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13/10/2019 Pela democracia sempre, ainda que ela esteja cabisbaixa e ultrajada — Paulo Endo - ψψψ.

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Pela democracia sempre,


ainda que ela esteja
cabisbaixa e ultrajada —
Paulo Endo
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ainda-que-ela-esteja-
cabisbaixa-e-ultrajada)

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13/10/2019 Pela democracia sempre, ainda que ela esteja cabisbaixa e ultrajada — Paulo Endo - ψψψ.PsiBr

Paulo Endo (psicanalista, professor do Programa de Humanidades, Direitos e Outras


Legitimidades — FFLCH e do Instituto de Psicologia, ambos da USP, e um dos
coordenadores do Grupo de Pesquisa em Direitos Humanos, Democracia, Política e
Memória do Instituto de Estudos Avançados da USP)

No último dia 31 de agosto teve termo um longo processo em que as articulações de


grupos nacionais de direita obtiveram êxito. Há muito a ponderar, corrigir, melhorar
na própria análise que as esquerdas nacionais terão de fazer daqui por diante.

A qualidade ordinária e vexatória de nosso parlamento, as hesitações de nossa


suprema corte e a auto indulgência desastrosa dos senadores em tentar fazer de um
golpe agrante um libelo da democracia. Tudo bem brasileiro.

Mas há um futuro pela frente que exige novos esforços no sentido de aglutinar,
ajuntar, restaurar um pensamento e uma ação que precisa ser, não apenas retomada,
mas reinventada, porém de forma ponderada, cautelosa, inteligente e ciente dos
próprios riscos que sempre correu e dos próprios princípios que terá de defender
vorazmente. Tiros na cara, prisões arbitrárias, espancamentos a céu aberto e torturas
cometidas pelos polícias militares, incompetentes e servis, já grassam pelo país.

Eles, pobres soldados, venderam sua dignidade e honra pelo privilégio de disparar
uma arma. Hoje exultantes, são os seres rastejantes em qualquer democracia.

Dilma Roussef, no último dia 31, digni cou os que nela votaram e revelou
nacionalmente o espírito das mulheres forjadas nas lutas clandestinas contra a
tirania no país. Saiu inteira, ilesa, orgulhosa e, certamente, voltará. É uma política
valiosa para sair de cena, e os próprios senadores golpistas, paradoxalmente,
reconheceram isso.

O Brasil é um país que teve o leve sabor da democracia, mas ainda não foi capaz de
sustentá-la, suportá-la, melhorá-la e levá-la adiante. A democracia muito jovem no
Brasil, claudicava há tempos e andava de bengalas, devido às alianças que o Partido
dos Trabalhadores considerara por bem fazer.

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Chega o dia em que a incipiente democracia brasileira é golpeada de morte, por esses
mesmos aliados que jamais foram amantes da democracia, mas sim de privilégios,
benesses e a proximidade extraordinária com a possibilidade de desvio do erário
público, que a função de senadores, deputados, ministros e vice-presidente lhes
concede.

As forças que depuseram a primeira presidente da república continuarão em alerta,


como cães em guarda, atentos para que qualquer suspeita ou movimentação
signi cativa seja abafada pelo governo indireto, que foi recém-empossado sem que
tenha recebido um único voto.

A violência policial já está nas ruas ferindo gravemente manifestantes pací cos. E
eles, policiais, serão como sempre a mera bucha de canhão a destilar os ódios dos
privilegiados e daqueles que acreditam ser, munidos com suas bombas de gás, balas
de borracha, ódios e debilidade narcísica que eles só podem soerguer a golpes de
cassetete.

Porém, cresce o número de pessoas e grupos que não querem e não vão aceitar isso
passivamente e a coisa pode car muito grave. A pouca democracia que tivemos se
restaura nos corpos expostos e em luta dos jovens que são a imensa maioria nas
manifestações no Brasil e no mundo.

O que vivemos é um descalabro sem precedentes, coisa que não víamos desde de
1964, mas não merece o desencanto. Nesse momento propício têm início um novo
movimento que não pode e não deve mais se preocupar ou se esgotar em manter o
partido dos trabalhadores no poder.

Os objetivos devem ser bem outros, mais ambiciosos, mais largos.

Agora é preciso criar novos projetos de poder, denunciar a ilegitimidade do poder


vigente e, sobretudo, combater os atentados e ataques constantes às estruturas,
grupos e pessoas que defendem corajosamente a democracia e que, hoje, são milhões
repartidos entre centenas de milhares de organizações, grupos e movimentos sociais
pelo Brasil. A democracia deixa um gosto de quero mais e essa será a sua maior
herança desses últimos 12 anos.

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Um novo caminho deve se abrir agora porque a derrota de hoje, signi cou vitória lá
atrás e, certamente ensejará novas vitórias adiante.

Os psicanalistas terão algo a dizer, mas também a fazer, desfazer, refazer porque o
Brasil, que nunca se consagrou como nação democrática, ainda respira os ares de
ditaduras renitentes e práticas abusivas do passado. As lutas não são apenas
discursivas, mas espaciais, materiais e viscerais. Espaço, patrimônio e corpo são os
palcos das contendas atuais.

Provas disso abundam e estão estampadas há décadas nos altos índices de letalidade
do jovens pobres e negros, na prática corriqueira de violência contra as mulheres,
nos altos índices de violência contra homossexuais, nas violências escandalosas
praticadas pelas policias militares e civis contra manifestantes à esquerda, pobres,
índios e quilombolas que somam milhares todos os anos.

Práticas que jamais cederam no suposto país cordial e gentil que ainda se quer
propalar lá fora. Cordialidade cínica que os senadores zeram questão de distribuir
entre si, em extensas rasgações de seda, repletas de muco e libidinização primária
durante a votação do impeachment.

O Brasil segue ocupando o lugar de um dos países com a pior distribuição de renda
do planeta a despeito dos programas sociais dos governos passados que, doravante,
deverão ser fortemente atacados.

Não bastará aos psicanalistas e a ninguém mais apenas dizer. A passagem ao ato é o
que consagrará os grandes intérpretes da vida pública brasileira, hoje, alquebrada.

Difícil entender linearmente o que se perpetua no Brasil. Por isso o país doente
precisa ser constantemente reinterpretado na institucionalidade de seu cinismo, de
sua perversão, de sua psicose.

Cenas dantescas e surreais zeram espetáculo nesse longo processo de usurpação. E,


invariavelmente, as atrocidades se justi cavam pelo “exercício pleno do estado
democrático de direito”.

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Mas vejam que o “estado democrático de direito brasileiro” não suporta uma única
manifestação de rua para ser vexatoriamente ridicularizado por soldados rasos com
arma na mão.

Na avenida paulista, reduto da antiga elite cafeeira e da atual elite nanceira, temos
assistido o que ocorre todos os dias nas periferias das cidades brasileiras, e é aí que
as manifestações, estrategicamente, demonstram sua genialidade.

Guerra na avenida Paulista de um lado e de outro a serenidade de Renan Calheiros,


as lágrimas de Janaína Paschoal, o voto “justo” de Cristovam Buarque, a placidez
magnânima do ministro Lewandovski distribuindo fartos elogios aos senadores que,
diante dos seus, e de milhões de outros olhos, rasgavam 54 milhões de votos.

Poderíamos, quem sabe, agradecer o bem que eles zeram aos nosso netos.

Vamos aplaudir o cinismo emotivo dos que se sensibilizam pela dor do


desafortunado, apenas para gozar com benefício de sangrar mais fundo aquele que
acaba de golpear. Todos com alma de torturadores. Todos com tendência à fraude,
todos covardes que não saíram de suas fraldas e ocupam o púlpito do parlamento pra
mostrar sua carinha triste e os olhinhos marejados.

Quem viu Janaína Paschoal endemoniada no Largo São Francisco, na manifestação


pós eleição do impeachment pela câmara dos deputados, mal podia acreditar em sua
fofura e lágrimas no dia da votação do senado.

É preciso denunciar os fofos, eles carregam o ódio em sua pelúcias.

Nossas mazelas não nasceram hoje, mas prometem ser uma sina para o futuro caso
as forças que hoje ocupam o poder se estabeleçam e comandem o país
duradouramente.

Dia 31/08 teve m um ciclo democrático, caberá a nós sabermos se ele se erguerá
logo adiante. Mas o mais importante, creio, é que determinadas lutas do passado
devem ser imediatamente retomadas.

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Aos que lutaram pela democracia no país devem montar em sua sela uma vez mais
para, uma vez mais, cavalgarem rumo à invenção da democracia que queremos;
como zeram e zemos os muitos que contribuíram decisivamente para conquista-
la, incluída aí a própria presidente impedida.

Democracia exige imaginação e inventividade, mas também sentido histórico.


Vencemos uma vez, poderemos fazê-lo uma vez mais e a cada derrota, creio, se
planta uma aspiração de tipo novo, não pela vitória, mas pela transmissão que o
desejo e o prazer de democracia de alguns deixou enraizado no coração dos que não
viveram o golpe civil militar de outrora, mas entendem perfeitamente o que é um
golpe branco, liderado pelas elites nacionais, quando se deparam com ele hoje.

Centenas de milhares de jovens fruti cam nas ocupações, movimentos sociais e


ongs. Eles voltam às ruas hoje. De coragem e discernimento extraordinário já estão aí
interferindo decisivamente nos rumos das política, ocupando praças, ruas e escolas e
denunciando os ataques à democracia a cada vez que deparam com um. Eles votarão
nas próximas eleições e se candidatarão às eleições futuras.

Há muitos com quem somar, há muitos com quem sonhar e a quem dar as mãos.

De nossa parte, creio que nos últimos anos a psicanálise brasileira se transformou,
dobrou-se às exigências de interpretação do Brasil paradoxal. Com isso muito se
produziu no Brasil entre psicanalistas que quiseram e ousaram fazê-lo no início, e
outros que se somaram ao longo do tempo. Hoje é inconteste que novos intérpretes
do Brasil surgiram a partir da psicanálise.

Grupos inteiros se dedicam a pensar, publicar, pesquisar sobre o tema. Foi


ultrapassado de nitivamente a hesitação diante dos descalabros que não nascem nos
consultórios, mas os invadem, bem como à vida e às instituições nacionais,
psicanalíticas ou não.

Se há um traço original na psicanálise brasileira, que tanto se amparou e se ampara


na psicanálise europeia e argentina, é sua decisão de pensar a política mobilizando a
metapsicologia que Freud nos legou. Decisão que já ultrapassa sua 3a década entre
psicanalistas de nosso país.

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O legado Amilcar Lobo foi recusado e ultrapassado por boa parte dos psicanalistas
que hoje exercem a psicanálise no Brasil e hoje, gura nos anais da história da
algumas instituições de psicanálise, mas não é a história toda da psicanálise no
brasileira.

Com isso creio que também nós, psicanalistas brasileiros, estamos mais bem
preparados para o que virá. Capazes de sermos reagentes diante dos empedernidos,
cínicos e sintomáticos discursos produzidos industrialmente pela grande e medíocre
mídia, hoje, alvo de chacota dos ótimos jornalistas estrangeiros. Elas representam as
elites vitoriosas, porém ofendidas e amedrontadas, diante dos acenos de
inconformismo que ora se organizam em todos os lugares e no mar de gente que
inunda o coração de todos que caminham, lado a lado, em cada uma das
manifestações que hoje se propõem a defender a democracia.

A disputa pelo futuro se encontra agora, como sempre, em nossas mãos. Ainda que,
como toda planta que viceja, precisará nascer ao rés do chão.

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1 Comentário PsiBr  Guilherme Portella

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Rachel Quiroga • 3 anos atrás


Grande e corajoso pensador, sem medo de se posicionar
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Por uma utilização mais crítica das redes Aspectos Psicológicos da Violência
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que você procurou abordar o uso das redes Negra e gostaria de citar o seu texto, vc

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