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Primeiros passos na meditação: como começar?

Não conhecer o funcionamento do mundo interno


é analfabetismo emocional.
— Lama Padma Samten

A felicidade nos conecta, e o sofrimento também

Todos os seres procuram a felicidade e se livrar do sofrimento. ​Essa é uma afirmação que
conecta todos nós. Estamos a cada momento procurando ser felizes e nos afastar do
sofrimento. Cada um faz isso a sua maneira, e as vezes a busca do outro entra em conflito
com o nosso próprio interesse em ser feliz.

Felicidade genuína

Já que todos os seres almejam isso, é um tema super importante e precisamos entender as
verdadeiras causas. A felicidade vem do olhar que oferecemos ao mundo e não do olhar que
buscar retirar coisas do mundo. A felicidade é algo cultivado internamente e não algo que
vamos obter do mundo externo. Tudo que coletamos do mundo externo é insatisfatório e
transitório. A gente nunca chega a ter a sensação de trabalho finalizado.

Formas de operação da mente

Em ​faixa um​, as pessoas se manifestam e se movem no mundo a partir de um impulso


natural que surge dentro delas. Elas não têm uma visão mais ampla sobre o que elas deveriam
fazer da vida delas, qual o sentido da vida delas. Elas simplesmente respondem aos impulsos
que surgem aos sentidos físicos. Por exemplo, se ela vê coisas atraentes, ela se move a partir
disso, se ela ouve coisas agradáveis, ela se move a partir daí e pronto!
Em ​faixa dois​, as pessoas também se movem a partir dos sentidos físicos, mas elas
têm uma sensação de estratégia, de pensamento a longo prazo, de fazer alguma coisa dar certo
a partir de um planejamento. Elas têm a sensação de estar avançando, de ter um real progresso
em alguma coisa. Mas são apenas bolhas de realidade, como um campeonato de futebol,
como o trabalho.
É só em faixa três que a noção de Terra Pura irá surgir, pois em faixa três irá surgir a
percepção do mundo interno, ou seja, ao olhar para alguma coisa, percebo que a minha mente
responde para aquilo de um certo modo e não de outro e que ela pode responder de várias
formas. Percebo também que eu posso treinar a maneira como a minha mente vai responder
àquilo. É neste contexto que surgem outros referenciais para ação. São estes outros
referenciais que vão me permitir construir terra pura, são referenciais mais amplos.
O que é meditação?

Meditação é o ato de ​cultivar ou ​reconhecer algo. As práticas meditativas são como um


telescópio apontado para a mente, para o nosso mundo interno. Através dessa prática vamos
relevando o papel da mente e descortinando qualidades inerentes em nossa natureza mais
profunda. Duas palavras-chave: cultivo e continuidade.

Relaxamento: muito importante!

No começo precisamos transformar nosso ruído mental — que é como um dia na bolsa de
valores — em relaxamento. Não vamos controlar a nossa mente. Vamos relaxar, aquietar o
conteúdo usual que fica emergindo a todo instante.

Mas, não é anestesia

Não usamos a meditação apenas como uma espécie de anestésico para amortecer a nossa
confusão, e nem para criamos uma espécie de zona confortável, do tipo “​ficar zen”​, e sim
como plataforma para reconhecer nossas qualidades inatas. O objetivo não é criar um estado
pacífico de mente para se proteger das dificuldades e sim abrir espaço na mente para poder
acolher todas as dificuldades.

Meditar é trabalhar com a nossa pressa, com nossa inquietação, com nossa
constante atividade. A meditação provê espaço ou terreno no qual a
intranquilidade pode mover-se, onde pode haver lugar para ser intranquila,
onde pode relaxar por estar sendo intranquila. Se não interferirmos na
intranquilidade, ela então se tornará parte do espaço. Não reprimimos nem
atacamos o desejo de correr atrás de nossa própria sombra.

— Chögyam Trungpa, em O Mito da Liberdade e o Caminho do Meditação

O propósito da meditação é desenvolver um relacionamento saudável com a nossa


experiência. As dificuldades que temos na vida – se fechar, se afastar, sentir-se
sobrecarregado, e todo o apego neurótico – nascem da confusão que cultivamos sobre como
nos relacionar com a rica energia da mente. Quando comemos, nós ingerimos, processamos e
eliminamos alimentos. Mas como será que digerimos a nossa experiência? Isso não está tão
claro.

Não é só silêncio também

A meditação é uma ferramenta para descortinar uma nova forma de ver e se relacionar com a
realidade, onde as causas do sofrimento gradativamente vão diminuindo e nossa capacidade e
motivação genuína de ajudar as pessoas aumenta. Essa foi a razão pelo qual o Buda revelou
um caminho onde a meditação entra como uma dos principais mecanismos de transformação.
Começando a meditar
O que fazer com o corpo

Você não precisa ter a flexibilidade de um contorcionista do Cirque du Soleil pra começar a
meditar. Caso seja muito desconfortável sentar no chão, utilize uma cadeira. Independente da
forma que for meditar, não descuide sempre de duas coisas: o olhar e a coluna. Deixe seus
olhos abertos, olhando a frente, em direção ao espaço ou então no ângulo do nariz, pra baixo.
Certifique-se que a coluna sempre esteja alinhada e firme. É muito importante que ela fique
assim. E a respiração deixe acontecer naturalmente. Não tente controlar e não fique
preocupado se a inalação é maior que a exalação e vice versa. Fique a vontade, relaxe.

Tempo de meditação

Inicie com sessões curtas. Pode começar com 10 minutos. Durante o dia faça várias sessões.
À medida que for se sentido mais a vontade, aumente o período das sessões. Tente priorizar o
turno da manhã para realizar a prática. Especialmente logo após ter acordado.

Frequentemente praticamos “como se estivéssemos pagando


impostos”: o que realmente queremos é chegar em casa depois do
trabalho e assistir televisão, mas sentimos que ​deveríamos medi​tar. ​O
propósito da prática de meditação é apreciar a vitalidade natural da
mente; a prática não é algo que nós ​deveríamos fazer a partir de um
senso de obrigação.
— Elizabeth Mattis Namgyel

O que fazer com a mente

>> Aceite todos os conteúdos que surgem na mente. Aceite no sentido de apenas estar
consciente, sem tentar reprimi-los ou encorajá-los. Não entre em julgamentos. Pensamentos
são apenas pensamentos. Não podem fazer nada sozinhos.

>> Não se previna contra a intranquilidade, porque senão viveremos numa eterna paranoia e
controle para evitar que isso aconteça, o que aumenta nossa tensão e ansiedade.

>> Não reprima suas emoções. Fique aberto. Não entre em pânico, a meditação fornece
ferramentas para simplesmente fazer seu trabalho completa e meticulosamente com elas.

>> Ruminação. Remoer assuntos que passaram e ficar remoendo sobre eventos futuros prende
a mente numa teia discursiva desgastante; ficamos com a sensação de sermos oprimidos por
nossa mente. Estudos neurocientíficos já mostram que 15 minutos de ruminação podem
ocasionar uma modificação cerebral. Se for ruminar, rumine coisas positivas. Imante a sua
mente com visões positivas.

>> Lembre-se: a mente precisa ser nossa aliada. Para acontecer isso, não podemos fazer nada
com força, tensão ou pressa.
Práticas
[1] Meditação de purificação - Mettabhavana

Foque uma pessoa, que pode ser você mesmo, e agora repita:
1.Que (...) seja feliz
2.Que (...) se liberte do sofrimento
3.Que (...) encontre as causas verdadeiras da felicidade
4.Que (...) supere as verdadeiras causas do sofrimento
5.Que (...) se libere totalmente do seu carma
6.Que (...) manifeste lucidez de modo natural e instantâneo
7.Que (...) seja verdadeiramente capaz de ajudar os outros seres
8.Que (...) encontre nisso sua fonte de alegria e energia

Reconheça em cada afirmação feita, que isso é mesmo possível decorrer!

Meditação com o corpo

Sentamos confortavelmente em meditação. Então, deixe as coisas serem como são. Imagine
que você respira com todo o corpo. Você conecta a sua consciência com o seu corpo ao
observar as sensações que vão surgindo. É como se estivesse passando um ​scanner ​por todas
as partes do corpo. Comece na cabeça, os músculos do rosto, os ombros, barriga, pernas e até
a ponta dos seus dedos. Tente ver que o corpo e a consciência são a mesma coisa. Integre isso
em apenas uma experiencia. Aprecie a circulação da energia por todo o corpo. Não fique
seguindo seus pensamentos, mantenha o foco da atenção em seu corpo. Ao mesmo tempo não
caia em outra direção, como o entorpecimento, se esquecendo do que realmente está fazendo,
e como se começasse a dormir. De tempo em tempo, novamente passe o ​scanner em seu
corpo e localize regiões que possam estar tensas.

Focando na respiração

Sentamos com a sensação de já termos chegado. Sem ansiedades, sem objetivos, sem pressa
de que algo especial aconteça. Abandonamos toda complicação. Escolhemos um lugar
agradável e harmonioso. Em seguida, passamos a manter o foco da nossa atenção na
respiração. É o nosso guia. Quando notamos que nos desviamos, sem alarde, naturalmente
voltamos a focar a respiração. Não tentamos controlar nada, deixamos do jeito que ela estiver.
Somente prestamos atenção sem nenhum tipo de julgamento.
O ​Sutra da Perfeição da Sabedoria em Dez Mil Linhas d​ iz:

Shariputra, veja a analogia de um oleiro ou um aprendiz de oleiro


girando uma roda de oleiro: se ele faz uma longa volta, ele sabe que é
longa, se ele faz a volta curta, ele sabe que é curta. Shariputra, da
mesma forma, um Bodisatva, um grande ser, conscientemente inspira
e expira com atenção plena. Se a inalação é longa, ele sabe que a
inalação é longa. Se a inalação é curta, ele sabe que a inalação é curta.
Shariputra, assim, um Bodisatva, um grande ser, se estabelecendo
com introspecção e com atenção plena, elimina a avareza e decepção
com o mundo por meio da não objetificação, e vive observando o
corpo e o corpo interno. Aqui isso significa: sem distração, atenção
plena ao ir e vir do ar, e quando o ar se move para fora, não esteja
distraído disso, quando ele voltar, não se distraia disso.

Assim, a base de atenção plena são os dois movimentos do pranayama do ar.


Enquanto isso, não se esqueça de manter a atenção plena.

Com foco na energia dos Cinco Elementos

Mantemos a mesma estabilidade, relaxamento e vivacidade da mente como antes e seguimos


com essa prática:

Elemento Éter - Sentamos e mantemos o brilho do olhar. Quando esse brilho enfraquece,
cansamos, a atenção fica difusa, e o interesse pelas coisas diminui. A mente possui
capacidade de fazer surgir o brilho no olho por si só, sem a necessidade de algo externo —
causal. Começamos por esse reconhecimento: brilho nos olhos, clareza da mente, um brilho
que se funde com a espacialidade da própria mente. Agindo de forma condicionada, nos
engajamos nos pensamentos e nas bolhas de realidade a partir do elemento éter. Surge um
pensamento e, sutilmente, dizemos “oh!” e entramos na corrente de pensamentos. Os
pensamentos produzem um brilho de um certo tipo em nós, e assim entramos na cadeia de
pensamentos discursivos. É através do brilho do elemento éter que nascemos com um corpo
sutil de uma identidade dentro de uma bolha particular. Se estivermos com excesso de
elemento éter, podemos ficar demasiadamente agitados e empolgados. Na sua falta, nos
tornamos apáticos e sem vida. E usualmente manobras as circunstâncias externas pra fazer
esse brilho interno surgir. Quando não conseguimos o que queremos, ou perdemos aquilo que
tínhamos, esse brilho desaparece.

Elemento Vento ​- Esse brilho da mente produz o elemento ar, nós respiramos. Elemento ar
trás o movimento que surge por dentro do brilho da mente; é o próprio movimento dos
pensamentos, das bolhas que vão se descolando por dentro do espaço da mente. Podemos
também levar a respiração, o movimento do elemento ar, para cada parte do nosso corpo. Se
estivermos com excesso de elemento ar, somos simplesmente arrastados de um lado para o
outro, literalmente ao sabor dos ventos cármicos. Na sua falta, nos tornamos densos, lentos.

Elemento Fogo - ​Da união desse brilho sutil do elemento éter com a respiração, o movimento
do elemento ar faz surgir um calor interno e o nosso corpo se aquece: surge o elemento fogo.
O elemento fogo produz uma sensação de vida, é o fogo criativo que , cria, dá significados, dá
cor às experiências. Veja a imagens internas surgindo e desaparecendo. Perceba que ao
expirar mais longamente surge um calor na região próxima ao umbigo. Se estivermos com
excesso de elemento fogo, nos tornamos impulsivos, impacientes e irritados. Na sua falta, nos
tornamos apáticos e sem energia e criatividade.

Elemento Água - ​Do elemento fogo vem a fluidez do elemento água, uma ausência de
rigidez. Sentimos nosso corpo leve, fluido, sem tensão, pronto para agir. Podemos visualizar
todo nosso corpo sendo inundado pela flexibilidade do elemento água. Veja que, o mesmo
fluxo que traz os pensamentos é o mesmo que leva, como um rio — então relaxe, não
controle, não tencione, apenas se mantenha calmamente consciente. Se estivermos com
excesso de elemento água, afundamos nas emoções e pensamentos, nos tornamos
excessivamente emotivos. Na sua falta, nos tornamos insensíveis e secos, sem a capacidade
de flexibilizar.

Elemento Terra - ​Na sequência surge a estabilidade do elemento terra, uma serenidade, uma
confiança e não oscilação do nosso movimento. Se estivermos com excesso de elemento terra,
nos tornamos rígidos, tensos. Na sua falta, oscilamos junto das experiências, sem estabilidade
nenhuma. De forma condicionada, todos nós aspiramos estabilizar tudo, ter experiências
sólidas como uma casa, um carro, um relacionamento, um emprego. Mas tudo se mostra
impermanente. Enquanto não reconhecermos a estabilidade proveniente da espacialidade da
mente, não vamos conseguir estabilizar nada.

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