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Ainda no início da década passada já encontrávamos diversas escolas onde esses computadores
estavam quebrados, desatualizados, sucateados e sem nenhuma manutenção. Agora, já
praticamente fechando a primeira década do terceiro milênio, a situação continua muito parecida
em muitos lugares. Computadores que custaram caro, pois o poder público é expert em gastar
mal o nosso dinheiro, continuam depreciando em centenas de escola sem nenhum uso por parte
dos alunos. Sobre a depreciação desses computadores e a necessidade econômica (além de
pedagógica) de seu uso, veja o artigo “Quebrando computadores“, escrito originalmente no início
de 2005 e republicado aqui nesse blog em 2008.
Paralelamente à falta de inteligência dos gestores públicos, vimos uma generalizada falta de
vontade de educadores que resistiram bravamente ao uso dos computadores, mesmo quando
estes estavam em plenas condições de serem usados. Sob argumentos que iam do “não preciso
disso” até o “não sei como usar”, foram poucos os professores que se dispuseram a aprender a
usar os computadores de forma pedagógica ou mesmo a repensar suas práticas pedagógicas
diante da necessidade de inserir seus alunos no universo digital onde eles, os alunos, e o próprio
professor, já vivem há muito tempo.
Agora, passadas duas décadas desde o início desse processo de inserção das novas tecnologias
na escola, já não faz mais nenhum sentido discutir se vale ou não a pena usar os computadores,
a internet e as TICs de forma geral. O mundo, independentemente da falta de vontade de alguns
professores e da má vontade da maioria dos políticos, já definiu que não poderá continuar
existindo sem essas novas tecnologias. É simplesmente impossível conceber um mundo e uma
escola sem essas tecnologias, a menos que se faça a opção por uma vida eremita.
Nesse contexto, o uso da Sala de Informática deixa de ser uma possibilidade a mais e passa a
ser uma necessidade que se impõe tão fortemente quanto a necessidade da lousa e do giz, que
ainda existirão por um bom tempo. Mas como promover esse uso?
Todas as atividades listadas abaixo podem ser realizadas pelos alunos sem a necessidade de um
professor que os acompanhe:
Pesquisa na internet: os alunos já fazem pesquisas na internet quando seus professores
lhes pedem “trabalhos”. O fato de muitos deles devolverem trabalhos que são meramente
cópias descaradas de sites, ou mesmo trabalhos já publicados na internet, depende muito
mais da incapacidade do professor em propor uma boa pesquisa do que da disponibilidade
de sites e trabalhos prontos na internet ou da “desonestidade” dos alunos. Para propor
uma boa pesquisa o professor não precisa sequer entrar na Sala de Informática, bastando
apenas que ele seja realmente um professor que saiba propor pesquisas (com ou sem
internet) e não um “dadador de aulas” que ao fim e ao cabo espera mesmo que o aluno lhe
entregue um punhado de papel e não que ele aprenda algo com isso. Aqui mesmo nesse
blog você encontrará alguns subsídios para compreender melhor o mecanismo de
pesquisa na internet (veja, por exemplo, o artigo “Pesquisa escolar na Internet: Ctrl+C &
Ctrl+V versus Cópia Manuscrita“) e sobre como propor boas pesquisas.
Digitação de textos e elaboração de apresentações: Ao invés de solicitar que os alunos
criem cartazes e os pendurem nas paredes da escola, o professor pode propor que eles
apresentem seus trabalhos usando um projetor multimídia (se a escola dispuser de um) ou
mesmo usando uma TV com aparelho de DVD. Se o professor não faz idéia de como criar
uma apresentação de slides e então apresentá-la em um datashow ou em um formato de
DVD, não tem problema algum, pois seus alunos, que também não sabem, aprenderão
sozinhos, mesmo que o professor não se disponha a ajudá-los a aprender ou a aprender
com eles. A maioria dos alunos de hoje em dia é bem mais autônoma do que seus
professores e, por isso, conseguem aprender a fazer coisas que seus professores não
conseguem;
Uso de softwares de criação e edição de imagens, vídeos e arquivos sonoros: os
alunos são capazes de ilustrar um trabalho com um vídeo produzido por eles mesmos,
usando seus celulares, e posteriormente editado no computador da Sala de Informática, ou
usar o mesmo celular para gravar uma entrevista e depois editá-la no computador,
transcrevê-la para um documento de texto e até mesmo publicar esse documento na web.
Não é preciso que o professor saiba nada disso, e mesmo se ele não quiser ou não se
sentir capaz para aprender, ainda assim ele pode solicitar isso a seus alunos e certamente
eles o farão, enriquecendo assim sua aprendizagem;
Busca e uso de materiais didáticos alternativos: a internet é uma biblioteca literalmente
infinita onde os alunos podem encontrar informações e materiais didáticos sobre qualquer
assunto ou disciplina. Mesmo o professor que vive limitado aos seus poucos livros, às
vezes apenas um, deve ter consciência de que seu aluno obterá muito mais informação na
internet do que nas suas aulas e, portanto, não deve dispensar esse recurso como fonte de
informação para seus alunos. Evidentemente esperar-se-ia que um bom professor fosse
capaz de indicar os melhores sites para consulta, os links para bons materiais
jornalísticos, etc., mas mesmo aquele professor que mal sabe para si mesmo ainda pode
indicar de forma “genérica” que seus alunos busquem mais informações sobre os temas da
aula no “Google”. O hábito de pesquisar informações e conteúdos na internet tende a se
intensificar cada vez mais e em breve poderemos aposentar enfim os professores cuja
única utilidade continua sendo copiar e colar na lousa os conteúdos pobres que ele dispõe
de um ou dois livros didáticos apenas;
Aprendizagens colaborativas, redes sociais e multimeios: na Internet o aluno pode
fazer amigos, discutir assuntos de seu interesse, paquerar e surfar por temas que não tem
nenhuma relação com os conteúdos escolares, mas ele também pode participar de grupos
de discussão, pode tirar dúvidas com professores que não se sentem “velhos, acabados e
desestimulados” e que se dispõem a ajudar alunos que nem mesmo são seus. Nas redes
sociais também se podem formar grupos de estudo, pode-se paquerar ou fazer a lição de
casa “à distância”, pode-se matar o tempo vendo vídeos engraçados ou assistindo a
experimentos e demonstrações que muitas vezes seus professores se negam a fazer por
“falta de tempo ou de recursos”. Enfim, a internet também é, em muitos casos, uma escola
bem mais útil para o aluno do que a velha sala de aula chata onde uma voz monótona
repete parágrafos copiados de livros velhos;
Evidentemente há ainda muitas outras possibilidades para se abandonar seu aluno na Sala de
Informática e, mesmo assim, conseguir dele uma melhor aprendizagem do que a que ele obtém
apenas copiando aquilo que o próprio professor copia dos livros. E, evidentemente, também há
riscos e problemas diversos decorrentes desse abandono. Mas é melhor deixar que seu aluno
usufrua desses recursos na Sala de Informática do que privá-lo deles só porque o professor se
sente incompetente para acompanhá-lo nessa jornada. Se o professor sente que “não aguenta”,
que ele deixe que seu aluno vá sozinho, ao invés de puxá-lo junto consigo para as profundezas
do atraso.
Questões transversais mas de suma importância, como ética, preceitos morais e legais, regras de
comunicação e convivência, cuidados com a privacidade própria e alheia, cidadania e
responsabilidade, são temas presentes e recorrentes em toda navegação pela web. Quando o
aluno trabalha sozinho ele tem que aprender também a lidar sozinho com essas questões, mas
estando acompanhado por um professor, que se supõe poder orientá-lo nessas questões, ele
poderá construir melhor seu caráter e seus valores enquanto lida com “conteúdos e comandas de
trabalho”.
Além disso, estar presente com os alunos durante a atividade não significa ter a responsabilidade
de saber usar os computadores, os periféricos, os softwares ou o de deter conhecimentos
elaborados sobre os usos e recursos da internet. Assim como os próprios alunos, o professor
será sempre um eterno aprendiz das novas tecnologias e recursos. O papel do professor na Sala
de Informática não é nem nunca foi o de “ensinar informática”, mas sim e tão somente o papel
que ele tem fora da Sala de Informática: o papel de atuar como professor de sua disciplina e
como educador no que diz respeito à formação integral do indivíduo sob sua tutela educacional!
Levar uma classe inteira para a Sala de Informática também requer alguns desafios, mas que
nada têm a ver com a informática em si, e sim com a otimização do uso dos recursos disponíveis:
Nesse cenário, raro, mas já visível em vários locais, o professor usa os recursos da web 2.0 de
forma compartilhada com seus alunos, troca e-mails com eles, bate papo no MSN, participa de
comunidades do Orkut, de grupos do Yahoo e Google, mantém um blog compartilhado, usa
materiais e recursos da rede e propõe atividades on-line, síncronas e assíncronas.
Para um professor nesse nível de inserção com as TICs, a Sala de Informática já deixou de ser
um ambiente “extraclasse” e passou a ser uma extensão da sua sala de aula e esta, muitas
vezes, já extrapolou até os muros da escola e se estendeu pela rede, na forma de EAD e
comunidades virtuais de ensino e aprendizagem. Para esses professores esse artigo é,
obviamente, inútil, mas para todos os outros talvez haja algo que possa ser repensado e , quem
sabe, “pelo menos tentado”.
Mesmo assim o professor abriu a Sala, recuperou os computadores, fez upgrade do hardware e
dos softwares onde era possível e passou a utilizá-la. Um ano depois a gestão da escola foi
trocada e a nova gestão aceitou com bons olhos o uso da Sala de Informática, mas não havia
nenhum funcionário disponível para garantir o acesso dos alunos.
A solução encontrada foi criar um grupo de alunos monitores cuja função básica era a de abrir e
fechar a Sala de Informática, registrar o uso dos computadores e manter a organização geral de
agendamentos de uso, além, é claro, de ajudar os colegas naquilo que sabiam. Mas nenhum
desses monitores tinha capacitação técnica para realmente “gerenciar” uma sala de informática
ou dar suporte técnico para os demais alunos além do básico.
Nos quatro anos seguintes a Sala de Informática funcionou normalmente e não houve uma única
ocorrência de vandalismo, depredação ou mesmo de mau uso dos equipamentos. Todos os
defeitos apresentados nas máquinas deveram-se ao envelhecimento e ao desgaste natural, como
mouses quebrados, monitores pifados, teclados com defeito ou mesmo placas de rede
queimadas.
Nesse período todos os alunos utilizaram a Sala de Informática nos períodos da manhã e da
tarde, onde havia monitores, quase sempre sem a presença de algum professor ou funcionário da
escola. Eles mesmos passaram a cuidar da manutenção do software das máquinas, da limpeza e
conservação da sala e, alguns com conhecimentos mais técnicos, se ofereceram para pequenos
consertos. Não se registrou nem mesmo um único rabisco no mobiliário.
Com o tempo mais professores passaram a usar a Sala de Informática com seus alunos, ou
propondo atividades que poderiam ser potencializadas com o uso da Sala de Informática de
maneira autônoma pelos alunos. Aos poucos a cultura de uso e conservação da Sala de
Informática foi sendo construída e todos os mitos provenientes da ignorância e da preguiça (“os
alunos são vândalos e quebrarão as máquinas”, “vão usar a sala para tudo, menos para
aprender”, etc.) foram sendo abandonados diante da realidade nua e crua de que a Sala de
Informática é um patrimônio da comunidade escolar e não uma caixinha de brinquedos da gestão
local ou uma grande caixa de Pandora, de onde sairão todos os monstros dos pesadelos de
professores descomprometidos.
Então, será que já não é tempo de quebrar esses cadeados das portas das Salas de Informática
e das mentes retrógradas de alguns gestores e professores e devolvermos aos alunos o
patrimônio que é verdadeiramente deles?