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Título
Pesquisa Qualitativa e Análise de Conteúdo – Sentidos e formas de uso
Autora
Isabel Carvalho Guerra
Edição e copyright
Princípia, Cascais
1.ª edição – Junho de 2006
Reimpressões – Setembro de 2008; Fevereiro de 2010; Janeiro de 2012; Setembro de 2014
© Princípia Editora, Lda.
Design da capa Maia Moura Design • Execução gráfica Tipografia Lousanense
ISBN 978-972-8818-66-1 • Depósito legal 241774/06
Princípia
Rua Vasco da Gama, 60-C – 2775-297 Parede – Portugal
Tel.: +351 214 678 710 • Fax: +351 214 678 719 • principia@principia.pt • www.principia.pt
Pesquisa Qualitativa
e Análise de Conteúdo
Sentidos e formas de uso
1
A oposição entre metodologias quantitativas e metodologias qualitativas tem cada vez menos sentido, até pelas
formas «quantitativas» de tratamento do «qualitativo». Neste sentido, preferimos apelidar de «metodologias compreensivas
ou indutivas» as metodologias que se socorrem de quadros de referência weberianos (como as etnometodologias, o
interaccionismo, as teorias enraizadas, etc.) e de «lógico-dedutivas ou cartesianas» as metodologias que se socorrem de
quadros de interpretação sistémicos ou funcionalistas.
res nos seus comportamentos, substituindo a explicação das causalidades pela com-
preensão dos sentidos da acção social. Opera-se, assim, uma dupla deslocalização
do objecto de pesquisa: do centramento nas instituições sociais estabilizadas para a
procura do sentido da acção social de sujeitos concretos; e do centramento nos
enquadramentos do profissional-investigador para a atenção ao actor/utente. «Esta
deslocação do ponto de referência da pesquisa é tal que as categorias de percepção
e análise estabelecidas pela organização ou pelos agentes profissionais são deixadas
em suspenso, questionadas e muitas vezes substituídas por análises e conceitos que
fazem mais apelo às redes sociais, às estratégias dos actores, às suas representações
e trajectórias, quer dizer, à diversidade da vida social da qual é parte integrante»
(Lionel-Henri Groulx, 1997, p. 58).
Hoje assumimos que as perspectivas sistémicas e compreensivas não são, por
natureza, opostas, na medida em que se influenciam reciprocamente, sendo mesmo
complementares. A perspectiva sistémica é particularmente pertinente para a análise
de longos períodos de estabilidade quando as regularidades provocam efeitos de
sistema, situação em que a análise deve consistir expressamente na procura de regu-
lações ou formas estruturais que produzem e reproduzem o sistema. A perspectiva
compreensiva torna-se mais pertinente para explicar os períodos de crise, particular-
mente aqueles em que se assiste a transformações culturais com profundas mudan-
ças ao nível das práticas sociais.
Por outro lado, parece pertinente rejeitar a hipótese de uma hierarquia na
prática social de investigação e substituí-la pela hipótese de uma influência mútua
ou de uma co-determinação entre os diferentes elementos constitutivos da análise.
De facto, opor a um individualismo metodológico, que pretende entender os fenó-
menos macroscópicos sobre as bases de um funcionamento micro, a um holismo
que considera o todo social, impondo-se às partes, só pode conduzir a um confron-
to estéril. Autores tão diferentes como Durkheim ou Touraine centram o interesse
científico numa análise que encontra na relação social a unidade de base capaz de
explicar um conjunto de fenómenos sociais do microscópico ao de regulação macro
e essa relação social pode ser estudada a um nível macrossociológico ou microsso-
ciológico, dependendo do objecto do investigador.
Os resultados das pesquisas, mesmo as mais localizadas, exigem geralmente
a situação dos acontecimentos num conjunto global, inscritos em tendências a longo
prazo, permitindo assim uma melhor compreensão dos contextos nos quais se inse-
rem as múltiplas interacções individuais.
2
Ver o desenvolvimento desta ideia em Isabel Guerra (2001), Fundamentos e Processos de Uma Sociologia da
Acção: o Planeamento nas Ciências Sociais, Princípia, Cascais.
agem de forma diferenciada, têm acessos diferenciados aos recursos, possuem dife-
rentes competências para interpretar e intervir no contexto em que se inserem.
Há, no entanto, uma grande diversidade de modelos propostos, metodológicos
e técnicos, alguns limitando-se exclusivamente às interacções quotidianas e rejeitando
o «ambiente» e todos os fenómenos que relevam de níveis mais macrossociais, e ou-
tros construindo enquadramentos mais complexos onde estão presentes todos os ní-
veis de interacção humana. Mas, ainda, se uns pretendem tão simplesmente narrar os
acontecimentos da vida social, outros de forma mais ambiciosa pretendem reconstruir
indutivamente as teorias interpretativas da mudança social. A referência comum para
todos são, no entanto, as teorias compreensivas e a herança histórica de Weber.
Enquanto se aguarda por teorizações mais avançadas na explicitação desta
relação entre o sistema e os actores (mesmo estando conscientes da pouca vantagem
desta velha dicotomia), vamos desenvolvendo formas de investigação que procuram o
sentido da acção colectiva, isto é, conhecer os sentidos e as racionalidades que fazem
cada um agir e, por via disso, produzir a sociedade onde todos vivemos. É o aprofun-
damento dessa racionalidade cultural que permitirá conhecer as formas de produção
da sociedade e os contornos da mudança social. Esse conhecimento daria ao cientista
social um enorme campo de intervenção e de interacção com os actores sociais.
Assim, as vantagens das metodologias compreensivas são, segundo Poupart
(1997), de várias ordens: de ordem epistemológica, na medida em que os actores são
considerados indispensáveis para entender os comportamentos sociais; de ordem
ética e política, pois permitem aprofundar as contradições e os dilemas que atraves-
sam a sociedade concreta; e de ordem metodológica, como instrumento privilegiado
de análise das experiências e do sentido da acção.
10
A DIVERSIDADE DE PARADIGMAS
DE REFERÊNCIA E OS PRESSUPOSTOS
DAS METODOLOGIAS COMPREENSIVAS
3
Embora parte desta análise possa ser utilizada noutro tipo de entrevistas, nomeadamente nas entrevistas a
informadores privilegiados, utilizamos estas formas de equacionar a análise compreensiva referindo-nos a entrevistas em
profundidade feitas a actores que falam das suas experiências personalizadas.
11
4
A nossa experiência permite-nos afirmar que a utilização de programas informáticos de análise de conteúdo e o
consequente tratamento informático multivariado não dispensam uma análise categorial e tipológica tradicional como a
que aqui se apresenta.
12
Figura 1
A DIVERSIDADE DE «PARADIGMAS» DE ENTENDIMENTO DO «SOCIAL»
Est r ut ura s
NOVA
TEORIA DA
ACÇÃO
Durante anos, a ciência defendeu que o seu objectivo central era a «desocul-
tação» do real realizada a partir de quadros de reflexão e hipóteses de trabalho
deduzidas para a verificação empírica. Este posicionamento tem subjacente uma
concepção da sociedade que obedece a regularidades sociais (a leis de funciona-
mento societal) a partir das quais é possível interpretar os fenómenos concretos. É a
época dos grandes quadros teóricos de interpretação da sociedade, mais marxistas
ou mais funcionalistas, mas sempre sistémicos.
13
5
As estruturas e as formas de acção colectiva (mais ou menos formalizadas/institucionalizadas) são «artefactos
humanos», estruturação de um «mínimo de organização dos campos de acção social». Isto significa que o sistema de acção
resulta de «efeitos de agregação» ou de «efeitos de sistema» (Crozier, 1977) cuja lógica de funcionamento não provém
directamente da racionalidade/intencionalidade dos actores individuais.
14
6
Tradução de grounded theories retomadas por B. Glaser e A. L. Strauss (1967), The Discovery of Grounded Theory.
Strategies for Qualitative Research, Aldine, Chicago.
15
As causalidades complexas
Recusar a procura das regularidades implica também deixar de lado a procura
das «causas» dos fenómenos sociais e basear toda a análise em hipóteses de relaciona-
mento entre variáveis. Apesar da diversidade de entendimentos do conceito de causa7,
as metodologias compreensivas mergulham em universos sistémicos e complexos onde
as variáveis (as dinâmicas) identificadas são, simultaneamente, causas e efeitos, dada a
interdependência complexa entre os fenómenos sociais. O recurso à análise de siste-
mas complexos, e a muitos dos seus instrumentos8, permite a passagem para um con-
ceito de causalidade sistémica ligada a concepções mais interactivas da vida social ou
à teoria dos sistemas. Esta teoria postula que não há determinantes causais entre variá-
veis, na medida em que a sua interacção as coloca simultaneamente como causa e
efeito dos dinamismos de umas e outras. «Nas ciências sociais, a noção de causalidade
vai assumir um significado particular. Trata-se menos de encontrar um factor gerador
do que factores interdependentes» (Madeleine Grawitz, 1993, p. 359).
No entanto, ainda hoje muitas das análises qualitativas utilizam os conceitos de
causa e de hipótese (ver mais à frente o ponto 3.2.) mesmo não lhe atribuindo o
mesmo sentido que assumem nas pesquisas hipotético-dedutivas. Segundo Michelle
Léssard Herbert e outros (1994), o postulado da interpretação na pesquisa qualitativa
desempenha o papel de um duplo princípio de causalidade: ao nível geral, os seres
humanos constróem um conhecimento da natureza e dos outros seres humanos graças
à (por causa da) interpretação da vida social e, a um nível especificamente social, essas
interpretações de nível geral conduzem a (são a causa de) determinadas acções leva-
das a cabo pelos seres humanos. Nesse sentido, é a diversidade das interpretações da
vida que permite a mudança e esta é o centro do olhar sociológico.
7
Ver o papel da explicação pela «causa» em Madeleine Grawitz (1993), Méthodes de Sciences Sociales, Ed. Précis,
Dalloz, 9.ª edição, pp. 356 e seguintes.
8
Nomeadamente a modelização, que permite apoiar o entendimento da complexidade e da interactividade dos
sistemas humanos.
16
17
por exemplo, do tipo africano, cuja identidade grupal absorve a identidade pessoal,
ou mesmo junto de grupos de camponeses (para quem a visão cósmica do mundo
retira parte da identidade individual) ou ainda de jovens ou crianças (cuja identida-
de pessoal está ainda diluída nos grupos de pertença). Nestes contextos, seria pos-
sível apenas algumas entrevistas em profundidade ou récits de la pratique 9, que
constituirão excertos de elementos biográficos parciais, mas não uma verdadeira
história de vida.
Seja qual for o método a ensaiar, nas entrevistas compreensivas os sujeitos
tomam o estatuto de informadores privilegiados, uma postura muito diferente da dos
entrevistados nos métodos de pesquisa mais cartesianos, que são reduzidos à posição
de informadores objectivos. Na primeira postura epistemológica, o investigador perde
o controlo da relação, necessariamente de poder, que lhe dá o facto de ser o único
que controla o saber, pois o saber que agora interessa está no personagem a entrevis-
tar. No entanto, no trabalho sociológico, «o acento não é colocado na interioridade
dos sujeitos, mas sim no que lhes é exterior, isto é, nos contextos sociais sobre os
quais adquiriram um conhecimento prático» (Bertaux, 1997, p. 17). Claro que se trata
de actores situados em contextos de acção concretos, e a atenção à criação de signi-
ficações pelos actores (sense making) – centro de interesse das problemáticas inter-
pretativas – remete para uma dimensão social fundamental que corresponde à relação
entre as perspectivas dos actores e os contextos nos quais eles se encontram implica-
dos. Esta postura epistemológica, teórica e metodológica levanta um sem-número de
questões específicas das metodologias qualitativas, quer do ponto de vista da sua con-
cepção, quer do das consequências práticas durante a execução de uma pesquisa:
• O que o sujeito diz é sempre verdade?
• Como generalizar de um para vários sujeitos?
• Como dar conta da multiplicidade de pontos de vista?
O que poderemos dizer desde já é que a «verdade» científica se coloca de
forma semelhante nas pesquisas dedutivas e indutivas, embora umas e outras organi-
zem de forma diferente o processo de construção do conhecimento:
• Confronta-se um determinado corpo de conhecimentos teóricos com os
dados empíricos, o que permite a interpretação dos resultados da pesquisa;
9
O conceito francês de récit de la pratique significa a realização de histórias de vida estruturadas a partir de um fio
condutor problemático (por exemplo, a mobilidade social ou habitacional) e é de difícil tradução para português.
18
10
É esta capacidade heurística de narrações como as histórias de vida que faz com que alguns investigadores
defendam a sua utilização apenas em contextos pedagógicos claramente centrados no aumento de reflexividade dos
actores sobre a sua construção do mundo e o seu percurso de vida, acusando de voyeurismo sociológico as pesquisas
que as utilizam apenas para conhecimento externo ao sujeito da acção.
19
a narração dos factos surge como barreira protectora perante a interiorização senti-
da dos acontecimentos.
Note-se, no entanto, que estamos no domínio da análise sociológica, e não no
da análise das particularidades individuais. Bertaux (1997) faz uma distinção entre os
dois tipos de análise sociológica predominantes: a análise sócio-simbólica, que é
hermenêutica e fundamentalmente linguística, centrada no discurso de enunciação do
sujeito; e a análise sócio-estrutural, de carácter mais sociológico e estruturada segun-
do a compreensão da relação entre o actor e o contexto social. Da nossa experiência,
e do ponto de vista sociológico, essa distinção não tem grande pertinência, porque,
de facto, nas entrevistas os sujeitos narram, em simultâneo, os «factos» e as emoções
que lhes estão associadas. O que acontece é que a sociologia dispõe de pouco de-
senvolvimento de técnicas de análise do discurso mais sócio-linguísticas que permiti-
riam dar conta de um certo tipo de construção identitária tão querida à «sociologia
clínica» e tão indispensável à compreensão da génese de muitos comportamentos. Por
isso, os sociólogos privilegiam geralmente não os sujeitos individuais, mas estes en-
tendidos como «síntese activa» de um «sistema em acto», muito embora não se esgote aí
a capacidade de análise das dinâmicas dos actores e dos sistemas sociais.
Do ponto de vista técnico, a passagem do sujeito individual à generalização
para o contexto social implica a clarificação de duas noções básicas: a de diversifica-
ção e a de saturação (ver o ponto 3.3.). A maioria dos autores que trabalham hoje com
metodologias compreensivas considera que, garantindo a diversidade dos perfis a en-
trevistar e a saturação do material recolhido, é possível substituir totalmente – e com
vantagens – as metodologias hipotético-dedutivas por metodologias indutivas.
20
ção). Mas é também em nome da coerência lógica dos métodos indutivos que não
nos parece aconselhável chamar «amostras» aos universos de análise qualitativa, já
que este é um conceito ligado a uma representatividade estatística e não à represen-
tatividade social que se pretende neste tipo de pesquisa.
11
Destaque nosso.
21
privilegiado pelo fenómeno social que viveu. Assim, estamos perante um informador
que, como sujeito inteligente, é capaz de reconhecer o seu interesse na pesquisa e
concentrar-se na maioria das interrogações que o investigador coloca. Também se lhe
reconhece o direito de recusar prestar informações, por não concordar com alguma
dimensão da pesquisa ou por qualquer outra razão. Assim, os dois principais princí-
pios éticos, que são o de informar correctamente os indivíduos acerca dos objectivos
da investigação e o de proteger as fontes, devem ser garantidos; o resto é uma interac-
ção entre actores racionais capazes de relacionamento humano.
Do ponto de vista relacional, a entrevista (ou a observação) exige o mesmo
que qualquer outra técnica de recolha de informação decorrente do estabelecimento
de uma relação de confiança: neutralidade e controlo dos juízos de valor, confiden-
cialidade, clareza de ideias para as poder transmitir e devolução dos resultados.
f) Da dedução à indução
Uma das rupturas mais significativas entre as metodologias hipotético-deduti-
vas e as compreensivas relaciona-se com o tipo de raciocínio a imprimir na análise, o
que tem consequências importantes em todo o processo de pesquisa: desde a formu-
lação da grelha analítica e das hipóteses de trabalho até à análise de conteúdo.
É comum nos defensores das metodologias compreensivas a defesa da passa-
gem de um raciocínio hipotético-dedutivo, que alguns denominam de «cartesiano»,
para um raciocínio indutivo. A diferença nem sempre é claramente percebida, embo-
ra seja simples: a lógica da investigação não é gerada a priori pelos quadros de
análise do investigador, que espera conseguir encontrar essa lógica através da
análise do material empírico que vai recolhendo. A intenção dos investigadores
não é comprovar hipóteses definidas a priori e estanques, mas antes identificar as
lógicas e racionalidades dos actores confrontando-as com o seu modelo de referên-
cia. A consequência imediata é que o trabalho de construção do objecto, da análise
e das hipóteses é contínuo desde o início até ao final da pesquisa.
O confronto entre as metodologias compreensivas e as metodologias hipotéti-
co-dedutivas passa, em larga medida, pelo papel que é atribuído à teoria no processo
de investigação, na medida em que, nas segundas, as regularidades sociais estabele-
cidas a priori são colocadas no contexto da prova, enquanto nas primeiras as rela-
ções entre variáveis potencialmente explicativas do funcionamento social são colocadas
no contexto da descoberta. No contexto da prova, a principal função da investigação
22
23
24
12
Deve considerar-se que os vários paradigmas e tipos de análise utilizando a construção de categorias a partir da
empiria pretendem resultados diferentes. Por exemplo, as grounded theories pretendem mesmo a construção de modelos
conceptuais construídos «de baixo para cima» e a etno-sociologia defendida por Bertaux pretende apenas a verificação
sucessiva de resultados e a produção de teorias intermédias explicativas de fenómenos localizados.
25
26
A utilização das metodologias qualitativas pelas ciências sociais tem uma grande
diversidade de posturas teóricas de suporte e de métodos e técnicas que delas decor-
rem. Michelle Lessard Hérbert (1994), citando Herman, agrupa em quatro grupos os
métodos do paradigma compreensivo nas ciências sociais, onde se poderão obser-
var diversas tradições disciplinares:
1. Verstehen psicológico – Método descritivo que permite isolar tipos psico-
lógicos invariantes no espírito humano, a partir de uma compreensão ínti-
ma dos acontecimentos sócio-culturais: método de «reminiscência» ligado
à noção de empatia que faz reviver os acontecimentos sociais;
2. Hermenêutica – Originalmente, era a arte de interpretação de textos; inter-
preta a cultura e implica uma forma de «holismo semântico», pois que é
preciso apreender o todo para entender as partes;
3. Fenomenologia – Pretende apreender a lógica dos fenómenos subjectivos;
4. Etnometodologia – Dá relevo à prática discursiva na esfera do social, isto
é às formas de utilização da linguagem. Através da análise de conteúdo,
pretende-se compreender a racionalização das práticas quotidianas atra-
vés de determinados tipos de enunciados da linguagem comum.
Hoje, poderíamos acrescentar as grounded theories desenvolvidas por Glaser
e Strauss, que já apresentam várias ramificações conceptuais e técnicas.
27
seguindo Demazière e Dubar (1997), que, de forma prática, consideram que emer-
gem três posturas possíveis – e coerentes – face à análise empírica, sobretudo quan-
do a pesquisa repousa parcial ou quase totalmente em entrevistas qualitativas: i) a
postura ilustrativa e de lógica causal; ii) a postura restitutiva e o hiperempiricismo; e
iii) a postura analítica e de reconstrução do sentido.
13
Ver Demazière e Dubar (1997), op. cit.
28
14
As hipóteses assim concebidas assentam num modelo causal.
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33
15
Ver, no ponto 3.3., a diversidade de formas de construção das «amostras».
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AS DIFERENTES FUNÇÕES
E FORMAS DE UTILIZAÇÃO
16
Segundo Michelle Lessard Hérbert (1994), pode-se organizar a pesquisa qualitativa em vários tipos: estudo de caso:
escolha; estudo multicasos; experimentação «no terreno»; experimentação «em laboratório»; simulação por computador.
17
Há excepções e cita-se geralmente um livro fundamental, que serve de referência a este texto: J. Poirier, S. Clapier-
-Valladon, P. Raubaut (1983), Les Récits de Vie: Théorie et Pratique, PUF, Paris [trad. port.: J. Poirier, S. Clapier-Valladon,
P. Raubaut (1999), Histórias de Vida – Teoria e Prática, Celta Editora, Oeiras].
35
18
Muitas outras disciplinas utilizam as metodologias qualitativas há longo tempo, desde a antropologia, continuando
pela psicologia, a história ou as ciências de educação. A longa tradição de uso nestes campos disciplinares dá-lhes formas
próprias de entendimento dos modos de fazer investigação qualitativa que são socializadas nas academias e nos centros
de pesquisa e que se distinguem umas das outras e muito particularmente da sociologia.
36
37
38
c) E as hipóteses?
A organização do modelo conceptual hipotético e a detecção dos principais
níveis analíticos são indispensáveis e, provavelmente, mais exigentes neste tipo de
técnica. A formulação das hipóteses é uma questão mais controversa. Para alguns
autores, elas são dispensáveis e até contraditórias com a lógica da análise compreen-
siva; mas, para outros, isso só acontece na fase exploratória da pesquisa.
Como escreve Bertaux, «ele [o investigador] precisa, não de verificar hipóteses
a priori, mas de construir pelo menos algumas [hipóteses] não somente, ou princi-
palmente, sob a forma de “relação entre variáveis”, mas também sob a forma de
hipóteses sobre as configurações de relações entre mecanismos sociais, entre pro-
cessos recorrentes; sobre os jogos sociais e os contextos; em síntese, sobre todos os
elementos que permitem imaginar e compreender “como é que isto funciona”» (1997,
p. 26). O «objecto de um inquérito etno-sociológico consiste na elaboração progres-
siva de um corpo de hipóteses plausíveis, um modelo fundamentado nas observa-
ções, rico em descrições de “mecanismos sociais” e em proposições de interpretação
(mais do que de explicação) dos fenómenos observados» (1997, p. 19).
O espírito da análise compreensiva leva sempre do particular ao geral, à des-
coberta de recorrências operando a construção de conceitos e modelos explicativos
dos fenómenos sociais que se confronta novamente com essas recorrências. Assim,
não se trata de verificar hipóteses, mas sim de ajudar à construção de um corpo de
hipóteses que mais não é do que esse modelo explicativo potencial.
Nesse sentido, o que se defende aqui é que o modelo conceptual esboçado a
partir dos primeiros contactos com o terreno e baseado na revisão bibliográfica tra-
dicional seja entendido como a «representação hipotética do que se pensa existir na
realidade», isto é, como um modelo explicativo potencial. Assim, não parece haver
lugar para a elaboração de «hipóteses de pesquisa», no sentido tradicional do concei-
to, as quais se baseiam na relação linear entre variáveis, concebendo-se regularida-
des que se espera encontrar. De facto, estamos num quadro de análise de «processos»
e de «dinâmicas», pretendendo-se não apenas uma mera descrição da realidade, mas
também a interpretação do sentido das dinâmicas sociais.
39
-se que não tem muito sentido falar de amostragem, pois não se procura uma
representatividade estatística, mas sim uma «representatividade social» que nada
tem a ver com esse conceito. Assim, há dois conceitos básicos que desde Zanies-
cki estão no cerne do debate e do confronto entre metodologias quantitativas e
metodologias qualitativas: os conceitos de diversidade e de saturação. Nestes con-
ceitos reside a capacidade de generalização e é bom lembrar que para alguns
paradigmas, como as grounded theories, trata-se de produzir teorias substituindo
completamente (por serem enganosas) as metodologias hipotético-dedutivas. As-
sim, estes dois conceitos estão no centro da polémica e da oposição entre métodos
cartesianos e métodos compreensivos.
A diversidade
A diversidade relaciona-se com a garantia de que a utilização das entrevistas
se faz tendo em conta a heterogeneidade dos sujeitos (ou fenómenos) que estamos
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A saturação
O conceito de saturação encontra raízes na tradição de indução analítica,
mas devem-se a Glauser e Strauss (1967) o seu desenvolvimento e a centralidade
que tem hoje na pesquisa qualitativa, tendo sido posteriormente desenvolvido e
modificado. «A saturação é menos um critério de constituição da amostra do que
41
b) A questão da amostragem
A «amostragem» está relacionada com os dois critérios anteriores; no entan-
to, e mais uma vez, não estamos perante posições pacíficas, pois os diversos para-
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43
Figura 2
TIPO DE DADOS, DIFERENTES MODALIDADES DE AMOSTRAGEM
E DIFERENTES TIPOS DE AMOSTRAS
Amostragem acidental
Amostragem
Amostragem de voluntários
não
probabilística Amostragem por quotas
Amostragem por escolha racional
O quantitativo
(os «números»)
Amostragem por bola de neve
Amostragem aleatória simples
Amostragem Amostragem sistemática
probabilística Amostragem estratificada
Amostragem em grafos
Dois Amostragem aureolar
Grandes
Tipos
de Dados
Amostragem de actor
Amostragem Amostragem de meio, institucional
por caso ou geográfico
único
Amostragem de acontecimentos
O qualitativo
(as «letras») Amostragem por contraste
Amostragem por homogeneização
Amostragem Amostragem por contraste-aprofun-
por caso damento
múltiplo Amostragem por contraste/saturação
Amostragem por procura de caso
negativo
Fonte: Álvaro Pires (1997), «Échantillonnage et Recherche Qualitative: Essai Théorique et Méthodologique», in
Poupart e outros, La Recherche Qualitative. Enjeux Épistémologiques et Méthodologiques, Gaetan Morin, Canadá.
19
Utilizarei sempre a «amostra» ou «amostragem» entre aspas quando referenciada à análise qualitativa, pois, como
já referi, embora muitos autores denominem dessa forma o «universo de análise», não subscrevo essa posição.
44
20
Maurizio Catani, Susanne Maze (1982), Tante Suzanne ou l’Histoire de Vie Sociale et du Devenir d’Une Femme qui Fut
d’abord Modiste dans la Mayenne à l’Époque de la Premiére Guerre Mondiale et ensuite l’Épouse d’Un Horloger à Paris, Mère de
Deux Enfants et Propriétaire d’Un Jardin en Grande Banlieue sans jamais Nier Ses Origines, Librairie des Merediens, Paris.
45
46
Pires (1997b) considera ainda que a amostra por contraste pode ter duas versões
que permitem reduzi-la: por contraste-aprofundamento e por contraste-saturação.
***
Em síntese, as decisões sobre o número de entrevistas numa pesquisa qualita-
tiva dependem:
• do estádio de conhecimento do objecto;
• do estatuto da pesquisa (exploratória, analítica, etc.);
47
Quadro 1
EXEMPLO DA DEFINIÇÃO DE PERFIS A ENTREVISTAR
(TERESA COSTA PINTO21)
21
Teresa Costa Pinto (2005), «Percepção e Avaliação da Qualidade de Vida», tese de doutoramento em Sociologia
no ISCTE, Lisboa.
48
(Cont.)
– Exclusão dos grupos etários mais novos e mais velhos, pelo excessivo condicionamento
que a idade, nestes grupos, pode impor em termos de noção de qualidade de vida: os mais
novos e não activos, pelo que dependentes financeiramente, tenderão a sobrepor as noções
mais ideais de qualidade de vida, enquanto os mais velhos e também não activos terão meno-
res expectativas e, assim, uma noção de qualidade de vida mais circunscrita ao que a idade
pode oferecer. Daqui resulta o apuramento de um grande grupo constituído pelos activos,
divididos em dois subgrupos: activos até aos 35 anos e activos com mais de 35 anos;
– Toma-se em consideração, para cada um dos perfis, a necessária diversidade em termos de
pertença de classe, incluindo-se pelo menos uma entrevista em cada um dos perfis a um
indivíduo de classe alta, média e baixa.»
Quadro 2
EXTRACTO DA DEFINIÇÃO DOS PERFIS NO «ESTUDO DE AVALIAÇÃO
DOS IMPACTES DO RENDIMENTO MÍNIMO GARANTIDO:
OS BENEFICIÁRIOS» (MAIO DE 2002, IDS)
PERFIL 1
49
(Cont.)
• Em idade activa com dificuldades de inserção profissional por ausência de ofertas
de emprego
• Mais do que o 9.º ano de escolaridade (preferencialmente com o 12.º ano ou mais)
• Ruptura total dos laços sociais
• Menos de dois anos na medida
• Beneficiários
• Novos utentes dos serviços de protecção social
PERFIL 2
PERFIL 3
PERFIL 4
50
(Cont.)
• Até o 9.º ano de escolaridade
• Ex-beneficiários já integrados profissionalmente
• Novos utentes dos serviços de protecção social
PERFIL 5
22
É nesta capacidade heurística e ética das entrevistas que reside a defesa insistente, por parte de alguns investiga-
dores, da necessidade da «devolução» do material tratado e da «aferição» do sentido da interpretação como um momento
indispensável do método.
51
52
53
Quadro 3
EXEMPLO DE GRELHA ANALÍTICA SOBRE A QUALIDADE DE VIDA
GRELHA ANALÍTICA
PROBLEMÁTICAS DIMENSÕES
ORIGEM SOCIAL • Escolaridade e profissão dos pais
E FAMILIAR • Apreciação sobre o nível de vida até à independência finan-
ceira
• Evolução desse nível de vida (constante, trajectória ascendente
ou descendente)
• Aspirações dos pais em relação aos filhos (escolaridade, pro-
fissão)
TRAJECTÓRIA • Saída de casa dos pais (quando, porquê, onde)
FAMILIAR • Experiências de casamento/união de facto
• Filhos (número e idade)
TRAJECTÓRIA • Nível de escolaridade
ESCOLAR E • Profissões desempenhadas
PROFISSIONAL • Aspirações quanto ao nível de escolaridade e ao trabalho (agora,
na adolescência e na juventude)
• Comparação com outras pessoas do mesmo grupo de amigos
TRAJECTÓRIA • Local de nascimento
GEOGRÁFICA E • Locais por onde passou e em que fase da vida
RESIDENCIAL • Casas habitadas (localização, dimensão, conforto, apreciação)
até à actual
• Razões da mudança
• Agregado familiar em cada uma dessas etapas
• Aspirações quanto à casa (localização, modelo, propriedade)
• Nível de satisfação
APRECIAÇÃO DA • Factores que contribuem para a satisfação e/ou a insatisfação
CASA ACTUAL (localização, modelo, dimensão, propriedade)
• Para os «Móveis»: satisfação em relação à situação actual, com-
parando com a anterior (Lisboa/periferia)
• Correspondência com as aspirações que tinha em relação à casa
• Desejo/possibilidade de mudança, para onde, por que razões
e para que tipo de casa (para os «Localizados», desejo/pos-
sibilidade de mudar para Lisboa/periferia)
54
(Cont.)
• Comparação com outras pessoas do mesmo grupo de amigos
• Casa ideal
QUALIDADE • Significado de qualidade de vida (QV) (evolução desse significado)
DE VIDA: • Factores que mais contribuem para a QV
SIGNIFICADO E • Factores que mais afectam a QV (eventual experiência pessoal
AVALIAÇÃO passada)
PESSOAL • Avaliação da sua QV:
– Nível de satisfação hoje
– Face ao passado
– Perspectivas futuras
– Aspectos/áreas eleitos como os mais importantes para a sua
vida pessoal/Satisfação com esses aspectos
– Correspondência com as aspirações que tinha ou tem em
termos de QV
– Comparação com outras pessoas do mesmo grupo de amigos
QUALIDADE • Apreciação da QV do local de residência
DE VIDA: – Nível de QV
APRECIAÇÃO – Factores que mais contribuem
TERRITORIAL – Problemas que mais afectam
– Nível de satisfação e razões
– Apreciação de alguns factores: espaços verdes, qualidade
ambiental, qualidade urbanística, equipamentos e serviços,
mobilidades
– Correspondência com o local onde pensava/desejava viver
– Local ideal para viver
• Apreciação da QV na cidade/no concelho
– Nível de QV
– Factores que mais contribuem para a QV
– Problemas que mais afectam a QV
– Evolução da QV
• O que deveria ser feito para melhorar a QV no local de
residência e concelho/cidade
• Locais de melhor QV:
– Nas periferias (quais)
– Em Lisboa (em que locais)
Fonte: Teresa Costa Pinto (2005), «Percepção e Avaliação da Qualidade de Vida», tese de doutoramento em Sociologia
no ISCTE, Lisboa.
55
Quadro 4
GUIÃO DE ENTREVISTA*
ENTREVISTA
I. ORIGEM FAMILIAR E TRAJECTÓRIAS RESIDENCIAL, FAMILIAR E PROFISSIONAL
Pode contar-nos, em traços gerais, as principais etapas da sua vida até ao momento
actual, começando por referir:
1. • local de nascimento, escolaridade e profissão dos pais
• como caracteriza o nível de vida que tinha a sua família até à sua independência
financeira e como evoluiu esse nível de vida (constante, trajectória ascendente ou
descendente)
• que aspirações é que os seus pais tinham em relação a si e eventuais irmãos em termos
de grau de escolaridade a atingir e profissão
2. • Diga-nos agora os locais por onde passou e as casas que habitou até este momento,
nomeadamente quanto a:
– locais por onde passou e em que fase da vida (com que agregado familiar em cada
uma delas; referir momento de saída de casa dos pais – quando, porquê, onde –,
experiências de casamento/união de facto, filhos – número e idade)
– tipo de casa (localização, dimensão, conforto, apreciação)
– razões da mudança
• Até à saída para a sua própria casa, que aspirações é que tinha quanto à casa (locali-
zação, modelo, dimensão propriedade)?
3. Vamos referir-nos agora ao seu percurso escolar e profissional. Diga-nos que grau de
escolaridade (que estudos) atingiu e as profissões que já teve até hoje.
• Qual dessas profissões o realizou mais e porquê?
• Na sua adolescência/juventude, o que esperava/sonhava em relação aos estudos e à
profissão (que profissão gostaria ou pensava ter)? E agora?
• Em relação ao grupo de pessoas com quem mais se dá (ao seu grupo de amigos), pensa
56
(Cont.)
que é um privilegiado em termos da profissão e do trabalho que realiza ou, pelo contrá-
rio, acha que os outros têm uma profissão melhor (mais rendimento, estatuto, etc.)?
II. APRECIAÇÃO DA CASA ACTUAL
1. Gostaríamos agora de saber a sua opinião em relação a alguns aspectos desta casa. Está
satisfeito com a casa que agora habita? O que é que gosta mais e menos?
• Factores que contribuem para a satisfação e/ou insatisfação (localização, modelo,
dimensão, propriedade)
2. Esta casa corresponde, de alguma maneira, àquela que pensava poder vir a ter? E àquela
que desejava?
3. Gostaria ou coloca a possibilidade de mudar de casa? Por que razões, para onde e para
que tipo de casa?
4. Acha que a sua casa é melhor ou pior do que a generalidade das dos seus amigos?
5. Como descreveria a casa ideal?
* Extracto do guião de entrevista de Teresa Costa Pinto, tese de doutoramento citada, ISCTE, 2005.
Quadro 5
EXEMPLO DA GRELHA (PROVISÓRIA) DE ENTREVISTA
A ASSISTENTES SOCIAIS QUE TRABALHAM EM SAÚDE MENTAL
57
(Cont.)
Objectivos da O que pretende atingir, ou espera Se a intervenção é mais dirigida
intervenção do que aconteça, quando intervém para a normalização dos
assistente social junto dos seus clientes? comportamentos, para a integração
social ou para a emancipação das
pessoas e o reconhecimento dos
seus direitos
Reconhecimento É habitual fazer uma análise das Se os assistentes sociais sabem
das necessidades/ necessidades e dos problemas e podem transmitir informação
/dos problemas sociais e fazê-la chegar às suas sobre necessidades e problemas
chefias? sociais às instâncias decisoras
Relação com os Que tipo de relação estabelece com Se o resultado da relação é a
clientes/utentes os seus clientes/utentes? Que forma dependência ou a autonomia,
e famílias de tratamento utiliza? Como os se a posição do utente é passiva
designa? E com as famílias? ou activa.
Se a relação é de controlo, de
apoio ou de colaboração. Se há
uma partilha do poder
Abordagem à Qual é a sua intervenção junto da Se a intervenção na comunidade
comunidade e comunidade? Encaminhamento, é uma forma de envolvimento
às redes sociais articulação, trabalho em rede, das pessoas, dos grupos sociais
parcerias? e serviços, como meio de mudar
as atitudes perante a saúde/
/doença mental.
Importância Qual é a tarefa que as associações Qual é o papel da sociedade civil
das associações desenvolvem? na prestação de cuidados de saúde
e IPSS Prestação de serviços? mental e na promoção dos direitos
Representação dos utentes? e participação das pessoas
Perspectiva dos Acha que no seu trabalho é Se existe uma preocupação com a
direitos humanos possível ter em conta ou promover defesa e a afirmação dos direitos,
os direitos das pessoas/utentes? numa perspectiva de cidadania e
Como? participação. Quais os direitos que
Que direitos? estão em causa
58
(Cont.)
Tendências Considera que existem algumas Se os profissionais estão abertos
actuais e desafios tendências actuais na Saúde a novas perspectivas de actuação
para o SS Mental que sejam desafios para como o empowerment,
o ass. social? a participação de utentes nos
serviços, a auto-ajuda
Regulação/ Acha que a sua acção contribui Se as práticas dos assistentes
/emancipação para a integração e a normalização sociais são mais reguladoras
dos comportamentos ou para a ou mais emancipatórias,
autonomia e a participação? se promovem o controlo
social ou a participação
democrática
Fonte: Isabel Fazenda, dissertação de mestrado em Serviço Social na FCH da Universidade Católica, 2006.
c) A equipa
Para a realização da entrevista, é sempre preferível que se possa contar com
duas pessoas, o que permitirá, por um lado, um maior controlo do guião e, por
outro, a disponibilização de um dos investigadores para os aspectos relacionais,
enquanto o outro se «especializa» nas questões de ordem logística: gravador e seu
funcionamento, registo do contexto e das formas de expressão e elementos essen-
ciais da entrevista, etc.
d) A gravação e a transcrição
A gravação em magnetofone depende, mais uma vez, do tipo de pesquisa que
se está a realizar, mas sugere-se que, sempre que possível, as entrevistas sejam grava-
das ao mesmo tempo que se vai tomando notas.
A sua transcrição é sempre aconselhável, mas, dado o tempo disponível, su-
gere-se que seja feita apenas no caso das entrevistas em profundidade, quando o
material é tratado directamente. Nas outras situações, constroem-se as sinopses das
entrevistas (ver o ponto 4.3.) recorrendo a novas audições do material já gravado.
Sugere-se a leitura do livro de Poirier e Valadon (1983) sobre os conselhos para um
bom trabalho de gravação e transcrição.
59
e) O tempo da entrevista
As entrevistas têm um tempo muito variável, dependente do tipo de pesquisa.
Uma pesquisa de caso único como a «Tante Suzanne» já referida (ver nota da p. 45)
levou vários anos. Pois incluiu para além da «Tia Susana» muitos outros familiares,
colegas de trabalho, empregadores, etc. É muito frequente serem necessários vários
momentos de entrevista, não apenas devido à duração (porque o tempo da entrevista
pode exceder a disponibilidade do entrevistado naquele momento), mas também
porque, em entrevistas que têm um cariz diacrónico, a clarificação da sequência de
momentos cronológicos exige que se volte a falar do mesmo para clarificar alguns
elementos ou datas. De qualquer forma, o tempo desejável para não criar mal-estar
no entrevistado é de duas a três horas.
60
TRATAMENTO DO MATERIAL
23
Centro de Estudos Territoriais do ISCTE.
61
24
Citado por Laurence Bardin (1979), Análise de Conteúdo, Edições 70, Lisboa.
25
Destaque nosso.
26
Citado por Bardin (1979), op. cit.
27
Citado por Bardin (1979), op. cit..
28
Imagine-se uma pesquisa em que se realizam 25 entrevistas que, depois de transcritas, têm, cada uma, cerca de 30
páginas. Isso significaria cerca de 750 páginas para analisar.
62
63
29
Alexandra Castro (1998), O Gosto na Arquitectura Popular: as Casas dos Emigrantes de Dupla Residência França-
-Portugal, ISCTE, Mestrado de Sociologia do Território, p. 179.
64
Quadro 6
PROPRIEDADES ESTÉTICAS DA VIDA QUOTIDIANA (PEVD)
– OS MATERIAIS
EXEMPLO DE ANÁLISE DAS RELAÇÕES POR OPOSIÇÃO
Estética em si
PEVD Materiais
Outro/Ética Funcionalidade Económico
Limpo/Sujo Mármore Nota-se tudo, sujidade Sempre sujo, mancha
perceptível tudo
Mármore «Corriqueiro», vulgar
Ordem/Desordem Madeira Exige trabalho, tempo Altera-se com o
tempo
Ordem/Desordem Tijoleira Definitivo Definitivo
Limpo/Sujo Tijoleira Sujo, pouco perceptível Fácil de lavar
Limpo/Sujo Parquet Fácil de limpar
Limpo/Sujo Pedra Sujo, pouco perceptível Não mancha
Pedra Valor acrescentado
Fonte: Alexandra Castro (1998), O Gosto na Arquitectura Popular: as Casas dos Emigrantes de Dupla Residência França-
-Portugal, ISCTE, Mestrado de Sociologia do Território, p. 179.
30
Glaser B. G. e Strauss, A. L. (1967), The Discovery of Grounded Theory, Strategies for Qualitative Research,
Aldine, Chicago.
65
priori uma teoria que seria de seguida verificável no terreno, defendem que os da-
dos empíricos são o ponto de partida e a matéria-prima de qualquer teoria.
Assim, não partindo de uma teorização prévia, elaboram um campo proble-
mático (leituras e referências a outros autores, estudos, etc.) e estruturam um con-
junto de questionamentos abertos mas centrados nas problemáticas que investigam
recolhendo informações. A teoria é construída interrogando indutivamente os da-
dos empíricos.
A análise do material recolhido faz-se a partir dos seguintes níveis de identifi-
cação do discurso:
• Nível das funções: recorte dos episódios do discurso e identificação das
sequências (S);
• Nível das acções (identificando os actuantes/personagens que intervêm e
o sistema de relações (A);
• Nível da narração: presença de teses, argumentos e propostas destinados
a convencer o interlocutor ou a defender uma ideia – Argumentos (P).
O incidente, depois de codificado e relacionado com os diferentes campos, é
classificado, formulando-se proposições de interacção entre as categorias de que resul-
ta um modelo descritivo que especifica as condições necessárias e suficientes de um
fenómeno. Com apoio em Greimas e Hiernaux, analisa-se as unidades de significação
assim identificadas como uma «estrutura de relação binária» (por exemplo, «gosto» e
«não gosto») ou como uma relação de disjunção que a opõe ao seu inverso.
Esta estrutura de análise é ensaiada no livro de Demazière e Dubar31 de forma
original, pois que são muito poucos os que, situando-se no campo da sociologia,
propõem um método de análise de conteúdo em que o sujeito é analisado «vertical-
mente» na lógica interna da produção de um discurso individual, ao contrário do que
é frequente na análise por categorias ou problemáticas. Na maioria das análises de
conteúdo em sociologia, são as categorias sociais, e não os sujeitos, que estão no
centro da análise, «desmontando-se» os discursos e reunindo-se os fragmentos em
categorias sociológicas.
Num dos exemplos que os autores apresentam, trata-se da análise de entre-
vistas sobre a inserção de jovens no mercado de trabalho. A análise de conteúdo
31
Didier Demazière e Claude Dubar (1997), Analyser les Entretiens Biographiques: l'Exemple des Récits d'Insertion,
Nathan, Paris.
66
inicia-se por uma síntese dos elementos significantes, como se descreve no esque-
ma em baixo, onde se anota a estrutura do discurso através de «sequências»32, os
argumentos 33 e também os actuantes 34 (personagens) que as corporizam. Estão
claras as oposições mais marcantes: entre os estudos, o trabalho, o fácil e o difícil,
o possível e o impossível.
Quadro 7
EXTRACTO DE ANÁLISE DE ENTREVISTA
EM DEMAZIÈRE E DUBAR
32
Considera-se sequência o conjunto de todas as unidades que descrevem acontecimentos, acções ou situações
encontradas pelo entrevistado e que são narradas como factos tendo geralmente uma ordem cronológica. No caso da
entrevista de Luc, são sintetizadas 36 sequências.
33
Os argumentos são propostas simples que têm uma apreciação ou um juízo sobre um acontecimento, uma pessoa
ou uma situação.
34
No original, actants ; são consideradas actuantes todas as unidades do discurso que fazem intervir uma per-
sonagem (mesmo que seja o entrevistado) que se coloque em relação com as situações ou personagens.
67
Figura 3
ESQUEMA-SÍNTESE DA ENTREVISTA DE LUC
Mundo sócio-profissional
Impossível NEGÓCIO
(sonho) (artesanato) PLANO INFERNAL
NADA FÁCIL (carreira)
Improvável LUGAR
NADA FÁCIL FÁBRICA (emprego)
Possível
FÁCIL BISCATES
(precário)
Provável CONSTRUÇÃO
(real) FÁCIL CIVIL
NÃO SE A VIDA
DEVE NÃO É TENHO PROJECTOS
SONHAR FÁCIL
Fonte: Didier Demazière e Claude Dubar (1997), Analyser les Entretiens Biographiques, Nathan, Paris, p. 139.
68
a) Transcrição
Em primeiro lugar, neste processo simplificado de análise de conteúdo pres-
supõe-se que as entrevistas sejam realizadas com a lógica e as técnicas referidas
em 3. Assim, uma vez realizadas as entrevistas, torna-se necessário transcrevê-las
para papel.
As formas de transcrição podem ser aprofundadas pela leitura do livro de Poi-
rier, Valladon e outros (1983), mas recorda-se que cerca de uma hora de gravação leva
entre três a quatro horas de transcrição (há quem refira até 10 horas de transcrição).
No contexto de entrevistas em que os entrevistados falam na primeira pessoas35,
a transcrição deve ser integral e fiel ao que foi dito.
As propostas para tornar mais célere a transcrição são as seguintes:
• Numa primeira fase transcrever (de preferência logo no computador) o
que se entende na audição, deixando espaços brancos nas passagens em
que a audição não é clara;
• Numa segunda fase, rever a gravação e preencher manualmente as «brancas»;
• Numa terceira fase, redigir um discurso capaz de ser inteligível, com pon-
tuação, supressão de elementos inúteis (há quem o faça apenas para as
35
Quando os entrevistados têm o estatuto de informadores privilegiados e falam em nome de terceiros ou emitem
opiniões de ordem geral, não é necessária uma transcrição total e pode-se passar depois da audição à construção das
sinopses de entrevista.
69
36
Ver o exemplo no Quadro 8, retirado da pesquisa de «Estudo de Avaliação dos Impactes do Rendimento Mínimo
Garantido: os Beneficiários», Maio de 2002, IDS.
70
Quadro 8
EXEMPLO DE LEITURA DA ENTREVISTA
E ANOTAÇÕES
71
(Cont.)
72
73
Quadro 9
EXEMPLO DE SINOPSE DE ENTREVISTA
Fonte: Alda Gonçalves (1995), A Construção de Identidades Juvenis em Contexto de Exclusão Social, Tese de Mestrado
em Sociologia do Território, ISCTE.
74
Pesquisa_2reimp.p65
EXEMPLO DE SINOPSE DE ENTREVISTA REALIZADA NO ÂMBITO DO «ESTUDO DE AVALIAÇÃO DOS
IMPACTOS DO RENDIMENTO MÍNIMO GARANTIDO: PERFIL MINORIAS ÉTNICAS» (2001-2002, IDS/CET)
1.2. Comparação da vida
presente face à passada ANÁLISE EXCERTOS DA ENTREVISTA
75
fazer venda ambulante (frequenta um curso de for-
mação profissional diário, que lhe ocupa o dia todo)
Comparação da condição Julga ser este o pior momento da sua vida em «Por isso nunca posso ter uma vida conforme as outras pessoas
sócio-económica actual termos de condição sócio-económica. têm. E se tivesse uma casa, eu tinha uma vida. A nossa vida é
face à(s) condição(ões) vender na rua, pronto, sinto-me bem andar a vender na rua e...
sócio-económicas trazer comer para as minhas filhas. Nunca passei uma necessidade
anterior(es) tão triste conforme estou a passar agora. [...] Nunca, nunca, nunca,
passei tão mal na minha vida.”
Enquanto viveu com os pais, teve uma condição «Quando vivia com os meus pais? Pronto, ou era eu que não
75
sócio-económica mais desafogada («Pelo menos pensava, nunca fui rica, mas era eu que não pensava e tinha o
sempre teve o que comer»). que queria se calhar, vinha à hora do almoço, tinha o almoço,
mesmo que fosse pouquinho, mas tinha. Depois quando veio as
filhas é que eu comecei a pensar... calçar, vestir...»
Atribui as suas dificuldades não só ao seu percurso «Antigamente o cigano não passava assim tanto. Não sei se se
Tratamento do Material
pessoal de vida, mas também a alterações sociais lembram de eles irem assim para a Avenida de Roma vender...
significativas que afectam a comunidade cigana de pronto, tinham uma vida diferente, não é como agora, estas, estas
uma forma mais genérica. drogas e estas coisas, estas misérias, estes roubos, pronto.
Antigamente não se ouvia falar de tanta coisa assim. Era diferente.
A gente ia para a Avenida de Roma sempre vendíamos, sempre
trazíamos dinheiro para comer, nunca passávamos fome.»
Percepção de situações Ainda existe alguma discriminação social. No centro «Há. Há crianças “olha o cigano”, “oh mãe, olha os ciganos”; sentem-
de discriminação social paroquial, onde as filhas estão no ATL, não existe, -se com medo, mesmo que eles não façam mal, há crianças assim,
porque estão já muito habituados com os ciganos. já tenho visto. [...]. Não, aqui não, aqui estão muito habituados à
etnia cigana, que sempre moraram, já há muito ano que moraram
2010-02-12, 16:40
aqui no Campo Grande. As professoras estão habituadas e os miú-
dos aqui na escola, aqui não é tanto, mas se for outra escola, já há.”»
Influência de eventuais situações
de discriminação social na
condição sócio-económica actual
Pesquisa_2reimp.p65
Figura 4
TRAJECTÓRIAS GEOGRÁFICAS E RESIDENCIAIS DOS ENTREVISTADOS
76
Coruche
1928
Alentejo/Espanha Cabrela Évora* Az. Manhoso Alto dos Cucos Malagueira
Anos 30 e 40 Anos 50 Anos 60 e 70
76
Alentejo Viana do Castelo
Algarve
Olga.
Castro
1957 Cruz da Picada Malagueira C. da Picada
Évora* Az. do Manhoso Évora Évora Évora
Anos 60 Anos 70 1988 1993 1994
* Actual bairro da Malagueira.
Legenda:
Pesquisa Qualitativa e Análise de Conteúdo
2010-02-12, 16:40
Percursos paralelos
Tenda Barraca Casa do Casa ocupada Casa própria Local e data
empregador ou arrendada de nascimento Percursos coincidentes
Fonte: Alexandra Castro (1994), Apropriação do Espaço e Estratégias Identitárias do Grupo Étnico Cigano no Bairro da Malagueira, Tese de Licenciatura em Sociologia, Lisboa,
Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa.
Tratamento do Material
A análise tipológica
Em metodologia qualitativa, a realização de análises tipológicas é o método por
excelência. Como referem Didier Demazière e Claude Dubar, «o estabelecimento de uma
tipologia é uma das operações mais correntes e das mais praticadas quer nas ciências
sociais, quer nas ciências experimentais. Colocar em ordem os materiais recolhidos, clas-
sificá-los segundo critérios pertinentes, encontrar as variáveis escondidas que explicam
as variações das diferentes dimensões observáveis tais são os objectivos mais correntes
de uma tipologia. Todos os manuais de metodologia, todos os dicionários de especialida-
de científica falam de tipologias e dos diferentes modos de as realizar» (1997, p. 274).
Mas a diversidade de conceptualizações sobre o que é uma análise tipológica e as
diferentes propostas tornam confusa a sua utilização, já que, como escreve Dominique
Schnapper, «[…] não existe verdadeiro consenso dos sociólogos sobre a análise tipológi-
ca, enquanto que os procedimentos, pelos quais os dados recolhidos por inquéritos
empíricos podem ser interpretados, são objecto de um largo consenso» (1999, p. 2)37.
37
Vale a pena aprofundar a diversidade das formas de entendimento e de construção da análise tipológica com
Dominique Schnapper (1999), La Compréhension Sociologique: Démarche de l'Analyse Typologique, PUF, Paris.
77
Figura 5
EXEMPLOS DE ANÁLISES DE CONSTRUÇÃO
DE TIPOLOGIAS POR SEMELHANÇA
REPRESENTAÇÕES SOCIAIS SOBRE A SIDA
Quadro de representações
sociais e valores dos
portadores de sida
LETALIDADE
Associação da doença LONGEVIDADE
a morte e à É possivel viver com
esperança de vida a sida, vivência adquirida
mais curta ao longo da doença.
3.º TIPO
2.º TIPO
NEGATIVIDADE SOFRIMENTO
SOCIAL A ideia de sofrer é
Na cidade é uma mais significativa;
doença de marginais associação à doença
78
Quadro 11
TIPOLOGIA DE FORMAS DE LAZER E CONVÍVIO
DE JOVENS EM BAIRRO DEGRADADO
Fonte: Alda Gonçalves (1995), A Construção de Identidades Juvenis em Contexto de Exclusão Social, Tese de Mestrado
em Sociologia do Território, ISCTE.
E – entrevista
79
não serem ideais-tipo, mas sim construções empíricas que existem na realidade
nos sujeitos entrevistados.
No segundo exemplo de construção de tipologias, Alda Gonçalves estrutura a
lógica de organização de tempos livres de jovens moradores num bairro de realoja-
mento em Cascais. Encontrando quatro tipos de lazer dominantes, associa-lhes as
actividades mais frequentes e identifica as entrevistas que correspondem a cada tipo
de lazer. Como se está no domínio da diversidade, embora existam tipologias domi-
nantes, mesmo que exista apenas um actor com um comportamento diferente, esse
actor deve constituir uma tipologia, até porque nas pesquisas exploratórias, dada a
não-saturação do material, é de prever a existência de mais situações com aprofun-
damento em entrevistas posteriores.
Na elaboração do relatório da pesquisa é tradição ilustrar as tipologias por
semelhança com extractos da entrevista, identificados no momento da leitura atenta
da mesma e sublinhadas (a amarelo como sugestão). Esta ilustração não serve ape-
nas para enfeitar o texto, mas é uma explicação dada ao leitor acerca da forma como
se construíram as tipologias, «comprovando» as fontes da análise.
A análise categorial
À identificação das variáveis cuja dinâmica é potencialmente explicativa de
um fenómeno que queremos explicar chamamos «análise categorial». Para Poirier e
Valladon (1983, p. 216), categoria é «uma rubrica significativa ou uma classe que
junta, sob uma noção geral, elementos do discurso». O sentido da identificação da
categoria deve ser bem explícito, mas não unívoco, isto é, não há vantagem em
dizer o tipo de variação a não ser que haja uma posição única em todas as entre-
vistas. Por exemplo, se numa pesquisa sobre as expectativas face ao futuro, as
«habilitações literárias» são uma das variáveis explicativas que fazem variar o fenó-
meno, elas devem ser explicitadas como «nível de habilitações» e não como «baixas
habilitações» ou «altas habilitações», dado que se encontram entrevistados em am-
bas as situações.
Esta análise, sendo ainda uma análise descritiva, é de alguma forma mais
abstracta e não exclusiva, isto é, na mesma entrevista é normal existirem vários dos
factores explicativos encontrados e nenhum dos discursos dos entrevistados contém
todas as variáveis. Assim, é uma análise que faz a mediação para uma explicação e
para a construção ideal típica que se aprofundará a seguir.
80
Figura 6
EXEMPLOS DE ANÁLISES CATEGORIAIS
VARIÁVEIS INTERVENIENTES NA PERCEPÇÃO DA TRAJECTÓRIA DO BAIRRO
(IMPACTO DO REALOJAMENTO)
Género Acesso a um
M/F estatuto
residencial
mais elevado
Percepção da
trajectória do bairro
Tempo de
residência Requalificação Diluição
territorial/ Percepção da sociabilidades
/desestruturação das transformação
relações sociais de das relações
sentido comunitário sociais Aumento da
conflitualidade
Segregação
sócio-espacial dos
toxicodependentes
Percepção da
evolução do
fenómeno da
droga/aumento
visibilidade
Fonte: Observatório de Habitação, 6.ª fase (2000), Os Actores e a Produção das Imagens Negativas, CET/GEBALIS.
Estes dois exemplos de análise categorial foram construídos com base numa
pesquisa sobre a identificação das imagens negativas dos habitantes em contex-
tos de realojamento. No primeiro caso, identificam-se as variáveis intervenientes
e potencialmente explicativas da diversidade de imagens. Aí o género, o tempo
de residência, a percepção do tipo de mobilidade social gerada pela nova casa,
etc. influenciam a diversidade de imagens do bairro. No segundo caso, salien-
tam-se as variáveis dominantes e descritivas da imagem negativa. Na diversidade
da lógica interna de construção das categorias em ambas as situações, apenas se
destacam os elementos dominantes e sociologicamente pertinentes para descre-
ver a situação.
81
Figura 7
EXEMPLOS DE ANÁLISES CATEGORIAIS
SINTESE DAS VARIÁVEIS INTERVENIENTES NA PERCEPÇÃO DO BAIRRO
IMAGEM
CONFLITUALIDADE
NEGATIVA
DINÂMICA
SOCIAL LOCAL
Droga
Conflitos
com consumidores
e traficantes
Desestruturações;
Fragilização
das interacções
Composição Conflitualidade locais
social de vizinhança
Clima de
insegurança
Solidão social
Fonte: Observatório de Habitação, 6.ª fase (2000), Os Actores e a Produção das Imagens Negativas, CET/GEBALIS.
82
83
38
António Fonseca Ferreira e outros (1984), Perfil Social e Estratégias dos Clandestinos, CES/ISCTE, Lisboa.
84
39
Alcides A. Monteiro (2004), Associativismo e Novos Laços Sociais, Quarteto, Coimbra.
40
Luís Capucha (2005), Desafios da Pobreza, Celta Editora, Oeiras.
85
Também aqui, estas tipologias são tipos puros baseados num apurado tra-
balho empírico que vem desde 1982 e que foi sofrendo contínuas reformulações à
medida que a investigação avançava.
Estas construções de ideais-tipo são, já por si, um resultado significativo
das pesquisas e um contributo fundamental para a análise das formas de com-
portamento social, mas muitos interrogam-se sobre as possibilidades de genera-
lização.
Na lógica da pesquisa compreensiva, e da forma como neste livro se cons-
truiu o raciocínio, a generalização depende do estatuto da pesquisa. Se a pesquisa
garantiu a diversidade (externa e interna) e saturou a informação, os riscos de
generalização são semelhantes aos de qualquer outra pesquisa. De facto, qualquer
pesquisa é sempre parcelar e provisória, não só porque as dinâmicas sociais mu-
dam no espaço e no tempo, mas também porque a garantia das boas amostragens
é reduzida na pesquisa sociológica, exigindo cuidados aprofundados na extrapo-
lação para universos mais alargados.
Bertaux (1981), citando Glaser e Strauss, afirma que a «a verosimilhança de
generalizações a propósito do mundo social repousa inteiramente na descoberta
de “mecanismos genéricos” de configurações específicas de relações sociais defi-
nindo as situações, as lógicas de acção e desenvolvendo-se – para além dos fenó-
menos de diferenciação – em resposta a situações […]. É descobrindo o geral no
cerne das formas particulares que se pode avançar nesta via. Isto passa pela pro-
cura de recorrências e por aquilo a que se chama saturação progressiva do modelo»
(Bertaux, 1981, p. 21).
Resumindo, realizou-se uma análise horizontal e vertical que nos permitiu
organizar as tipologias interpretativas (as variáveis que influenciaram os fenóme-
nos e a diversidade de situações, expectativas e opiniões) e estruturou-se a inter-
pretação sociológica que é exigida no final da pesquisa; resta agora divulgar os
resultados.
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