los, as relações interpessoais e, especialmente, anuncia a
concepção que se tem do conhecimento. Em função desta concepção, a prática será
formativa/emancipatória quando orientada pela aplicação ética do conhecimento,
entendendo que há diferentes formas de elaborá-lo e que sua construção se dá na
interação social (MORAES, 2009). Tendo a saúde como pano de fundo, estes são
aspectos a serem considerados quando temos em conta que a escolarização é
importante para a aquisição de conhecimentos, valores, representações sociais,
práticas e símbolos comuns ao grupo, à comunidade e à sociedade em que a
pessoa vive, exercendo homogeneização progressiva de comportamentos dos
estudantes relacionados à sua própria saúde e na contribuição do reforço dos
padrões de saúde concebidos para as populações (CARVALHO e GONÇALVES,
2012).
A transposição da agricultura para a escola urbana contemporânea vinculada a
aprendizados para a saúde é considerada, na presente investigação, como um
fenômeno complexo. A agricultura guarda a complexidade de uma prática milenar
essencial humana resultante de longo processo de evolução técnica e cultural que
se expande, se universaliza e se diversifica com suas implicações sociais, culturais,
ambientais e econômicas. São dimensões que, no Brasil, ganham contornos
próprios em cada uma de suas regiões e suas localidades a serem levados em
conta para a inserção da agricultura na escola. Buscamos considerar, assim, a
complexidade (MORIN, 2005a; 2007a) envolvida nessa transposição e as
necessárias adaptações para a sua conformação pedagógica, abrangendo tanto
aspectos físico-materiais como a escolha e organização dos conhecimentos a serem
explorados e, especialmente, a composição de uma agenda que auxilie na
identificação e questionamento dos valores que orientam as ações.
A Sociologia das Ausências e a Sociologia das Emergências podem fornecer
bases importantes para um projeto educativo como este, indicando possibilidades
31

para a análise, a interpretação, o enriquecimento e a reformulação de práticas


pedagógicas. Tal projeto tem em sua essência a pedagogia do conflito e traz
contribuições epistemológicas que tanto orientam o percurso da pesquisa quanto a
análise dos aspectos envolvidos diretamente na prática pedagógica objeto do
estudo. São identificados três conflitos de conhecimentos a serem considerados
como centrais nas experiências pedagógicas emancipatórias. O primeiro refere-se
ao conflito na aplicação de conhecimentos, contrapondo a aplicação técnica com a
aplicação edificante da ciência; o segundo confronta o conhecimento-como-
regulação e o conhecimento-como-emancipação; e o terceiro funda-se na
hegemonia cultural e sua contraposição pelo multiculturalismo (SANTOS, 2009).
Os sistemas educativos estão estruturados de forma unívoca em função da
aplicação técnica do conhecimento científico, distanciando a ciência e seu produto.
Assim, todos os problemas sociais e políticos se convertem em problemas técnicos e
passam a ser resolvidos de modo científico. Tal modelo já mostrou sua ineficácia,
mas sua lógica persiste nos sistemas educativos. O processo ensino-aprendizagem
se enriquece quando o modelo de aplicação técnica da ciência é posto em conflito
com o modelo de aplicação edificante da ciência caracterizado pelo
comprometimento, entre outras coisas, com a ampliação dos canais de comunicação
e argumentação, com o desvelamento das relações de poder, com o
reconhecimento crítico das diferentes formas de conhecimento e com a crítica ao
impacto da aplicação do conhecimento.
O conhecimento-como-regulação e o conhecimento-como-emancipação,
inseridos no paradigma da modernidade, deverão ser postos em conflito dada a
supremacia que o primeiro adquiriu. O conhecimento inerente ao colonialismo
passou a ser justificado como ordem, se sobrepondo pelo convertimento de outros
saberes em ignorância e em caos. O conflito pedagógico pode confrontar a
assimetria entre o saber como ordem e colonialismo e o saber como solidariedade e
caos por meio de exercícios retrospectivos e prospectivos ampliando o campo das
possibilidades.
O terceiro e mais amplo conflito epistemológico proposto é cultural e tem seu
foco na globalização hegemônica, imposta como superioridade da cultura ocidental
em relação às demais, de tal forma que no sistema educativo hegemônico as outras
culturas ou estão ausentes ou estão merecidamente vencidas, marginalizadas,
suprimidas (SANTOS, 2009, p. 31).
32

O conceito de hegemonia para o filósofo italiano Gramsci (1989) refere-se à


subordinação material e simbólica de uma sociedade a um modelo que corresponde
aos anseios de uma única classe. Entre as muitas contribuições de Gramsci para a
educação, resguardadas as especificidades histórica e contextual, está a aposta no
potencial do espaço escolar como contribuinte importante para a edificação de uma
nova hegemonia pelas classes sociais subalternizadas.
O pensamento gramsciano alerta para a insuficiência da crítica e da
interpretação da realidade e apela para o movimento de transformação. Para
Gramsci a hegemonia é uma categoria fundamental no processo de transformação
social, por ser o mecanismo pelo qual a classe dominante obtém consenso em torno
de seus objetivos manifestados nas condições de vida material e ideológicas da
sociedade. A classe dominante se mantem nessa condição por meio de algumas
instâncias, entre as quais estaria a escola. No entanto, é no seio da hegemonia que
se constrói a contra-hegemonia, caracterizando-se por processos de construção de
outro senso comum. Assim, essa mesma escola tanto pode reproduzir elementos
que ajudam a manter a estrutura vigente como pode se tornar um espaço de crítica
das contradições que se expressam nos modelos, econômico, político e ideológico,
ora dominantes, conduzindo à transformação para a edificação de uma nova
hegemonia (GRAMSCI, 1989).
As ideias de Gramsci foram uma das referências da perspectiva pedagógica
transformadora de Paulo Freire. Ambos compartilham a possibilidade da escola
participar do processo de transformação da sociedade a partir do desvelamento da
ideologia dominante em prol de um pensamento contra-hegemônico. Este, para
além de uma concepção teórica bem consolidada, precisa permear cotidianamente
as práticas educativas promovendo a desnaturalização das ideias dominantes e
propiciando novas construções, nova práxis (SANTOS NETO, 2009).
Santos (2009) propõe como contraposição emergente à hegemonia cultural o
multiculturalismo, o qual se faz presente nas formas de globalização contra-
hegemônicas concretizadas em movimentos sociais transnacionais que lutam contra
o modelo hegemônico de desenvolvimento e cultural, tais como grupos de direitos
humanos, étnicos, ecológicos, feministas, pacifistas, entre outros.
Cabe evidenciar, para o estudo em questão, os movimentos relativos aos
modos de produção e distribuição agrícola que buscam fortalecer práticas
ecológicas, a agricultura familiar e a economia solidária. São emergências presentes
33

no contexto agrícola brasileiro que têm influenciado políticas públicas e penetram na


escola inclusive através da horta, compondo cenários com diferentes graus de
heterogeneidade nos quais residem situações de interações entre elementos
hegemônicos e contra-hegemônicos.
Das diversas possibilidades de interações entre culturas, decorrem distintas
formas de interpretar a condição cultural contemporânea que passam pelas
percepções do agravamento do conflito cultural, da coexistência pacífica de culturas
singulares e do surgimento de culturas híbridas e, ainda, de uma cultura global,
cosmopolita. O imperialismo cultural tem assumido formas que, mascarando a ideia
de hierarquia, naturalizam aquelas últimas percepções e influenciam as práticas
educativas. A elucidação se dá pela reflexão de que a hibridização é sempre uma
troca desigual de reprodução e de que a cultura global seria a globalização de certas
características da cultura dominante. Faz-se necessária a criação de um espaço
intercultural no qual a comunicação entre o imperialismo cultural e o
multiculturalismo se torne possível requerendo uma estruturação pedagógica que
crie imagens desestabilizadoras que promovam o diálogo igualitário entre as culturas
(SANTOS, 2009).
Lamentavelmente, o modelo de educação no Brasil não tem se estruturado de
modo a favorecer esse movimento. Nesse sentido, apela-se para a capacidade de
resistir ao discurso fatalista. A opção por uma educação libertadora concretiza-se no
fazer pedagógico crítico e, para tanto, recomenda-se entre outras coisas, aguçar o
olhar, buscando identificar os fundamentos que têm orientado as políticas
educacionais e as reformas curriculares em curso; não acatar passivamente
documentos oficiais orientadores, mas examiná-los com rigor; identificar e explorar
pedagogicamente os espaços de contradição. Para tanto, é importante criar
momentos de diálogo coletivo, sistemáticos e programados, onde a prática
pedagógica possa ser discutida, problematizada e refletida de tal forma a
estabelecer um processo criativo, aberto, e permanente de sua reinvenção
(SANTOS NETO, 2009, p. 37).
Identificar, dar visibilidade, explicitar e problematizar as dimensões que
compõem uma prática pedagógica contribui para o entendimento dos conhecimentos
envolvidos de forma ampla, o que favorece escolhas informadas no planejamento da
prática e ao longo de sua execução e, especialmente, frente a imprevistos
cotidianos.
34

O Pensamento Complexo, a Sociologia das Ausências e a Sociologia das


Emergências têm em comum a contraposição à naturalização e aceitação da
percepção da realidade hegemônica do mundo, sinalizando para a identificação de
elementos contribuintes para práticas pedagógicas emancipatórias, ou além, como
sugere Paulo Freire: práticas pedagógicas libertadoras. Porém, uma vez imersos
num contexto de imperialismo cultural, o esforço contra-hegemônico na realização
concreta de prática pedagógica com agricultura pode ficar comprometido pelo
desconhecimento de outras possibilidades e a adoção inconsciente ou ingênua de
componentes do modelo dominante. Faz-se necessária a busca de subsídios em
outros conjuntos de conhecimentos e manifestações que deem forma e concretude
às ações e aos objetivos pretendidos.
As perspectivas apresentadas foram fundamentais para a identificação, a
justificação e a argumentação sobre o potencial pedagógico presente nos princípios
da Agroecologia e da Agricultura Urbana. Ambas contribuem com olhar renovador
para a agricultura por apresentarem aportes para a sua prática que revelam
dimensões e referências ocultadas pelo modelo hegemônico agroalimentar.
A Agroecologia é reconhecida por alguns autores como uma ciência emergente
com base na complexidade, que põe em diálogo e questiona os diferentes saberes
que envolvem a atividade agrícola e seus respectivos impactos na garantia da
sustentabilidade ecológica, social, econômica, cultural, política e ética. Com isso,
promove o resgate, a seleção, a organização e a disponibilização de um conjunto de
conhecimentos que possibilita escolhas informadas de técnicas, de materiais e de
procedimentos quando do desenvolvimento de atividades agrícolas (ALTIERI, 2004;
CAPORAL e COSTABEBER, 2004; CAPORAL et al., 2009). Assim, a agroecologia
guarda coerência e reforça os pressupostos teóricos anteriormente apresentados
trazendo princípios específicos que podem orientar o planejamento e o
desenvolvimento das hortas escolares. Porém, em se tratando de ações no espaço
urbano, outras particularidades precisam ser consideradas para a adoção de
mecanismos adequados. Encontramos esses subsídios no conceito da agricultura
urbana.
Longe de uma percepção paradoxal, a presença da agricultura no espaço
urbano desde há muito tempo faz resistência ao caráter unívoco da agricultura em
relação ao rural. No entanto, classificações dicotômicas e hierarquizantes como rural
35

e urbano, roça e cidade, caipira e moderno, atraso e progresso promovem sua


invisibilidade.
O reconhecimento da agricultura urbana pelas esferas acadêmica e
governamental é relativamente recente e tem se expandido em pesquisas sobre
adequação nas formas de produção e em políticas públicas como instrumento
estratégico no suprimento de carências alimentares. Refere-se a pequenos espaços,
situados dentro de uma cidade ou na periferia desta, destinados à produção agrícola
e à criação de pequenos animais. Pode apresentar-se de forma muito diversificada
em função das peculiaridades locais e dos recursos disponíveis: hortas caseiras em
quintais com solo; produção em recipientes diversos; hortas comunitárias; uso de
técnicas como a hidroponia e a organoponia, entre outras (MACHADO e MACHADO,
2002). Entretanto, já se faz presente o entendimento de que a agricultura urbana
precisa estar apoiada na agroecologia, que inclui o uso de substratos e manejo
orgânico do solo, técnicas de rotação e associações de cultivos e cuidado
fitossanitário alternativo ao convencionalmente utilizado, bem como na utilização de
todo espaço disponível para produção e integração interdisciplinar e interinstitucional
para assessorar a produção (COMPANIONI et al., 2001).
A conjugação dos princípios da agroecologia e das características da
adequação espacial da agricultura urbana ajuda a dar materialidade aos
pressupostos teóricos apontados pelo Pensamento Complexo, pela Sociologia das
Ausências e pela Sociologia das Emergências. Assim, a atividade agrícola na escola
urbana, na condição de horta escolar, tem a possibilidade de ser estruturada como
uma prática educativa que busque considerar as diferentes dimensões que
compõem os seres humanos, o olhar crítico para a realidade, o desvelamento e a
valorização da variedade de saberes.

2.1 A COMPLEXIDADE OU PENSAMENTO COMPLEXO

O uso desse referencial nas práticas educativas aponta para uma mudança
epistemológica e sugere a valorização de um conjunto de conceitos, até então
subalternizados, para compor os processos de ensino e aprendizagem. Esse
conjunto põe em equivalência dimensões que têm sido dicotomizadas nos modelos
educacionais hegemônicos – sujeito-objeto, parte-todo, razão-emoção, simples-
36

complexo - com privilégio dos conceitos que conformam uma educação


descontextualizada e simplificadora (SOMMERMAN et al., 2009).
O Pensamento Complexo pode ser utilizado como um esforço para evidenciar
a multidimensionalidade, a multirreferencialidade e as lógicas decorrentes para
interpretar o desenvolvimento da prática da agricultura no espaço escolar urbano e
sua complexa interação recursiva entre seus elementos intrínsecos e desses com os
contextos próximos e amplos nos quais se insere.
A horta escolar provoca e estimula o educador a perceber o estudante no
exercício de sua integralidade, interconectados seu corpo, seu intelecto, seus
sentimentos. Nesse sentido, a teoria da complexidade sinaliza para uma prática
pedagógica que leve em conta não somente a objetividade e a racionalidade, mas a
subjetividade, a emoção, a articulação entre os saberes disciplinares ou não, e o
contexto. As matrizes curriculares e a disciplinarização têm funcionado como
esquemas mentais que obstaculizam a comunicação entre as áreas de
conhecimento e, portanto, se apresentam como desafios aos educadores: a
superação de conceitos tradicionais e a transgressão da estrutura disciplinar, a
busca de conhecimentos sob diferentes óticas, o uso de diferentes linguagens e a
consideração de vários sistemas de referência (SANTOS, 2003).
A formulação do Pensamento Complexo contradiz os paradigmas que se
baseiam na visão unidimensional, especializada e fragmentadora, que recortam a
realidade para analisá-la e compreendê-la, por postular que os mesmos não
respondem às questões contemporâneas. O termo complexo informa o que é tecido
junto, ou seja, a indissociabilidade dos componentes do todo. A complicação, a
desordem, a contradição, a dificuldade lógica, os problemas de organização etc. são
constituintes da contextura da complexidade. Quando o conhecimento, em nome da
inteligibilidade, organiza os fenômenos eliminando os ruídos, os aspectos
inquietantes de difícil explicação que põem em risco a ordem e a sua explicitação
para uma certeza pretendida, oculta elementos que compõem a realidade
antropossocial. A proposição dos fundamentos da complexidade traz o pensamento
multidimensional como forma de análise dos fenômenos, entendendo que a
realidade comporta as dimensões individual, social e biológica e que o acolhimento
da complexidade e seus eventuais conflitos compõem a postura dialógica (MORIN,
2005a; 2007a).
37

O pensamento complexo pode ser exercitado a partir de três princípios


mutuamente interligados: o princípio dialógico, o princípio da recursão
organizacional e o princípio hologramático (MORIN, 2007a). O primeiro associa
complementaridade e antagonismo, aceitando a coexistência de mais de uma lógica
em uma dada situação, sem que a dualidade se perca. Assim, aspectos que
aparentemente seriam excludentes entre si tornam-se interdependentes, como a
ordem e a desordem. O segundo promove a ruptura da concepção linear
causa/efeito e produto/produtor, aderindo aos processos de recursividade nos quais
produtos e efeitos podem ser percebidos, simultaneamente, como produtores e
causadores daquilo que os produz. Assim o indivíduo, inserido num dado grupo
social, é constituído e o constitui. O terceiro princípio busca superar tanto o
reducionismo quanto o holismo, que se concentram somente nas partes ou somente
no todo, respectivamente, alertando que não apenas a parte está no todo, mas o
todo está na parte (MORIN, 2007a, p.75) e que essa percepção pode ser verificada
no mundo físico, biológico e sociológico. Assim, é possível ampliar o conhecimento
das partes a partir do todo e vice-versa.
Concebendo a horta escolar como uma parte, que também é composta por
muitas partes, que não pode ser executada ignorando o todo ou os inúmeros todos,
exercita-se e desenvolve-se o modo de pensar complexo e esse, por sua vez, auxilia
no entendimento das dimensões que compõem essa prática.
É preciso que se conheçam as qualidades das partes que estão inibidas e
invisíveis no sistema, para que se percebam as transformações desenvolvidas no
todo (PETRAGLIA, 2008, p. 63).
A prática da agricultura, em si, tanto pode contribuir para reforçar a lógica
binária ser humano x natureza, quanto pode ajudar no resgate da percepção
inequívoca de complementaridade e de unidade. A equação vigente coloca o ser
humano moderno diferente e superior em relação à natureza, logo, como não
natureza (GUIMARÃES, 2006). A adoção da complexidade pode trazer aspectos da
dimensão basilar humana de pertencimento ao ambiente natural em oposição à
relação baseada na autopercepção sobrenatural, buscando romper a visão
dicotômica construída historicamente entre ser humano e a natureza. Assim, a
execução de uma horta escolar precisa apresentar a agricultura como um conjunto
de tecnologias de manipulação da natureza, a qual nos precede e da qual somos
parte, pelo entendimento que:
38

[...] a descoberta da vida deve preceder a das tecnologias, para as quais


sempre chegará o devido tempo, ao passo que os elos íntimos que nos
ligam à natureza devem ser adquiridos, de certa forma, desde o berço [...]
(PELT, 2007, p.117).

A apresentação da tecnologia agrícola sem a compreensão do mundo natural


(e também do já construído) recorta a realidade, a limita a uma parte. O que se
propõe é o movimento de reintegração humana ao mundo natural para a explicitação
do que de fato distingue o ser humano desse meio e, consequentemente, o
estabelecimento de condições de crítica mais fundamentada sobre as
transformações que promove. O ser humano, sendo biológico, faz parte do mundo
natural e simultaneamente, ao inventar a cultura, a linguagem, a tecnologia, também
é diferente dele (MORIN, 2007b). A cultura (e outros inventos) é complexa e
dinâmica e se perpetua por meio de permanências e mudanças, devendo ser
ensinada para cada novo indivíduo. Sobre essa base emergem inovações que, se
incorporadas e apropriadas pelo grupo social, promovem paulatinamente a evolução
social e cultural (MORIN, 2005b).
A manipulação do ambiente para a produção de alimento conjuga o ambiente
natural ao biológico e ao cultural e revela a gênese do afastamento humano do
processo de produção do alimento por seleções tecnológicas. As tecnologias
adotadas pelo modelo agroalimentar em curso naturaliza ausências - a supressão de
outras técnicas e saberes - e promove o distanciamento das etapas de cultivo e de
suas implicações ambientais, dificultando o entendimento do contexto. Tal fato pode
influenciar negativamente os julgamentos e o processo de escolhas (SILVA et al.,
2011).
A prática da horta, ao promover a interação reflexiva com ambiente natural,
pode contribuir para a perpetuação de peculiaridades que reafirmam as condições,
animal e humana, como forma de alicerçar a elaboração de novos conhecimentos e
as escolhas de suas aplicações. Por outro lado, uma abordagem tecnicista e
produtivista pode reforçar a visão da natureza sobrenatural humana, ao invés de
superá-la.
Os princípios mencionados, embora auxiliem a reflexão para a prática
pedagógica, expõem também a dificuldade de análise da mesma quando se é parte
do mesmo contexto. Sugere-se, então, a assunção da própria consciência como
39

objeto de conhecimento e a existência de paradigmas2 que conduzem a observação,


de forma que o que se torna conhecido é apenas uma tradução daquela realidade
(MORIN, 2007a).
A complexidade ao ser aplicada à horta conjuga dois recursos, um teórico e
outro prático, complementares e que podem ser mutuamente reforçados para
auxiliar na fuga do enclausuramento disciplinar, da disjunção intelecto-corpo para o
aprendizado e do modelo dualístico emissor-receptor de conhecimento.
O currículo escolar, organizado em disciplinas, não exibe a visão do todo,
aprisiona e limita o conhecimento dificultando sua compreensão e aprendizagem. O
pensamento complexo além de criticar o modelo disciplinar, alvitra a insuficiência da
interdisciplinaridade, na qual as disciplinas contribuem, com seus respectivos
conhecimentos, em um determinado caso. A complexidade instiga a adoção da
prática transdisciplinar. Nessa prática não há espaço para conceitos fechados e
pensamentos estanques, ao contrário, há a busca de todas as relações que possam
existir entre todo o conhecimento (PETRAGLIA, 2008, p. 83).
A complexidade alerta para as insuficiências da fragmentação do conhecimento
do modelo disciplinar e indica que olhemos também para o que está entre, através e
além das disciplinas coadunando com a transdisciplinaridade (NICOLESCU, 2005).
Assim, seria reducionista, que em uma horta escolar, o professor de matemática se
limitasse a orientar medição de canteiros, o de ciências colhesse flores para ensinar
suas partes e assim por diante. À medida que cada professor exercite o olhar
complexo para os elementos da horta, pode se tornar mais claro na prática
pedagógica que é preciso distinguir e não separar e disjuntar; associar e interligar e
não reduzir ou isolar; complexificar e não simplificar (PETRAGLIA, 2008, p. 84).
A aplicação da disjunção entre intelecto e o corpo físico continua prevalecendo
nas elaborações didáticas e essa se efetiva na exigência cotidiana nas salas de aula
da concentração mental e corpo inerte. Complementando esse padrão, a relação
professor e estudante é geralmente unidirecional, na qual um detém e emite o
conhecimento e outro o recebe para “aprender”. Ignora-se, assim, que o
aprendizado não é um processo linear, uma vez que o sujeito em si é uma
complexidade, sendo esta construída individualmente mobilizando dimensões

2
...um tipo de relação lógica (indução, conjunção, disjunção, exclusão) entre certo número de noções ou categorias mestras. Um paradigma
privilegia certas relações lógicas em detrimento de outras, e é por isso que um paradigma controla a lógica do discurso. O paradigma é uma
maneira de controlar ao mesmo tempo o lógico e o semântico. (MORIN, 2007a , p.112)
40

mentais e corporais por meio da comunicação com outra complexidade, que é o


mundo exterior (SANTOS, 2003, p. 19).
Depreende-se com tais entendimentos que as práticas que se pretendam
educativas necessitam ser estruturadas para provocar corpo e mente buscando
enredar razão, intelecto, sensações, emoções, sentimentos e intuição. Assume-se
assim a aprendizagem como um processo autorreferencial, de construção interna,
individualizada e também multirreferencial, pois se dá a partir das diversas formas de
relação estabelecidas com o meio (SANTOS, 2003). Critica-se aqui o equívoco
vigente do predomínio de aulas expositivas sobre as atividades práticas, que,
quando presentes, são consideradas desconectadas do aprendizado cognitivo.
Os elementos envolvidos na execução de uma horta escolar e as inúmeras
possibilidades resultantes das interações entre eles conformam a complexidade
presente na ação e, especialmente, a sua imprevisibilidade que obriga a mobilização
de estratégias que fogem ao planejado e que podem conduzir a soluções que
escapam das intenções iniciais (MORIN, 2007a). O reconhecimento dessas
possíveis contradições é fundamental para a compreensão da realidade, o que não
é possível com o pensamento simplificador, uma vez que este fragmenta a realidade
ignorando a ambiguidade e os equívocos (SANTOS, 2003).
A intenção manifestada em muitos projetos de elaborar uma horta na escola
voltada para aspectos formativos abrangentes relativos à educação ambiental e
educação alimentar pode ficar comprometida pelos fatores socioculturais, pela visão
disciplinar e pelo modo fragmentado de conceber a realidade, tais como dissociação
entre sociedade e natureza e entre o urbano e o rural; demérito das atividades
braçais em contraposição ao trabalho intelectual; compreensão circunscrita sobre
práticas agrícolas ao espaço rural; visão tecnicista com relação às atividades
oferecidas no espaço escolar; percepção limitada sobre o sistema alimentar, entre
outros.
Considerando a estrutura educacional vigente e a consequente dificuldade para
a transversalidade de temas como a alimentação, saúde e ambiente, caberia, então,
o apelo aos professores e outros envolvidos na execução da prática pedagógica, à
adoção da atitude transdisciplinar. Esta reforça a estreita ligação entre a teoria e a
prática, exigindo rigor na consideração de todos os elementos que compõem uma
dada situação e abertura para a admissão do desconhecido, do inesperado e do
imprevisível (NICOLESCU, 2005).
41

O modo de pensar complexo ao propor a interlocução entre as diferentes áreas


de conhecimento e entre os diversos saberes humanos e ao reconhecer os variados
caminhos que conduzem à aprendizagem oferece referências para uma ação
pedagógica acolhedora dos conflitos e paradoxos presentes na realidade,
possibilitando reelaborações para uma educação contextualizada e com mais
sentido para a vida.

2.2 A SOCIOLOGIA DAS AUSÊNCIAS E A SOCIOLOGIA DAS EMERGÊNCIAS

O olhar que vê uma pessoa cultivar a terra com uma enxada não
consegue ver nela senão o camponês pré-moderno (SANTOS, 2002, p. 245).

O que tem sido considerado contemporâneo se restringe a um modo de olhar


seletivo conduzido por uma racionalidade parcial e homogeneizante do mundo.
Assim, muitas cenas e experiências cotidianas - e, portanto, contemporâneas - são
ignoradas na sua condição de presentes e passam a ser consideradas como algo
fora do contexto da contemporaneidade. As possibilidades se tornam restritas pelo
desperdício de muitas experiências humanas e o presente é contraído pela não
contemporaneidade do contemporâneo (SANTOS, 2002).
A enxada, e tudo que a ela se relaciona, vista como símbolo de algo
ultrapassado e atrasado, não foi superada pela agricultura moderna. Ao contrário, é
ferramenta contemporânea se estivermos atentos ao fato de que aproximadamente
80% dos agricultores da África, de 40% a 60% dos da América Latina e da Ásia
continuam a trabalhar unicamente com equipamentos manuais e outras formas de
agricultura. Algumas dessas vêm sendo eliminadas, mas há aquelas que subsistem
(MAZOYER e ROUDART, 2010).

Tendo em vista o papel que deverão representar todas as agriculturas do


mundo na construção de um futuro possível para a humanidade, é
inquietante constatar como a opinião e os espíritos esclarecidos atuais
estão distantes das realidades agrícolas, e a que ponto aqueles que se
encarregam da agricultura desconhecem toda a riqueza da herança agrária
da humanidade (MAZOYER e ROUDART, 2010, p. 44).

A não existência é produzida sempre que uma dada entidade é desqualificada


e tornada invisível, ininteligível ou descartável de um modo irreversível (SANTOS,
42

2002, p. 247). Faz-se, então, necessária a busca por procedimentos que deem
visibilidade e fortaleçam experiências contemporâneas relevantes que têm sido
excluídas da condição de existente ou enquadradas como alternativas não
acreditáveis, fazendo valer o entendimento de que é possível usar um computador e
mexer com terra, usar um microscópio e continuar mexendo com terra... (fala de
professor em SILVA, 2010).
A Sociologia das Ausências e a Sociologia das Emergências afinadas com o
Pensamento Complexo são apresentadas como formas de criticar e enfrentar a
razão indolente, cujo objetivo denota uma racionalidade acomodada e reducionista
de percepção da realidade, o que restringe as experiências do presente e as
possibilidades futuras. A razão indolente pode se manifestar na razão metonímica e
na razão propeléptica. A primeira traz o conceito de totalidade formulado a partir de
uma parte, ou seja, uma determinada parte é tomada como o todo, como o único
presente, de modo que muito do que existe torna-se invisibilizado. A segunda é uma
forma de racionalidade que entende o futuro como algo já determinado e infinito.
Assim, as Sociologias propostas seriam ferramentas de expansão do presente, pela
ampliação do repertório de experiências presentes e de contração do futuro, pela
identificação do que já pode ser (SANTOS, 2002; 2007).
A Sociologia das Ausências, ao partir de um olhar complexo, demonstra como
se dá, ativamente e intencionalmente, o processo de redução da diversidade da
realidade e o predomínio de monoculturas, bem como apresenta possibilidades de
reversão desse quadro. Busca identificar os pontos cruciais que sustentam a visão
hegemônica e emperram a emancipação social. Anuncia que a prevalência de uma
realidade pela exclusão de diversas realidades apresenta-se como algo forjado e
que muito do que não é considerado tem sua inexistência gerada ativamente como
não existente, como uma alternativa não crível, como uma alternativa descartável,
invisível à realidade hegemônica do mundo (SANTOS, 2007, p. 29). Esclarece,
ainda, que as ausências são produzidas com a edificação de cinco monoculturas: a
monocultura do saber e do rigor, que institui e ausenta o ignorante ao supor que o
saber científico é o único reconhecido como rigoroso, enquanto que outros
conhecimentos não são avaliados como relevantes e se tornam invisíveis e vítimas
de um epistemicídio; a monocultura do tempo linear, que subtrai o residual, o pré-
moderno, o simples, o primitivo, o selvagem e uniformiza a história de diferentes
povos dividindo-os em mais ou menos desenvolvidos, consolidando a existência de
43

um ideal de progresso, de modernização e de desenvolvimento que precisa ser


alcançado; a monocultura da naturalização das diferenças, que descarta o inferior,
naturalizando as hierarquias, reforçando a noção de que estas são consequência da
inferioridade natural de alguns e superioridade de outros; a monocultura da escala
dominante, que diz respeito ao universalismo e à globalização, ou seja, a concepção
de que existe um padrão de identidade que pode e deve ser válido para qualquer
contexto, evidenciando o local e o particular para excluí-lo; e a monocultura do
produtivismo capitalista, que elimina o qualificado como improdutivo, no qual o
trabalho e a natureza devem estar a serviço de uma produção contínua,
determinando o crescimento econômico (SANTOS, 2007). Sugere-se a
contraposição a essas monoculturas a partir das ideias contidas em cinco ecologias.
A ecologia dos saberes parte do princípio de que todo saber comporta
ignorâncias e não há ignorância absoluta, mas sempre parcial. Assim, busca
identificar outros saberes e outros critérios de credibilidade de forma que a ciência
faça parte de um elenco de saberes. No caso da agricultura há que se ter cuidado
com a qualificação alternativa usualmente atribuída a agriculturas fora do modelo
hegemônico. O termo alternativo pode trazer a concepção de subalternidade ao que
seria o modo normal de produção, quando na realidade os saberes indígenas e
camponeses são os primeiros e atendem a lógicas que foram ignoradas nos
considerados avanços tecnológicos, estes sim, alternativos (SANTOS 2002; 2007).
A ecologia das temporalidades afirma a coexistência de várias
contemporaneidades em função de lógicas distintas, contrapondo a ideia de uma
única direção para a história na qual os países ditos desenvolvidos estão na frente.
Consiste na eliminação do conceito de residualidade atribuído a outros modos de
organização social e respectivas temporalidades quando comparados ao que tem
sido considerado avançado, de tal forma que a actividade do camponês africano ou
asiático deixa de ser residual para ser contemporânea da actividade do agricultor hi-
tech dos EUA ou do executivo do Banco Mundial (SANTOS, 2002, p. 251; 2007).
A ecologia do reconhecimento busca identificar a existência das diferenças a
partir da eliminação das hierarquias naturalizadas. Desse modo é possível verificar,
por exemplo, que de fato há diferenças entre homem e mulher, mas que estas não
coincidem com aquelas percebidas num contexto hierárquico.
44

A ecologia da „transescala‟, em oposição à monocultura da escala dominante,


visa a resguardar a dignidade e a credibilidade do que é particular e local dos
processos dominantes e excludentes do universalismo e da globalização.
A ecologia das produtividades visa à recuperação e à valorização dos diversos
sistemas de produção e formas de organizações econômicas populares, das
cooperativas operárias, das empresas autogestionadas, da economia solidária, os
quais têm sido ocultados ou desacreditados pelo produtivismo capitalista. É possível
identificar elementos promissores para essa ecologia nos movimentos sociais.
A refutação da lógica hegemônica se dá no movimento de conferir visibilidade
às ausências e resgatar o ocultado para que este se torne presente e esteja
disponível. Desse modo aumenta-se o leque de experiências e de alternativas
possíveis. Com as perspectivas das ecologias propostas, a crença de que é
plausível a ampliação das experiências do presente permite antever possibilidades
emergentes que são sinais de futuro mais próximo e concreto (SANTOS, 2002;
2007).
Investe-se assim na possibilidade de identificação de ausências no processo
de desenvolvimento da pesquisa, bem como na análise e interpretação da prática de
agricultura na escola. A Sociologia das Emergências complementa o movimento
proposto pela Sociologia das Ausências e traz sua ampliação simbólica, permitindo
identificar sinais de futuro, pistas ou traços de suas capacidades e possibilidades
emergentes. Assim como na Sociologia das Ausências, há a investigação de
ausências, mas não só:

Também aqui se trata de investigar uma ausência, mas enquanto na


sociologia das ausências o que é activamente produzido como não
existente está disponível aqui e agora, ainda que silenciado, marginalizado
ou desqualificado, na sociologia das emergências a ausência é de uma
possibilidade futura ainda por identificar e uma capacidade ainda não
plenamente formada para a levar a cabo (SANTOS, 2002, p. 258).

Há na sociedade uma variedade de experiências e movimentos que exibem


sinais ou pistas promissores que são negligenciados. A ampliação simbólica,
proposta pela Sociologia das Emergências, consiste em tornar menos parcial o
nosso conhecimento das condições do possível; tornar menos parciais as condições
do possível (SANTOS, 2002, p. 258). Desse modo, é possível apreender naquelas
experiências o que as faz pistas ou sinais e fortalecê-las.
45

Assim, a Sociologia das Ausências torna presente o que já existe e tem sua
ausência produzida, aquilo que está, mas é como se não estivesse. A Sociologia das
Emergências busca os sinais do que ainda não é e produz experiências possíveis. A
combinação das duas permite ampliar o presente pela inclusão das experiências
invisibilizadas e contrair o futuro pela identificação de embriões de possibilidades.
Esse movimento enriquece a realidade com alternativas e possibilidades que para
estarem reciprocamente disponíveis precisam ser compreendidas em suas
especificidades, criando a inteligibilidade sem destruir a diversidade. O que pode se
tornar possível com um trabalho de tradução (SANTOS, 2007, p. 40).
O trabalho de tradução complementa a Sociologia das Ausências e a
Sociologia das Emergências, criando inteligibilidade, coerência e articulação num
mundo enriquecido por uma tal multiplicidade e diversidade. Além de um trabalho
intelectual e político, a tradução parte do inconformismo perante uma carência
decorrente do carácter incompleto ou deficiente de um dado conhecimento ou de
uma dada prática (SANTOS, 2002, p. 267; SANTOS, 2007).
No caso em estudo, torna-se especialmente importante pensar a tradução da
prática da agricultura (ou das agriculturas) que, antes de ser inserida na escola, é
uma prática social com seus respectivos agentes e conhecimentos. Assim, o
trabalho de tradução incide sobre os saberes enquanto saberes aplicados,
transformados em práticas e materialidades, trazendo a inteligibilidade entre os
diferentes objetivos e suas formas de organização (SANTOS, 2002, p. 265).

2.3 A AGROECOLOGIA E A AGRICULTURA URBANA

A agroecologia é um campo científico e acadêmico, relativamente recente e em


processo de construção e sistematização, que envolve conhecimentos de diferentes
áreas, origens e formas de produção. O seu surgimento e expansão são respostas à
crise socioambiental provocada pela racionalidade econômica e tecnológica não
sustentável praticada pelo modelo de agricultura dominante. É orientada por valores
e princípios que buscam estabelecer novas relações do ser humano com os demais
elementos do ambiente natural na atividade agrícola. A sua consolidação tem se
dado na criação de cursos de graduação e pós-graduação e publicações científicas
voltadas ao tema, cujo objetivo central é dar apoio e respaldar o processo de
transição dos atuais modelos de desenvolvimento relativos à agricultura para estilos
46

sustentáveis. A complexidade tem sido apontada como o referencial epistemológico


mais coerente com os seus propósitos (BORSATTO e DO CARMO, 2013).
A agroecologia pode ser entendida como o resultado de um processo de
tradução, como propõe Santos (2002), de saberes presentes na agricultura. Ao
assumir sua elaboração epistemológica afinada com a complexidade, afasta-se do
paradigma da simplificação, cartesiano e reducionista, e reconhece as múltiplas
relações e os diferentes conhecimentos envolvidos na atividade agrícola (CAPORAL
et al., 2009).
No Brasil há um movimento incipiente, porém crescente, para incorporação dos
princípios da agroecologia que tem impulsionado avanços na esfera governamental.
São resultados de processo de luta contra-hegemônica que podem ser identificados
como respaldos importantes para o desenvolvimento de ações pedagógicas e, em
especial, as hortas escolares.
A prioridade legal à aquisição de alimentos agroecológicos para a alimentação
escolar no Brasil (BRASIL, 2009) tem um potencial de impacto social, ambiental e
econômico que, dada a materialidade de seu objeto (a comida) no cotidiano da
escola, permite ampliações nas discussões do fazer pedagógico com a horta.
Em 2012 foi instituída a Política Nacional de Agroecologia e Produção
Orgânica, cujos objetivos expressos são integrar, articular e adequar políticas,
programas e ações indutoras da transição agroecológica e da produção orgânica e
de base agroecológica, sob a justificativa de contribuir para o desenvolvimento
sustentável e para a qualidade de vida da população, embasados no uso sustentável
dos recursos naturais e na oferta e consumo de alimentos saudáveis,
respectivamente (BRASIL, 2012). A operacionalização do proposto naquela Política
ganha consistência em 2013 com o Plano Nacional de Agroecologia e Produção
Orgânica que aloca recursos financeiros para a sua produção e assistência técnica
(BRASIL, 2013).
Embora o contexto de elaboração das bases agroecológicas seja a agricultura
no espaço rural, suas características e princípios adequam-se a uma modalidade de
prática agrícola que tem ganhado visibilidade: a agricultura urbana.
O reconhecimento da agricultura urbana e de suas especificidades põe em
evidencia uma percepção diferenciada de atores sociais-espaço-tempo-função para
o ato de plantar. É um conceito ainda em construção nos meios acadêmicos, mas
que já vem sendo adotado por organizações governamentais e não governamentais
47

nacionais e internacionais, como objeto de políticas públicas em atendimento a


demandas sociais, econômicas e ambientais, que embasam a Segurança Alimentar
e Nutricional (AQUINO e ASSIS, 2007).
A Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura - FAO
credita à horticultura urbana e periurbana papel importante para a melhoria das
favelas e dos projetos de novos bairros para famílias de baixa renda. Além de renda
e alimentos, os pomares e hortas oferecem um ambiente saudável, conexão com a
natureza e o prazer de mexer na terra e regar as plantas [...] (FAO, 2012, p. 15). No
Brasil, a agricultura urbana consta como uma das estratégias do Ministério do
Desenvolvimento Social e Combate à Fome para a melhoria da alimentação e
nutrição e geração de renda da população (BRASIL, 2013).
Assim, as contribuições da agricultura urbana, em âmbito geral, identificadas
por pesquisadores podem ser resumidas em três aspectos que se influenciam
mutuamente: o bem-estar, o meio ambiente e a economia. Relacionam-se ao bem-
estar: o aumento da segurança alimentar, a melhoria da nutrição e da saúde
humana nas comunidades carentes e o ambiente mais limpo, reduzindo os surtos de
doenças. Para as questões ambientais destacam-se a conservação dos recursos
naturais, a amenização do impacto ambiental decorrente da ocupação humana [...] e
o incremento da reutilização e reciclagem de resíduos. Na economia, há o aumento
da geração de empregos e o incentivo aos jovens, adultos e idosos com
possibilidades de trabalho (MACHADO e MACHADO, 2002, p.23).
O conceito de agricultura urbana pode ser ampliado, adequações podem ser
feitas e serem identificadas outras contribuições em função do contexto (DIAS,
2000). É o que apostamos para a composição de uma prática pedagógica escolar.
A agricultura urbana, nesse caso, pode ser pensada na perspectiva da
multifuncionalidade da agricultura, evidenciando as políticas de valorização da
agricultura familiar, a percepção da subsistência, a relação ser humano-alimento, os
impactos da atividade sobre o meio ambiente, as práticas sustentáveis etc. Permite-
se confrontar modelos agrícolas no que tange aos processos de produção, a
preservação ambiental, a segurança alimentar e nutricional e a manutenção do
tecido social (MENASCHE et al., 2007).
Outro aspecto que diz respeito à multifuncionalidade da agricultura e que pode
ser explorado pedagogicamente na agricultura urbana é o entendimento da atividade
como mantenedora da fronteira entre sociedade e natureza tendo o alimento como
48

eixo unificador. Pode-se promover a reconexão ser humano/sociedade/natureza,


sendo a agricultura a zona de fronteira, valorizando as dimensões ambientais e
culturais (PERONDI, 2004).
Entende-se que a junção dos princípios da agroecologia e da agricultura
urbana fornece suporte para escolhas tecnológicas e procedimentos mais
apropriados a uma prática educativa que se pretenda problematizadora.

2.4 PRÁTICAS EDUCATIVAS MULTIDIMENSIONAIS

A ciência moderna, sendo hegemônica, organizada e disciplinar, pauta a


fragmentação do indivíduo e do conhecimento, o que tem orientado há anos as
práticas educativas. O enfoque do processo ensino-aprendizagem concentrado no
racional, ignorando o contexto relacional e as demais percepções corporais tem se
mostrado insuficiente para a compreensão significativa da realidade e do
conhecimento e produz ações pedagógicas desinteressantes. O desafio é a
estruturação de um ambiente de aprendizagem que propicie a interação integral do
educando com os saberes de modo que ele possa, a partir de sua própria forma de
apreensão e compreensão, reconstruir os conhecimentos. Nesse sentido, aprender
é entendido como uma construção pessoal e autopoiética, resultante da interação
com o entorno (SANTOS A., 2009).
As práticas educativas atuais podem ser entendidas como produto de
concepções conflitantes. O confronto entre uma estrutura pedagógica tradicional
arraigada e uma inovadora põe em jogo ações e interações sociais e pessoais,
produzindo construções diversas e imprevisíveis. Assim, é possível vislumbrar a
adoção de novos princípios, mesclados a conceitos e ações de pedagogias
tradicionais. O paradoxo entre o conservadorismo e a inovação é dinâmico e permite
a construção e reconstrução permanente da prática, uma vez que entre a teoria e a
prática existe uma dança interminável, uma alternância entre ideias, pensamentos e
ações, entre o sentir, o pensar, o agir e o refletir (SOMMERMAN et al., 2009;
MORAES, 2004, p. 81).
A aposta na transformação consiste em incrementar esse conflito a partir de
uma atividade, que acreditamos ser o caso da modalidade de agricultura proposta, a
qual invoca a adesão afetiva e que pode mobilizar, tanto educadores como
estudantes, para amplos e diferentes aprendizados.
49

É comum a denominação de progressistas atribuídas àquelas práticas


educativas que rompem com a abordagem tradicional de educação. No entanto,
torna-se difícil utilizar palavras com significados consolidados dentro de um
paradigma a ser superado para denominar o que se pretende emergência dentro de
um novo paradigma. A vinculação do vocábulo progressista a progresso e a
associação deste, por sua vez, à concepção de desenvolvimento que se pretende
questionada cria desconforto para o seu uso. A tentativa de conceituar uma prática
educativa que não descuide das dimensões que referenciam o ser humano conduziu
ao que optamos por denominar de prática educativa multidimensional, a qual passa
a ser construída a partir de um esforço contínuo e infindável do modo de pensar
complexo.
Pensadores de temas que permeiam a prática pedagógica trazem reflexões
importantes que contribuem para a construção de uma prática pedagógica
multidimensional. Peixoto (2009) lança mão de alguns deles, incluindo Edgar Morin,
Paulo Freire e Vera Maria Candau, para tentar tecer o que seria uma prática assim
caracterizada. Considera para os processos ensino-aprendizagem o entrelaçamento
de quatro dimensões que, baseando-se em outros autores, classifica como: humana,
técnica, política e criativa. A dimensão humana aponta para o saber construído nas
relações, no diálogo, na elaboração de espaços de intercâmbios onde se exercitem
concomitantemente o cognitivo e o afetivo, o individual e o coletivo, a autonomia e a
solidariedade. A dimensão técnica clama pela competência do educador para o
movimento contra a fragmentação, a compartimentalização e a hierarquização do
conhecimento e para a articulação ação-reflexão-ação no planejamento pedagógico.
A dimensão política trata do investimento na função transformadora da educação e
apela para a articulação entre os diferentes conhecimentos historicamente
construídos e para a superação da dualidade entre a teoria e a prática. A dimensão
criativa, acrescentada pela autora, ressalta o valor pedagógico da arte por favorecer
a interação humana com o ambiente, com o uso de diferentes formas de expressão
que integram pensamento, sentimento, sensação e intuição.
Ambicionar a multidimensionalidade, naquele caso, é procurar
incessantemente respeitar as diversas dimensões envolvidas na ação pedagógica.
É, portanto, acatar a sua incompletude e conviver com a incerteza. Pode-se pensar,
a partir de Morin, que sendo o humano um ser biológico-sociocultural, as dimensões
acima trazidas por Peixoto são, em última instância, todas humanas. A busca, então,
50

é por conceber a articulação, a simultaneidade, a identidade e a diferença das


dimensões humanas, quais sejam: dimensões físicas, biológicas, sociais, culturais,
psíquicas e espirituais (MORIN, 2005a).
A opção pela busca de uma prática educativa multidimensional como
autoexercício e em prol do exercício de outrem visa a anunciar e a denunciar, a
informar e a formar para a liberdade e tem inspiração na Complexidade, nas
ecologias propostas por Boaventura Souza Santos e na Pedagogia para a
Autonomia defendida por Paulo Freire.
A prática educativa, nesse sentido, pode buscar as conexões com o mundo,
identificando a variedade e a diversidade que tecem o todo na qual se insere. A
complexidade indica um modo de pensar multidimensional que vislumbre na
realidade humana as suas dimensões e no qual o conhecimento seja articulado e
contextualizado (MORIN, 2005a; 2007a; 2007b; SANTOS A., 2009). As ecologias
(SANTOS, 2007) direcionam o olhar para a identificação das ausências impostas
pelo modelo hegemônico que padronizam as diferentes formas de relação e
organização humana, expõem possibilidades, promovem conflitos, fornecendo
subsídios para a educação emancipatória.
A inseparabilidade da ética em relação à prática educativa exige esforço
permanente de rigor nas relações e embates cotidianos, no trato com o conteúdo de
ensino, na atenção às manifestações preconceituosas e discriminatórias e,
especialmente, na superação do fatalismo imobilizador imposto pela imersão na
malvadez da ética do mercado. O caráter formador da experiência educativa não
pode ser confundido com treinamento técnico, ao contrário, exige profundidade na
compreensão e na interpretação dos fatos. A tarefa imposta é o espreitar crítico,
curioso, insatisfeito e indócil num exercício do pensar sobre o mundo presente.
Nesse caso divinizar ou diabolizar a tecnologia ou a ciência é uma forma altamente
negativa e perigosa de pensar errado (FREIRE, 1996, p. 33).
O diálogo é a essência da educação como prática da liberdade e nele a palavra
tem poder transformador da realidade quando exercitada na práxis, na
inseparabilidade de suas dimensões de ação e reflexão. Se a dicotomia se
estabelece excluindo uma ou outra, pode-se por um lado ter a ação vazia, convertida
em ativismo ou por outro, uma denúncia sem o compromisso de transformação, o
verbalismo (FREIRE, 2005).
51

O diálogo exige fala e escuta e pressupõe a criação de um espaço silencioso -


não silenciado - de alternância entre fala e escuta onde seja recusada a arrogância
cientificista e se assuma a posição verdadeiramente científica, na qual se respeite os
diferentes conhecimentos, se reconheça a historicidade do saber e o caráter
histórico da curiosidade (FREIRE, 1996). Nesse contexto, embora o vocábulo
conscientização tenha se tornado corriqueiro nas mais variadas modalidades de
processos educativos, comportando variados significados, sua essência coaduna
com a perspectiva crítica da realidade.
Assim, uma ação educativa para a conscientização crítica dos educandos,
objetivando mais que torná-los cientes ou proporcionar-lhes uma tomada de
consciência, busca promover o movimento de passagem de uma visão espontânea
e ingênua para um patamar crítico no qual se adote uma postura epistemológica que
permita perceber a realidade como objeto cognoscível e passível de transformação.
Projeto que só se concretiza no exercício da práxis, ou seja, na permanente
conjugação dialética ação - reflexão (FREIRE, 2008).
A prática educativa multidimensional, aqui proposta, não se apresenta pronta.
Vai se constituindo na prática reflexiva e no intenso diálogo. O exercício do olhar
atento para os aspectos que compõem a complexidade - o visível e o invisível - no
conteúdo, na estrutura física, na organização do espaço, nos objetivos, nos
materiais didáticos, nos procedimentos e nas relações estabelecidas numa dada
prática educativa vai revelando aos poucos as suas múltiplas dimensões e
compelindo a ajustes, a reformulações ou a transformações extremas.
52

3 HORTAS ESCOLARES NO BRASIL: demandas e orientações


contemporâneas

O que se constata em documentos institucionais e em inúmeros projetos


nacionais e internacionais é a atribuição às hortas, em diferentes espaços e usos,
para uma série de potencialidades no alcance de objetivos que podem ser distintos
ou interconectados, dependendo da perspectiva adotada. Abrangem desde aspectos
amplos da formação humana até outros com contornos bem definidos. Um olhar
para esses contextos e percepções permite identificar elementos importantes para
enriquecer e entender as possibilidades para as hortas escolares e delinear os
objetivos passíveis de alcance com essas atividades. O referendo, a compreensão e
a seleção dos objetivos possíveis de serem alcançados com hortas no ambiente
escolar são fundamentais para a escolha dos demais parâmetros que podem
compor a estruturação físico-pedagógica dessa prática.
Cabe, primeiramente, diferenciar essa modalidade da atividade daquela
desenvolvida em escolas agrícolas, em escolas rurais, em escolas do campo ou na
educação básica nacional quando fazia parte do currículo com objetivos voltados
para a preparação para o trabalho. Nesses casos, embora seja desejável que as
outras dimensões da atividade sejam abordadas, a prioridade está na aquisição de
conhecimentos técnicos em agricultura. Tal diferenciação é pertinente,
especialmente no Brasil, onde as novas demandas para as hortas escolares,
identificadas nas sugestões institucionais, parecem, por vezes, enviesadas pela
perspectiva técnica.
É possível distinguir diferentes objetivos relativos às etapas ou às situações
proporcionadas na elaboração de uma horta. Assim os objetivos normalmente
sugeridos e/ou declarados podem estar mais relacionados aos meios ou aos fins da
atividade. O foco pode recair no produto final, por exemplo, produzir alimentos para
serem usados na alimentação escolar; no processo de execução que envolve
concentração, disciplina, o movimento do corpo em contraposição à estática da sala
de aula, gasto de energia e melhoria no comportamento dos estudantes; na
aquisição de competências, ou seja, para aprender os procedimentos técnicos e
os conceitos envolvidos na atividade; na interação com os outros, no qual o
trabalho coletivo e a cooperação entre os envolvidos melhorariam as relações entre
os estudantes e desses com o professor e com a escola como um todo; e na
53

interação com o ambiente, quando é afirmado o objetivo de promover o contato


com a natureza (adaptado de MOURÃO, 2013). Este último, especialmente,
costuma constar como pano de fundo para os demais objetivos, sendo que outros
podem aparecer inseridos pelas condições proporcionadas por cada uma dessas
etapas.
A FAO ao propor a criação de cidades mais verdes, por meio de programa de
horticultura urbana e periurbana, declara o apoio que tem dado às hortas escolares
em vários países nos últimos anos com o fornecimento de ferramentas, sementes e
capacitação. A prioridade na aquisição de competências e no produto final fica
sugerida com a afirmação de que as hortas são comprovadamente um meio de
promover a nutrição infantil por familiarizarem as crianças com a horticultura,
fornecer frutas e hortaliças frescas para as refeições escolares saudáveis, ajudar
professores a desenvolver cursos de nutrição que podem ter reflexos na alimentação
familiar (FAO, 2012, p. 7).
A interação com o ambiente, frequentemente mencionada como um objetivo
fim, é o que apresenta expectativa mais genérica e de mais difícil aferição e objeção
nas atividades com hortas. Tanto difícil é a constatação e, mais especificamente, a
sua mensuração quanto à contestação dos benefícios da interação. Uma
possibilidade de análise dessa ordem é o uso da noção de biofilia (Biophilia), que se
refere ao vínculo emocional inato dos seres humanos com os outros seres vivos e o
ambiente natural como um todo baseado no caráter ancestral dessa relação.
Corresponde a um padrão de comportamento complexo suscetível a mediações por
regras de aprendizagem (SEMPIK et al., 2010). Nesse caso, o alcance de outros
objetivos diversos seria facilitado a partir dessa condição inerente à atividade de
proporcionar essa interação e, consequentemente, bem estar e predisposição ao
aprendizado.
Estudos e publicações internacionais analisadas por Passy (2012) discutem as
peculiaridades dos processos de ensino e aprendizagem favorecidos com a
exploração de espaços ao ar livre. No entanto, o foco de tais investigações tem
recaído em passeios nos arredores e excursões de teores diversos, havendo,
relativamente, pouca preocupação com o trabalho realizado no terreno da escola e,
mais especificamente, hortas escolares. O autor afirma que a exceção é encontrada
na literatura dos Estados Unidos da América, a qual possui um consistente histórico
de pesquisa e avaliação deste tipo de aprendizagem, resultante de um movimento
54

nacional em prol da educação sobre nutrição apoiado em forte apoio institucional.


Merece destaque a iniciativa de Escola Comestível da Califórnia que se tornou,
recentemente, um projeto nacional com o objetivo de estabelecer a inserção da
alimentação no currículo escolar. São ações que referendam o papel de vivências na
horta para o desenvolvimento de aprendizados diversificados sobre alimentação.
É possível estabelecer, também, correspondência com manifestações do senso
comum reforçadas com as percepções apresentadas por atores sociais da
comunidade escolar em relação à horta, nas quais aparece, insistentemente, a
menção à validade de experiências oferecidas na infância que permitam o contato
intenso e positivo com o ambiente natural, sendo este fundamental para suprir
aspectos importantes omitidos pelo contexto urbano contemporâneo. O contato na
infância com o ambiente natural é citado como importante para o desenvolvimento
de atitudes e comportamentos que se refletem na preocupação com questões
ambientais e na consolidação de melhores hábitos alimentares. Pode-se inferir que
há um consenso de que, de acordo com a qualidade do contato, seu grau de
intensidade, a sua frequência, a possibilidade de continuidade e todo o conjunto de
fatores que compõem o contexto vivido, os resultados podem ser percebidos nos
indivíduos em diferentes níveis de aplicação de preceitos alimentares e ambientais
ou na predisposição para tal (SILVA, 2010; SILVA et al., 2011).
O termo científico biofilia ou o termo do senso comum contato tentam dar conta
de expressar um fenômeno sentido, mas de percepção difusa, com fatores de
impensável dissociação porque se referem à vida e a condição de saúde.
Nesse caso, como em outros, o cognitivo e o sensível não exibem suas
fronteiras para a elaboração de um conceito de explicação dessa realidade. A
utilização de um conceito é restritiva e, ainda que operativa, não expressará a
integridade do fenômeno, não representando, assim, a realidade como idealizado na
ciência moderna. A inteligibilidade só se torna possível com a abertura a outras
formas de apreensão da realidade (CZERESNIA, 2003).
Vários estudos (vários autores citados por MOURÃO, 2013 e DIAS, 2013)
corroboram aquela ideia ao sugerirem que a ligação de dependência do ser humano
com a natureza está para além das razões de sustentabilidade ambiental, social e
econômica, mas em necessidades psicológicas, emocionais e espirituais difíceis de
serem satisfeitas por outros meios. Ainda que se reconheçam as lacunas sobre os
benefícios específicos para a saúde em função de tipos e duração das relações nos
55

diferentes grupos, há evidências de que as pessoas, de um modo geral, se


beneficiam do contato com elementos naturais e chega-se a indicar que o seu
favorecimento seja assumido como estratégia de saúde pública.
De acordo com o exposto, o incremento da conexão com o ambiente natural
suscita, além do prazer individual, maior consciência e comportamentos favoráveis a
questões ambientais enquanto que a desconexão pode ter efeito oposto (SEMPIK et
al., 2010). Essa compreensão se relaciona às primeiras intervenções com hortas
escolares com objetivos distintos da concepção técnica e tem estado presente em
inúmeros projetos com objetivos voltados à educação ambiental, que têm na
Conferência Intergovernamental de Educação Ambiental de Tbilisi, ocorrida em
1977, seu marco referencial mundial (UNESCO, 1980). No Brasil, esses objetivos
são citados com frequência nas ações com hortas escolares e encontram
correspondência em orientações governamentais.
Tendo em vista o processo de urbanização e o afastamento do ambiente
natural, um objetivo das atividades agrícolas no ambiente urbano seria o
restabelecimento humano da conexão com o ambiente natural a fim de reverter um
processo que tem imposto danos individuais e coletivos. Nesse âmbito está o
desligamento dos processos de cultivo e produção de alimentos e perdas culturais
importantes:
In the pursuit of improved agricultural productivity … We are losing the
stories, memories and language about land and nature. These
disconnections matter, for the way we think about nature … fundamentally
affects what we do in our agricultural and food systems (p. xiv Pretty, 2002
citado por SEMPIK et al., 2010).

No Brasil, essas perdas podem ser notadas na visão, construída


historicamente, de desenvolvimento e da relação sociedade-natureza estruturada a
partir da imposição do modelo da sociedade moderna ocidental:

[...] na época dos grandes descobrimentos do século XV, já se percebe


essa visão de mundo se constituindo. Um olhar que causa um
estranhamento e distanciamento dos seres humanos em relação à
natureza, um sentimento de não pertencimento que leva, nos dias de hoje, a
uma perigosa identificação com o artificial, o virtual da vida moderna
(GUIMARÃES, 2006, p.16).

Assim, a condição animal humana só é admitida amparada na superioridade de


ser racional, que se fortalece com a independência e afastamento do ambiente
natural conformando a civilidade. A exclusão se efetiva na percepção de que, sendo
56

o ser humano diferente/superior em relação à natureza, não é natureza. A


agricultura na escola pode se pautar na possibilidade de crítica a esse modo de
compreender a realidade e agir sobre ela, e que tem abonado uma racionalidade
dominante e pré-estabelecida. A visão da complexidade possibilita a percepção da
parte no todo e vice-versa num movimento recursivo e de antagônicos como
complementares, permitindo vislumbrar outras formas de relação (GUIMARÃES,
2006).
Dias (2013), citando vários autores, informa que há estudos que indicam para
as atividades agrícolas objetivos mais específicos para o ambiente escolar,
relacionados à aprendizagem como o estímulo sensorial, cognitivo, autodisciplinar,
inter-relacional e também à vida mais ativa.
Um estudo robusto realizado recentemente em 10 escolas com hortas na
Inglaterra buscou evidências de seu impacto na aprendizagem das crianças. Foram
encontrados conjuntos de dados que corroboram benefícios amplos nesse campo. O
primeiro se relaciona ao fornecimento de um espaço para os diferentes tipos de
conhecimentos que complementam e enriquecem o currículo escolar. Nesse caso,
embora outras áreas sejam mencionadas como a alfabetização e produção escrita,
houve ênfase no conteúdo do ensino de ciências. O segundo indicou o impacto na
melhoria do comportamento e das relações entre os estudantes. O terceiro foi o
oferecimento de um eixo que aproximou os membros da comunidade entre si e
favoreceu o envolvimento da comunidade local. O quarto foi a constatação de que a
atividade desenvolvida proporcionou prazer e orgulho para toda a comunidade
escolar. Vale ainda mencionar os aprendizados propiciados com as conversas
informais entre os diferentes atores durante a execução das ações relativas às
hortas. Há o entendimento de que esses aspectos abrangem todas as dimensões
que compõem a aprendizagem: a cognitiva, que envolve a aquisição de conceitos; a
afetiva, que contempla as atitudes, os valores, as crenças e a autopercepção; a
comportamental, o bem-estar e as habilidades físicas; as habilidades de
comunicação e trabalho em equipe nas relações interpessoais e sociais (PASSY,
2012).
No Ensino de Ciências, a horta ganha adesão pela possibilidade de aulas
práticas na condição de laboratório vivo, variando desde uma perspectiva
experimental, passando por uma mais arrojada de exercício de postura investigativa,
sem os equívocos da rigidez metodológica cometidos com a aplicação artificializada
57

do método científico na sala de aula e laboratórios escolares, até a visão sistêmica


das interações dos vários elementos que integram uma horta e do vínculo humano -
físico, químico, biológico, ecológico - com o ambiente (SILVA, 2010).
Mais recentemente, têm estado nas pautas governamentais internacionais e
nacionais, várias questões relativas à quantidade e qualidade da alimentação
disponível, que vão desde a ausência/escassez de alimentos, causando fome e
subnutrição, ao excesso e inadequação alimentar, trazendo, entre outros, doenças
cardíacas, sobrepeso e obesidade. Orientações visando a minimizar ou a combater
os problemas relacionados à inadequação alimentação ganharam espaço nas
agendas com ênfase no combate à fome, na promoção da alimentação saudável e
na educação alimentar e nutricional. Mais uma vez as hortas escolares são
indicadas como estratégias importantes e terão seus objetivos fortemente
influenciados por essas questões.
A Educação em Saúde, que inclui questões sobre a alimentação, desde que se
tornou obrigatória nas escolas com a LDB 5.692/71, exibe indefinições e
descontinuidades em relação à responsabilidade pelas ações e, consequentemente,
resultados pouco satisfatórios. Esses últimos têm sido atribuídos à precariedade da
educação nacional, à deficiência na formação dos professores para o tema e para a
prática didática e à invisibilidade imputada aos profissionais da escola que poderiam
participar dos processos de educação em saúde, como as merendeiras
(FERNANDES et al., 2014). A ampliação dos atores envolvidos nas atividades em
prol da educação alimentar e nutricional revela um enfoque mais complexo para a
questão e que, consequentemente, demanda novas práticas pedagógicas que
permitam o intercâmbio entre esses atores.
Os aspectos apontados fazem da horta escolar um recurso que potencializa
desdobramentos educativos para os campos da saúde e do meio ambiente e suas
respectivas demandas contemporâneas, que se ampliam quando tais questões
passam a ser compreendidas como temas transversais interconectados e
indissociáveis a serem explorados em suas complexidades. A ambição do título
proposto para o presente trabalho é retratar essa condição. As palavras tentam
explicar, mas inevitavelmente restringem. A justaposição de vocábulos que intitulam
a pesquisa é um esforço para suprir a limitação inerente e, portanto, imposta por
cada palavra. É intenção que estas, mais que justapostas, se articulem.
58

Hortas escolares urbanas agroecológicas: preparando o terreno para a


Educação em Ciências e para a Educação em Saúde comporta conjunções
progressivas de conceitos que visam a qualificar a atividade como prática educativa
e esclarecer seus propósitos amplos. Hortas, em seu sentido restrito e original, são
terrenos rurais onde se cultivam hortaliças - plantas herbáceas comestíveis para
subsistência ou para fins comerciais. Em Hortas escolares, há a especificação em
relação ao espaço e que implica conformação didática e pedagógica para a
atividade. Hortas escolares urbanas propõe um deslocamento da atividade de seu
local de origem - o rural - para o espaço urbano, o que requer adaptações, no
mínimo, estruturais. Hortas escolares urbanas agroecológicas propõem princípios
para outra lógica para as inter-relações humanas e da relação humana com o
ambiente para a produção de alimento. Hortas escolares urbanas agroecológicas:
preparando o terreno busca negar o pragmatismo e enfatizar a complexidade,
trazida pelos conceitos anteriores, que constitui a aprendizagem como processo que
envolve diferentes dimensões humanas. Hortas escolares urbanas agroecológicas:
preparando o terreno para a Educação em Ciências e para a Educação em
Saúde orienta e reafirma a opção por objetivos e abordagens arrojados para a
atividade agrícola em contexto diferente do seu original, mas que possibilite a
reflexão também sobre aquele.

3.1 HORTAS: agricultura e invisibilidades

O conceito de agricultura é a essência da horta escolar. Por trás de um


significado genérico se abrigam histórias, diferentes objetivos, conhecimentos,
entendimentos, omissões e fazeres os quais configuram distintas agriculturas. As
escolhas feitas e a explicitação das mesmas em relação a esse todo complexo
determinarão o curso da ação pedagógica e, consequentemente, os objetivos e
procedimentos relacionados.
O ser humano surge no planeta como nômade e coletor, sendo a agricultura
uma invenção posterior. Esta teve início há menos de 10.000 anos, resultante de um
processo de hominização caracterizado pela evolução biológica, técnica e cultural
que estabelece a forma sedentária de acesso ao alimento. Espécies foram
escolhidas e domesticadas, instrumentos foram elaborados e aperfeiçoados para
que os ecossistemas naturais pudessem ser transformados em ecossistemas
59

cultivados em atendimento às necessidades alimentares humanas, compondo uma


forma diferente de ocupação de espaço (MAZOYER e ROUDART, 2010).
A agricultura surge, então, para facilitar o acesso ao alimento e promove um
processo de escolha de alimentos no qual, além de preferências gustativas,
baseava-se na compatibilidade dos cultivos com os fatores ambientais locais. A
atividade, inicialmente de subsistência, ganha diferentes contornos ao longo da
história da humanidade em função dos contextos onde se desenvolve.
A expansão da agricultura, em diferentes regiões do planeta e suas
características peculiares, produziu, paulatinamente, além das alterações ambientais
diferenciadas, formas distintas de organização social que vieram a compor os
sistemas alimentares atuais. Embora a visibilidade volte-se para o modelo moderno
de agricultura dominante e em crise, é possível identificar várias outras
possibilidades em curso decorrentes das interações históricas estabelecidas
localmente (MAZOYER e ROUDART, 2010).

Apesar dos milhões gastos em sua promoção, a agricultura “moderna”, que


triunfou nos países desenvolvidos utilizando muito capital e pouca mão de
obra, penetrou apenas em pequenos setores limitados dos países em
desenvolvimento. [...]
As outras formas de agricultura continuam predominantes e ocupam a
maioria da população ativa dos países em desenvolvimento. [...] aquelas
que têm os meios para subsistir e progredir revelam uma criatividade
imensa e continuam a desenvolver-se segundo seus próprios caminhos
(MAZOYER e ROUDART, 2010, p. 43).

Essas agriculturas, frequentemente ignoradas, compõem a herança agrária da


humanidade e precisam ser consideradas como possibilidades na resolução da crise
do modelo de desenvolvimento hegemônico. Vale destacar que essa herança não se
refere somente a técnicas de plantio, mas inclui a diversidade do patrimônio
genético. Pois, se uma das primeiras vantagens do hominídeo é a sua condição de
onívoro, permitindo um regime alimentar variado potencializado com nomadismo, a
fixação promove seleção e, portanto, restrição. O estabelecimento de um modelo
hegemônico de agricultura agrava esse processo, padronizando e limitando o
repertório alimentar. O desenvolvimento de tecnologias em agricultura conduziu a
um modelo agressivo e excludente que se consolidou após a Segunda Guerra
Mundial.
No Brasil a imposição cultural dos colonizadores, embora predomine, não
conseguiu fazer desaparecer por completo algumas características locais,
60

resultando em sentimentos conflituosos em relação ao exercício da atividade


agrícola. Se por um lado temos em nossa ancestralidade local uma ligação forte com
elementos naturais, por outro herdamos dos colonizadores a sua negação em favor
de um ideal de civilização que desmerece essa relação íntima.
A agricultura brasileira caracterizava-se pela subsistência até o século XVI,
com populações indígenas litorâneas que cultivavam variedades de milho, mandioca
e outras plantas selecionadas e praticavam a caça de pequenos animais nas áreas
de Mata Atlântica (AMARAL,1958). Os primeiros estudiosos do tema reconhecem o
valor dos conhecimentos sobre botânica e agricultura adquiridos com os indígenas.
Nesse contexto inexistia propriedade privada, pois a terra era um bem comum. A
expansão europeia em busca de novos mercados trouxe a agricultura em larga
escala, o banimento das técnicas de cultivos locais, a ruptura nas ligações
estabelecidas pelos habitantes primitivos com a terra, a escravidão e,
posteriormente, os imigrantes europeus. Os colonizadores se apropriaram da terra e
passaram a geri-la de acordo com interesses econômicos estabelecidos pela Coroa
Portuguesa (DIAS e CARNEIRO, 1953; STÉDILE, 1997).
Sob o domínio do mercado europeu, grandes áreas de monocultivos mudam o
cenário agrícola no Brasil. Assim sucedem-se ciclos agrícolas, nos quais foram
introduzidas iniciativas de modernização com o intuito de aumentar a produção para
o mercado externo. A primeira fase desse processo é conhecida como a Primeira
Revolução Agrícola e ocorreu entre os séculos XVII e XIX para atender ao
crescimento populacional e à queda da fertilidade dos solos utilizados após anos de
sucessivas culturas no continente europeu. Houve difusão de técnicas de plantio e a
integração entre a pecuária e a agricultura. Com o agravamento da crise de
produção de alimento na Europa, intensificam-se, entre os séculos XIX e XX, as
descobertas científicas e tecnológicas visando ao incremento da produção agrícola:
fertilizantes químicos, melhoramento genético, máquinas e motores a combustão.
Muitas práticas tradicionais, consideradas ultrapassadas, são abandonadas por
muitos agricultores. Começa uma nova fase de concepção da atividade, chamada de
Revolução Verde (FRADE, 2000). Esse modelo, que já foi usado como argumento
para acabar com a fome, é excludente e insustentável, pois não se baseia na
equidade social e na sustentabilidade ambiental (MALUF, 2007). Nesse processo,
acontecem a consolidação e a expansão de latifúndios agrícolas mecanizados e o
enfraquecimento dos pequenos produtores.
61

Os impactos negativos no Brasil dos pacotes tecnológicos da Revolução Verde,


nos anos 60 e 70, são evidenciados sob diferentes óticas. A crítica da técnica
questiona a relação do ser humano com a natureza, considerando as diferentes
formas de agressão ao meio ambiente, o que exige outro olhar para os conceitos de
natureza, de ser humano e de trabalho produtivo. A crítica social põe em xeque o
modelo concentrador e excludente da modernização tecnológica da agricultura
brasileira, considerando-o socialmente injusto, por privilegiar uma minoria em
detrimento de grande parte da população (MOREIRA, 2000).
A FAO, órgão internacional que atualmente tem empreendido esforços em prol
da agricultura familiar sustentável (FAO, 2014), foi um dos maiores promotores da
difusão do pacote tecnológico da Revolução Verde. Tendo seus reflexos no Brasil,
onde uma série de políticas levada a cabo por diferentes governos cumpriu o papel
de forçar a implementação da chamada “modernização da agricultura”, processo que
resultou em altos custos sociais, ambientais e de saúde pública (LONDRES, 2011,
p. 17).
O desenvolvimento rural no Brasil, marcado pelo modelo agrícola conduzido
pelo agronegócio empresarial, caracteriza-se pela larga escala, redução de mão-de-
obra, uso intenso da mecanização, irrigação e insumos industriais como agrotóxicos,
sementes transgênicas e rações (CONSEA, 2010).
Apesar desse modelo de agricultura estar sendo questionado em diversos
países, inclusive no Brasil, conduzindo a medidas restritivas, permanece aqui uma
negligência [...] Nos últimos anos o Brasil se tornou também o principal destino de
produtos banidos no exterior. Segundo dados da ANVISA, são usados nas lavouras
brasileiras pelo menos dez produtos proscritos na União Europeia (UE), Estados
Unidos, China e outros países (LONDRES, 2011, p.19).
O início dos anos 80 no Brasil é marcado por construções sociais de
valorização do urbano e rejeição ao rural, sobrepondo o mundo novo com progresso
ao mundo velho e em declínio, respectivamente. A sobreposição das ideias de
urbanização e de mecanização da agricultura promove o desaparecimento
acelerado do que é considerado rural a partir do esvaziamento demográfico, da
subordinação à agroindústria, da proletarização de grupos rurais e da hegemonia da
cultura urbana desqualificando a cultura rural (FERREIRA, 2002).
As agriculturas, cada vez mais invisibilizadas em prol de uma única agricultura,
têm estado pouco presentes nas representações de teorias atemporais e da
62

conjuntura financeira e política, precisando ter restabelecida a condição de


contemporâneas. A economia mundial, pautada na concorrência, tem
desconsiderado as heranças agrárias das diferentes regiões do mundo. Assim, a
agricultura se constitui o ponto cego das análises da crise econômica
contemporânea quando não são reconhecidas as suas transformações imensas e
contraditórias e a sua participação na formação da pobreza e do desemprego no
planeta. (MAZOYER e ROUDART, 2010, p.553). Colocar a agricultura como um eixo
privilegiado no espaço escolar significa, além das possibilidades pedagógicas
imediatas e diretas, reconhecer seu papel primordial na solução da crise
contemporânea mundial que se mostra sob diferentes formas.
A preocupação com a agricultura que produza a quantidade de alimento
suficiente para atender às necessidades da sociedade carece estar acompanhada
da noção de qualidade e considerar os impactos sociais e ambientais. Quando as
consequências nefastas desses impactos passam a ser questionadas, outras formas
de agricultura são buscadas na tentativa de reverter os problemas por eles
acarretados. São enquadradas na denominação genérica de alternativas (o que,
contraditoriamente, pode reforçar um caráter marginal ou subalterno) a agricultura
orgânica, a biológica, a natural, a ecológica, a biodinâmica, a permacultura, entre
outras. Em meio a esse movimento surge a necessidade de estruturação científica
de um conjunto de conhecimentos que possa dar suporte para a transição do
modelo hegemônico para estilos de agriculturas de base ecológica. Esse corpo de
conhecimentos científicos funda a Agroecologia (CAPORAL e COSTABEBER,
2004).
A relevância da agricultura que produz comida ganha profundidade e
abrangência na constatação de que, em tese, a produção de um trabalhador
agrícola exige ser pelo menos igual à soma de suas próprias necessidades e das
necessidades de todos aqueles que, exercendo outras atividades, não produzem
sua própria alimentação (MAZOYER e ROUDART, 2010). Porém, acostumamos a
enxergar a comida, mas não quem a produz. A sociedade que construímos nesses
„500 anos‟ produziu muitos seres invisíveis (GADOTTI, 2000, p. 26).
A despeito da invisibilidade imposta pelos grandes latifúndios e monoculturas, o
agricultor familiar brasileiro cumpre papel estratégico na oferta de alimentos, sendo
responsável – segundo o Censo Agropecuário de 2006 – por 70% dos alimentos
consumidos no país. É classificado como agricultor familiar aquele que possui área
63

agrícola com extensão delimitada em função da região e que utiliza mão de obra
predominantemente familiar, retirando daí a sua renda principal (CONSEA, 2010).
O crescimento da produção agrícola privilegiando produtos para a exportação
em detrimento de alimentos para o consumo interno é uma temeridade para a
garantia da segurança alimentar. As áreas destinadas a grandes monocultivos se
expandem e incorporam as áreas de outros cultivos.

Apenas quatro culturas de larga escala (milho, soja, cana e algodão) já


ocupavam, em 1990, quase o dobro da área total ocupada por outros 21
cultivos: abacate, banana, figo, goiaba, limão, maçã, mamão, manga,
maracujá, pera, abacaxi, arroz, aveia, batata-doce, batata inglesa, cebola,
feijão, melancia, melão, tomate e trigo.
Entre 1990 e 2009, a distância entre a área plantada com os monocultivos e
estas mesmas 21 culturas aumentou 125%, sendo que a área plantada
destas retrocedeu em relação a 1990 (CONSEA, 2010, p. 40).

Outros aspectos mais relacionados ao desenvolvimento prático da agricultura e


que merecem consideração na transposição para a escola se referem à
invisibilidade da necessidade de proteção, de segurança, de condições de saúde do
agricultor, o que, ao que parece, tem se reproduzido na escola quando o estudante
assume as atividades agrícolas. Ao se considerar que os produtos da agricultura
contribuem para uma vida mais saudável é importante que estes sejam o resultado
de um trabalho igualmente saudável, no qual a saúde do trabalhador agrícola seja
levada em conta.
Embora a intensidade do trabalho na escola seja distinta da atividade diária do
agricultor, se aquelas questões são negligenciadas, além de se demonstrar um
descuido com o escolar, perde-se a oportunidade de trazer para a visibilidade um
problema geralmente não pensado quando nos deparamos com o alimento já
produzido e longe de seu produtor.
Equipamentos agrícolas e suas formas de uso são objetos de estudos que
propõem aperfeiçoamentos. A ergonomia, aplicada à agricultura visa a adaptações
nos equipamentos e ferramentas para reduzir esforços físicos e trazer mais conforto
ao agricultor. Porém, a maneira de uso também precisa ser considerada,
especialmente a daqueles que demandam a tração humana. Por vezes, uma
mudança de posição corporal distribui o esforço por um maior número de músculos.
Em outros casos, a alteração simples em alguma característica da ferramenta reduz
o esforço. Vale mencionar a enxada, que é uma ferramenta presente nas hortas e
que pode gerar indecisões em relação ao seu uso pelos estudantes.
64

[...] uma enxada com cabo curto, com ângulo de inclinação ou afiação
inadequados pode prejudicar consideravelmente o rendimento da capina e
provocar o cansaço prematuro do usuário.
Uma forma de solucionar esse problema seria adequar ao biotipo do usuário
as dimensões do cabo da enxada, o ângulo de inclinação dela, bem como o
seu peso e largura.
De modo geral, enxadas devem dispor de cabos com comprimentos entre
1,4 e 1,6m, conforme a altura do usuário.
[...] o uso de enxadas devidamente encabadas diminui o esforço do
usuário, podendo haver uma redução de demanda de energia humana de
até 40% em relação à utilização de cabos curtos (FRANCO et al., 1991,
p.11)

Esses avanços tecnológicos pouco são percebidos na prática. O uso de


equipamentos de segurança, a adequação de ferramentas ou orientações
ergonômicas, no exercício laboral cotidiano dos agricultores, têm um histórico de
improvisos e que tende a ser reproduzido nas escolas quando da atividade com
hortas.
A preocupação com a Saúde Ocupacional Agrícola tem características
peculiares devido às particularidades do trabalho no campo e aos riscos
ocupacionais relacionados. Somente a partir dos anos sessenta os dados sobre a
saúde dos trabalhadores agrícolas ganham atenção do Comitê de Saúde
Ocupacional da Organização Mundial da Saúde. Até então as atenções estavam
voltadas somente para estudos sobre a saúde ocupacional em higiene industrial. No
Brasil, a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, que trazia ênfase
na responsabilidade do estado sobre a saúde do cidadão, vários Estados passaram
a atualizar suas leis incluindo a saúde do trabalhador rural. São de várias ordens os
possíveis agravos à saúde do trabalhador: intoxicação por fertilizantes e agrotóxicos;
danos decorrentes da exposição prolongada ao sol; problemas articulares,
musculares e neurológicos; acidentes com ferramentas manuais; contaminação
biológica; picadas por animais diversos; entre outros. Embora a legislação brasileira
de 1964 cite o carbúnculo como doença profissional a que estão expostos
trabalhadores que lidam com animais, seus subprodutos e dejetos, a mesma não se
estende nesse caso aos profissionais da agricultura, que só reconhece para a
ocorrência de intoxicação por agrotóxico (FLEMING, 2003).
Em 2005 foi aprovada a Norma Regulamentadora de Segurança e Saúde no
Trabalho na Agricultura, Pecuária, Silvicultura, Exploração Florestal e Aquicultura
visando a estabelecer os preceitos para a garantia da segurança e saúde dos
65

trabalhadores. Entre as orientações constam exigências ergonômicas para


equipamentos, mobiliários e ferramentas e o uso de equipamento de proteção
individual, como chapéu ou outra proteção contra o sol, chuva e salpicos, botas e
calçados fechados para evitar contaminações biológicas e picadas de animais
peçonhentos (BRASIL, 2005). No entanto, essas são exigências que contribuem
para regular as relações formais entre empregadores e empregados na empresa
capitalista e na produção familiar capitalizada, o que, provavelmente, tem pouco
impacto em relações informais de trabalho e na agricultura familiar marginalizada
(SORJ, 2008).
Vale ressaltar que as agriculturas em pequena escala não mecanizada, ainda
que excluam o uso de agrotóxicos, também apresentam fatores que podem
comprometer a saúde do agricultor. No cultivo orgânico há intensificação das tarefas
manuais demandando maior esforço físico, posturas desconfortáveis e movimentos
repetitivos (GEMMA et al., 2004). Nesse caso, há necessidade de adaptar aquelas
orientações para atender tais especificidades.
Outro aspecto, por vezes ignorado na prática de adubação orgânica, é o risco
de contaminação biológica por esterco. A Escherichia coli é uma bactéria comum em
gado bovino e está associada a doenças intestinais humanas. A contaminação pode
ocorrer no contato com os dejetos do animal pra a preparação do adubo ou no final
do processo de compostagem, caso essa não seja feita adequadamente. O objetivo
da compostagem é converter o material orgânico, que pode ser fezes de animal, em
adubo. Nesse processo algumas variantes precisam ser consideradas, sendo que a
temperatura alcançada pode propiciar a eliminação de patógenos (GONÇALVES,
2006).
Ainda em relação à prática da agricultura orgânica, a utilização de insumos
alternativos para controle de pragas e doenças, mesmo quando se usam princípios
ativos não residuais de baixa toxidez e/ou agentes de biocontrole, também faz
necessária a utilização de Equipamentos de Proteção Individual (HENZ et al., 2007).
A intenção de proporcionar um contato íntimo de escolares com elementos da
natureza, não pode estar baseada numa visão ingênua sobre as suas possíveis
implicações. A simples exclusão de agroquímicos e a pretensa adoção de técnicas
naturais não eliminam riscos. A visibilidade desses aspectos, além de buscar
garantir a segurança e a saúde do estudante, traz a reflexão sobre as condições de
trabalho daquele que produz o alimento.
66

A panorâmica apresentada tem a intenção de expor dimensões pouco


explícitas na prática agrícola a serem consideradas nos planejamentos e execução
das hortas escolares e cuja materialidade, pedagogicamente estruturada, visa a
desencadear aprendizagens amplas.

3.2 HORTAS ESCOLARES: prática pedagógica e equipamento pedagógico

É desejável que o espaço e o tempo da horta escolar obedeçam a um conjunto


de critérios que favoreça os aprendizados fins e que atenda também aos
aprendizados incidentais, entendendo que estes não podem estar dissociados. Tais
critérios requerem a consideração de aspectos agronômicos, porém,
pedagogicamente pensados para atender princípios curriculares, éticos, estéticos e
ergonômicos específicos do público alvo.
As discussões, no âmbito da transposição didática, oriundas de um contexto
mais amplo de transformações que sofre um saber antes de se tornar um saber a
ensinar, auxiliam nas reflexões pedagógicas sobre as hortas nas escolas que aqui
pretendemos empreender incluindo, além da preocupação em como ensinar e o que
ensinar, discussões sobre para que e a quem ensinar. Por conseguinte, definem-se
conhecimentos, atribuições e papéis aos sujeitos escolares, reforçam-se identidades
e sustentam-se epistemologias (FÁVERO et al. , 2012, p.32).
É possível identificar diferentes classificações e caracterizações de modelos
educacionais ou tendências pedagógicas usadas para analisar e categorizar as
práticas pedagógicas em curso no Brasil. A teoria da complexidade, que abarca o
pensamento complexo, é considerada no rol das correntes pedagógicas
contemporâneas (LIBÂNEO, 2005) e traz contribuições relevantes para o
desenvolvimento das ações relacionadas às hortas escolares.
Um dos princípios da teoria da complexidade, o princípio hologramático, apela
para a religação da totalidade fragmentada com a modernidade, para a articulação
entre parte-todo, simples-complexo, local-global, unidade-diversidade, particular-
universal na busca do reestabelecimento de relações entre todas as coisas e os
diversos conhecimentos. O cérebro é entendido como um holograma que no
processo de aprendizagem evoca múltiplos fatores da experiência individual numa
dinâmica retroativa e recursiva para a construção do conhecimento. Dada essa
complexidade individual do processo cognitivo é possível afirmar que não há uma
67

única maneira de aprender (SANTOS A., 2009, p. 21). O exposto conduz ao


entendimento de que uma ação com intenção pedagógica pode disponibilizar
situações com múltiplos caminhos possíveis para a aprendizagem.
A transposição da agricultura na condição de horta escolar pressupõe a
intenção de ensinar coisas de um espaço que tomarão outra forma como conteúdo
de ensino. Esse conteúdo não será uma mera reprodução dos conhecimentos. Há
que se considerar a especificidade do conteúdo presente nesta transposição, por
não se tratar, tão somente, de fazer um objeto do saber produzido em outro espaço,
um objeto do saber escolar (FÁVERO et al., 2012).
No caso da horta, nos defrontamos com uma prática social milenar - a
agricultura - repleta de conhecimentos de diferentes ordens nem sempre
consensuais. Nela os aspectos que compõem o que se pretende conteúdo a ser
ensinado, com suas respectivas proposições e crenças, se confundem com os
processos da execução prática da atividade. O resultado dessa elaboração vai
configurar uma determinada prática pedagógica materializada na horta escolar.
Tendo em vista o espaço formal de educação, podemos chamar de prática
pedagógica toda a ação que aí se desenvolve com objetivos voltados à
aprendizagem dos escolares, geralmente elaborada e conduzida por professores,
mas que pode envolver ou ser orientada por outros membros da comunidade escolar
ou externos a ela.
É interessante notar que os produtos da agricultura familiar parecem ter um
valor intrínseco reconhecido, ao contrário do descaso dispensado historicamente ao
seu agente, o pequeno agricultor e as suas condições materiais de trabalho. Essa
constatação parece influenciar a inserção da agricultura na escola quando são
pensadas as necessidades para a produção sem considerar a proteção e o bem
estar de quem vai trabalhar. São omissões que ainda permanecem, apesar dos
objetivos amplos terem se renovado, inclusive nos discursos manifestos, sendo
possível evidenciar alguns desacordos entre estrutura física, instrumentos,
estratégias e objetivos. Os aspectos mencionados, de um modo geral, prejudicam a
concepção estrutural da horta como um equipamento pedagógico, o que pode
exercer influência negativa nas suas possibilidades como prática pedagógica.
A adequação do espaço para a atividade agrícola na escola ainda carece de
uma orientação que atenda as suas especificidades. A definição dos
conteúdos/conhecimentos a serem privilegiados e dos objetivos a serem alcançados
68

com a prática pedagógica deveria conduzir a preparação do espaço destinado ao


desenvolvimento das ações e utilizado no processo de ensino-aprendizagem. Essa
preparação implica a seleção e organização dos instrumentos apropriados para a
sua execução, o que requer a concepção da horta escolar como um equipamento
pedagógico visando ao atendimento das necessidades dos estudantes e dos
profissionais envolvidos.
Diferentemente do que ocorre com hortas escolares, no âmbito da agricultura
com fins terapêuticos há a preocupação com o rigor nos critérios na elaboração de
projetos visando à otimização dos possíveis benefícios do contato com elementos da
natureza para a saúde humana. A possibilidade da participação da comunidade
envolvida na elaboração e nas etapas sucessivas do projeto é considerada
importante para o estabelecimento de vínculo com as atividades posteriores. O
diálogo cria condições para que os interesses, as aptidões e as limitações sejam
ajustados aos preceitos técnicos. Outros aspectos considerados para um
equipamento de saúde com agricultura são: a unidade, a aprazibilidade, o conforto,
a naturalidade, a inclusividade, a segurança e a sustentabilidade (DIAS, 2013), que
podem ser reconfigurados para as escolas em função das características locais.
Embora a concepção apresentada seja voltada para a agricultura no contexto de um
equipamento de saúde, oferece princípios genéricos que podem auxiliar na
consolidação da horta como equipamento pedagógico e serão apresentados, a
seguir, já com as respectivas adaptações.
A unidade pode ser pensada como a integração harmônica da horta ao espaço
físico da escola e a inclusão de acessórios que lhe atribuam visibilidade. A
aprazibilidade se funda no desenvolvimento de sentimento de autonomia e de
familiaridade com o espaço e no estabelecimento de vínculos entre os usuários. A
inserção de elementos significativos para o grupo atendido, a organização funcional,
estética e facilitadora do contato interpessoal favoreceriam esse aspecto. A
possibilidade de alguns espaços sombreados e de canteiros nos quais seja possível
sentar-se para realizar trabalhos mais demorados são detalhes que, junto a outros,
podem trazer mais conforto à atividade. A naturalidade atenta para a busca da
composição mais próxima do ambiente natural, como a utilização de materiais
naturais e a inclusão de espécies vegetais que atraiam insetos e pássaros, por
exemplo.
69

Tendo em vista os movimentos sociais e legais em prol da inclusão e da


acessibilidade de pessoas com mobilidade reduzida, seria o caso de pensar um
desenho para a inclusividade na horta em função das especificidades do grupo local,
por exemplo: sem degraus, com canteiros elevados, facilitador no deslocamento de
cadeiras de rodas etc. Os cuidados com a segurança podem estar presentes na
organização espacial, nos materiais e ferramentas escolhidos, na observância do
grau de toxidez ou espinhos em plantas, na relação dos estudantes com os animais
como aranhas e abelhas etc. Guardando coerência com o modelo de agricultura
com base ecológica, a adoção de critérios de sustentabilidade se estende à
utilização de materiais e técnicas de construção, tais como o uso de materiais não
poluentes e recicláveis e coleta de água da chuva para a rega.
A atenção aos fundamentos epistemológicos para a elaboração de uma prática
pedagógica como a horta e a eleição de conhecimentos que compõem o seu
conteúdo de ensino podem ser reforçadas na correspondência com sua estruturação
física, seus elementos materiais cotidianos e suas formas de usos. A conjugação
coerente de prática e equipamento pedagógicos pode facilitar a visibilidade, a
problematização, a construção do conhecimento e a postura questionadora
reivindicada para a educação contemporânea.

3.3 HORTAS ESCOLARES URBANAS: anunciando ausências

Trazer a agricultura para a escola urbana é, em primeiro lugar, reconhecer a


sua presença negada pelo discurso urbano de progresso. A despeito da imposição
do paisagismo nas áreas públicas urbanas ser, por vezes, pautada por escolhas,
organização agrícola estética e funcional exóticas, no imaginário das pessoas resiste
um resíduo caótico de agricultura, um pedaço da roça que teima em se manter na
cidade: nos quintais, nos muros, nos parapeitos, nos cantinhos, nos vasos, nas
latas. Em segundo lugar, é promover o restabelecimento qualificado do contato com
as etapas do sistema alimentar, dando visibilidade a outras dimensões que
envolvem a relação humana com os alimentos e favorecer as reflexões sobre a
origem e as condições em que estes são produzidos.
Tendo em conta os aspectos apresentados, é especialmente importante pensar
nas características de uma horta adequada ao espaço escolar urbano. É possível
70

encontrar alguns subsídios nos procedimentos e resultados da denominada


agricultura urbana.
A agricultura urbana é uma prática que se impôs e cujo reconhecimento está se
dando nos meios acadêmicos na forma de um conceito em construção e na adoção
ampla em projetos e programas por organismos internacionais, como o Programa
das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e Organização das Nações
Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) e, ainda, diversas organizações não
governamentais e governamentais do mundo inteiro. Essa modalidade, além da
especificação de localização em relação ao urbano (e também intraurbano ou
periurbano), pressupõe integração e interação com esse ecossistema pela utilização
de princípios agroecológicos, englobando os avanços da ciência; a participação
criativa dos agricultores; o respeito aos conhecimentos, culturas e experiências
locais; utilização de resíduos orgânicos produzidos no entorno; adaptações para
pequenas áreas de cultivo com gestão familiar ou associativa; a recuperação de
biodiversidade; a exclusão de contaminação química para o agricultor, consumidor e
meio ambiente; e, devido à aproximação entre produtor-consumidor, renda para o
agricultor e qualidade e diversidade alimentar para ambos (AQUINO e ASSIS, 2007).
A agricultura urbana, além de apresentar importância crescente no apoio à
garantia da segurança alimentar e nutricional de populações socialmente
marginalizadas pelo aumento da disponibilidade e diversificação de alimentos para
autoconsumo, estimula atitudes de cooperação e de comunhão do ser humano com
a biodiversidade natural e a atividade agrícola. É notável, também, o impacto
estético e sanitário, quando áreas abandonadas ou com lixos e entulhos são
convertidas em áreas de cultivo com o reaproveitamento de materiais disponíveis
como embalagens e pneus para a ordenação do espaço e confecção de canteiros e
resíduos orgânicos domiciliares são utilizados na produção de adubo (ALMEIDA,
2004).
As hortas escolares podem reforçar e ser reforçadas pela agricultura urbana e
seus princípios. A agricultura inserida no currículo da escola urbana tem a
possibilidade de validar e enaltecer os conhecimentos que podem estar presentes e
subalternizados na população de origem rural, estimulando sua ampliação. O
acolhimento de tais saberes e o seu reconhecimento como importantes e
necessários, bem como o anúncio de sua omissão no currículo formal urbano podem
71

trazer ao cenário da escola atores sociais e conhecimentos ausentados,


promovendo a ecologia dos saberes.

3.4 HORTAS ESCOLARES URBANAS AGROECOLÓGICAS: denunciando


ausências

A Agroecologia concebida como ciência estabelece as bases para a construção


de estilos de agriculturas sustentáveis e de estratégias de desenvolvimento rural
sustentável levando em conta a complexidade dos processos socioculturais,
econômicos e ecológicos envolvidos. Visa a apoiar agriculturas de base ecológica na
obtenção de produtos de qualidade biológica superior (CAPORAL e COSTABEBER,
2004).
Os princípios da Agroecologia afinados com as perspectivas teóricas, aqui
adotadas, enriquecem a análise e interpretações das ações desenvolvidas na
elaboração das hortas escolares, tanto naquelas referentes ao estabelecimento de
uma relação mais íntima/afetiva, multissensorial e multidimensional com a atividade
agrícola, como na compreensão ampliada das produções humanas, as intervenções
tecnológicas no ambiente natural e de suas respectivas consequências, estimulando
uma postura questionadora em relação aos impactos da ciência e da tecnologia
(SILVA et al., 2011).
A Agroecologia, ao utilizar os agroecossistemas como unidades de estudo,
orienta-se pela integração das bases e conhecimentos agronômicos, ecológicos,
culturais e socioeconômicos para a compreensão, a análise, a crítica do atual
modelo do desenvolvimento e de agricultura e a avaliação dos impactos das
tecnologias sobre os sistemas agrícolas e a sociedade como um todo. Os saberes
históricos, as técnicas e as formas de aprendizagem dos agricultores, nesse
contexto, gozam de legitimidade, rompendo com a arrogância da ciência
convencional e são fundamentais no estabelecimento de novas estratégias para o
desenvolvimento agrícola e desenhos mais sustentáveis (ALTIERI, 2004; CAPORAL
et al., 2009).
O histórico do desenvolvimento científico e tecnológico brasileiro, construído
sobre a produção de ausências de identidades e conhecimentos locais e com a
imposição de um modelo de desenvolvimento e progresso, conforma o modo como a
população, inclusive os professores de Ciências, idealiza a influência da ciência e da
72

tecnologia na sociedade, interferindo na seleção e nos encaminhamentos dos temas


nas práticas pedagógicas. Ocorre, por vezes, uma crítica pontual e pouco
fundamentada de algum episódio negativo dessa relação numa conjunção de visões
ufanista, hegemônica, irreversível e linear do incremento científico e tecnológico
(AULER e DELIZOICOV, 2006; AULER, 2007; SANTOS, 2007). Emerge daí a
necessidade de se buscarem estratégias educacionais capazes de mobilizar alusões
e dimensões específicas do contexto brasileiro. A agroecologia apresenta princípios
que podem enriquecer as práticas escolares nesse âmbito.
Atentos a esses fatores, compartilhamos da preocupação dos estudiosos da
área com a vulgarização do termo agroecologia, o que acarreta usos inadequados
para, por exemplo, denominar um novo modelo de agricultura ou seu uso parcial e
reducionista como na adoção de algumas práticas ou tecnologias ambientalmente
mais adequadas, ou sem uso de agrotóxicos, ou a substituição de insumos. Assim,
reafirma-se que a agroecologia trata-se, na acepção kuhniana, de um novo
paradigma ou de uma nova ciência, do campo da complexidade, em construção para
a transição do atual modelo convencional de agricultura para estilos de agriculturas
sustentáveis. Para tanto, organiza-se um enfoque teórico e metodológico
multidisciplinar para a atividade agrícola sob uma perspectiva de sustentabilidade
ecológica, social, econômica, cultural, política e ética visando à produção de
alimentos em quantidade adequada e de elevada qualidade biológica, para toda a
sociedade. Essa proposta de desenvolvimento agrícola valoriza saberes acumulados
historicamente, reconhece a existência de interdependência entre o sistema social e
o sistema ecológico, ou seja, a coevolução da cultura humana com o meio ambiente
e produz menor deterioração cultural, biológica e ambiental, conservando mais
opções culturais e biológicas. Os elementos centrais da Agroecologia podem ser
agrupados em três dimensões interconectadas que demandam aportes de diferentes
áreas de conhecimentos e, portanto abordagem inter, multi e transdisciplinar:
ecológica e técnico-agronômica; socioeconômica e cultural; e sócio-política
(CAPORAL e COSTABEBER, 2004; CAPORAL et al., 2009).
As bases epistemológicas que dão sustentação à Agroecologia indicam que a
evolução da cultura humana e a evolução do meio ambiente referenciam-se
mutuamente, de tal forma que:

a) os sistemas biológicos e sociais têm potencial agrícola;


73

b) este potencial foi captado pelos agricultores tradicionais através de um


processo de tentativa, erro, aprendizado seletivo e cultural;
c) os sistemas sociais e biológicos coevoluíram de tal maneira que a
sustentação de cada um depende estruturalmente do outro;
d) a natureza do potencial dos sistemas social e biológico pode ser melhor
compreendida dado o nosso presente estado do conhecimento formal,
social e biológico, estudando-se como as culturas tradicionais captaram
este potencial;
e) o conhecimento formal, social e biológico, o conhecimento obtido do
estudo dos sistemas agrários convencionais, o conhecimento de alguns
insumos desenvolvidos pelas ciências agrárias convencionais e a
experiência com instituições e tecnologias agrícolas ocidentais podem se
unir para melhorar tanto os agroecossistemas tradicionais como os
modernos;
f) o desenvolvimento agrícola, através da Agroecologia, manterá mais
opções culturais e biológicas para o futuro e produzirá menor deterioração
cultural, biológica e ambiental que os enfoques das ciências convencionais
por si sós. (CAPORAL et al., 2009, p. 26 ).

A perspectiva complexa da Agroecologia entende que o processo de transição


forma um conjunto composto por uma seleção qualitativa e rigorosa de
conhecimentos que inclui os avanços científicos. Portanto, uma agricultura que se
limita a substituir insumos químicos convencionais não pode ser classificada como
ecológica, podendo inclusive, um manejo inadequado ocasionar novos problemas. A
atenção volta-se para a busca de maior complexidade ecológica dos sistemas de
produção: Quanto mais diversificados e integrados forem os sistemas de cultivos e
criações, mais próximos estarão da sustentabilidade ambiental desejada e possível
(CAPORAL et al., 2009, p. 36).
A Agroecologia respalda cientificamente estilos de agriculturas, considerando
as dimensões econômicas, sociais, ambientais, políticas, culturais e éticas da
sustentabilidade, visando à produção de alimentos quantitativamente e
qualitativamente adequados para a toda a sociedade de forma a garantir a
Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável (CAPORAL et al., 2009).
Os princípios agroecológicos podem estar presentes de forma avulsa e parcial
em diferentes iniciativas de produção agrícola conformando modalidades com
denominações distintas. A agricultura orgânica se destaca e acaba por ser,
equivocadamente, entendida como sinônimo das demais, inclusive da própria
Agroecologia como um todo. Esse fato evoca a necessidade de esclarecimentos
sobre a possibilidade do caráter restritivo na concepção da agricultura orgânica em
relação à abrangência dos princípios agroecológicos (AQUINO e ASSIS, 2007).
A agricultura orgânica compreende um conjunto de procedimentos que
envolvem a planta, o solo e as condições climáticas para a produção de alimento
74

com características peculiares que atendam as expectativas de um mercado


consumidor diferenciado. O foco ao recair na certificação do produto final e na
observância de algumas tecnologias adotadas descuida do sistema de produção
como um todo. Nesse caso, pode haver somente restrições ao uso de fertilizantes
sintéticos e pesticidas com a manutenção da lógica de produção em escala industrial
como a monocultura e a exclusão das preocupações sociais, culturais e ambientais
daí advindas (PENTEADO, 2000; ASSIS e ROMEIRO, 2002; AQUINO e ASSIS,
2007).
Da mesma forma, os projetos com hortas escolares no Brasil podem não estar
se apropriando dos princípios da agroecologia e incorrendo no uso do termo
orgânico/orgânica para adjetivar a prática em si (horta orgânica), seus produtos
(alimento orgânico) ou somente os insumos utilizados (adubo orgânico). Em termos
educacionais, essa parcialidade ingênua se por um lado insere elementos
importantes que podem suscitar reflexões relevantes no ambiente escolar, por outro
justapõe lógicas e modelos contraditórios sem explicitá-los.
A denúncia de ausências pode ocorrer no conflito proporcionado pelo confronto
entre os modelos de agricultura hegemônico e aqueles afinados com os princípios
agroecológicos.

3.5 HORTAS ESCOLARES URBANAS AGROECOLÓGICAS, PREPARANDO O


TERRENO: aprender é processo/ sobre aprender a comer.

A constituição de hábitos alimentares adequados e, principalmente, a


elaboração de intervenções capazes de alterar dietas já consolidadas apresentam-
se como grandes desafios, tendo em vista a constatação da complexidade enredada
no fenômeno alimentar associada aos aspectos que compõem a denominada
modernidade alimentar. Esse conceito é estruturado por fatores contemporâneos
que alteram o sistema alimentar humano e afastam o comensal das características
originais do alimento, tais como a pouca disponibilidade de tempo para o seu
preparo, a perda da competência culinária, os atuais processos de produção
agrícola e de industrialização. Associado a esses fatores, surge o aparato para o
atendimento daquelas necessidades produzidas, que envolve a acessibilidade, a
praticidade e a influência da publicidade, que atribui significados positivos a
alimentos industrializados e traz a valorização dessas facilidades. Essas
75

modificações descontextualizam o alimento, dificultando a vinculação a uma


referência, infringindo a necessidade do comensal de reconhecer e se identificar
com o alimento para atribuir-lhe significado. Para suprir tais carências, novos
significados são produzidos artificialmente forjando essa aproximação
(CONTRERAS, 2005; FONSECA et al., 2011).
Se ainda persistem discussões sobre as dimensões determinantes nos
processos de aprendizagem dos conteúdos escolares clássicos, certamente para o
ato de comer não há dúvidas de que a aprendizagem não é somente cognitiva.

[...] o comer envolve seleção, escolhas, ocasiões e rituais, imbrica-se com a


sociabilidade, com ideias e significados, com as interpretações de
experiências e situações. Para serem comidos, ou comestíveis, os
alimentos precisam ser elegíveis, preferidos, selecionados e preparados ou
processados pela culinária, e tudo isso é matéria cultural (CANESQUI e
GARCIA, 2005, p. 9).

O comportamento alimentar humano é resultante de um conjunto de


determinantes, de tal modo que o processo de formação do repertório alimentar é
algo aprendido desde a infância, pelas sensações táteis, gustativas e olfativas sobre
o que se come. Sua consolidação pode se constituir em fator de proteção tornando o
indivíduo mais resistente à homogeneização imposta pela produção e pela
distribuição massificadas de alimentos (CANESQUI e GARCIA, 2005, p. 10).
A crescente tendência à inadequação alimentar está presente em todas as
classes sociais, evidenciando a influência ampla dos processos que envolvem a
modernidade alimentar em aspectos sociais e culturais locais. As escolhas
alimentares têm priorizado alimentos que, devido às proporções em que são
consumidos, causam danos à saúde. Como consequência, a Organização Mundial
da Saúde alerta para a ocorrência de doenças relacionadas como problemas
cardiovasculares, diabetes, alguns tipos de câncer e a obesidade.
A ampliação do acesso ao alimento, proporcionada por medidas
governamentais brasileiras nos últimos anos, bem como os avanços conceituais e
políticos e a profusão de informações sobre a importância da alimentação saudável
não são suficientes para a constituição de melhores escolhas. A tentativa de
contraposição a esse processo tem se dado com formulações e implementação de
políticas de intervenção ineficientes e passíveis de questionamentos, tais como:
Como abordar as práticas alimentares [...] sem correr o risco de assumir uma
76

postura moralizante [...]? Como implementar ações [...] sem partir de nossas
concepções? A resposta às questões pode estar na consolidação de uma política de
educação alimentar com ações que promovam hábitos alimentares saudáveis e
adequados cultural e ambientalmente (BURLANDY e MAGALHÃES, 2008, p. 54). O
Programa Nacional de Alimentação Escolar tem travado uma luta contra aqueles
aspectos impostos pela modernidade alimentar ao privilegiar, progressivamente, a
busca por adequações que favoreçam o oferecimento de alimentos saudáveis e
adequados.
Entretanto, além de enfrentar a resistência ao consumo desses alimentos, o
PNAE tem que lidar com preconceitos voltados ao programa. O histórico do
Programa, marcadamente assistencialista, imprimiu no imaginário coletivo um
estigma depreciativo aos seus comensais. As percepções negativas sobre a
merenda e a sua omissão pedagógica limitam a concretização de seus objetivos
educativos (SILVA et al., 2012). Se por um lado, é inegável o potencial educativo do
PNAE para a educação alimentar e nutricional dada a sua presença diária desde a
educação infantil, por outro, a complexidade envolvida na aceitação e consumo do
alimento oferecido costuma ser negligenciada pedagogicamente.
Entende-se que é importante agregar ao PNAE ações educativas cotidianas e
contínuas que mobilizem outras dimensões que conformam a constituição do
repertório alimentar, contribuindo para o estabelecimento de uma relação positiva
das crianças e adolescentes com os alimentos considerados mais saudáveis e
adequados oferecidos nos cardápios escolares. As hortas escolares podem se
configurar em terreno fértil nesse sentido.

3.6 HORTAS ESCOLARES URBANAS PREPARANDO O TERRENO PARA A


EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E PARA A EDUCAÇÃO EM SAÚDE: abordagens
contemporâneas

Quando buscamos identificar nas experiências com hortas escolares urbanas


as potencialidades para o alcance dos objetivos da Educação em Ciências e da
Educação em Saúde, as interseções se evidenciam, especialmente, ao
concebermos a alimentação humana e Educação Alimentar e Nutricional numa
perspectiva ampla que envolva a complexidade do sistema de produção do alimento
e dos múltiplos determinantes do comportamento alimentar. Essa percepção tem se
77

revelado nas práticas educativas desenvolvidas em escolas, quando a Educação


Alimentar e a Educação Ambiental aparecem insistentemente associadas, a
despeito da delimitação de campos no meio acadêmico (SILVA, 2010; CONTRERAS
e GRACIA, 2011). Tal conexão é um passo importante, mas não tem sido o
suficiente para garantir ações que deem conta de aspectos fundamentais da
multidimensionalidade da alimentação humana.
As hortas escolares tanto são recomendações de setores que se ocupam da
educação e promoção em saúde, quanto daqueles relacionados à educação em
ciências. As interfaces dos campos se referem aos conhecimentos e dimensões
implícitos nessa prática e que podem ser identificadas em maior ou menor amplitude
ou graus de complexidade em função do modo de se conceber a educação, a
saúde, as relações humanas com os demais elementos do ambiente e,
especialmente, como tem sido posta em evidência, a relação humana com o
alimento e as possibilidades para a educação alimentar e nutricional objetivando
melhor qualidade de vida.
Faz-se necessária uma reflexão sobre os objetivos e desafios contemporâneos
da Educação em Saúde e da Educação em Ciências para compreender o que de
fato se pretende com a proposta de hortas escolares proveniente desses campos de
conhecimento. O Programa Nacional de Alimentação Escolar- PNAE, dada a sua
abrangência, sua permanência, suas proposições e objetivos atuais, pode se
constituir num ponto importante de confluência, de concretude e de exercício da
práxis daquelas áreas de conhecimento, tendo como eixo a alimentação. O PNAE,
em sua atual configuração, abarca aspectos relativos ao alimento a ser consumido
no espaço escolar que podem ser enriquecidos e pedagogicamente tratados com os
conhecimentos e objetivos provenientes da Educação em Saúde e da Educação em
Ciências.
Apesar dos avanços teóricos percebidos na Educação em Saúde, na Educação
em Ciências e nas formulações do PNAE, as práticas educativas relacionadas a
alimentação continuam recebendo críticas devido a métodos, abordagens e
procedimentos parciais e que não conseguem dar conta da complexidade da
questão (SANTOS, 2012). Nesse contexto o reconhecimento da educação alimentar
como estratégia fundamental para a promoção de práticas alimentares saudáveis
não garante clareza sobre os contextos e os atores de sua execução de tal forma
78

que se constata que a educação alimentar e nutricional está em todos os lugares e,


ao mesmo tempo, não está em lugar nenhum (SANTOS, 2005, p.15).
Os esforços governamentais feitos para atender a demandas para a
alimentação saudável, como medidas reguladoras legais e ações com propósitos
educativos, ainda não são considerados satisfatórios (BRASIL, 2010). Em relação às
intervenções educativas, incide a crítica de identificação com uma visão tradicional e
fragmentada do conhecimento (SANTOS, 2005; 2012). Informações e eventos
avulsos sobre alimentação adequada não são suficientes para interferir de forma
efetiva em um fenômeno tão complexo como o da constituição de hábitos
alimentares (FISCHLER,1995; CASTRO et al., 2007).
Tendo em conta a indicação, nos Parâmetros Curriculares Nacionais, para a
transversalidade dos temas ambiente e saúde, os livros didáticos nas diferentes
áreas que tangenciam o ensino de Ciências poderiam representar apoio importante
para as práticas pedagógicas. Porém, apresentam também deficiências, sendo
possível identificar vazios textuais e incongruências em relação aos conceitos de
saúde e ambiente e às metodologias empregadas nesse contexto. O ambiente é
tratado de forma naturalizada e, por vezes, descontextualizada enquanto que para a
saúde são negligenciadas as formulações de políticas públicas voltadas para a
alimentação (MOREIRA et al. , 2013, p. 37).
O alimento é o eixo unificador a ser contextualizado a partir da agricultura e
suas múltiplas dimensões, considerando que: Os produtos agrícolas e alimentares
não são mercadorias como as outras: seu preço é o da vida e, abaixo de um certo
patamar, o da morte (MAZOYER e ROUDART, 2010, p. 34). Há a aposta de que as
hortas escolares, como uma prática consensual e com possibilidades de expansão,
podem ser enriquecidas com os objetivos da Educação em Saúde, da Educação em
Ciências e do PNAE e podem representar o elo que permita aos agentes de cada
campo o aperfeiçoamento de suas práticas pelo exercício da perspectiva integrada e
transdisciplinar.

3.6.1 Educação em Ciências

A Educação em Ciências pode comportar significados variados que incluem a


propagação de conhecimentos gerais sobre a ciência e a tecnologia como
fenômenos sociais e econômicos e a formação específica numa disciplina,
79

abrangendo espaços informais e todos os níveis de ensino (SCHWARTZMAN e


CHRISTOPHE, 2009). Uma característica inerente ao campo é que, se por um lado
este vem se consolidando por constituir um campo social de produção de
conhecimento autônomo, por outro, é enriquecido, diversificado e desafiado por
manter inter-relações em diferentes níveis com outros campos do conhecimento
(DELIZOICOV, 2004). Assim, a Educação em Ciências demanda diferentes saberes
em função da temática e do público alvo propostos para a investigação.
Toda essa conjuntura complexa que envolve o processo de produção e de
propagação de conhecimentos científicos para o espaço escolar vai resultar numa
variedade de práticas e abordagens pedagógicas. No caso específico de temas
relacionados à saúde incide a crítica de que os conhecimentos produzidos nesse
campo sofrem adaptações ao serem transpostos para a escola e passam a ter
caráter prescritivo com a disseminação de preceitos individuais efetivados em lista
de ações para garantir a saúde (PEREGRINO, 2000). Pode-se opinar que ocorre o
mesmo em relação ao conjunto de conhecimentos referentes ao meio ambiente e a
percepção de sua crise e que, com a horta escolar, tanto é possível que somente
seja reforçada essa abordagem ou, como queremos, auxilie na visibilidade da
complexidade de ambos.
A despeito das recomendações teóricas para que os temas relacionados a
hortas, como a alimentação- que naturalmente aparece inserida no contexto da
saúde, mas que pode e deve ser considerada nas discussões sobre meio ambiente -
sejam interdisciplinares e/ou transversais, na prática, a atividade segue mantendo
vínculo com o Ensino de Ciências. Tal constatação é reafirmada na identificação dos
professores de Ciências (ou daqueles das séries iniciais que ministram
conhecimentos da área) como atores privilegiados na proposição de hortas ou
procurados para parceria e/ou ponto de apoio por aqueles que pretendem realizá-las
com objetivos voltados a melhores consumos alimentares (RANGEL et al., 2014).
É comum que professores de Ciências vejam a horta como uma possibilidade
para aulas práticas, concebendo-a como um laboratório vivo que permite
observações, experimentos, discussões e a consolidação de conceitos científicos. A
horta pode ser vista também como apoio ao alcance de objetivos relativos aos
conteúdos curriculares clássicos e a muitos outros afinados com o contexto atual.
Assim, é possível associar as atividades agrícolas na escola a objetivos gerais
80

propostos pelos PCNs a serem alcançados pela disciplina Ciências Naturais no


Ensino Fundamental (BRASIL, 1998a):

 Compreender a natureza como um todo dinâmico e o ser humano, em


sociedade, como agente de transformações do mundo em que vive, em
relação essencial com os demais seres vivos e outros componentes do
ambiente;
 Compreender a Ciência como um processo de produção de conhecimento
da atividade humana, histórica, associada a aspectos de ordem social,
econômica, política e cultural;
 Identificar relações entre conhecimento científico, produção de tecnologia e
condições de vida, no mundo de hoje e em sua evolução histórica, e
compreender a tecnologia como meio para suprir necessidades humanas,
sabendo elaborar juízo sobre riscos e benefícios das práticas científicas e
tecnológicas;
 Formular questões, diagnosticar e propor soluções para problemas reais a
partir de elementos das Ciências Naturais, colocando em prática conceitos,
procedimentos e atitudes desenvolvidos no aprendizado escolar;
 Saber utilizar conceitos científicos básicos, associados a energia, matéria,
transformação, espaço, tempo, sistema, equilíbrio e vida;
 Saber combinar leituras, observações, experimentações e registros para
coleta, comparação entre explicações, organização, comunicação e
discussão de fatos e informações;
 Valorizar o trabalho em grupo, sendo capaz de ação crítica e cooperativa
para a construção coletiva do conhecimento.

Tais objetivos podem ser perseguidos a partir do conteúdo embutido nos


conceitos de meio ambiente e de saúde, os quais são temas caros ao Ensino de
Ciências que remetem a horta e podem, em alguns casos, se relacionar
separadamente àquela perspectiva de laboratório vivo. Embora pertençam a campos
de conhecimentos distintos, a abordagem da alimentação, a partir da horta,
aproxima os temas, os amplia e faz com que caminhem juntos na prática escolar.
Os conteúdos da disciplina, referentes ao meio ambiente e à alimentação,
frente às demandas atuais da sociedade, pressionam e encaminham professores
para ações em Educação Ambiental e em Educação Alimentar e Nutricional. Essa
avaliação conduz as exigências impostas ao ensino de ciências para a contribuição
na formação integral do educando a partir de uma perspectiva crítica. Dada a
amplitude, a complexidade, as implicações sociais, econômicas, culturais, políticas e
interconexões desses temas, a análise e/ou a elaboração de prática pedagógica
com objetivos correspondentes não podem se restringir a um artifício que venha a
auxiliar tão somente a aquisição de conceitos científicos.
O primeiro documento brasileiro oficial sobre o tema Educação Ambiental
definia entre seus objetivos a busca de uma relação harmônica entre o ser humano
81

e ambiente natural e alterado, chamando a atenção para a impossibilidade da


manutenção da tradicional fragmentação dos conhecimentos oferecidos nas
disciplinas escolares (BRASIL, 1998b). Outros documentos se seguiram, com
destaque para a Constituição Brasileira de 1988 (BRASIL,1988), que dedica um
capítulo ao meio ambiente no qual há um artigo específico sobre educação
ambiental destacando a obrigatoriedade da Educação Ambiental em todos os níveis
de ensino, em caráter não disciplinar; a aprovação do Programa Nacional de
Educação Ambiental em 1994, recomendando ações para o ensino formal; a Lei de
Diretrizes e Bases para a Educação Nacional, em 1996 (BRASIL,1996), que postula
o seu caráter de transversalidade e, portanto, presente na concepção dos conteúdos
curriculares em todos os níveis; a Lei 9.795/99, que institui a Política Nacional de
Educação Ambiental e normatiza a Educação Ambiental brasileira (BRASIL, 1999).
Nesse contexto, a Rio-92 foi um momento importante de mobilização e visibilidade
para a educação ambiental, no qual foi reforçada sua importância e apresentadas
proposições de ações para os anos subsequentes.
Embora passíveis de críticas, os documentos mencionados trazem formulações
que podem ter influenciado para um novo olhar para as práticas agrícolas e para
justificar sua inclusão no contexto escolar com objetivos e procedimentos
reestruturados. No entanto, o documento mais referenciado nos projetos escolares
atuais que incluem questões ambientais são os Parâmetros Curriculares Nacionais,
cuja intenção é oferecer uma referência curricular nacional para a educação.
Nos PCNs o Meio Ambiente figura entre os temas a serem tratados de modo
transversal, permeando todas as disciplinas em seus diferentes enfoques e nas
práticas educativas, contemplando tanto os elementos naturais como os construídos,
bem como os aspectos sociais e econômicos. Entre as muitas questões indicadas
estão: a crítica ao consumismo, a necessidade de se valorizar e proteger as
diferentes formas de vida, a importância de se vivenciar situações concretas e
contextualizadas de aprendizado e o apelo à afetividade e valorização em relação ao
ambiente, reconhecendo a importância das dimensões relacionais, éticas e estéticas
(BRASIL, 1998c).
É possível perceber que nos PCNs, embora seja mencionada a necessidade
de inclusão das dimensões coletiva e política, a ênfase dada aos comportamentos
ambientalmente corretos (BRASIL, 1998d, p. 68) parece conduzir mais para a
82

abordagem filosófica da crise ambiental, na qual os valores culturais assumem a


centralidade na dinâmica pedagógica.
Encontramos correspondência dessa abordagem nas ainda incipientes citações
sobre saúde e ambiente nos livros didáticos usados, por exemplo, no Ensino Médio,
em disciplinas diferentes de Biologia. Quando presente, a abordagem mostra-se
parcial, uma vez que:

[...] seguem correntes de Educação Ambiental que visam apenas sustentar


e replicar o padrão de consumo presente, por via do contingencial discurso
da reciclagem. Isto fica evidente quando descrevem limites ambientais que
estão ligados aos interesses econômicos, as quais remetem quase a visão
antropocêntrica, o que não acorda com a visão contemporânea que
amplifica o pensamento social, ambiental e da saúde,
repercutindo numa melhor qualidade de vida (MOREIRA, et al., 2013, p.
46/47)

Essa percepção corrobora as denúncias oriundas daqueles que defendem a


Educação Ambiental Crítica. Esta, com a perspectiva da sociologia do conflito, tem
alertado para o perigo da despolitização do fazer educativo relacionado às questões
ambientais, denunciando a prioridade que tem sido dada a ações voltadas à
mudança cultural em detrimento da mudança social, quando ambas precisam ser
concebidas simultaneamente. Afirma-se que essa primeira via, isoladamente, – a
mudança cultural – pode ser mais facilmente cooptada pela hegemonia moldando
uma educação ambiental a serviço dos interesses do capital (LAYRARGUES, 2006).
O quadro abaixo expõe as características dessas duas vias e ajuda a esclarecer
melhor esse ponto de vista e a sua inserção nas práticas pedagógicas:
83

Figura 1: Tipologia das dimensões da educação ambiental (LAYRARGUES, 2006, p.98).

A mudança cultural para a resolução da crise ambiental, postulada pela


abordagem filosófica, tendo a cultura como mediadora da relação humana com os
demais elementos da natureza, apela para a inclusão de valores, na prática
educativa, que entram em confronto com os aspectos que têm conformado as
relações sociais hodiernas impostas pelo modelo capitalista. Defende-se que a
abordagem sociológica permite a visibilidade da categoria trabalho a ser posta ao
lado da vertente cultural, dando mais materialidade à crise ambiental e expondo com
mais clareza os papéis dos diferentes grupos humanos, suas interações, valores,
84

interesses e intenções e respectivos impactos sobre o ambiente natural


(LAYRARGUES, 2006).
No caso específico de professores de ciências há ainda a preocupação com o
predomínio da perspectiva biológica nas propostas de educação ambiental e sua
incorporação ao Ensino de Ciências, acarretando o reducionismo da questão e
prejuízos à sua abordagem (LIMA, 1999). O entendimento reduzido da
complexidade da problemática ambiental e compreensões questionáveis da
realidade conduzem à introdução de um conjunto de ideias externas e a enfoques
pontuais e superficiais (ANGOTI e AUTH, 2001). O mesmo pode valer para a
educação alimentar e nutricional quando se constata que: [...] publicizar
informações, dar visibilidade aos fatos, não é necessariamente educar. São
necessários mais elementos do que apenas a informação para subsidiar os
indivíduos nas escolhas e decisões do que é mais significativo para as suas vidas
(SANTOS, 2005, p.3). Recorre-se ao exercício do pensamento complexo para
potencializar a educação crítica a fim de tornar visível a causalidade
multidimensional nas interações ecológicas, sociais, culturais, econômicas, políticas,
territoriais, éticas entre outras (LAYRARGUES, 2006).
A saúde, assim como o meio ambiente, é qualificada como uma das
problemáticas sociais abrangentes, atuais e urgentes não devendo, portanto, se
restringir a uma única área de conhecimento, constando também como um dos
temas transversais propostos pelos PCNs. Para a temática, aponta-se a
necessidade de se considerarem as relações do indivíduo com o meio físico, social e
cultural, com discussões sobre o consumismo, a desnutrição e, nesse caso, a
categoria trabalho é indicada tendo em vista a relação com a saúde em função das
diferentes formas de inserção nesse contexto. O capítulo que trata do tema
transversal saúde inclui discussões sobre alimentação desde os aspectos nutricional
e higiênico até o cultural. Além disso, recomenda ação com os estudantes para a
reconstituição do caminho seguido pelos alimentos desde a sua produção até o
consumidor, a identificação do trabalho humano envolvido, do uso de aditivos e
agrotóxicos em sua produção e seus efeitos sobre a saúde dos produtores e
consumidores (BRASIL, 1998c, p. 277). Aqui, parece ser inevitável avançar nas
questões ambientais e nas relações de trabalho e consumo envolvidas.
Reforçando o mencionado, vale acrescentar que “trabalho e consumo” também
são considerados conjuntamente nos PCNs como temas transversais, os quais
85

apresentam, entre outros aspectos, uma panorâmica das relações estabelecidas nas
diferentes modalidades de trabalho agrícola com menção às questões fundiárias e
às lutas dos trabalhadores agrícolas por seus direitos (BRASIL, 1998c).
A recomendação para que os aspectos que compõem a saúde permeiem o
cotidiano escolar desde as séries iniciais é justificada sob a argumentação de que
[...] as atitudes favoráveis ou desfavoráveis à saúde são construídas desde a
infância, pela identificação com valores observados em modelos externos ou em
grupos de referência (BRASIL, 1998d, p.67). Sinaliza-se aqui a importância de uma
composição pedagógica que permita a vivência cotidiana de crianças e adolescentes
em um ambiente escolar saudável.
Os PCNs, embora enfatizem o caráter transversal a ser dispensado ao Meio
ambiente e à Saúde (o que inclui a alimentação), admitem serem muitas as
conexões entre Ciências Naturais e Meio Ambiente e, por considerarem os
conhecimentos científicos essenciais para a compreensão das dinâmicas da
natureza, entendem que a disciplina promove a educação ambiental, em todos os
eixos temáticos (BRASIL, 1998a, p.51). Procedem da mesma maneira em relação à
alimentação, afirmada como um tema consagrado da disciplina, que é inserida nos
diferentes eixos temáticos das Ciências Naturais em diferentes níveis do Ensino
Fundamental. A alimentação é o exemplo utilizado para esclarecer de que maneira
um item pode estar presente em diferentes níveis, nos diferentes eixos temáticos,
relacionando-o aos temas transversais. Para os dois primeiros anos do Ensino
Fundamental é sugerida a utilização de horta escolar no eixo Vida e Ambiente para a
investigação sobre a origem do alimento.
Tais perspectivas coadunam com a percepção de professores de ciências, na
qual as hortas escolares ganham destaque como estratégia educacional para
abordar temas de alimentação e nutrição, proporcionando aos estudantes vivências
de conexões entre alimento e meio ambiente com possibilidades de
desdobramentos culinários e aproximações das discussões propostas pelo enfoque
agroecológico (RANGEL et al., 2014).
A agroecologia, embasada no pensamento complexo, ganha reforço com a
perspectiva CTS - Ciência, Tecnologia e Sociedade, aplicada à horta, e amplia as
discussões sobre alimentação e meio ambiente no ensino de ciências e respalda a
conexão entre educação ambiental e educação alimentar e nutricional.
86

O movimento CTS tem sua origem na constatação do agravamento dos


problemas ambientais em decorrência dos excessos e equívocos tecnológicos. As
contestações decorrentes propiciaram reformulações no ensino de Ciências nos
países industrializados. No Brasil, nos anos setenta, os currículos de Ciências
passam a inserir elementos da visão de ciência como produto dos contextos
econômico, político e social. Posteriormente, já nos anos oitenta, passam a ser
orientados para o estudo dos impactos do desenvolvimento científico e tecnológico
sobre a sociedade e trazem como objetivo a preparação do aluno para o exercício
da cidadania (SANTOS e MORTIMER, 2000).
Partindo de tais orientações, se, ao contrário do esperado com a expansão
agroalimentar, a insegurança alimentar se faz presente e acompanhada da
degradação ambiental, o tema alimentação não pode prescindir do questionamento
sobre os modelos de produção, tendo em vista que o modelo agroalimentar
hegemônico é considerado excludente e insustentável e não se pauta na equidade
social e na sustentabilidade ambiental (MALUF, 2007).
Os avanços tecnológicos permeiam o cotidiano de forma intensiva e podem se
tornar tão naturalizados que dificultam a reflexão a respeito das dimensões que os
compõem, comprometendo o exercício da cidadania. Assim a ciência e a educação
podem tanto ampliar a participação e promover transformações positivas na
sociedade, como podem restringir a tomada de decisões e reproduzir processos de
dominação com a manutenção do status quo. É o caso da tecnologia agrícola e da
indústria de alimentos, que propiciam o acesso a produtos de diferentes regiões, de
modo que o tema pode ser tratado na escola no sentido de preparar os educandos
apenas para identificar os benefícios imediatos e ignorar as consequências sociais e
ambientais a médio e a longo prazos (SANTOS e SCHENETZLER, 1998).
As investigações empreendidas na área de ensino de Ciências, no Brasil, têm
dado pouca importância à horta e suas possibilidades para aprendizagens na
disciplina. Geralmente as referências são feitas na condição de uma atividade
extracurricular e poucas trazem a horta escolar como enfoque principal. Nos raros
estudos, há a sua compreensão como um recurso pedagógico que pode conectar
meio ambiente e saúde e contribuir para a formação intelectual e comportamental de
estudantes nesses âmbitos. O entendimento da potencialidade da horta escolar
como espaço articulador de conteúdos de ciências e suas aplicações práticas
87

sugere a necessidade de mais estudos que voltem seus interesses para esse campo
(SASSI e LINDEMANN, 2013).
Os enfoques apresentados compõem um movimento de complexificação dos
conteúdos do ensino de ciências, em especial a alimentação, a partir da horta
escolar e cuja ambição maior é o exercício contra-hegemônico, como já indicado em
vários momentos. Podemos assim estender ao tema e à prática agrícola na escola o
expresso na formulação de Layrargues (2009) sobre a complexidade aplicada à
educação ambiental, a qual busca o enfrentamento de aspectos para além (e
inerentes a essa) da degradação ambiental, tais como a padronização cultural, a
exclusão social, a concentração de renda, a apatia política, a alienação ideológica,
visando a uma sociedade ecologicamente prudente, economicamente viável,
socialmente justa, culturalmente diversa, politicamente atuante e territorialmente
suficiente.

3.6.2 Educação em Saúde

É possível identificar, de forma mais acentuada na perspectiva histórica,


diferentes formas de abordagem para a Educação em Saúde, a Educação para a
Saúde e para a Promoção de Saúde em função dos objetivos e métodos adotados.
A evolução se dá de um modelo mais restritivo focado na ausência da doença para
um mais abrangente no qual outras dimensões de saúde passam a ser
consideradas. O modelo sobre determinantes de saúde apresentado no Relatório
Lalonde se tornou referência mundial a partir dos anos setenta. O documento
provocou mudanças nas políticas relacionadas ao trazer a percepção de gastos
excessivos em países industrializados com o Sistema de Saúde em detrimento de
outros fatores determinantes de saúde como a qualidade do ambiente físico e social,
a adoção de estilo de vida mais saudável e a biologia humana (CARVALHO, 2006).
A partir daí, foi dada prioridade na necessidade de mudança de comportamento
individual para a melhoria da qualidade de saúde com ênfase na informação
fornecida pelo profissional de saúde àquele que, uma vez informado, teria condições
de mudar. Por outro lado, pouca atenção foi dispensada à necessidade de
alterações no ambiente no sentido de oferecer condições para estilos de vida mais
saudáveis, o que colocou em evidência a insuficiência daquele fator isoladamente.
Ambos os fatores se interligam ao consideramos que a imersão num ambiente
88

favorável pode interferir no comportamento e que a aquisição de informação pode


provocar o desejo e até pressões para a melhoria do ambiente (CARVALHO, 2006).
No Brasil, as ações empreendidas do século XIX até meados do século XX
com pretensões educativas em saúde, partindo de um contexto mundial de grandes
epidemias, consolidaram um modelo intervencionista e disciplinador de
comportamentos por meio de práticas educativas sanitaristas. A ênfase na
transmissão de um conhecimento científico que envolve normas e regras
comportamentais para um indivíduo, até então ignorante, e sua posterior
responsabilização pela própria saúde, negligencia o ambiente, as questões relativas
ao contexto social, econômico e cultural (REIS, 2006).
O final do século XX exibe uma mudança teórica profunda na concepção
educativa em saúde. Trata-se de um movimento influenciado pelas ideias e
concepções de Paulo Freire que privilegia ações participativas, passando da
perspectiva verticalizada de informar para mudar o comportamento para uma
relação horizontal entre pessoas e conhecimentos. Entretanto, embora a concepção
atual de Educação em Saúde clame por uma visão de um processo teórico-prático
crítico, participativo e de desenvolvimento de autonomia por meio da integração dos
saberes científicos, populares e do senso comum, aquele modelo tradicional
mantém seus reflexos nas práticas em curso. A interação de saberes é considerada
um componente fundamental, porém desafiador para a educação em saúde atual
tendo em conta que:

[...] há abordagens participativas que se caracterizam por adotar como


princípio básico a interação de saberes não no sentido de considerá-los
dotados de legitimidade, mas como forma de adaptar a linguagem do saber
científico a uma linguagem acessível para as comunidades assistidas,
favorecendo, assim, a assimilação passiva dos conteúdos, regras e normas
prescritas [...] (REIS, 2006, p. 22)

A educação alimentar e nutricional como uma vertente importante da Educação


em Saúde revela igualmente descompassos entre formulações teóricas que
influenciam políticas públicas e a realização prática das atividades com aquela
finalidade. Os documentos referentes a políticas públicas, tais como a Política
Nacional de Alimentação e Nutrição; o Sistema Nacional de Segurança Alimentar; a
Estratégia Fome Zero; a Estratégia Global para a Promoção da Alimentação
Saudável, da Atividade Física e Saúde; a Política Nacional de Promoção da Saúde e
89

o Programa de Saúde Escolar exibem crescente importância dada à educação


alimentar e nutricional no Brasil. Estes resultaram em ações governamentais
interministeriais – do Ministério do Desenvolvimento Social e de Combate à Fome,
do Ministério da Saúde e do Ministério da Educação – diversificadas e com
propostas arrojadas sob o ponto de vista teórico-metodológico suscitadoras de
discussões afinadas com as demandas contemporâneas (SANTOS, 2012). Nesse
contexto, a escola ganha destaque ao ser reconhecida na condição de espaço
privilegiado para a formação de melhores hábitos e escolhas alimentares.
No entanto, uma análise recente de ações identificadas em publicações
nacionais sobre relatos de experiências de programa educativos e/ou avaliação de
intervenções nutricionais educativas mostrou o predomínio de procedimentos
pedagógicos tradicionais ao lado de algumas ações práticas envolvendo culinária e
hortas escolares. Na maioria dos casos são omitidos os detalhes do processo,
sendo citados somente aspectos referentes ao período, conteúdo e técnicas
utilizadas (SANTOS, 2012).
Podemos inferir que as análises que se inserem no campo da educação em
saúde e seus respectivos profissionais da saúde vão encontrar paralelo nos
processos de transposição didática dos conteúdos da saúde por profissionais da
educação e outros que se propõem a fazê-lo em escolas. As ações pedagógicas
podem se concretizar nesses espaços com a utilização de métodos e estratégias de
modelos pautados no comportamentalismo, no determinismo e em conteúdos que,
por vezes, oferecem soluções que reforçam elementos da cultura dominante,
promovendo o descrédito e/ou a invisibilidade de outras possibilidades (GAZZINELLI
e PENNA, 2006; REIS, 2006).
A Portaria Interministerial nº 1.010 (BRASIL, 2006) fornece contribuições
relevantes ao processo educativo ao estabelecer diretrizes para a promoção da
alimentação saudável para escolas públicas e privadas de educação básica em
âmbito nacional, focando as ações de educação alimentar e nutricional. O
documento baseia-se em recomendações internacionais para a saúde e reforça
objetivos constantes em documentos dos ministérios da Saúde e da Educação
voltados para a melhoria da alimentação de crianças e adolescentes brasileiros e a
prevenção de doenças relacionadas. Considera que a alimentação pode e deve ter
função pedagógica e, portanto, propõe a sua inserção no currículo escolar e define
eixos prioritários para a promoção da alimentação saudável nesse espaço:
90

I - ações de educação alimentar e nutricional, considerando os hábitos


alimentares como expressão de manifestações culturais regionais e
nacionais;
II - estímulo à produção de hortas escolares para a realização de atividades
com os alunos e a utilização dos alimentos produzidos na alimentação
ofertada na escola;
III - estímulo à implantação de boas práticas de manipulação de alimentos
nos locais de produção e fornecimento de serviços de alimentação no
ambiente escolar;
IV - restrição ao comércio e à promoção comercial no ambiente escolar de
alimentos e preparações com altos teores de gordura saturada, gordura
trans, açúcar livre e sal e incentivo ao consumo de frutas, legumes e
verduras;
V - monitoramento da situação nutricional dos escolares (BRASIL, 2006).

A expressão eixos prioritários, que precede os itens acima, de certa forma


orienta para ações. Porém, nos itens III, IV e V fica mais fácil perceber o que se
pretende e é possível vislumbrar os procedimentos, os objetivos implícitos e os
possíveis setores e atores envolvidos. Em relação aos itens I e II, a distinção feita ao
colocar a educação alimentar e nutricional em um eixo e a produção de hortas
escolares em outro descola as possibilidades deste para aquele. E ainda, no item II
não há clareza sobre quais são, ou de que tipo são, as atividades a serem
realizadas com os escolares na horta e seus respectivos objetivos. O que parece
claro é o destino sugerido ao que for produzido na horta, porém, não é possível
identificar com que objetivo, tendo em vista que, ao menos nas escolas públicas, a
alimentação oferecida pelo PNAE garante, ou deveria garantir, qualidade e
quantidade adequadas em cardápio elaborado por nutricionista que, além de
respeitar a cultura refletida nos hábitos alimentares locais, ofereça três porções de
frutas e hortaliças por semana (BRASIL, 2013).
É possível depreender das orientações do campo da Educação em Saúde que
se relacionam ou tangenciam as hortas escolares que houve avanços e
contribuições que coadunam com as demandas contemporâneas, porém, há
persistência de alguns pontos indistintos, como o apontado anteriormente. É
necessária uma análise crítica dessas proposições para um alinhamento coerente
entre os objetivos da Educação em Saúde e a horta escolar para a condução
educativa mais efetiva desse recurso.
91

2.6.3 Programa Nacional de Alimentação Escolar-PNAE

O Programa Nacional de Alimentação Escolar, em sua atual configuração, traz


elementos importantes que auxiliam na formulação de práticas pedagógicas relativas
à alimentação, como a horta escolar, facilitando a adoção da perspectiva transversal
para o tema.
O PNAE busca garantir, por meio da transferência de recursos financeiros, a
alimentação escolar dos estudantes de toda a educação básica (educação infantil,
ensino fundamental, ensino médio e educação de jovens e adultos) matriculados em
escolas públicas e filantrópicas. Tem como objetivos atender as necessidades
nutricionais dos escolares durante sua permanência em sala de aula, contribuindo
para o crescimento, o desenvolvimento, a aprendizagem e o rendimento escolar e
para promover a formação de hábitos alimentares saudáveis (BRASIL, 2013).
O relatório elaborado em 2010 pelo Conselho Nacional de Segurança Alimentar
e Nutricional -CONSEA sobre a Segurança Alimentar e Nutricional - SAN e o Direito
Humano à Alimentação Adequada-DHAA no Brasil reconhece os empenhos do
PNAE em favor do DHAA e destaca a ampliação e qualificação de ações de
educação alimentar e nutricional que possam somar para fazer do Programa um
espaço efetivo para a promoção da alimentação saudável e também para a
formação de sujeitos de direitos (CONSEA, 2010).
O PNAE tem sua origem na década de cinquenta, apoiado por recursos
internacionais, com a aquisição de gêneros alimentícios estrangeiros, estrutura de
distribuição e qualidade precárias. Assumiu objetivo, exclusivamente, assistencialista
e suplementar com o fornecimento de refeição durante o ano letivo com valor
nutricional equivalente a até 15% das recomendações nutricionais diárias. Nas
décadas subsequentes passou por modificações que vieram ampliar e qualificar sua
abrangência, além de corrigir distorções, rumo a um caráter universal, equânime,
participativo, integrador, educacional, sustentável e saudável (PEIXINHO, 2013;
BRASIL, 2013).
As orientações do governo federal na Estratégia Fome Zero ensejaram as
reformulações ocorridas em 2003 que são consideradas especialmente importantes
pela articulação com outros programas e políticas sociais, o que se refletiu na
ampliação de seu objetivo que passou a incluir a formação de hábitos alimentares. A
equidade, a participação social, a universalidade, a sustentabilidade/continuidade, o
92

compartilhamento de responsabilidades, o direito humano à alimentação adequada e


o respeito aos hábitos e tradições regionais foram eleitos como princípios
norteadores para a execução do programa. Foram estabelecidas estratégias
normativas para as ações do nutricionista como responsável técnico do programa,
cuja atuação inclui a realização de ações educativas em alimentação e nutrição que
perpassem o currículo escolar. O programa adquire, assim, na avaliação de seus
gestores, um caráter mais efetivamente relacionado ao contexto do processo ensino-
aprendizagem e assume a dimensão de prática pedagógica, de ação educativa,
visando à promoção da saúde e da segurança alimentar e nutricional (PEIXINHO,
2013).
A horta escolar passa a ser identificada pelo programa como estratégica para o
debate da qualidade da educação e da segurança alimentar e nutricional no Brasil e
percebida como atividade curricular e não extracurricular, como frequentemente
ocorre. Assim, afirma-se que a horta escolar faz parte do currículo real sendo uma
estratégia metodológica na construção de conhecimentos, princípios e valores
altamente recomendáveis para a educação deste século. Consolidando essa
percepção, em 2005 foi estabelecida uma parceria com a Organização das Nações
Unidas para a Agricultura e Alimentação – FAO para desenvolver o Projeto
Educando com a Horta Escolar, tendo a horta escolar como prática pedagógica
promotora de educação integral de crianças e jovens, integrando a alimentação
nutritiva, saudável e ambientalmente sustentável (PEIXINHO et al., 2010, p.14). Os
responsáveis pelo projeto expressam o entendimento de que a horta na escola é
uma estratégia capaz de:

1. Promover estudos, pesquisas, debates e atividades sobre as questões


ambiental, alimentar e nutricional;
2. Estimular o trabalho pedagógico dinâmico, participativo, prazeroso, inter e
transdisciplinar;
3. Proporcionar descobertas;
4. Gerar aprendizagens múltiplas;
5. Integrar os diversos profissionais da escola por meio de temas
relacionados com a
educação ambiental, alimentar e nutricional (COSTA et al., 2010, p. 14).

A avaliação feita em 2010 pela equipe gestora, sobre a implantação do projeto


em 14 municípios, embora não esclareça os procedimentos para a avaliação,
apresenta como resultados atingidos:
93

1. Mudanças significativas nos hábitos alimentares dos escolares;


2. Adaptações substantivas dos cardápios às especificidades regionais
inclusive no que diz respeito à inclusão de hortaliças oriundas da produção
de agricultores familiares na alimentação escolar;
3. Maior qualidade e quantidade de projetos ambientais;
4. Melhoria da qualidade do trabalho pedagógico das escolas e,
consequentemente, melhor desempenho dos alunos no que se refere à
aprendizagem. (COSTA et al., 2010, p. 8)

O Projeto Educando com a Horta Escolar merece particular atenção por buscar
articular um conjunto de ações envolvendo setores da gestão pública municipal e
estadual, em prol do enquadramento da alimentação escolar nos parâmetros
estabelecidos pelo PNAE. Embora a horta escolar esteja no título do projeto,
posteriormente reformulado para Projeto Educando com a Horta Escolar e
Gastronomia, ela figura entre outras ações como o estímulo e qualificação da
produção de alimento pela agricultura familiar e sua consequente aquisição para
alimentação escolar e etc. Ações essas não necessariamente ligadas à inserção da
horta na escola como sugere o título. O tema será retomado mais adiante,
abordando aspectos que compõem a elaboração e implementação do referido
projeto.
Além do Projeto Educando com a Horta Escolar, outras parcerias e projetos se
voltaram para a incorporação da promoção da alimentação saudável no ambiente
escolar por meio de ações de educação alimentar e nutricional, tais como: Dez
Passos para Alimentação Saudável na Escola, em parceria com o Ministério da
Saúde, Projeto Criança Saudável Educação Dez, com o Ministério do
Desenvolvimento Social e Projeto Alimentação Saudável nas Escolas, com a
Agência Nacional de Vigilância Sanitária (SANTOS, 2012).
Outra contribuição vinculada ao PNAE a ser pedagogicamente potencializada
com a horta é a Lei nº 11.947 de 16 de junho de 2009 por sua possibilidade de dar
visibilidade aos seus efeitos práticos. É uma medida importante de apoio ao
desenvolvimento local/regional por definir a obrigatoriedade da aquisição de no
mínimo 30% dos recursos financeiros repassados pelo PNAE em gêneros
alimentícios da Agricultura Familiar e do Empreendedor Familiar ou suas
organizações, priorizando os assentamentos da reforma agrária, as comunidades
tradicionais indígenas e as comunidades quilombolas. Incentiva, assim, a aquisição
de gêneros alimentícios diversificados, produzidos localmente, respeitando a
sazonalidade, a cultura e a tradição alimentar. Recomenda ainda a prioridade nos
94

cardápios da alimentação escolar para alimentos orgânicos e/ou agroecológicos


(BRASIL, 2009). Se considerarmos a invisibilidade histórica imputada aos pequenos
agricultores e seus desdobramentos, o conteúdo da lei é uma oportunidade que não
pode ser pedagogicamente desperdiçada sob pena de não ser identificada pela
comunidade escolar e, especialmente pelos estudantes, a abrangência social desse
avanço.
A horta e o PNAE têm em comum o alimento e esse pode ser o grande eixo
unificador e promotor da coexistência horizontal de diferentes atores sociais e de
seus respectivos conhecimentos técnico-científicos e da experiência prática e da
cultura (RANGEL et al., 2014).

2.6.3.1 Sobre o Projeto Educando com a Horta Escolar

O Projeto Educando com a Horta Escolar, posteriormente denominado Projeto


Educando com a Horta Escolar e Gastronomia, ganha relevância e merece uma
discussão pormenorizada dada a sua abrangente influência confirmada por sua
presença em relatos de experiências inseridas no corpus da presente pesquisa e,
igualmente, em grande parte dos achados em busca virtual por meio da ferramenta
eletrônica Google pelo assunto hortas escolares. Sua análise é interessante por
trazer elementos que estão sendo incorporados a experiências em curso no Brasil,
influenciados ou não pelo referido projeto. Se por um lado tais elementos
apresentam-se como sinais de avanços na compreensão do potencial pedagógico
das hortas, por outro, necessitam ser criticados a fim de que sejam evitadas
armadilhas tão comuns quando ousamos a contra-hegemonia estando imersos e
impregnados pelo contexto hegemônico.
O Projeto Educando com a Horta Escolar, iniciado em 2004, afirma a busca por
formar profissionais da educação, da saúde e membros da comunidade escolar de
municípios e estados para a implantação de hortas escolares como ferramenta e
eixo gerador de prática pedagógica mais participativa, desenvolvendo temas e ações
sobre a alimentação. Há a intenção de contribuir para a melhoria da qualidade das
ações de educação alimentar e nutricional no âmbito do PNAE por meio de
estratégias metodológicas, materiais didáticos e formação de docentes sobre
conteúdos de educação ambiental, alimentar e nutricional, tomando como eixo
95

articulador das atividades a horta escolar e a relação desta com a comunidade


(COSTA et al., 2010).
Reafirma a importância da articulação entre as áreas de educação/currículo,
alimentação/nutrição, ambiente/hortas escolares e nas atividades de formação, de
diagnóstico, de implantação de hortas e de acompanhamento/monitoramento.
Responsabiliza a escola pela inclusão da horta no currículo, tendo como justificativa
o disposto na Lei nº 11.947/09, que prevê que a educação alimentar e nutricional
deva estar presente no processo de ensino e aprendizagem perpassando o currículo
escolar. À área de nutrição é atribuída a função de fundamentar tecnicamente os
profissionais das áreas, desenvolvendo temas correlatos às questões alimentares e
nutricionais. A área denominada meio ambiente/horta escolar, tem a atribuição de
habilitar tecnicamente professores do ensino fundamental na implantação e
implementação de hortas escolares e atividades afins como informações para
planificação de produção, manutenção e conservação da horta; coleta seletiva de
lixo para produção de adubo orgânico, em composteira e em minhocário; produção
de mudas de hortaliças e medicinais em estufas e utilização racional da água na
irrigação etc. Postula-se que com a horta o estudante aprende a plantar, a
selecionar o que plantar, a planejar o plantio, a transplantar mudas, a regar, a cuidar,
a colher, e a decidir o que fazer do que colheu (COSTA et al., 2010, p. 18).
Na descrição do processo de implantação da horta, ressalta que as discussões
geradas e as atividades intermediárias são mais importantes que o fim, pois a horta
existe como estratégia de educar para a alimentação adequada, para o meio
ambiente, para a vida. Não importa se as hortaliças são maiores e mais belas
(COSTA et al., 2010, p. 21).
No item que se refere à participação da comunidade escolar, são citados os
estudantes e seus respectivos docentes como participantes e organizadores e,
ainda, o coordenador pedagógico, merendeiras e nutricionistas. Os pais e
responsáveis pelos escolares e os agricultores familiares são citados sem que
fiquem claras as suas inserções nas ações da horta escolar. Para os primeiros
deverão ser realizados seminários e debates sobre o projeto na escola e os
segundos serão mobilizados para que produzam alimentos saudáveis e
sustentáveis, com o fim de fornecer os alimentos que complementem a alimentação
escolar (COSTA et al., 2010, p. 23). A ideia de complementar a alimentação escolar
96

com a horta difundida pelo projeto se faz presente de forma recorrente, como é
possível verificar ao longo dessa pesquisa, embora seja questionável.
O projeto oferece material didático produzido como norteador das ações sobre
os temas educação, ambiente e nutrição. Este está estruturado em quatro Cadernos,
sendo os de número 1, 2 e 3 voltados à formação dos profissionais envolvidos. O
quarto caderno se divide em Volume I e Volume II, destinados aos estudantes de 06
a 09 anos e de 10 a 14 anos, respectivamente. Trazem informações básicas sobre
ambiente, alimentação adequada e outros temas (COSTA et al., 2010, p. 28).
Na realização prática da horta são atribuídos trabalhos específicos para as
diferentes esferas e sujeitos. Aos professores e estudantes cabem as seguintes
tarefas: a. Elaborar croquis das áreas da Horta e definir plantios e levantamento de
problemas para implantação da horta escolar; b. Semeadura de hortaliças em
bandeja e isopor (sementeira); c. Preparar canteiros (nesse caso já teriam sido feitas
limpeza, aração e adubação, que estão a cargo da Secretaria de Agricultura, de
acordo com as orientações); d. Realizar o plantio. Já a manutenção das hortas
aparece como tarefa para a comunidade escolar.
São sugeridas estratégias de ação com apelo ao rigor no planejamento das
atividades a serem realizadas na horta e, para tanto, há a indicação de que haja
sempre uma pergunta problematizadora nas idas à horta e que esta deve estar
sempre relacionada ao meio ambiente, ou alimentação saudável (grifo nosso) e que
possa suscitar discussões para as diferentes disciplinas (COSTA et al., 2010, p. 52).
Entendemos que em se tratando de uma horta no contexto do PNAE, a
problematização sobre o conceito de alimentação saudável requer,
obrigatoriamente, incluir a questão ambiental. Não seria o caso de um ou outro.
Para a parte operacional são enumeradas as ferramentas, acompanhadas de
ilustrações, necessárias na implantação e manutenção da horta. Há uma referência
a adaptações/adequações ao público escolar no Caderno 2 em uma observação de
pé de página que diz que existem no mercado ferramentas de plástico que são
apropriadas para uso pelos escolares (FERNANDES, 2007, p. 22). Não há menção
a equipamentos de proteção e segurança dos estudantes, nem tampouco as
fotografias exibem esse aspecto. Nelas os estudantes aparecem em atividade na
horta com o uniforme escolar ou com roupas comuns, sem o uso de chapéus, sem
luvas e até de chinelos. Não são mencionadas previsão de compra ou sugestão
desse tipo de material.
97

Na confecção dos canteiros fala-se na possibilidade de haver formas variadas


e são fornecidas as medidas tradicionais de 60 a 80 centímetros de largura, 20
centímetros de altura e comprimento variável de acordo com o tamanho da horta.
Informa-se que os canteiros podem ser estruturados com garrafas de refrigerantes,
telhas, tijolos e outros materiais. No entanto, alerta-se para a necessidade de um
espaço de 60 a 80 centímetros entre os canteiros para facilitar as atividades com os
estudantes.
Em relação à aquisição de sementes, procurando prezar pela qualidade,
recomenda-se que a preferência seja dada a sementes em embalagens fechadas a
fim de garantir a germinação e o prazo de validade (COSTA et al., 2010). Não há
alerta sobre o uso de venenos na conservação de grande parte das sementes
comercializadas, nem a sugestão para aquisição de sementes sem esse tipo de
tratamento ou pela busca de sementes obtidas em trocas com agricultores.
O Caderno 2 fornece as Orientações para implantação e implementação da
horta escolar e em sua Introdução intitulada a Agricultura no contexto da evolução
social e científica exibe, em destaque, um breve relato sobre a origem e a evolução
da agricultura (sem nenhuma intervenção crítica) ao lado de um texto no qual, sem
uma crítica muito contundente ao modelo vigente, afirma-se que em função dos
avanços científicos e tecnológicos observou-se no último século o bom desempenho
da agricultura mundial, atendendo à demanda crescente por alimentos. A seguir há o
apelo para que a agricultura cresça no mundo com sustentabilidade ecológica,
econômica, social e cultural, com a asserção de ser essa uma preocupação mundial
(FERNANDES, 2007, p. 9). A profundidade dos problemas sociais, culturais e
ambientais advindos do uso inadequado dos conhecimentos científicos é
negligenciada em favor de uma quase exaltação ao desenvolvimento da agricultura
moderna.
O segundo parágrafo tem início afirmando que hoje há uma tendência global
que aponta para a relação cada vez menos conflituosa entre agricultura e meio
ambiente. A constatação é justificada pela busca de sistemas de produção que
atendam a um público mais exigente por uma agricultura produtiva, voltada para a
ética, a segurança alimentar dos povos e a qualidade ambiental. Menciona a
produção agroecológica como uma das respostas aos danos provocados pela
modernização intensiva da agricultura, mas alega que sua produtividade não é tão
alta e que seus produtos ainda são muito caros e inacessíveis para a grande maioria
98

da população (FERNANDES, 2007, pp. 9/10). Promove-se um descrédito aos


princípios agroecológicos e não são apresentados argumentos que embasem essas
afirmações.
Diante dessa dificuldade, sugere que as hortas são uma opção para obtenção
de alimentação de qualidade além de proporcionar momentos de distração, de vida
ao ar livre, a oportunidade de realizar trabalhos manuais e a satisfação de ver o
desenvolvimento das plantas. Classifica as hortas em doméstica, quando é cuidada
por uma única família; comunitária, coletiva ou escolar, quando a produção de
hortaliças é feita em conjunto por um grupo de pessoas (FERNANDES, 2007, p.10).
A agricultura familiar é mencionada na referência à aquisição de alimentos pelo
PNAE como vantajosa para a os agricultores, prefeituras, escolas e comunidade em
geral nos aspectos qualitativos, econômicos, culturais e ecológicos. Tal ideia é
sintetizada com a expressão agricultura sustentável.
A orientação específica para as hortas escolares esclarece inicialmente sobre
três possibilidades de horta no contexto escolar: horta pedagógica, horta de
produção e horta mista. Sendo a primeira com a finalidade de se realizar um
programa educativo pré-estabelecido, a segunda visa a complementar a alimentação
escolar e a terceira conjuga os objetivos das duas anteriores. Não há adesão ou
sugestão explícita de um tipo como o mais adequado, mas os esclarecimentos são
mais prolongados sobre a horta pedagógica.
São enumerados como objetivos possíveis de serem atingidos com uma
pequena horta escolar:

- Melhorar a educação dos escolares, mediante uma aprendizagem ativa e


integrada a um plano de estudos de conhecimentos teóricos e práticos
sobre diversos conteúdos;
- Produzir verduras e legumes frescos e sadios de baixo custo. Para isso,
basta que as hortaliças sejam plantadas e cuidadas com carinho e
dedicação;
- Proporcionar aos escolares experiências de práticas ecológicas para a
produção de alimentos, de tal forma que possam transmiti-las a seus
familiares e, consequentemente, aplicá-las em hortas caseiras ou
comunitárias e
-Melhorar a nutrição dos escolares, complementando os programas de
merenda escolar com alimentos frescos, ricos em nutrientes e sem
contaminação por agrotóxicos (FERNANDES, 2007, p. 12).

A orientação acrescenta a esses objetivos a aprendizagem do educando sobre


valores nutritivos, sobre como preparar receitas culinárias de forma criativa dando
99

importância ao consumo das hortaliças produzidas, ressaltando ainda que as hortas


ajudam na mudança de hábitos alimentares e despertam o interesse dos alunos pela
natureza (FERNANDES, 2007, p. 12).
A seguir são abordados os valores nutricionais dos alimentos, sua importância
para a saúde, cuidados sobre preparo, desperdício e orientações para compra. Não
é feita referência à distribuição desigual de alimentos no planeta. É interessante
destacar a inclusão na tabela da sugestão de plantio de alimentos como inhame,
mandioca, quiabo, nabo, abóbora e batata doce, junto a cultivos habituais em hortas
escolares como alface, cenoura e couve. É recomendado o plantio de plantas
medicinais autorizadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária/ Ministério da
Saúde-ANVISA/MS, com as respectivas indicações de uso. Não há recomendação
para que se evidencie a origem desse conhecimento.
São dadas orientações técnicas sobre a escolha da área a ser cultivada, a
distribuição de espaço, a captação da água da chuva, insolação, declividade,
compatibilidade e incompatibilidade entre plantas, análise do solo, medidas para os
canteiros, manutenção, uso de defensivos naturais e etc. Há recomendações de
espécies que não requerem muitos cuidados para o período de recesso escolar e
férias.
Em relação à adubação não há uma determinação. É informado que os
nutrientes podem ser encontrados tanto nos adubos químicos quanto nos adubos
orgânicos e que a decisão de usar um ou outro, ou ambos, vai depender do tipo de
plantio que se pretende adotar. Mas, se a opção for por cultivo agroecológico, a
adubação deverá ser orgânica (FERNANDES, 2007, p.26). São expostas algumas
possibilidades de adubação orgânica e são dadas explicações sobre o preparo de
composteira, minhocário e esterqueira. Para o uso de esterco animal não há alerta
para riscos de contaminação biológica.
Nas orientações para o plantio são mencionadas opções de estufa com as
respectivas justificativas e a hidroponia, com uma breve explicação do que se trata,
sem, no entanto, haver um esclarecimento sobre a sua inserção ou sua finalidade
pedagógica.
Há descuido no que diz respeito a alguns aspectos ecológicos que
enriqueceriam a discussão. Quando são mencionadas a limpeza do terreno e a
eliminação de ervas invasoras, bem como a possibilidade das hortaliças serem
comidas por pragas, reforçam-se conceitos equivocados da agricultura moderna
100

para a presença de plantas e animais espontâneos, sem que se chame a atenção


para as questões de equilíbrio e desequilíbrio no ambiente.
Para esses casos são recomendados desde a catação até o uso de defensivos
caseiros, para os quais são descritas receitas oriundas da literatura da sabedoria
popular. Seria o momento de explorar melhor essa discussão, assim como caberia
para as plantas medicinais, o que não é feito.
No documento de orientações gerais há um item que se refere à avaliação das
ações, dentre as quais está a avaliação de impacto do projeto, informando que uma
boa avaliação de impacto deve comparar uma situação antes da intervenção
(formações) e depois e precisa ser definida desde cedo. Fala-se em diagnóstico
inicial para comparação, a título de pré-teste. Em seguida são dados exemplos de
aspectos que podem ser avaliados em estudantes e professores:

. Estado nutricional;
· Autopercepção do estado nutricional e da imagem corporal;
· Conhecimentos sobre alimentação e nutrição;
· Atitudes e hábitos alimentares;
·Hábitos alimentares e características socioeconômicas dos pais e
responsáveis;
· Referências sobre alimentação e nutrição (fontes de conhecimento);
· Perspectiva sobre a participação da escola e do Estado na formação dos
hábitos e comportamentos alimentares (COSTA et al., 2010, p.134).

O projeto amplia suas perspectivas a partir de 2012. As ações que eram até
então desenvolvidas pelo Fundo Nacional do Desenvolvimento da Educação (FNDE)
e pela Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO)
passam a ter como parceiro o Núcleo de Gastronomia do Centro de Excelência em
Turismo da UnB (CET/UnB), incorporando a gastronomia como um dos seus eixos
pedagógicos. A intenção é a valorização de ingredientes e receitas regionais, das
técnicas culinárias de preparo de alimentos e da experiência dos sabores e aromas
e, ainda, impactar positivamente na qualidade sensorial e na apresentação das
refeições escolares. A estratégia proposta é a formação de nutricionistas,
coordenadores pedagógicos dos sistemas de ensino e representantes do Conselho
de Alimentação Escolar dos municípios participantes, os quais posteriormente
devem realizar um curso de 48 horas de duração para no mínimo 20 diretores de
escola/coordenadores pedagógicos, 10 merendeiras e 30 professores (CET/UnB;
09.04.2012 www.cet.unb.br).
101

O projeto Educando com a horta tem trazido contribuições importantes para o


cenário brasileiro promovendo, estimulando e influenciando o desenvolvimento de
hortas escolares. A exposição crítica de alguns detalhes não tem a intenção de
desmerecê-lo, mas, ao contrário, fortalecê-lo, trazendo à luz alguns aspectos
contraditórios presentes em inúmeras experiências brasileiras. É um exercício
importante e que precisa ser rigoroso e contínuo no aperfeiçoamento da prática que,
acreditamos, tem sido efetuado pelos responsáveis pelo projeto em conjunto com os
participantes a cada novo encontro para avaliação realizado periodicamente.
Baseado em material dessa avaliação um estudo do ano de 2011, que teve como
objetivo investigar os resultados prático-pedagógicos percebidos pelos professores
participantes da formação oferecida no âmbito do Projeto Educando com a Horta
Escolar, revelou sua importância como estratégia de sustentabilidade das ações
nesse âmbito pelo fato de mobilizar os gestores e os protagonistas que possam
garantir sua efetividade e permanência (OLIVEIRA, 2011).
Vale ressaltar, ainda, que a inclusão sistematizada de ações culinárias com
privilégio da cultura regional exibe esse esforço.
No início do corrente ano foi divulgado, pelo Projeto Educando com a Horta
Escolar e a Gastronomia, um curso a distância de 160 horas, em ambiente virtual de
aprendizagem, para a formação de multiplicadores. O curso engloba formação,
integração, acompanhamento, monitoramento e orientação dos multiplicadores, que
serão responsáveis pela implantação do projeto no município ou estado. O convite
se dirigia a nutricionistas, coordenadores pedagógicos, técnicos para meio ambiente
e horta, coordenadores de alimentação escolar e representantes do Conselho de
Alimentação Escolar dos órgãos estaduais e municipais de educação do país.
Apresenta como exigência para participação o acesso regular à internet, a existência
de nutricionista responsável técnico cadastrado no FNDE e o comprometimento do
município ou estado de garantir a implantação e execução do projeto em no mínimo
cinco escolas, ou em todas, quando o número for inferior a cinco.
Uma busca no link de divulgação do curso nos conduz a página virtual do
Centro de Excelência em Turismo da Universidade de Brasília, na qual se encontra o
resultado dos municípios selecionados para o referido curso e a indicação do acesso
à plataforma de ensino a distância. Não estão disponíveis, para acesso público,
materiais educativos relativos ao tema horta.
102

Pelas características apresentadas fica a impressão que o curso oferecido


substitui a formação presencial realizada anteriormente. Caso se confirme a
hipótese, os impactos ainda não podem ser aferidos. Não tendo sido possível a
verificação ou acesso a novos materiais que porventura tenham sido produzidos fica
inviabilizada qualquer opinião fundamentada sobre tais reformulações.

3.7 HORTAS ESCOLARES NAS PESQUISAS BRASILEIRAS

Foi realizada uma revisão da literatura científica nacional relacionada à


temática em questão. A verificação de que são raros os estudos tendo como título
ou tema central horta(s) escolar(es) conduziu para a consulta feita a partir do
assunto nas bases de dados eletrônicas em trabalhos publicados a partir do ano de
2000, pela constatação de que a intensificação dessas ações no Brasil ocorreu,
progressivamente, a partir desse período.
A primeira procura se deu no Banco de Teses Capes
(http://bancodeteses.capes.gov.br/), tendo sido encontrados uma tese de doutorado
e 14 dissertações de mestrado. A busca por artigos foi realizada na base de dados
Scientific Electronic Library Online - SciELO (www.scielo.br) e no Portal de
periódicos CAPES (http://www.periodicos.capes.gov.br), nos quais duas (2) e oito
(8) publicações foram encontradas, respectivamente.
O Banco de Teses Capes é um banco eletrônico de informações a respeito
dos trabalhos e pesquisas que são desenvolvidos junto aos programas de pós-
graduação brasileiros, assim, oferece acesso a informações de referência e resumo
destes.
A Scientific Electronic Library Online - SciELO é uma biblioteca eletrônica
que inclui periódicos científicos brasileiros. A SciELO é o resultado de um projeto de
pesquisa da FAPESP - Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo,
em parceria com a BIREME - Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação
em Ciências da Saúde. A partir de 2002, conta com o apoio do Conselho Nacional
de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq, tendo por objetivo o
desenvolvimento de uma metodologia comum para a preparação, armazenamento,
disseminação e avaliação da produção científica em formato eletrônico.
O Portal de Periódicos, da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior (Capes), é uma biblioteca virtual que oferece acesso a textos
103

completos disponíveis em mais de 37 mil publicações periódicas, internacionais e


nacionais, e a diversas bases de dados que reúnem desde referências e resumos de
trabalhos acadêmicos e científicos até normas técnicas, patentes, teses e
dissertações, dentre outros tipos de materiais, cobrindo todas as áreas do
conhecimento.

3.7.1 Teses e dissertações

A busca feita em 05/02/2013 no Banco de Teses da CAPES a partir do assunto


em teses e dissertações publicadas entre 2000 e 2012 nas quais aparece a
expressão exata horta(s) escolar (es) teve como resultado os seguintes registros por
Área de Conhecimento:
(4) Educação
(6) Ensino de Ciências e Matemática
(2) Nutrição
(1) Ciências Ambientais
(1) Enfermagem
(1) Ciências Agrárias

Quadro 1: Teses e dissertações com o assunto “horta (s) escolar (es)” encontradas no Banco
de Teses da CAPES publicadas entre os anos de 2000 e 2012
Ano Título (Sobrenome Área Tipo de estudo Local Objeto/
do autor) Objetivo
2002 Avaliando Estratégias Ensino de Qualitativo/Quantitativo Piratininga- Analisar os
de Educação Ciências e SP/escola na impactos de um
Ambiental para a Matemática zona rural programa de
Zona Rural educação
(RIBEIRO, 2002) ambiental em
uma escola rural.
2003 A horta como Ciências Quantitativo/Qualitativo Florianópolis- Avaliar a horta
estratégia de Agrárias SC/ creche em uma
educação alimentar estratégia
em creches interdisciplinar
(MAGALHÃES, de educação
2003) alimentar.
2004 Construção coletiva Ensino em Qualitativo Estrela- Avaliar a
de uma horta escolar: Ciências e RS/escola repercussão da
repercussões entre os Matemática pública de construção
alunos participantes ensino coletiva de uma
(PETTER, 2004) fundamental horta escolar nos
hábitos de
higiene e saúde
dos escolares
participantes
104

2004 Comunidade de Ciências Quali-quantitativo Criciúma-SC/ Avaliar as


insetos em hortas Ambientais 69 escolas possibilidades
escolares no municipais didádico-
município de pedagógicas de
Criciúma: análise uma horta
faunística e aspectos escolar a partir
pedagógicos de sua
(GONÇALVES, caracterização
2004) como ilha de
diversidade
biológica no
ambiente urbano
2006 Alimentos orgânicos Nutrição Qualitativo/Estudo de Unidade de Analisar a gestão
na alimentação Caso Alimentação de produção de
escolar pública e Nutrição refeições a partir
catarinense: um escolar - SC da introdução de
estudo de caso alimentos
(LIMA, 2006) orgânicos
2007 Iniciativas das escolas Enfermagem Estudo descritivo Amparo- SP/ Analisar
públicas e exploratório/ “Estudo três escolas iniciativas na
particulares na de Caso” públicas e prevenção da
prevenção da duas obesidade
obesidade infantil no particulares. infantil.
município de Amparo-
SP (GONZALES,
2007)
2009 Práticas de cidadania Ensino de Qualitativa/ narrativa Altamira-PA/ Analisar
em narrativas de Ciências e escolas elementos, no
professores de Matemática públicas do fazer pedagógico
ciências: trabalho ensino de professores de
coletivo de ensino e fundamental ciências de
de aprendizagem escolas públicas
(TREVISAN, 2009) vinculados à
formação da
cidadania dos
escolares.
2010 Agricultura urbana Ensino de Qualitativo/estudo de Rio de Analisar a
como instrumento Ciências e caso etnográfico Janeiro-RJ/ percepção da
para a educação Matemática Unidade comunidade
ambiental e para a pública de escolar sobre a
educação em saúde: ensino pertinência das
decodificando o fundamental atividades
protagonismo da e de extensão agrícolas na
escola (SILVA, 2010) escola urbana
como
contribuinte para
a educação
ambiental para a
educação em
saúde.
2011 Educação ambiental: Educação Qualitativo/pesquisa- Lages-SC/ Analisar horta
a horta escolar como ação Educação escolar para a
ferramenta de Infantil Educação
sensibilização Ambiental
ambiental (SILVA,
2011)
105

2011 Horta Escolar no Nutrição Estudo transversal Distrito Identificar


Distrito Federal: descritivo e analítico Federal/ experiências com
instrumento de escolas hortas em escolas
promoção da públicas públicas/uso para
alimentação a alimentação
saudável? saudável
(BERNARDON,
2011)
2011 A educação alimentar Educação Qualitativo Horizontina e Analisar dois
e nutricional no Pinheirinho modelos de
espaço escolar: saber, do Vale - RS gestão escolar
sabor e saúde. Educ Infantil, com práticas
(AQUILLA, 2011) Ens Fund., pedagógicas
Educ inovadoras em
Especial. Alimentação
Escolar
2012 Horta Escolar como Ensino de Qualitativo Fortaleza- Analisar a horta
espaço didático para Ciências e CE/ escolar como
a educação em Matemática Duas escolas espaço de
Ciências(BRANDÃO, públicas aprendizagem na
2012) escola pública.

2012 Educação para o Educação Qualitativo/Quantitativo Teresina/PI/ Analisar a


gosto: cotidiano uma escola educação do
escolar e alimentar no pública e seu gosto alimentar
estado do Piauí. entorno por meio de
(NEGREIROS, 2012) práticas
(Doutorado) curriculares e
cotidianas

2012 Agricultura na Escola Educação Estudo de Caso Salvador- Analisar como a


Urbana: um,processo BA/ escola prática da
educativo para o pública peri- agricultura na
desenvolvimento local urbana escola pode
sustentável (RAMOS, contribuir para a
2012) ressignificação
da escola para a
comunidade,
favorecendo o
desenvolvimento
local sustentável/
educação
ambiental.
2012 Elaboração e Ensino de Pesquisa participante Rio de Propor a
implementação de um Ciências e Janeiro-RJ/ elaboração e a
programa de gestão Matemática Instituto implementação
em saúde ambiental Nacional de de um programa
no instituto nacional Educação de de gestão em
de educação de Surdos saúde ambiental
surdos (INES). por meio da
(CORREIA, 2012) Horta Escolar

Foram realizadas leituras nos quinze resumos do material encontrado e


identificados elementos que potencialmente atenderiam aos objetivos da pesquisa. A
106

importância da presença da horta escolar nesses trabalhos varia em função dos


objetos de estudos e objetivos dos mesmos.
A dissertação intitulada Agricultura urbana como instrumento para a
educação ambiental e para a educação em saúde... (SILVA, 2010) foi realizada
pela autora da presente investigação, sendo precursora da mesma. Havia a
preocupação em avaliar a pertinência das atividades agrícolas na escola urbana
como contribuinte para a educação ambiental e para a educação em saúde a partir
da percepção de atores sociais do espaço escolar. Apresenta um histórico sobre a
inserção de atividades agrícolas no espaço formal de educação e seus objetivos
primitivos e evidencia novas possibilidades para as hortas escolares. A alimentação
e o meio ambiente, analisados sob a ótica da complexidade, são percebidos como
temas transversais que se comunicam. Os investigados identificam o potencial
interdisciplinar da horta como uma oportunidade de vivência não proporcionada no
ambiente doméstico urbano, favorecendo a educação ambiental e a constituição de
hábitos alimentares saudáveis. Conclui-se que há necessidade de ressignificação e
de reestruturação das hortas para adequá-las aos seus objetivos para as escolas
urbanas.
O reconhecimento do potencial educativo da horta escolar e a constatação da
necessidade de sua adequação às novas demandas conduziram ao estudo atual.
Assim serão apresentados os principais aspectos das pesquisas recentes, as quais
mencionam a horta escolar a fim de que se obtenha um panorama acadêmico da
questão.
A pesquisa Avaliando Estratégias de Educação Ambiental... (RIBEIRO,
2002) foi baseada no desenvolvimento de um programa de Educação Ambiental
com crianças de uma escola em comunidade rural. Foram realizadas atividades com
objetivo de envolver os alunos em questões como o desmatamento, a erosão, a
questão do lixo, a poluição por agrotóxico, o desequilíbrio ecológico, e outras
questões relacionadas ao meio ambiente rural. A horta escolar figura entre palestras,
excursões e atividades lúdicas. Os resultados mostraram que o programa obteve o
envolvimento das crianças, porém, ele acabou juntamente com o término da
pesquisa. Conclui-se que há necessidade de instrumentalização dos professores e
educadores. Sugere-se também a produção de material específico de apoio para o
professor. Embora a discussão sobre agrotóxico esteja presente, assim como outros
aspectos relacionados à cadeia produtiva de alimento, o foco recai no impacto
107

ambiental e não no alimento produzido. Chama a atenção o intervalo de quase dez


anos entre esse e os outros estudos subsequentes relacionando horta à educação
ambiental.
A pesquisa Educação ambiental: a horta escolar como ferramenta de
sensibilização... (SILVA, 2011) foi realizada em três turmas de educação infantil
com o objetivo de analisar a horta escolar como ferramenta para a Educação
Ambiental. Foi implantada a horta e realizadas atividades didático pedagógicas. As
análises feitas com base nos desenhos das crianças e na observação direta do
cotidiano resultaram nas categorias: fatores bióticos, abióticos e antrópicos.
Concluiu-se que a horta pode ser adaptada para a Educação Infantil e que a mesma
é potencialmente uma ferramenta de sensibilização ambiental, possibilitando o
contato direto com os elementos bióticos e abióticos ligados ao meio ambiente da
horta e a intervenção do ser humano com a natureza não humana. E que os
estudantes demonstraram maior aproximação dos elementos naturais pontuados.
Não há menção ao modelo de agricultura praticado e nem aos alimentos cultivados.
O estudo intitulado Agricultura na Escola Urbana: Um Processo
Educativo... (RAMOS, 2012), teve como objetivo analisar como a prática da
agricultura no ambiente escolar público das periferias urbanas, entendida como
processo de educação ambiental, pode contribuir para a ressignificação da escola
para a comunidade, favorecendo o desenvolvimento local sustentável. É um estudo
de caso no qual é declarada filiação à educação ambiental crítica e à agricultura
urbana. Como resultado, confirma a contribuição da horta escolar para o processo
de ressignificação do colégio como promotor do desenvolvimento local sustentável,
reforçando o papel da educação na construção de uma racionalidade ambiental. Não
fica claro, no resumo, como foi desenvolvida a atividade e nem como foi verificada a
sua contribuição para o processo indicado. No entanto, é mencionado que a
intervenção considerou a contextualização histórica local e a relação cultural entre a
comunidade e as práticas agrícolas, analisando como se dá sua articulação com o
modelo de educação em vigor.
A pesquisa Elaboração e implementação de um programa de gestão em
saúde ambiental... (CORREIA, 2012) propôs a elaboração e a implementação de
um programa de gestão em saúde ambiental por meio de uma horta escolar para o
desenvolvimento de ações sustentáveis no Instituto Nacional de Educação de
Surdos, priorizando a conscientização e a cidadania ambiental, gerando uma
108

mudança de comportamento dos diversos atores (alunos). Como produto foi criado
um folder explicativo para divulgação da implantação e gestão da horta, propondo
também para planejamento e gestão do plantio a utilização de um suporte técnico,
um software específico. No resumo não há referência às ações desenvolvidas em
educação ambiental e nem aos alimentos a serem produzidos ou ao consumo dos
mesmos.
Gonçalves (2004), em seu estudo Comunidade de insetos em hortas
escolares..., traz, explicitamente, o foco na utilização da horta como apoio ao ensino
de um tema específico da disciplina ciências. Foi realizado em 69 escolas públicas e
buscou avaliar as possibilidades de abordagens didádico-pedagógicas oferecidas
por uma horta escolar a partir de sua caracterização como ilha de diversidade
biológica no ambiente urbano. As escolas em áreas rurais apresentaram as maiores
hortas; em 78% das escolas a horta é utilizada como recurso didático e a escolha
dos cultivos é definida de acordo com a utilização na merenda escolar. A partir dos
resultados obtidos, sugere-se a utilização da armadilha de solo adaptada para coleta
de insetos vivos, possibilitando seu uso em atividades de Ciências. Cabe destaque
para as informações sobre a utilização das hortas como recurso didático e dos
cultivos escolhidos em função da merenda escolar, o que pode criar possibilidades
para outras discussões que relacionam modelos de agricultura e a diversidade
biológica, entrelaçando discussões sobre questões ambientais e alimentação.
Na segunda pesquisa, Horta Escolar como espaço didático para a
educação em Ciências... (BRANDÃO, 2012), o foco recai no processo, nos
elementos envolvidos na execução da atividade. É declarado o propósito de
compartilhar reflexões e conclusões sobre os mecanismos de implantação de duas
hortas em escolas públicas e identificar os avanços, limites e possibilidades de
intervenção que contaram com a participação de toda a comunidade escolar e do
entorno. É informado que os dados foram obtidos a partir da experiência social dos
diversos sujeitos inseridos no processo e que a horta é analisada como espaço de
aprendizagem. A pesquisa traz como conclusão que a aprendizagem mediada pela
interdisciplinaridade, pela motivação, pela contextualização, pela problematização e
pelo diálogo se faz com participação de todos e muita dedicação. Acrescenta, ainda,
que hortas escolares são espaços híbridos e dinâmicos, promovendo uma
aprendizagem significativa e capaz de superar a lógica da educação bancária,
formando cidadão críticos e reflexivos, dentro de um contexto freiriano. Menciona
109

como produto educativo da pesquisa a organização de um blog, cujo objetivo é


auxiliar na condução e implantação de hortas escolares em outras instituições de
ensino. Afirma-se a participação de atores sociais diversos, incluindo professores de
outras disciplinas além de Ciências.
Práticas de cidadania em narrativas de professores de ciências...
(TREVISAN, 2009) foi uma investigação realizada com professores de ciências de
escolas públicas do ensino fundamental e teve como propósitos: i) identificar
elementos presentes no fazer pedagógico de professores que afirmam vincular sua
prática docente à aprendizagem para a formação da cidadania dos alunos; ii)
compreender as razões que levam os educadores a desenvolver atividades com tal
perspectiva. Portanto, não é uma pesquisa sobre hortas. Porém, entre os elementos
destacados da prática docente vinculados aos objetivos da pesquisa consta a horta
escolar e a jardinagem como atividades que promovem a democratização do espaço
escolar por possibilitar a participação da comunidade e a socialização de atividades
de ciências. Aqui, como na pesquisa imediatamente anterior, ficam expressos
objetivos amplos do ensino de ciências que podem ser alcançados a partir da horta.
Em Construção coletiva de uma horta escolar... (PETTER, 2004) o
destaque recai sobre a escolha coletiva da atividade para cumprir um objetivo
preventivo em relação ao uso de drogas na comunidade, preenchendo um tempo
ocioso. Fala-se em construção conjunta e progressivo envolvimento da comunidade
escolar. Surpreendem a amplitude e a diversidade dos resultados declarados. O
estudo foi desenvolvido em uma escola pública no segundo segmento do ensino
fundamental com o objetivo de detectar como a construção coletiva de uma horta
escolar poderia repercutir nos hábitos de higiene e saúde dos alunos participantes. A
proposta surgiu a partir de um levantamento sobre os principais problemas na
localidade, entre os quais se destacou o uso de drogas e posterior debate relativo à
utilização produtiva e prazerosa do tempo livre como forma de prevenir riscos de sua
utilização inadequada em situações prejudiciais. Houve um consenso, que resultou
na decisão de construção conjunta de uma horta escolar. Entre os resultados
destacam-se: mudanças na dieta alimentar; construção de hortas nas residências;
maior envolvimento em atividades escolares e extraclasse, especialmente em
Ciências; diminuição da agressividade nas relações interpessoais em sala de aula;
maior compromisso com trabalhos em grupo. Afirma-se a superação de expectativas
com o envolvimento gradual de outros educadores e das demais turmas, o que
110

resultou na extensão da proposta a toda comunidade escolar. As informações


fornecidas sugerem que havia um objetivo voltado ao processo de elaboração, ou
seja, a horta como um meio de ocupar um tempo ocioso com um trabalho coletivo,
prazeroso e produtivo e que outros objetivos foram sendo alcançados,
posteriormente.
Em a Educação para o gosto... (NEGREIROS, 2012), pesquisa de doutorado
em Educação, foi realizado um estudo sobre a educação do gosto alimentar por
meio de práticas curriculares e cotidianas de uma escola da rede pública. Os
resultados indicam duas dimensões da educação do gosto alimentar, sendo uma
relacionada ao currículo instituído na escola e outra voltada para o currículo oculto,
expresso no cotidiano escolar. Aqui também não se trata de um estudo cujo foco
seja a horta, mas seus resultados informam a existência de uma disciplina
denominada Horta Escolar no currículo da escola estudada que ensejou
experiências sensoriais, lúdicas e de vínculo com os alimentos naturalmente
cultivados na escola, como estratégia para estimular o consumo de alimentos
saudáveis e de ampliação do conhecimento acerca da procedência dos gêneros
alimentícios. Informa ainda que esses aspectos foram reforçados e ampliados nas
práticas alimentares no cotidiano escolar. Evidenciou-se que para desenvolver a
educação do gosto alimentar como processo formativo a ser construído também na
escola, é indispensável a integração de três áreas: educação/currículo,
alimentação/nutrição e ambiente escolar/comunidade.
A dissertação de mestrado em Enfermagem, sob o título Iniciativas das
escolas públicas e particulares na prevenção da obesidade infantil...
(GONZALES, 2007), apresenta uma perspectiva transversal do tema central. Trata-
se de um estudo em cinco escolas, três públicas e duas particulares, sobre as
iniciativas na prevenção da obesidade infantil, tendo em vista o projeto Escola
Saudável, que inclui alimentação, atividades físicas e hortas. Entre outras ações
voltadas para alimentação, foi identificado o projeto Horta Escolar. Afirma-se que a
transversalidade permite reforço dos conceitos nas diversas disciplinas, motivando
as crianças a participarem na formação de hortas e a aceitarem mudanças na
merenda escolar, com aumento no consumo de verduras, legumes e frutas.
Assim como o anterior, A educação alimentar e nutricional no espaço
escolar... (AQUILLA, 2011) traz a necessidade de outras ações pedagógicas,
juntamente com as hortas, em prol da alimentação escolar de qualidade. A pesquisa
111

apresenta análise em dois municípios considerados modelos de gestão escolar e


que realizam práticas pedagógicas relacionadas à Alimentação Escolar. Entre as
atividades práticas estão: horta escolar, encenações teatrais, contação de histórias e
oficinas de culinária. O estudo concluiu que os resultados positivos alcançados se
devem ao planejamento, ao programa adequado de aquisição de alimentos, à
supervisão e orientações adequadas e ao estabelecimento de vínculos entre a
cultura familiar e as ações de formação no âmbito da escola. E constata ainda a
importância de que qualquer atividade prática de educação alimentar seja
acompanhada de uma explicitação das razões de uma alimentação saudável.
A investigação de mestrado em Nutrição, Alimentos orgânicos na
alimentação escolar... (LIMA, 2006), não é uma pesquisa sobre hortas escolares,
mas as contempla e aborda uma discussão contemporânea ao trazer em seu título
“alimentos orgânicos”. O estudo objetivou analisar a gestão do processo de
produção de refeições a partir da introdução de alimentos orgânicos na alimentação
escolar. Os resultados mostram que o Programa Estadual de Alimentação Escolar
analisado apoia a alimentação escolar orgânica e que os estudantes mostraram-se
satisfeitos com a alimentação servida. Alguns estudantes relacionaram os alimentos
orgânicos exclusivamente com os alimentos produzidos na horta escolar e muitos
demonstraram dificuldade em traduzir o que seria alimento orgânico. Há indicação
de desconexão entre os conhecimentos adquiridos na atividade com a horta e a
caracterização do alimento oferecido na alimentação escolar, o que pode ser um
desperdício no que diz respeito ao desvelamento de elementos hegemônicos.
Na pesquisa a seguir, além das informações sobre as ações desenvolvidas a
partir da horta e aspectos identificados nas outras pesquisas, destaca-se o processo
de aferição de resultados. A horta como estratégia de educação alimentar em
creches (MAGALHÃES, 2003) teve como objetivo utilizar a horta em uma estratégia
interdisciplinar de educação alimentar. Foram realizadas avaliações em crianças de
uma creche referentes aos hábitos alimentares e algumas condições de saúde
relacionadas antes e um ano depois da intervenção. As espécies foram
selecionadas para plantio em função dos nutrientes necessários ao equilíbrio da
dieta: a batata-doce, o feijão guandu, o feijão olho-de-cabra, a vinagreira e a
mostarda. Foram desenvolvidas atividades educativas desde o plantio até a colheita,
bem como oficinas de culinária envolvendo crianças, professores e pais. Nos
preparos culinários foram calculados o custo, o valor calórico, o teor de fibras e a
112

aceitabilidade. Foram apresentados com resultados numéricos o aumento do


consumo de fibras, na forma de frutas, hortaliças e feijões, a redução no consumo
de carnes, além da diminuição dos índices de sobrepeso das crianças. Concluiu-se
que a horta pode servir como um meio eficaz para a promoção da educação
alimentar e a formação de hábitos alimentares saudáveis, desde que sua produção e
sua utilização sejam orientadas.
O estudo sobre as hortas em escolas do Distrito Federal, intitulado Horta
Escolar no Distrito Federal: instrumento de promoção da alimentação
saudável? (BERNARDON, 2011) ratifica o interesse crescente das escolas por
hortas e a vinculação dos objetivos à alimentação escolar e à promoção de hábitos
alimentares saudáveis, expõe as dificuldades encontradas para a implantação e
manutenção das mesmas e indica a necessidade de estudos para a aferição dos
resultados referentes aos objetivos propostos. Teve como objetivo identificar
experiências com hortas em escolas públicas do Distrito Federal, analisando fatores
determinantes no seu uso voltado à promoção da alimentação saudável.
Analisaram-se variáveis relacionadas à presença ou ausência de hortas e requisitos
para existência de horta. Das 453 (77,8%) escolas estudadas, 171 (37,7%)
possuíam horta. Das escolas sem horta, 75,2% (n=212) tinham interesse na sua
implantação. Foi observado que quanto maior o número de escolares, menor a
chance da existência da horta. O principal motivo para a desativação de hortas foi a
falta de mão de obra para sua manutenção. Identificou-se que os professores foram
os principais responsáveis pela implementação e manutenção da horta. A autora
afirma que foi identificado um percentual de escolas com horta superior ao
encontrado no cenário brasileiro. Quanto às escolas com horta, a intenção de
complementar a alimentação escolar foi o principal motivo de sua implantação
(56,2%). A maioria, 86,3% (n=88), disse utilizar os alimentos cultivados para este
fim, sendo que plantas condimentares e hortaliças foram as mais citadas. Foi
relatado que a horta é utilizada como espaço educativo para promoção da
alimentação saudável por 60,8% (n=62) das escolas. É interessante notar a
presença marcante do objetivo da horta para complementar a alimentação escolar, o
que indica percepção, na comunidade escolar, de carências nos gêneros adquiridos
pelo PNAE para elaboração das refeições servidas. E, mesmo não sendo a horta
implantada com objetivos educativos para a promoção de alimentação saudável,
nota-se que esse uso acaba por acontecer. O estudo finaliza indicando a
113

necessidade de aprofundamento do resultado por meio de avaliação do uso e


impacto da horta como instrumento de promoção da alimentação saudável na
comunidade escolar.
A análise geral sobre as produções apresentadas mostra a horta como o eixo
de dez (RIBEIRO, 2002; MAGALHÃES, 2003; GONÇALVES, 2004; PETTER, 2004;
SILVA, 2010; BERNARDON, 2011; SILVA, 2011; RAMOS, 2012; CORREIA, 2012;
BRANDÃO, 2012) entre as quinze pesquisas encontradas. Tendo em consideração
a variação do grau de destaque dado a horta escolar nos diferentes trabalhos
analisados, há em comum a atribuição de papel educativo para a abordagem de
conteúdos em cinco das áreas de conhecimento identificadas com predomínio dos
temas que relacionam alimentação e saúde e para a área de Ensino de Ciências e
Matemática e a de Educação, respectivamente. Quatro dessas pesquisas foram
desenvolvidas a partir de intervenções com hortas escolares nas quais são
declarados objetivos preponderantemente voltados para a educação ambiental
(RIBEIRO, 2002; SILVA, 2011; RAMOS, 2012; CORREIA, 2012). O fato das três
últimas serem relativamente recentes não guarda coerência com os objetivos
observados nos projetos atuais fora do âmbito acadêmico, os quais estão mais
voltados às questões de alimentação e/ou combinam aspectos ambientais, produção
de alimento e consumo saudável.
Três dos estudos (GONÇALVES, 2004; BRANDÃO, 2012; TREVISAN, 2009),
embora tenham abordagens distintas, expressam objetivos voltados aos conteúdos
e ensino da disciplina Ciências. As duas primeiras versam sobre horta escolar,
enquanto a terceira trata de práticas pedagógicas e entre as quais a horta está
presente.
A horta escolar aparece como uma atividade promotora da democratização do
espaço e de socialização do conhecimento pela possibilidade de participação da
comunidade em quatro estudos (PETTER, 2004; TREVISAN, 2009; BRANDÃO,
2012; RAMOS 2012).
Oito estudos (MAGALHÃES, 2003; PETTER, 2004; LIMA, 2006; GONZALES,
2007; SILVA, 2010; BERNARDON, 2011; AQUILA, 2011; NEGREIROS, 2012),
provenientes de diferentes áreas de conhecimentos e, portanto, exibindo variadas
perspectivas, mostram-se mais afinados com os inúmeros projetos de hortas em
andamento em municípios brasileiros, ou seja, têm como eixo a alimentação e a
preocupação com a adoção de hábitos alimentares saudáveis. Estabelecem
114

conexão com outros aspectos relacionados direta ou indiretamente ao tema, nos


quais se incluem as questões ambientais, a atividade física, o PNAE e ações cuja
intenção é contribuir para a educação alimentar e nutricional. Mencionam a horta
permeada pela integração de disciplinas e atividades que buscam favorecer
aprendizados diversos que respaldam a aceitação das mudanças na alimentação
escolar. Dentre essas pesquisas, quatro têm a horta como tema central.
Resguardadas as peculiaridades de cada uma das pesquisas, todas trazem
intenções que coadunam com aquelas percepções apresentadas por atores sociais
da comunidade escolar no contexto da pesquisa realizada por ocasião de meu
mestrado (SILVA, 2010). A avaliação do conjunto dos trabalhos revela o
reconhecimento do papel educativo multifuncional e multidimensional da horta
escolar; da sua característica interdisciplinar e transversal, ao ativar variadas
percepções e demandar conhecimentos de diferentes ordens e áreas; de
proporcionar a visibilidade da problemática ambiental envolvida na produção de
alimento, independente de quais sejam os seus objetivos primeiros; da sua boa
acolhida no espaço escolar e da possibilidade do envolvimento dos vários atores
sociais da comunidade escolar e de seu entorno; e do seu potencial convocador e
agregador de outras atividades tanto relativas a aspectos ambientais quanto
alimentares.
É possível afirmar que as preocupações expressas nas investigações em
termos como orgânico, saudável, sustentável, natural, associados à prática da horta
e aos alimentos produzidos exibem elementos que conduzem ou podem conduzir a
encaminhamentos que põem em xeque o modelo agroalimentar vigente.

3.7.2 Artigos científicos

Em busca feita em 05/02/2013 na base de dados científicos SciELO pelo


assunto horta(s) escolar(es) somente duas publicações foram encontradas, uma em
2008 e outra em 2012. Já no Portal de Periódicos da CAPES, em busca feita em
19/11/2013, foram encontrados oito artigos. Os dois encontrados na primeira Base
são coincidentes com os da segunda. É preciso esclarecer que o material
encontrado, seguindo o mesmo critério utilizado na seleção de teses e dissertações,
não é composto por artigos científicos cujo tema central seja horta escolar. Dois
desses artigos podem ser enquadrados nessa categoria, um a partir de uma
115

experiência concreta e outro que traz uma discussão teórica sobre o tema. Um
terceiro é um estudo feito a partir da horta. Os demais somente fazem alusão à horta
escolar, mas foram mantidos na tentativa de trazer mais informações sobre um tema
com raras publicações.

Quadro 2: Artigos científicos com o assunto “horta (s) escolar (es)” encontrados na base de
dados SciELO e no Portal de Periódicos da CAPES publicados entre os anos de 2000 e 2013.
Ano Base de Títulos Área de Publicação Temáticas
Dados conhecimento
Scielo A horta escolar na educação Ciências Extensio: Horta escolar para a
2008 CAPES ambiental e alimentar: Agrárias Revista Educação ambiental
experiência do Projeto Eletrônica de ea
Horta Viva nas escolas Extensão, 2008, Educação alimentar
municipais de Vol.5(6),
Florianópolis(MORGADO e pp.57-67
SANTOS, 2008)
CAPES Estudo etnobotânico na
2009 educação básica Educação Poiésis, 2009, Plantas medicinais
(SILVEIRA e FARIAS, Vol.2(3), p.14 na escola
2009)

A alimentação orgânica e as Saúde Ciencia & Alimentação


2010 CAPES ações educativas na escola: Saude Coletiva, orgânica e ações
diagnóstico para a educação Jan, 2010, educativas.
em saúde e nutrição Vol.15(1),
(CUNHA, SOUZA e p.39(11)
MACHADO, 2010)
2012 CAPES O fazer educação alimentar Saúde Ciencia & Práticas de educação
Scielo e nutricional: algumas Saude Coletiva, alimentar e
contribuições para reflexão. Feb, 2012, nutricional no Brasil.
(SANTOS, 2012) Vol.17(2),
p.453(10)
2013 CAPES Hortas escolares urbanas Educação em Centro de Parâmetros para o
agroecológicas: preparando Saúde Investigação desenvolvimento de
o terreno para a educação em Estudos da hortas escolares.
em ciências e a educação em Criança, UM
saúde (SILVA, FONSECA e (UI 317 da
CARVALHO, 2013) FCT)
Repositório
Científico
Aberto de
Portugal.
2013 CAPES Formação de coordenadores Saúde Ciencia & Formação de
pedagógicos em alimentação Saude Coletiva, coordenadores
escolar: um relato de April, 2013, pedagógicos em
experiência (SANTOS et al., Vol.18(4), Alimentação Escolar.
2013) p.993(8)

2013 CAPES O Programa Nacional de Saúde Ciencia & Análise do Programa


Alimentação Escolar sob a Saude Coletiva, de Alimentação
ótica dos alunos da rede April, 2013, Escolar.
estadual de ensino de Minas Vol.18(4),
Gerais, Brasil (SILVA et al., p.963(7)
2013)
2013 CAPES A trajetória do Programa Saúde Ciencia & Análise do Programa
116

Nacional de Alimentação Saude Coletiva, de Alimentação


Escolar no período de 2003- April, 2013, Escolar.
2010: relato do gestor Vol.18(4),
nacional (PEIXINHO, 2013) p.909(8)

Os artigos foram lidos na íntegra e destacados os elementos que podem


contribuir para a discussão de parâmetros para as hortas escolares.
Hortas escolares urbanas agroecológicas: preparando o terreno para a
educação em ciências e a educação em saúde (SILVA, FONSECA e CARVALHO,
2013) exibe a constatação da proliferação de inúmeros projetos com hortas
escolares no Brasil e a carência de estudos sobre o tema. Denuncia a falta de
parâmetros pedagógicos balizadores para a implantação, manutenção e avaliação
dos impactos das hortas em escolas urbanas e anuncia uma investigação com essa
finalidade. Trata-se de um artigo sobre a proposição da presente pesquisa, de modo
que seu conteúdo já está contemplado em outros itens.
O artigo A horta escolar na educação ambiental e alimentar: experiência
do projeto „Horta Viva‟ nas escolas municipais de Florianópolis foi encontrado
em publicação voltada para a extensão rural, sendo a primeira autora uma estudante
do curso de agronomia e a segunda uma professora do Departamento de
Engenharia Rural (MORGADO e SANTOS, 2008). O trabalho é apresentado com o
objetivo de descrever a contribuição do agrônomo junto à comunidade escolar no
planejamento, na execução e na manutenção das hortas escolares e, ao fazê-lo,
discorre sobre as ações desenvolvidas na horta escolar, ou a partir dessa, indicadas
no título como de educação ambiental e alimentar.
Utiliza quatro referências bibliográficas, dentre elas uma monografia de Curso
de Especialização, uma dissertação de mestrado citada no item sobre teses e
dissertações - A horta como estratégia de educação alimentar em creches - e um
trabalho apresentado em evento sobre educação infantil baseado na dissertação. A
quarta referência é um capítulo de livro que trata de educação nutricional. Há aqui
um reforço à constatação da escassez de publicações sobre o tema. O trabalho,
descrito no artigo, ocorreu em uma creche municipal e faz parte do conjunto de
ações da Coordenadoria de Alimentação Escolar de Florianópolis, que vai desde a
compra de alimentos até a educação para o consumo. Nesse conjunto se insere o
projeto “Horta Viva” com o objetivo de auxiliar a formação dos alunos e da
comunidade escolar em educação ambiental e alimentar mediante o incentivo à
117

implantação e manutenção de hortas escolares. É interessante notar que todo o


contexto se refere a questões da alimentação escolar e, no entanto, a horta escolar
figura como ação importante para o alcance de objetivos em dois campos, a
educação alimentar e a educação ambiental. Há o indicativo de uma percepção
ampliada da alimentação humana que se revela, também, em outros
encaminhamentos. O projeto exibe características intersetoriais e multidisciplinares
ao considerar a educação alimentar e nutricional como um dispositivo de ações
coordenadas e que requer o envolvimento de diferentes setores e disciplinas, com
acompanhamento de nutricionista, pedagogo, agrônomo e oferecimento de cursos
teóricos e práticos para professores e funcionários da escola sobre temas
relacionados à educação ambiental e educação alimentar, enfatizando a relevância
desses temas para a formação integral da criança e do adolescente.
As estratégias didáticas relatadas mostraram-se diversificadas, para as quais
são reforçadas a perspectiva ambiental e a alimentar sem que houvesse
dissociação: conhecimento, cultivo e consumo de diversas plantas (hortaliças,
medicinais, ornamentais, condimentares, cereais, grãos e raízes); confecção de
materiais educativos (livros de receita, cartazes, pinturas e textos coletivos);
atividades lúdicas (criação de personagens e apresentação de teatros); reciclagem
de resíduos sólidos (compostagem, coleta seletiva e oficinas de reciclagem artística);
oficinas culinárias (com alimentos colhidos na horta); mutirões com a comunidade
escolar para a manutenção do ambiente da horta e visitas a centrais de distribuição
de produtos agrícolas. O relato cita a participação ativa das crianças nas discussões,
problematizações e também o empenho físico durante a reorganização do espaço
da horta, a pintura dos muros e das lajotas dos canteiros, a limpeza do pátio em
volta da horta, a colocação de brita entre os canteiros e o plantio de mudas e
sementes.
Embora seja bem evidente a atenção às muitas dimensões envolvidas na
atividade e suas possibilidades educativas, a inculcação do modelo de produção
agrícola por vezes enviesa a horta pedagógica, como no registro: Apesar do grande
interesse das crianças pelo desenvolvimento das hortaliças, não seria possível
acompanhar mudanças nessas plantas como florescimento e frutificação, isso
devido às características botânicas e partes preferenciais de consumo (apenas
folhas, raízes) (MORGADO e SANTOS, 2008, p. 6). Seria o momento de atender a
curiosidade das crianças, selecionando algumas dessas plantas para a observação
118

de seu ciclo vital e manter a discussão sobre a intervenção humana na vida de


outros seres no atendimento de suas necessidades.
Contrariando o modelo hegemônico de agricultura é declarada a condição de
horta orgânica, o que pode trazer contribuições educativas importantes. Porém, na
escolha dos cultivos foi observada a acomodação ao padrão comercial: alface,
salsinha, cebolinha, brócolis, espinafre, rabanete e beterraba. Além disso, ao
mencionar um espantalho confeccionado pelas crianças para afugentar pássaros
que poderiam se alimentar dos pés de milho, afirma-se que o mesmo despertou
sentimentos nas crianças como respeito e amizade, tanto que, ao passarem pela
horta, as crianças olhavam para a figura do espantalho e comentavam sobre o
trabalho duro que ele estava desenvolvendo – o de proteger a horta dos invasores.
O conceito de invasor é questionável no contexto de uma agricultura de base
ecológica.
Entre os resultados são relatados experimentos simples de germinação e
crescimento vegetal em função das variáveis luz e água, a disposição das crianças
para experimentar novos sabores com a afirmação de que todas demonstraram
muito interesse pela salada nesse dia, valorizando o alimento que foi plantado e
cultivado por elas e que houve alteração nos hábitos alimentares das crianças, que
passaram a consumir, com tranquilidade, os vegetais cultivados por elas próprias na
horta.
Os autores concluem essa seção com a seguinte reflexão: [...] entre a
alimentação adequada, sua aceitação e o entendimento de que esta é a melhor
opção, há uma grande distância que certamente é diminuída quando a criança tem a
oportunidade de acompanhar o desenvolvimento do próprio alimento (MORGADO e
SANTOS, 2008, p.9).
O Estudo etnobotânico na educação básica (SILVEIRA e FARIAS, 2009)
tem foco na utilização de plantas medicinais a partir da horta promovendo a
aproximação da comunidade local e a valorização dos conhecimentos populares. A
escola investigada está inserida em programa governamental denominado
Programa de Educação Ambiental e Alimentar.
O estudo teve como objetivo investigar nesse contexto a presença da
etnobotânica, cujo conceito apresentado diz respeito aos aspectos envolvidos na
relação estabelecida entre seres humanos e plantas em diferentes tempos e
espaços, o que comporta a discussão sobre as hortas. No caso, o estudo está mais
119

voltado a plantas medicinais cultivadas. Não são referenciados trabalhos que


versem sobre hortas escolares, sendo quase a totalidade das referências
bibliográficas sobre aspectos botânicos e etnobotânicos.
O trabalho traz algumas informações sobre a relação escola-horta que
merecem atenção. Informa que a partir do referido projeto, os estudantes da
educação básica desenvolvem o gosto por trabalhar com o solo, o plantio de
plantas, o cultivo, a colheita, o armazenamento e o consumo de alimentos
saudáveis. No entanto, as ações são extracurriculares, com turmas multisseriadas,
em turno extraclasse e têm como público alvo crianças de população de baixa
renda, cujo principal objetivo é a inclusão social com atividades socioeducativas.
Essa informação nos remete aos objetivos primórdios da inserção da atividade
agrícola no espaço educativo formal no Brasil. Afirma-se ainda que uma prioridade é
amenizar o problema da fome, assim como o desperdício de alimentos e oportunizar
maior aprendizado, pois os estudantes atendidos permanecem mais tempo na
escola (SILVEIRA e FARIAS, 2009, pp. 18-19).
Além da agricultura, a estratégia adotada inclui outras atividades como teatro e
iniciação à pesquisa científica com temas direcionados à nutrição e à educação
ambiental, com ênfase na utilização de plantas medicinais e verduras saudáveis.
Para tanto foram construídas três hortas, uma para verduras, legumes e plantas
medicinais, outra somente para plantas medicinais e a terceira para plantas
condimentares, além de uma estufa para a produção de mudas. Não é apresentada
uma justificativa para tal divisão. São mencionados ainda um espaço arborizado
para recreação, uma sala para trabalhos artesanais e outra para ensaios e
atividades teóricas, um refeitório, um laboratório de informática, uma quadra de
esportes e uma cozinha comunitária. A equipe foi composta por quatro pessoas: dois
professores, sendo um que atua na disciplina de Iniciação à Pesquisa Científica e
outro na de Arte e Cultura, uma funcionária responsável pela preparação das
refeições e manutenção das hortas e um outro por pequenas manutenções na
escola e apoio às hortas (SILVEIRA e FARIAS, 2009, p.20). O projeto atendeu 54
estudantes do quinto ao oitavo ano do ensino fundamental, selecionados a partir do
interesse e consentimento dos pais e divididos em dois grupos e turnos, com dois
encontros semanais. Esse número de estudantes é o máximo estabelecido pelos
organizadores do projeto como viável para o atendimento.
120

O momento da refeição é compartilhado por todos os envolvidos, inclusive a


responsável pela sua preparação. No cardápio procuram incluir alimentos orgânicos
produzidos nas hortas da escola e afirma-se o atendimento a orientações da
Secretaria de Educação para uma alimentação mais nutritiva, com produtos frescos
e sem agrotóxicos (SILVEIRA e FARIAS, 2009, p.21).
Como o foco do trabalho na horta eram as plantas medicinais, o estudo
buscou, além das informações científicas, os conhecimentos trazidos pelos
estudantes, pela raizeira e pela nutróloga da comunidade.
Os resultados mostram a presença de conhecimentos sobre plantas medicinais
naquela comunidade, envolvendo plantio e uso, especialmente por parte dos mais
velhos e informam o pouco espaço disponível para seu cultivo, com o uso de
pequenos canteiros e vasos. A maioria dos estudantes participantes era composta
por meninas, porém, nas observações e entrevistas não foram identificadas
diferenças por gênero na realização das atividades. Constata ainda que houve
aproximação da comunidade local, a valorização dos conhecimentos populares e a
contribuição na preservação da cultura acerca das plantas medicinais e o
fortalecimento da relação homem‐ natureza, como também um novo modo de ver a
educação como um processo mais dinâmico, de intensa troca entre instituição,
educador e educando. Como conclusão afirma-se a horta como espaço rico de
aprendizagem que favorece o desenvolvimento cognitivo e afetivo dos alunos e a
importância da adequação metodológica (SILVEIRA e FARIAS, 2009, p.28/29).
Fica indicada que, para além da atividade em si, as escolhas, a forma de
participação dos atores envolvidos, a abordagem e o modo de conduzir as ações
consolidaram a distinção dessa escola em relação a outras. Embora a horta seja
referida como fornecedora de alimento saudável consumido coletivamente no
espaço escolar, não há como aferir se procedimentos semelhantes aos das plantas
medicinais foram aplicados às plantas cultivadas e utilizadas como alimento e
condimentos, ou seja, a etnobotânica alimentar. Entendemos que esta traz uma
perspectiva muito interessante para o desenvolvimento de hortas, coincidentes com
princípios agroecológicos.
No artigo A alimentação orgânica e as ações educativas na escola:
diagnóstico para a educação em saúde e nutrição (CUNHA, SOUZA e
MACHADO, 2010) não há destaque para a horta, mas esta é mencionada como uma
potencial ação educativa para objetivos voltados à Educação em Saúde. Seus
121

autores são da área de nutrição e buscaram traçar um paralelo entre a inserção da


alimentação orgânica em uma escola pública no estado de Santa Catarina e as
ações educativas relacionadas à mesma, tendo como contexto o Projeto Sabor
Saber. Tal projeto é resultante de ação conjunta de órgãos do estado e associação
de agricultores ecológicos, beneficiando escolas públicas de educação básica.
Surge da constatação que, embora muitas escolas sejam consumidoras de
alimentos orgânicos, inexistem ações pedagógicas vinculadas, havendo inclusive
desconhecimento de tal fato na comunidade escolar. Seu objetivo central é a
implantação gradativa do tema no Projeto Político Pedagógico-PPP de cada escola,
bem como a promoção e a formação de bons hábitos alimentares, elevando a
qualidade das refeições servidas [...] através da introdução de alimentos orgânicos
nos cardápios. Postula-se que a introdução da alimentação orgânica no PPP das
escolas, ao considerar o seu caráter educativo, econômico, político e social, pode
ultrapassar a visão de manutenção da condição de integridade fisiológica do escolar
ou ainda de repasse de alimentos, possibilitando novas abordagens educativas para
estudantes, professores e dirigentes (CUNHA, SOUZA e MACHADO, 2010, p.40).
A escola analisada é beneficiada pelo PNAE e é referência na utilização de
alimentos orgânicos, sendo sede de projetos educacionais relacionados à
alimentação e pioneira na implantação do referido projeto. O estudo indica que a
horta escolar se faz presente, porém, não são realizadas atividades que a vinculem
aos alimentos orgânicos oferecidos na escola. Embora os professores aleguem
fornecer informação constante sobre o tema aos estudantes, a utilização pedagógica
da horta ocorre somente com o segundo segmento e em momentos estanques,
como no conteúdo sobre raiz, específico do ensino de ciências, havendo a alegação
de que, por se tratar de uma área pequena, fica inviabilizada a ação com os
estudantes menores. Os escolares das séries iniciais demonstraram
desconhecimento acerca da forma de cultivo do alimento consumido na escola e do
conceito do que seja orgânico. Os das séries mais avançadas exibiam conhecimento
sobre as diferentes formas de cultivo, atribuindo o aprendizado às aulas de ciências,
e sobre a presença de alimentos orgânicos na alimentação escolar, mas sem
conseguir identificá-los ou distinguir sua origem.
O que se verifica nessa análise é que, a despeito de um contexto com vários
fatores e ações com potencial educativo para as questões alimentares que envolvam
o PNAE, incluindo a horta, a alimentação não é um tema tratado de forma
122

transversal. Há dificuldade de organização de ações pedagógicas nesse sentido e


os escolares reconhecem a alimentação escolar como saudável, mas não fazem
referência ao uso de produtos orgânicos. Não tem sido feita uma avaliação
consistente sobre os impactos nos escolares, o que se justificaria tendo em conta
que as ações têm propósitos educativos. Depreende-se que algumas ações, ainda
que demonstrem importância intrínseca, necessitam de um tratamento pedagógico
no sentido de superar a ideia de que a realização de atividades propostas já
caracteriza efeitos educativos e sociais, ou seja, a atividade em si não
necessariamente gera mudanças subjetivas, apesar das reflexões advindas destas
atividades e interações (CUNHA, SOUZA e MACHADO, 2010, p. 43).
No caso em questão, percebeu-se que o desenvolvimento de dinâmicas
apropriadas que promovam a reflexão na comunidade escolar sobre esses aspectos
podem desencadear novas ações a partir do já existente, como a horta escolar e a
alimentação orgânica consumida.
O artigo O fazer educação alimentar e nutricional: algumas contribuições
para reflexão (SANTOS, 2012), já citado algumas vezes neste trabalho, foi
encontrado em publicação da área de saúde sob a autoria de nutricionista,
professora universitária e pesquisadora do tema do artigo. Não é um artigo sobre
hortas escolares, estas são somente mencionadas. Foi mantido pelo fato de,
reforçando a constatação da presente investigação, associar as hortas às práticas
de educação alimentar e nutricional em curso no contexto atual brasileiro. O foco do
artigo é a nutrição clínica ambulatorial e/ou na atenção a grupos específicos e busca
identificar as tendências teóricas e metodológicas que norteiam as práticas
educativas, sendo possível fazer um paralelo com as ações desenvolvidas nas
escolas com as hortas.
A autora usa 24 referências com predomínio de publicações da área de Saúde
com abordagens voltadas para a Nutrição, além de documentos governamentais
referentes ao tema e apenas uma referência de livro sobre Educação. Dentre as
reflexões feitas pela autora, consta a distância entre os discursos e as práticas em
torno da educação alimentar e nutricional, o que coincide com o artigo comentado
anteriormente. O artigo faz um alerta para a distinção entre orientação nutricional e
educação nutricional, ao esclarecer que a primeira estaria vinculada ao
adestramento e a segunda à aprendizagem ativa, profunda e transformadora
(SANTOS, 2012, p. 459). Ao analisar práticas de educação alimentar e nutricional
123

vigentes, identifica que a maioria não explicita os referenciais pedagógicos utilizados


e, quando o faz, apresenta incoerências no desenvolvimento da estratégia e, ainda,
elementos de pedagogias críticas, com destaque para perspectivas freirianas,
coexistindo com a pedagogia tradicional, de base comportamental. Reforçando essa
constatação, percebe que entre os modelos de intervenção educativa predominam
as palestras e cursos expositivos, podendo ser encontradas intervenções com base
em aconselhamento dietético e oficinas culinárias. Nessa conjuntura, as hortas
escolares são mencionadas pela autora como uma intervenção com perspectiva
ambiental sem, no entanto, prestar maiores esclarecimentos a respeito.
Formação de coordenadores pedagógicos em alimentação escolar: um
relato de experiência (SANTOS et al., 2013) descreve um curso de formação de
coordenadores pedagógicos em Alimentação Escolar desenvolvido pelo Centro
Colaborador em Alimentação e Nutrição do Escolar da Universidade Federal da
Bahia. A ação envolveu 118 coordenadores pedagógicos da rede pública de ensino
de 79 municípios de dois estados. Esses atores consideram o tema relevante, mas
admitem a falta de conhecimentos em alimentação e nutrição para subsidiar as
práticas pedagógicas. Assim, a dinâmica desenvolvida visou a instrumentalizá-los
para que, a partir de seus contextos, propusessem e construíssem, junto com a
comunidade escolar, práticas educativas transversais para a abordagem do tema
alimentação e nutrição. A horta não é o tema central, mas aparece como proposta
educativa.
O artigo menciona, em sua introdução, iniciativas do PNAE que contribuem
para a incorporação da promoção da alimentação saudável no ambiente escolar,
dando destaque para o Projeto Educando com a Horta Escolar, citado anteriormente
nesse trabalho, afirmando que este pode ser visto como uma possibilidade para que
docentes de todas as áreas e níveis de ensino desenvolvam atividades salutares e
dinâmicas, envolvendo conhecimentos multidisciplinares, privilegiando o trabalho em
grupo, a construção e a socialização de conhecimentos (SANTOS et al., 2013, p.
994).
O trabalho reforça essa perspectiva ampla e multidisciplinar para horta escolar
pelo seu auxílio em aulas práticas de disciplinas como Língua Portuguesa, Ciências,
Geografia, História, desde que com objetivos e metodologias claros em projeto que
integre os temas alimentação, nutrição, ambiente e currículo escolar. Esclarece que
o projeto potencializa ações pedagógicas ao visar além de mudanças nos hábitos
124

alimentares dos escolares, a adaptação do cardápio às especificidades locais,


incluindo a introdução de alimentos da agricultura familiar no PNAE, a ampliação das
possibilidades de trabalhar com projetos de Educação Ambiental, a melhoria da
qualidade do trabalho pedagógico e no desempenho dos alunos no que se refere à
aprendizagem e à lida com a alimentação (SANTOS et al., 2013, p. 994).
O Programa Nacional de Alimentação Escolar sob a ótica dos alunos da
rede estadual de ensino de Minas Gerais, Brasil (SILVA et al., 2013) trata de um
estudo transversal, quali-quantitativo, com amostra de 1500 estudantes da rede
pública estadual que avaliaram vários aspectos referentes ao PNAE. Entre eles,
45,8% relataram a percepção de abordagem educativa dos temas alimentação e
nutrição no ambiente escolar. A horta escolar é referida por 7,5% dos estudantes
como espaço de aula prática na qual há abordagem das temáticas, enquanto 32,9%
e 59,6% mencionaram aulas e palestras em sala de aula e feira de ciências,
respectivamente. Não é possível aferir a relação do percentual dos que identificam a
abordagem temática na horta com a totalidade das escolas na qual esta se faz
presente, ou seja, o percentual de escolas com horta pode ser maior do que 7,5%,
mas somente estes perceberam a correlação.
A trajetória do Programa Nacional de Alimentação Escolar no período de
2003-2010: relato do gestor nacional (PEIXINHO, 2013) é um artigo já
mencionado nas discussões sobre o PNAE. A horta é citada como uma estratégia
educativa no contexto do Projeto Educando com a Horta escolar, também já
detalhado anteriormente.
Como síntese dos textos apresentados fica reforçada a pouca expressividade
numérica de artigos sobre o tema e a presença relativamente recente e progressiva
das hortas escolares em artigos cujo foco é a preocupação com a saúde alimentar.
A maioria dos artigos é oriunda de publicações área da saúde e, embora a horta
apareça de modo secundário, fica evidenciado o mérito de seu potencial educativo
para ações voltadas ao consumo de alimentos saudáveis.
Ponto comum aos oito artigos, independente da área de origem e respectivos
objetivos, é a associação da horta ao PNAE e a outras ações educativas e
promotoras do consumo alimentar saudável. A vinculação às proposições do PNAE
e ao conceito de alimento saudável conduzem para referências a elementos dos
princípios agroecológicos e, portanto, para a abordagem contra-hegemônica.
125

Depreende-se que a despeito dos inúmeros projetos com hortas escolares no


Brasil, o cenário exposto confirma como incipientes as publicações científicas sobre
o tema. E ainda, que as publicações identificadas, conferidas suas autorias, não
indicam terem sido geradas a partir das pesquisas encontradas na seção anterior.
Pode-se opinar que ou, de fato, não foram produzidos artigos a partir daqueles
estudos, ou se foram produzidos, não atenderam aos critérios para publicação3.
A constatação da insuficiência das produções acadêmicas para responder a
questão que orienta o objetivo da pesquisa encaminhou a investigação para a
identificação e análise crítica de experiências concretas com hortas escolares.

3
Com o intuito de atualizar as informações foi realizada uma nova busca no dia 05/03/2015 nas mesmas
condições utilizadas anteriormente. Foram encontrados: um artigo relatando o conteúdo de uma das
dissertações exibidas, School Gardens in the Distrito Federal (BERNARDON et al., 2014), oriundo da área da
Saúde e quatro dissertações: A construção de conhecimentos em um Projeto de Horta numa classe de 2º ano
do Ensino Fundamental (BELIZÁRIO, 2012), A formação continuada de professores e suas implicações na
promoção da alimentação saudável na escola (OLIVEIRA, 2011), Denúncias como indicativo na melhoria do
programa nacional de alimentação escolar(URU, 2011) e Aulas práticas sobre educação ambiental ministradas
em uma escola pública de ensino fundamental de Fortaleza-CE (PARENTE,2012). A primeira, da área da
Educação, analisa os conhecimentos produzidos em um projeto com horta e entre as demais da área de Ensino
de Ciências e Matemática, uma apresenta resultados prático-pedagógicos do Projeto Educando com a Horta e
as outras duas apenas citam a horta entre outras atividades. As datas das dissertações mostram que foram
produzidas no período abrangido pela busca anterior, porém, não estavam disponíveis na ocasião.
126

4 SOBRE TEORIAS, MÉTODOS E DADOS: escolhas

Diante da carência de conhecimentos e discussões sistematizadas sobre


hortas escolares no Brasil voltadas às novas exigências a elas atribuídas e,
paralelamente, da profusão de experiências em curso, evidencia-se um montante de
conhecimentos promissores, porém difusos sobre o tema. Estes estão imersos em
um contexto híbrido e merecem ser considerados e interpretados para que novos
conhecimentos emerjam.
Nesse caso, não há a intenção de testar para comprovar ou refutar hipóteses e
sim reconstruir os conhecimentos existentes sobre o tema investigado, focalizando
sua profundidade e complexidade (GALIAZZI e MORAES, 2007).
Como elaborar uma estrutura de pesquisa capaz de dar conta de desvendar
aspectos omitidos – e que promovem ocultamentos – em procedimentos usuais?
Há a busca por um rigor na produção de um conhecimento que dê visibilidade
a elementos ausentes/ausentados na realidade social. Emerge assim um
compromisso pessoal que se concretiza no esforço, no desejo, na autovigilância, no
exercício constante pelo desvelamento do que pode estar ocultado ou marginalizado
em todos os níveis da investigação.
Buscando uma compreensão complexa da realidade, há a opção por
considerar a existência e a explicitação de vários fatores que operam nos processos
de produção e de validação do conhecimento, pelo entendimento de que as
perspectivas científicas são conformadas por forças sociais, culturais, políticas,
ideológicas, discursivas e disciplinares. Acata-se, assim, a dificuldade de discernir
conhecimentos subalternizados por um modelo hegemônico de realidade com a
utilização de métodos elaborados nesse contexto. Esse ponto de vista requer o uso
de constructos teóricos e ferramentas metodológicas que vão sendo demandados ou
que podem emergir em função das necessidades de respostas sobre o fenômeno
investigado. Tal procedimento ambiciona a profundidade, a amplitude e,
consequentemente, a compreensão e reconstrução dos conhecimentos existentes
sobre o tema estudado (GALIAZZI e MORAES, 2007; KINCHELOE e BERRY, 2007).
A teoria e o método, nesse caso, confundem-se numa relação recorrente,
sendo ambos indispensáveis ao conhecimento complexo. A teoria não é vista como
um programa nem se constitui num conhecimento em si, mas na possibilidade de
tratar um problema em busca do conhecimento. O método, antes de ser um conjunto
127

de técnicas e excludente em relação ao sujeito, exige sua participação ativa


(MORIN, 2005a, p.336).
A escolha metodológica buscou coerência com a dimensão contra-hegemônica
proposta pelas perspectivas teóricas do Pensamento Complexo, defendido por
Edgar Morin (2005a; 2007a), da Sociologia das Ausências e da Sociologia das
Emergências, defendidas por Boaventura de Souza Santos (2007). A pretensão da
atitude crítica da pesquisadora exigiu metodologia compatível para um movimento
interpretativo profundo e amplo e que viabilizasse um apreciar informado e prudente
da realidade. A Análise Textual Discursiva - ATD foi eleita por apresentar a intenção
de superar o paradigma dominante nas pesquisas, para a qual o pensamento linear
e racionalizado precisa dar lugar ao pensamento complexo, permitindo a emergência
de compreensões sobre fenômenos e discursos por meio de processo interpretativo
auto-organizado das informações obtidas (GALIAZZI e MORAES, 2007).
A ATD é um instrumento de análise de dados que vem sendo utilizado em
pesquisas qualitativas de mestrado e doutorado, abrangendo áreas como a
Comunicação, a Psicologia, a Educação, o Serviço Social e a Educação Ambiental.
Há casos em que sua utilização ocorre associada a outras metodologias. Mostra-se
especialmente útil nos estudos em que as abordagens de análise demandam
soluções que transitam entre a Análise de Conteúdo e a Análise de Discurso,
espaço em que se abrigam várias nuanças apoiadas por um lado na interpretação
do significado atribuído pelo autor e por outro no contexto de produção do texto
(MORAES, 2003; MORAES e GALIAZI, 2006).
Assume-se como uma modalidade de investigação que se afasta dos extremos
da Análise de Conteúdo- AC e da Análise de Discurso - AD, admitindo pressupostos
que se localizam entre ambas e as entendendo como conjuntos de orientações
abertas e reconstruídas em cada trabalho que se encontram no domínio da análise
textual. A ATD busca confrontar binários polarizadores entre as duas modalidades,
quais sejam: a. descrição-interpretação; b. compreensão-crítica; c. manifesto-
latente; d. fenomenologia, hermenêutica e etnografia-dialética; e. partes-todo; f.
teorias emergentes/teorias a priori. Nesse movimento identifica sobreposições e
abordagens intermediárias não excludentes, com as quais estabelece aproximações
que determinam suas escolhas (MORAES e GALIAZI, 2007).
Partindo dos seis pares polarizadores apresentados e da análise das muitas
abordagens existentes entre eles que se abrigam sob a égide da AC e da AD, a
128

Análise Textual Discursiva pode ser assim resumidamente caracterizada: a. valoriza


tanto a descrição quanto a interpretação e, embora admita maior proximidade com a
AC, sua interpretação tende para a construção ou reconstrução teórica, numa visão
hermenêutica, de reconstrução de significados a partir das perspectivas dos sujeitos
envolvidos (p. 145); b. tem o caráter mais compreensivo assumido pela AC e, ainda
que crítica, seu olhar interpretativo tende a se produzir desde o interior do fenômeno
(p.147); c. fundamentada na hermenêutica, o esforço de compreensão parte dos
sentidos imediatos e simples do fenômeno estudado, mas se impõe o desafio de
produzir sentidos mais distantes, complexos e aprofundados indo para além da
expressão de realidades já existentes ao lançar mão, também, da dialética (p. 149);
d. assumidamente hermenêutica, guarda vínculos com a fenomenologia e a
etnografia, porém, ao assumir a perspectiva transformadora das realidades
pesquisadas, se aproxima da dialética de tal forma que as transformações
pretendidas se constituem nos movimentos de construção de novas compreensões
dos fenômenos e discursos presentes; e. tendo em vista a teoria dos sistemas e o
estudo de sistemas complexos, clama pelo movimento dialético entre as partes e o
todo, focaliza o todo mas com o entendimento deste como discursos construídos e
reconstruídos coletivamente (p.156); f. privilegia as teorias emergentes, ou seja, visa
à compreensão do fenômeno investigado a partir da explicitação de teorias
construídas com base nas informações colhidas (GALIAZZI e MORAES, 2007).
Vale acrescentar o acolhimento de contribuições da hermenêutica aplicadas à
educação ambiental crítica e emancipatória brasileira em comunidade interpretativa
por entender que essas podem ser estendidas para a análise das questões que
envolvem a alimentação e a saúde – até porque interligadas, como defendido aqui.
Nesse contexto, defende-se que a realidade comporta diferentes interpretações e o
mais fundamental é permitir um novo conhecimento, novas interpretações que sejam
síntese e não a supressão de perspectivas derrotadas por perspectivas vitoriosas
(FERRARO JUNIOR, 2006, p. 174)
A aposta dessa escolha metodológica consiste, por um lado, na possibilidade
de transformar informações dispersas em textos estruturados e fundamentados e,
por outro, na sua flexibilidade em prol da liberdade do pesquisador em descobrir e
construir encaminhamentos mais pertinentes à situação investigada, desde que
pautados no compromisso de ampliar a compreensão da realidade. Nesse caso,
além de ampliar e compreender a realidade posta em suas muitas dimensões, serão
129

prospectadas as ausências – o ausentado – e as emergências, para a explicitação


de outras realidades a partir das contribuições do Pensamento complexo, da
Sociologia das ausências e da Sociologia das emergências.

4.1 ANÁLISE TEXTUAL DISCURSIVA: múltiplas metamorfoses

Há aqui o entendimento de que o movimento interpretativo, de análise de


dados e informações, proposto pela Análise Textual Discursiva está afinado com o
percurso cognitivo natural experimentado pela pesquisadora ao longo dos anos em
que vem desenvolvendo atividades com hortas escolares e que se ampliou no
exercício da investigação científica. Ou seja, o envolvimento cotidiano com uma
determinada prática pedagógica, no caso a horta escolar, e a necessidade de seu
aprimoramento promoveram o desenvolvimento de um olhar atento de procura para
tudo que de alguma forma esteja relacionado ao tema e que possa responder às
questões que vão sendo apresentadas em sua execução prática.
Assim, ao se deparar com informações e/ou experiências, que envolvam hortas
escolares, expressas de diferentes formas e contextos, é naturalmente acionado um
mecanismo cognitivo de comparação e identificação de itens que podem ser
criticados e/ou acrescidos e/ou adaptados. Os processos propostos pela ATD vão ao
encontro do desconforto da pesquisadora com as limitações impostas por outros
procedimentos metodológicos no momento em que aquela mesma prática
pedagógica se converte em objeto de pesquisa acadêmica. Trata-se de uma
ferramenta aberta, exigindo dos usuários aprender a conviver com uma abordagem
que exige constantemente a (re) construção de caminhos, o que, se por um lado traz
insegurança, por outro propicia condições para fazer emergir a criatividade.
Entende-se aqui que atingir um conhecimento mais complexo e rico implica mover-
se por espaços mais inseguros (MORAES e GALIAZZI, 2006, p. 120-121).
O acionamento da criatividade ao longo do percurso metodológico proposto
pela ATD conduz a metamorfoses no entendimento do pesquisador que vão ter
reflexos nos procedimentos e nos resultados da pesquisa.
Assume-se o risco da possibilidade de exploração de intuições criativas e
originais proporcionada por essa modalidade de análise abrir espaço para
questionamentos sobre a cientificidade de seus resultados, mas há a aposta que o
rigor requerido para a validade e a confiabilidade das compreensões atingidas estará
130

coerente com o conceito de ciência assumido. Concordamos que não há um único


modo de fazer ciência, e, consequentemente, há muitos modos de atingir resultados
cientificamente válidos (MORAES e GALIAZZI, 2007, p.64).
Partindo da premissa de que há lacunas, equívocos e falta de consistência em
grande parte das ações com hortas escolares em curso no Brasil e, por outro lado,
acreditando que essas mesmas podem oferecer elementos que indicam caminhos
promissores para o aperfeiçoamento dessa prática, foi estruturado um arcabouço
metodológico para identificar nas experiências em curso as presenças, as ausências
e os sinais de emergências que podem ser potencializados.

4.2 CONSTRUINDO UM MAPA PARA O MOVIMENTO INTERPRETATIVO

O contato intenso com as atividades práticas da horta escolar, as observações


de outras experiências, os diálogos com outros praticantes ou interessados no tema,
a forte presença dos referenciais teóricos e as variadas leituras relacionadas já
haviam feito emergir espontaneamente um primeiro esboço de categorias que
agrupava similaridades dos aspectos observados. Assim, a construção das
primeiras categorias do instrumento de análise ocorreu simultaneamente à coleta de
dados, como nos sugere Morin (2007a), num movimento recursivo entre os
referenciais teóricos e as experiências analisadas.
Aquelas categorias se tornaram tão presentes que os avanços no
conhecimento sempre se davam a partir delas de forma que pareceu difícil descartá-
las. Optou-se, então, por prosseguir pelos caminhos propostos pela Análise Textual
Discursiva a partir dessa base categórica.
Foi percebida a necessidade de aperfeiçoar aquelas categorias como pontos
de apoio que auxiliassem na compreensão aprofundada dos textos-base
relacionados ao fenômeno investigado, sem, no entanto, perder a coerência com a
proposta interpretativa e complexa. As categorias deveriam ser repensadas e
reelaboradas de forma a auxiliar na explicitação e reflexão sobre os elementos da
complexidade envolvidos.
A ATD caracteriza-se por um processo auto-organizado composto por três
etapas: desmontagem dos textos do corpus e sua unitarização, estabelecimento de
relações ou categorização e captação do novo emergente.
131

Figura 2: Etapas da Análise Textual Discursiva

A análise ocorreu a partir do corpus, um conjunto de textos encontrados em


documentos eleitos localizados em diferentes contextos, que inclui produções
escritas variadas e imagens de hortas escolares, às quais foram atribuídos sentidos
e significados pelo pesquisador. Não se ignorou que é possível, baseando-se nos
conhecimentos, teorias e contextos individuais, a construção de múltiplos
significados a partir de um texto. Há situações em que estes estão explícitos numa
leitura direta (denotativo) e se mostram comuns a diferentes leitores, e outras, nas
quais os significados estão implícitos, exigindo uma leitura mais aprofundada e,
portanto, são de mais difícil compartilhamento (GALIAZZI e MORAES, 2007).
A delimitação do corpus se apresentou como uma tarefa penosa, pois implicou
seleção e exclusão e, consequentemente, o risco de perder elementos importantes e
não explícitos num primeiro momento da questão investigada. Elementos esses que
podem emergir posteriormente e se tornar fundamentais em si ou promissores para
o entendimento e/ou construção de novos conhecimentos. O corpus ficou composto
por textos encontrados em contextos distintos, porém, é reconhecida a existência de
pontos comuns entre os mesmos.
132

4.2.1 Dados? Nada é realmente dado

Os dados não estão dados, trazem significantes e só se tornaram informações


após construção feita a partir da perspectiva teórica e de pontos de vista da
pesquisadora elaborados em sua vivência profissional e acadêmica (GALIAZZI e
MORAES, 2007). A pesquisadora, antes de assim se constituir formalmente, traz
uma bagagem de conhecimentos sobre o tema cuja condição de dado não pode ser
ignorada na investigação.
A utilização de atividades de plantio ao longo da docência proporcionou a
percepção da agricultura nas escolas urbanas como uma atividade pedagógica
valiosa com múltiplas possibilidades, assim como a identificação de fatores
contribuintes e o reconhecimento das dificuldades para a sua concretização. Além
do citado, o aprendizado e a investigação desenvolvidos durante o mestrado e,
presentemente no doutorado, sobre o tema, as discussões por ocasião de
apresentações orais de artigos relacionados submetidos a eventos diversos e a
participação como pesquisadora nos trabalhos desenvolvidos pelo Observatório da
Educação/CAPES/INEP- núcleo local NUTES/UFRJ, nos quais estão incluídas
pesquisas e ações com hortas escolares, trouxeram contribuições imprescindíveis
para a elaboração e consolidação da presente proposta.
Orientada pelo objetivo da pesquisa, a seleção de documentos intentou
encontrar em experiências realizadas no Brasil elementos promissores para a
ampliação da percepção sobre o potencial pedagógico das hortas escolares,
priorizando objetivos e procedimentos contribuintes para a Educação Alimentar e
Nutricional. O critério de saturação foi concebido tendo em conta que, tanto as
presenças, quanto as ausências identificadas nesse contexto são informações
sujeitas à análise e interpretações e, consequentemente, promotoras de
modificações significativas nos resultados.
Optou-se por tomar como eixos do mapa interpretativo três conjuntos de
documentos (A, B, C). Os dois primeiros são referentes à alimentação escolar e
exibem informações de diferentes regiões brasileiras e, embora não tenham a horta
como tema central, neles é forte a sua presença. O primeiro é oriundo de um
abrangente estudo realizado por nossa equipe de pesquisa – Observatório da
Educação/CAPES/INEP – núcleo local NUTES/UFRJ – sobre o PNAE e o segundo
consiste em relatos de experiências com hortas em municípios selecionados em
133

uma premiação nacional sobre gestão local do PNAE. O terceiro é composto por
registros de uma experiência emblemática com horta em escola urbana
desenvolvida, também por elementos de nossa equipe, a partir de pesquisas e
ações anteriores sobre o tema e intenso exercício multidisciplinar da práxis. Esses
registros compõem o corpus da investigação e foram exaustivamente lidos e estão
representados na figura abaixo:

A. Mapeamento e delimitação da Alimentação Escolar no Brasil


Textos: RELATÓRIOS E TRANSCRIÇÕES DE ENTREVISTAS

B. Prêmio gestor eficiente da merenda escolar


Textos: BOLETIM 2012 e 91 FORMULÁRIOS

C. Horta Escolar Urbana: Espaço para a Construção de Práticas


Educativas Inovadoras para a Educação em Ciências e Saúde
Textos: RELATÓRIOS E OUTROS REGISTROS

Figura 3: Textos que compõem o corpus da investigação

A etapa seguinte consiste no início da análise do corpus e se dá pela


desconstrução dos textos e sua unitarização. Assim, os documentos referidos como
corpus foram desmontados de forma a pôr em destaque seus elementos
constituintes e possibilitarem a elaboração das primeiras unidades de análise. A
fragmentação dos textos sofre variações em função dos objetivos da pesquisa e dos
sentidos percebidos em diferentes limites de seus pormenores, o que resulta em
unidades de análise de tamanhos variados. A unitarização se concretiza em três
momentos: leitura dos textos, sua fragmentação e codificação de cada fragmento
que se constitui em unidade de análise; a reescrita de cada unidade a fim de que
assuma um significado; a atribuição de um título a cada unidade que apresente a
sua ideia central (GALIAZZI e MORAES, 2007).
As unidades de análise são constituídas e validadas tendo em vista as
categorias construídas ou em processo de construção e, recursivamente, são
134

elementos chave na elaboração das mesmas categorias. O movimento


retrospectivo, para as teorias subjacentes e os objetivos da pesquisa, é fundamental
nesse processo.
Seguindo as orientações, anteriores, os textos do corpus foram lidos,
fragmentados e a cada unidade foi atribuída codificação com letras maiúsculas do
alfabeto brasileiro correspondente a cada conjunto de material do corpus (A, B, C) a
fim de permitir o movimento de retorno ao contexto original quando da desmontagem
dos textos. As unidades de análise receberam a codificação UA (Unidade de
Análise) acompanhada da letra correspondente ao documento de origem: UA. A;
UA. B; UA. C.

UA. A =
Fragmentação do Unidades
material A de análise
de A

• A. Mapeamento e
delimitação da Alimentação
Escolar no Brasil Elementos de significado:
Textos: TRANSCRIÇÕES DE frases, parágrafos ou partes
ENTREVISTAS maiores

Figura 4: Esquema de unitarização do material A.

A fim de favorecer a contextualização das unidades de análise, será feita uma


breve apresentação de cada material do corpus antecedendo suas respectivas
unidades. As denominações dadas às unidades foram feitas, inicialmente, no
material A e à medida que novos significados, nos materiais seguintes, foram
encontrados, outras unidades se constituíram. Houve muitos casos em que foram
encontrados novos elementos que complementavam as unidades já estabelecidas,
nesse caso as mesmas unidades foram multiplicadas.
135

4.2.1.1 Material A: hortas escolares no Mapeamento e delimitação da Alimentação


Escolar no Brasil

Serão apresentadas informações sobre hortas escolares encontradas no


contexto do projeto Mapeamento e delimitação da alimentação escolar no Brasil:
conhecendo e discutindo oportunidades no campo da educação alimentar e
nutricional (n.1769/2008/Observatório da Educação-Núcleo local NUTES/UFRJ,
2009-2012), o qual teve como objetivo descrever e analisar experiências
relacionadas à educação alimentar e nutricional realizadas no âmbito do PNAE.
A investigação identificou a existência de iniciativas em escolas que
consideram a questão alimentar em sua prática educativa a partir de análise
estatística do banco de dados do Censo Escolar Brasileiro de 2004, do Instituto
Nacional de Estatística e Pesquisa (INEP) acrescido de um novo banco de dados
elaborado em maio de 2011 por intermédio do software SPSS, versão 17. Foram
analisadas as escolas que afirmaram realizar algum tipo de atividade em educação
alimentar e nutricional. Entre as 165 mil escolas que responderam as questões
relacionadas ao PNAE, 38,3% afirmaram desenvolver atividades em educação
alimentar e nutricional, sendo que 11% (cerca de 7 mil escolas) destas
mencionavam desenvolver as atividades com a utilização do cultivo de hortas e
pomares.
Daquele montante (38,3%, cerca de 63 mil escolas) foram eleitas cinco cidades
representantes de diferentes regiões geográficas do país, com mais de 100.000
habitantes e que indicaram possuir um maior número de escolas com atividades de
EAN para a realização de Estudos de Caso. As cidades identificadas foram: Vila
Velha (região Sudeste), Aracaju (Região Nordeste), Caxias do Sul (Região Sul),
Aparecida de Goiânia (Região Centro-Oeste) e Macapá (Região Norte). O contato
com representantes das cidades foi feito após a aprovação do projeto no Comitê de
Ética em Pesquisa do Instituto de Estudos de Saúde Coletiva no parecer n. 69/2011,
processo n.72/2010. A Secretaria Municipal de Educação de cada cidade também
aprovou a pesquisa e indicou as escolas a serem visitadas. Durante o ano de 2011,
cada cidade foi visitada por um pesquisador que realizou, durante 10 dias,
observações diretas, análise documental e entrevistas semiestruturadas formais,
informais e de grupo com estudantes, professores, merendeiras, diretores,
nutricionistas e responsáveis pela aquisição de alimentos pelo PNAE,
136

pesquisadores, políticos, membros dos Comitês para a alimentação escolar (CAE) e


agricultores familiares que fornecem alimentos para a alimentação escolar.
Interessaram, para a presente pesquisa, os textos das transcrições de entrevistas
nos quais havia relatos sobre o desenvolvimento de hortas escolares ou que
poderiam ter vínculos com a atividade, assim como os resultados e as análises feitas
pelos pesquisadores a respeito desse componente.
Assim, foram analisadas informações/dados a partir das transcrições de
entrevistas realizadas nas escolas indicadas pelas Secretarias de Educação dos
municípios visitados constantes em documentos digitalizados que totalizavam 64
páginas. Os recortes das transcrições se restringem aos relatos dos professores de
Ciências ou responsáveis por esse conteúdo nas escolas indicados como
informantes privilegiados para falar sobre ações voltadas à educação alimentar e
nutricional desenvolvidas na escola.
Os resultados daquela pesquisa sinalizam para abordagens pedagógicas
utilizadas pelos professores de Ciências de modo a incluir educação alimentar e
nutricional em práticas escolares. Os professores de Ciências entrevistados
relacionaram alimentação à sua disciplina, descrevendo alguma atividade
pedagógica que vai para além do currículo formal, nas quais foram identificados três
temas principais: cozinha e culinária, saúde do corpo e hortas (RANGEL et al.,
2014).

A.1 Fragmentando os textos e constituindo Unidades de análise a partir


da identificação de elementos de significado.

A fim de identificar as regiões do Brasil nas quais foram feitas as entrevistas,


serão acrescentadas aos códigos já definidos as siglas referentes às respectivas
regiões.
Unidades de Análise do documento A referentes à região Sul = UA. A.S
Unidades de Análise do documento A referentes à região Sudeste = UA. A. SE
Unidades de Análise do documento A referentes à região Nordeste = UA. A. NE
Unidades de Análise do documento A referentes à região Norte = UA. A.N
Unidades de Análise do documento A referentes à região Centro-Oeste = UA. A.
CO
137

A partir da leitura intensiva dos textos foram organizados grupos de Unidades


de Análise com suas respectivas subunidades compostas por alguns fragmentos
que trazem significados para os objetivos da pesquisa. Estes constituíram uma
matriz para a análise dos outros materiais que compõem o corpus, nos quais novos
sentidos foram identificados, promovendo acréscimos de Unidades e/ou
subunidades. As unidades foram paulatinamente agrupadas e receberam títulos e
subtítulos que buscam expressar seu significado para os objetivos da pesquisa.
O movimento de classificação e denominação do conjunto de Unidades de
Análise e subunidades se deu com idas e vindas para agrupamentos e
reagrupamentos à medida que novas unidades de significado foram sendo
identificadas nos textos subsequentes e percebidas suas similaridades ou
diferenças.

I Compreensão ampla da realidade e possibilidades contra-hegemônicas


I.a Modelo de agricultura
UA.A.CO [...] é mostrar pros meninos que a alimentação variada ela vem de
uma produção sustentável, da produção sustentável e por ser sustentável vai
garantir uma alimentação de qualidade, variedade também. [...] nós ingerimos uma
quantidade muito grande de agrotóxicos nas verduras, né? [...] com esse trabalho de
horta orgânica nós combatemos praga com vegetação diferenciada...

I.b Ecologia de saberes...


UA.A.SE [...] porque eu acho que elas (as merendeiras) têm muito a ensinar
pra gente sobre os alimentos..[...]

I.c Aprendizado do gosto


UA.A.SE[...] igual do Ajinomoto trabalha na estimulação da língua pra produzir
salivação e você ter a FALSA sensação de SABOR, e que a gente tá perdendo o
sabor, pelas coisas da terra, as coisas naturais [...] Então, isso tudo foi trabalhado
em sala.
[...] a partir do momento que ele pegou aquela folha de hortelã, botou na boca e
relacionou que aquilo ali é o sabor do freegells, nunca mais ele vai olhar o freegells
com a mesma, com o mesmo olho [...]
138

I.d Perspectiva interdisciplinar e/ou transdisciplinar


UA.A.N [...] nessa questão de transformar a agricultura em disciplina, não dá
mais, não dá mais pra fazer isso [...] E com essa vontade de você, de tá toda a
escola integrada nesse mesmo projeto[...]

II Possibilidades de reforço de elementos hegemônicos


II.a Visão utilitarista da natureza
UA.A.SE[...] “oh, a hortelã é uma erva que serve para...” (grifo nosso)

II.b Dicotomia bom x ruim


UA.A.SE[...] já tô formando a personalidade dele, eu já tô definindo tipo assim
“oh isso é bom pra você, isso é ruim, o que que você escolhe?”

II.c Visão mágica da ciência


UA.A.SE[...] eles fizeram um EXPERIMENTO, FANTASTICO. [...] esperamos
trinta dias pra decompor e depois aquilo virou terra [...] (ênfase dada pela
professora)

II.d Visão restrita sobre a agricultura


UA.A.S- A professora de Ciências lamenta não ter horta na escola devido à
falta de espaço.

III Objetivos da atividade


III.a Ensinar técnicas de plantio
UA.A.N [...] era uma vantagem porque a escola, ela ficava em uma
comunidade agrícola, olha só, puxa vida é, tudo era propício porque as crianças já
trabalhavam [...]

III.b Para usar na alimentação escolar


UA. A.N [...] sempre foi pra merenda. [...]

III.c Ensinar a alimentar-se


139

UA.A.CO [...] ela vai aprender desde cedo que alimentar-se bem é alimentar-se
variadamente.

III.d Fazer trabalho integrado e contínuo sobre alimentação e meio


ambiente
UA.A.N [...] porque quando você trabalha essa questão da alimentação
saudável e aí vem carregado uma série de questões ali, principalmente em relação à
questão do meio ambiente, porque tá relacionado [...], principalmente nas escolas
em que você tem as, as crianças das séries iniciais, [...] ela vai passar oito anos
nessa escola [...] se for um trabalho sério e responsável, um trabalho sedimentado...

III.e Suprir necessidades específicas de escolares especiais


UA.A.SE[...] é a sensibilização do aluno especial, o meu aluno cadeirante [...] a
horta traz pra eles uma oportunidade de aprendizado, entendeu?

III.f Incluir o estímulo multissensorial para o aprendizado cognitivo


UA.A.SE[...]eu acho que, que a terra e o alimento, né?. Ele tem um, um monte,
milhares de, de estímulos que pode proporcionar ao aluno conhecimento [...] são os
instintos... da degustação, o instinto da audição, né? Das sensações, é... em que
envolve, como Maturana* mesmo fala, o conhecimento, né?
*Humberto Maturana - é um neurobiólogo chileno, crítico do realismo matemático e criador da
teoria da autopoiese e da biologia do conhecer, junto a Francisco Varela. Faz parte dos
propositores do pensamento sistêmico e do construtivismo radical.

III.g Ensinar o conteúdo de Ciências


UA.A.SE[...] E aí eu tinha já o conteúdo previsto que eu já sabia que, o último
capítulo do livro já ia tratar germinação...

III Desenvolvimento da atividade


IV.a Habilidades e conhecimentos necessários para o condutor da
atividade
UA.A.N [...] uma pessoa que ela vai ter que lidar com crianças, né? Além de
lidar com a terra ela tem que tá sabendo socializar aquele conhecimento que ela
140

tem. É dessa forma, mas não era isso que acontecia, as crianças simplesmente
vinham pra cá, capinavam, plantavam, não dava certo [...]
UA.A.N [...] Duas coisas que ele pensou, ele era professor de Ciências [...]
UA.A.SE [...] Eu tenho uma grande vivência na terra, eu sou de família de
agricultores no interior. Então, eu sei lidar...

IV.b Forma de participação dos estudantes


UA.A.CO [...] eles ajudam, por exemplo, a produzir as bandejas...
UA.A.N [...] os professores geralmente escolhiam alguns alunos, não era a
turma.

IV.c Material utilizado


UA.A.N [...] a gente comprou enxada, pá, regador, sementes... Nós compramos
cinco sacas de adubo...

IV.d Segurança e adaptações do espaço físico


UA.A.CO [...] mas teve um acidente, uma criança caiu no córrego... Isso gerou
um problema pra mim [...] desse dia em diante, então, eu resolvi não arriscar.
UA.A.SE [...] fazer a inclusão do aluno cadeirante, do aluno cego, do aluno
surdo..

IV.e Dificuldades e formas de superação


UA.A.SE [...] pegam os meus instrumentos de trabalho, que tá escrito “projeto
horta,” né? Dentro da caixinha, pegam pra usar lá no trabalho deles, quebram e
deixam lá atrás [...]
UA.A.N [...] Não, não tem e não tem nenhuma pessoa pra gerenciar. [...] é
trabalhoso [...]
UA.A.N [...] por conta da carga horária, esse negócio todo, muitas turmas [...]
UA.A.SE EU tive que me adaptar a trabalhar com alunos menores[...] o
CURRICULO é diferente...
UA.A.SE A professora relata que, por falta de condições de preparar os
produtos da horta na escola, os prepara em casa e os leva para os alunos.
UA.A.SE [...] tem as regras da empresa que não pode sair da cozinha [...]
141

UA.A.SE [...] tivemos que tirar a grama, que tava plantada, né? Aos
pedacinhos, com as crianças, cavar em volta [...] eu trouxe um regador de casa, [...]
teve um pai que trabalhava na prefeitura como... um serviço de jardinagem, foi que
trouxe umas, uma significativa ajuda [...] ele trouxe mesmo, adubo orgânico, trouxe
vários sacos, né? De adubo, de terra, adubo orgânico, doou ainda uma, uma
enxadinha, uma pazinha, e tal e é com isso que a gente trabalha até hoje.

4.2.1.2 Material B: experiências brasileiras com hortas escolares no contexto do


Prêmio gestor eficiente da merenda escola

As informações a seguir foram extraídas de 91 formulários, com descrição de


experiências brasileiras com hortas escolares e/ou municipais relacionadas a
escolas presentes entre os municípios, os quais foram selecionados no contexto do
Prêmio gestor eficiente da merenda escolar em sua versão 2012, além da
publicação correspondente intitulada Boletim de Desempenho, que foi elaborada a
partir dos dados fornecidos pelas prefeituras inscritas. Os dados são referentes a
ações desenvolvidas no período de janeiro a dezembro de 2011.
A premiação, promovida pela ONG Ação Fome Zero (2012), visa a identificar e
dar visibilidade às prefeituras que desenvolvem práticas criativas e inovadoras e
disseminar as experiências bem-sucedidas na gestão do Programa Nacional de
Alimentação Escolar - PNAE. A Organização Não Governamental Ação Fome Zero
atua no desenvolvimento de projetos de apoio a políticas públicas ligadas à
segurança alimentar e nutricional. A referida premiação faz parte do projeto intitulado
Gestão Eficiente da Merenda Escolar e destaca as prefeituras que realizam gestões
criativas e inovadoras, mas, sobretudo, eficientes do Programa Nacional de
Alimentação Escolar.
O material principal usado nessa análise e fornecido pela instituição é
composto por documentos (formulários descritivos) preenchidos por representantes
dos municípios participantes. Não ignoramos as críticas e polêmicas de que são alvo
muitas Organizações Não Governamentais. Admitimos, assim, a possibilidade de
questionamentos sobre a ONG em pauta. No entanto, não encontramos nenhuma
informação que desabonasse a mesma. De forma que os aspectos que envolvem o
processo de premiação não parecem interferir no alvo da investigação. Ainda assim,
142

foram analisados textos de autoria da equipe da ONG para melhor compreensão dos
processos da premiação.
O Boletim de Desempenho 2012 (FOME ZERO, 2012) descreve os processos
para a realização da premiação e traz informações que contextualizam os
formulários a serem analisados posteriormente e que expressam algumas
concepções dos idealizadores da premiação.
A seleção e a premiação dos municípios são feitas a partir de indicadores
baseados na aplicação de recursos orçamentários provenientes do PNAE e da
própria prefeitura, na qualidade nutricional da merenda oferecida, na participação
dos Conselhos de Alimentação Escolar e em iniciativas da administração pública
que resultem na promoção do desenvolvimento local.
Em 2012, 929 prefeituras de todo o Brasil inscreveram-se para a premiação, o
que representa 16,7% dos municípios brasileiros. Dentre elas, 577 foram efetivadas
e passaram por um processo de avaliação regionalizado que incluiu etapas
quantitativas e qualitativas. 107 destes municípios foram mais bem avaliados e
analisados pela Comissão Julgadora, e 45 foram categorizados como finalistas e
receberam visitas técnicas. Após a análise dos relatórios elaborados a partir das
visitas técnicas, 29 prefeituras foram contempladas com o Prêmio (FOME ZERO,
2012).
Ao compararmos a presença de hortas ao longo dos anos, observamos um
crescimento da mesma no concurso. Entre os inscritos em 2004, as hortas estavam
presentes em 25,4% do total de escolas e, no caso dos inscritos em 2005, em
29,6%. As hortas são mencionadas como empreendimento criativo e com impacto
positivo no sistema de alimentação escolar (BELIK e CHAIM, 2009). O aumento
progressivo das hortas no país é reforçado no Boletim/2012 que informa a sua
existência em 61,0% num universo de 568 inscrições (E não nos 577 efetivamente
inscritos!). É importante lembrar que nos dados do INEP (de 1994!) esse percentual
foi de apenas 4,0 %.
O conteúdo do Boletim com informações sobre a premiação da AFZ e das
experiências relatadas reflete, além dos dados fornecidos pelos municípios e
aferidos in loco pela equipe de avaliação da premiação, o entendimento que a
mesma tem sobre a temática.
A premiação declara atenção ao constante na resolução CD/FNDE nº 38,
considera as hortas escolares, assim como a inserção do tema alimentação
143

saudável no currículo escolar, formação da comunidade escolar e realização de


oficinas culinárias experimentais com os alunos como estratégias de educação
alimentar e nutricional (FOME ZERO, 2012, p.10). No entanto, para a equipe
responsável pelo prêmio parece pairar uma visão restrita sobre a agricultura, sendo
importante salientar que o Boletim analisado é ilustrado com fotografia e legenda de
duas das experiências com hortas escolares. Uma, no ensino fundamental, exibe
uma horta hidropônica, o que pode reafirmar uma visão afinada com a valorização
de uma modalidade mais artificializada de agricultura e, portanto, fugindo do
conceito de alimento saudável aqui defendido.
Foram disponibilizados, pela instituição organizadora da premiação, 91
formulários inseridos naquele grupo de municípios inscritos, nos quais as hortas são
mencionadas e referem-se ao critério Eficiência e Educação Alimentar e Nutricional
e que abrange ações que contribuem para a qualidade do cardápio, a saúde do
alunado e a difusão de hábitos alimentares saudáveis.

Fragmentos de 91 formulários- Formulário de Projeto/ação

As Unidades de análise aqui destacadas baseiam-se em documentos


digitalizados denominados Formulários de Projeto/ação, fornecidos pela ONG, ao
final dos quais poderiam ser adicionadas fotografias com legendas. Esses
formulários foram preenchidos por representantes dos municípios participantes
referentes às ações desenvolvidas ao longo do ano de 2011. A autorização da
utilização do material para fins de pesquisa e divulgação está prevista no item 6.
Sobre a Divulgação do Regulamento da Premiação.
No contato com a ONG Ação Fome Zero manifestamos o interesse pelas ações
em educação alimentar e de modo incidental o interesse pelo tema hortas. No dia
marcado para a coleta de dados, já foram encontrados separados na forma
digitalizada 91 formulários que mencionavam as hortas. Há formulários que se
referem somente a uma única experiência e outros a um conjunto de experiências
desenvolvidas no município.
144

Projeto:
Secretaria municipal de:
Nome:
Telefone:
E-mail:
1. Qual o objetivo deste projeto, como surgiu a ideia de realizá-lo?
2. Quando o projeto começou? Ele ainda está em execução?
3. Onde ele é realizado e quais os beneficiários?
Tema:
Estado:
Região:
Subtema:
Município:
Status de Aprovação:
4. Quais pessoas/setores envolveram-se no planejamento e na execução deste projeto?
5. Houve parceria para sua realização? Quais?
6. Descreva como ele foi executado:
7. Quais os resultados alcançados?
8. Quais as dificuldades para a implantação do projeto?

Figura 5: Modelo do Formulário de Projeto/ação preenchidos por representantes dos municípios


participantes do Prêmio gestor eficiente da merenda escolar em sua versão 2012.

Os textos foram decompostos a partir da identificação de elementos de


significado e passaram a constituir Unidades de análise. As denominações para
essas unidades são, em princípio, as mesmas utilizadas na decomposição do
material anterior - UA - com acréscimo em função da identificação de novas
unidades de significado. Assim como há situações em que não foram identificadas
unidades de significados que se enquadrem em todas as classificações efetuadas
no material A, nesse caso essas serão omitidas.
Para a codificação, devido ao grande volume de formulários, optou-se por
numerá-los de 1 a 91 e usar a letra F antecedendo a numeração. Serão
apresentadas as unidades de significado identificadas nas respostas dadas aos
formulários entremeadas por comentários específicos, textos e quadros produzidos a
partir das análises comparativas dos mesmos.
Como já mencionado, a avaliação com vistas à premiação é feita de forma
regionalizada. Os resultados divulgados pelo Boletim 2012 informam que em 2011,
145

em um universo de 568 municípios inscritos, 61,0% declararam ter hortas escolares


e/ou municipais. A leitura dos formulários disponibilizados permitiu identificar a
distribuição de hortas por regiões e estados.

Quadro 3: Distribuição de hortas por regiões do país, entre os inscritos para o Prêmio gestor
eficiente da merenda escolar em sua versão 2012, nos 91 formulários disponibilizados.
Inscrições Com Premiados no item Total de
Regiões em 2012 hortas Hortas por estado Eficiência e formulários
Est Educ. Alim. Nutric.
Santa Catarina-16
SUL 185 65% Rio Grande do Sul- 7 31
Paraná- 8
São Paulo- 14
SUDESTE 225 62% Minas Gerais- 10 28
Rio de Janeiro- 2
Espírito Santo -2
Paraíba- 5
NORDESTE 95 53% Bahia- 4 Formulário 29(CE)
Ceará- 4
Pernambuco- 2 17
Sergipe- 1
Rio Grande do
Norte- 1
Pará- 5
NORTE 26 58% Acre- 1 Formulário 8 (PA)
Rondônia – 1 09
Tocantins- 1
Amazonas- 1
Mato Grosso- 3
CENTRO- 46 63% Goiás- 2 Formulário 69 (GO) 06
OESTE Mato Grosso do Sul-
1
TOTAL 577 61% 91 3

Entre os oito municípios premiados no critério Eficiência e Educação Alimentar


e Nutricional, no qual as hortas são consideradas, foram encontrados três
formulários (F. 8, 29 e 69) com relatos de hortas. Vale lembrar que foram
146

disponibilizados 91 formulários com relatos de hortas e não o acesso à totalidade do


material do banco de dados da premiação, não sendo possível verificar a adequação
da seleção realizada.
Para uma aproximação dos critérios adotados pela equipe de avaliação das
experiências desenvolvidas nos municípios, optamos por iniciar com a unitarização
dos formulários enviados pelos três municípios premiados no item Educação
Alimentar e Nutricional e que possuem horta.

II Possibilidade de reforço de elementos hegemônicos


O Formulário 29 apresenta seu projeto intitulado Horta hidropônica e traz
como objetivo a necessidade de contribuir com uma alimentação mais saudável no
cardápio da merenda escolar, e mudança cultural nos hábitos alimentares. O
alimento produzido é distribuído para diversas unidades de ensino. E complementa:
Um técnico de hidroponia social apresentou o projeto ao prefeito e à secretária de
educação, que de imediato reconheceram a excelência da iniciativa. Aqui também
a participação da comunidade escolar na elaboração da horta parece restrita: 1
coordenador pedagógico, 1 técnico em agropecuária, 1 assistente de produção e 1
assessor pedagógico. É mencionada uma reunião com o núcleo gestor e
professores da escola e a seleção de equipes de estudantes para acompanhar,
interagir e aprender a manipulação dos insumos, do plantio e da manutenção da
horta. Afirma-se como resultado alcançado a mudança nos hábitos alimentares pelo
consumo total dos produtos hortaliços ofertados na merenda escolar.[grifo nosso]

III Objetivos da atividade


Dada a forma com que esses objetivos foram registrados, foi necessária a
inclusão de mais uma subunidade à Unidade de Análise III Objetivos da atividade:
III.h Múltiplos aprendizados.

III.h Múltiplos aprendizados


O Formulário 8, em seus objetivos, fala em incentivar à valorização da cultura
do homem do campo, ao manuseio do solo e às técnicas com o cultivo de hortaliças
orgânicas. A motivação principal foi o consumo das hortaliças orgânicas na merenda
escolar.
147

Formulário 69 é muito sucinto e apresenta como objetivos: criar na escola uma


área verde produtiva pela qual todos se sintam responsáveis; despertar o interesse
das crianças para o cultivo de horta e conhecimento do processo de germinação; dar
oportunidade aos alunos de aprender a cultivar plantas utilizadas como alimentos;
degustação do alimento semeado, cultivado e colhido; conscientizar da importância
de estar saboreando um alimento saudável e nutritivo.

Sob a ótica dos referenciais teóricos que orientam esta investigação, não foi
possível identificar, nesses três formulários, elementos que confiram distinção das
hortas dos municípios premiados em relação aos demais na contribuição para a
Educação Alimentar e Nutricional aqui defendida. Aparentemente, a horta não teria
sido um fator determinante (ou muito relevante) para a escolha ou os critérios
adotados na avaliação podem ter valorizado procedimentos criticados nesse
trabalho. O destaque dado no Boletim à hidroponia na experiência do Formulário 29
corrobora a segunda opção. Como na maioria das experiências, fala-se em tornar a
alimentação escolar mais saudável, em mudar hábitos alimentares, em aprendizado
de técnicas de plantio e apenas o Formulário 8 menciona a produção orgânica.
Na totalidade do material, selecionamos para análise em bloco os 31
formulários com expressões que podem indicar opção ou busca por um modelo de
agricultura contra-hegemônico, acreditando que estes poderiam trazer,
coerentemente, mais aspectos relacionados à compreensão ampla da realidade e
possibilidades contra-hegemônicas.
I.a Modelo de agricultura
• 2 incluem horta orgânica no título do Projeto;
• 2 (diferentes do item anterior) incluem horta orgânica nos demais itens;
• 17 incluem a expressão orgânica(s)/orgânico(s) precedidos de termos
como alimento(s), produto(s), adubo(s), composto(s) (excluindo aqueles dos itens
anteriores);
• 08 incluem os termos sem/livre agrotóxicos (excluindo aqueles dos itens
anteriores);
• 01 inclui sem aditivos químicos (excluindo aqueles dos itens anteriores);
• Um já incluído nos itens anteriores fez referência a veneno;
148

• Outro também já incluído nos itens anteriores fez referência à produção e


plantio agroecológico (F.7);
• Nenhum usou a expressão defensivo agrícola para se referir a
agrotóxicos. A palavra agrotóxico aparece em 12 dos formulários.

Entre os 31 formulários, acima, o Formulário 7 é o único no qual aparece a


expressão agroecológica e respectivas variações. Declara objetivos focados na
educação ambiental e na educação nutricional e surge a partir de um programa
voltado para a aprendizagem rural. Este foi ampliado para atender a necessidade de
trabalhar temas relacionados à educação alimentar e nutricional e, sob a orientação
do Projeto Educando com a Horta Escolar, foi estendido a escolas urbanas.
Ressalta-se a ocorrência de atividades de cunho pedagógico utilizando a horta como
"laboratório vivo" para a realização das atividades disciplinares e de pequenas
mudanças no comportamento alimentar dos alunos, consumo de alimentos
orgânicos e maior valorização das questões que envolvem o meio ambiente e a
produção agroecológica. A despeito da utilização do conceito agroecológico, não
foram encontradas outras ações diferenciadas que confirmassem a sua apropriação.
O mesmo pode ser dito em relação aos outros trinta formulários desse bloco. Há
elementos avulsos que denotam ensaios contra-hegemônicos, mas nada muito
diferente das declarações encontradas nos demais formulários, cujos indícios do
modelo de agricultura não foram explicitados, com seus respectivos sinais de
avanços mesclados a fragilidades e contradições.
Retomando a leitura dos 91 formulários como um todo, é possível observar que
muitos dos projetos ocorrem em escolas em área rural e exibem a intenção de
qualificar tecnicamente, via estudantes filhos de agricultores, a atividade agrícola. Há
algumas menções a adaptações para a escola urbana.
Muitos receberam a orientação técnica de profissionais específicos da área. Há
relatos nos quais é citada a colaboração de agricultores locais com seus
conhecimentos práticos e alguns outros fazem referência à contribuição de outros
atores sociais.

I Compreensão ampla da realidade e possibilidades contra-hegemônicas


I.a Modelo de agricultura
149

F.72 [...]. Como a escola está inserida na zona rural e todos os alunos são
filhos de agricultores [...] possamos envolver cada pai nesse modelo de agricultura e
que assim, aprendam com os filhos que existem outras formas de obter uma renda
dentro da pequena propriedade e, além disso, que é possível fazer tudo isso
obedecendo aos critérios da sustentabilidade.
F.78 Despertar os alunos da zona rural para a importância do uso adequado da
terra para produção de alimentos orgânicos e seu consumo para garantir uma
qualidade de vida.
F.51 ESCOLA URBANA Contextualizar os conteúdos aos problemas da vida
urbana.
F.64 Dificuldades: tamanho do espaço para a criação das hortas – algumas
escolas têm feito canteiros suspensos e nos muros.

I.b Ecologia de saberes e outras ecologias


F.32 A escola contou com os moradores que cederam os terrenos e com
pessoas experientes em trabalhos com hortas, como agricultores locais e pais de
alunos.
F.38 [...] a participação efetiva do nosso zelador/ jardineiro [...], que esteve
conosco em todas as fases, e também as nossas cozinheiras [...]
F.65 [...] Muito do conhecimento vem de nossos alunos, que é a bagagem
cultural trazida de casa (vivência). Então, trabalhar este assunto é fácil.

I.c Aprendizado do gosto


F.5 [...] mandioca, que já é da cultura deles e passou a fazer parte diariamente
do cardápio da merenda.
F.88 [...] além de consumirem na escola o que plantaram ou cuidaram: couve,
alface, mostarda, cheiro verde, tomate, jiló, quiabo, mandioca, pimentão, cará,
berinjela, chuchu e frutas como romã, manga, pitanga, amora, graviola, limão e
banana.

I.d Perspectiva interdisciplinar e/ou transdisciplinar


F.51 [...] pode ser um verdadeiro laboratório ao ar livre para as aulas de
Geografia, Ciências e Matemática.
150

F.84 [...] além de trabalhar conteúdos como ciências, higiene e educação


ambiental.
F.11 [...] As ações interdisciplinares, com incentivo a manuseio da horta,
trabalhos de campo, foram pouco realizadas.
F.23 O maior desafio é realizar a interdisciplinaridade, utilizando a horta, com
todos os educadores que fazem parte do projeto.
F.26 [...] A horta foi devidamente explorada, consolidando os trabalhos
pedagógicos, numa atitude interdisciplinar.
F.40 Planejamento através de sequências didáticas e com estrutura
interdisciplinar.
F.50 O objetivo é trabalhar a questão da alimentação de forma interdisciplinar.
F.85 Com o decorrer do projeto observou-se: maior integração do corpo
docente com atividades interdisciplinares.
F.68 [...] funciona como laboratório para estudos e pesquisas nas diferentes
áreas do conhecimento no Ensino Fundamental e Médio.
F.31 Articular e desenvolver a educação ambiental, educação alimentar e as
diversas áreas do conhecimento de forma inter e transdisciplinar [...].
F.72 É trabalhar na prática os conteúdos de forma transversal no currículo
escolar.
F.73 A questão ambiental está relacionada à proteção do meio ambiente, que
faz parte das reflexões que envolvem este projeto e se trata de um tema transversal
[...]
F.90 [...] proporcionando algo que garanta o que é exigido nos Parâmetros
Curriculares Nacionais – PCNs, trabalhar um dos temas transversais: Meio
Ambiente.

III Objetivos da atividade


Entre os 91 formulários, nos itens referentes aos objetivos, é frequente a
relação da produção da horta com a alimentação escolar estar vinculada à
percepção de que há carências nesta e indica-se, assim, necessidades de
complementar, melhorar a qualidade, enriquecer, utilizar, suprir necessidade,
reforçar, ter maior variedade, tornar mais saudável ou o desejo de incluir alimentos,
de diversificação, de consumir orgânicos, de incrementar a alimentação escolar.
151

III.b Para usar na alimentação escolar


F.26 [...] tendo como premissa básica reforçar e enriquecer a merenda escolar
[...].
F.37 Melhora na qualidade da merenda escolar, enriquecendo o aporte
nutricional.
F.42 Melhorar a variedade dos gêneros alimentícios ofertados na merenda
escolar.
F.54 O projeto surgiu com o intuito de melhorar a qualidade de merenda, já
que a Aldeia se localiza a 70 km de estrada não pavimentada, ou seja, de chão.
Não era possível enviar verduras, pois as mesmas já chegavam com má qualidade.
F.68 Maior variedade no cardápio da merenda escolar; Redução de gastos na
compra da merenda escolar, podendo investir na compra de outros itens para
complementar a merenda [...].

A mudança de hábito alimentar aparece como objetivo, entretanto, também


consta no item sobre dificuldades encontradas (pergunta n.8. Quais as dificuldades
para a implantação do projeto?) juntamente com outras dificuldades.

III.c Ensinar a alimentar-se melhor


F.4 [...] incentivar os alunos a consumirem verduras e legumes – para tanto usamos
como ferramenta as hortas – estimulando os alunos ao cultivo da terra e ao
consumo do que é produzido.
F.5 [...] a horta escolar entraria como uma estratégia de incentivar as crianças a
consumir esse alimento.

Alguns poucos formulários se reportam à disciplina ou ao professor de Ciências


ou a outra disciplina específica. Ao contrário, muitos proclamam abordagens
interdisciplinares e até transdisciplinares. Foram frequentes as referências à
Educação Ambiental e à Educação Alimentar e Educação Nutricional e, em especial,
exibindo correlações íntimas entre elas. No caso dos 91 formulários, consideramos
relevante atentar para esse aspecto por se tratar de um contexto no qual os itens
considerados para a premiação deveriam se referir à alimentação e, ainda assim, a
educação ambiental se faz presente isoladamente no título de uma das
152

experiências, acompanhada de Educação alimentar e nutricional em outra e, ainda,


nos objetivos de onze dos formulários.
É recorrente, nos relatos, a conjugação de muitos objetivos a serem
alcançados.

III.h Múltiplos aprendizados


F.7 [...] alavancar mudanças comportamentais relacionadas à saúde, à
cidadania, à ética, ao trabalho e ao consumo […]
F.13 [...] Ensinar e incentivar a técnicas orgânicas [...], valorizando a
agricultura, melhorando o meio ambiente com técnicas sustentáveis, favorecendo o
aprendizado em cálculos matemáticos (área, perímetro), interação do grupo de
alunos e incentivar ainda mais à educação nutricional.
F.56 [...] promover a educação ambiental, alimentar e nutricional, utilizando a
horta como possibilidade para integrar temas fundamentais ao cotidiano dos alunos,
dos pais e da comunidade em geral.

Alguns formulários detalham a forma de participação dos estudantes,


evidenciando o empenho físico em todas as etapas da atividade. Porém, não há
referências a compras de equipamentos de segurança e para proteção individual ou
coletiva, nem adaptações de ferramentas em função das idades das crianças
envolvidas. É comum que o desenho da horta obedeça a critérios estabelecidos por
um técnico. No entanto, há situações em que houve preocupação estética, ou com a
acessibilidade, ou a aprazibilidade, a funcionalidade, e adaptações em função do
espaço disponível e da participação da comunidade escolar nesse tipo de decisão.
A falta de conhecimento técnico é apresentada como uma dificuldade muito
presente para o desenvolvimento da atividade. Por outro lado, em 33 dos formulários
é mencionado algum tipo de apoio técnico por profissionais da área agrícola,
fazendo referências a agrônomos, técnicos agrícolas, técnico em agropecuária, ou,
na maioria dos casos técnicos da EMBRAPA, da Secretaria de Agricultura, da
EMATER, da INCAPER, da EPAGRI, de ONG, voluntários e etc.

IV Desenvolvimento da atividade
153

IV.a Habilidades e conhecimentos necessários para elaborar e conduzir a


atividade
F.7 [...] a formação dos canteiros e dimensionamento dos espaços para a
realização dos cultivos orientados por um agrônomo [...].
F.86 [...] um técnico voluntário para ministrar os conteúdos teóricos e práticos
sobre o cultivo de hortas orgânicas.

De um modo geral, os relatos mostram que os estudantes se empenham


fisicamente nas atividades da horta. Há casos onde se afirma a participação efetiva
em todo o processo e, em outros, isso se dá parcialmente, sem uma justificativa. Há
situações em que as atividades foram organizadas respeitando a faixa etária.

IV.b Forma de participação dos estudantes


F.46 CRECHE As atividades ligadas ao uso do solo, tais como revolver a terra,
plantar, arrancar mato, podar, regar, não só constituem ótimo exercício físico como
representam uma forma de aprendizado saudável e criativa, tal qual o contato com
as coisas da natureza.
F.46 O desenvolvimento do projeto ocorreu por meio das ações: preparo dos
canteiros e da terra, plantio, manutenção do canteiro, rega, retirada dos matinhos,
colheita das verduras e legumes e degustação. Nosso Projeto de Horta está sendo
desenvolvido por meio das seguintes ações: • Preparo dos canteiros e da terra para
o início do plantio: retirada dos matinhos pelos alunos, afofar e misturar o adubo de
plantio, um período de 15 dias para o descanso da terra. • Início da semeadura pelos
alunos: Infantil I A: canteiro 1- semente de salsa Infantil I B: canteiro 2 - semente de
cebolinha Infantil II A: canteiro 3 - semente de cenoura Infantil II B: canteiro 4 -
semente de hortelã Infantil III A: canteiro 5 - semente de escarola Infantil III B/ IV:
canteiro 6 - semente de alface • Cada turma é responsável pela manutenção do seu
canteiro, organizando um período do dia para esse trabalho: regar, tirar os matinhos,
etc. • Contamos também com o auxílio da ADI (auxiliar de desenvolvimento infantil)
[nome da funcionária] para a manutenção diária da horta. • As demais turmas dos
Berçários e Inicial A e B participarão do projeto por meio de visitas na horta e
degustação de alimentos. • Preparo de alimentos conforme a colheita dos produtos.
154

F.61 [...] os alunos, junto com os técnicos e os pais, preparavam a terra dos
canteiros para o plantio. E após era realizado o plantio, cada participante plantou
uma muda. Os próprios alunos realizam a manutenção da horta escolar.
F.72 O projeto é realizado com o auxílio das turmas do 6º ano à 8ª série, que
ajudam no preparo dos canteiros, bem como no plantio de mudas de hortaliças
produzidas na própria escola, também auxiliando na limpeza dos canteiros e
manutenção do minhocário...
F. 73 Todas as atividades envolveram os alunos da escola.
F. 83 As crianças têm a responsabilidade de ajuda na horta, regando, retirando
as ervas daninhas e também ajudando na colheita.
F.88 Ele é realizado na escola com a participação de todos os alunos, desde o
berçário até o 1º período, com alunos de 4 anos. A turma do berçário e grupo de 1
ano cultiva o tomateiro na porta das salas, pois as crianças ainda não conseguem se
locomover diariamente para a horta. As turmas de 2, 3 e 4 anos visitam diariamente
a horta, com rodízio dos alunos para a observação e cuidados necessários.
[...] uma educadora que montou um cronograma de horários com a
participação de todas as salas diariamente na horta, pomar, jardim e galinheiro. De
40 em 40 minutos 5 alunos de cada turma são convidados na sala de aula para
participarem de Projeto, de forma que durante a semana sua presença é garantida
pelo menos uma vez.

IV.c Material utilizado


F.7 [...] materiais necessários para o processo de implantação, tais como:
regadores, enxadas, garfos, colher de jardineiro, sementes e carro de mão. [...]
F.30 [...] com auxilio de um trator, a prefeitura realizando os canteiros e
iniciando o plantio, o adubo utilizado foi doado por uma mãe, adubo orgânico.
F.42 [...] A empresa em questão disponibiliza sementes, equipamentos e mão
de obra técnica especializada para a viabilização da horta em cada unidade escolar.
(A empresa, cujo nome foi aqui omitido, é uma multinacional.)
F.54 Forneceu os equipamentos, como: carrinho de mão, enxada, rastelo,
mangueira, canos e torneira para canalizar água, sementes de hortaliças, e todos os
outros materiais...
155

F. 56 [canteiros] construídos a partir de garrafas pet, possibilitando economia e


o reaproveitamento de materiais.

IV.d Segurança e adaptações do espaço físico


F.14 A reestruturação do espaço deu-se com a reformulação do "layout" da
horta; (todo com garrafas pet); a parte referente ao paisagismo foi feita com
desenhos de autoria dos alunos (pré-projeto).
F.17 [...] após um planejamento, foram desenvolvidos cerca de 15 canteiros
(20m x 2m)[...]
F.33. [...] foram criadas hortas aéreas, em formato de mandalas e até como
canteiros de muros.
F.40 A horta que tínhamos era pouco utilizada pelas crianças, pois era
inadequada e não tinha acesso, sendo que as mesmas precisavam pular em cima
dos canteiros para alcançar as hortaliças.
[...] A horta está construída num espaço agradável e de fácil acesso para as
crianças.
F.51 Deve-se observar que o acesso das crianças à horta não deve oferecer
risco algum de acidentes.

IV.e Dificuldades e formas de superação


F.1 Fazer a programação de quantidade e/ou rotatividade das hortaliças nos
canteiros [...]
F.3. Houve dificuldade da criança perceber a diversidade da necessidade de
mudança de hábitos na alimentação e introduzir um cardápio saudável no dia-a-dia.
F.4 Financiamento para construção dos canteiros. Conscientização dos alunos
na mudança de hábitos alimentares – a maioria não tinha o hábito de comer
verduras e legumes – antes do projeto todas as verduras tinham que ser passadas
no liquidificador, hoje nossa escola vive outra realidade.
F.11 A manutenção da horta é a parte mais difícil de ser feita. Como não há
funcionário específico para essa atividade, normalmente se distribui entre vigias,
serventes, auxiliares de limpeza, etc. No inverno rigoroso (período chuvoso), as
hortas declinam sua produção devido às chuvas intermitentes. A limpeza dos
156

canteiros sempre acarreta meias discussões a respeito de quem vai fazê-la. Para
2012, estamos implementando um plano de ação para estimular e motivar os
profissionais a realizar a manutenção das hortas, sejam professores, alunos, vigias,
merendeiras, etc.
F.58 Escassa mão-de-obra para a construção dos canteiros e transporte para
insumos [...].
F.74 Garantir a participação efetiva de todos os alunos; mudança dos maus
hábitos alimentares.
F.77 A falta de conhecimento técnico foi a maior dificuldade. Assim como o
planejamento de como trabalhar a horta de forma interdisciplinar em sala de aula a
longo prazo.
F.89 [...] encontrar um profissional com perfil para trabalhar com Horta Escolar
e as etapas de limpeza e preparação do terreno a ser cultivado.

IV.f Participação da comunidade escolar e entorno (não estudantes)


F.8 Em relação aos participantes menciona somente 1 técnico agrícola, 24
professores, e 420 alunos da escola. Não faz referência aos pais nem aos demais
membros da comunidade.
F.63 [...] existe o voluntário que cuida diariamente da horta.
F.69 Menciona como envolvidos [...] Os alunos, professores, merendeiras,
coordenadora pedagógica, da coordenadora merenda e hortelão.
F.72 [...] possamos envolver cada pai nesse modelo de agricultura e que assim,
aprendam com os filhos que existem outras formas de obter uma renda dentro da
pequena propriedade...
F.79 [...] a escola conta com um funcionário que cuida regularmente dos
afazeres da horta e outros serviços.

Os pretensos objetivos com a horta encontram correspondência com os


resultados alcançados relatados nas respostas à pergunta n.7 do formulário (Quais
os resultados alcançados?), desde os mais diretos, como o aprendizado de
técnicas de cultivo e o envolvimento da comunidade escolar, até aqueles indiretos
e/ou mais difusos e de difícil mensuração, como a melhoria da aprendizagem em
geral e, especialmente, a conscientização e a mudança nos hábitos alimentares. O
157

objetivo da horta para a complementaridade qualitativa e/ou quantitativa do PNAE se


efetiva em muitos casos de acordo com o descrito. O mesmo pode ser dito sobre a
possibilidade da horta: estimular o consumo, incentivar, promover maior aceitação,
vir a ter maior adesão em relação à merenda escolar, indicando que aqueles são
passíveis de alcance.
Assim se fez a inclusão de mais uma Unidade de Análise e suas subunidades.

V Resultados alcançados
V.a Inserção de alimentos na alimentação escolar
F.1 Hoje as hortas abastecem em torno de 50% da demanda das escolas [...]
F.86 Produção de hortaliças orgânicas para complementação da merenda
escolar [...]

V.b Aumento da aceitação/ consumo de verduras e legumes na escola


F.1 [...] a principal mudança foi na aceitação e no consumo de verduras pelas
crianças especialmente de 0 a 6.
F.7 […] aumento do consumo de hortaliças no dia a dia, embora ainda haja
uma certa resistência ao consumo de verduras.
[...] pequenas mudanças no comportamento alimentar dos alunos.
F.13 [...] aumentaram o consumo de alimentos produzidos por eles mesmos
com técnicas orgânicas.
F.27 Aumento da adesão, redução das sobras, mudança de hábitos, inclusão
de novos alimentos e educação alimentar.
F.29 [...] várias mudanças ocorreram, sendo a principal a mudança nos hábitos
alimentares pelo consumo total dos produtos hortaliços ofertados na merenda
escolar.
F.81 O consumo de verduras e legumes aumentou significativamente. O
desperdício destes diminuiu cerca de 80% comparado com o ano de 2010.
F.86 [...] aumento no consumo de hortaliças entre as crianças que participaram
ativamente no cultivo das hortas em suas escolas.

V.c Melhoria na aprendizagem em geral


F. 41 [...] melhoria na aprendizagem [...]
158

V.d Integração entre os membros da comunidade escolar e desta com o


entorno
F.2 Maior integração escola e comunidade, melhoria no nível de socialização
das crianças.
F.77 [...] trouxe como principais benefícios a maior integração dos alunos com
a aceitação dos alimentos plantados, maior participação em sala de aula; sentimento
de inclusão...
F.86 [...] interação entre a comunidade escolar e voluntários [...]

V.e Conscientização
F.4 Conscientização sobre a importância das vitaminas na alimentação [...].
F.45 A conscientização da importância e do valor nutricional dos alimentos
produzidos sem agrotóxicos, a produção de hortaliças para a merenda escolar e a
valorização de amor pela terra.
F.52 [...] maior conscientização dos alunos em consumir alimentos saudáveis...
F.85 [...] Conscientização sobre uma alimentação saudável.

V.f Aquisição de conhecimentos técnicos sobre agricultura


F.13 [...] Aprenderam que resto de alimento, folhas, podem virar composto
(adubo), acompanharam neste período a mudança, melhoria na terra [...].
F.87 [...] para que os alunos possam executar as novas técnicas de plantio em
suas próprias lavouras.

V.g Formas de avaliação


F.7 […] conforme relatos de merendeiras, professores e diretores, contribuiu
com mudanças significativas no comportamento alimentar dos alunos [...]
159

4.2.1.3 Material C: registros referentes ao projeto Horta escolar urbana: espaço para
a construção de práticas educativas inovadoras para a educação em ciências e
saúde.

Os registros são relativos à intervenção com horta ecológica em escola pública


no Rio de Janeiro com o projeto Horta Escolar Urbana: Espaço para a Construção
de Práticas Educativas Inovadoras para a Educação em Ciências e Saúde / Edital
FAPERJ de Apoio à Melhoria do Ensino em Escolas da Rede Pública Sediadas no
Estado do Rio de Janeiro-2011/Observatório da
Educação/CAPES/INEP/NUTES/UFRJ, cujo o objetivo foi a estruturação físico-
pedagógica da horta.
O projeto foi esboçado a partir de vários elementos reunidos em pesquisas e
ações desenvolvidas pela equipe do Observatório da Educação, do qual faço parte
e, especialmente, em minha experiência pessoal com hortas escolares e em
investigação etnográfica realizada durante o mestrado sobre o tema e seus
respectivos desdobramentos em eventos diversos na forma de exposições orais
seguidas de debates, troca de experiências e oficinas oferecidas para membros da
comunidade escolar.
Ao longo dos anos de minha atividade docente, no ensino fundamental,
trabalhei com hortas em diferentes situações. O mestrado proporcionou o
aprofundamento teórico. Houve a intenção de que o projeto se configurasse em
oportunidade de prática reflexiva, um exercício coletivo de práxis: ação-reflexão-
ação. O fato da equipe do Observatório ser multidisciplinar4 foi fundamental para o
processo, trazendo vários olhares, sob diferentes ângulos, para a questão.
A ação se insere em Projeto amplo denominado Mapeamento e delimitação da
alimentação escolar no Brasil: conhecendo e discutindo oportunidades no campo da
educação alimentar e nutricional, aprovado pelo parecer n.69/2011, processo
n.72/2010 do Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Estudos de Saúde
Coletiva, com a anuência da Secretaria Municipal de Educação e dos gestores da
unidade de Ensino.

4
Entre os estudantes de Iniciação Científica, mestrandos, doutorandos e colaboradores nos projetos temos
tido membros oriundos de diferentes áreas de conhecimento como Educação, Sociologia, Biologia, Veterinária,
Artes, Enfermagem, Psicologia, Nutrição, Gastronomia e Comunicação.
160

As atividades ocorreram ao longo do ano de 2012, planejadas sob coordenação


da equipe multidisciplinar idealizadora do projeto, atingindo de forma direta 150
estudantes do ensino fundamental e infantil, 50 pais destes, 10 professores, a
diretora adjunta, a coordenadora pedagógica, 6 funcionários e, indiretamente, 350
estudantes e demais membros da comunidade escolar.
Na fase preparatória aconteceram reuniões com gestores da escola para a
definição de estratégias de ação e, também, oficinas para professores e demais
funcionários – com ênfase naqueles responsáveis pela confecção da alimentação
escolar – para a apresentação, sensibilização e convite à participação. A dinâmica
consistiu em exposição temática com a utilização de recursos tecnológicos audiovisuais,
elementos multissensoriais relacionados à horta e a alimentação escolar e plantio de
temperos. Houve estímulo à autoapresentação com relato das experiências pessoais,
das expectativas e das percepções sobre a relação horta-escola-alimentação e as
possibilidades de participação na atividade. Ocorreu, aproveitando a reunião do
calendário escolar, apresentação da proposta para os pais. Foram colhidas impressões
e propostas para que as ações estivessem de acordo com a dinâmica da escola. Houve
consenso de que a atividade seria oferecida no contraturno da maioria das turmas,
quando já ocorriam outras atividades extracurriculares e de que os estudantes seriam
informados e, voluntariamente, inscritos pela diretora adjunta.
Participaram regularmente das atividades e dos encontros semanais para
planejamento, execução e avaliação das ações: três estudantes do Ensino Médio, ex-
alunos da escola, sendo dois bolsistas e um voluntário; cerca de 15 escolares de
idades/sexos/turmas diversos que se inscreveram espontaneamente para participar da
atividade no contraturno; a diretora adjunta; a coordenadora pedagógica e duas
agrônomas do Horto Universitário, que prestaram apoio técnico. Havia três membros do
Observatório responsáveis diretos pela aplicação do projeto, sendo um Sociólogo e
agricultor orgânico, uma Licenciada em Biologia e mestranda em Educação em
Ciências e Saúde, além de mim, professora de Ciências da rede pública e doutoranda
em Educação em Ciências e Saúde, com as funções de ministrar as oficinas, coordenar
as ações e buscar agir de forma igualitária no planejamento e nas práticas de plantio,
cuidados, colheita e culinária. Além dos citados, devido ao interesse da escola em
oferecer uma opção diferenciada, no turno regular, às turmas do projeto de aceleração
(escolares com defasagem idade-série e/ou dificuldades de aprendizado), foram
integrados à horta, com atividades semanais, estudantes oriundos de duas turmas,
161

cada qual com 25 estudantes e seus respectivos dois professores. Ocorreram, ainda,
algumas ações menos regulares e em horários alternativos a fim de atender outras
turmas.
Foram usados recursos auxiliares como vídeos, fotografias, livros, jogos e visita à
unidade de pesquisa agroecológica. Muitas ações tiveram desdobramentos conduzidos
pelos estudantes em seus lares e outras foram elaboradas considerando os saberes
trazidos desses espaços.
Ao final de cada ação, os três responsáveis pela aplicação do projeto redigiam
relatórios que eram trocados por meio eletrônico e submetidos aos demais adultos da
equipe permanente para complementações e ajustes, resultando em um relatório
amplo.
Trata-se de uma experiência emblemática para os objetivos da pesquisa por ter
sido concebida a partir da análise de ações pretéritas, da assunção do esforço
contra-hegemônico e da aproximação dos referenciais teóricos que embasam a
presente investigação. Houve a intenção de desenvolver uma estrutura que
propiciasse a implantação e manutenção da horta escolar para o desenvolvimento,
experimentação, avaliação e reformulação de práticas educativas que
perpassassem a mesma.
As ações foram orientadas pelo enfoque CTS (AULER e BAZZO, 2001) e pelas
críticas feitas ao processo que culminou com o modelo agroalimentar instalado no
Brasil e pelas proposições de modos alternativos de produção apoiados nos
conhecimentos construídos historicamente pelos camponeses em sua relação
próxima com seu entorno (MOREIRA, 2000). Desse modo, a horta foi concebida
para o espaço escolar urbano como ação pedagógica potencialmente capaz de
contribuir para ampliar a compreensão das produções e intervenções tecnológicas
no ambiente e de suas respectivas consequências, alicerçando a postura
questionadora desejável em professores e em escolares nas aulas orientadas pelos
objetivos CTS. Reconhecem-se as especificidades da agricultura brasileira ao serem
consideradas situações históricas que resultam em sentimentos diversos e, por
vezes, conflituosos em relação à sua prática, resultando no entendimento de que a
agricultura pode ser um instrumento pedagógico que permite refletir também sobre
as dimensões que envolvem afinidades e rejeições pelo seu exercício (SILVA et al.,
2011).
162

Algumas ambições iniciais da equipe não foram alcançadas, como o


envolvimento mais amplo e intenso dos atores sociais que compõem a comunidade
escolar. Embora tenham sido realizadas oficinas, com boa aceitação, com todos os
professores, com os funcionários de apoio (com ênfase naqueles que preparam a
alimentação escolar) e com os pais dos estudantes, somente alguns desses atores
estiveram envolvidos nas ações subsequentes.
A leitura do projeto demonstra que não havia determinação prévia dos
pormenores das ações, estas foram sendo construídas pautadas nos pressupostos
ideológicos, nos objetivos gerais e específicos correspondentes e adaptadas em
função da realidade que foi se apresentando pela estrutura escolar e nas relações
estabelecidas nesse espaço cotidianamente. Assim, as unidades de análise exibem
elementos diferenciados que contribuem para a identificação e reflexão do ausente
nos relatos anteriores (e que representam características das experiências em curso
no Brasil), para a evidência de seus equívocos, bem como para seus avanços e
potencialidades.
Compõem o corpus da investigação: 21 relatórios digitalizados referentes a
diferentes dias de realização de atividades na horta escolar e 19 e-mails trocados entre
membros da equipe para tratar de assuntos referentes à horta. Os documentos foram
lidos e desmontados visando ao estabelecimento de Unidades de Análise que foram
codificadas como UA. C.

Fragmentando os relatórios e constituindo Unidades de análise a partir da


identificação de elementos de significado.

I Compreensão ampla da realidade e possibilidades contra-hegemônicas


I.a Modelo de agricultura
UA.C Recebemos a visita do Agrônomo [...] (EMBRAPA Agrobiologia-
Fazendinha Agroecológica) [...] Sua presença foi importante, não só no
planejamento da construção efetiva da horta, como para sugestões e troca de
experiências relativas a técnicas agroecológicas.
UA.C Usamos o vídeo “fome no Brasil” [...] O cerne do vídeo é que a
desigualdade entre os homens gera fome [...] Falei da produção para exportação-
fome [...].
163

[...] Apresentei o conceito de monocultura e policultura; agronegócio e


agricultura familiar; até chegar à agroecologia.

I.b Ecologia de saberes, outras ecologias


UA.C [...] Retomamos a questão da jurubeba e o desconhecimento de seu uso
culinário, associando, também, às mudas de ora-pro-nóbis e capuchinha, trazidas
por [membro da equipe] [...]. Outras foram mencionadas: caruru, beldroega, bertalha.
[uma estudante] conhecia a ora-pro-nóbis; [outro estudante] a bertalha. Os
estudantes ficaram com a tarefa de entrevistar pessoas da família sobre plantas
comestíveis pouco conhecidas, não vendidas nos mercados. Optamos por não
chamá-las de “não convencionais” como é usado na literatura clássica agronômica.
UA.C [...] três alunos conheciam e mencionaram estados do Nordeste onde
teriam tido a oportunidade de ver plantações. Indaguei sobre como imaginavam um
pé de feijão adulto e produzindo feijão. A maioria falou em pequenas árvores o que
causou um olhar de “cumplicidade” e “superioridade” por parte daqueles que
detinham o conhecimento.
UA.C Sobre o arroz o desconhecimento foi total e suscitou muitas brincadeiras
na tentativa de imaginar a planta. [...] esclareci que teríamos a oportunidade de
conhecer na horta as plantas mencionadas e que havia trazido as sementes para
isso.
UA.C [...] acho importante a horta na escola, até para as crianças saberem da
onde vem o alimento [...] eu acho que eles acham que abóbora dá em árvore,[...]
(Professora)
UA.C Hoje fizemos uma oficina com as merendeiras e os demais funcionários
de apoio [...] que se caracterizou pela participação, muito diálogo e culminou com o
plantio de mudas de temperos.

UA.C Uma delas [estudante] é do Pará e já morou em sítio, porém, pareceu


querer dar a impressão de que tem pouca intimidade com a “roça”. Alegou ter medo,
nojo de bichinho.
UA.C Houve um momento em que duas meninas que estavam ocupadas na
retirada dos blocos pediram para pegar as enxadas que estavam com os meninos
para capinar. Tal fato chamou a atenção de outra menina, a qual fez alusão à
atividade como sendo masculina. “Isso não é trabalho de mulher”. Colocamos o
164

assunto em discussão [...]. Acrescentamos elementos, tais como o papel das


trabalhadoras rurais [...].

I.c Aprendizado do gosto


UA.C [...] realizamos uma atividade de reflexão e registro sobre as etapas que
vão da produção até o consumo do alimento. Foram utilizados grãos de milho, fubá
e bolo de fubá. [...] Somente dois afirmaram conhecer um pé-de-milho [...]
Apresentamos o fubá. Todos reconheceram: “Para fazer angú”; “Cuscuz?”; “Bolo de
Fubá!” [...] chegamos ao consumo. Apresentamos o bolo de fubá, comentamos a
respeito, mencionaram a família, interior de Minas, avô, avó...

I.d Perspectiva interdisciplinar e/ou transdisciplinar


UA.C As contribuições foram sendo registradas no quadro pelos próprios
alunos. À medida em que sugeriam e escreviam, perguntavam sobre a grafia correta
e aproveitamos para indagar sobre os conhecimentos prévios (características,
usos...) a respeito das plantas mencionadas.
UA.C Alguns estudantes se detiveram observando uma joaninha. Aproveitamos
a oportunidade para falar a respeito, esteticamente e ecologicamente.
UA.C Membro 1 [...] Fui inspirada por algumas leituras durante a semana e
estou com várias ideias [...] Reforçar a ideia de cooperação [...] Poderia ser uma
oportunidade da gente chamar a atenção para o ato da alimentação num sentido
biológico. [...] Talvez até chamando atenção para todo o desequilíbrio ecológico [...]
E talvez fazer essa reflexão em relação aos outros ingredientes, pão vem de um
grão, o óleo de oliva vem de um fruto etc... (Troca de e-mails entre os três
membros da equipe executora do projeto sobre a preparação da atividade de
colheita, preparo e consumo)

III Objetivos da atividade


III.g Ensinar o conteúdo de Ciências
UA.C Está previsto no conteúdo curricular o tema alimentação abordando
questões como: processos de produção e consumo, segurança alimentar e
alimentação saudável [...]
165

IV Desenvolvimento da atividade
IV.a Habilidades e conhecimentos necessários para elaborar e conduzir a
atividade
UA.C Ontem apareceram mais três alunos que mostraram interesse em
participar da oficina de hortas. Eu, que sou "desse jeito permissivo", deixei. Só que
eles atrapalharam o tempo todo.
UA.C [Os agrônomos] forneceram orientações técnicas, inclusive alertando
sobre alguns descuidos e equívocos cometidos no plantio dos rabanetes [...]
UA.C Oficina com professores - [...] eu tive vontade de fazer, mas imagina,
não sabia fazer nada, eu levava minha turma lá pra trás, alguns alunos muito
interessados pegavam a enxada, a gente capinou o terreno primeiro, mas aconteceu
que mais de 40 alunos naquele espaço, (um queria usar a enxada no pé do outro)
então a coisa não funcionou, infelizmente não deu pra andar, e eu fiquei meio
frustrada, porque era uma coisa que eu queria ter conseguido fazer, mas não deu.
(professora de Ciências)

IV.d Segurança e adaptações do espaço físico, ferramentas adaptadas


UA.C [...] à medida que fossem identificando coisas importantes que
necessitam ser compradas, para fazerem o registro em papel deixado sobre a mesa
para esse fim. Foram registrados: repelente, protetor solar, sabonete, varal para
secagem das luvas, vassoura, mais botas pequenas [...]
UA.C [...] alunos que fizeram questão de dar continuidade à montagem dos
canteiros, desconsiderando a chuva fina que caía. Foi sugerida a necessidade de
adquirirmos capa de chuva.
UA.C Adquirimos uma “enxada de jardim” e estamos estudando a possibilidade
de adaptá-la com cabo de vassouras ao uso de crianças menores. As enxadas
usuais são grandes e pesadas, impróprias para crianças...
UA.C Outro sugeriu que a horta deveria ser grande para que pudéssemos
plantar muitas coisas e coubessem muitos alunos. As crianças fizeram simulações
para calcularmos o tamanho ideal dos canteiros e dos espaços entre eles. Foi
sugerida, pelos alunos, a elevação do espaço central da horta para facilitar as
demonstrações/ exposições orais.
166

IV.e Dificuldades e formas de superação


UA.C [...] foi procurar a direção para saber se podemos oferecer alimentos fora
da merenda, e, pelo o que eu entendi, não seria permitido.
UA.C Decidimos que faríamos plantios de culturas pouco exigentes e que
possam crescer bem durante o período de férias. Assim, no retorno das aulas,
teremos não somente “mato”, mas algo que possa ser colhido [...].
UA.C Explicamos que iríamos passar a fazer as atividades junto aos alunos
das turmas de Acelera [defasados série-idade]. Os alunos tiveram uma reação
negativa. Tentamos enfatizar a importância deles neste processo educativo [...].

IV.f Participação da comunidade escolar e entorno (não estudantes)


UA.C Reunião com os pais - Pai aposentado de um aluno disse que sempre
trabalhou com plantação e com um olhar brilhando perguntou se podia ser voluntário
do projeto: "quero relembrar o que vivi"...
UA.C [...] participamos de uma visita guiada à Fazenda Agroecológica da
EMBRAPA [além dos estudantes e seus professores, foram também a diretora
adjunta e a coordenadora pedagógica, as agrônomas que dão orientação técnica, e
os responsáveis pelo projeto] [...].

IV.g Estratégia didática


UA.C Foi bacana quando todos terminaram de fazer suas exsicatas, deixaram
dispostas no chão dando a noção da variedade de plantas que foram coletadas. Isso
corroborou com a ideia de que não existe "um" mato ali, e sim, uma DIVERSIDADE
de plantas [...] [o destaque da palavra aparece no relatório].
UA.C Agora realizamos uma atividade de reflexão e registro sobre as etapas
que vão da produção até o consumo do alimento. Foram utilizados grãos de milho,
fubá e bolo de fubá.
UA.C Percebemos que o empenho físico mais intenso em prol da construção
efetiva da horta teve um efeito muito positivo no ânimo dos alunos: “Foi o dia mais
legal, foi hoje!”
UA.C [fala da direção] [...] para que os alunos façam algo mais prático na horta,
pois eles [os professores] percebem que estas aulas teóricas parecem não estar
acrescentado nada.
167

UA.C Informei-lhe [ao aluno] que o papel dos mais velhos é fundamental para
apoiar nosso trabalho como monitores dos mais novos. Falei que há atribuições
diferentes de acordo com a idade [...].
UA.C [meninas dessa turma estavam resistentes em relação ao trabalho na
horta] Reforçamos a discussão retomando o assunto da visita à Fazendinha, UFRRJ
e ao CETUR, onde teriam a oportunidade de ver várias meninas no curso de
Agroecologia (ensino médio), na Universidade fazendo graduação em Agronomia,
Veterinária e, na Fazendinha, as pesquisadoras nessas áreas. Além da [nome] e da
[nome], que são as agrônomas que nos assessoram tecnicamente [...]. Elas foram
conosco e passaram a observar o trabalho dos meninos.
[...] Num dado momento, elas decidiram que também queriam trabalhar e três
delas pediram para colocar as luvas e as botas. Alguns meninos fizeram piadinhas e
algumas brincadeiras maliciosas, foi quando [membro da equipe] sugeriu que
fizessem um canteiro, sozinhas [...]. Essa estratégia funcionou muito bem. Alguns
meninos (outros mais “sérios”) se aproximaram do canteiro delas, ensaiaram uns
palpites e passaram a ajudar, embora elas tenham demonstrado autonomia e
empenho no serviço.
Troca de e-mails entre três membros da equipe executora do projeto
sobre a preparação da atividade de colheita, de preparo e de consumo do
alimento cultivado:
UA.C membro 2 [...] Como envolvê-los, como motivá-los, como sensibilizá-los
para essas reflexões? Durante a semana, pensei várias vezes nesses rabanetes e
não conseguia fechar uma proposta consistente e interessante [...] Podemos
preparar uma sessão cronológica de fotos e exibir no P.P. dando "concretude" ao
que já fizemos e à importância da participação de cada um. [...] seria o caso de
pensarmos numa receita bem interessante, mesmo que usemos/levemos outros
ingredientes [...] vasilhas para um manuseio organizado e esteticamente bonito...
No corpo do relatório do dia 20/08/2012 uma descrição da atividade
desenvolvida
UA.C membro 1 [...] Depois colheu-se a rúcula [...] A [membro da equipe]
sugeriu à professora que viesse junto à horta, pois às vezes a mesma se mantém
afastada da atividade.
168

[...] Logo após, os alunos foram conduzidos para a sala. A [membro da equipe]
fez uma exposição das fotos que mostram o desenvolvimento do trabalho feito
desde o começo do projeto [...]
O petisco foi composto de 1/6 de fatia de pão integral, rodela de rabanete e
folhas de rúcula temperadas com azeite e sal e um pedaço de queijo minas padrão
espetados por um palito.
Organizamos o refeitório com uma bancada frontal para a exposição e cadeiras
em forma de U para os estudantes.
[...] A bancada estava arrumada e as bandejas para a degustação já estavam
prontas quando os alunos chegaram. O [membro da equipe] fez uma exposição
sobre os ingredientes utilizados e a origem desses alimentos; fez a demonstração da
preparação de forma sutilmente bem-humorada. Foi feita a degustação do espetinho
que foi servido aos alunos e depois eles foram convidados a experimentarem só o
rabanete e a rúcula separadamente.
Os alunos gostaram do espetinho e repetiram algumas vezes, mas ao
provarem a rúcula e o rabanete puros, faziam caretas e comentários “é muito forte”
de forma tranquila e educada. Percebemos que a postura dos alunos foi de atenção
e respeito para com a atividade, possivelmente pela forma organizada e bela que
esta atividade foi desenvolvida.
Aqui, a mesma atividade é descrita em e-mail do membro 2 da equipe
executora para o coordenador do projeto
A coisa foi bem planejada: colheita com certa "solenidade"; exposição das
fotos/ comentários das etapas percorridas até aqui e, enquanto isso, foi preparado o
refeitório para uma demonstração culinária (tipo programa de TV). O [membro da
equipe] (escolhemos, de propósito, para a reflexão de gênero) atacou de CHEF, de
avental vermelho, numa mesa arrumadinha e bem colorida, com os
petiscos/espetinhos coloridos compostos de quadradinhos de pão de forma+
rodelinha de rabanete+ queijo + rúcula, temperados com azeite, sal, alho torrado,
orégano e gergelim... bandejas com paninhos brancos bordados.... Falou sobre a
importância do ato de cozinhar e sobre cada ingrediente, origem... (e eles super
atentos!) que deixamos estrategicamente expostos... Fez a demonstração da
montagem do pestisco e em seguida comeu com prazer. A seguir, servimos... Eles,
que normalmente são meio truculentos, se mostraram super educados e até as
reações ao amargo, picante, foi tranquila. Nenhum deles havia provado antes
169

rúculas ou rabanetes! As reações foram diversas, desde aqueles que repetiram e,


alguns até quiseram experimentar os sabores, separadamente, do rabanete e da
rúcula (estavam cortados sobre a mesa e nós fazíamos e estimulávamos isso – eu,
[membro da equipe], [outro membro da equipe] e outros visitantes); outros disseram
não ter gostado, mas não houve essa coisa de nojo, de cuspir.... e só uma menina
que não aceitou experimentar.

V Resultados alcançados
V.c Melhoria na aprendizagem em geral
UA.C A adjunta e a coordenadora manifestaram muita satisfação com o
trabalho que tem sido desenvolvido, em função dos relatos dos professores das
turmas envolvidas e com os funcionários. Estão surpresas com o interesse e
comportamento dos alunos nas atividades da horta, dando a entender que eles já
não tinham “esperança” no envolvimento destes alunos.

V.h Disposição para a experimentação de novos sabores


E-mail de membro da equipe executora para o coordenador geral do
projeto
UA.C Fizemos a primeira colheita, preparo e consumo com os alunos e
jogamos "pesado": rabanetes e rúculas! Eles comeram!!!!!!! Foi um sucesso! É
possível!
[...] Os alunos gostaram do espetinho e repetiram algumas vezes, mas ao
provarem a rúcula e o rabanete puro, faziam caretas e comentários “é muito forte” de
forma tranquila e educada [...]
UA.C O grupinho da horta começou conversando sobre a atividade anterior
[colheita, preparo e consumo de rúculas e rabanetes]. A [estudante] falou que
preparou o espetinho na sua casa como a gente havia preparado, só acrescentando
presunto. Ela afirmou que irmãos e primos comeram, mas que a mãe não comeu,
afirmando não gostar de rabanete. A [outra estudante] também comentou que a mãe
dela não gosta de rabanete, mas gosta de rúcula.
170

4.2.1.4 Outros achados...

O envolvimento intenso com o objeto de pesquisa torna inevitável que a


atenção se volte para tudo que possa ter qualquer relação com o mesmo. Assim, há
uma infinidade de informações que, estando fora do material selecionado como fonte
de dados para compor o corpus da investigação, vão inevitavelmente influenciar o
olhar e guiar as análises. Houve a consideração de que seria mais honesto e
esclarecedor assumir tal condição e contextualizar achados avulsos e aleatórios.

Universitat Autònoma de Barcelona e a Agroecologia Escolar

Foram obtidas informações sobre hortas a partir de contato pessoal e no livro,


ainda no prelo, La agroecología escolar: un punto de vista local (Germán Llerena y
Mariona Espinet), enviado por e-mail por um dos autores. A experiência relatada
baseia-se em princípios coincidentes com aqueles escolhidos para a presente
investigação e, portanto, contribui para reforçá-los e ampliá-los.
Há cerca de cinco anos a Universitat Autònoma de Barcelona (UAB) vem
desenvolvendo, na forma de parcerias, diversas iniciativas no âmbito da
Agroecologia Escolar no município de Sant Cugat del Vallès, localizado na zona
metropolitana de Barcelona/Espanha e com aproximadamente 80 mil habitantes.
Esse trabalho potencializa a colaboração entre escola e comunidade promovendo
mudanças na escola e o desenvolvimento comunitário. Defende-se uma educação
para a sustentabilidade crítica. Cada ação é planejada em função das
especificidades locais de modo que cada processo tem características únicas.
Vale acrescentar que, na troca de correspondência eletrônica com um dos
autores, houve por parte deste algumas ponderações em relação aos objetivos da
pesquisa ora apresentada, traçando um paralelo entre o que tem sido realizado em
Barcelona e a presente pesquisa. O autor reconheceu a presença e a importância da
perspectiva crítica em ambos os projetos, assim como as dificuldades e os objetivos
em comum, porém, argumentou que não consideraria adequado o estabelecimento
de critérios. Em sua opinião, tal atitude equivaleria a impor normas, o que inibiria a
criatividade dos atores sociais envolvidos e poderia comprometer a sua capacidade
crítica. Sua aposta é no acompanhamento crítico do processo.
171

As preocupações mencionadas foram acolhidas e auxiliaram no refinamento e


na consolidação da proposta ora apresentada. No entanto, trabalhamos com noção
de parâmetros e é coerente admitir que estes encaminham a adoção critérios
pertinentes que, por sua vez, estabelecem situações de conflito com os
procedimentos formatados pelo modelo vigente, favorecendo a construção de
conhecimento a partir de uma nova perspectiva.

Quintas Pedagógicas em Portugal

As Quintas Pedagógicas são espaços cuja intenção é o desenvolvimento de


atividades educativo-pedagógicas que envolvem o contato de escolares urbanos
com elementos do meio rural. Há modalidades diferentes, sendo algumas privadas,
públicas ou ainda algumas onde se estabelecem parcerias.
No primeiro semestre de 2013, por ocasião de estágio na Universidade do
Minho em Portugal, visitei duas Quintas Pedagógicas. Uma municipal, na cidade de
Braga/Portugal, foi criada com a finalidade de oferecer ações pedagógicas
relacionadas às tradições rurais locais, práticas agrícolas, pecuária, hortas
biológicas e experimentação ambiental para pré-escolares e estudantes das séries
iniciais do ensino básico. São desenvolvidas atividades de plantio, cuidados com os
animais tradicionais na pecuária local, confecção de pães, de compotas e de doces
tradicionais.
A visita e a entrevista com a coordenadora do espaço forneceram algumas
outras informações. Ela é agrônoma e é responsável pela elaboração das atividades
pedagógicas desenvolvidas. Não há uma equipe, não há um profissional da
educação. As atividades de culinária são conduzidas por uma funcionária de
serviços gerais, com conhecimento prático.
Os estudantes da rede pública visitam o espaço por meio de agendamento
prévio e com transporte gratuito. A informação dada é de que algumas escolas se
sentem motivadas a ter sua horta a partir da visita e que a Quinta pedagógica, nesse
caso, garantiria o suporte técnico. Porém, não consegui obter a indicação de
nenhuma escola com esse perfil.
Se por um lado é bem interessante a ideia de um suporte específico para o
atendimento às escolas, o cronograma anual de visitas só permite que cada escola
visite o espaço, no máximo, duas vezes ao ano.
172

O outro espaço na cidade do Porto, também visitado, mostrou uma dinâmica


diferente. A coordenadora é engenheira ambiental e foi quem forneceu informações
e acompanhou a visita. A Quinta faz parte de uma Fundação e mantem, além do
esquema de agendamento de visitas, trabalho semanal com escolas de seu entorno.
O slogan da Quinta é a Educação para o meio ambiente e atende a pré-escolares de
3 a 5 anos. A quinta pedagógica funciona com uma equipe multidisciplinar, na qual
se insere o profissional da educação.
Os objetivos informados das atividades foram: contato com o ciclo da natureza,
desenvolver a afetividade, sensibilidade...
Durante a visita, havia uma turma de crianças em atividade. O dia estava
ensolarado e as crianças usavam chapéus ou bonés. As escolas recebem
orientações nesse sentido e sobre o uso de roupas adequadas, calçados fechados,
preferencialmente botas e capas para dias chuvosos. Usavam como ferramentas um
Kit de jardinagem específico para crianças e aventais.
Chamou a atenção o fato do espaço entre os canteiros estar com um
revestimento sintético. A informação dada é que à medida que as atividades vão
sendo desenvolvidas surgem necessidades de adaptações e, nesse caso, a
presença ocasional de um estudante cadeirante motivou a adaptação.

Fundação Alícia (Món San Benet/ Espanha)

No ano de 2012, por ocasião de participação em evento sobre alimentação


escolar na cidade de Barcelona/ Espanha, tivemos a oportunidade de visitar as
dependências da Fundação Alícia, inclusive sua horta.
Alicia (Ali-mentació i cièn-cia) é um centro de pesquisa dedicado à inovação
em tecnologia culinária para melhorar os hábitos alimentares, os alimentos e
promover a valorização do patrimônio gastronômico. É uma organização privada
sem fins lucrativos criada em 2003 sediada em Món San Benet, na Espanha.
A horta para as atividades culinárias da instituição é aberta para visitas
orientadas de estudantes da região. Esses, durante a visita, realizam as atividades
comuns em agricultura. As ferramentas usadas pelos estudantes são todas com
adaptações para esse público: enxadas, ancinhos, pás, carrinho-de-mão...
Foi a primeira vez que vi ferramentas e outros equipamentos agrícolas
adequados ao tamanho de crianças. Fiquei muito entusiasmada, pois, até então, não
173

havia pensado nessa possibilidade. O agrônomo responsável pela atividade


informou sobre a existência de uma empresa que fabrica tais materiais.

Horta em escola pública para crianças especiais

Em 2013, ao acompanhar uma colega do grupo de pesquisa em seu trabalho


de campo sobre alimentação escolar em um município do Rio de Janeiro, vi algumas
experiências com hortas, não muito diferentes da maioria. Mas um detalhe
sobressaiu em uma escola que atende a crianças portadoras de deficiência:
canteiros em calhas suspensas com altura adequada para cadeirantes.

4.2.2 Categorização: construindo um mosaico

Como visto, anteriormente, após a definição do corpus e o envolvimento


intenso com suas informações, passou-se à análise dos textos que o compunham.
Estes sofreram um processo de desmontagem em função dos seus elementos de
significado e sentidos para os objetivos da pesquisa, constituindo as unidades de
análise, destacados em retângulos.
Houve o esforço para que cada unidade de análise ou conjunto de unidades
representasse de forma clara e contextualizada um elemento de significado
referente ao fenômeno estudado. Os elementos de significados foram identificados a
partir de bases teóricas já existentes sobre os temas que envolvem a questão, da
percepção particular da pesquisadora e de sua capacidade de identificar o implícito,
auxiliada pelos objetivos e referenciais da pesquisa. As unidades de análise, assim
constituídas, foram matéria-prima para a formulação das categorias de análise
(GALIAZZI e MORAES, 2007). O quadro a seguir exibe a totalidade das categorias
de análise e respectivas subcategorias, obtidas a partir da síntese das unidades de
análise indicadas e classificadas nos itens anteriores:
174

I Compreensão ampla da realidade e possibilidades contra-


hegemônicas
I.a Modelo de agricultura
I.b Ecologia de saberes e outras ecologias
I.c Aprendizado do gosto
I.d Perspectiva interdisciplinar e/ou transdisciplinar

II Possibilidades de reforço de elementos hegemônicos


II.a Visão utilitarista da natureza
II.b Dicotomia bom x ruim
II.c Visão mágica da ciência
II.d Visão restrita sobre a agricultura
II.e. Fragmentação do conhecimento/aprendizagem

III Objetivos da atividade


III.a Ensinar técnicas de plantio
III.b Para usar na alimentação escolar
III.c Ensinar a alimentar-se melhor
III.d Fazer trabalho integrado e contínuo sobre alimentação e meio ambiente
III.e Suprir necessidades específicas de escolares especiais
III.f Incluir o estímulo multissensorial para o aprendizado cognitivo
III.g Ensinar o conteúdo de Ciências
III.h Múltiplos aprendizados
III.i Transformação social
III.j Democratização do espaço escolar e participação da comunidade

IV Desenvolvimento da atividade
IV.a Habilidades e conhecimentos necessários para elaborar e conduzir a
atividade
IV.b Forma de participação dos estudantes
IV.c Material utilizado
IV.d Segurança e adaptações do espaço físico
IV.e Dificuldades e formas de superação
IV.f Participação da comunidade escolar e entorno (não estudantes)
IV.g Estratégia didática

V Resultados alcançados
V.a Inserção de alimentos na alimentação escolar
V.b Aumento da aceitação/consumo de verduras e legumes na escola
V.c Melhoria na aprendizagem em geral
V.d Integração entre os membros da comunidade escolar e desta com o
entorno
V.e Conscientização
V.f Aquisição de conhecimentos técnicos sobre agricultura
V.g Formas de avaliação
V.h Disposição para a experimentação de novos sabores
Figura 6: Totalidade das categorias de análise, e respectivas subcategorias, obtidas a partir da
síntese das unidades de análise.
175

A combinação de processos intuitivo e indutivo alicerçou a produção das


categorias apresentadas que podem, então, ser caracterizadas como categorias
emergentes. O primeiro processo pôde ser identificado quando, impregnado pelos
dados, mas ainda sem a filiação a uma forma estruturada de análise, o fenômeno
investigado foi visto como um todo. O segundo se caracterizou pelo movimento de
confrontação e comparação entre as unidades de análise e destas com o contexto
mais amplo das experiências da pesquisadora e referenciais teóricos afins. Assim,
as categorias, elaboradas sob a égide do paradigma emergente, foram nomeadas e
definidas contemplando a subjetividade da pesquisadora e o foco na qualidade, a
ideia de construção, a abertura ao novo (GALIAZZI e MORAES, 2007, p. 25).
Embora a categorização seja um processo de recorte, a superação da
fragmentação do fenômeno se dá na possibilidade de usar perspectivas diferentes
para a análise da prática em questão, na recursividade das unidades categóricas
entre si e destas com o todo e na não exclusão mútua entre elas como exigido em
algumas modalidades de pesquisa. Esse movimento busca explicitar as inter-
relações recíprocas entre categorias superando a causalidade linear e possibilitando
uma aproximação de entendimentos mais complexos (GALIAZZI e MORAES, 2007,
p.30).
As categorias e as subcategorias produzidas subsidiam a construção de
metatextos analíticos que abarcam a descrição e interpretação do fenômeno
investigado. Sendo elas mesmas resultado de um modo de interpretação dos dados
selecionados e que ao mesmo tempo produzirão novas interpretações por elas
informadas.
Cabe enunciar alguns elementos que orientam a interpretação do fenômeno:
proporcionar uma visão mais rica; construir um retrato interconectado e coeso; dar
acesso a novas possibilidades de sentido; beneficiar grupos marginalizados em sua
luta por fortalecimento; ajustar-se ao fenômeno em estudo; contextualizar
culturalmente e historicamente; considerar interpretações anteriores; gerar visões a
partir do reconhecimento da dialética entre as partes e entre as partes e o todo;
indicar as forças envolvidas em sua construção; expor diversas perspectivas;
catalisar a ação justa, inteligente e conveniente (GALIAZZI e MORAES, 2007;
KINCHELOE e BERRY, 2007).
176

Buscando coerência com o exposto, a seguir serão prestados esclarecimentos


sobre as categorias e subcategorias trazendo suas conexões com os referenciais
teóricos apresentados nesse trabalho.

4.2.2.1 Compreensão da realidade: possibilidades contra-hegemônicas ou de reforço


de elementos hegemônicos

Os dois primeiros grupos de categorias (I. Compreensão ampla da realidade


e possibilidades contra hegemônicas e II. Possibilidades de reforço de
elementos hegemônicos) estão ligados diretamente aos grandes referenciais
teóricos que embasam o olhar para o objeto de investigação. Parte da concepção de
que uma prática cotidiana humana, ao ser concebida como uma prática pedagógica,
precisa ter definidos os pressupostos que envolvem a ação em si, assim como estar
atenta aos diversos aspectos presentes na sua execução e que podem
comprometer, ou mesmo contradizer aqueles pressupostos. São categorias teóricas
que embasam parâmetros pedagógicos mais amplos e auxiliam o exercício da
práxis. Partem das perspectivas da Sociologia das Ausências e da sua
correspondente Sociologia das Emergências aliadas às da Complexidade e aos
princípios da Agroecologia e agricultura urbana. São complementares e foram as
referências para a identificação de elementos que possam compor práticas
educativas emancipatórias ou indicar algum esforço nesse sentido, assim como para
visualizar procedimentos no sentido oposto.
Com as referidas categorias há a intenção de identificar e analisar em que
medida o expresso nos textos coaduna com o reforço da realidade hegemônica do
mundo ou, por outro lado, se trazem algum elemento contra-hegemônico que possa
suscitar o conflito de conhecimentos e/ou confrontar procedimentos que reforçam o
modelo monocultural com os que se aproximam do proposto nas cinco ecologias.
A escolha do modelo de agricultura é elemento chave nessa análise. A
inserção da agricultura nas escolas urbanas pode ser entendida como uma possível
emergência, um sinal de futuro e que pode ser credibilizada, ter ampliada
simbolicamente as possibilidades de ver o futuro a partir daqui (SANTOS, 2007). A
opção por um modelo de agricultura convencional, alinhada com o modelo
agroalimentar hegemônico, pode indicar uma postura de reprodução com o
estabelecido, de naturalização da realidade posta/imposta. A declaração de adoção
177

de agriculturas expressa em termos como agroecológica, orgânica, biológica, pode


indicar um movimento contra-hegemônico inconsciente ou ingênuo, ou superficial ou
mais sofisticado. As características exibidas nas ações empreendidas podem estar
dotadas de diferentes graus de compreensão dos princípios que sustentam o
modelo declarado.
Os modelos de agricultura não se isolam de questões políticas, ideológicas,
sociais, culturais, econômicas que se refletem nas relações estabelecidas entre os
atores sociais envolvidos e destes com os procedimentos adotados no
desenvolvimento da atividade, na escolha dos cultivos e na destinação de seus
produtos. É possível haver contradições entre as intenções manifestadas na adoção
de um modelo e as ações ao longo do processo de execução da horta. Buscam-se
aqui parâmetros que assegurem a coerência entre o discurso e a prática ou que
coloquem em evidência as incoerências.
Procuramos, a seguir, identificar antagonismos a partir do confronto, aplicado
às práticas agrícolas nas escolas urbanas, das diferentes formas de monoculturas
com as ecologias propostas por Santos (2007), o que auxilia as interpretações sobre
a compreensão ampla da realidade e possibilidades contra-hegemônicas e as
possibilidades de reforço de elementos hegemônicos:
Monocultura do saber x ecologia dos saberes. Busca analisar a origem dos
saberes que foram considerados na elaboração e no desenvolvimento das ações da
horta e em que medida foi criado um espaço de horizontalidade favorável ao diálogo
de diferentes conhecimentos. Há o entendimento de que a atividade agrícola e os
usos de seus produtos guardam um amplo repertório de conhecimentos construídos
na vivência prática e que esses podem estar presentes nos avós, nos pais, nos
próprios estudantes, em outros membros da comunidade escolar ou de seu entorno.
Assim, a monocultura pode estar sendo reforçada se for observada a exclusividade
do conhecimento científico ou o seu demasiado privilégio em relação aos demais.
Monocultura do tempo linear x ecologia das temporalidades. A análise se
dá em relação ao valor dado ou ao espaço reservado aos elementos urbanos em
relação àqueles oriundos do espaço rural. Nesse caso, haveria o reforço
hegemônico quando o segundo é subalternizado, ocultado ou omitido no
desenvolvimento da atividade. Espera-se que esses elementos estejam inseridos,
não como exóticos ou antiquados, mas como tão legítimos e contemporâneos
quanto aqueles dos espaços urbanos.
178

Monocultura da naturalização das diferenças x ecologia do


reconhecimento. A diferença entre o urbano e o rural, na ótica monocultural, é
naturalizada de forma hierarquizada, sendo o primeiro tido como evoluído e o
segundo como atrasado. Uma vez retirada a hierarquia, é possível enxergar
somente suas diferenças, percebendo características positivas e negativas em
ambos os espaços. Outra questão possível é a hierarquia de gênero relacionada ao
trabalho agrícola, que pode ser reforçada ou desvelada com o decorrer da atividade.
Monocultura da escala dominante x ecologia da “transescala”. Consiste
em analisar o quanto há de reforço ao processo de globalização na padronização
das práticas agrícolas, das escolhas do que será plantado e das formas de preparo
e de consumo. Ou, por outro lado, o quanto é possível identificar a valorização do
particular, do local, do regional.
Monocultura do produtivismo capitalista x ecologia das produtividades. A
atenção volta-se para a submissão da produtividade agrícola à lógica de produção
contínua e direcionada ao mercado padronizado, sem respeito aos fatores e aos
ciclos naturais. A oposição pode estar em valorizar outros sistemas de produção e
de modos de organização social, como cooperativas.
O exercício de contraposição entre as possibilidades emergentes x reforço
hegemônico e de problematização da realidade pode ser estendido para outros
aspectos que permeiam a atividade agrícola na escola e seus objetivos na busca por
identificar pistas, indícios de movimentos contra-hegemônicos ou de seu reforço
para explicitá-los. Tais aspectos podem ser confrontados com aqueles inseridos no
contexto do Programa Nacional de Alimentação Escolar - PNAE, da Educação em
Ciências - EC e da Educação em Saúde - ES.
O PNAE tem um histórico assistencialista e, consequentemente, um estigma
depreciativo que afeta seus atuais objetivos. Por outro lado, os avanços verificados
nos últimos anos, ao serem tidos como sinais de emergência, podem ser
pedagogicamente potencializados a partir da horta. É possível pensar a relação
horta e PNAE em, pelo menos, três perspectivas:
 Assistencialista/Suplementar – Sendo um dos objetivos do PNAE o
fornecimento de refeição nutritiva, variada e saudável, a produção da horta teria um
papel complementar à merenda. Nesse caso, admite-se a dificuldade ou
incapacidade do PNAE de cumprir com um de seus compromissos, necessitando do
empenho da comunidade escolar para realizá-lo.
179

 Educativa Tradicional/Informativa – Reconhece-se que o PNAE fornece


uma alimentação adequada, porém, há dificuldade de aceitação pelos estudantes
devido a hábitos alimentares inadequados já estabelecidos. A horta aproximaria o
escolar do alimento in natura e auxiliaria na transmissão de conhecimentos sobre
alimentos e a alimentação saudável.
 Educativa Emancipatória/Formativa – Nessa perspectiva, as ações da
horta buscariam uma aproximação cada vez maior do PNAE buscando explicitar as
diferentes dimensões do alimento consumido na escola. Essa explicitação encontra
respaldo nos conceitos de universalidade, sustentabilidade, qualidade, participação
da comunidade escolar, adequação, desenvolvimento local, agricultura familiar,
promoção da saúde e de segurança alimentar e nutricional, incorporados às
orientações do PNAE e que precisam ainda ganhar visibilidade, ser compreendidos
e reforçados.
No que se refere aos aspectos relativos à ES e à EC, a horta desponta como
prática educativa nos dois campos, sendo a alimentação um eixo unificador. Em
ambos os campos, os conhecimento e as ações têm sofrido reformulações ao longo
dos anos, de forma que suas orientações atuais buscam contemplar a complexidade
inerente ao alimento e ao ato de comer e, coerentemente, sugerem novas
abordagens educativas. Porém, como visto anteriormente, as práticas educativas
continuam impregnadas por uma feição tradicional e podem apresentar reflexos nas
proposições de Educação Alimentar e Nutricional. Assim, simplificadamente,
podemos encontrar dois encaminhamentos, em geral não excludentes entre si, que
orientam os procedimentos em hortas escolares voltados para a Educação Alimentar
e Nutricional:
 Abordagem educativa/pedagógica – A preocupação é com o
entendimento e a execução prática da educação que, no caso, precede e orienta a
ação voltada para a alimentação humana. Espera-se que esteja, pouco ou nada,
afinada aos modelos tradicionais de educação e em consonância com as correntes
consideradas progressistas.
 Perspectiva de educação alimentar e nutricional – Ainda que se
configure a opção e execução de abordagem educativa emancipatória, no que se
refere ao modo de conduzir as ações e as relações dos atores implicados, há a
possibilidade de equívocos e reduções na percepção sobre o ato alimentar humano.
Assim, a educação alimentar e nutricional pode exibir diferentes nuanças, desde
180

uma perspectiva fragmentada/parcial da relação humana com o alimento, até a


perspectiva complexa/multidimensional. Essa última e desejável perspectiva dialoga
com as novas orientações do PNAE.

4.2.2.2 Os objetivos da atividade, as formas de desenvolvê-la e os resultados


alcançados

O segundo grupo de categorias (III Objetivos da atividade, IV


Desenvolvimento da atividade, V Resultados alcançados), coerentemente
imbricado com o primeiro grupo, refere-se ao reconhecimento da horta escolar como
uma prática pedagógica e, como tal, a sua utilização pressupõe que todas as ações
relacionadas sejam pedagógicas, assim como a sua estruturação física ser pensada
com esse fim. Desse modo, buscou-se elaborar categorias empíricas, tendo em vista
os parâmetros pedagógicos pretendidos para a execução prática das hortas
escolares urbanas.
O entendimento do que é passível de alcance é fundamental para o
estabelecimento de objetivos da atividade. Uma prática pedagógica com alto grau
de complexidade, como é o caso da horta escolar, encaminha a projeções de
diferentes objetivos e capacidades e com possibilidades de interconexões. A
indicação de hortas escolares por instituições, setores e agentes distintos se apoia
em necessidades e interesses de resolução de seus respectivos problemas.
Portanto, é de se esperar que o foco da ação na escola tenda a priorizar os objetivos
do proponente.
Há situações nas quais as motivações e as percepções pessoais ou coletivas
induzem à elaboração de hortas e, nesse caso, os objetivos variam muito e, por
vezes, se sobrepõem.
Os objetivos indicam as capacidades a serem desenvolvidas pelos estudantes
e podem contemplar o desenvolvimento: cognitivo, afetivo, físico, ético, estético, de
relação interpessoal e de inserção social (BRASIL, 1998d). A perspectiva da
complexidade aplicada à prática educativa informa sobre a indissociabilidade dessas
dimensões humanas e de uma educação que vislumbre o ser humano de forma
integral, ainda que o objetivo central esteja voltado para o desenvolvimento de uma
das capacidades.
181

Os objetivos orientam o desenvolvimento da atividade, no qual se dá a


seleção de conteúdos, de recursos e dos encaminhamentos didáticos.
Os conteúdos pressupõem um conjunto de conhecimentos e traduzem o que
se pretende ensinar com a horta e podem ser de natureza conceitual, procedimental
e atitudinal. O conteúdo de natureza conceitual se refere aos conceitos,
conhecimentos teóricos e abstrações. O de natureza procedimental está ligado à
capacidade de saber como fazer e decidir, enquanto o de natureza atitudinal diz
respeito a valores e às relações sociais cotidianas. Essas modalidades de conteúdos
não podem ser tratadas isoladamente, ao contrário, devem se fazer presentes de
maneira integrada no processo de ensino e aprendizagem (BRASIL, 1998d).
A atenção aos objetivos e a seleção dos conteúdos conduzem ao planejamento
da execução da ação e aos encaminhamentos didáticos que envolvem a
organização das situações para o aprendizado: a estrutura espacial, a escolha de
recursos materiais, a sequência dos conteúdos, as formas de relacionamento, as
formas de mediação e mediadores envolvidos etc. A profusão de objetivos propostos
para a horta escolar e a natureza dos conteúdos envolvidos tem implicado
dificuldade de estabelecimento de critérios de avaliação. Assim, são apresentados
resultados sem que haja clareza no modo como foram verificados. O contexto
empírico oferece relatos de desenvolvimento da atividade e de resultados
alcançados, que aos serem postos em correspondência com os objetivos podem
reforçá-los, complementá-los ou até contradizê-los. Há ainda nos resultados
alcançados a possibilidade de identificar as formas como foram aferidos.
182

5 INTERPRETAÇÕES: conflitos de conhecimentos, denúncias e anúncios

As unidades de significado e respectivas categorias e subcategorias foram


estruturadas tendo em conta a parametrização para as hortas escolares
compreendidas, simultaneamente, como prática pedagógica e equipamento
pedagógico. A interpretação de seus componentes reunirá elementos que possam
suscitar reflexões para a indicação de bases para cada um dos momentos relativos
a tal prática, desde a sua concepção até a sua efetivação concreta.
Retomando a questão central - Quais são as especificidades de uma horta
pedagógica voltada para crianças e adolescentes em escolas públicas urbanas que
criem possibilidades para uma educação alimentar e nutricional libertadora? - que
orienta a presente pesquisa, foram buscados, no contexto das práticas analisadas,
elementos que podem se configurar em pontos de conflitos de conhecimentos e,
portanto, promissores na composição de respostas para as especificidades que,
acreditamos, precisam estar presentes nessa ação educativa.
As perguntas formuladas, a seguir, tentam abarcar aquela questão central e
buscam traduzir os anseios expressos e, especialmente, aqueles implícitos nas
diversas solicitações recebidas por nossa equipe de pesquisa de orientações na
elaboração de hortas escolares. As respostas, em vez de propor ditames, consistirão
em esforço no sentido de problematizar, trazer denúncias e anunciar possibilidades
a partir dos aspectos encontrados nas diversas experiências analisadas.

5.1 QUAIS PRESSUPOSTOS GUIAM O PLANEJAMENTO E A CONSTRUÇÃO DA


HORTA ESCOLAR?

Santos (2012), em recente estudo, constata que a maioria das experiências


voltadas para a educação alimentar não expõe com clareza o seu referencial
pedagógico. Entre as que o fazem, algumas mostram desacordos nas suas
estratégias educativas. Coexistem, nesse âmbito, pedagogias críticas, que se
baseiam em modelos cognitivos de aprendizagem psicossocial e contextual, e a
pedagogia tradicional, comportamentalista. A autora ressalta, ainda, as alusões
frequentes feitas a Paulo Freire e à educação popular e a não correspondência
observada na prática cotidiana.
183

Os materiais analisados nessa investigação, em sua maioria, confirmam as


percepções da autora. Os fragmentos dos documentos que compõem as
subunidades das categorias I Compreensão ampla da realidade e possibilidades
contra-hegemônicas e II Possibilidades de reforço de elementos hegemônicos
auxiliam na reflexão da questão apresentada. Como explicitado em capítulos
anteriores entende-se que o referencial pedagógico vincula-se à visão de mundo, à
forma como a realidade é percebida e às perspectivas da intervenção educativa. O
anúncio e a interpretação de dados que exibem possibilidades contra-hegemônicas,
assim como a denúncia e a interpretação daqueles que reforçam a hegemonia,
podem indicar caminhos para a consolidação de pressupostos para o planejamento
e desenvolvimento de hortas escolares.
A escolha do modelo de agricultura e a compreensão das implicações da
mesma são consideradas fundamentais para uma prática educativa coerente com os
referenciais teóricos acolhidos nesta investigação. Essa opção aparece de forma
nomeada em alguns casos e sugerida em outros, quando são citadas expressões
como orgânico/a, sem/livre (de) agrotóxico, sustentável, o que pode indicar
diferentes graus de apropriação do seu corpo de conhecimentos a ser conferido em
outros itens do relato da atividade. A existência de outros conceitos e ações
vinculados ao modelo confere mais consistência à escolha declarada como é o caso
das referências à preocupação com questões ambientais e com a sustentabilidade
em seus diferentes enfoques e outros aspectos relacionados ao modelo sugerido. O
uso do vocábulo agrotóxico, em alguns casos, merece atenção por ser usado como
demarcação política por aqueles que questionam ou combatem o uso do que a
indústria interessada chama de defensivo agrícola. Em nenhuma das experiências
se faz uso dessa última expressão. Por outro lado, o acesso a documentos,
palestras e a mídia em geral pode favorecer o uso de alguns conceitos, ou não, sem
que necessariamente haja um aprofundamento semântico ou simbólico e, nesse
caso, pode não ser identificado o respaldo nos demais elementos declarados, ou por
estarem ausentes ou por apresentarem incongruências.
Com essa perspectiva, encontramos entre as 91 experiências com hortas da
premiação do AFZ, 31 que trazem conceitos que poderíamos atribuir ao
encaminhamento de modelo da agricultura contra-hegemônico, sendo que somente
uma se refere à opção utilizando a expressão produção agroecológica com a
finalidade de educar e produzir utilizando a horta na escola como espaço de
184

aprendizagem, com foco nas atividades de educação ambiental, nutricional (F.7).


Nesse caso, a ratificação ao modelo escolhido poderia estar nas informações dadas
sobre os objetivos educacionais e na junção de especialistas (agrônomos,
nutricionistas), de membros da comunidade escolar e do entorno para o
planejamento e a execução do projeto. A reflexão a ser feita é sobre a inexistência
de referências detalhadas sobre as relações estabelecidas entre esses agentes e os
saberes considerados. Tem-se a impressão de relação vertical transmissão-
recepção de conhecimentos.
Em outras experiências, que sugerem filiação a alguns princípios
agroecológicos, há itens que podem indicar corroboração à opção, trazendo a
ampliação da discussão com a troca de experiências sobre o tema com
pesquisadores de instituições como a EMBRAPA Agrobiologia-Fazendinha
Agroecológica (UA.C); a escolha de outros recursos que podem ser inseridos
pedagogicamente como, por exemplo, o vídeo “fome no Brasil”, para a discussão
sobre a produção agrícola e a relação exportação-fome; assim como das influências
externas na nossa culinária que menosprezam a comida local (UA.C). Estes auxiliam
nas correlações entre o micro e o macrocontexto, a mostrar pros meninos que a
alimentação variada, ela vem de uma produção sustentável, da produção
sustentável e por ser sustentável vai garantir uma alimentação de qualidade,
variedade também (UA.A.CO) e o aprofundamento de conceitos de monocultura e
policultura; agronegócio e agricultura familiar; até chegar na agroecologia (UA.C).
Encontramos no trabalho desenvolvido pela Universitat Autònoma de
Barcelona a explicitação da adesão ideológica em seu título La agroecología escolar
e na contextualização do mesmo, o qual mostra um posicionamento contra-
hegemônico: la crisis alimentaria global [...] es de tal importancia que deja al
descubierto definitivamente (de nuevo) la falacia del paradigma del crecimiento
económico como motor del desarrollo humano [...] Los huertos escolares - incluso
los ecológicos - no son nuevos en la educación. Lo que es nuevo es su orientación
agroecológica (LLERENA e ESPINET, no prelo).
O modelo de agricultura de orientação contra-hegemônica traz, ou deveria
trazer, aproximações com as ecologias propostas por Boaventura Souza Santos.
Porém, a adesão superficial ou parcial de conceitos avulsos emperram avanços
nesse sentido. Assim, embora sejam percebidas tendências para a adoção de
185

agriculturas ecológicas, é comum a existência de lacunas ou contradições no


contexto da prática.
A vinculação da horta a escolas localizadas em áreas rurais ainda se faz muito
presente, sendo inclusive essa a justificativa de implantação em muitos casos: A
ideia de realizar o projeto surgiu pelo fato da escola estar localizada na zona rural
(F.87). Nesse caso, mostra-se a preocupação com o ensino de técnicas para um
plantio agroecológico, obedecendo aos critérios da sustentabilidade para produção
de alimentos orgânicos (F.7; F.72; F.78). São poucas as especificações em relação
à agricultura no espaço urbano, mas quando isso ocorre ficam mais ou menos
explícitas as intenções em relação ao público alvo. Há o projeto que já parte de uma
proposta pensada para o espaço urbano assumida em seu título Horta Escolar
Urbana... (UA.C) e outros que indicam adaptações como contextualizar os
conteúdos aos problemas da vida urbana (F. 51) e o uso de canteiros suspensos e
nos muros (F.64).
Embora seja possível afirmar objetivos comuns para uma horta escolar urbana
e uma rural, é importante ter clareza do que distingue um espaço do outro. Além
disso, deve-se considerar que, quando tratamos de contextos locais, é possível
perceber que não há “o rural” e “o urbano” e sim, vários rurais e vários urbanos e
novas configurações que conjugam características de ambos. São realidades
coexistentes e, portanto, todas legítimas e contemporâneas. Diante do exposto, a
visão do tempo linear pode ser contraposta com a ecologia das temporalidades, a
qual nos alerta para a rejeição e o tratamento de exotismo, inadequação e
subalternidade impostos a grupos sociais, seus valores e conhecimentos.
Para além dos conhecimentos sobre técnicas de plantios, há outros
relacionados e, por vezes, aparentemente banais e ignorados, que podem ser
evidenciados, como ilustra a fala da professora de escola em área urbana, que
considera importante as crianças saberem de onde vem o alimento [...] eles acham
que abóbora dá em árvore (UA.C). Os conhecimentos oriundos da prática e,
especialmente, do meio rural são tidos como inferiores e podem envolver
sentimentos de preconceito e vergonha, foi o percebido na postura da estudante que
morou em sítio na sua terra natal, o Pará, porém pareceu querer dar a impressão de
que tem pouca intimidade com a “roça” (UA.C).
A monocultura da naturalização das diferenças impõe uma lógica que
desqualifica algumas vivências, valores e conhecimentos para os quais é possível
186

evidenciar sua legitimidade com a ecologia do reconhecimento. É a oportunidade de


mostrar que há ignorâncias e saberes distintos em função dos diferentes contextos,
de modo que o que é corriqueiro para uns é desconhecido para outros como é o
caso do feijoeiro, sobre o qual a maioria falou em pequenas árvores, o que causou
um olhar de “cumplicidade” e “superioridade” por parte daqueles que detinham o
conhecimento (UA.C). Ou ainda do arroz, para o qual o desconhecimento foi total e
suscitou muitas brincadeiras na tentativa de imaginar a planta, trazendo questões
relevantes para a problematização sobre o afastamento humano dos processos de
produção do alimento e a oportunidade de conhecer, na horta, as plantas
mencionadas (UA.C).
Já não é surpreendente que alimentos tão comuns em nossos pratos
cotidianos, tanto em casa como na alimentação escolar, sejam ignorados em suas
características de origem ou nas formas de preparação pela população urbana.
Ações com esses cultivos podem aproximar outros atores e conhecimentos [...] elas
(as merendeiras) têm muito a ensinar pra gente sobre os alimentos [...] (UA.A.SE).
Todos têm muito a ensinar e também a aprender: Vale destacar a perplexidade –
inclusive dos adultos – diante das plantas do feijão e do arroz. O merendeiro
mostrou-se incrédulo diante das vagens de feijões pretos! Passada a surpresa,
pediu algumas para mostrar à esposa (UA.C). Reafirma-se a importância do
envolvimento dos diversos atores do espaço escolar, que pode ser iniciado por meio
de oficina com as merendeiras e os demais funcionários de apoio cuja característica
seja a participação, muito diálogo, que pode culminar com o plantio de mudas de
temperos (UA.C) e de outros alimentos.
Outra situação, à qual se aplica a ecologia do reconhecimento, foi identificada
no conflito de gênero surgido na experiência UA.C, na qual meninas pegam enxadas
para os trabalhos na horta e uma outra interpela: “Isso não é trabalho de mulher”. O
assunto foi colocado em discussão [...] e acrescidas questões, tais como o papel das
trabalhadoras rurais. Essa mesma experiência exibe situações concretas que
reforçam a intenção educativa com a composição da própria equipe coordenadora
do projeto (duas mulheres e um homem) e o envolvimento efetivo de todos em todas
as ações, inclusive com a enxada. Pode-se confrontar o papel das mulheres nas
atividades agrícolas em diferentes culturas e, especialmente, na agricultura brasileira
para a análise crítica da persistência de hierarquia entre homens e mulheres,
identificando suas semelhanças e o que de fato os distingue.
187

Os princípios agroecológicos convocam para a horizontalidade das relações e


dos saberes e, consequentemente, para a participação da comunidade na
elaboração da horta. Em uma situação como no Formulário 32, onde se afirma que
a escola contou com os moradores que cederam os terrenos e pessoas experientes
em trabalhos com hortas como: agricultores locais e pais de alunos é fato o
envolvimento da comunidade, mas não é possível afirmar o nível do envolvimento e
de valorização dos saberes. É louvável e desejável o acolhimento das experiências
da comunidade escolar expresso em alguns relatos como no F.65 [...] Muito do
conhecimento vem de nossos alunos, que é a bagagem cultural trazida de casa
(vivência), então, trabalhar este assunto é fácil ou no F.38 [...] a participação efetiva
do nosso zelador/ jardineiro..., que esteve conosco em todas as fases. Porém, é
preciso que se avalie com cautela a qualidade dos saberes envolvidos. A
experiência de grande parte dos agricultores foi adquirida no modelo que se
pretende questionado.
Por outro lado, quando é assumida a postura atenta e crítica aos
conhecimentos trazidos pelos diversos atores sociais, é possível constituir ricos
espaços híbridos e dinâmicos de troca de saberes e aprendizagem, superando a
lógica de transmissão de conhecimento (BRANDÃO, 2012).
Por vezes é necessário empreender uma investigação do que é de fato um
conhecimento tradicional a fim de descobrir o ausentado nas experiências
acumuladas ou nas publicações educativas: Outras foram mencionadas: caruru,
beldroega, bertalha [uma estudante] conhecia a ora-pro-nóbis; [um estudante] a
bertalha. Os estudantes ficaram com a tarefa de entrevistar pessoas da família sobre
plantas comestíveis pouco conhecidas, não vendidas nos mercados (UA.C). São
plantas que ainda podem ser encontradas em quintais, em algumas feiras e são
denominadas, na literatura científica, PANCs - Plantas Alimentícias Não
Convencionais, mas que ao longo dos anos estão sendo excluídas dos cardápios
pelo processo globalizante de padronização da produção e do consumo alimentar. O
empenho na valorização dessas plantas e de seus modos de consumo, além de
propiciar a ecologia dos saberes, se opõe à monocultura da escala dominante e
enfatiza as particularidades culturais locais. Observa-se aqui a possibilidade de sair
do lugar comum (alface, couve, salsa, cebolinha...) e lançar mão de outros cultivos e
preparações culinárias de alimentos presentes no cotidiano doméstico ou nas
memórias da comunidade escolar.
188

O entendimento da constituição do gosto alimentar como um fenômeno que


envolve processo complexo de aprendizagem e de que o contexto contemporâneo
tem se caracterizado pela padronização alimentar imposta pelo modelo
agroalimentar vigente - [...] igual do Ajinomoto trabalha na estimulação da língua pra
produzir salivação e você ter a FALSA sensação de SABOR, e que a gente tá
perdendo o sabor - suscita a necessidade de que sejam estabelecidos conflitos,
anúncios e denúncias: [...] a partir do momento que ele pegou aquela folha de
hortelã, botou na boca e relacionou que aquilo ali é o sabor do freegells, nunca mais
ele vai olhar o freegells com a mesma, com o mesmo olho [...] (UA.A.SE). A escolha
de cultivos pode exibir uma possibilidade emergente, apresentação e valorização de
sabores locais e sua inclusão no PNAE. Possibilita colocar em questão o status
conferido a alguns alimentos de fora e o menosprezo por comidas locais.
O PNAE tem promovido ações que encaminham à valorização e ao consumo
de alimentos regionais, ao resgate de cultivos e sabores. As hortas podem contribuir
nesse processo na preservação da cultura alimentar local como a mandioca, que já
é da cultura deles, passou a fazer parte diariamente do cardápio da merenda. (F.5),
na desinvisibilização e na ampliação do repertório gustativo quando estudantes
consomem na escola o que plantaram ou cuidaram: couve, alface, mostarda, cheiro
verde, tomate, jiló, quiabo, mandioca, pimentão, cará, berinjela, chuchu e frutas
como romã, manga, pitanga, amora, graviola, limão e banana (F. 88).
Com a escolha criteriosa do que será cultivado é possível promover a
aproximação de novas, mas antigas, experiências gustativas multirreferenciadas.
Somente dois afirmaram conhecer um “pé-de-milho [...] Apresentamos o fubá. Todos
reconheceram: “Para fazer angu”; “Cuscuz?”; “Bolo de Fubá!”[...] chegamos ao
consumo... mencionaram a família, interior de Minas, avô, avó... . (UA.C). Desse
modo, a inserção da horta no cotidiano escolar visando à educação para o gosto
pode ensejar experiências sensoriais com os alimentos cultivados, ampliando
conhecimentos sobre sua procedência (NEGREIROS, 2010) e o reconhecimento de
consumos alimentares tradicionais inferiorizados na cultura urbana.
A horta escolar, devido aos objetivos pretéritos, já esteve sob a
responsabilidade de uma disciplina. Seus novos objetivos suscitam especulações
que avançam para a abordagem interdisciplinar e a transdisciplinar, de modo que
transformar a agricultura em disciplina, não dá mais e clama-se por toda a escola
integrada nesse mesmo projeto (UA.A.N). Vários dos relatos de experiências
189

analisados citam a possibilidade do envolvimento de mais de uma disciplina na


horta. Sejam disciplinas específicas, afirmando que essa pode ser um verdadeiro
laboratório ao ar livre para as aulas de geografia, ciências e Matemática (F.51) ou
estendendo sua utilização como laboratório para estudos e pesquisas nas diferentes
áreas do conhecimento no Ensino Fundamental e Médio (F. 68). Nesses casos, fica
a dúvida se as disciplinas atuariam isoladamente, usando somente o espaço comum
da horta. Em outras situações afirma-se a interdisciplinaridade em ação com
sequências didáticas e com estrutura interdisciplinar (F.40); na consolidação de
trabalhos pedagógicos, numa atitude interdisciplinar (F.26); na maior integração do
corpo docente com atividades interdisciplinares (F. 85).
Se alguns exibem êxito na adoção da interdisciplinaridade, há quem a coloque
como o maior desafio utilizar a horta com todos os educadores que fazem parte do
projeto (F.23) ou que admita o insucesso [...]. As ações interdisciplinares, com
incentivo a manuseio da horta, trabalhos de campo, foram pouco realizadas (F.11).
É importante refletir sobre as formas de participação das diferentes disciplinas
nas atividades da horta. É possível que várias disciplinas estejam envolvidas sem,
no entanto, romper a abordagem puramente disciplinar, fragmentada e eventual. Por
exemplo, a disciplina Matemática entrar na horta somente para atividade de medição
ou a de Ciências quando for tratar do conteúdo programático sobre raízes no 6º ano
(CUNHA, SOUZA e MACHADO, 2010).
Foi possível perceber uma distinção entre duas perspectivas sobre a
interdisciplinaridade. O conjunto interpretado acima tem a horta como ponto de
partida e parece haver a expectativa de que os professores encontrem formas de
explorá-la. O outro conjunto parte da intenção de trabalhar temas relacionados ao
meio ambiente e/ou alimentação – indicados pelos PCNs – para afirmar ações
interdisciplinares e/ou transdisciplinares. Assim, busca-se trabalhar, na prática, os
conteúdos de forma transversal no currículo escolar (F.72), podendo ser,
especificamente, para trabalhar a questão da alimentação de forma interdisciplinar
(F.50) ou a questão ambiental a ser tratada como tema transversal (F.73) atendendo
o que é exigido nos Parâmetros Curriculares Nacionais (F.90). E ainda pretensões
mais arrojadas visando a articular e desenvolver a educação ambiental, educação
alimentar e as diversas áreas do conhecimento de forma inter e transdisciplinar (F.
31).
190

A adoção de perspectiva interdisciplinar e/ou transdisciplinar para a horta


escolar e sua relação com a alimentação escolar vai muito além da junção de várias
disciplinas ou de identificação de afinidades de conteúdos curriculares. Faz-se
necessário que a inclusão dos temas ocorra de forma integrada e que estes sejam
percebidos para além da sala de aula, permeando o cotidiano escolar, o seu entorno
e também para além dele, trazendo entendimento ampliado sobre o alimento contido
no cardápio e consumido no espaço escolar (SANTOS et al., 2013).
É fundamental que cada agente envolvido na horta escolar tente enxergar para
além das fronteiras de sua disciplina. Entendendo que estamos submetidos a uma
estrutura disciplinar, caberia um esforço pela atitude transdisciplinar (NICOLESCU,
2005) por quem pretenda conduzir ações educativas em geral e, especificamente,
na prática em questão. De tal maneira que um professor de Ciências, durante as
atividades na horta com plantas, pode ir além da botânica e questionar saberes
populares, usos, costumes e, ainda, contribuir com a ortografia dos estudantes; ir
além da zoologia da joaninha e analisá-la esteticamente e ecologicamente. É um
esforço que envolve abertura, muito estudo, diálogo, reflexão e exercício constantes,
que inclui leituras inspiradoras e que podem abrir um leque de possibilidades para
além das fronteiras disciplinares, como visto na troca de e-mails entre os três
membros de projeto com horta para a preparação da atividade de colheita, preparo e
consumo: fui inspirada por algumas leituras durante a semana e estou com várias
ideias [...]. A ideia de cooperação [...], o ato da alimentação num sentido biológico
[...], o desequilíbrio ecológico [...] reflexão em relação aos outros ingredientes, pão
vem de um grão [...]. (UA.C).
A coexistência do hegemônico e do contra-hegemônico em uma mesma prática
pedagógica mantem similaridade com o contexto mais amplo de políticas agrícolas
recentes no Brasil, onde por um lado são lançados programas oficiais que
favorecem práticas agrícolas ecológicas e, por outro, o país continua expandindo
suas áreas de monoculturas e sendo receptor de agrotóxicos já proibidos no
exterior. Ou ainda, com o que pode ser observado nas ações da FAO, que hoje
defende modelos de agriculturas ecológicas e, no entanto, num passado não muito
distante promovia a Revolução Verde.
As interpretações anteriores já trazem implícitas algumas possibilidades de
reforço de elementos hegemônicos, mas vale evidenciar outros itens destacados do
corpus da pesquisa, onde esse aspecto pode ser exemplificado. Essa perspectiva
191

também se fará presente nas discussões dos itens subsequentes, sempre que se
fizerem necessários os contrapontos.
A educação ambiental crítica alerta sobre a visão utilitarista que tem marcado a
relação humana com os demais componentes da natureza. O caráter das atividades
agrícolas pode potencializar essa visão e permear o desenvolvimento das ações
com a horta, mesmo quando são expressas preocupações ambientais. Afirmações
como: a hortelã é uma erva que serve para (UA.A.SE) [grifo nosso]..., pode indicar
o quanto o valor das plantas é medido pela sua utilidade direta ao ser humano e
reforça aquele modo de se relacionar com o ambiente.
A definição de aspectos da realidade de forma dicotômica [...] já tô formando a
personalidade dele [...] “oh isso é bom pra você, isso é ruim, o quê que você
escolhe?” (UA.A.SE) limita a problematização, a identificação de nuanças, de
gradações, reduz as alternativas.
A ciência e seus produtos podem ser compreendidos, também por educadores,
como um conjunto de conhecimentos de extrato superior, produzido por seres
iluminados e isso se refletirá na ação pedagógica: [...] eles fizeram um
EXPERIMENTO FANTASTICO [...] (UA.A.SE) [A ênfase nas palavras em destaque
foi dada pela professora entrevistada]. A idealização de um modelo de progresso e
de forma de desenvolvimento incutida na população brasileira pode promover o
deslumbramento em relação à ciência e aos produtos da tecnologia que, por vezes,
enviesa a visão crítica requerida numa ação pedagógica.
Ilustra bem a reflexão anterior o fato da experiência com horta hidropônica
merecer destaque da equipe da premiação AFZ, o que pode revelar exaltação a uma
tecnologia que reforça uma lógica produtivista e que, no contexto brasileiro, pouco
ou nada acrescenta às reflexões que visem a uma horta escolar no ensino
fundamental.
O Formulário 29 descreve a experiência acima mencionada, desenvolvida em
um dos municípios premiados. Reforça aquele deslumbramento quando em seus
objetivos pretende contribuir com uma alimentação mais saudável e ao mesmo
tempo a mudança cultural nos hábitos alimentares. Sendo a hidroponia uma técnica
extremamente artificializada de cultivo, questiona-se o conceito de alimentação
saudável sugerido e a mudança cultural pretendida. Há, ainda, o complemento,
fazendo exaltação ao reconhecimento da excelência da iniciativa pelo prefeito e pela
secretária de educação da cidade, sem que se justifique tal qualificação.
192

O cenário que sugere a percepção mágica da ciência, aliado à visão restrita


sobre a agricultura, empobrece as suas possibilidades pedagógicas para o espaço
urbano. Quando a professora de Ciências lamenta não ter horta na escola devido à
falta de espaço (UA.A.S), parece ignorar tais possibilidades.
A percepção limitada sobre a agricultura relativa ao espaço e ao público a ser
atendido pode trazer ainda outros desdobramentos (de) formativos, reforçando uma
visão histórica da inserção da agricultura no ensino formal destinada a desvalidos e
sua preparação para o trabalho agrícola. Além disso, pode ainda reforçar a
dicotomia entre trabalho intelectual e braçal para elite econômica e classes
populares, respectivamente. Essa postura dissocia grupos sociais e dissocia no
próprio indivíduo o cognitivo do corpo físico. Portanto, recomenda-se a adoção de
muita cautela e postura crítica quando da solicitação de horta escolar para
comunidades desfavorecidas economicamente ou direcionada para estudantes
considerados fora dos padrões requeridos, por exemplo: repetentes, indisciplinados,
com dificuldade de aprendizado a fim de que façam algo mais prático na horta
(UA.C).
Todos os elementos e as muitas ações que compõem o cotidiano escolar
desempenham papel na formação da criança e do adolescente, para o bem e para o
mal, sejam idealizados ou não com essa finalidade. O exercício de pensar
recursivamente em um movimento entre esses componentes e entre esses e o todo,
como nos propõe Morin (2007a), cria possibilidades de articulação e enriquece o
potencial educativo. A alimentação escolar, oferecida pelo PNAE, ao ser
considerada como espaço e tempo de aprendizado para a constituição de melhores
hábitos alimentares ou para desencadeamento de processos educativos nesse
sentido, pode ampliar essa perspectiva ao ser devidamente articulada a horta
escolar.
Nas experiências analisadas, as correlações feitas da horta com o PNAE
expõem, em alguma medida, as compreensões que se tem sobre a atividade
agrícola e o PNAE e seus respectivos objetivos na escola. Essas compreensões, por
sua vez, resultam do modo de perceber processos educativos e a realidade mais
ampla. Assim, como a visão restrita ou equivocada sobre a agricultura na escola
pode reforçar modelos hegemônicos que pretendemos problematizar e superar, o
mesmo pode ser afirmado em relação a processos educativos, a Educação
Alimentar e Nutricional e ao PNAE.
193

Depreende-se que o pressuposto fundamental para a elaboração da horta


escolar é a admissão da não neutralidade de todos os elementos que compõem os
processos educativos. Este induz à tomada de posição e a escolhas mais coerentes.
Sendo eleitas as perspectivas de inconformismo com o vigente e de transformação
social, procedem-se movimentos em prol de sua consolidação por meio de
identificação e aproximação de instituições e grupos sociais afins e do
aprofundamento de leituras, estudos e debates de referenciais nesse sentido.
A compreensão e a assunção do papel político da educação e da visão
ampliada do que se propõe com a agroecologia são guias fundamentais para não se
cair no reducionismo pedagógico ou na armadilha de fazer mais do mesmo
acreditando agir para a transformação.

5.2 QUAIS SÃO OS OBJETIVOS ESPERADOS PARA HORTAS ESCOLARES?

As interpretações a seguir serão feitas com base no conteúdo relativo à


categoria III Objetivos da atividade.
A análise dos dados indica que as experiências atuais com hortas no Brasil
contemplam diferentes objetivos que variam desde a educação ambiental, a
preocupação em produzir gêneros para atendimento da alimentação escolar, os
aprendizados técnicos, a aquisição de conhecimentos relacionados ao currículo
formal das disciplinas, os processos educativos sobre alimentação, a interações com
os elementos naturais que envolvam a alimentação e o meio ambiente, o estímulo
multissensorial para o aprendizado formal, o atendimento de estudantes especiais, a
promoção simultânea de múltiplos aprendizados, até processos que visem à
democratização do espaço escolar para maior participação da comunidade e
transformação social.
A forma fragmentada de perceber o processo de aprendizagem faz com que se
privilegie a transmissão de conhecimentos nos processos educativos,
permanecendo uma distância entre a intenção teórica e as práticas educativas. Uma
vez que ganha destaque entre os objetivos declarados para as hortas escolares a
contribuição para melhores hábitos alimentares é pertinente relembrar a distinção
feita por Santos (2012) entre orientação nutricional e educação nutricional, sendo
uma caracterizada pela assimilação passiva de conhecimentos e a outra afinada
com a concepção freiriana de aprendizagem, respectivamente. A utilização de uma
194

atividade prática não assegura necessariamente que haja participação ativa dos
escolares. Embora esta seja favorecida com ações nesse molde, é possível que
sejam alterados o espaço e os recursos de aprendizagem mantendo-se a lógica
transmissão-recepção.
Muitas das experiências analisadas mostram uma preocupação no
aperfeiçoamento técnico, por vezes, em primeiro plano, especialmente naquelas
escolas localizadas em áreas rurais (UA.A.N), com a intenção de introduzir práticas
ecologicamente mais adequadas, ou seja, ensinar e incentivar técnicas orgânicas
[...] valorizando a agricultura, melhorando o meio ambiente com técnicas
sustentáveis (F.13).
A relação da horta com o PNAE, manifestada em grande parte das
experiências, pode sinalizar para uma visão restrita de função de complementação
de gêneros alimentícios. Quando o objetivo principal expresso da horta é a produção
pra merenda (F.8; UA.A.N), manifestando necessidade de reforçar e enriquecer a
merenda escolar (F.26) ou a sua melhora na qualidade (F.37) ou trazer variedade no
cardápio (F.42; F.54; F.68); conseguir redução de gastos com a mesma para poder
investir na compra de outros itens para complementar a merenda [...] (F.68), há
indicação de falhas no cumprimento do expresso no escopo do PNAE. Não parece
que a produção de hortas escolares para a realização de atividades com os
estudantes e a utilização dos alimentos produzidos na alimentação ofertada na
escola sugeridos pela Portaria Interministerial 1010 (BRASIL, 2006) caminhe nesse
sentido. Entende-se que a vinculação dos produtos da horta ao consumo na
alimentação escolar não deveria se pautar numa carência de qualidade ou
quantidade desta última.
Espera-se que a horta seja aliada do PNAE no favorecimento de ações
voltadas à Educação Alimentar e Nutricional, sendo possível perceber um número
expressivo de escolas que relataram utilizar a horta como espaço de promoção da
alimentação saudável (BERNARDON, 2011). Assim, as hortas têm sido
consideradas, nesses projetos, como uma estratégia (F.5) importante para ensinar
escolares a se alimentarem melhor, favorecendo a aceitação dos alimentos
oferecidos pelo PNAE. A horta, ao associar cultivo e consumo, funcionaria como
uma ferramenta para incentivar os alunos a consumirem verduras e legumes (F.4).
O entendimento da infância como o momento propício à aprendizagem
alimentar e o fato de grande parte desse período ser a vivência escolar são
195

reforçados na afirmação de que a criança vai aprender desde cedo que alimentar-se
bem é alimentar-se variadamente (UA.A.CO). A FAO reitera esse objetivo quando
afirma que as hortas escolares comprovadamente promovem a nutrição infantil ao
aproximarem as crianças da horticultura (FAO, 2012). Porém, há estudos que
indicam a necessidade de aprofundamento desses resultados a fim de avaliar
melhor o uso e o impacto da horta como instrumento de promoção da alimentação
saudável nas escolas, uma vez que a maioria dos trabalhos científicos omite
aspectos importantes do processo pedagógico da atividade (BERNARDON, 2011;
SANTOS, 2012).
A percepção dos atores sociais do espaço escolar em relação à horta, de um
modo geral, não desvincula alimentação e meio ambiente, assim, na prática, os
objetivos para esses dois campos se integram porque quando você trabalha essa
questão da alimentação saudável e aí vem carregando uma série de questões ali,
principalmente em relação à questão do meio ambiente, porque tá relacionado.
Nesse bojo defende-se um trabalho estruturado e contínuo, tendo em conta que as
crianças das séries iniciais irão permanecer anos nessa escola (UA.A.N). Objetivos
que articulam alimentação e meio ambiente ganham destaque em bairros urbanos
de classes populares pelo entendimento de hortas como um ambiente saudável
capaz de promover conexão com a natureza (FAO, 2012).
Um objetivo para hortas escolares que guarda coerência com o proposto na
horticultura terapêutica é a inclusão de estudantes com dificuldades de
aprendizagem. Há a aposta de que os estímulos de vários sentidos proporcionados
pelo contato com a terra e o alimento [...] podem proporcionar ao aluno
conhecimento. É a sensibilização do aluno especial [...] a horta traz pra eles uma
oportunidade, de aprendizado, entendeu? (UA.A.SE). Nesse caso, estariam
incluídos estudantes considerados com necessidades especiais, de ordens distintas,
e também os que assim não são classificados, mas que não se adaptam bem aos
métodos convencionais de ensino. Vale ressaltar que o estímulo multissensorial,
como já mencionado, pode favorecer maior interação interpessoal e o aprendizado
de qualquer indivíduo.
Os objetivos relacionados ao Ensino de Ciências, inevitavelmente, se fazem
presentes ora de forma mais restrita à disciplina, como no caso em que se privilegia
um conteúdo específico constante no livro como a germinação (UA.A.SE), ou mais
ampla, tendo em vista o tema alimentação abordando questões como: processos de
196

produção e consumo, segurança alimentar e alimentação saudável (UA.C). Podem


estar incluídos os objetivos exclusivamente voltados para a educação ambiental, que
se fazem presentes em intervenções com hortas escolares no contexto de projetos e
pesquisas científicas onde os campos da saúde e da educação ambiental são
delimitados, constando entre os objetivos a sensibilização ambiental, auxílio na
gestão em saúde ambiental em espaço urbano e envolvimento de escolares de
áreas rurais em questões como o desmatamento, a erosão, a questão do lixo, a
poluição por agrotóxico, o desequilíbrio ecológico, entre outros (RIBEIRO, 2002;
SILVA, 2011; CORREIA, 2012).
Se por um lado há objetivos que explicitam ações concretas sem, no entanto,
esclarecer filiações a teorias sociais mais amplas, há outros que partem de
posicionamentos políticos mais ambiciosos que tentam dar conta de impactar
diretamente a comunidade para além dos muros escolares, buscando transformação
social. Los huertos escolares ecológicos forman parte actualmente de una
recuperación del valor de la alimentación junto con grupos de consumidores/as de
productos agroecológicos... [...]. Y no nos referimos al consumo de las escuelas,
sino al proceso de cambio educativo y comunitario que impulsa (LLERENA e
ESPINET, no prelo). Esses objetivos demandam relações diferenciadas e muito
mais estreitas com o entorno escolar, assim, a horta pode ser uma forma de
promover a democratização do espaço escolar por possibilitar a participação da
comunidade (TREVISAN, 2009).
No entanto, a maioria dos relatos declara abordagens que correlacionam os
objetivos da Educação Ambiental e os da Educação Alimentar e Nutricional e ações
interdisciplinares e transdisciplinares, sendo marcante a proposição de múltiplos
aprendizados pelo imbricamento dos objetivos citados, entre si, e desses com
outros. Essa intenção fica explícita em títulos de projeto como Projeto Horta na
Escola - Educação Ambiental, Alimentar e Nutricional, que pretende promover a
educação ambiental, alimentar e nutricional, utilizando a horta como possibilidade
para integrar temas fundamentais ao cotidiano dos alunos, dos pais e da
comunidade em geral (F.56). Há situações nas quais há mais detalhamento e
expansão daqueles objetivos como incentivar a valorização da cultura do homem do
campo, o manuseio do solo e as técnicas com o cultivo de hortaliças orgânicas e seu
consumo na merenda escolar (F.8). Ou aquelas nas quais se somam os objetivos de
criar, na escola, uma área verde produtiva pela qual, todos se sintam responsáveis;
197

despertar o interesse para o cultivo de horta e conhecimento do processo de


germinação; dar oportunidade de aprender a cultivar plantas utilizadas como
alimentos; degustação do alimento semeado, cultivado e colhido; conscientizar da
importância de estar saboreando um alimento saudável e nutritivo (F.69). Há ainda
os que acrescentam a promoção do contato com o ciclo da natureza, desenvolver a
afetividade, sensibilidade como expresso no folheto de divulgação da Quinta
Pedagógica em Braga/Portugal.
Quando os objetivos são bem delineados e mensuráveis fica mais fácil
perceber os caminhos a serem percorridos para seu alcance. A multiplicidade de
aprendizagens e objetivos pode se configurar em problema pela dificuldade de
identificar quais ações e procedimentos estariam vinculados a cada um dos
objetivos.
Essa perspectiva requer metodologia educativa com olhar complexo, sendo
possível estabelecer outras interações, ainda que a partir de um tema central eleito
como, por exemplo, plantas medicinais e, a partir dele, contemplar aspectos
culturais, fortalecimento da relação humana com o ambiente natural, além de
exercitar uma abordagem que privilegie a participação e a troca de saberes
(SILVEIRA e FARIAS, 2009).
Compreende-se e acata-se como pertinente a sugestão de muitos e diferentes
objetivos devido aos conteúdos diversificados inerentes à horta escolar, que sejam
conceituais, procedimentais e atitudinais, bem como suas interconexões. Porém, é
necessário distingui-los em suas peculiaridades para percebê-los nas relações com
os demais objetivos e com cada um dos componentes concretos e abstratos que
compõem o desenvolvimento da atividade.

5.3 O QUE CONSIDERAR PARA OS RECURSOS MATERIAIS E PARA A


ESTRUTURA FÍSICA DA HORTA ESCOLAR?

Serão utilizadas para a interpretação as subcategorias IV.c Material utilizado


e IV.d Segurança e adaptações do espaço físico inseridas na categoria IV
Desenvolvimento da atividade.
Nessa discussão será considerada a preocupação com estrutura material para
o desenvolvimento da atividade, tais como o aspecto ergonômico, as ferramentas,
198

os itens de proteção e segurança utilizados, a estética adotada e as adaptações em


prol da inclusão de eventuais diferenças físicas entre os escolares.
De um modo geral, a preocupação e os cuidados com a saúde e proteção dos
trabalhadores em seu local de trabalho manifestados nos avanços da legislação, na
crescente cobrança das organizações sindicais e nas denúncias que se tornaram
públicas, não evoluíram na mesma proporção para os trabalhadores do campo. Uma
evidência do mencionado é o fato de que só recentemente, em outubro de 2013, foi
reconhecida a profissão de vaqueiro.
Pode-se opinar que há duas razões para a pouca visibilidade dos homens e
das mulheres (e também das crianças) que exercem a atividade agrícola. A primeira,
mais concreta e literal, se refere ao local onde esta se desenvolve: distante,
escondido, fora do alcance dos olhos da maioria da população. A segunda é mais
complexa e tem raízes históricas no escravagismo e na informalidade, dificultando o
reconhecimento da atividade como profissão. Como as consequências advindas
tornam-se também invisíveis, pouco empenho há em medidas preventivas.
Essas reflexões buscam o entendimento dos descuidos observados com a
organização funcional e estética, a segurança, a proteção, o conforto e a saúde do
estudante quando da proposta do desenvolvimento de atividade agrícola na escola.
Sendo a saúde do escolar a justificativa basilar da horta na escola, esses itens
se tornam fundamentais para aprendizados que se referem aos seus determinantes
cotidianos. Nas 91 experiências analisadas no contexto brasileiro pouca ou
nenhuma atenção foi dada a esses parâmetros.
No que se refere a localização, organização espacial, distribuição e
dimensionamento dos canteiros da horta, a obediência a critérios técnicos de
produção orientados por profissionais como agrônomo, técnico agrícola ou práticos,
pode não coincidir com o melhor desenho pedagógico, como pode ser visto na
crítica apresentada na experiência no F.40: A horta que tínhamos era pouco utilizada
pelas crianças, pois era inadequada e não tinha acesso, sendo que as mesmas
precisavam pular em cima dos canteiros para alcançar as hortaliças.[...]. Constatado
o problema, a horta foi construída num espaço agradável e de fácil acesso para as
crianças.
A localização e a acessibilidade são fatores que, ao fazerem parte ou não da
horta no espaço escolar, influenciam na sua inclusão pedagógica. Fica sugerido que
o local escolhido e a forma de estruturação, além de levar em conta critérios
199

técnicos para a agricultura, como a incidência solar, devem considerar o fácil acesso
e a visibilidade aos estudantes de modo que a horta esteja integrada ao contexto
escolar como um equipamento pedagógico e não como um apêndice. É necessário
também que sejam favorecidos os deslocamentos dos estudantes durante a
atividade.
Em alguns daqueles relatos foi encontrada correspondência com movimento
recente voltado para a estética dos canteiros, concretizado em novas formas
geométricas e cores e que pode ser conferido em diversas fotografias de hortas
escolares publicadas na Web. Aparece também o apelo à participação dos
estudantes nessa composição [...] a parte referente ao paisagismo foi feita com
desenhos de autoria dos alunos (F.14).
Podemos encontrar correlações com as características da agricultura urbana,
na qual as concepções de jardinagem influenciam na organização e na estética
agrícola [...] foram criadas hortas aéreas, em formato de mandalas e até como
canteiros de muros (F.33).
Considerar o impacto visual positivo e o ambiente agradável como parâmetros
importantes para o processo de aprendizagem pode incluir escolhas de cores e
formas, preparação de áreas sombreadas com bancos, por exemplo, sempre com
respaldo em avaliações de suas funções pedagógicas.
Ao lado da questão estética, aparece na escolha de materiais o apelo
ecológico: os canteiros serão construídos a partir de garrafas pet, possibilitando
economia e o reaproveitamento de materiais (F.56). Tal atitude nem sempre suscita
maiores reflexões pedagógicas, podendo ser apresentada como a reprodução de um
modismo.
Ainda na perspectiva ecológica, é frequente o uso do termo orgânico/orgânica
para adjetivar a prática em si (horta orgânica), seus produtos (alimento orgânico) ou
somente os insumos utilizados (adubo orgânico). Em relação ao adubo orgânico
podem ocorrer descuidos quanto à inocuidade do material e as formas de manuseio.
A falta de critérios no que se refere a sua origem pode, sem os devidos cuidados,
trazer risco de contaminação biológica: o adubo utilizado foi doado por uma mãe
(F.30). Há disponível, em lojas especializadas, algumas marcas de adubos
orgânicos tratados e livres de patógenos. Assim como é possível a preparação ou o
tratamento de adubos no espaço escolar, desde que sejam adotados técnicas e
cuidados apropriados.
200

Nesse mesmo contexto, a aquisição e a utilização das sementes relatadas nos


formulários também merecem atenção. Para um cultivo pretensamente orgânico ou
atento aos princípios agroecológicos, as sementes deveriam ser livres de
agrotóxicos e não transgênicas. As sementes convencionais são tratadas com
substâncias tóxicas, o que é descrito e alertado em suas embalagens. Em alguns
relatos são mencionadas doações, inclusive efetuadas por empresas agroalimentares
multinacionais [...] [NOME DA EMPRESA] [...] disponibiliza sementes, equipamentos e
mão de obra técnica especializada para a viabilização da horta em cada unidade
escolar (F.42).
Sem entrar no mérito das possíveis incongruências de objetivos na relação da
escola com a empresa doadora e suas consequências pedagógicas, se observou que
em nenhum dos formulários foi feita qualquer alusão a características das sementes ou
aos cuidados no seu manuseio. O ato de semear tem uma representação simbólica
importante na horta escolar e, dada a sua relativa facilidade, envolve crianças de
idades variadas. É o que encontramos minuciosamente descrito no Formulário 46
no processo de semeadura realizado por crianças de diferentes níveis da educação
infantil.
A ignorância, assim como a negligência em relação às sementes utilizadas,
põe em risco a saúde dos estudantes, como informado nas embalagens de uma
marca comercial disponível no mercado: [...] pode causar irritação na pele e nos
olhos e intoxicação se inalado ou ingerido.
Embora não seja o mais comum, já é possível encontrar em lojas
especializadas sementes sem veneno ou obtê-las com associações ou grupos de
pesquisa vinculados a agriculturas de cunho ecológico. O uso dessas sementes ou,
na impossibilidade, o uso de luvas e a explicitação da situação e suas implicações
para a saúde do estudante e do agricultor, merecem visibilidade no planejamento
pedagógico.
Assim como ocorre com as sementes, a aquisição de outros materiais e
equipamentos necessários para a elaboração das hortas, de um modo geral,
descuida da integridade física dos escolares ao se basear exclusivamente naqueles
listados para a agricultura comercial, como enxada, pá, regador...; garfos, colher de
jardineiro, sementes e carro de mão...; regadores, baldes, telas, madeira, terra etc.;
rastelo, mangueira, canos e torneira para canalizar água... (UA.A.N; F.7; F.54).
201

Fatores relativos à segurança dos escolares são ausentes na quase totalidade


dos 91 formulários. Em um deles nota-se a preocupação com o acesso das crianças
à horta, que não deve oferecer risco algum de acidentes (F.51). Foi citado, em outro
contexto, um caso de acidente devido ao difícil acesso à horta, no qual uma criança
caiu no córrego, resultando em problema para o professor que a partir de então
resolveu não arriscar e desistiu da atividade (UA.A.CO).
Na experiência relatada em UA.A.SE, há ênfase no potencial da horta para a
inclusão do aluno cadeirante, do aluno cego, do aluno surdo, porém, não há
qualquer referência a adaptações para esse fim.
Nas experiências descritas nos 91 formulários e também em UA.A não foram
observadas citações a aspectos ergonômicos ou a equipamentos específicos para
escolares nas atividades nas hortas que visassem à segurança individual e coletiva.
No entanto, em UA.C, foi possível identificar atenção a vários aspectos
negligenciados no total de experiências dos conjuntos analisados anteriormente. Serão
expostos, então, os elementos que foram considerados e que, consequentemente,
revelam aqueles que têm sido desconsiderados em intervenções com hortas com
objetivos voltados para a saúde do escolar.
Na referida intervenção, a funcionalidade pedagógica da horta foi contemplada
no processo desde a elaboração de seu desenho. A questão foi posta para os
escolares a partir de um esboço com canteiros semicirculares, o que deveria
acomodar o equivalente a uma turma de 35 estudantes de modo que os
movimentos, os deslocamentos e as explanações fluíssem satisfatoriamente durante
as atividades na horta. Assim, com a influência direta dos estudantes de idades
variadas, foram propostas, entre outras coisas, descontinuidades e espaçamentos mais
funcionais para os canteiros: as crianças fizeram simulações para calcularmos o
tamanho ideal dos canteiros e dos espaços entre eles. Foi sugerida, pelos alunos, a
elevação do espaço central da horta para facilitar as demonstrações/ exposições
orais (UA.C).
Há a indicação de que a organização do espaço considerou a funcionalidade, a
distribuição e a facilidade de circulação, tendo em conta a quantidade e a diversidade
de escolares a serem atendidos. Para a estruturação dos canteiros foram reutilizados
blocos cilíndricos de cimento. O aproveitamento desse material, existente
previamente no local, para a delimitação dos canteiros parece mais coerente com o
critério ecológico do que o seu descarte para a adesão ao reaproveitamento de
202

outros materiais como garrafas plásticas. É preciso cuidado com a sedução por
escolhas “ecológicas” de materiais sem uma reflexão profunda sobre seus objetivos
e impactos educativos.
A inclusão da ergonomia e de elementos de proteção e segurança foi aprimorada,
também, com a participação dos estudantes na identificação de necessidades do uso
de outros itens. Assim, foram feitas, por todos, anotações em papel deixado sobre a
mesa para esse fim. Foram registrados: repelente, protetor solar, sabonete, varal
para secagem das luvas, vassoura, mais botas pequenas [...] (UA.C).
O empenho físico, rotineiro e reflexivo dos estudantes na execução das
atividades da horta pareceu ser um fator determinante na percepção de requisitos de
proteção e segurança individual e coletivo. O corpo em movimento laboral revela
suas demandas: [...] alunos que fizeram questão de dar continuidade à montagem
dos canteiros, desconsiderando a chuva fina que caia. Foi sugerida a necessidade
de adquirirmos capas de chuva (UA.C).
A diversidade de estudantes envolvidos nos trabalhos com a horta suscita a
observação das características peculiares e expõe inadequações em relação às
ferramentas usuais: [...] Adquirimos uma “enxada de jardim” e estamos estudando a
possibilidade de adaptá-la com cabo de vassouras ao uso de crianças menores. As
enxadas usuais são grandes e pesadas, impróprias para crianças (UA.C).
Além de botas, luvas, protetor solar, repelente, capas de chuva e adaptações de
ferramentas para crianças menores, foram também considerados importantes o uso de
chapéus para reforçar a proteção contra o sol, de aventais para evitar sujar o uniforme
escolar e a implantação de uma estrutura próxima com tanque e torneira que facilitasse
a higiene pessoal, das ferramentas e dos equipamentos.
Esses aspectos, ainda negligenciados no Brasil, foram observados na Quinta
Pedagógica na cidade do Porto/Portugal, na qual as escolas, ao levarem as crianças
para a atividade na horta, são orientadas sobre a adequação de roupas, calçados e uso
de chapéus ou bonés e de capas para dias chuvosos. Além disso, são usados aventais
e ferramentas de jardinagem apropriadas à idade. Também no Instituto Alícia/Espanha,
as ferramentas como enxadas, ancinhos, pás e carrinhos de mão são adequadas ao
tamanho dos estudantes.
Outra dimensão, já sinalizada, a ser considerada na elaboração da horta é que
esta tenha um desenho inclusivo. Os resultados da pesquisa sugerem diferentes formas
203

de inclusão. A acessibilidade precisa ser pensada para o atendimento das possíveis


diferenças humanas em função da idade e de necessidades especiais.
Revejo minhas fotos antigas das hortas em escolas nas quais trabalhei. Numa
delas eu estou em meio a vários estudantes que alegremente realizam a atividade
de plantio de mudas produzidas em bandejas. O agrônomo distribui com cuidado as
mudas e orienta a ação. Lá está um estudante em cadeira de rodas, rindo com os
outros. Naquelas condições seria inviável circular entre os canteiros ou participar da
atividade de plantio. Ele ficou à margem e eu, tão atenta, tão justa, tão politicamente
correta, não percebia a exclusão. Muitos anos se passaram para que esse aspecto
fosse por mim percebido.
Em visita a uma escola especial no município de Itaguaí-RJ me foram
apresentados canteiros suspensos para o manuseio por cadeirantes, o que seria
natural uma vez que o espaço todo é pensado em termos de adaptações. Na
literatura sobre hortas terapêuticas em Portugal a lógica é a mesma. Em outro
contexto no mesmo país a forração sintética usada entre os canteiros na Quinta
Pedagógica de Porto foi pensada a partir da visita de um estudante cadeirante.
Podemos acrescentar, ainda, a construção de rampas, de canteiros com diferentes
alturas e outras formas de obter superfícies regulares e facilitar o acesso.
Os itens apresentados apontam sugestões e encaminham para a necessidade de
elaboração, por uma equipe multidisciplinar em conjunto com a comunidade escolar, de
equipamentos, de materiais e de orientações adequados para o desenvolvimento das
ações nas hortas escolares.

5.4 COMO DESENVOLVER A ATIVIDADE?

A aproximação e o aprofundamento de referenciais contra-hegemônicos


conduzem a elaboração de objetivos e a organização de espaço e de recursos
materiais correspondentes. Entretanto, fomos e somos forjados diariamente sob a
égide dos modelos hegemônicos de forma que, mesmo com um intenso exercício
cognitivo contra-hegemônico, ambos podem coexistir em nós. É o que Guimarães
(2006) chama de armadilha paradigmática, quando se refere a ações em Educação
Ambiental, e que pode ser aplicado a outras áreas de conhecimento, ou seja,
mesmo o indivíduo imbuído de um sentimento contra-hegemônico pode incorrer na
reprodução de fazeres pedagógicos ditados pela racionalidade hegemônica. Assim,
204

a intenção não é ditar regras sobre a forma de conduzir as ações pedagógicas na


horta, mas ajudar a refletir sobre as mesmas a partir de elementos já percebidos em
outras experiências, alertar para as armadilhas e apontar caminhos.
Os componentes da categoria IV, denominada “Desenvolvimento da
atividade”, trazem um elenco de aspectos importantes nesse sentido e subsidiam as
discussões a seguir. São eles: as habilidades e os conhecimentos necessários para
elaborar e conduzir a atividade (IV.a); as formas de participação dos estudantes
(IV.b); algumas dificuldades recorrentes e as formas de superação (IV.e); a
participação da comunidade escolar e entorno (não estudantes) (IV.f); algumas
estratégias didáticas (IV.g).
A construção e a condução das atividades na horta escolar demandam
habilidades e conhecimentos relacionados aos aspectos teóricos e práticos de
agricultura, assim como aqueles referentes à mediação de uma ação pedagógica
com crianças e adolescentes. Por vezes há o desejo por parte de membros da
escola de ter uma horta devido ao histórico de vida e afinidade pessoal com a
agricultura como uma grande vivência na terra por ser de família de agricultores
(UA.A.SE) ou, como tem sido comum, a aproximação ocorre pelas temáticas da
disciplina curricular. Nesse caso, há uma alta frequência do envolvimento por ser
professor de ciências (UA.A.N).
Partir para a ação lançando mão, exclusivamente, do vínculo afetivo ou dos
conhecimentos científicos ou dos conhecimentos práticos ou da liderança
pedagógica não tem se mostrado suficiente para o sucesso da empreitada,
culminando em frustração como mostra a professora de Ciências [...] eu tive vontade
de fazer, mas imagina, não sabia fazer nada... Alguns alunos, muito interessados
pegavam a enxada, a gente capinou o terreno primeiro... Então, a coisa não
funcionou, infelizmente não deu pra andar, e eu fiquei meio frustrada (UA.C). Em
outras situações só o domínio técnico não assegura uma ação didaticamente
adequada: [...] mais três alunos que mostraram interesse em participar da oficina de
hortas. Eu que sou "desse jeito permissivo" deixei. Só que eles atrapalharam o
tempo todo (UA.C). A avaliação de um professor sobre o insucesso da ação do
técnico na horta escolar esclarece e sintetiza as duas situações anteriores: [...] vai
ter que lidar com crianças... Além de lidar com a terra ela tem que tá sabendo
socializar aquele conhecimento [...] (UA.A.N).
205

É possível observar que, além dos conhecimentos sobre técnicas em


agricultura e habilidade para mediar as ações, outras qualificações são demandadas
nas atividades com hortas e, assim como muitos professores, os coordenadores
pedagógicos também não se sentem aptos a trabalhar os temas alimentação e
nutrição que subsidiariam tais práticas. Parece ser necessária a conjugação de
conhecimentos e habilidades, os quais nem sempre estão reunidos em um mesmo
indivíduo.
Assim, sem exclusividade, o conhecimento técnico é apresentado como uma
necessidade importante, tanto para o início das ações como a formação dos
canteiros e dimensionamento do espaço para a realização dos cultivos [...] (F.7),
como ao longo do processo alertando sobre alguns descuidos e equívocos
cometidos [...] (UA.C). É preciso atentar para a formação desse colaborador, seja
um prático ou um técnico, especialmente quando a proposta é de agricultura
diferente da convencional e há necessidade de ministrar os conteúdos teóricos e
práticos sobre o cultivo de hortas orgânicas (F.86). O apoio oferecido por empresas
privadas necessita ser analisado com cautela. As parcerias intersetoriais com órgãos
públicos são bem-vindas e podem viabilizar o apoio de profissionais especializados
tanto para a agricultura quanto para as orientações relativas à alimentação. No
entanto, não pode haver descuido com modelo de agricultura e com a abordagem
educativa pretendida.
Assim temos três eixos fundamentais e indissociáveis de conhecimentos e
habilidades para a condução das ações na horta escolar: a agricultura, a
alimentação e o pedagógico. Esses precisam se articular de tal forma que a
perspectiva educativa perpasse cada etapa dessa prática pedagógica.
Pode-se afirmar que é unânime a opinião favorável à participação de crianças e
adolescentes nas hortas escolares, porém, o mesmo não se pode dizer em relação à
forma como isso deva ocorrer e ao grau de envolvimento destes nos afazeres
requeridos para a construção e a manutenção.
Na maioria das experiências analisadas o empenho físico é afirmado, porém, é
mencionado de diferentes formas. Poucos trazem detalhes sobre esse item, ainda
assim o exposto indica que as tarefas da horta, na maioria dos casos, não são
assumidas integralmente pelas crianças, havendo mão de obra adulta no que parece
ser considerado mais “pesado”.
206

Há algumas poucas situações em que se sugere a participação de todos em


tudo: Todas as atividades envolveram os alunos da escola. (F.73) e é realizado na
escola com a participação de todos os alunos, desde o berçário até o 1º período,
com alunos de 4 anos (F.88). Porém, ter participação em tudo não indica
necessariamente ter realizado todas as etapas. Em outras, sem que sejam
esclarecidos os critérios, há os eleitos em uma determinada turma: [...] os
professores, geralmente, escolhiam alguns alunos, não era a turma (UA.A.N). Ou de
modo mais amplo, turmas inteiras: [...] turmas do 6º ano à 8ª série, que ajudam no
preparo dos canteiros, bem como no plantio de mudas de hortaliças produzidas na
própria escola, também auxiliando na limpeza dos canteiros e manutenção do
minhocário (F.72).
Muitos dos relatos especificam o envolvimento parcial dos escolares nas
atividades estando presente a ideia de ajudar, ou seja, eles ajudam, por exemplo, a
produzir as bandejas [de mudas] (UA.A.CO); ou regando, retirando as ervas
daninhas e também ajudando na colheita (F.83).
Foram encontradas elaborações minuciosas buscando adequação para as
várias faixas etárias em creches e unidades de educação infantil, por exemplo, o
berçário e grupo de 1 ano cultiva o tomateiro na porta das salas, pois as crianças
ainda não conseguem se locomover diariamente para a horta. As turmas de 2, 3 e 4
anos visitam diariamente a horta, com rodízio dos alunos para a observação e
cuidados necessários. Nesse caso, foi montado um cronograma no qual, de 40 em
40 minutos, 5 alunos de cada turma são convidados na sala de aula para
participarem do Projeto, de forma que durante a semana sua presença é garantida
pelo menos uma vez (F.88). Podemos supor que com o esquema apresentado a
existência da horta estaria assegurada como resultado de uma construção laboral de
todos. Entretanto, fica difícil avaliar as perdas e os ganhos pedagógicos com essa
subdivisão de um trabalho coletivo, uma vez que não foi apresentado o
detalhamento da ação educativa.
Em outra experiência, além de buscar a adequação do trabalho físico em
função da faixa etária, a horta foi parcelada para ficar sob a responsabilidade de
turmas determinadas: Infantil I A: canteiro 1- semente de salsa Infantil I B: canteiro 2
- semente de cebolinha Infantil II A: canteiro 3 - semente de cenoura [...]. Assim,
cada turma cuida da manutenção do seu canteiro, organizando um período do dia
para esse trabalho: regar, tirar os matinhos, etc. Houve aqui, como na outra
207

experiência apresentada, a preocupação em incluir os menores [...] Berçários e


Inicial A e B participarão do projeto por meio de visitas na horta e degustação de
alimentos. A equipe informa que conta com o auxílio de uma funcionária para a
manutenção diária da horta. (F.46). Vemos aqui outra forma de partilhar o trabalho,
na qual fica mais explícita a responsabilidade atribuída a cada turma e o canteiro
como resultado da ação conjunta e diária de um grupo. Queremos acreditar que não
houve estímulos a comportamentos de possessividade e disputas e que a totalidade
dos canteiros foi tratada como uma obra única proveniente do esforço coletivo.
Ainda, nesse último caso, é interessante destacar a valorização da conjugação
corpo em movimento, cognição e elementos naturais para o aprendizado no
contexto da horta: [...] revolver a terra, plantar, arrancar mato, podar, regar não só
constituem ótimo exercício físico como representam uma forma de aprendizado
saudável e criativa, tal qual o contato com as coisas da natureza (F.46).
O enviesamento de paradigmas e a pouca clareza sobre os objetivos da
atividade podem trazer incertezas sobre a participação dos escolares ao longo do
processo de implantação e manutenção de uma horta. Essas incertezas parecem,
em muitos casos, estar vinculadas a uma questão histórica e simbólica maior: o
estudante deve ou não pegar na enxada? Eis a questão!
Em pesquisa anterior sobre as percepções da comunidade escolar sobre as
hortas, embora tenha sido constatado um consenso em relação à sua importância
na escola, foi possível perceber a imprecisão no que se refere às tarefas que as
crianças podem e/ou devem realizar, bem como ao coeficiente de seu empenho
físico. A conclusão a que se chegou naquela investigação é de que a questão chave
estaria na representação que se tem da atividade, ou seja, o que estaria sendo
considerado trabalho penoso para crianças poderia estar mais relacionado a
representação simbólica do trabalho braçal, especialmente do agrícola, do que ao
desgaste físico proporcionado. A comparação entre as taxas de energia
empreendida numa atividade esportiva e na construção e em cuidados coletivos de
uma horta – e a maneira como são usualmente percebidas tais diligências – nos
parece emblemática (SILVA, 2010, p.225).
O planejamento, a elaboração e a manutenção de uma horta escolar não se
constituem em tarefa simples. As modalidades e os graus de dificuldades vão variar
em função das variáveis locais que envolvem desde desejos e empenhos pessoais e
coletivos à disponibilidade ou possibilidade de acesso a informações, recursos
208

humanos e materiais. Há entraves que se mostram comuns a várias iniciativas e


que, por vezes, podem ser vistos como barreiras intransponíveis. No entanto, as
experiências bem sucedidas mostram que tais obstáculos são passíveis de
superação.
Nos relatos, um problema apresentado como de difícil solução é a execução
do trabalho braçal/manual exigido pela horta. Aqui encontramos paralelo com as
discussões sobre o empenho laboral dos estudantes e a questão da enxada.
Lamenta-se a carência de um funcionário específico para essa atividade, que
normalmente se distribui entre vigias, serventes, auxiliares de limpeza, etc., o que
causa descontentamento e discussões a respeito de quem vai fazê-lo, necessitando,
assim, de empenho da direção e da coordenação da escola para estimular e motivar
os profissionais a realizar a manutenção das hortas, sejam professores, alunos,
vigias, merendeiras etc. (F.11).
Considerando que a iniciativa para a elaboração da horta parta de um
professor ou de alguem que não poderá dispor de tempo exclusivo para se dedicar à
atividade por conta da carga horária, esse negócio todo, muitas turmas (UA.A.N) e,
estando presente o entendimento de que os estudantes não serão aqueles que
pegarão no “pesado” na construção e manutenção da horta, além dos argumentos
de que há um amplo currículo a cumprir, de que há os finais de semana, os recessos
escolares, os feriados e as férias, surge como problema encontrar, na comunidade
escolar, alguém que assuma essas tarefas porque é trabalhoso e não tem nenhuma
pessoa pra gerenciar (UA.A.N).
Assim é lamentada a falta de mão-de-obra para a construção dos canteiros e
transporte para insumos [...] (F.58) e a dificuldade de encontrar um profissional com
perfil para trabalhar com Horta Escolar e as etapas de limpeza e preparação do
terreno a ser cultivado (F.89) e de garantir a participação efetiva de todos os alunos
(F.74). Uma possibilidade sugerida nas experiências analisadas é a cessão de
profissionais de outros órgãos públicos para a preparação do terreno e a montagem
da estrutura inicial. Ou ainda que seja autorizado, pelos órgãos competentes, o
financiamento para construção dos canteiros (F.4), tendo como perspectiva um
equipamento pedagógico.
Foi possível observar posturas diferentes na resolução desse problema e que
parecem estar relacionadas ao perfil da pessoa que conduz a atividade e do grupo
atendido. Como mencionado, destaca-se a percepção de que seja necessária a
209

presença de um trabalhador braçal (Não alguém para compartilhar experiências!)


por se considerar que as tarefas da horta não deveriam ficar todas a cargo dos
estudantes. Seria o caso de analisar tal escolha à luz da complexidade e tentar
compreender as dimensões envolvidas e possíveis implicações pedagógicas.
Em contrapartida, o empenho físico mais intenso, tanto do professor quanto
das crianças e adolescentes, aparece naturalizado em alguns casos, fazendo com
que esse fator não conste como dificuldade: [...] tivemos que tirar a grama, que „tava‟
plantada, né, aos pedacinhos, com as crianças, cavar em volta [...] (UA.A.SE),
embora falte precisão sobre a extensão laboral dos estudantes na maioria dos
relatos nos quais se afirma a sua participação. Há situações em que fica explícito
que os alunos, junto com os técnicos e os pais, preparavam a terra dos canteiros
para o plantio. E após era realizado o plantio, cada participante plantou uma muda.
Os próprios alunos realizam a manutenção da horta escolar (F. 61).
A ausência de suporte material e/ou recursos financeiros para a construção e
manutenção da horta também é apontada como dificuldade (F.4). O problema tem
sido resolvido com doações provenientes do professor: [...] eu trouxe um regador de
casa ou de outros membros da comunidade escolar [...] um pai que trabalhava na
prefeitura [...] trouxe mesmo, adubo orgânico, trouxe vários sacos, né? De adubo, de
terra, adubo orgânico doou ainda uma, uma enxadinha, uma pazinha, e tal e é com
isso que a gente trabalha até hoje (UA.A.SE). A situação nos coloca diante de um
impasse. Por um lado, o voluntariado, ao partir de um intenso desejo de realizar
algo, propicia mais envolvimento e pode consolidar maior apropriação do construído.
Por outro, há o risco de fortalecimento da ideia de sacerdócio, há muito imputada
aos que se dedicam à educação, com o agravante de sua associação ao difundido
“jeitinho” brasileiro. Essa postura acaba por eximir de responsabilidade os devidos
gestores e órgãos.
Ainda no rol dos riscos, foram encontradas situações nas quais as dificuldades
conduzem a equipe a se deixar seduzir pelo “canto da sereia”, ou seja, o apoio dado
por grandes empresas ligadas ao setor agroalimentar. Apoio esse que pode
comprometer os conteúdos educativos como já referido anteriormente.
A consensualidade que permeia a aprovação de projetos de horta na escola
mostra contradição com os descuidos verificados quando se trata da infraestrutura e
do respeito demandados para a sua execução, o que pode ser descrito na queixa da
professora: [...] pegam os meus instrumentos de trabalho, que tá escrito “projeto
210

horta,” né? Dentro da caixinha, pegam pra usar lá no trabalho deles, quebram e
deixam lá atrás [...] (UA.A.SE).
A visão ingênua de que a prática da agricultura não exige conhecimentos
precisos faz com que alguns desavisados proponham ou se aventurem na execução
de hortas escolares até constatarem a falta de conhecimento técnico como a maior
dificuldade (F.77). Nesse caso, como já mencionado, é possível buscar apoio de
órgãos públicos que oferecem assistência técnica ou de algum prático, sem
descuidar do modelo de agricultura em questão. Dependendo da condição daquele
que prestará assistência técnica, solicitam-se somente orientações bem específicas,
por exemplo, de como fazer a programação de quantidade e ou rotatividade das
hortaliças nos canteiros (F.1).
Os conhecimentos técnicos podem contribuir na resolução ou na redução de
outros potenciais empecilhos como a sazonalidade climática, como no caso em que
é citado que as hortas declinam sua produção devido às chuvas intermitentes (F.11),
ou ainda, o desânimo provocado pela aparência da horta após o período de férias
escolares. Há equívocos nas formas de perceber a situação e que poderiam ser
resolvidos com soluções técnicas e abordagens educativas relativamente simples,
como plantios de culturas pouco exigentes e que possam crescer bem durante o
período de férias. Assim, no retorno das aulas, teremos não somente “mato”, mas
algo que possa ser colhido [...] (UA.C); ou esclarecimentos sobre o papel importante
da proteção do solo que desempenha o que nos acostumamos a chamar de “mato”
e, ainda, provocar conflitos entre a lógica de produtividade agrícola hegemônica e a
necessidade de repouso do solo.
Conseguir materializar a horta na escola e desenvolver um trabalho
pedagógico que atenda a novos objetivos não são empreendimentos fáceis quando
a formação do professor e toda a estrutura escolar estão presas a lógicas
incompatíveis. Nessa conjuntura é difícil fazer o planejamento de como trabalhar a
horta de forma interdisciplinar em sala de aula a longo prazo (F.77); garantir a
participação efetiva de todos os alunos (F.74); fazer adaptações para trabalhar com
alunos menores, tendo em vista que o CURRICULO é diferente... (UA.A.SE) [ênfase
dada pelo informante]; envolver outros atores sociais, como as merendeiras, uma
vez que pode-se deparar com as regras da empresa que não pode sair da
cozinha[...] (UA.A.SE); ou mesmo utilizar o espaço físico e equipamentos já
existentes na escola na preparação dos alimentos produzidos na horta, provocando
211

quebra no processo pedagógico quando a professora, por exemplo, prepara os


produtos da horta em casa e leva pra os alunos (UA.A.SE). Em relação a esse
último item, vale alongar um pouco mais a discussão.
Ainda que seja notório que, para além do PNAE, acontece o oferecimento de
alimentos diversos nas escolas sem nenhum controle de qualidade durante
comemorações aleatórias ou do calendário escolar tradicional, a proposição de
consumo de algum alimento externo, inserido numa prática educativa, pode colocar
em evidência desconformidades com a alimentação escolar institucionalizada, até
então não percebidas. É o que ocorreu quando o professor, responsável pela turma,
hesitou em autorizar o consumo de alimentos por estudantes quando oferecidos pela
equipe de projeto com horta em UA.C. Os alimentos compunham a ação pedagógica
que envolvia processo do plantio ao consumo - da maniva ao bolo de aipim e do
milho ao bolo de fubá - e, quando um membro da equipe foi procurar a direção para
saber se poderia oferecer alimentos fora da merenda, estabeleceu-se um mal estar
devido à falta de domínio do tema (UA.C). Embora a dúvida tenha permanecido, a
autorização foi dada diante de questionamentos sobre os outros consumos
assumidos pela escola no contexto de atividades pedagógicas como dia das
crianças, festa junina, entre outras.
Cabe destacar, como visto em muitos relatos, que os produtos da horta são
considerados para o consumo na alimentação escolar. Entretanto, existe a
orientação de que o cardápio seja elaborado por nutricionista obedecendo a critérios
quantitativos e qualitativos. Em tese, a inserção de qualquer outro alimento deveria
passar pelo crivo deste profissional. Sendo assim, mais uma vez estamos diante
daquele impasse quando nos confrontamos com a realidade atual da maioria das
escolas brasileiras: seria o caso de controlar, assim como tem sido feito com as
cantinas escolares, a entrada de quaisquer outros alimentos na escola? Sendo o ato
de comer um dos pontos altos das festividades escolares, como proibir? Quantas
dimensões estão envolvidas? Teríamos nutricionistas para orientar cada proposta?
Entendemos que o envolvimento do responsável técnico pela alimentação escolar
ou do nutricionista no planejamento de ações relativas à horta seria uma forma de
solucionar a questão.
Um outro ponto que chama muito a atenção é a afirmação expressa em muitas
das experiências com hortas de que, a partir destas, houve introdução de novos
alimentos na dieta das crianças. Entretanto, esse mesmo item aparece como um
212

processo trabalhoso em grande parte dos relatos sob a alegação de que é difícil
mudar os maus hábitos alimentares (F.74) e que a criança teria dificuldade de
perceber a diversidade e a necessidade de mudança de hábitos, o que configura
obstáculos para introduzir um cardápio saudável no dia a dia (F.3). A superação
desses entraves não é apresentada de modo explícito.
A conscientização é classificada como problema e solução. Assim, a
conscientização dos alunos na mudança de hábitos alimentares foi exposta como
uma dificuldade, mas que teria sido ultrapassada a partir dela mesma, ou seja, a
mudança ocorreu a partir da conscientização: a maioria não tinha o hábito de comer
verduras e legumes – antes do projeto todas as verduras tinham que ser passadas
no liquidificador (F.4). É possível que, numa visão superficial, se entenda a
conscientização como simples tomada de consciência, porém, esta precisa ir além,
consistindo no desenvolvimento crítico da tomada de consciência (FREIRE, 2008, p.
30). Cabe, então, o aprofundamento da reflexão sobre o contexto em que a
expressão conscientização é utilizada para compreender qual o significado que lhe
está sendo atribuído.
A contribuição na integração social de grupos de escolares estigmatizados tem
sido uma das demandas das escolas para as hortas, porém, entendemos que ao
serem oferecidas atividades exclusivas para esses estudantes corre-se o risco de
reforçar a diferença destes ao invés de integrá-los. Uma vez estabelecida, tal
diferenciação passa a ser uma barreira para um trabalho coletivo heterogêneo
quando se observam atitudes discriminatórias: Explicamos que iríamos passar a
fazer as atividades junto aos alunos das turmas de Acelera [defasados série-idade].
Os alunos tiveram uma reação negativa (UA.C). A habilidade dos mediadores nos
diálogos e na organização das tarefas permitiu explorar o caráter cooperativo da
horta promovendo a integração de estudantes de diferentes séries, idades e sexos.
O desenvolvimento da horta na escola como uma prática educativa que agrega
conteúdos curriculares transversais demanda, para plenitude de suas ações e
objetivos, a participação não somente dos estudantes, mas de outros (senão de
todos!) os membros da comunidade escolar e do entorno da escola.
Tem sido comum o oferecimento da atividade na modalidade denominada
oficina sob a orientação de um técnico ou prático, na qual o escolar se inscreve e
participa no contraturno das aulas regulares ou, quando a atividade se dá no turno
regular, ocorre para toda uma turma ou mais na condição de extraclasse. Fato
213

semelhante acontece quando um professor ou professora resolve desenvolver a


atividade com a(s) turma(s) sob sua responsabilidade. Em ambas as situações,
geralmente, a participação na horta fica restrita ao condutor da atividade e aos
estudantes, possivelmente, restringindo o potencial e abrangência educativos.
Percebem-se, nas descrições da atividade, movimentos de ampliação desse público,
porém, pouco se explicita o modo de participação ou o tempo dedicado a isso.
Na conjuntura apresentada temos situações nas quais são citados o técnico
agrícola, 24 professores, e 420 alunos da escola, sem que sejam feitas referências
aos pais nem aos demais membros da comunidade (F.8). Em outra, além de
escolares e professores, se incluem merendeiras, coordenadora pedagógica, da
coordenadora merenda e hortelão (F.69). Esperamos que a inserção desses e de
outros membros seja encaminhada sob a ótica de que todos ensinam e aprendem
conjuntamente nesse processo, indo além de apenas ter um voluntário que cuida
diariamente da horta (F.63) ou contar com um funcionário que cuida regularmente
dos afazeres da horta e outros serviços (F.79). Esses podem ter muito a ensinar e a
aprender. O mesmo ponto de vista se aplica para a pretensão de que a escola será
capaz de promover nas famílias dos estudantes a transição para um modelo de
agricultura ecológica, acreditando que os pais irão aprender com os filhos que
existem outras formas de obter uma renda dentro da pequena propriedade (F.72).
Apostamos na criação de espaços nos quais seja favorecido o compartilhamento de
saberes e a problematização dos conflitos.
A sedução e o convite à participação podem ser conduzidos por meio de
estratégias diversificadas em função da realidade local e das oportunidades que se
apresentarem antes e durante a construção da horta. Em UA.C houve uma tentativa
frustrada de oficina conjunta – com todos os setores da escola – para apresentação
do projeto. Foram realizadas então oficinas específicas. Para os professores,
aproveitando o espaço da reunião pedagógica ordinária. Para os funcionários
(priorizando as merendeiras), em um dia em que não houve aula. Com os pais dos
estudantes foi feita uma exposição dialogada sobre a proposta por ocasião de
reunião com a direção já prevista no calendário escolar. Nesta, um pai, ao perceber
valorizados os seus saberes, disse que sempre trabalhou com plantação e com um
olhar brilhando perguntou se podia ser voluntário do projeto.
Com o projeto em andamento, buscar instituições para aprofundar
conhecimentos e envolver o maior número possível de setores e indivíduos contribui
214

para o fortalecimento da atividade e das relações [...] participamos de uma visita


guiada à Fazenda Agroecológica da EMBRAPA [além dos estudantes e seus
professores, foram também a diretora adjunta e a coordenadora pedagógica, as
agrônomas que dão orientação técnica, e os responsáveis pelo projeto] (UA. C).
Foram exibidos, até aqui, aspectos diversos que têm interferido no
desenvolvimento das etapas que envolvem a horta escolar, aqui considerados todos
com consequências educativas “para o bem ou para o mal”, ou seja, a forma como
se planeja a ação e como se procede diante dos imprevistos poderá ser
determinante para alcançar, ou não, aqueles objetivos idealizados. Incorrendo-se no
risco, inclusive, de resultados contrários aos objetivos traçados.
Dessa forma, as estratégias didáticas podem ir se constituindo no dia a dia, na
reflexão intensa do fazer pedagógico - ação-reflexão-ação -, na busca incessante do
invisibilizado, do ocultado pela naturalização dos modelos hegemônicos.
Um embate a ser travado é com a imagem idealizada para a horta escolar,
baseada num padrão hegemônico, como o monocultivo em pequenos módulos, com
canteiros “limpos”, ou seja, livre de “matos”. Dar visibilidade aos “matos” é um
trabalho educativo que pode ser iniciado antes da preparação do terreno para o
cultivo. É importante levar os estudantes (mas não só eles!) para observar a área, os
elementos que compõem aquele ecossistema, as suas existências e interrelações,
por que e como estão ali, propor reflexões para além da “utilidade” direta para o ser
humano, sugerir outro olhar estético para as cores e formas presentes, fazer a
avaliação criteriosa do que, de fato, precisa ser retirado para viabilizar a horta e a
coleta de amostras de vegetais antes de sua remoção. A preparação de exsicatas foi
uma proposta de coroamento desse procedimento dando a noção da variedade de
plantas que foram coletadas. Isso corroborou com a ideia de que não existe "um"
mato ali, e sim, uma DIVERSIDADE de plantas... (UA.C) [ênfase dada pelo
informante]. Em geral, mesmo os entusiastas da horta escolar e com um histórico de
experiências, manifestam incômodo com a vegetação espontânea e a urgência em
“limpar” o terreno, ignorando a importância daquela cobertura vegetal para a
proteção do solo e as suas possibilidades pedagógicas.
Outro confronto pode ser feito com a percepção vigente da disjunção entre
intelecto e corpo físico e, especialmente, a distinção que rotula estudantes capazes
intelectualmente e aqueles incapazes e que, portanto, precisam fazer “algo prático”.
É o que podemos depreender da fala da diretora quando esta solicita que o trabalho
215

da horta se volte para turmas com defasagem série-idade, ambicionando que os


alunos façam algo mais prático na horta, pois eles [os professores] percebem que
estas aulas teóricas parecem não estar acrescentado nada. Concordamos que aulas
exclusivamente teóricas podem ser desinteressantes para qualquer estudante e que
o empenho físico, numa ação coletiva, mobiliza mais sentidos e pode ser mais
estimulante, inclusive cognitivamente, como observou esse coordenador da
atividade em seu relato: o empenho físico mais intenso em prol da construção
efetiva da horta teve um efeito muito positivo no ânimo dos alunos: “Foi o dia mais
legal, foi hoje!” [fala de estudante] (UA.C).
Retomando a noção de discriminação de turmas em função das consideradas
dificuldades de aprendizado e/ou indisciplina, a possibilidade de promover
interações por meio da horta com a junção de estudantes de diferentes idades e
estágios na aprendizagem escolar poderia ser um problema. Com o agravante do
rótulo imputado aos escolares da turma de aceleração, a resistência dos demais foi
um obstáculo estrategicamente vencido com atribuições diferentes de acordo com a
idade (UA.C).
Além da questão da idade e status intelectual, foram percebidos preconceitos
em relação ao gênero, os quais podem ser enquadrados como fator de dificuldade,
problema que foi bem conduzido. Foi relatado que meninas estavam resistentes em
relação ao trabalho na horta e que os meninos, de certa forma, contribuíram para
isso fazendo piadinhas e algumas brincadeiras maliciosas. O tema foi colocado em
discussão a partir de exemplos concretos sobre o papel das mulheres na agricultura
nos diferentes níveis. Chamaram a atenção para o fato de haver duas agrônomas
prestando assessoria técnica para a horta em elaboração e as profissionais, as
estudantes do curso técnico em agroecologia e das graduações de Agronomia e
Veterinária conhecidas durante visita a um centro de Pesquisa em Agricultura e
Pecuária. Além disso, a coordenação direta da atividade contava com três membros,
sendo duas mulheres que participavam ativamente do trabalho manual/braçal. Com
argumentos debatidos, foi dado o tempo para reflexão e decisão e, num dado
momento, elas decidiram que também queriam trabalhar e três delas pediram para
colocar as luvas e as botas. Iniciaram o trabalho construindo um canteiro delas.
Posteriormente, alguns meninos se aproximaram e ensaiaram uns palpites e
passaram a ajudar, embora elas tenham demonstrado autonomia e empenho no
serviço (UA.C).
216

O que plantar? Por que plantar alface e não feijão, arroz, aipim? Qual o
impacto pedagógico provocado por tais cultivos? A escolha criteriosa do que será
cultivado sobressai como um ponto fundamental. A submissão aos critérios de
plantios comerciais ou baseados na inserção na alimentação escolar inibem
ousadias mais ricas pedagogicamente. A escolha dos cultivos não pode somente ser
uma mera repetição do já tem sido feito. Em qual modelo essa escolha tem se
baseado?
É o momento de planejar e inquirir que dimensões podem ser trazidas para a
visibilidade a partir do alimento escolhido para o plantio, mesmo quando este for o
convencional, como aspectos sociais, culturais, culinários, afetivos, históricos,
ambientais, econômicos. Foi o que discutimos em relação ao plantio de feijão e
arroz, anteriormente. É possível suscitar o conflito de modelos desde os cultivos
escolhidos a partir de atividade de reflexão e registro sobre as etapas que vão da
produção até o consumo do alimento, usando, por exemplo, grãos de milho, fubá e
bolo de fubá (UA.C). As embalagens de derivados de milho trazem, atualmente,
informações sobre suas características genéticas, o que facilita a conceituação e a
problematização sobre alimentos transgênicos.
A troca de e-mails entre os membros do projeto de horta ilustra bem a angústia
e o esforço criativo para proporcionar aos estudantes um rico momento de
aprendizagem durante a colheita e o consumo, coerente com uma postura crítica ao
hegemônico e sem ser enfadonho. Como envolvê-los, como motivá-los, como
sensibilizá-los para essas reflexões? Durante a semana, pensei várias vezes nesses
rabanetes e não conseguia fechar uma proposta consistente e interessante. Como
resultados desse empenho coletivo surgiram estratégias pedagógicas com boa
acolhida pelos escolares e com impacto educativo avaliado como positivo (UA.C):
a) Antes da colheita foi organizada uma rememoração com exposição das fotos
que mostram o desenvolvimento do trabalho feito desde o começo do projeto
e a importância da participação de cada um;
b) Para o momento da colheita, a coisa foi bem planejada, lançou-se mão de
certa “solenidade”, para a percepção do valor do ato. Houve atenção para que
a professora não ficasse excluída, pois, às vezes, a mesma se mantém
afastada da atividade;
c) No momento do consumo do alimento cultivado, vários detalhes mereceram
atenção. O refeitório da escola foi organizado com uma bancada frontal para
217

a exposição e cadeiras em forma de U para os estudantes. Providenciaram-se


vasilhas para um manuseio organizado e esteticamente bonito. A bancada
estava arrumada e as bandejas para a degustação já estavam prontas
quando os alunos chegaram;
d) Foi escolhido para a demonstração culinária o rapaz da equipe, de propósito,
para a reflexão de gênero [...]. De avental vermelho, numa mesa arrumadinha
e bem colorida [...] (tipo programa de TV);
e) Elaborou-se uma receita bem interessante, mesmo que utilizando outros
ingredientes [...] com os petiscos/espetinhos coloridos compostos de
quadradinhos de pão de forma + rodelinha de rabanete + queijo + rúcula,
temperados com azeite, sal, alho torrado, orégano e gergelim ... O
“cozinheiro” falou sobre a importância do ato de cozinhar e sobre os alimentos
utilizados e suas respectivas origens. Estes ficaram estrategicamente
expostos e com demonstração da preparação de forma sutilmente bem-
humorada. O apresentador fez a demonstração da montagem do pestisco e
em seguida comeu com prazer. Os estudantes estiveram super atentos
durante a exposição;
f) Vale destacar a informação de que nenhum dos estudantes presentes havia
provado antes rúcula ou rabanete, o que aumentava a expectativa da equipe
coordenadora da ação. A preparação foi servida em bandejas com paninhos
brancos bordados. Um dos membros da equipe se mostrou gratamente
surpreendido com o comportamento dos estudantes, informando que
normalmente são meio truculentos, se mostraram super educados e até a
reação ao amargo, picante foi tranquila;
g) Em seguida eles foram convidados a experimentarem só o rabanete e a
rúcula separadamente, que já estavam cortados sobre a mesa, estimulados
pelos três membros da equipe e outros adultos que assim procediam. Nessa
situação constataram que os estudantes gostaram do espetinho e repetiram
algumas vezes, mas ao provarem a rúcula e o rabanete puro, faziam caretas
e comentários “é muito forte” de forma tranquila e educada;
h) Um dos coordenadores avaliou que a postura dos alunos foi de atenção e
respeito para com a atividade, possivelmente pela forma organizada e bela
como esta atividade foi desenvolvida. A descrição de outro membro no
relatório corrobora essa percepção do comportamento dos escolares, não só
218

indicando o acerto na escolha das estratégias como demonstrando um


entendimento de processo quando se trata da constituição do gosto alimentar.
As reações foram diversas, desde aqueles que repetiram e alguns até
quiseram experimentar os sabores, separadamente, do rabanete e da rúcula.
Mesmo os que declararam não ter gostado não manifestaram essa coisa de
nojo, de cuspir... e só uma menina não aceitou experimentar.
O interesse em implantar horta escolar tem crescido e aqueles que nutrem
esse desejo, por vezes, partem da ideia de que a sua realização depende de alguém
que ensine como fazer numa perspectiva de “manual de instruções”. De um modo
geral, há o entusiasmo por experiências que mostrem algum diferencial, algo que
não havia sido “pensado antes”. É o que temos vivenciado nas demandas em nosso
grupo de pesquisa. Entretanto, cabe destacar e esclarecer que as boas “ideias” são
fruto de envolvimento em trabalho coletivo de estudo, reflexão e criação e de
vigilância para fugir das armadilhas paradigmáticas. Os caminhos percorridos por
outros auxiliam na análise de nossas práticas, mas não para uma reprodução na
íntegra, acrítica. Cada caso é um caso. Os desafios surgem no cotidiano e não
serão sempre os mesmos.

5.5 QUAIS SÃO OS OBJETIVOS ALCANÇADOS COM AS HORTAS ESCOLARES?


COMO AVALIAR?

Como foi possível averiguar, os objetivos esperados para as hortas são


inúmeros e de diferentes ordens. Talvez o maior desafio, quando se trata de
atividades que envolvem muitas dimensões humanas, com crianças e adolescentes
em uma horta, seja qualificar e/ou quantificar isoladamente o tipo e o grau do
aprendizado conquistado.
Os itens que compõem a categoria V Resultados alcançados procuram
identificar e classificar situações nas quais os atores sociais envolvidos direta ou
indiretamente com a atividade da horta a avaliam quanto à aprendizagem. Entende-
se que há resultados que são mais imediatos, visíveis e até quantificáveis, mas há
muitos outros que têm a ver com o processo individual de interagir com os
elementos de um ambiente de aprendizagem, e ainda com aprendizados que
demandam tempos diferenciados.
219

Foi relatado, nas experiências com hortas, o alcance dos seguintes resultados:
a inserção de alimentos na alimentação escolar; o aumento da aceitação/consumo
de verduras e legumes na escola; a melhoria na aprendizagem em geral; a
integração entre os membros da comunidade escolar e desta com o entorno; a
conscientização sobre hábitos alimentares saudáveis; a aquisição de conhecimentos
técnicos sobre agricultura e a disposição dos estudantes para a experimentação de
novos sabores. Foram incluídas, permeando esses resultados, as formas como
ocorreu a avaliação.
A inserção direta dos alimentos produzidos na horta na alimentação escolar
aparece como objetivo recorrente como visto naquele item. Assim, há casos em que
esse objetivo é alcançado de modo significativo, chegando a abastecer em torno de
50% da demanda das escolas (F.1). Entretanto, mais importante do que a horta se
destinar a complementar quantitativamente ou qualitativamente as refeições
oferecidas na escola, o que estaria na cota do PNAE, é a possibilidade de reduzir ou
eliminar a rejeição de alimentos oferecidos pelo programa e até mesmo contribuir
para estimular a ampliação e diversificação do cardápio, promovendo a inclusão de
novos alimentos (F.27).
Assim, mesmo os muitos casos que elencam o objetivo de complementação da
alimentação escolar reconhecem que a principal mudança foi na aceitação e no
consumo de verduras pelas crianças (F.1; F.7; F.27; F.28; F.81; F.86), chegando a
alcançar consumo total dos produtos „hortaliços‟ ofertados na merenda escolar e,
consequentemente, a redução das sobras (F.29) com a aferição da diminuição de
desperdício em cerca de 80% em relação ao ano sem as ações relativas à horta
(F.81). Nos relatos é raro que os resultados apresentados venham acompanhados
de dados quantitativos, como no caso anterior, ou de explicações metodológicas
para as análises qualitativas. De modo geral, estes são apresentados a partir do
percebido pelos adultos que atuam cotidianamente no espaço escolar, portanto
relatos de merendeiras, professores e diretores que atestam mudanças significativas
no comportamento alimentar dos alunos ao observarem o aumento do consumo de
hortaliças no dia a dia, bem como o reconhecimento da manutenção de certa
resistência ao consumo de verduras (F.7).
Os relatos levam a acreditar que as mudanças alimentares mencionadas
ocorreram de modo generalizado nas escolas e foram influenciadas pela presença
da horta. Entretanto, vale recordar que a participação de todos os estudantes nas
220

ações da horta não aparece como fato em grande parte das experiências. Chama a
atenção um caso no qual é especificado que houve aumento no consumo de
hortaliças entre as crianças que participaram ativamente no cultivo das hortas em
suas escolas (F.86).
Para além dos resultados referentes ao consumo alimentar, há indicações de
que as ações na horta contribuem, de modo geral, para a melhoria na aprendizagem
e reflexões sobre aproveitamento/desperdício de alimentos (F.41). Aqui, mais uma
vez, a constatação se dá com as impressões dos adultos, como professores das
turmas envolvidas e outros funcionários da escola, surpresos diante do interesse e
comportamento dos alunos nas atividades da horta, dando ao entender que eles já
não tinham “esperança” no envolvimento destes nas atividades pedagógicas
propostas até então (UA.C). Assim, a maior participação em sala de aula, o
sentimento de inclusão e a melhoria no nível de socialização das crianças são
relatados como consequências positivas na construção de um ambiente favorável ao
aprendizado (F.77; F.2). As hortas, pelo seu caráter transversal, permitem o
envolvimento de atores diversos do espaço escolar, possibilitando interações.
Ultrapassando as fronteiras dos muros das escolas, a horta pode promover
maior integração escola e comunidade (F.2) pela simples constatação da
valorização de conhecimentos que podem estar acumulados no seio familiar dos
escolares, em situações de colaboração voluntária ou remunerada de membros do
entorno da escola e ainda pelo envolvimento de outros setores da localidade,
institucionais ou não. É importante ressaltar que, seja como for essa participação,
não se pode encará-la de forma incauta e nem incidental. O olhar pedagógico
precisa prevalecer, ou seja, a atenção ao conjunto de conhecimentos presentes
nesse processo de interação.
A conscientização, como já mencionada, mostra-se polissêmica no contexto
das práticas educativas. Nos relatos, além de ser considerada como um processo
difícil, ela aparece também como resultado alcançado, ou seja, considera-se difícil
conscientizar os escolares sobre algo, mas alega-se ter conseguido realizar a
conscientização dos mesmos. As asserções de resultados como a conscientização
sobre a importância das vitaminas na alimentação (F.4); da importância e do valor
nutricional dos alimentos (F.45); em consumir alimentos saudáveis (F.52); sobre
uma alimentação saudável (F.85) parecem pouco esclarecedoras.
221

Permite-se pensar que o que é chamado de conscientização pode ser, tão


somente, tomada de consciência. Não é possível afirmar se, nesses casos, o
entendimento do conceito alcança a abordagem freiriana, a qual invoca que
ultrapassemos a esfera espontânea de apreensão da realidade, para chegarmos a
uma esfera crítica de tal forma que quanto mais conscientização, mais se des-vela a
realidade, mais se penetra na essência fenomênica do objeto. Concordando com
Freire, há a aposta na conscientização como um compromisso histórico de
intervenção na realidade e, portanto, de caráter permanente. Através do
esclarecimento de dimensões obscuras da realidade, cria-se nova realidade, que
igualmente, será submetida à crítica. Busca-se escapar, assim, da obscuridade, da
adesão a um mundo feito, hegemônico (FREIRE, 2008, p.30-31).
A aquisição de conhecimentos técnicos agrícolas é um resultado obtido que
merece algumas reflexões. Percebe-se uma ênfase maior nesse item para as hortas
localizadas em escolas rurais para que os alunos possam executar as novas
técnicas de plantio em suas próprias lavouras (F.87). Ou seja, vislumbra-se a ação
multiplicadora dos escolares para as técnicas aprendidas e essas, geralmente,
tendem ao modelo agrícola ecológico, no qual não é necessário veneno (F.13).
Trazendo para a análise o entendimento do ato de plantar como um componente
importante da relação humana com o alimento, aliado ao conceito de agricultura
urbana e suas contribuições, indica-se a oportunidade de aprendizado dos
procedimentos básicos de plantio com relevância na formação humana, seja esse
ser humano do espaço rural ou urbano.
A expectativa criada em torno de resultados ambiciosos na aprendizagem, por
vezes, obscurece a visão de etapas e o seu entendimento como processual. Isso
pode ocorrer em práticas educativas em geral e, em especial, em intervenções
visando à educação alimentar e nutricional, nas quais se catalogam,
precipitadamente, rejeições e aceitações no repertório alimentar. Como já discutido
anteriormente, comer é complexo e a introdução (ou exclusão) de um alimento na
dieta envolve vários fatores. Assim, conhecimentos, reflexões e a preparação de um
ambiente que estimule o consumo são fundamentais, mas não conferem garantia de
mudança de hábito alimentar.
Não é um resultado modesto ter alcançado pequenas mudanças no
comportamento alimentar dos alunos (F.7). Essa percepção, ao contrário de trazer
ansiedade e/ou frustração, alerta para o olhar mais sensível ao processo e aos
222

resultados intermediários que compõem o aprendizado que preparam para novas


experiências. Portanto, conseguir que crianças e adolescentes se “desarmem” e
mostrem-se dispostos a experimentar novos sabores pode ser um resultado mais
relevante do que introduzir pontualmente um novo alimento a sua dieta. São dignos
de comemoração resultados obtidos em UA.C, no qual os estudantes aceitaram os
espetinhos contendo rabanetes e rúculas e, ainda que ao provarem a rúcula e o
rabanete puro, faziam caretas e comentários “é muito forte”. O bloqueio foi vencido,
o paladar se abriu para novas experiências gustativas. Eles comeram!!!!!!! Foi um
sucesso! É possível! Ainda nessa mesma situação, é possível notar que a
experiência como um todo parece ter sido agradável aos escolares e,
consequentemente, promoveu outro resultado interessante. Eles se sentiram
motivados a reproduzir e até recriar a experiência em casa com seus familiares, de
tal forma que no encontro seguinte uma das estudantes mencionou que preparou o
espetinho na sua casa [...], só acrescentando presunto e que irmãos e primos
comeram.
Entre os inúmeros objetivos para a horta escolar, figuram como consensuais e
com mais ênfase aqueles relacionados a aprendizados para a alimentação. Embora
esses estejam insistentemente mencionados no escopo dos objetivos gerais das
referidas experiências, os indicadores e os procedimentos de aferição não são
explicitados na maior parte dos relatos. Parece haver um entendimento de que
esses aprendizados vão se efetivando de forma avulsa e espontaneamente durante
o processo, o que não está sendo desconsiderado nesta análise, sendo percebidos
em diferentes situações e gradações pelos observadores locais interessados na
questão.

5.6 AJUDANDO A CONSTRUIR RESPOSTAS: dificuldades, armadilhas e caminhos


promissores

a) As dificuldades que se opõem a uma prática educativa


multidimensional, emancipatória e libertadora se interconectam e
podem ser externas ou internas, ou compor a junção de ambas. As
primeiras estão na forma tradicional como o sistema educacional está
estruturado e nas pressões cotidianas exercidas pelos paradigmas
hegemônicos. As segundas consistem na existência de obstáculos que
223

vão sendo construídos internamente em função da formação escolar e


história de vida do responsável pela elaboração da ação pedagógica. A
armadilha consiste no fato de que mesmo conscientes e firmemente
imbuídos de uma postura crítica em relação à subordinação a visões de
mundo postas (e impostas), frequentemente somos atraídos e traídos
por elementos do modelo hegemônico na execução de ações
pedagógicas pretensamente inovadoras. O investimento no papel
questionador e transformador da educação está na adoção de
referenciais pedagógicos críticos e, a partir destes, na identificação na
realidade vigente das possibilidades de estabelecimento de conflito de
conhecimentos, da criação de situações desestabilizadoras e dos sinais
de emergências para apoiar as ações, que precisam ser intensa e
continuamente criticadas: ação-reflexão-ação-reflexão.
b) O modelo de hortas escolares que tem sido implementado mantem as
características gerais da horta para produção comercial. Não há, ainda,
um modelo específico de horta para a escola. Talvez não seja o caso
de haver um modelo, já que são muitas e distintas as escolas. A
armadilha estaria na reprodução acrítica de um modelo de outro
contexto e com outros propósitos. Pensar a horta na perspectiva de um
equipamento pedagógico orienta para as especificidades e adequações
coerentes com o sua função educativa e com o contexto local;
c) O consenso em torno das hortas escolares é promissor, mas a
consolidação de seus objetivos contemporâneos é fundamental. Ainda
que por vezes enviesados, estes podem ser perscrutados no contexto
de documentos e orientações institucionais vinculados ou que
tangenciam os temas alimentação e saúde. A perspectiva de temas
transversais proposta pelos PCNs e as reformulações recentes do
PNAE confluem para objetivos da Educação em Saúde e da Educação
em Ciências, que só fazem sentido na oposição ao modelo
agroalimentar hegemônico e na superação da abordagem disciplinar.
As armadilhas estão na falta de clareza do limite entre o que caracteriza
e fundamenta cada modelo de agricultura e na dificuldade de lidar com
temas transversais, que transpõem barreiras disciplinares. Os princípios
da agroecologia têm ganhado adesão de integrantes de setores e de
224

instituições governamentais importantes e materialidade em


organizações e movimentos sociais. São situações, produções e
experiências que merecem ser conhecidas e reconhecidas por
educadores de todas as disciplinas para subsidiar tanto a prática
pedagógica em si, como a atitude transdisciplinar que esta requer;
d) A noção da alimentação escolar saudável e adequada como um direito
regulamentado e assegurado com dotação orçamentária específica
desabona a função da horta escolar de suprir suas carências
qualitativas ou quantitativas e ajuda a situar seu papel educativo. O
consumo de produtos da horta na escola, junto ou separado dos
alimentos do PNAE, requer ser pautado pedagogicamente. As atuais
características e objetivos do PNAE e da horta escolar potencializam
mutuamente suas possibilidades educativas, indicando que essa
relação pode ser mais bem explorada. Fica sugerida uma abordagem
educativa emancipatória, inclusive ajudando a desvelar causas das
dificuldades na aquisição e consumo de gêneros alimentícios
adequados, saudáveis e locais;
e) As recomendações e orientações para a construção de hortas
escolares, de um modo geral, não têm vindo acompanhadas de
recursos materiais e humanos, o que conduz a busca por apoios. A
tentação de aceitar, desavisadamente, a colaboração de empresas
privadas, especialmente as agroalimentares, pode comprometer os
pressupostos fundamentais da atividade. Os encaminhamentos mais
promissores têm sido a identificação e parcerias com setores públicos
vinculados à agricultura, com organizações, governamentais ou não na
formulação de projetos subsidiados e, ainda, doações e voluntariado de
membros da comunidade escolar. No entanto, merece atenção o critério
na escolha do proponente ou apoiador e seus respectivos
conhecimentos e objetivos, nem sempre alinhados ao projeto educativo
pretendido;
f) Há muitos casos em que um técnico ou prático conduz as ações
agrícolas ou de Educação Alimentar e Nutricional enquanto o professor
aproveita para realizar outras tarefas como corrigir provas etc. A
parceria entre setores pressupõe articulação entre os indivíduos
225

envolvidos, entendendo que cada um possui habilidades específicas,


mas que isoladamente podem não propiciar um resultado educativo
satisfatório. Os conhecimentos agronômicos e sobre alimentação
precisam ser olhados de modo transdisciplinar e adequados aos
objetivos para o espaço escolar. O professor, detentor do domínio
pedagógico, é o elemento imprescindível nesse processo e não pode se
omitir;
g) Muitos conhecimentos inerentes à horta escolar tendo como eixos
necessariamente interconectados a agricultura, o meio ambiente, a
alimentação e a educação encaminham para o atendimento de
inúmeros e variados objetivos, que em grande parte transpõem a
barreira disciplinar, conduzindo à assunção de seu caráter transversal.
Ensinar a comer de forma saudável envolve várias dimensões e não
caberia, exclusivamente, em uma disciplina.
Embora o sistema educacional seja disciplinar, a contemporaneidade
tem demandado a coexistência da disciplinaridade e da
transdisciplinaridade como dois sistemas de pensamento
complementares (SANTOS et al., 2014). Assim, a adoção de atitude
transdisciplinar em relação às hortas escolares, seja pelo professor de
ciências ou de outros que assim se proponham, apoiada em
referenciais teóricos contra-hegemônicos e exercício da práxis, pode
contribuir para a percepção de objetos de denúncias do invisibilizado
pelos modelos predominantes e na formulação de novos anúncios;
h) Cultivar, preparar e comer o alimento são essencialidades humanas
históricas. Grande parte da população tem se restringido ao ato de
comer. Ter contato, vivenciar, adquirir noções, investigar, compreender,
refletir a respeito das diferentes etapas e dimensões do sistema
alimentar compõem aprendizados de nossa herança cultural que
precisam ser compartilhados e garantidos a todos os seres humanos,
sejam eles urbanos ou rurais. Aos educadores desprovidos dessa
vivência e que pretendem adotar a horta como uma prática educativa
sugere-se a assunção desse movimento como um exercício pessoal,
podendo ser iniciado em casa com o cultivo de temperos, passando por
experimentos com outros alimentos consumidos cotidianamente como
226

tomate, alho, cebola, feijão, arroz e/ou descobrindo e aprendendo


juntamente com os estudantes e demais membros da comunidade
escolar. A perspectiva ampliada da agricultura urbana fornece
elementos que contribuem nesse sentido;
i) Grande parte dos objetivos atribuídos às hortas escolares e seus
correspondentes conteúdos e aprendizados fogem aos parâmetros de
mensuração adotados no modelo escolar tradicional e nos sistemas
atuais de avaliação de desempenho educacional. No entanto, são
coerentes com os objetivos e dimensões de aprendizagem arrojados
constantes nos PCNs. A armadilha estaria na percepção dicotomizada
intelecto e corpo. Esta rotularia de incapaz intelectualmente o estudante
com dificuldades de aprendizado de conceitos em aulas expositivas e
que, portanto, teria mais sucesso no desenvolvimento do trabalho
manual/braçal na horta a fim de, ao menos, melhorar seu
comportamento e suas relações interpessoais. Pudemos depreender
que as hortas, ao se constituírem em espaços que mobilizam
dimensões importantes da aprendizagem, como o bem-estar, o
movimento corporal, as interações e as trocas de experiências e
conhecimentos, o trabalho coletivo, o estabelecimento e o
fortalecimento dos vínculos afetivos, as situações desafiadoras, entre
outras, criam condições favoráveis para a aquisição de conceitos.
Aproveitar adequadamente essas condições para a inserção
contextualizada de conceitos é o caminho sugerido, atendendo assim
as exigências de aprendizagem cognitiva e disciplinar, demandadas
pelas avaliações formais em curso;
j) O trabalho braçal para a construção e manutenção da horta aparece
tanto como um problema como um componente favorável ao
aprendizado. Para avaliar a situação, sugere-se em primeiro lugar um
esforço para despir o olhar do histórico preconceito e consequente
depreciação em relação ao trabalho braçal, especialmente o agrícola.
Em segundo lugar, é preciso adotar a concepção do trabalho como uma
dimensão humana a ser considerada na formação da criança e do
adolescente e que, portanto, precisa ser apresentada juntamente com
outros saberes. É a oportunidade de romper com a reprodução do
227

trabalho desprovido de sentido e vislumbrar o seu exercício livre e


consciente e, nesse caso, como mediador no restabelecimento do
vínculo ser humano-ambiente-produção de alimento violado com o
modelo agroexportador. Estando atentos aos itens levantados,
entendemos que uma avaliação da situação local em que pesem as
características da área a ser cultivada, as orientações técnicas e o
trabalho correspondente e o perfil dos estudantes, como idade e
experiências domésticas, pode contribuir para decisões nesse âmbito.
O profissional de educação física pode ser um parceiro importante;
k) Ao correlacionarmos os cuidados dispensados no campo da prática para a
integridade física dos trabalhadores agrícolas e para os estudantes na
execução das hortas escolares em curso no Brasil, notamos que as
negligências observadas para aqueles têm sido reproduzidas nestes. Tal
omissão compromete a saúde do escolar e a noção ampliada de
alimentação saudável demandada pela Educação em Saúde
contemporânea. Conclui-se que esse parâmetro pode ser considerado
para a construção de um conceito abrangente de alimentação saudável e
adequada;
l) Comer é complexo. A compreensão da cadeia alimentar e a religação
aos processos que a compõem – do plantar ao comer – se fortalecem
com ações educativas concretas sistematizadas. A participação efetiva,
física e intelectual no cultivo propicia o estabelecimento de vínculo com
o alimento produzido e confere outro significado às ações de culinária e
consumo. Organizar e visibilizar adequadamente o encadeamento de
cada uma dessas etapas parece ter tido papel importante no estímulo
ao ato de experimentação de novos sabores;
m) Enfim, muitos objetivos esperados para as hortas escolares são difusos
e mostram-se mutuamente influenciados, podendo induzir ao
espontaneísmo pedagógico. O exercício de individualizar e visualizar
cada um desses objetivos – sejam conceituais, procedimentais ou
atitudinais – para orientar a elaboração ou ajustes na estrutura física, a
seleção e a organização dos conhecimentos, a escolha dos recursos
materiais e humanos e a preparação das estratégias didáticas, contribui
para o sucesso e a aferição do intento.
228

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente investigação colocou em evidência a recente proliferação de


projetos com hortas escolares no Brasil com objetivos voltados para a saúde
alimentar do escolar. Identificou e discutiu os sinais de avanços e suas muitas
inconsistências pedagógicas. Defendeu a tese de que, ao serem pautadas por
referenciais teóricos com apelos contra-hegemônicos, a análise e a reflexão críticas
das experiências em curso permitem captar elementos para a construção de
parâmetros pedagógicos mais coerentes com as demandas contemporâneas da
Educação em Ciências e da Educação em Saúde na elaboração dessa prática
educativa.
Constatou-se que as hortas escolares têm sido retomadas, nos últimos anos,
no contexto de documentos e orientações governamentais e não governamentais e,
consequentemente, de inúmeros projetos no Brasil. Esse retorno deve-se à
intensificação de problemas de saúde associados às transformações nos hábitos
alimentares contemporâneos e à crença na contribuição do potencial educativo da
atividade para reverter ou minimizar a situação. Assim, os objetivos atuais guardam
correspondência com aqueles provenientes da Educação em Saúde, da Educação
em Ciências e do PNAE, que de um modo geral têm identificado a alimentação
escolar como espaço e tempo propícios à Educação Alimentar e Nutricional crítica,
especialmente para crianças e adolescentes do ambiente urbano.
No entanto, o histórico colonialista de imposições, de desigualdades, de
exploração e de exclusão que caracteriza o modelo da atividade agrícola no Brasil,
bem como o processo de sua transposição para o ensino formal, marcadamente
assistencialista, tecnicista e discriminatório compõem um panorama complexo que
dificulta a adoção de procedimentos e estratégias que atendam aos novos objetivos.
Esse quadro agrava-se com a persistência de abordagens tradicionais nas ações
educativas em saúde. Consequentemente, a proliferação de hortas escolares no
Brasil tem sido pautada por muitos procedimentos dissonantes que até contradizem
os seus objetivos contemporâneos, indicando a necessidade de estabelecimento de
parâmetros pedagógicos que orientem sua implantação e desenvolvimento.
Ciente da necessidade de tais parâmetros, a presente investigação lançou um
olhar crítico, orientado pela práxis, pela Sociologia das Ausências e Sociologia das
Emergências, pelo Pensamento Complexo e pelos princípios da agroecologia e da
229

agricultura urbana, confrontando elementos hegemônicos e contra-hegemônicos em


experiências com hortas escolares no Brasil. Identificou os elementos passíveis de
conflito de conhecimentos, problematizando-os de modo a suscitar respostas às
perguntas que se abrigam na questão: Quais são as especificidades de uma horta
pedagógica voltada para crianças e adolescentes em escolas públicas urbanas que
criem possibilidades para uma educação alimentar e nutricional libertadora?
Na maioria das intervenções analisadas foram identificadas justaposições de
elementos que reforçam os modelos de educação, de saúde e de agroalimentação
que pretendemos superar com outros mais arrojados e coerentes com as demandas
sociais atuais. Configura-se, assim, um cenário heterogêneo, no qual estão
mescladas as formas de perceber a realidade, ora com emissões de críticas e
repúdio aos componentes hegemônicos, ora exaltando-os. É possível identificar,
nesse contexto, a intenção de adesão e a busca pelas opções contra-hegemônicas.
No entanto, a formação dos educadores envolvidos, a imersão cotidiana no
contexto padronizador de desenvolvimento e dos modos de viver e a adesão pouco
fundamentada a conceitos como educação alimentar e nutricional, alimentação
saudável, agroecologia, alimento orgânico, agrotóxico, sustentabilidade e outros que
permeiam a atividade agrícola na escola fragilizam os pressupostos que seriam as
bases da orientação.
Os reflexos dessa fragilidade foram percebidos na formulação dos objetivos em
sua relação com a conjuntura local e nacional e, especialmente, quando se busca
estabelecer a correspondência destes com os constituintes práticos de seu processo
de execução. Nesse caso, surgem contradições na estruturação física da horta e em
diferentes momentos da ação pedagógica quando são observadas a valorização de
aspectos que se opõem aos objetivos centrais e descuidos e desconsideração de
outros importantes na consolidação de conceito amplo de alimentação saudável e
saúde.
A despeito das incoerências apontadas, há na heterogeneidade uma riqueza
de conhecimentos produzidos no exercício educativo que se apresenta na forma de
estratégias criativas e de alcance de objetivos importantes, atestando o valor das
intervenções e seu reconhecimento como experiências a não serem desperdiçadas.
Assim, houve nesse trabalho o desejo de evidenciar o profundo respeito e
reconhecimento por todos e todas que atuam no espaço escolar e suas respectivas
realizações frente às demandas e aos desafios cotidianos. Faço dessa maneira um
230

elogio a minha própria história profissional, que é igual a de tantos outros e tantas
outras. Igual na responsabilidade e no empenho em reconstruir diariamente a ação
educativa. Igual! Tão igual nas armadilhas em que caí (e certamente continuo
caindo), nos deslizes para o autoritarismo, na recorrência aos modos tradicionais de
ensinar, na crítica e na resistência às proposições externas dos “doutores” da
academia, no incômodo de ver minha prática criticada, etc. Mas igual também na
vontade de fazer melhor, nas ideias interessantes colhidas aqui e ali, nas
construídas nas relações com os colegas, nos sucessos obtidos e na alegria de se
descobrir avançando. Assim, as reflexões, as críticas e as interpretações
apresentadas são reflexos do entrelaçamento do vivido com os referenciais teóricos
eleitos.
Não há um manual de instruções que habilite, instantaneamente, alguém para
a postura crítica requerida para as práticas educativas. Assim como ninguém possui
um olhar crítico pleno, estando sempre em construção. Apostando nesse processo,
a intenção foi conflitar aquilo que consideramos em desacordo com a realidade
presente e fazer indicações para reformulações e elaborações de práticas mais
coerentes.
O processo de formação humana se dá no mundo da vida, presente entre a
teoria e a prática, sendo possível a acomodação de novos conhecimentos à
estrutura mental já consolidada ou, como pretendemos, a evolução para a
construção de novas estruturas cognitivas de percepção da realidade (SANTOS et
al., 2014). Nesse sentido, o exercício sistemático do Pensamento Complexo tem se
mostrado promissor, nos tornando mais atentos, prudentes e nos impulsionando a
sair do contemporaneísmo, ou seja, da naturalização da realidade como imutável
(MORIN, 2007a). A Complexidade se constitui ainda num ponto de partida para
ações educativas mais ricas e que contemplem mais dimensões da aprendizagem,
para além da cognitiva. As proposições da Sociologia das Ausências e da Sociologia
das Emergências auxiliam na desnaturalização do presente colocando-o sob
suspeita.
A consideração da horta escolar como atividade mediadora mostrou-se como
um pressuposto fundamental para aprendizagens de ordens cognitiva, afetiva,
comportamental, relacional e, especialmente, evidenciando o entrelaçamento dessas
dimensões. Os conceitos de alimentação saudável e de educação alimentar e
nutricional, aqui defendidos, comportam praticamente todos os objetivos imputados
231

à horta escolar, cuja essência exclui o imediatismo, indicando a noção de processo


que caracteriza a educação e a consolidação do repertório alimentar. Foi o que
ambicionamos expor no título deste trabalho quando afirmamos a horta escolar em
sua condição de preparar o terreno para a Educação em Ciências e para a
Educação em Saúde.
Assim, entendemos que a prática da agricultura na escola regular tem
especificidades pedagógicas. A horta escolar não deveria ter por finalidade a
produção agrícola, nem a complementação material da alimentação escolar ou a
preparação profissional em agricultura. Não ser balizada por parâmetros da
agricultura comercial. A horta escolar pode contextualizar criticamente o que os
estudantes comem em suas casas e na alimentação escolar (e o que têm deixado
de comer!). Pode proporcionar situações favoráveis ao desvendamento de aspectos
da relação humana com o alimento ocultados nos processos agroalimentares
hegemônicos e mais, materializar o esforço pela garantia do conhecimento e do
reconhecimento da diversidade de alimentos locais e regionais, bem como as
respectivas preparações culinárias, resgatando e/ou ampliando o repertório
gustativo. Porém, a horta por si só não assegura o pretendido.
A preparação adequada do terreno, com aportes coerentes, é que poderá
garantir boa colheita, ou seja, o alcance daqueles objetivos, sejam os prazos curtos,
médios ou longos. As atuais orientações da Educação em Ciências, da Educação
em Saúde e do PNAE para a promoção da alimentação saudável vão de encontro
ao modelo agroalimentar hegemônico e se consubstanciam nos princípios da
agroecologia, os quais pressupõem todo o sistema alimentar igualmente saudável. A
perspectiva salutar crítica precisa estar presente em cada momento da ação
pedagógica nas relações sociais, culturais, ambientais e econômicas. A
agroecologia respalda a crítica ao modelo agroalimentar dominante e oferece
possibilidades, as quais são ampliadas com as perspectivas da agricultura urbana.
Conceber hortas escolares urbanas agroecológicas é oferecer à comunidade escolar
urbana ações concretas pedagogicamente sistematizadas e problematizadoras de
cada uma das etapas do processo de produção de alimento.
Acata-se que as atividades na horta escolar, bem como outras que dela
venham a se desdobrar, podem mobilizar os diversos sentidos humanos, tanto
preparando o corpo para o ato de experimentar e/ou comer “saudável” como para
auxiliar na explicitação das dimensões presentes no sistema alimentar. Favorece a
232

problematização, a denúncia e o anúncio de aspectos pouco explícitos nos inúmeros


conflitos sociais, econômicos, ambientais e culturais que podem ser postos em
evidência.
A especificidade fundamental da horta escolar é a sua concepção como uma
prática educativa e, simultaneamente, como um equipamento pedagógico cujos
objetivos, por serem distintos dos de outrora, exigem atenção diferenciada na
seleção dos conhecimentos a serem privilegiados, na forma de desenvolver a
atividade, na escolha e na organização dos recursos humanos e materiais e na
estruturação do espaço.
233

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