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em Sociologia II
Material Teórico
Relações étnico-raciais e diversidade no ambiente escolar
Revisão Textual:
Prof. Ms. Claudio Brites
Relações étnico-raciais e diversidade no
ambiente escolar
• Introdução
• Raça: uma construção social
• Diversidade cultural e alteridade
• Relações étnico-raciais, diversidade e alteridade no ambiente escolar
• Considerações finais
Para um bom aproveitamento do curso, leia o material teórico atentamente antes de realizar
as atividades. É importante também respeitar os prazos estabelecidos no cronograma.
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Unidade: Relações étnico-raciais e diversidade no ambiente escolar
Contextualização
A questão racial ainda hoje, como aponta Lilia Moritz Schwarcz, dá o que falar. Se por um
lado o Brasil é considerado um país de misturas, já não podemos dizer que essa miscigenação
configura relações igualitárias. Dessa mesma maneira, ao nos direcionarmos à diversidade
cultural, percebemos que vivemos em um mundo cada vez mais conectado e globalizado, em
que o contato com o “outro” se faz inevitável.
Emerge desse fato a percepção muito mais aguda de que existem múltiplas maneiras de ser
e estar no mundo. Essas maneiras, que podemos chamar de culturas, fazem força sobre os
nossos próprios modos de vida, cobrando de nós posicionamentos. Há sempre o perigo de
que as diferenças sejam vistas como ameaça, mas há também a esperança de que elas sejam
pensadas como encontro.
O ambiente escolar, inevitavelmente, não pode se furtar dessa reflexão, devendo atuar para
desenvolver um ambiente em que esses problemas sejam abordados e superados.
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Introdução
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Unidade: Relações étnico-raciais e diversidade no ambiente escolar
Há uma tendência na nossa sociedade, quando se trata de racismo, de naturalizar aquilo que
foi sendo construído socialmente. As diferenças étnicas passam a ser, dessa maneira, tratadas
como desigualdade gerada pelas características físicas dos indivíduos, sendo esses classificados/
hierarquizados socialmente a partir de traços distintos, aptidões e maneiras específicas de agir
e pensar que são, arbitrariamente, atribuídos às raças a que pertencem; mesmo sabendo que
esse argumento não tem sustentação científica nem social, a força da discriminação racial se
impõe como propulsora de atos de violência e opressão.
Muitos brasileiros apontam que não são racistas, mas igualmente são quase unânimes em
apontar que já presenciaram cenas de racismo. Esse dado foi levantado em pesquisa realizada
pela Universidade de São Paulo (USP) logo após a promulgação da constituição de 1988. Ela
demonstra uma disparidade entre aquilo que é pensado individualmente e o que é praticado
coletivamente. Individualmente as pessoas não se diziam racistas, mas apontavam e até
citavam nomes de pessoas que haviam praticado atos de racismo, ou seja, particularmente as
pessoas não se julgavam racistas, mas coletivamente disseram que viviam em um país racista.
Em outras palavras, como apontou a pesquisa: os entrevistados se consideravam uma ilha de
democracia cercada de racistas por todos os lados.
A contradição exposta na pesquisa nos ajuda a perceber que o racismo é uma realidade
vivida de maneira intensa por muitas pessoas no nosso país. Contudo, a discriminação gerada
pela cor da pele é percebida, mas negada e desprezada, como se fosse uma questão secundária
para as relações. Entretanto, o debate é sério e merece que nos debrucemos sobre ele para
melhor compreendê-lo. Nesse sentido, caberia um primeiro questionamento: o que é raça?
A primeira coisa a ser dita sobre isso é que o conceito de raça passa longe de ter uma
sustentação biológica, configura-se como um conceito analítico que foi sendo construído
socialmente. Mas como e a partir do que essa ideia foi ganhando corpo?
O antropólogo francês Claude Lévi-Strauss, ao tratar do tema no célebre texto Raça e História
(2003), produzido sob encomenda pela UNESCO, aponta que não há nada que sustente a ideia
de que existem várias raças humanas, e que uma se sobreponha à outra. Para o autor, há uma
confusão existente nas relações entre questões biológicas e culturais: o que existe são diferenças
no plano da cultura que não são sustentadas biologicamente, pois só existe uma raça de seres
humanos. Essas diferenças, portanto, seriam culturais e só são percebidas porque as culturas se
relacionam e assim põem em circulação os seus modos de vida material e simbólica. Isso quer
dizer que o contato é que faz surgir a percepção da diferença e, obviamente, certo incômodo de
não entender os modos e as práticas culturais do outro.
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Claude Lévi-Strauss (1908-2009): o
antropólogo francês teve passagem
nos anos 1930 como professor
da Universidade de São Paulo.
Durante a sua estadia, estudou
os Nambiquaras, grupo indígena
do centro-oeste do Brasil. Foi um
grande estudioso e defensor da
diversidade cultural humana.
UNESCO/Wikimedia Commons
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Unidade: Relações étnico-raciais e diversidade no ambiente escolar
Wikimedia Commons
Uma das maneiras mais utilizadas para combater o racismo é o uso da ideia
de que as culturas são determinadas e regidas por suas lógicas internas, e que
só podem ser explicadas a partir delas mesmas. Chamamos essa concepção
de relativismo cultural. Aqui as culturas são tratadas não de maneira
Você sabia? hierárquica, mas como sistemas distintos que encerram em si mesmos os
seus sentidos. O termo cultura passa a ser trabalhado como pluralidade e
não no singular, determinando o que seria correto ou mais evoluído.
Não obstante, no Brasil, só muito recentemente, surgem leis que visam diminuir o
desnivelamento social produzido a partir desse racismo, mas não conseguem alcançar aquele
tipo de racismo que se dá principalmente na esfera privada. Além disso, tais iniciativas
governamentais sempre são acompanhadas de muitas polêmicas e normalmente separam as
opiniões em dois grupos: os que são a favor e os que são contra.
Um exemplo dramático são as cotas raciais nas universidades públicas. Há os que defendem
como maneira de reverter a realidade perversa que é presenciada dentro das universidades
públicas, em que poucos negros e pardos constam como alunos. Enquanto outros afirmam
que esse tipo de ação afirmativa é prejudicial ao conjunto da sociedade, pois geraria mais
racismo e separação entre as pessoas.
O que resta dessa dicotomia é a verificação de que há um processo de negociação que se
estabelece dentro da sociedade brasileira quando se trata de raça, sendo esse um tema em
aberto – o que demonstra ainda mais a necessidade de refletirmos seriamente sobre o assunto,
principalmente nas escolas.
1 Uma pesquisa feita pelo IBGE em 1976 (PNAD), levantou mais de 130 cores que os brasileiros atribuíram a si mesmos.
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Unidade: Relações étnico-raciais e diversidade no ambiente escolar
Contudo, a discriminação não pode ser configurada como algo natural, pois é produto da
cultura, como salienta o autor. Por exemplo: mulheres andarem sem suas cabeças descobertas
é visto em nossa sociedade como algo normal e corriqueiro, quase natural; já em outras
culturas, é algo mal visto e abominável. Pelo filtro dado por nossa cultura a nós, enxergamos
o diferente como um desvio de conduta ou até como um atraso.
Tomando novamente as ideais propostas por Lévi-Strauss, inicialmente temos que as
culturas se diferenciam pelo contato e que mesmo aquelas que desconhecem, por exemplo,
a escrita, não podem ser consideradas como não evoluídas ou atrasadas, pois, fazendo isso,
cairíamos na tentação de traçar uma classificação etnocêntrica. A noção de diversidade cultural
se fixa na ideia de que todas as culturas têm o seu direito ao passado e a sua própria maneira
de se estabelecer no mundo, ou seja, a palavra de ordem que encerra o termo diversidade é o
direito à identidade.
iStock/Getty Images
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Na escola, esbarramos em muitas diferenças culturais, que podem advir de regiões geográficas
específicas, da condição social dos filhos, do gosto estético e até mesmo do modo como a
família educa os seus; o que é realmente importante é propor a reflexão sobre as diferenças.
Entretanto, como transpor essas ideias para pensarmos as questões que compõem o quadro
da diversidade dentro do nosso contexto de vida? Sabemos que a nossa realidade imediata está
permeada de diversidade, a qual muitas vezes não temos como decodificar. Por essa razão,
buscamos fazer sempre uma classificação daquilo que encontramos no espaço social a partir
de nossa visão de mundo, contrapondo o que é conflitante e absorvendo o que parece familiar.
O problema está em que, nesse processo de classificar pessoas, as pensamos em oposição à
nossa própria visão de mundo, tomando-as muitas vezes como inferiores ou como ameaças à
nossa integridade moral e/ou cultural.
De acordo com Rosa Lydia Corrêa (2012, p. 97),
Isso quer dizer que o termo diversidade abriga uma gama de elementos materiais ou culturais
que remetem às condições de vida dos indivíduos, tornando-o um termo complexo. Nesse
sentido, a autora aponta que é necessário ainda muito nos aprofundar para uma melhor
compreensão do que esse termo encerra, justamente por ser uma espécie de “guarda-chuva”
conceitual no qual são abrigados vários elementos que dizem respeito à diferença.
Assim, a ideia de que o diferente tem o mesmo direito que nós temos de existir e manter
a sua maneira própria de viver a vida é interessante, pois nos proporciona uma defesa das
nossas próprias particularidades. Falando de outra maneira, ao defendermos os modos de
vida de um determinado grupo social, passamos a defender também o nosso, pois fechamos
espaço para que sejamos atacados, resguardando-nos como em uma rede de proteção mútua.
Assim, pensar a questão racial, mas também as questões da diversidade de gênero ou de
preconceito geográfico, como problemas de todos, contribuímos para uma melhora de vida de
toda a sociedade. Melhora essa que só pode ser alcançada com o esforço coletivo, e não com
ações isoladas. Nesse sentido, é importante que o debate seja feito de maneira aberta e sem
reservas, para que possa ser refletido às claras.
Já o termo alteridade nos remete à reflexão sobre as relações mais intensas entre os
indivíduos. Igualmente, esse termo tem vários significados, utilizaremos aqui o ponto de vista
que nos é caro, qual seja, o das ciências humanas. Como apontado anteriormente, há a
necessidade de assumirmos a luta dos grupos étnicos subalternos como nossa, essa ideia de
reconhecimento do outro nos leva à concepção de alteridade que aqui damos espaço. Como
aponta Zygmunt Bauman (1995, p. 249):
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Unidade: Relações étnico-raciais e diversidade no ambiente escolar
Essa noção é importante para pensarmos outros termos, como o de tolerância, que remetem
à convivência, mas sem com isso levar os indivíduos a reconhecerem-se nos outros e em todas
as suas diferenças.
A alteridade, portanto, estaria ligada à superação dos ódios irracionais que teriam a sua
base nas diferenças corporais ou sociais como marcadores de desigualdade entre as pessoas.
Encerra-se nessa concepção uma disposição ao diálogo como método de convivência pacífica
e harmoniosa. Isso porque, ao invés de apenas tolerar o diferente, somos levados a assumir o
convívio e a partilha de dilemas e sofrimentos de outros grupos étnicos como maneira de nos
autopreservar também em nossas particularidades indenitárias. Assim, assumir a alteridade
como conceito é buscar aliar-se à humanidade como causa.
O ambiente escolar é concebido por muitos estudiosos como uma espécie de microcosmo
da sociedade, justamente por concentrar muitos dos problemas que a assolam. A
problemática que aqui se discute não é exceção. Os meios de comunicação nos transmitem
quase todos os dias notícias diversas sobre a ocorrência de preconceito racial, de gênero
ou de atos de intolerância ocorridos no ambiente escolar. São relatos que nos alertam para
a emergência de discutirmos esses temas.
Não obstante, a escola também é o local propício para pensarmos saídas possíveis que
visem prevenir atitudes racistas ou discriminatórias. Nesse sentido, o ambiente escolar
necessita estar aberto ao diálogo e ao encontro, buscando incentivar a convivência pacífica
entre os indivíduos.
Os PCN (Parâmetros Curriculares Nacionais) apontam para a necessidade da elaboração de
ações que contemplem a temática da diversidade. Isso porque, tratar desses assuntos, em última
instância, seria tratar diretamente de cidadania e democracia, e não somente como elemento para
convivência e tolerância. Nesse sentido, é de suma importância que os educadores assumam essa
responsabilidade e busquem trabalhar esse eixo temático em suas aulas.
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Mas como isso poderá ser feito? A ideia é que se busque sempre aguçar a “imaginação
sociológica” do educando, o que poderá ser feito por meio de uma sensibilização para o tema
– por meio da apresentação de dados sobre a intolerância, um filme que aborde a questão, a
leitura de um fragmento de texto ou até mesmo da abertura de espaço para que os educandos
relatem algum episódio de intolerância que tenham vivido ou presenciado. O que se espera é
que se procure dar relevo ao assunto e que isso ajude os educandos a aprofundarem os seus
olhares e refinar o que já foi aprendido.
Essa reflexão precisa, obviamente, estar acompanha de embasamento teórico, para que a
prática seja efetiva e duradoura. Nesse sentido, é importante que o educador tenha em mente
com certa clareza um escopo do quadro teórico que trabalhará. Conceitos como o de raça,
diversidade e alteridade devem ser aprimorados e relacionados ao contexto da realidade vivida
pelos educandos, para que se consiga aproximar os educandos dos temas trabalhados em aula.
Com isso, a questão da diversidade necessita também ser articulada e trabalhada de maneira
interdisciplinar, para que não se torne monopólio de apenas uma disciplina. O trabalho
com outras matérias proporciona ao educando ter acesso às várias maneiras de pensar um
determinado objeto de estudo; e ao educador possibilita se aventurar, desafiar e expandir
o diálogo científico, deslocando-se da chamada “zona de conforto”. A interdisciplinaridade,
assim, gera possibilidades de contato com outros olhares, buscando o fortalecimento mútuo
das ciências envolvidas, traduzindo-se em resultados interessantes para todos.
O tratamento do termo diversidade no ambiente escolar também não deve se furtar de
refletir sobre o seu próprio espaço imediato. O que se propõe é que o educador busque junto
aos educandos problematizar aquilo que se enxerga como natural. Isso pode ser feito, por
exemplo, partindo de indagações como: há preconceitos na escola? Como eles ocorrem? O
que é diversidade? Essas questões dariam por si só ótimas pesquisas a serem feitas dentro da
escola. A grande busca é incentivar os educandos a pensarem e investigarem a sua realidade
imediata, utilizando as ferramentas conceituais das ciências sociais.
Certamente há uma variedade de maneiras de trabalhar o tema diversidade cultural e
alteridade no ambiente escolar. Nesse sentido, é de suma importância que o educador entenda
a dinâmica que esses conceitos encerram em si, para que possa orientar e direcionar os
educandos no seu processo de aprendizado. Os métodos podem variar, mas o rigor científico
deve prevalecer como maneira de estabelecer melhor aproveitamento das atividades. Ao atuar
e trabalhar essa problemática, devemos ter em mente que também estamos contribuindo para
o alargamento do conhecimento sobre nós, seres humanos, em nossa diversidade e alteridade.
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Unidade: Relações étnico-raciais e diversidade no ambiente escolar
Considerações finais
O que podemos reter da discussão que aqui se fez é que há uma grande urgência para
refletirmos as questões raciais, assim como as questões de diversidade cultural, como
problemas de todos.
Nesse sentido, verificamos que a questão racial com base biológica passa a não mais fazer
parte do discurso intelectual, sendo, a partir daí, tratada pela via do plano cultural, mas ainda
sob o discurso de que viveríamos em um ambiente em que as relações étnico-raciais seriam
igualitárias, sem tensões, com espaço para as particularidades de cada grupo. Essa maneira
particular revela que a questão racial é um assunto ainda em aberto, pois, quando olhamos
para o nosso cotidiano, encontramos outra realidade oposta à ideia de democracia.
Em outra mão, vimos que os termos diversidade e alteridade são amplos, pois comportam
uma série de elementos que vão da questão cultural, passando pelas questões de gênero e de
desnivelamento social. Esses termos nos ajudam a refletir sobre a complexa dinâmica social
em que vivemos. Por eles, pudemos entender que as diferenças são marcadores culturais
produzidos pelo contato com o diferente e, por serem produzidos socialmente, podem ser
decodificados e refletidos sobre o ponto de vista do encontro, e não o contrário.
Vimos também que essa problemática está, invariavelmente, também dentro do contexto
escolar, necessitando ser trabalhada com cuidado e com rigor. Isso impele o educador não
apenas a trabalhá-la como um mero conteúdo a ser apresentado, mas também a se pensar
dentro desse processo – o que implica estudo e disposição para a aceitação do outro como
exercício de cidadania e democracia.
Portanto, há uma necessidade patente de educar para a democracia, ou melhor, educar
para o encontro como maneira de não diluir debates, mas como forma de enfrentamento
dessas questões, assumindo a sua dureza como um desafio imposto pela nossa própria
condição humana.
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Material Complementar
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Unidade: Relações étnico-raciais e diversidade no ambiente escolar
Referências
CORRÊA, Rosa Lydia Teixeira. Cultura e diversidade. Curitiba: intersaberes, 2012. (Livro
eletrônico)
FREITAS, Fátima Silva de. A diversidade cultural como prática na educação. Curitiba:
Intersaberes, 2012. (Livro eletrônico)
FREYRE, Gilberto. Casa Grande & Senzala: Formação da família brasileira sob o regime
da família patriarcal. 48ª ed. São Paulo: Global, 2003.
FERNANDES, Florestan. O negro no mundo dos brancos. 2. ed. São Paulo: Global,
2007.
HOLANDA, Sergio Buarque de. Raízes do Brasil. 26ª ed. São Paulo: Companhia das
Letras, 1995.
LARAIA. Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. 14. ed. Rio de Janeiro:
Zahar, 2001.
SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças – cientistas, instituições e questão racial
no Brasil, 1870-1930. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
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Anotações
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