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Capítulo 8

A ciência entre a comunidade e o mercado: leituras de Kuhn, Bourdieu, Latour e Knorr-Cetina

Gilberto Hochman

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PORTOCARRERO, V., org. Filosofia, história e sociologia das ciências I: abordagens


contemporâneas [online]. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 1994. 272 p. ISBN: 85-85676-02-7.
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A Ciência entre
a Comunidade e o Mercado:
leituras de Kuhn, Bourdieu, Latour
e Knorr-Cetina

Gilberto Hochman

INTRODUÇÃO

As disputas sobre o caráter especial do conhecimento e da prática científi-


ca, entre autores e perspectivas, nos campos da história, da filosofia e da sociolo-
gia da ciência, independentemente do que reivindiquem, terminam, quase sem-
pre, de alguma maneira referindo-se aos indivíduos ou grupos de indivíduos que,
na sociedade moderna, são considerados, por motivos que também são razão de
disputa, os legítimos praticantes dessas atividades, produtores de conhecimento
e árbitros do que seja ciência. De qualquer forma, e com isso todos concordam,
acostumou-se a chamar esses indivíduos de cientistas.
Uma parte da bibliografia no campo da sociologia da ciência, descar-
tando as proposições da epistemologia sobre verdades científicas imanentes,
propõe uma abordagem que relaciona intimamente os mundos social e cien-
tífico, remetendo-se, obrigatoriamente, à análise do relacionamento entre os
cientistas, e destes com o mundo exterior, enfim, sobre qual é a base de orga-
nização e interação dos praticantes da ciência.
O objetivo deste trabalho é analisar como uma parte da literatura socioló-
gica e histórica aborda e discute a interação e a organização dos cientistas na sua
dimensão formalmente científica. Se isto é um problema considerado relevante
por todos, o consenso termina aqui. E a discordância começa com a identifica-
ção e colocação das seguintes questões: qual deve ser a unidade organizacional
da análise das práticas científicas? Como e por que atuam os cientistas? Como e
por que se relacionam entre si? Como, por que e quando interagem com atores
exteriores ao mundo científico? A partir dessas questões, reaparecem, como
desdobramentos importantes, tradicionais antinomias como, por exemplo:
normas versus interesses; solidariedade versus conflito; indivíduo versus co-
munidade; comunidade versus mercado; científico versus social; ciências exa-
tas e naturais versus ciências sociais.
Escolhi para analisar e comparar, alguns trabalhos de autores que, com
diferentes embasamentos teóricos e metodológicos, procuram enfrentar expli-
citamente as questões acima apontadas. Do trabalho renovador de Thomas
Kuhn aos estudos etnográficos sobre a prática científica em laboratórios de
Bruno Latour, Steve Woolgar e Karin Knorr-Cetina, passando pelos conceitos
de Pierre Bourdieu, devidamente apropriados e retrabalhados pelos dois últi-
mos, estão em debate permanentes temas como a comunidade científica, a
sua existência ou não, a sua substituição por outra unidade analítica como,
por exemplo, o mercado, e os padrões de interação dos cientistas.
Proponho-me abordar, neste trabalho, a forma pela qual cada um desses
autores - Kuhn, Bourdieu, Latour e Knorr-Cetina - discute o tema da organiza-
ção e interação dos cientistas na prática da ciência, procurando ressaltar as diver-
gências entre as várias abordagens. É sempre bom lembrar que cometerei injusti-
ças por me estar atendo a uma pequena parcela da obra de cada um. Porém,
creio que essas escolhas permitem um bom rendimento analítico para ressaltar as
diferenças entre os autores e destacar a relevância das questões por eles coloca-
das. Advirto que não discutirei todas as dimensões e conseqüências dos trabalhos
escolhidos, mas apenas aquilo que está vinculado ao tema central do presente
texto. De qualquer maneira, as opções metodológicas de cada um não são des-
cartáveis, pois definem para onde cada autor olhará e, com isso, que tipo de or-
ganização e interação encontrará.
Abordarei a perspectiva de cada autor e as críticas que cada um faz ao
trabalho dos demais. Por essa razão, a ordem da análise é cronológica, a partir
da data de publicação dos trabalhos. De certo modo, a partir de Kuhn, cada au-
tor irá criticar e refazer a idéia de comunidade científica. Assim, a leitura que fa-
rei indica um processo de debate e construção de conceitos e teorias, com refe-
rências mútuas entre os autores, e os trabalhos de Knorr-Cetina serão utilizados
1
como uma crítica generalizada aos demais . Ao final, como conclusão, se é possí-
vel concluir, ressaltarei as divergências e convergências e indicarei que, para
além dos pontos de contato e de conflito teórico-metodológico, e das críticas

1 Apresentada a perspectiva de Kuhn, teremos Bourdieu leitor e crítico de Kuhn, depois Latour e Wool-
gar, leitores e críticos de ambos, e, por último, Knorr-Cetina, leitora e crítica de todos.
que uns fazem aos outros, talvez estejamos diante de análises que possam ser
pensadas de um modo mais integrado. Comunidade, campo científico, mercado
ou arena transepistêmica? Com a palavra, os autores.

1. THOMAS KUHN E A COMUNIDADE CIENTÍFICA C O M O


UNIDADE ANALÍTICA

Iniciarei com uma definição: a comunidade científica é a unidade produ-


tora e legitimadora do conhecimento científico. Esta concepção, que Thomas S.
Kuhn descreve e analisa em The Structure of Scientific Revolutions , está intima-
mente vinculada ao ponto central de seu trabalho, o conceito de paradigma.
Para o autor, paradigma é um trabalho científico exemplar, que cria uma tradi-
ção dentro de uma área especializada da atividade científica ou, em outras pala-
vras, são realizações científicas universalmente reconhecidas que, por um perío-
do de tempo, fornecem soluções modelares para uma comunidade científica. É
preciso apontar para duas de suas características essenciais:

a) "suas realizações foram suficientemente sem precedentes para


atrair um grupo duradouro de partidários, afastando-os de outras formas de
atividade científica (...)" e
b) "simultaneamente suas realizações eram suficientemente abertas para
deixar toda a espécie de problemas para serem resolvidos pelo grupo redefinido
de praticantes da ciência" (Kuhn, 1978:30).

Ora, como o próprio Kuhn reconhece no seu posfácio de 1969, a defini-


ção de paradigma é circular, pois envolve o problema da adesão ou não de um
grupo de homens que praticam a atividade científica a um estilo de trabalho de-
finido por um paradigma. Nas palavras do autor, "paradigma é aquilo que os
membros de uma comunidade partilham e, inversamente, uma comunidade
científica consiste em homens que partilham um paradigma" (Kuhn, 1978:220).
Do ponto de vista empírico, identificar um paradigma é também, e ao
mesmo tempo, identificar a comunidade de seus praticantes. Quero dizer, e
o autor concorda, que se este conceito é central na sua obra, não tem nenhu-
ma validade e operacionalidade sem a concepção de comunidade científica, for-
mada por aqueles que aderem ao paradigma. E mais, se o paradigma é aberto o
suficiente para a resolução de novos problemas, esta característica impõe à co-
munidade uma certa flexibilidade para incorporar novos praticantes e novas
questões, dentro da tradição estabelecida. O paradigma existe porque, e somen¬

2 Kuhn, 1962. As citações utilizadas ao longo do texto são da tradução brasileira, Kuhn, 1978.
te porque, é adotado por um grupo de praticantes que, ao fazê-lo, constitui-se
uma comunidade. A ciência não é a simples prática da verdade, mas aquilo que
um grupo estabelecido entende e partilha como a melhor maneira de resolver e
elucidar temas de investigação científica. Ou melhor, diria Kuhn, "a comunidade
científica é um instrumento imensamente eficiente para resolver problemas ou
quebra-cabeças definidos por seu paradigma" (Kuhn, 1978:208).
Portanto, o funcionamento de uma comunidade científica é condição
de eficiência em épocas de ciência normal, quando o que está em questão é
a resolução cotidiana de 'quebra-cabeças'. Nesses períodos, a dinâmica da
comunidade é: um grupo de cientistas compartilha de certa tradição de fazer
ciência na sua especialidade; esse grupo foi socializado e educado nos mes-
mos valores e regras, ou seja, no paradigma, além do que se vê e é reconhe-
cido como responsável pela reprodução de um modo de praticar ciência, in-
cluindo o treinamento dos que irão ser admitidos nessa comunidade e, é cla-
ro, o serão porque passarão a compartir dos padrões constitutivos da mesma.
A comunidade kuhniana detém o monopólio da prática científica esta-
belecida, portanto, fora dela não há salvação, pelo menos para os que dese-
jam se tornar cientistas. Existe uma clara noção de autoridade - uma vez que
a comunidade sanciona os seus membros - e de hierarquia, porque alguns de
seus componentes, os que a ela pertencem há mais tempo e são eficientes na re-
solução dos problemas científicos, estão capacitados para treinar os mais novos
nos padrões da comunidade. Porém, não há lugar para idiossincrasias. A hierar-
quia, a nosso ver, nada mais é do que um problema geracional. O treinamento é
dado com o objetivo estrito de socializar os neófitos na tradição da comunidade,
ou melhor, nas práticas mais eficientes de resolução de problemas científicos.
Nessa comunidade, os alunos de hoje serão os professores de amanhã. O profes¬
sor-cientista é apenas porta-voz da tradição de uma comunidade, e não uma in-
dividualidade. Ser membro é ser capaz de resolver problemas dentro da tradição
de trabalho compartilhada pelo grupo, tradição que é a base de comunicação e
referência entre os seus membros.
A comunidade científica, nestas circunstâncias - e esse é um requisito
definidor - é extremamente estável. Ela é composta por um grupo de cientistas
que compartilha da capacidade de resolver eficientemente os problemas surgi-
dos no trabalho científico, nas condições de ciência normal, apontando soluções
difundidas e partilhadas. Nos períodos de ciência normal, há um grande com-
prometimento e um consenso por parte dos cientistas que partilham das mesmas
regras e padrões de prática científica, que são os pré-requisitos "para a gênese e
a continuação de uma tradição de pesquisa" (Kuhn, 1978:31).
O paradigma é a herança cultural que os cientistas do presente rece-
bem dos seus antepassados. Aceita como base para se pesquisar, essa herança
é desenvolvida e elaborada nas suas pesquisas, e transmitida, como tal, aos
novos e futuros membros da comunidade. Assim como a cultura, a transmis-
são do paradigma faz-se pelo treinamento, socialização e controle. E mais,
para Kuhn, o treinamento/ensino deve ser autoritário e dogmático para pro-
3
duzir o máximo de adesão ao paradigma . A comunidade se constitui e se re-
produz mediante o consenso obtido por essa pedagogia e não por uma adesão
racional a uma lógica científica. A ciência é convenção; a comunidade científica
é, ao mesmo tempo, o lugar e o resultado dessa convenção. A ciência normal
sempre se reproduz, self-validating, porque seu paradigma é sustentado por uma
prática que supõe a sua correção, produzindo soluções e interpretações.
O isolamento 'sem paralelo' no mundo moderno é uma das características
fundamentais da comunidade científica. Os cientistas relacionam-se e comuni-
cam-se com seus pares de maneira quase exclusiva. Esse insulamento se dá, tan-
to em relação aos não-especialistas, quanto às exigências da vida cotidiana. Kuhn
indica aqui, e voltaremos a esse ponto posteriormente, que essa relação exclusi-
va entre pares, em que o trabalho criador de um cientista é dirigido aos demais
membros da comunidade, marca a diferença entre outras comunidades profissio-
nais (como a de engenheiros e médicos) e a comunidade científica. E indo além,
o insulamento é condição para que cada cientista possa concentrar sua atenção
sobre os problemas que "se julga competente para resolver" (Kuhn, 1978:207),
tendo em vista o instrumental disponível. A condição para a eficiência do traba-
lho científico, para a pesquisa da ciência normal é, justamente, o seu isolamento
da dinâmica social, o seu auto-enclausuramento, mesmo que a sua gênese tenha
sido fortemente condicionada por relações sociais. Podemos destacar algumas
características essenciais do funcionamento da comunidade científica kuhniana:

a) seus membros preocupam-se com a resolução de problemas relativos


ao comportamento da natureza;
b) esses problemas são detalhes, ainda que haja uma preocupação mais global;
c) as soluções são coletivas;
d) o grupo que as partilha é formado exclusivamente por cientistas;
e) este grupo é árbitro exclusivo e competente para assuntos científicos;
f) em matéria científica, é ilegítimo o apelo a qualquer instância externa à
comunidade científica (Kuhn, 1978:211).

3 Este ponto está desenvolvido na leitura de Barry Barnes sobre a questão do treinamento dos cientistas
em Kuhn (Barnes, 1982, cap. 2).
Para Kuhn, essa comunidade é a forma mais eficiente de empreendimen-
to científico. As características que a definem são também a condição de sua efi-
cácia, isto é, o seu padrão definidor é também o seu padrão normativo. Ao ca-
racterizar a comunidade científica, Kuhn determina um padrão de eficiência
para a prática da ciência.
A noção de 'grande comunidade' é relativizada pelo autor no seu posfácio de
1969. Admitindo a existência de várias escolas ou comunidades - os termos aparecem
como equivalentes - Kuhn afirma que "há escolas nas ciências, isto é, comunidades
que abordam o mesmo objeto científico a partir de pontos de vista incompatíveis".
Porém, pelo menos nas ciências naturais e exatas, a competição entre escolas termi-
na com a instauração e desenvolvimento da ciência normal. O que existe são comu-
nidades científicas diferentes que voltam sua atenção para objetos e assuntos diver-
sos. A visão kuhniana seria a de uma comunidade científica mais global, "composta
por todos os cientistas ligados às ciências da natureza", e de comunidades menores
que corresponderiam às várias especialidades técnicas e científicas (Kuhn,
1978:221). Além de uma integração vertical, existiria um entrecruzamento horizon-
tal das comunidades, com alguns cientistas pertencendo a várias delas, simultanea-
mente ou em sucessão. A comunicação entre as várias comunidades, por vezes, é
bastante difícil; o mesmo não acontece dentro de um grupo científico que partilha
da mesma tradição. O paradigma tende a definir de modo rígido o campo de estu-
dos. Para Kuhn, a aceitação de um paradigma pode ser verificada com o surgimento
de jornais, revistas especializadas, fundação de sociedades científicas, currículos de
cursos universitários, citações, livros didáticos etc. Estas são algumas das formas de
socialização e comunicação entre os membros do grupo.
A novidade trazida por Kuhn sobre a formação e funcionamento da co-
munidade científica, articulada com a criação/aceitação de um paradigma, é a
noção de que o conhecimento científico da comunidade é uma convenção, com
sua autoridade se baseando em um consenso sempre reproduzido. O paradigma
e o conhecimento científico são criações e propriedades coletivas do grupo, e
apresentam-se e são utilizados, de modo geral, de igual maneira por todos. Essa
é a base da integração comunitária. É como se fosse uma linguagem e, como tal,
conforme sugere Kuhn, "é intrinsecamente a propriedade comum de um grupo
ou então não é nada. Para entendê-lo, precisamos conhecer as características
dos grupos que o criam e o utilizam" (Kuhn, 1978:257). Com isso, ele recoloca o
nosso problema inicial: a comunidade é a agência ao mesmo tempo criadora, le¬
gitimadora e reprodutora dessa linguagem: o conhecimento científico.
Essa comunidade, baseada na solidariedade e no compromisso, será
estável enquanto for capaz de resolver os problemas científicos dentro da tra-
dição compartilhada. Cotidianamente, ela canaliza seus esforços para a pes¬
quisa da ciência normal, "dirigida para a articulação daqueles fenômenos e teo-
rias já fornecidos pelo paradigma", buscando aumentar seu alcance e precisão
(Kuhn, 1978:43). A comunidade pode ser abalada no momento em que surgem
as anomalias - casos que resistem a soluções dadas pelo paradigma vigente, ou que
não são comparáveis às maneiras exemplares de resolução de problemas científicos.
Lembra-nos Barry Barnes que, para Kuhn, o treinamento dogmático e au-
toritário não impede o cientista de perceber e inferir por ele mesmo, mas ao
4
contrário, essas competências são adquiridas por meio da pedagogia kuhniana .
O cientista bem treinado e socializado é altamente capacitado para perceber as ano-
malias, isolá-las e resolvê-las, utilizando o instrumental dado pela tradição comunitá-
ria. Portanto, o treinamento no paradigma garante uma comunidade sensível às ano-
malias e, quase sempre, capaz de incorporar esses casos excepcionais ao padrão vi-
gente. Afinal, como vimos, o paradigma é aberto o suficiente para permitir desenvol-
vimentos e mudanças. Leia-se: a comunidade é razoavelmente aberta à incorpora-
ção de novidades, desde que lastreadas, de alguma forma, pela tradição científica.
Ela necessita dessa flexibilidade para manter a sua estabilidade e existência. Em pe-
ríodos de ciência normal, as anomalias são tratadas dentro da tradição científica vi-
gente e o fracasso de um cientista ou de um grupo em alcançar a solução para de-
terminados problemas/anomalias "desacredita o cientista, não a teoria".
(Kuhn,1978:111). Na pesquisa normal, o fracasso será sempre do cientista e não do
seu instrumental, o paradigma. Até que um dia...
Em determinados períodos da prática científica, ao longo da história, a co-
munidade não encontra resolução para determinados problemas dentro dos pa-
radigmas existentes. São anomalias persistentes, intratáveis, resistentes ao instru-
mental da tradição comunitária. Surgem explicações não-tradicionais para os
problemas anômalos, instaura-se a instabilidade na comunidade científica con-
frontada com um mundo mais aberto a alternativas. A 'consciência da anomalia',
ao persistir por muito tempo, instaura uma crise crescente na comunidade, com
um aumento da insegurança profissional pelo fracasso, repetido, da utilização do
padrão tradicional. Estamos em uma época de crise, em que sua ultrapassagem e
solução deve ser vista, em Kuhn, como uma resposta não-tradicional para os pro-
blemas surgidos dentro da ciência normal, e não-resolvidos por uma tradição
científica estabelecida. Para o autor, a crise significa que é chegada a hora da re-
novação dos instrumentos de uma comunidade científica. O critério para identi-
ficarmos esse momento seria o acúmulo de problemas não-equacionados pela
ciência normal e a instabilidade gerada na comunidade (Kuhn, 1978:105). Te-

4 Barnes, 1982:20.
mos uma Revolução Científica (ou uma Revolução científica?), onde um paradig-
ma é substituído parcial ou totalmente por um outro completamente novo e in-
compatível com o anterior.
Nesse momento, o da transição do período pré para o pós-paradigmáti¬
co, é que Kuhn reconhece a competição e o conflito entre escolas pelo domí-
nio do campo. A comunidade torna-se mais tolerante e aberta, permitindo um
nível de conflito e competição não-existente na ciência normal. Porém, para o
autor, "mais tarde, no rastro de alguma realização notável, o número de escolas
é grandemente reduzido - em geral para uma única" (Kuhn, 1978:222). O novo
paradigma, aceito agora como a forma mais eficiente de praticar a ciência, reor-
ganiza a comunidade científica, que pode ser composta de novos ou antigos
membros, porém com uma visão de ciência e de mundo completamente dife-
rente da anterior. Não há tradução de um paradigma para outro, de uma comu-
nidade para outra. São linguagens distintas, ou como comenta o autor, "as dife-
renças entre paradigmas sucessivos são ao mesmo tempo necessárias e irrecon¬
ciliáveis" (Kuhn, 1978:137). A comunidade científica passa a operar em um
novo mundo, ela mesma completamente modificada. Provavelmente será com-
posta de novos praticantes, livros, textos e professores. A revolução esgota-se a
partir da imposição de uma nova tradição que orientará a pesquisa da ciência
normal. Transforma-se em tradição e é apresentada, mediante textos, obras filo-
sóficas e manuais, como o "resultado estável das revoluções passadas" (Kuhn,
1978:173). As histórias da disciplina e de sua comunidade são registradas como
etapas evolutivas, cumulativas e necessárias.
Nada - nem a ciência, nem a comunidade científica, nem o mundo - será
como antes, porém tudo é apresentado como se fosse uma continuidade natural do
que foi, do passado. A revolução científica seria uma necessidade, porque vital para
o desenvolvimento e o progresso da ciência. Porém, as mudanças podem não ser
revolucionárias, e na maioria das vezes não o são, dando-se na prática da ciência
normal. É preciso ressaltar que, na maioria dos casos, ocorrem mudanças de para-
digma que não afetam todos os grupos que se dedicam ao trabalho científico. Assim,
nem todas as comunidades são reorganizadas por uma revolução científica.
Uma questão importante para compreendermos a natureza e constituição
da comunidade científica kuhniana é o tema da conversão comunitária de um
paradigma a outro. Como assinalamos inicialmente, as relações entre comunida-
de e paradigma são indissociáveis. Insistimos: a comunidade científica é um con-
junto de homens que partilham um paradigma, e este o é porque uma comuni-
dade o compartilha. Essa relação circular aparece durante todo o texto de Kuhn,
e arriscaríamos dizer que ele coloca dois problemas insolúveis, porque incompa-
tíveis. O primeiro está na prioridade da comunidade como instância de produ-
ção, aceitação e legitimação do conhecimento científico, portanto seria como se ela
tivesse precedência sobre o paradigma. De outro lado, em trechos de seu traba-
lho, em especial nos dois últimos capítulos, Kuhn, apesar de enfatizar o caráter
mais contextual do conhecimento, acaba confessando que o conhecimento
científico é algo especial, dando a precedência a ele, à dimensão cognitiva
como fundadora da comunidade. Afinal, quem vem primeiro: o conhecimento
ou a comunidade? Kuhn confessa que não tem uma resposta para isso. Vejamos
agora esta questão.
Em momentos de crise, a competição entre paradigmas e grupos instaura-se
desordenando a prática tradicional, e a ordem na ciência só se restabelece quando
um dos grupos "experimenta a conversão", isto é, a alteração de seu paradigma. A
pergunta fundamental aparece nas palavras de Kuhn: "O que leva um grupo a aban-
donar uma tradição de pesquisa normal por outra?" (Kuhn, 1978:183). Como po-
dem se dar a comunicação e a passagem entre dois mundos incomensuráveis? Cer-
tamente, segundo Kuhn, não se converte um grupo pelas provas científicas, nem
pela demonstração do erro da tradição anterior. A resistência é muito forte porque
os cientistas acreditam que a ciência normal conseguirá, cedo ou tarde, equacionar
as anomalias. Não esqueçamos do fundamental. A comunidade científica obtém su-
cesso via ciência normal, o estágio eficiente da produção científica. Isso explicaria
muito da resistência de membros da comunidade em abrir mão do seu paradigma.
Mas, como e quando ocorre a conversão? A conversão se dá, em parte,
pela demonstração, sempre comparativa, de que o novo paradigma permite uma
solução mais eficiente dos problemas científicos. Porém, para Kuhn, essa adesão
será sempre individual. O novo paradigma vingará se conquistar adeptos que de-
senvolvam suas potencialidades, acreditando mais no seu 'rendimento futuro' do
que na eficiência da tradição vigente. Teríamos não uma adesão grupai, mas um
assentimento individual crescente, que aumenta a capacidade de persuasão do
paradigma, criando a percepção que é melhor pertencer à nova comunidade.
O argumento aqui exposto é a descrição de uma dinâmica individualista,
existindo um cálculo subjetivo sobre a eficiência do paradigma vigente e uma
aposta no futuro. Contudo, não há interesses pessoais em jogo, mas o desejo de
contribuir para o progresso da ciência. A crise e a revolução científicas são os
únicos momentos nos quais prevalece a opção individual do cientistas diante da
estrutura comunitária. A rigidez de alguns de aceitar o novo paradigma seria
compatível com a capacidade da comunidade de trocar de paradigma no espaço
de uma geração. Para Kuhn, essa rigidez fornece à comunidade um indicador
"de que algo vai mal" (Kuhn, 1978:208). Portanto, o processo de conversão acen-
tua o dilema kuhniano: o novo paradigma é superior e persuadirá a comunidade
- as revoluções são necessárias! - mas a comunidade é a única instância que
pode reconhecer um conjunto de conhecimentos como superior aos existentes.
Ao abordar os problemas da ciência e do conjunto de seus praticantes dos
pontos de vista histórico e sociológico, Kuhn reivindica o caráter convencional da
ciência e aponta a especificidade da sociedade moderna de manter e delegar
poder de escolha científica a "um tipo especial de comunidade" (Kuhn,
1978:210). Porém, no capítulo final de seu livro, Kuhn deixa claro que os cientis-
tas não têm autoridade cognitiva para operar com o que quiserem, uma vez que
a natureza não é simplesmente um resultado de um acordo e do consenso. E
pergunta: "O que deve ser o mundo para o homem conhecê-lo? [...] o mundo do
qual essa comunidade (científica) faz parte também possui características espe-
ciais?" (Kuhn, 1978:210).
Isso nos leva a pensar que a solução para a tensão que atravessa o seu li-
vro, mesmo que Kuhn afirme não ter respostas para as perguntas acima mencio-
nadas, está, ainda, no caráter diferenciado da ciência e da comunidade que a
pratica. Essa distinção não é apenas resultado de exigências e delegações da so-
ciedade moderna. Se não existe nenhum critério epistemologicamente superior
ao julgamento da comunidade científica, Kuhn admite que este também é insufi-
ciente para fornecer todas as credenciais às proposições científicas que deman-
dam reconhecimento como verdades. Não é apenas um problema de quem de-
tém a autoridade (e o poder) na definição do que é científico e do que não é. A
natureza possui características especiais, a própria noção de progresso científico,
de aprimoramento das teorias indica que, para Kuhn, "não vale tudo". Mas, cre-
mos que investigar o progresso do conhecimento científico (da natureza) só é
possível por meio da única comunidade reconhecida para viabilizá-lo. O para-
digma governa os praticantes da ciência, não a natureza. Por fim, se a natureza e
o conhecimento científico existente sobre ela não são quaisquer coisas, entendê-
lo é "conhecer as características dos grupos que o criam, e utilizam" (Kuhn,
1978:256). Com Kuhn está dada a primazia, possível, pelo menos metodológica,
para o estudo da comunidade científica.

2. BOURDIEU PROCURA A COMUNIDADE CIENTÍFICA E


DESCOBRE O MERCADO

5
Em artigo bastante conhecido , Pierre Bourdieu introduz a noção de cam-
po científico, em clara oposição ao conceito de comunidade científica de Kuhn,
apesar de incorporar muitos dos seus termos. Para Bourdieu, a noção de comu-
nidade científica autônoma, insulada e auto-reprodutora, com cientistas neutros

5 Bourdieu, 1983. Todas as citações referem-se à versão inglesa, Bourdieu, 1975. Para uma visão mais
geral de suas concepções utilizamos: Bourdieu, 1981.
e interessados somente no progresso da sua disciplina, esconde, mais do que eluci-
da, a dinâmica das práticas científicas na sociedade moderna. A autonomia da co-
munidade científica (e da ciência), como requisito para a eficiência do trabalho cien-
tífico, deve ser entendida a partir da natureza da sociedade em que ela se insere.
A explicação sobre a produção de conhecimento passa, agora, com Bour-
dieu, pela concepção de que esta produção é um caso especial da produção e
distribuição capitalista de mercadorias. Portanto, aqui, a ciência só pode ser en-
tendida a partir da determinação social do seu conteúdo. Para Bourdieu, a idéia
de uma ciência neutra é "uma ficção interessada que habilita seus autores a apre-
sentar uma representação do mundo social, neutro e eufêmico (...)" (Bourdieu,
6
1975:37) . É preciso revelar o que está escondido por trás do discurso e do es-
forço desinteressado da comunidade kuhniana em busca do progresso científico.
Sai a ciência, entra a sociedade.
Deixemos, agora, Bourdieu definir o que é campo científico, seu principal
conceito, uma alternativa à noção de comunidade científica:

Enquanto sistema de relações objetivas entre posições ad-


quiridas (em batalhas anteriores), o campo científico é o lo-
cus de uma competição no qual está em jogo especifica-
mente o monopólio da autoridade científica, definida, de
modo inseparável, como a capacidade técnica e o poder
social, ou, de outra maneira, o monopólio da competência
científica, no sentido da capacidade - reconhecida social-
mente - de um agente falar e agir legitimamente em assun-
tos científicos (Bourdieu,1975:19).

O campo científico é um campo de lutas, estruturalmente determinado pelas


batalhas passadas, no qual agentes/cientistas buscam o monopólio da autoridade/com-
petência científica. Os conflitos que ocorrem no e pelo domínio desse campo são en-
tre agentes que têm lugares socialmente prefixados no mesmo, assim como qualquer
agente na sociedade, e são fundamentalmente interessados, isto é, desejam maximizar,
e se puderem, monopolizar, a competência/autoridade científica - reconhecida pelos
pares. O campo científico instaura-se com um conflito pelo crédito científico. Portanto,
o campo científico como locus de análise se distancia muito da comunidade de espe-
cialistas que cooperam para o avanço do conhecimento.
Mas, afinal, o que é crédito científico? É um capital simbólico, não-mone¬
tário - leia-se autoridade/competência científica - , uma espécie particular de ca-
pital "que pode ser acumulada, transmitida e até reconvertida, sob certas condi¬

6 Todas as traduções são minhas.


ções, em outros tipos de capital" em um mercado específico, o da produção do co-
nhecimento científico (Bourdieu, 1975:25). Portanto, Bourdieu não faz apenas uma
analogia do campo científico com o mercado capitalista, mas, indo além, propõe
que esse é mais um mercado particular dentro da ordem econômica capitalista.
A intenção da análise em questão seria a de eliminar qualquer tentativa de
discriminação entre interesse/determinação científica e interesse/determinação social
ou, em outras palavras, entre uma abordagem internalista e epistemológica e outra
externalista e sociológica. O cientista, um homem no/do mercado escolhe, decide e
investe, tendo como referência "a antecipação das oportunidades médias de lucro
(especificadas elas mesmas em termos do capital já obtido)" (Bourdieu, 1975:22).
Toda escolha científica é uma estratégia política de investimento dirigida para a ma-
ximização de lucro científico, isto é, o reconhecimento dos pares-competidores. O
próprio interesse dos cientistas em certas áreas de estudo deve ser analisado como
uma avaliação das possibilidades de crédito científico. Muitos cientistas se dedicam a
determinados temas (por exemplo, a AIDS) porque uma descoberta, ou contribuição
nesta área exponenciaria o seu capital simbólico. Porém, como em qualquer merca-
do, o aumento do número de competidores pode levar à diminuição das expectati-
vas de taxas de lucro elevadas, gerando a migração desses cientistas/investidores
para outras áreas menos competitivas, que podem oferecer para o mesmo investi-
mento uma probabilidade maior de retorno.
O que está em jogo no campo científico é essa espécie particular de capital
social, a autoridade científica, que é o poder de impor uma definição de ciência que
será tão mais apropriada quanto permita ao cientista ocupar "legitimamente a posi-
ção dominante, atribuindo a mais alta posição na hierarquia dos valores científicos
para as capacidades científicas que ele detém, pessoalmente ou institucionalmente"
(Kuhn, 1978:23). A vitória, o crédito, o capital obtido são daqueles que impõem
uma (a sua) definição de ciência. Se, para Bourdieu, a autoridade/competência cien-
tífica é um capital que pode ser acumulado, transmitido e convertido em outras for-
mas de capital, inclusive monetário, o processo de acumulação do capital científico
seria idêntico ao de qualquer outro tipo: inicia-se com a acumulação primitiva no
processo educacional e nas primeiras etapas da vida profissional (origem do diplo-
ma, cartas de recomendação); tem continuidade após a obtenção de um capital su-
plementar com o reconhecimento dos seus primeiros trabalhos, títulos e publicações; e
se consolida a partir da determinação de seu lugar no campo, que será definido pela
possibilidade de acumulação permanente de capital científico e de impor-se como
autoridade na respectiva área. Uma dada estrutura de distribuição de poder - uma
distribuição de capital científico entre os cientistas e instituições em competição -
orienta as estratégias e seus investimentos no presente; inclusive as aspirações
científicas de cada um dependem do capital já acumulado.
Essa competição capitalista, justamente por ser capitalista, implica que o
seu produto está amplamente condicionado pelos recursos que cada agente e
instituição possui ao entrar na mesma. O campo científico não é o resultado da
simples interação dos agentes. Mesmo as regras desse jogo, válidas igualmente
para todos, estão definidas - como expressão de conflitos anteriores - pela auto-
ridade científica estabelecida, que tenderá a se reproduzir e a acumular capital
científico, mantendo o seu lugar dominante no campo. A definição do que está
em disputa no campo científico também faz parte da luta científica. Bourdieu vai
além de um simples isomorfismo, de uma correspondência, propondo uma rela-
ção direta, praticamente sem distinções, entre campo científico e estrutura da so-
ciedade. O campo é uma dimensão da sociedade.
A especificidade do campo científico, e essa percepção também aparece em
Kuhn e Latour, é que os produtores de conhecimento têm como consumido-
res/clientes os seu próprios pares/concorrentes. Quanto mais autônomo for o cam-
po, mais um cientista/produtor deve esperar o reconhecimento do valor de seus pro-
dutos (reputação, prestígio, autoridade) de consumidores que são produtores con-
correntes. Só os que participam dessa competição é que podem se apropriar simbo-
licamente desse produto e avaliar seu mérito. O apelo a uma autoridade externa ao
campo retira crédito, caindo o cientista, e a palavra é perfeita para Bourdieu, em
descrédito. A autonomia do campo é condição para a atividade científica e para a
existência desse tipo específico de capital. O reconhecimento dos pares/concorren-
tes se faz pelo valor distintivo do produto e pela originalidade que traz aos recursos
científicos acumulados. É por isso - e não "em nome do progresso" - que existe a
prioridade nas descobertas, nas invenções que geram produtos diferentes e originais,
escassos no mercado científico, valorizando o nome do cientista, que procurará
manter e incrementar seu capital. Daí, por exemplo, a estratégia dos autores de arti-
gos coletivos de ordenar os seus nomes em um artigo tendo em vista o capital cientí-
fico acumulado, procurando minimizar qualquer perda de "valor distintivo".
Para o autor em questão, o mercado de bens científicos tem suas leis, que
nada têm a ver com valores, ética ou moral. Não haveria ação desinteressada, e
até o interesse pelo desinteresse seria uma estratégia dissimulada dos agentes
(Kuhn, 1978:26). A crítica de Bourdieu é à idéia de tradições e valores imputa-
dos a uma comunidade científica. Elas são, também, estratégias utilizadas desi-
gualmente por uma ordem científica composta por desiguais. Ao procurar rom-
per com a visão comunitária de Kuhn, que é criticado pelo silêncio em relação
aos interesses, e instaurando uma visão mercantil da produção científica, Bour-
dieu pretende reintroduzir a sociedade capitalista de classes na análise da dinâ-
mica científica. A comunidade está longe de ser neutra, cooperativa, indiferen-
ciada, desinteressada e universalista, o "sujeito das práticas" impondo e inculcan¬
do a todos os membros seu sistema de valores e regras. Ao contrário, é o lugar da
competição, da desigualdade, com indivíduos racionais e maximizadores, e mais,
reproduzindo o diferencial de poder que existe na sociedade. Por isso, Bourdieu
propõe a noção de campo como uma recusa ao termo comunidade, para ele um
dissimulador da dinâmica real da ciência.
O campo científico é um lugar de luta desigual, entre agentes diversamente do-
tados de capital, portanto, desigualmente capazes de impor seus produtos e se apro-
priarem do resultado do trabalho científico produzido pelos pares/concorrentes. O
consenso existe como uma doxa, isto é, como "o agregado de pressupostos que os an-
tagonistas desejam como auto-evidentes e fora da área de argumentação e de disputa
porque constituem a condição tácita do argumento" (Kuhn, 1978:35). É o consenso a
respeito dos objetos do conflito; do que merece ou não ser levado em consideração.
Esvaziando a ciência de qualquer conteúdo especial, Bourdieu afirma, categoricamen-
te, que a sua base não é outra senão a crença coletiva em seus fundamentos, que o
seu campo produz e pressupõe (Kuhn, 1978:35). A legitimidade e autonomia do cam-
po científico será tanto maior quanto maior for a "ausência" da sua determinação social.
A autonomia da ciência é o resultado mais perfeito desse processo.
O campo científico, assim como a sociedade, está dividido entre dois pólos:

a) o dos dominantes, que ocupam a hierarquia superior na distribuição de


capital científico e que podem impor a definição de ciência que se conforma
com seus interesses; e
b) o dos dominados, com pouco ou nenhum capital, situando-se na hie-
rarquia inferior do campo.

Bourdieu observa três possibilidades estratégicas para esses agentes: a) a


de conservação, por parte dos dominantes; b) a de sucessão - a ascensão "por
dentro" do campo, em que os agentes buscariam ascender e acumular crédito
nos limites autorizados do campo, tendo, assim, uma carreira previsível e os lu-
cros prometidos, sucedendo, com o tempo, àqueles que estão na hierarquia su-
perior; e c) de subversão - "ascensão por fora", em que os pretendentes se recu-
sam a aceitar o ciclo de troca de reconhecimento com os detentores da autorida-
de científica. Neste caso, a acumulação primitiva se fará mediante uma ruptura,
uma revolução, tendo como conseqüência a obtenção de todo o crédito, sem
nenhuma contrapartida para os até então dominantes.
Portanto, diversamente de Kuhn, que vê a manutenção e a ruptura com o
paradigma vigente como respostas ao processo de pesquisa normal, Bourdieu
encara a manutenção, o consenso e a ruptura como parte da estratégia dos
agentes na busca de crédito científico. Normas, valores, consenso e recompensas
não são as causas, mas os resultados da atividade social, que existe através das
estratégias adotadas pelos investidores na busca de maximização de capital sim-
bólico. Todos querem maximizar os lucros, obter, acumular e manter o seu capi-
tal científico, a autoridade/competência científica reconhecida.
Com mais cuidado, porém, percebe-se que a própria revolução contra a
ciência estabelecida se faz no campo científico, onde teríamos uma revolução
permanente, uma ruptura contínua, "sem distinções entre fases revolucionárias e
ciência normal" (Kuhn, 1978:34). A noção de revolução científica de Kuhn seria
mais apropriada para o início da ciência moderna e não para o seu desenvolvi-
mento contemporâneo. Todas as estratégias acabam perdendo o sentido porque a
acumulação de capital necessário à realização das revoluções e o capital por elas
gerado faz com que inovações "ocorram crescentemente de acordo com procedi-
mentos regulares de uma carreira" (Kuhn, 1978:34). Com o desenvolvimento da
ciência, aumentam os recursos acumulados e o capital necessário à sua apropria-
ção, tornando o mercado do produto científico cada vez mais restrito a concor-
rentes mais aparelhados e com mais capital científico acumulado. Não há saída, a
revolução científica e a própria ciência normal is business of the richest. Este merca-
do de cientistas/empresários tende à oligopolização.
A comunidade científica tem a sua existência negada, e transforma-se em mer-
cado científico, só que não um mercado de concorrência perfeita. A chance de cada
agente ser bem-sucedido depende da posição na estrutura do campo, do mercado.
Nem todos têm as mesmas oportunidades. O campo científico de Bourdieu é um es-
paço socialmente predeterminado, e não o resultado puro e simples da interação dos
7
agentes . Bourdieu, assim como o próprio Kuhn, opera a sua análise no nível macros-
social, em que os agentes individuais apesar de suas estratégias racionais e maximiza¬
doras, têm suas oportunidades e decisões determinadas ou anuladas pela estrutura do
campo, que reproduz a sociedade. A ordem científica é construída na e pela "anarquia
das ações auto-interessadas", como um mercado auto-regulável (Kuhn, 1978:36). Ao
não aderir ao individualismo e não ter uma assunção comportamental, Bourdieu recor-
re a alguma coisa que, ex-ante, ou mesmo fora do campo, organiza o entrecruzamento
das ações anárquicas. Essa "mão invisível" é a estrutura social.
A análise de Bourdieu é pouco normativa, porém crítica das condições e de-
terminações sociais da prática científica. Inclusive a sociologia da ciência deveria ser
submetida à crítica, admitindo uma reflexividade no sentido discutido por David
8
Bloor . E não somente isto. Segundo alguns autores, a ciência não é relevante nesta

7 Para Bourdieu, não é livre; é condicionada pelo aprendizado, no âmbito e por meio da estrutura social
vigente, que fornece ao agente um mapa e um roteiro finito para a sua ação e relação com a realidade
social.
8 Ao definir as premissas do seu "programa forte" para a sociologia do conhecimentão científico, Bloor
afirma que neste programa a análise tem de ser reflexiva, isto é, aplicável, também, a si mesma, uma vez
que "o seu padrão de explanação deve ser aplicado, em princípio, à própria sociologia" (Bloor, 1976:5).
análise, pois, para Bourdieu, é um corpo de conhecimentos como muitos outros,
produzido por atores interessados na/da sociedade capitalista, ainda que ele explici-
te as condições de autonomia da produção científica que podem levar , como
anuncia o título do artigo em questão, ao "progresso da razão" . Por fim, o autor, ao
olhar para a comunidade científica autônoma e neutra, descobre o mercado.

3. LATOUR VAI A O LABORATÓRIO E ENCONTRA O C I C L O


DE CREDIBILIDADE

Da macro para a microanálise da ciência. A proposta metodológica de


10
Bruno Latour e Steve Woolgar em Laboratory Life - a descrição da ciência "tal
como ela acontece" (as it happens) - é uma reação tanto às análises que atri-
buem um lugar especial ao conhecimento científico, conseqüentemente, à pró-
pria noção de comunidade científica, quanto aos críticos desta postura que, ao
analisarem sociologicamente o conhecimento científico, acabam por não atentar
para a prática da ciência como ela ela é produzida atualmente. Estes preocu-
pam-se mais com uma sociologia dos cientistas, com os efeitos em larga escala
da ciência, sua recepção, aceitando, como dado, o produto da prática científica,
e nesse caso, mantendo a ciência como algo a parte, 'misterioso'.
É preciso rever essas atitudes epistemológicas em relação à ciência. Então, "vá
ao laboratório e veja", sugerem Latour, Woolgar e Knorr-Cetina, à produção do co-
nhecimento científico. Isto implica uma recusa a qualquer privilégio epistemológico
em face da descrição etnográfica das práticas científicas. Em vez de impor categorias
e conceitos estranhos ao mundo dos observados, os autores defendem que o fenô-
meno deve ser analisado contextualmente, tendo em vista o que os participan-
tes/observados consideram como relevante, e são eles, e só eles, que podem validar
a descrição (Latour & Woolgar, 1979:38). A proposta desses autores é penetrar nes-
se universo místico "para construir um relato baseado na experiência do contato ínti-
mo e diário com cientistas de laboratório (...)". (Latour & Woolgar, 1979:21). Para os
autores, a reflexividade é entendida como o exame da atividade científica com mé-
todos que são similares aos dos praticantes observados. Neste sentido, a exigência
de reflexividade do "programa forte" de Bloor encontraria sua viabilidade nos
estudos de laboratório. O estudo de laboratório deve investigar como a ordem
científica é criada a partir do caos, em um processo no qual o observador é tão
construtor de fatos quanto o cientista observado. Não há diferença de status
epistemológico entre a construção dos fatos pelo cientista e o relato deste pro-
cesso, também uma construção, pelos sociólogos.

9 Latour & Bowker, 1987:717-8.


10 Latour & Woolgar, 1979. Todas as citações ao longo do texto referem-se a este livro.
O laboratório é o local de construção de fatos, envolvendo homens, máqui-
nas, experiências, papéis e estratégias. Um sistema cujo resultado é a convicção oca-
sional de alguns de que algo é um fato (Latour & Woolgar, 1979:105). O desafio do
trabalho etnográfico é a desconstrução de um hard fact, mostrando quais são os pro-
cessos que operam na remoção das circunstâncias sociais e históricas nas quais esta
construção se dá. Para Latour e Woolgar, um artefato se torna um fato quando per-
de todas as suas qualificações espaciais/temporais, sendo incorporado em um amplo
campo de conhecimentos. O cientista é um gerador de ordem em face do caos.
Como ordenador, esse cientista tem o mesmo objetivo da comunidade/paradigma
kuhniano, criar condições estáveis para o experimento.
O Laboratory Life fornece um retrato minucioso do funcionamento das práti-
cas científicas e da própria ciência, bem diferente das análises que privilegiam as
macrodimensões da vida social. Cientistas e grupos de trabalho aparecem como es-
trategistas, negociadores, calculadores, mobilizadores de recursos de todos os tipos,
em permanente competição. Enfim, fazem parte de um mundo onde existem ape-
nas dois tipos de consenso, que dizem respeito: à tradição em que se inserem,
quanto ao passado da disciplina e à sua base conceituai; e ao fato de que os recur-
sos utilizados na competição devem ser apresentados e reconhecidos por todos
como científicos. Sendo assim, a disputa entre cientistas, laboratórios e instituiçeõs se
dará na fronteira do conhecimento, em uma competição muito semelhante àquela
do pluralismo político e do mercado econômico capitalista.
Ir ao laboratório é se deparar com um ordenamento dinâmico e instável,
com uma área de consenso mínima. O exemplo da reconstituição feita por La-
tour e Woolgar da construção do Thyrotropin Releasing Factor (Hormone), ou
TFR(H), é crucial, porque implicou um processo de competição entre vários la-
boratórios e cientistas, em que um deles conseguiu redefinir, em um certo mo-
mento, os objetivos da pesquisa - obtain structure at any/all cost - e os recursos
econômicos, humanos e tecnológicos pelos quais essas estruturas poderiam ser
determinadas (Latour & Woolgar, 1979:120-124). Com isso, elevaram-se vertigi-
nosamente os custos da pesquisa, modificando-se todos os seus critérios. Foram
eliminados da disputa praticamente todos os grupos concorrentes que não pude-
ram mobilizar o volume de recursos necessário para a nova escala da competi-
11
ç ã o . E mais, as contribuições desses grupos e cientistas, até então na disputa,
são desacreditadas e descartadas porque avaliadas sob os novos critérios impos-
tos pelos vencedores. Estamos diante de um novo equilíbrio, frágil, que, longe de
refletir um campo estático dividido entre dominadores e dominados, se estrutura
em uma competição permanente que, a qualquer momento, por insucesso ou

J1 Aqui, Latour e Woolgar tornam mais refinada a análise de Bourdieu sobre a imposição da autoridade
científica no campo, mostrando empiricamente como isso é feito.
mobilização de outros cientistas, pode levar à reorganização de toda a área ou
do campo de pesquisa - inclusive, as posições dos cientistas na área de pesquisa
são voláteis e dependem de habilidade estratégica.
No caso analisado por Latour, o grupo vencedor modificou todo o campo a
partir de suas novas posições, que continuaram relativas porque dependentes das es-
tratégias subseqüentes dos demais participantes do campo. Os cientistas podem ser
observados como estrategistas "escolhendo o momento mais oportuno, engajando-se
em colaborações potencialmente frutíferas, avaliando e ansiando por oportunidades".
As posições relativas no campo, ao serem alteradas, modificam todo o campo. A habili-
dade política estaria no centro da prática científica: quão melhor político e estrategista
for o cientista, melhor será sua ciência (Latour & Woolgar, 1979:213).
Ao final do processo, o TRF(H) tornou-se apenas uma simples estrutura de
três aminoácidos, em que anos de esforços, negociações, investimentos e confli-
tos para a sua construção passam a ser irrelevantes para aqueles que o incorpora-
ram e utilizam como um conhecimento estabelecido. O artefato tornou-se um
fato apresentado sem história. Temos, assim, um fato, uma caixa-preta, ou mes-
mo, se utilizarmos a gramática kuhniana, um paradigma. O custo para abrir essa
caixa-preta, para refazer a sua construção, tornou-se alto demais para que al-
12
guém queira contestar uma proposição científica que se estabilizou como fato .
Ao penetrar no laboratório, o etnógrafo deve preocupar-se com "seqüên-
cias de trabalho, networks e técnicas de argumentação", evitando a adoção do
cientista individual como ponto de partida ou unidade central de análise (Latour
& Woolgar, 1979:118). A própria distinção entre o indivíduo e o trabalho feito
por ele é um recurso importante na construção dos fatos. Por isso, é preciso ana-
lisar a construção das carreiras individuais que se dá no curso da construção dos
fatos, já que a própria noção do cientista como indivíduo é conseqüência da di-
nâmica e da competição que ocorre dentro do laboratório. Nesse sentido, Latour
e Woolgar propõem a recuperação e modificação da noção de crédito de Bour-
dieu, propondo o que denominam de uma abordagem "quase-econômica" para
a ação dos cientistas e suas relações. Assim, recolocam o problema da organiza-
ção da ordem científica: "O que motiva um cientista a fazer o que ele faz?" (La-
tour & Woolgar, 1979:189). Como e por que age um cientista? Existe uma co-
munidade científica ou um mercado científico? Como ela/ele se estrutura? Como
se dá a relação entre cientistas?
Observando o laboratório, os autores concluem que, certamente, não são
as normas inculcadas pelo treinamento que orientam os cientistas, "no máximo,

12 A abertura de uma caixa-preta é um tema mais desenvolvido por Latour em: Latour, 1987, principal-
mente no cap. 2, onde o autor discute as dificuldades de criar objeções a experiências e interpretações
de um laboratório.
normas simplesmente delineiam tendências gerais no comportamento" (Latour &
Woolgar, 1979:190-191). No lab life o apelo às normas é raro, geralmente instru-
mental, e a linguagem/conversação dos cientistas está repleta de termos econô-
micos, como investimento, oportunidades e retorno. Segundo Latour e Woolgar,
é impossível saber se essa linguagem econômica corresponde aos motivos reais
dos cientistas ou se são apenas justificativas. De qualquer forma, mesmo que o
modelo econômico não seja a melhor explicação para o comportamento dos
cientistas, estes autores consideram que a interpretação por normas sociais é
também inadequada (Latour & Woolgar, 1979:191).
A idéia de que os cientistas agem visando ao crédito, no sentido que
Bourdieu dá ao termo - reconhecimento e recompensa via imposição da autori-
dade científica - , é relativizada como um fenômeno secundário, já que apenas
em algumas ocasiões os cientistas se referem ao crédito como reconhecimento
do mérito. O crédito como recompensa (as reward) não seria o maior objetivo da
atividade científica. Os autores propõem uma ampliação do significado de crédi-
to, associando-o com "crença, poder e business activity" (Latour & Woolgar,
1979:194). A observação do lab life sugeriria a extensão do conceito de crédito
para credibilidade (credibility). Essa ampliação mantém, como em Bourdieu, ele-
mentos de cálculo econômico em que o cientista/investidor avalia as oportunida-
des do campo. Só que, agora, o objetivo primeiro, e principal, da atividade
científica, é o reinvestimento contínuo dos recursos acumulados, formando
um ciclo de credibilidade, uma clara associação entre o ciclo do cientista e o
ciclo de investimento de capital. Para Latour e Woolgar o comportamento do
cientista é similar ao do investidor de capital (Latour & Woolgar, 1979:197).
Portanto, seguindo com Bourdieu, Latour propõe a aplicação de um mo-
delo econômico a um comportamento não-econômico. Porém, se credit is re-
ward, credibilidade é a atualização das habilidades do cientista para fazer ciên-
cia. Este conceito explicaria como, no caso do laboratório estudado, alguns cien-
tistas, pouco citados e reconhecidos no início e ao longo de grande parte da pes-
quisa - que pela simples idéia de crédito como reconhecimento teriam suas carrei-
ras rapidamente abortadas e fracassadas - , obtiveram recursos e apoio para levar o
projeto adiante, no que foram bem-sucedidos. E, como vimos mais acima, foram
capazes, em um momento crucial da disputa científica, de aumentar os custos de
reinvestimento de outros grupos, excluindo-os da disputa.
Sendo o cientista um investidor em credibilidade - recompensa, con-
fiança, influência, reputação na capacidade de responder no futuro às expectati-
vas e investimentos do presente - , ele avaliará a qualidade de suas informações,
os seus receptores, as probabilidades de convencê-los e sua estratégia de carrei-
ra, e buscará, permanentemente, a conversão de uma forma de credibilidade em
outras. A idéia de ciclo de credibilidade torna possível compreendermos essa
conversão em dinheiro, equipamentos, informações, prestígio, credenciais, áreas
de estudo, argumentos, papers, livros, prêmios, vinculando, assim, o cientista
ao mundo exterior ao laboratório, por exemplo, com agências de financia-
mento, leitores, fornecedores etc. (Latour & Woolgar, 1979:200-201). Neste
ponto, Latour e Woolgar invocam um ciclo que se viabiliza a partir da trans-
formação de valores de uso em valores de troca, base para essa conversão,
tanto mais lucrativa quanto mais acelerada for a reprodução do ciclo de cre-
dibilidade (Latour & Woolgar, 1979: 207, nota 9). Este ciclo conecta estraté-
gias de investimento, teorias científicas, sistemas de recompensas e educação,
permitindo que observador e observado transitem pelos vários aspectos das
relações sociais na ciência, a partir do laboratório. E mais, algo que será de-
senvolvido por Latour mais radicalmente em outros trabalhos, a sugestão de
que é possível conectar fatores externos e internos, ver o mundo, a partir e
13
dentro do laboratório e das práticas científicas . Mas como a credibilidade é
avaliada? Fundamentalmente pelos comentários e opiniões dos pares, e nisto
as conclusões de Latour e Woolgar não os distinguem de autores como Bour-
dieu e Kuhn. Mas o que avaliam? Aqui verifica-se uma diferença importante
com os outros trabalhos. Nesta apreciação não há distinção entre o cientis-
ta e as suas proposições, entre "a credibilidade da proposta e a do proponen-
te" (Latour & Woolgar, 1979:202). Os cientistas precisam da avaliação para o
reinvestimento na sua credibilidade; a preocupação com simples recompen-
sas e reconhecimento seria uma expectativa secundária. Como vimos, em
uma ordem competitiva e instável não é suficiente o capital obtido, é pre-
ciso convertê-lo, permanentemente e o mais rápido possível, em novas
formas de credibilidade do seu trabalho científico e dele enquanto cientis-
ta. Credible information reinvestida para gerar mais informação, ou a repro-
dução para assegurar a reprodução. Em oposição à comunidade científica
kuhniana, os autores sugerem que o interesse que o cientista tem pelos seus
pares não é oriundo nem do caráter especial dessa comunidade (ela não exis-
te na forma proposta por Kuhn), nem de um "sistema de normas" que faz dos
pares os únicos que podem reconhecê-lo - normas são os resultados instáveis
dessas interações. Este interesse tem como base uma necessidade recíproca em
que cada cientista precisa do outro para "aumentar sua própria produção de cre-
dible information" (Latour & Woolgar, 1979:203). A comunidade de especia-

13 Esse argumento está mais radicalmente exposto em Latour, 1983:141-70. Estudando a revolução "pasteu¬
riana", Latour indica que não basta reconstruir o contexto social dentro do qual a ciência deve ser com-
preendida, mas mostrar como sociedades são desordenadas e reformadas com e mediante os conteúdos da
ciência. No caso, Pasteur operou uma revolução na sociedade francesa no e a partir do laboratório e sem
sair dele. Teríamos uma "laboratorização do mundo". Em Science in Action (1987) no cap. 4, Latour tam-
bém mostra as relações externas operando nos technoscience labs, com os insiders out.
listas, se existe, se estrutura devido a essa necessidade e interdependência, e não
pela solidariedade ou por qualquer monopólio de conhecimentos especiais.
Juntos porque interdependentes no ciclo de credibilidade.
A adoção de uma perspectiva que considera o ciclo de credibilidade
no âmbito de um laboratório é "espelhada em operações econômicas típicas
do capitalismo moderno", sugere muitas semelhanças com a análise de Bour-
dieu (Latour & Woolgar, 1979:204). Porém, Latour e Woolgar o criticam pela
utilização de um modelo econômico que não esclarece por que o cientista
tem interesse na produção do outro, não considera a demanda pela produ-
ção, e não faz nenhuma referência ao conteúdo da ciência produzida. É um
modelo, o de Bourdieu, que explica a distribuição do crédito como um sha-
ring process, um problema de acumulação, mas pouco auxilia o entendimen-
to sobre a produção de valor na prática científica.
No mercado científico em questão, a informação produzida por um
cientista tem valor porque serve para outros cientistas gerarem novas informa-
ções que, por sua vez, facilitarão o retorno dos seus investimentos. O funda-
mental são as informações e proposições com credibilidade, que, por serem
incontestáveis, podem ser reinvestidas. Trata-se de um mercado de informa-
ções no qual as forças da oferta e da procura criam o valor da mercadoria,
um valor que flutua dependendo da estrutura dessas forças, como, por exem-
plo, o número de investidores e o equipamento dos produtores e a capacida-
de atribuída a eles. As flutuações podem levar cientistas a passarem de uma
área para outra, ou de certos problemas de pesquisa para outros.
Porém, a experiência do lab life mostra que esse não é um mercado
de trocas simples de bens em circulação. O sucesso do investimento é ava-
liado "em termos da extensão em que é facilitada a rápida conversão da cre-
dibilidade e o progresso do cientista dentro do ciclo" (Latour & Woolgar,
1979:207). Lembram os autores que o cientista obtém pouco retorno do seu
investimento em termos de crédito formal, ou pelo menos dá uma importân-
cia relativamente pequena a esse fato, já que isto lhe assegura apenas uma
parcela de credibilidade. O que importa, nessa atividade, nesse mercado, é
ampliar e acelerar o ciclo de credibilidade. Os cientistas não venderiam/com-
prariam informações, mas sua habilidade em produzir alguma informação re-
levante no futuro, podendo acelerar a passagem de uma parte do ciclo para
outra, tornando assim o futuro mais presente (Latour & Woolgar, 1979:207).
A análise que Latour e Woolgar fazem da pesquisa que resultou no
TRF(H) demonstra que o capital previamente acumulado pelo grupo de cien-
tistas era pequeno: poucas publicações e citações, e posições acadêmicas
sem muita expressão. Eram mais promessas de credibilidade do que detento-
res de capital acumulado (Latour & Woolgar, 1979:211). Por isso, esse não é
um mercado de produtores e consumidores individuais, com uma contabi-
lidade simples, do tipo investimento x rentabilidade. As relações entre cien-
tistas seriam mais semelhantes às que ocorrem entre pequenas empresas que
medem seu sucesso pelo crescimento das suas operações e a intensidade na
circulação de seu capital. Temos uma análise de custo-benefício aplicada às
várias dimensões da atividade científica, das decisões das agências de finan-
ciamento à forma do artigo e em que revista publicá-lo. Do não-mercado de
Kuhn, passando pelo mercado do empresário individual de Bourdieu, chega-
mos, com Latour e Woolgar, a um mercado de pequenas empresas.
Um dos problemas dessa interpretação, também encontrado em Bour-
dieu, é a ausência de uma assunção comportamental. Em algumas passagens, os
autores fazem questão de negar que estejam propondo um modelo de compor-
tamento em que indivíduos fazem cálculos para maximizar lucros. E por que
não? A resposta a isso não está clara, nem o problema resolvido, como veremos
nos trabalhos de Knorr-Cetina. Sustentam os autores que o seu modelo de inter-
pretação do comportamento dos cientistas é completamente independente das
suas motivações, e mais, que "o modelo de credibilidade pode acomodar uma
variedade de tipos de motivações" (Latour & Woolgar, 1979:207). Não importa a
motivação da ação revelada pelo cientista - dinheiro, glória, reconhecimento,
prêmios, citações - , uma vez que cada uma corresponde a um momento de um
ciclo de credibilidade que deverá ser completado. Para Latour, não há solução
abstrata para o problema de se considerar, ou não, a atividade científica do lab
life uma estratégia consciente e explícita por parte do cientista. Para ele, o quanto
os cientistas são realmente interessados ou se são determinados pelo campo - mes-
mo quando pensam ser livres - , é um problema para historiadores e psicólogos (!!!)
(Latour & Woolgar, 1979:208, nota 10).
Ao discutirem a estrutura do grupo de pesquisa e sua dinâmica, os autores
têm a oportunidade de relativizar o modelo econômico de base utilitarista, do
qual pretendem se afastar, mas acabam por reforçá-lo ao longo de todo o traba-
lho, ao ressaltarem a questão da hierarquia interna do grupo. Os técnicos, mes-
mo que sejam excelentes profissionais, são mais simples assalariados que investi-
dores (Latour & Woolgar, 1979:218). Isso vale igualmente para aqueles que ain-
da não possuem um capital de credibilidade a ser invertido e convertido. Os que
podem operar como investidores de capital são os líderes do laboratório, menos
dispensáveis porque produtores de informações originais e por isso mais valiosas.
O principal pesquisador, chefe do laboratório (o chairman), seria o empresário
capitalista - full-time investor - que contrata e despede, com técnicos e cientistas
trabalhando para ele, podendo ter seu capital acrescido sem estar engajado dire-
tamente na atividade. Sua posição será mantida se continuar fazendo com que
seu laboratório produza informações consideradas relevantes em áreas importan-
tes, obtendo credibilidade, recursos e colaboração para uma conversão acelera-
da de um tipo de credibilidade a outro.
Com isso, conclui-se que nem todos podem operar no mercado descrito por
Latour e Woolgar, ainda que seja um mercado aberto, e entre os que operam o fa-
zem em condições desiguais. Além disso, os autores indicam, em uma rápida passa-
gem, a armadilha em que estão colocados os cientistas no laboratório dada a sua du-
pla identidade de investidores de seu capital e de empregados (do governo, de uma
instituição privada, da indústria, de seus superiores etc.). De um lado, ele precisa
reinvestir seu capital de forma continuada se não quiser perdê-lo; de outro, é pres-
sionado pelo patrão a apresentar os resultados do que fez com os recursos recebi-
dos. Essas pressões, por vezes, implicam dinâmicas irreconciliáveis. As relações entre
o laboratório e o mundo não ficam claras, ou melhor, não estão desenvolvidas, ape-
14
sar de essa proposta metodológica implicar fazer do laboratório o mundo . A pro-
posta de dissolução das fronteiras entre o laboratório e o mundo exterior (inside/out-
side laboratory walls) continua problemática. Foram ao laboratório e também encon-
traram o mercado um tanto fechado, ocupado exclusivamente por cientistas que se
movimentam em um ciclo de credibilidade.

4. K N O R R - C E T I N A VAI A O L A B O R A T Ó R I O E E N C O N T R A A ARENA
TRANSEPISTÊMICA

Os trabalhos de Karin Knorr-Cetina, em especial The Manufacture of


15
Knowledge (1981b) , na referência importante para todos os chamados estu-
dos de laboratório, pretendem investigar como o conhecimento científico é ge-
rado, no seu lugar específico, o laboratório, dando pouca relevância às razões
pelas quais esse conhecimento é produzido. Assim como Latour - e procurare-
mos não repetir os argumentos semelhantes - , Knorr-Cetina adere à perspectiva
construtivista, que enxerga os produtos da prática científica como "construções
contextualmente específicas que têm como característica a situação contingente e a
estrutura de interesse do processo pela qual foram geradas" (Knorr-Cetina, 1981b:5).
O produto da ciência não pode ser entendido como algo separado das práticas que
o constituíram. Esta visão, chamada de interpretação construtivista, também partilha¬

14 Em artigo posterior, Latour confessa que as relações e impactos do laboratório sobre o mundo externo
são os pontos frágeis de Laboratory Life (Latour, 1983:162).
15 Consideramos importantes dois outros artigos de Knorr-Cetina, que significam algumas reformulações
importantes no que se refere ao tema deste trabalho. São: Knorr-Cetina, 1982:101-130 e 1983:115-
140. As citações serão identificadas pelo ano de publicação do trabalho.
da por Latour, critica tanto o "objetivismo" que separa o produto do processo de sua
produção, focalizando o primeiro, como as perspectivas que buscam identificar quais
são os interesses sociais que explicam as escolhas e os trabalhos dos cientistas, mas não
elucidam como esses interesses e crenças influenciam no cotidiano da produção do
conhecimento científico, e como são negociados pelos cientistas.
Sinteticamente, a interpretação construtivista considera os produtos
científicos, fundamentalmente, resultado de um processo de fabricação em
um lugar pré-construído, chamado laboratório, expressão máxima do caráter
artesanal da realidade científica. Neste espaço de manufatura do conheci-
mento, verificam-se decisões e escolhas de caráter local e eventual que, ao
serem feitas, se materializam de tal forma que condicionam futuras decisões e
escolhas. O traço circunstancial de cada decisão na produção científica está
impregnado no produto desse processo (Knorr-Cetina, 1981b:33). Para Knorr-
Cetina a produção científica é sempre contextual e contingente.
A autora chama a atenção para o que denomina lógica oportunista da
pesquisa científica, que depende dos recursos disponíveis de toda espécie, das
chances e das interpretações e idiossincrasias do local onde ocorre. As próprias
regras - como fazer - dependem da distribuição de poder dentro do laboratório,
que também é contingencial e pode ser rapidamente alterada pela dinâmica do
conflito, cujas próprias regras são utilizadas como recurso e negociadas constan-
temente. Por isso tudo, o cientista atua ajustando-se ao ambiente, utilizando to-
dos os recursos instrumentais disponíveis no seu laboratório, com o objetivo de
ser bem-sucedido (making things work), e não de buscar ou descobrir verdades.
A perspectiva de Knorr-Cetina é de que o produto da pesquisa é fabrica-
do e negociado por agentes específicos, em um tempo e espaço particulares,
não sendo fruto de uma racionalidade científica especial. Tal concepção pode
ser estendida para distintas áreas e utilizada por outros cientistas e laboratórios
em diferentes contextos (Knorr-Cetina, 1981 b:52). Este é o modo pelo qual o
cientista, buscando sucesso, poderia fazer circular um produto científico de um
contexto a outro, ampliando e transformando, traduzindo algo de um tempo/es-
paço específico para um produto mais "universalizado", a ser reconhecido para
além dos muros do laboratório; ou, em um movimento oposto, transferir e incor-
porar no seu trabalho produtos de outras áreas, cientistas e laboratórios.

Não se diferenciando de outros trabalhos sobre/em laboratórios, Knorr-


Cetina sustenta que as descobertas e os produtos científicos são compostos por
seleções "contextualmente contingentes", sendo permanentemente descontex-
tualizados e tranformados em inovações/achados/invenções universais nos arti-
gos mediante os quais cientistas comunicam os resultados de seus trabalhos. Essa
perspectiva - go and see science as it happens - significaria a restauração do ca¬
ráter contextual da ciência: em vez de paradigmas universais, temos métodos e
práticas científicas contingentes e locais, o que faz com que o exercício científico
seja não mais que uma das práticas da vida social (Knorr-Cetina, 1981 b:46-7).
A diferença entre as análises de Knorr-Cetina e de Latour e Woolgar, e outros
trabalhos sobre história e sociologia da ciência, como os de Kuhn e Bourdieu, está
na relação entre a manufatura do produto científico e os interesses organizados den-
tro e fora do laboratório ou como as 'seleções contextuais e contingentes' são sus-
tentadas e atravessadas por relações que a transcendem, isto é, situadas em um
campo de relações sociais (Knorr-Cetina, 1981b:68). Os estudos macrossociológicos
apontam para a comunidade científica como a unidade relevante da organização
social e cognitiva da ciência (Knorr-Cetina, 1981b:68-69). Mesmo em trabalhos em
que se nega a existência de uma comunidade científica definida por mecanismos de
integração consensual e cooperação entre os seus membros, acabam-se utilizando
modelos de interação competitiva que circunscrevem a atividade científica a um
foro fechado de especialistas. Ambas as perspectivas não levam em conta a impor-
tância das relações entre cientistas e não-cientistas na produção do conhecimento.
A indagação de Knorr-Cetina é clara: depois de muitas observações sobre o
caráter contextual e contingente da organização e produção científica, faz sentido
continuar a encarar a comunidade científica ou de grupos de especialistas como uni-
dade de análise? A resposta é categórica: os estudos de laboratório indicam a irrele¬
vância da comunidade científica como a unidade organizacional. A explicitação das
críticas e a alternativa proposta por Knorr-Cetina são o próximo passo.
A comunidade científica tem sido considerada a unidade organizacional
sobre a qual a sociologia da ciência centra as suas atenções. Os estudos de labo-
ratório mostram que a comunidade com base em normas e valores, consensual e
cooperativa é uma imagem irreal. A partir de meados dos anos 70, apareceram
estudos que tratavam a interação dos cientistas como competitiva, utilizando
modelos explicativos baseados no funcionamento da economia de mercado. Do
texto pioneiro de Bourdieu ao trabalho de Latour e Woolgar, do crédito à credi-
bilidade, fala-se de capital, riscos, investimentos, reprodução, enfim, lança-se
mão de modelos econômicos para a abordagem da atividade científica, sugerin-
do a existência de um capitalismo científico.
Descartada qualquer idéia de normas e valores como base da organização
da ciência e interação dos cientistas, a crítica de Knorr-Cetina concentra-se no
que chama de modelos quase-econômicos de ciência, que se apresentam como
alternativas ao modelo de comunidade consensual e cooperativa. A crítica é dirigida
à concepção simplista de homem econômico presente na economia clássica e que
tais modelos assumem: um indivíduo com comportamento racional e maximizador.
Este comportamento pode estar vinculado tanto a uma hipótese sobre a natureza
humana - apetite insaciável para a acumulação - , como a uma hipótese histórico¬
estrutural - em que este comportamento derivaria dos requisitos exigidos pelo
desenvolvimento histórico do mercado capitalista. Para a autora, mesmo as versões
mais sofisticadas, que trabalham com decisões sob condições de informação limita-
da (ou que entende o cálculo racional maximizador como produto de um processo
de socialização), ignoram o que as pesquisas sobre laboratórios indicam: que os re-
sultados das decisões são socialmente contextuais ou negociados interativamente.
Não procedem de um cálculo consciente ou inconsciente, nem podem ser uma
conseqüência de propriedades individuais adquiridas.
Para Knorr-Cetina, todos os modelos de economia capitalista descritivos
da comunidade científica estão fundados em uma concepção de homem econô-
mico que por qualquer razão, é racional, calculador e maximizador. Entretanto,
esse homo economicus não é observado nos trabalhos sobre o lab life. E mais, para a
autora, esses modelos econômicos não foram levados aos seus limites de aná-
lise com a inclusão do crescente papel do Estado, da distribuição de renda,
da política científica etc. (Knorr-Cetina, 1981b:69). Enfim, não introduzem a
complexidade da economia moderna.
Todavia, não é apenas um problema de sofisticação e limites de um mo-
delo analítico de ciência construído por analogia com o mercado econômico,
mas do que fazer com essa semelhança. Para Knorr-Cetina, a utilização das ana-
logias significa a tentativa de explicar um fenômeno pouco conhecido mediante
o conhecimento derivado de um fenômeno similar, mais bem compreendido
(Knorr-Cetina, 1981b:69). Mas não pode ser uma mera troca de termos, como
por exemplo, substituir reconhecimento científico por capital simbólico. O co-
nhecimento transferido deve manter sua consistência.
Os modelos de mercado científico acabam por ignorar algumas das carac-
terísticas mais importantes do mercado capitalista, como exploração (extração de
mais-valia) e a estrutura de classes. Na ausência destas, o modelo perde os seus
elementos distintivos. A introdução dos mesmos nos modelos econômicos de
ciência obrigaria a aceitação da idéia de apropriação, por alguns cientistas,
dos produtos criados por outros, por estarem os primeiros em posições hierar-
quicamente superiores, possuírem mais capital (simbólico) e controlarem os
meios de produção. Para a autora, a posse desse capital simbólico, qualquer
que seja a sua definição, é uma característica comum a todos os cientistas, e
introduzir distinções desse tipo seria absolutamente arbitrário.
O cientista capitalista, definido por esse critério arbitrário, não controla,
necessariamente, os meios de produção científicos. Estes, em geral, "são proprie-
dade não dos cientistas mas de organizações, fundações ou associações que
usualmente significa algum controle público ou acesso generalizado a eles"
(Knorr-Cetina, 1981:72). Muitos dos esforços dos cientistas são para restringir e
definir o uso desses meios de produção. O seu controle hierárquico não significa
lugar equivalente na hierarquia de prestígio e reconhecimento profissional - nem
sempre quem controla é quem se apropria dos produtos científicos produzidos
no laboratório. Para a autora, quase todas essas dificuldades originam-se da utili-
zação do conceito de capital simbólico, ou variantes (Knorr-Cetina, 1981 b:72).
A crítica que parece ser a mais relevante para a proposta de Knorr-Cetina
é a acusação de que a utilização de modelos econômicos na ciência promove
uma visão internalista da mesma, apesar de se apresentarem como sendo a sua
superação. Esse internalismo, é preciso deixar claro, não é conseqüência da se-
paração entre elementos sociais e cognitivos da ciência, mas sim da insistência
em uma perspectiva que limita a ciência aos cientistas. A comunidade científica
foi transformada em mercado, com os cientistas, antes colegas, agora produtores
e clientes, sendo integrados não por normas, mas pela competição. Os cientistas
transformaram-se em capitalistas, mas continuam sendo tratados isoladamente
"num sistema auto-contido e quase-independente" formado por pequenos capi-
talistas ou corporações que se sustentariam "explorando uns aos outros" (Knorr-
Cetina, 1981b:73). Seria um "capitalismo comunitário" que causaria risos aos teó-
ricos da economia, porque aqueles que fornecem os recursos iniciais e perma-
nentes, que permitem a acumulação e reprodução do capital simbólico, estão
ausentes do modelo de mercado científico. Este modelo continua a circunscrever
a análise aos cientistas, reproduzindo de um modo mais sofisticado a comunida-
de científica fechada e auto-referenciada que procurou criticar.
Por último, o limite que restringe a análise aos cientistas e relaciona a in-
formação produzida, que transformada em fatos - o principal objetivo do cientis-
ta é seu acesso a posições, carreira, dinheiro, reconhecimento - , torna o argu-
mento circular e funcional. A credible information permite o investimento nesses
recursos que, por sua vez, serão reinvestidos para gerar mais informação. A posi-
ção do cientista é definida pela capacidade de produzir e reinvestir informações
que tenham status de fato. Isto não parece ser o que acontece no mundo do la-
boratório observado por Knorr-Cetina.
A proposta da autora é superar a noção tradicional de comunidade cientí-
fica e os modelos de mercado científico que se baseiam em visões simplistas do
comportamento humano, reforçam perspectivas internalistas de ciência e termi-
nam com argumentos circulares e funcionais. Como? Mediante o que denomina
de perspectiva radically-centred das coletividades científicas e de suas práticas con¬
textuais e contingentes (Knorr-Cetina, 1983:132). A conclusão de Knorr-Cetina é
que as comunidades científicas são praticamente irrelevantes para quem trabalha no
laboratório. A forma de organização relevante e a interação dos agentes na produ-
ção do conhecimento científico devem ser verificadas nas percepções dos partici-
pantes dessa produção no seu contexto específico, o laboratório, e não por caracte¬
rísticas a eles atribuídas. A forma organizacional e interativa relevante da prática
científica deve ser verificada empiricamente, a partir da observação do cotidiano das
práticas científicas nos laboratórios, podendo variar em contextos diversos.
A perspectiva da autora é derivar conceitos de estrutura social a partir de aná-
lises dos microeventos. Inclusive ela não descarta a utilidade da noção de comunida-
de nas abordagens macrossociológicas da ciência. O que aconteceria é que "proce-
dimentos agregados tendem a negligenciar - e como conseqüência distorcer - os
envolvimentos e o raciocínio práticos dos agentes" (Knorr-Cetina, 1982:116). Para
não se constituírem meras reificações, as proposições sobre estruturas sociais (e cien-
tíficas) devem ter referência empírica por meio da observação das microações que
geram essas estruturas. E, agora, podemos introduzir a alternativa proposta por
16
Knorr-Cetina: os campos transcientíficos ou arenas transepistêmicas .
O trabalho científico é perpassado e sustentado por relações e atividades
que transcendem o laboratório. Os cientistas percebem-se envolvidos e confron-
tados em arenas de ação que são transepistêmicas por envolverem "uma combi-
nação de pessoas e argumentos" que não podem ser classificadas nem como "pu-
ramente" científica nem como não-científica (Knorr-Cetina, 1982:117). Essas are-
nas incluem agências de financiamento, administradores, indústrias, editores, di-
retores de instituições científicas, fornecedores, enfim, uma série de elementos
que pouco têm a ver com um grupo de especialistas. Elas são transcientíficas ou
transepistêmica porque também os cientistas estão envolvidos em trocas, desem-
penhando também papéis não-científicos como administradores e negociadores
de recursos, com implicações técnicas importantes para o trabalho de pesquisa.
As relações entre cientistas e não-cientistas não estão limitadas à transferência de
todo tipo de recurso. Implicam escolhas e decisões técnicas, em que métodos e
interpretações são negociados com representantes das agências financiadoras e
de indústrias fornecedoras de produtos para o laboratório. O caráter transepistê¬
mico está na necessidade de tradução, que é uma negociação entre diferentes
agentes sobre os problemas da pesquisa, como ele pode ser solucionado e avalia-
do. A autora assume que escolhas técnicas não são determinadas exclusivamente
por cientistas e, por isso, não vê sentido em se reinvindicar que a comunidade cien-
tífica seja considerada a unidade relevante de produção do conhecimento (Knorr-
Cetina, 1981b:82). As arenas transepistêmicas são constituídas, dissolvidas e recons-
tituídas cotidianamente na atividade científica contextualizada, implicando jogos in-
terativos entre os vários agentes que dela participam. E o que está em questão não é
o que se compartilha ou o que se possui, mas o que pode ser transmitido pelos

16 A expressão campos transcientíficos está no livro de 1981. Nos artigos de 1982 e 1983, Knorr-Cetina
reelabora a expressão passando a utilizar o termo arenas transepistêmicas. Os termos no plural indi-
cam as variações contextuais e contingenciais da sua análise.
agentes para ser utilizado pelos outros para converter em outras coisas. Essa are-
na não seria nada mais que "a soma das interrelações que um sociólogo que ado-
ta uma perspectiva birds-eye pode reconstruir a partir da representação que os
agentes fazem de seus envolvimentos mútuos" (Knorr-Cetina, 1982:119).
A interação dos agentes nesta arena é vista por Knorr-Cetina como relações
de dependência mútua em termos de recursos e suporte (Knorr-Cetina,
1982:119). Essas relações não são concebidas a partir de objetivos individuais
dos participantes, cientistas e não-cientistas, que a priori têm interesses e recur-
sos, mas transações contínuas e contextualizadas, nas quais o próprio interesse é
fruto de negociação, que pode oscilar entre conflito e cooperação. O que é re-
curso, e não apenas conhecimento, é também definido na interação, e o que se
busca é a estabilização dessa definição, que implica que essas relações devem
ser continuamente renovadas e expandidas para sobreviver. Teríamos, segundo
Knorr-Cetina, uma economia de mudança e conversão (change) em vez de uma
economia de trocas (exchange) postulada pelos autores por ela criticados. A cir-
culação de objetos nessa economia de conversão não se faz pela troca de equi-
valentes, mas por uma conversão negociada de objetos diferentes. Apesar de crí-
tica dos autores anteriormente analisados, Knorr-Cetina parece-me pouco refle-
xiva, no sentido de Bloor e mesmo no de Latour, já que a sua alternativa aos mo-
delos de mercado científico guarda muitas semelhanças com os mesmos, e cain-
do até mesmo nos equívocos que ela aponta, como a substituição de termos sem
esclarecer bem o que realmente muda, por exemplo, entre a economy of ex-
change para a sua economy of change.
De qualquer forma, e finalizando, deve-se ressaltar que a importância
dada pela autora para a arena transepistêmica indica que os envolvimentos dos
cientistas são partes intrínsecas da produção de conhecimento no laboratório,
tratando-se de algo muito mais complexo que falar sobre as definições externa
ou interna do problema de pesquisa. Nessa arena, o trabalho científico é defini-
do e redefinido pelas interações de epistemes diversas. Enfim, para Knorr-Cetina
são os estudos sobre as práticas internas à produção científica em laboratórios,
na perspectiva microssociológica, que podem rejeitar o internalismo embutido
nos conceitos de comunidade, campo e mercado científico.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Sem querermos repetir todas as críticas que apareceram ao longo deste traba-
lho, devemos ressaltar que, para os autores discutidos, os cientistas se organizam e
interagem de maneiras diversas. Comunidade científica, campo científico, ciclo de
credibilidade, arena transepistêmica são concepções diferentes sobre a dinâmica or¬
ganizacional e interativa da prática científica. Para Kuhn, o cientista agirá segun-
do as normas e valores da comunidade; para os demais, perseguindo seus mais va-
riados interesses e objetivos individuais, mesmo que não os alcancem.
A comunidade científica é autônoma, fundada no consenso, estável e
tem, como comunidade, uma finalidade última. No campo científico, um merca-
do científico, também um lugar autonomizado, a dinâmica da competição, do
conflito por crédito, encontra-se condicionada pela estrutura social, onde o "pro-
gresso da razão" resulta da competição por acumulação e reprodução de capital
simbólico. Quando alguns autores vão ao laboratório ver como funciona a ciência
normal encontram uma organização da prática científica mais dinâmica, mais
competitiva e plural, instável, na qual indivíduos concorrem pela produção de
informações relevantes, que serão convertidas ou modificadas. Uma competição
cujo resultado é, sempre, indeterminado. A autoridade científica que em Kuhn
encontra um lugar determinado para Bourdieu, Latour e Knorr-Cetina é resultado
da interação competitiva - para Bourdieu este resultado, senão completamente
determinado pela estrutura social, é fortemente condicionado por ela.
Quanto mais perto do local da prática científica, o laboratório, mais dinâ-
mica, mais instável, mais indeterminada e menos consensual é a interação e a or-
ganização dos cientistas. O mundo da ciência vai se tornando mais aberto ao ex-
terior, o mercado científico vai aparecendo e o lugar do indivíduo aumentando,
quanto mais os analistas se aproximam da intimidade dos cientistas. As fronteiras
entre o mundo exterior e o dos praticantes da ciência vão, assim, sendo diluídas
até surgir a arena transepistêmica, onde o produto da ciência não é o resultado
da ação autônoma e isolada dos cientistas.
As escolhas, feitas por todos, das ciências naturais e exatas para serem o
foco de suas análises, têm diferentes razões de ser em virtude das opções teóri-
co-metodológicas. Para Kuhn, as ciências naturais e exatas alcançaram um ama-
durecimento, não obtido pelas ciências sociais, que pode ser constatado pela
presença hegemônica de um paradigma. Portanto, a sua comunidade científica
é a das ciências exatas e naturais. Para Bourdieu, a diferença entre as ciências
sociais e as naturais está nas expectativas e nos interesses que as classes domi-
nantes têm sobre estas últimas para o processo produtivo, garantindo assim a
autonomização do campo científico nestas áreas. Para Latour, Woolgar e
Knorr-Cetina, a escolha das ciências naturais e da technoscience para o estudo
etnográfico serve para demonstrar não a superioridade de ambas, mas o quanto
são semelhantes às ciências sociais. Em todas as ciências, temos práticas por
meio das quais o conhecimento é fabricado. Tão caóticas, incertas e complicadas
como as práticas das ciências sociais são as das ciências ditas exatas e naturais.
Antes de prosseguir, gostaria de chamar a atenção para um ponto: é que se
nem todos esquecem do Estado como agente importante, quando o abordam,
como Latour, o fazem como fonte financiadora dentro do ciclo de credibilidade,
ou como Knorr-Cetina, com o representante da agência pública de financiamen-
to, negociando resultados e maneiras de fazer pesquisa com o cientista. O Esta-
do, ou governo, como instância reguladora da propriedade intelectual - por
exemplo, através da regulamentação e concesso de patentes - não aparece
como fator relevante na organização e interação de cientistas. Descobertas, in-
venções, competição, crédito, credibilidade, proposições que se tornam fatos, tudo
isso faz mais sentido se lembrarmos a existência de uma regulamentação estatal que
permite que um produto ou informação - em vez de simplesmente ser imposto ao
mercado, circular livremente no mercado e ser apropriado por outros cientistas - se
torne uma propriedade do autor via concessão de patente, enfim, um valor de troca.
Se isso não tem lugar na abordagem de Kuhn, certamente resolveria alguns proble-
mas nas análises de Bourdieu, Latour e Knorr-Cetina. As perspectivas que discorrem
sobre capital, conversão, troca e investimento da informação, se tornariam mais efe¬
17
tivas se explicitassem a questão da regulamentação da propriedade intelectual .
Dado esse inventário de diferenças e problemas, talvez estejamos diante
de enfoques distintos de diferentes dimensões da sociedade, ou, no caso, das
práticas científicas, e não apenas da escolha entre a comunidade do pensamento
conservador e o mercado da economia liberal. O instigante enfoque de David
Bloor, relacionando o debate epistemológico entre Kuhn e Popper - como ex-
pressão de concepções ideológicas que estão presentes, enraizadas, na cultura
ocidental, o romantismo e a ilustração - , poderia, e certamente deve ser aplica-
do às opções metodológicas e conceituais dos autores em questão. Porém, cre-
mos que, para além da identificação das conexões entre os debates ideológicos e
as opções dos autores, estamos diante de abordagens que se preocupam com di-
mensões analíticas diferentes mais do que com opções irreconciliáveis, ou, utili-
zando um termo da sociologia da ciência, incomensuráveis.
Vejamos. De um lado temos Kuhn e Bourdieu, com todas as suas diferen-
ças, trabalhando com macroestruturas (comunidade e mercado); de outro, La-
tour, Woolgar e Knorr-Cetina, com microprocessos de interação em um local es-
pecífico, o laboratório. O resultado da interação dos agentes no mercado de
Bourdieu é, em grande parte, determinado ex-ante pela sociedade, ao passo que
no mercado científico de Latour e Knorr-Cetina, o resultado só é observável

17 Estamos cometendo uma certa injustiça com Latour, que desenvolve esse tema na análise das relações
do laboratório com a indústria em Science in Action (1987), caps. 3 e 4, e faz referências a isso em La-
boratory Life (1979), cap. 5. A questão é que essas indicações não têm muitas conseqüências, por
exemplo, para um dos seus principais argumentos: o ciclo de credibilidade.
18 Bloor, 1976, cap. 4.
quando da interação. O lugar para a ação humana é pouco relevante em Kuhn e
Bourdieu, já para os demais é a base de geração das estruturas sociais. Normas e
valores organizam as práticas científicas da comunidade kuhniana.
Bourdieu escreve sobre interesses, mas recorre ao aprendizado para expli-
cá-los estruturalmente; com Knorr-Cetina e Latour, os cientistas têm interesses,
quais seriam esses interesses é uma questão de verificação empírica. Sugerimos,
mesmo sem desenvolver, que, apesar de ao longo do texto, e logo acima, termos
mostrado uma série de divergências irreconciliáveis entre os autores, haveria um
maior rendimento na análise sociológica da ciência se recolocássemos essas dife-
renças no âmbito do debate tradicional da sociologia, Entre agência e estrutura,
e de uma maneira mais geral, entre macro e microssociologia.
Para Latour e Knorr-Cetina, a meta é observar as práticas científicas no seu
lugar privilegiado, mostrando um universo diferente daquele que é percebido
pelas análises macroestruturais. Os estudos de laboratório não são apenas micro,
sem influências externas, mas têm a virtude distintiva, como lembra Woolgar, "de
ser capaz de manejar problemas de 'macro' importância usando 'materiais mi-
19
cro'". O objetivo não é apenas descobrir que o mundo da ciência não é aquele
descrito por alguns sociólogos e filósofos, e que é semelhante ao mundo não-
científico, mas os estudos de laboratório pretendem ser estudos "no (in) laboratório e
20
não apenas sobre um (of a) laboratório". Nele encontraremos o mundo, segundo
Latour, adepto mais radical da perspectiva micro, o que significa dizer que não é
possível uma divisão de trabalho ou uma tradução da microanálise para a macroaná¬
lise. A prática científica só deve ser analisada no laboratório. Para Knorr-Cetina, o es-
tudo de laboratório permite observar a emergência das macroestruturas sociais, ou a
21
sua reconstrução a partir da interação dos agentes . Isto não quer dizer que essas
grandes estruturas não possam ser analisadas de uma outra maneira, inclusive a
própria noção de comunidade pode fazer sentido analítico em uma dimensão
macrossocial, como nas perspectivas de Kuhn e Bourdieu.
Um sociólogo como Randall Collins (1988) , ao analisar as teorias micro
e macrossociológicas e a possibilidade de uma tradução e ligação entre elas - um
tanto cético em face da redução ou tradução da macro em micro - , propõe tra-
tar das teorias macro (e das relações com as microteorias) a partir do que chama
de fatores irredutíveis desse tipo de análise: a) extensão espacial; b) extensão do
tempo e c) número de pessoas envolvidas (Collins, 1988:394).

19 Woolgar, 1982:490.
20 Woolgar, 1982:487
21 A autora explicita melhor a sua concepção das relações micro e macrossociologias em: Knorr-
Cetina, 1981:1-47.
22 As citações referem-se ao capítulo 11.
Ao declarar a irredutibilidade desses fatores, ele chama a atenção para
características intrínsecas da análise macro. Tempo e espaço seriam escalas da
análise sociológica e quanto maiores essas dimensões mais macro seria a análise.
Porém, o autor destaca a precedência da abordagem macro sobre a micro: da-
das certas irredutibilidades "situações micro são analiticamente centrais, mas o
conteúdo presente das microssituações é afetado pela sua posição macro" ou,
talvez, de forma mais interessante, macro seria o meio pelo qual as microssitua-
ções se conectariam (Collins, 1988:397). A sugestão proposta por Collins, via di-
ferenciação de escalas (tempo, espaço e número), é uma possível combinação,
redução ou tradução de análises que se preocupam com grandes escalas (macro)
e aquelas que trabalham com escalas menores (micro). Este pode ser um dos ca-
minhos para relacionarmos as abordagens em questão, sem negar uma certa taxa
de incomensurabilidade entre elas.
Para finalizar, gostaríamos de sugerir que, em lugar de opções incompatí¬
veis-comunidade, campo, mercado, arena - possam significar respostas a proble-
mas colocados em diferentes escalas, e que podem ter bons rendimentos analíti-
23
cos se estiver explícito em que dimensão cada autor trabalha . Comunidade,
campo, mercado, arena implicam em diferenças que podem ser traduzíveis den-
tro das relações entre micro e macrossociologia.
Enfim, se continuamos a ser colocados entre a comunidade e o mercado,
é porque também continuamos tão curiosos e perplexos quanto Jonathan, o pai
de Adrian Leverkühn, o músico que pactua com Mephistófeles no Doutor Fausto
de Thomas Mann, que buscava decifrar inscrições que apareciam nas conchas e
moluscos que colecionava. Para ele, essas inscrições eram parte de uma escrita,
uma linguagem secreta da natureza. E Jonathan achava que "se (...) houvesse
uma escrita secreta, a Natureza teria de dispor de um idioma próprio, organiza-
do, nascido dela mesma? Pois qual dentre os inventados pelo homem deveria ela
escolher para exprimir-se?". O narrador do livro termina dizendo que há muito
tempo percebia que o que confere à natureza extra-humana um caráter inquie-
tante é que ela é, por índole, iletrada ...

23 Inspirei-me, sem necessariamente concordar, em alguns argumentos levantados ao longo de uma dura
crítica ao relativismo e ao construtivismo feita por Thomas F. Gieryn, 1982:279-97. Nesta revista, te-
mos a resposta dos relativistas e construtivistas e a réplica de Gieryn. Esta ressalta que, apesar da pro-
posta dita renovadora dessas perspectivas, que pretendem ultrapassar e enterrar a sociologia do conhe-
cimento mertoniana, as suas questões continuariam sendo as de Merton, e as suas respostas também
estariam, pelo menos esboçadas, em Metron. Restando, em termos de originalidade, segundo o autor,
uma duvidosa opção metodológica que aponta para o monopólio do laboratório como lugar mais im-
portante para a observação da ciência. Consideramos um argumento interessante o de situar os proble-
mas levantados por essas perspectivas, como questões da sociologia da ciência como um todo, poden-
do ser respondidos com metodologias, enfoques e trabalhos diversificados.

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