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GESTÃO DEMOCRÁTICA:

questões sobre a gestão escolar em escolas públicas


no Brasil e em Portugal

Daniela Patti do Amaral1

RESUMO: A forma como os diretores chegam à função nas escolas públicas brasileiras
indica diferentes compreensões do trabalho do diretor escolar, da natureza das relações
na escola e do tipo de sociedade em que se insere. Do ponto de vista democrático, a
eleição de diretores é uma opção mais coerente para as escolas públicas, mas, só a direção
isolada, mesmo que eleita, não garante a construção e consolidação da gestão
democrática. Este artigo procurou apresentar um panorama sobre os caminhos de
consolidação da gestão democrática em escolas públicas no Brasil e em Portugal a partir
de análise documental e dos argumentos de que há uma forte associação teórica entre
gestão democrática e eleição, colegialidade e participação na decisão.
Palavras-chave: Gestão Democrática; Gestão Escolar; Colegialidade.

SCHOOL MANAGEMENT: questions about school management in public


schools in Brazil and Portugal

ABSTRACT: The way the directors come to function in public schools in Brazil
indicates different understandings of the work of the school principal, the nature of
relationships in schools and the type of society in which it operates. The election of
directors is, from a democratic point of view, a more consistent option for public
schools, but the principal, even if elected, does not guarantee the construction and
consolidation of democratic management. This article aims to present an overview of
the democratic management consolidation paths in public schools in Brazil and Portugal
from documental analysis from the argument that there is a strong theoretical
relationship between democratic governance and election, collegiality and participation
in decision.
Keywords: Democratic Management; School Management; Collegiality.

INTRODUÇÃO
No Brasil, a história da seleção de diretores das escolas públicas é marcada por
constantes avanços e retrocessos, dependendo da vontade política de dirigentes
municipais e estaduais de educação ou mesmo dos poderes legislativos municipais e
estaduais. E, por esbarrar em legislações no âmbito dos municípios e estados, além de

1 Doutora em Educação pela UFRJ (2008), com Pós-doutorado em Administração Pública (2011) pela
EBAPE/FGV/RJ. Atua como professora da Faculdade de Educação da UFRJ e do Programa de Pós-Graduação em
Educação da UFRJ. E-mail: danielapatti.ufrj@gmail.com

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práticas privatistas inculcadas em muitas redes públicas, a história da educação no Brasil


apresentou muitos obstáculos para constituir um consenso acerca de um modelo nacional
de seleção para o cargo de forma democrática.
Em relação ao provimento do cargo e, conforme dados do questionário respondido
pelos diretores das escolas públicas brasileiras (LÜCK, 2011), 46,9% alçaram este cargo
por alguma forma de indicação, seja em âmbito municipal ou estadual, 43,6% chegaram
aos cargos por seleção no âmbito das redes ou por eleição. O restante chegou ao cargo por
outras formas como concurso público ou esquemas mistos. Conforme a autora, a pesquisa
foi realizada com o objetivo de conhecer práticas de seleção e capacitação de diretores
escolares adotadas por sistemas estaduais e municipais de ensino. O processo de coleta de
dados demandou contínuas comunicações de mobilização e envolvimento em um período
que se iniciou em junho e foi finalizado em outubro de 2010. Foi realizado o mapeamento
do estado da questão com base em informações fornecidas por 24 Secretarias Estaduais
de Educação e 11 Secretarias Municipais de capitais. E, ainda, a descrição de significado
dessas práticas baseada em 14 grupos focais realizados com diretores de oito sistemas
estaduais de ensino e de seis sistemas municipais de capitais. Sobre os percursos
metodológicos, a autora destacou que:
a pesquisa foi realizada enfocando duas perspectivas e dimensões de dados: uma,
voltada para o mapeamento de informações, teve natureza quantitativa, de modo a
permitir observar nas unidades federadas brasileiras a distribuição das informações
pertinentes aos objetivos propostos, e outra, de natureza qualitativa, focada na
identificação de percepção de diretores escolares sobre as práticas de seleção e
capacitação em que são envolvidos e sua repercussão na gestão escolar e cultura da
escola (LÜCK, 2011, p. 17).

A coleta de dados foi realizada através do envio de questionários por e-mail para as
Secretarias e, para tanto, contou com a parceria do Conselho Nacional de Secretários de
Educação (CONSED) no sentido de obter a sua colaboração e garantir representação
nacional daquelas secretarias.
A aprovação do Plano Nacional de Educação (PNE) (BRASIL, 2014) se configurou na
proposta do Ministério da Educação (MEC) em solucionar práticas clientelistas além de
pouco democráticas e participativas de seleção de diretores de escolas públicas no país. A
meta 19 do PNE prevê a garantia, mediante lei específica aprovada no âmbito dos estados,
do distrito federal e dos municípios, da nomeação comissionada de diretores de escola
vinculada a critérios técnicos de mérito e desempenho e à participação da comunidade
escolar. Para a implementação dessa meta estão previstas oito estratégias e, dentre elas,
destacamos “desenvolver programas de formação de diretores e gestores escolares, bem
como aplicar prova nacional específica, a fim de subsidiar a definição de critérios objetivos
para o provimento dos cargos, cujos resultados possam ser utilizados por adesão”.

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Nesse novo contexto que se apresenta, o primeiro passo foi dado pelo MEC, em 2015,
com a abertura de consulta pública 2 à sociedade para a criação de um programa de
valorização de diretores de escolas públicas de educação básica municipais, distritais,
estaduais e federais de todo país. O objetivo é que alunos, pais, professores, gestores,
comunidade escolar, Academia, estudiosos e sociedade em geral pudessem apresentar
suas experiências sobre o trabalho de diretores escolares de modo a colaborar com
propostas e sugestões.
Posteriormente, em abril de 2016, o MEC aprovou dois editais de formação e
certificação de diretores chamando as universidades públicas federais a participarem
desses processos. O edital no 39 da Secretaria de Educação Básica (SEB) do MEC tornou
pública a chamada de credenciamento de Instituições Públicas Federais de Ensino
Superior interessadas em participar do eixo de formação do Programa Nacional de
Formação e Certificação de Diretores Escolares. A proposta tem por objetivo o
credenciamento de Instituições Públicas Federais de Ensino Superior hábeis a coordenar
e executar os processos de formação continuada de diretores de escolas públicas de
educação básica no âmbito do Programa Nacional de Formação e Certificação de Diretores
Escolares. Prevê a realização de cursos de aperfeiçoamento e atualização a distância e tem
como objetivos específicos:
a) ofertar Cursos de Extensão a Distância, em nível de aperfeiçoamento, com carga horária de
180 a 200 (cento e oitenta a duzentas) horas e duração estimada de 6 (seis) meses, organizados
com o objetivo de promover o desenvolvimento profissional, assegurando ao diretor escolar
e/ou ao candidato à função de direção escolar as competências e conhecimentos necessários
ao exercício da função bem como a elaboração de um plano de gestão escolar.

b) ofertar Cursos de Extensão a Distância, em nível de atualização, com carga horária de 100 a
120 (cem a cento e vinte) horas e duração estimada de 4 (quatro) meses, para diretores escolares
em exercício, aprovados em exame de certificação inicial no âmbito do Programa Nacional de
Formação e Certificação de Diretores Escolares, com o objetivo de orientar a elaboração de
portfólio evidenciando as práticas de implementação de planejamento e os resultados obtidos
no aprimoramento da vida escolar, pelo diretor, com vistas à certificação avançada.

O edital no 40, também da SEB/MEC, tornou pública a chamada de credenciamento de


Instituições Públicas Federais de Ensino Superior interessadas em participar do eixo de
certificação do Programa Nacional de Formação e Certificação de Diretores Escolares. Tem
por objetivo o credenciamento de Instituições Públicas Federais de Ensino Superior hábeis
para coordenar e executar os processos de certificação de diretores de escolas públicas de
educação básica no âmbito do Programa Nacional de Formação e Certificação de Diretores

2 Diretor
Principal. A consulta permaneceu aberta até o dia 02/03/2015 e recebeu mais de 45 mil sugestões.
Disponível em: http://pddeinterativo.mec.gov.br/diretorprincipal/. Acesso em 20/3/2015.

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Escolares, que prevê a realização de procedimentos de avaliação baseados nos Padrões


Nacionais para Formação e Certificação de Diretores Escolares.
Conforme o edital, as Instituições Públicas Federais de Ensino Superior deverão
realizar processo de certificação inicial para diretores escolares e/ou candidatos à função
de direção escolar, por meio de formulação e aplicação de exame com questões de múltipla
escolha e abertas para a avaliação de competências e conhecimentos necessários ao
exercício da função; e deverão realizar processos de certificação avançada para diretores
escolares, em exercício, aprovados na certificação inicial, por meio de procedimento de
análise e avaliação de portfólios elaborados a partir de orientações nos cursos de extensão
em nível de atualização no âmbito do Programa Nacional de Formação e Certificação de
Diretores Escolares, contemplando as evidências dos resultados alcançados no
aprimoramento da vida escolar por competência no exercício profissional do diretor.

1. AS POLÍTICAS E AS PRÁTICAS DE SELEÇÃO DE DIRETORES DE


ESCOLAS PÚBLICAS
No âmbito da educação brasileira, Cury (2008) afirma que o conceito de sistema único
de educação ou mesmo o de sistema unificado de educação tem como desafio maior o
horizonte da igualdade, cujo motor maior não se radica na escola, mas no próprio sistema
social. Segundo o autor, o Brasil, desde a proclamação da República, é uma República
Federativa e, como tal, isso supõe um pacto federativo no qual coexistam a união
federativa e a pluralidade de entes federados. A partir da Constituição Federal de 1988 os
sistemas de ensino passaram a coexistir em regime de colaboração recíproca, a gestão
democrática torna-se princípio dos sistemas públicos de ensino e a gratuidade, em nível
nacional e para todos os níveis e etapas da escolarização pública, torna-se princípio de
toda a educação nacional (CURY, 2008, p. 1195).
Conforme o autor há, no Brasil, uma cultura relativa à autonomia dos entes federados,
sobretudo dos estados, no âmbito da educação escolar. Esta tradição se apoia não só na
maior proximidade entre as fases de vida próprias da educação básica e os gestores das
administrações estaduais e municipais, mas também nas relações de poder que os
sistemas de ensino propiciam em face dos cargos e das funções de confiança, entre os quais
o da direção dos estabelecimentos (CURY, 2008, p. 1199). Ainda conforme Cury, temos
uma organização da educação nacional e não um sistema nacional. Nacional é a educação,
na forma federativa em que comparecem competências privativas, concorrentes e comuns
dos entes federativos. O que temos é uma pluralização dos sistemas e, conforme Cury
(2008, p. 1199),
coexistentes ao reconhecimento de estados, municípios, Distrito Federal e União como entes
federativos, teriam uma articulação mútua organizada por meio de uma engenharia consociativa
articulada por um regime de colaboração entre todos eles. Esta engenharia serviria como modo

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de se evitar a dispersão de esforços e como meio de se efetivar um regime federativo e


cooperativo na educação escolar.

De acordo com a Constituição Federal de 1988 o ensino público será ministrado com
base na gestão democrática, princípio ratificado pela Lei de Diretrizes e Bases (LDB)
9.394/96. Como destacado por Cury (2007), a gestão democrática da educação requer
transparência e impessoalidade, autonomia e participação, liderança e trabalho coletivo,
representatividade e competência. Expressa um anseio de crescimento dos indivíduos
como cidadãos e do crescimento da sociedade enquanto sociedade democrática (CURY,
2007, p. 12).
Em Portugal, conforme destacado por Lima (2014, p. 1068),
antes mesmo da Revolução do 25 de abril de 1974, a gestão democrática das escolas
representava já uma categoria do discurso político da oposição democrática e dos movimentos
estudantis, uma reivindicação claramente expressa durante as crises universitárias da década de
1960, com repercussões em toda a educação.

Gerir democraticamente uma escola é muito mais do que fiscalizar a escola, contribuir
financeiramente, cuidar de alunos no intervalo, ajudar no preparo da merenda e cuidar da
escola: “é buscar e materializar o sentido de consciência coletiva” (LIMA; ARANDA; LIMA,
2012, p. 159). Como destacado por Souza (2009, p. 125-126),
A gestão democrática é aqui compreendida, então, como um processo político no qual as
pessoas que atuam na/sobre a escola identificam problemas, discutem, deliberam e planejam,
encaminham, acompanham, controlam e avaliam o conjunto das ações voltadas ao
desenvolvimento da própria escola na busca da solução daqueles problemas. Esse processo,
sustentado no diálogo, na alteridade e no reconhecimento às especificidades técnicas das
diversas funções presentes na escola, tem como base a participação efetiva de todos os
segmentos da comunidade escolar, o respeito às normas coletivamente construídas para os
processos de tomada de decisões e a garantia de amplo acesso às informações aos sujeitos da
escola.

Lima (2014, p. 1068) destaca que a democratização das organizações educativas e dos
poderes escolares se afirma como uma importante contribuição para a própria
democratização dos regimes e das instituições políticas, da sociedade e da cultura.
Ao instituir a gestão democrática do ensino público, o documento legal inseriu a
sociedade civil no cenário, dessa vez, não mais como coadjuvante do processo de formação
histórico-política do país, mas como protagonista, importando, necessariamente, a
participação de todos os envolvidos na escola pública. A LDB faz a ressalva da garantia
deste princípio “na forma desta Lei e da legislação dos sistemas de ensino”. Reside aí uma
das questões mais complexas acerca da consolidação das formas de seleção dos diretores
das escolas públicas em âmbito nacional. Como estados e municípios também legislam, há
diferentes formas coexistindo para seleção de diretores das escolas nas diferentes redes
públicas. A aprovação do novo PNE e a atenção ao cumprimento da meta 19 e suas

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estratégias deverão constituir uma nova cultura e novos desenhos das políticas sobre os
processos de formação inicial e continuada de gestores escolares, de provimento do cargo
de diretor das escolas públicas no país e, ainda, das configurações das práticas colegiadas
nas escolas. Cabe ao MEC, em parceria com as secretarias estaduais, municipais e a
distrital, a realização de ações em cooperação para o cumprimento do Plano. E, não menos
importante, o acompanhamento na elaboração e implementação dos planos estaduais e
municipais de educação pelo país, alinhados ao PNE.
O Plano Nacional de Educação é uma política pública e se configura no resultado de
várias ações em diferentes contextos. Como definido por Mainardes (2006), política
pública é um ciclo contínuo constituído por três contextos principais: o contexto de
influência, o contexto da produção de texto e o contexto da prática. Esses contextos estão
inter-relacionados, não têm uma dimensão temporal ou sequencial e não são etapas
lineares. Cada um desses contextos apresenta arenas, lugares e grupos de interesse e cada
um deles envolve disputas e embates (MAINARDES, 2006, p. 50). Segundo o autor, é no
contexto de influência onde normalmente as políticas públicas são iniciadas e os discursos
políticos são construídos, e, ainda, é o local em que grupos de interesse disputam para
influenciar a definição das finalidades sociais da educação. Atuam nesse contexto, por
exemplo, as redes sociais dentro e em torno de partidos políticos, do governo e do
processo legislativo.
Conforme Mainardes (2006), “é também nesse contexto que os conceitos adquirem
legitimidade e formam um discurso de base para a política” (MAINARDES, 2006, p. 53). Os
textos políticos são o resultado de disputas e acordos, pois os grupos que atuam dentro
dos diferentes lugares da produção de textos competem para controlar as representações
da política e configuram o segundo contexto do ciclo, da produção do texto. As respostas a
esses textos têm consequências reais e essas consequências, afirma Mainardes, são
vivenciadas dentro do terceiro contexto, o contexto da prática.
O contexto da prática é o local em que a política está sujeita à interpretação, recriação
e onde produz efeitos e consequências que podem representar mudanças e
transformações significativas na política original. Logo, conforme esta abordagem, os
professores e demais profissionais exercem um papel ativo no processo de interpretação
e reinterpretação das políticas educacionais e, dessa forma, o que eles pensam e no que
acreditam têm implicações para o processo de implementação das políticas.
Minardes (2006) afirma ainda que, em 1994, Ball expandiu o ciclo de políticas
acrescentando outros dois contextos ao referencial original: o contexto dos resultados
(efeitos) e o contexto da estratégia política. O quarto contexto do ciclo de políticas – o
contexto dos resultados ou efeitos – preocupa-se com questões de justiça, igualdade e
liberdade individual. Conforme Mainardes, a ideia de que as políticas têm efeitos, em vez

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de simplesmente resultados, é considerada mais apropriada. O último contexto do ciclo é


o de estratégia política que envolve a identificação de um conjunto de atividades sociais e
políticas que seriam necessárias para lidar com as desigualdades criadas ou reproduzidas
pela política investigada. Essas questões estão intrinsicamente relacionadas aos sentidos
e significados que serão atribuídos pelos planos estaduais e municipais de educação acerca
da concepção de gestão democrática e ao provimento do cargo de diretor escolar a partir
do que foi determinado pelo Plano Nacional de Educação.
Em relação à aprovação do PNE, a última estratégia da meta 19 delineada pelo
documento diz respeito à formação de diretores e gestores escolares. Não ficou claro no
documento se há, efetivamente, uma diferença conceitual entre essas funções - o que faz o
diretor e o que faz o gestor escolar - uma vez que os documentos legais no Brasil ora
utilizam o termo gestor escolar ora se referem ao diretor escolar. Acredito que as funções
gestoras na escola são exercidas por diferentes profissionais como o diretor escolar, o
coordenador pedagógico, o supervisor escolar e o orientador educacional. Em face destas
definições, utilizarei o termo diretor escolar para me referir àquele que “dirige” a escola.
Segundo Lima (2012), antes mesmo da promulgação da Constituição Federal, alguns
estados e municípios já adotavam a eleição de diretores em suas redes de ensino como
corolário da democratização que pretendiam afirmar. Conforme a autora:
este processo, além de ter abrigado formas diferentes de procedimentos, não se manteve regular
e contínuo nestas redes de ensino. Isto porque, governos que ingressavam em novos mandatos,
declinavam muitas vezes deste mecanismo democrático de escolha, retomando as práticas
clientelistas que permitiam o loteamento de cargos públicos nas escolas. Apesar disso, estes
mecanismos foram crescentes até o início da década de 90, tornando-se inclusive pauta das
plataformas eleitorais de candidatos majoritários, os quais assumiam o compromisso com a
eleição de diretores, sob o acirramento das lutas dos movimentos dos professores, que
reivindicavam processos participativos na gestão escolar (LIMA, 2012, p. 8).

A diversificação de modelos de seleção para os diretores das escolas públicas após a


CF de 1988 ainda tem consequências para as redes públicas de ensino. A escolha para
diretor nas escolas sempre foi um assunto muito polêmico e discutido tanto nas redes
quanto entre especialistas da educação. O assunto encontra-se em grande evidência
também devido ao fato de ser, entre as outras práticas de administração da escola, aquela
que envolve um maior interesse dos governantes, pois é uma importante ferramenta de
cooptação pelo poder. Conforme destacado por Souza (2009, p. 124) “a gestão escolar,
pelas determinações legais, deve ser pautada pelo princípio e pelo método democráticos.
Todavia, há pouca clareza sobre o que significa a tradução de um em outro, na ação
concreta nas escolas públicas país afora”.
Os diretores escolares precisam ter visão orgânica da escola trabalhando de forma a
integrar diversos aspectos da gestão como o financeiro, o pedagógico, o comunitário e o
administrativo. Tais demandas ilustram que as formas de escolha do dirigente escolar e

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de provimento no cargo necessitam estar articuladas às atribuições e papéis que este ator
social desempenha na função e na disposição política que precisa desenvolver ao longo de
sua atividade.
Para entender melhor os processos de escolha para a direção da escola no Brasil é
importante conhecer as diferentes práticas que existem, atualmente, no país. Na nomeação
ou indicação, o diretor é escolhido pelo chefe do Poder Executivo, estando a direção no
mesmo esquema dos denominados “cargos de confiança”. Nessa condição, o diretor pode
ser substituído a qualquer tempo, de acordo com o momento político e as conveniências.
No caso do concurso público, o diretor é escolhido por meio de uma prova, geralmente
escrita e de caráter conteudista, e, também, através de uma prova de títulos. A
possibilidade de chegada ao cargo também pode ocorrer através da carreira na rede de
ensino, quando o diretor surge da própria instituição que o integra, por meio de seu plano
de carreira, fazendo especializações na área de administração e gestão. O diretor pode ser
escolhido pela eleição, que se baseia na vontade da comunidade escolar, por voto direto,
representativo, por escolha uninominal ou, ainda, por listas tríplices ou plurinominais. Já
no chamado esquema misto, o diretor é escolhido por diferentes combinações. Por
exemplo, mesclando provas de conhecimento com a capacidade de liderança e
administração, ou então, decidido em conselhos menores da escola. Nesses esquemas
mistos é comum a comunidade participar em alguma parte do processo.
Souza (2006) afirma que indicar política ou tecnicamente o dirigente escolar
pressupõe compreender a direção da escola pública como um cargo político de confiança
do governante municipal ou estadual ou como instrumento de compensação no jogo
político-eleitoral. O diretor é, neste caso, o governador ou o prefeito em menor escala e,
nesse sentido, tem antes de tudo a tarefa de chefiar uma repartição pública. Segudo o
autor, a compreensão do concurso público como critério para a escolha dos dirigentes
escolares pressupõe que a direção escolar é um cargo técnico, cujo ocupante o
desempenhará permanentemente. No entanto, essa escolha pode esvaziar o lado político
da função dirigente, especialmente porque a capacidade de liderança não parece ser um
elemento passível de ser avaliado por concurso de provas e títulos. Se a indicação não cabe
porque vincula de forma imediata e até espúria o diretor ao administrador público e ao
político profissional, e se o concurso público tecnifica a função política do diretor escolar,
então as eleições poderiam ser a solução. Ou, ainda, um esquema que somasse formação
qualificada, prova técnica e eleição com participação da comunidade escolar.
A forma como os diretores chegam à função de direção das escolas indica diferentes
compreensões do trabalho do diretor escolar. Conforme Paro (2003), a forma como é
escolhido o diretor tem papel relevante, ao lado de múltiplos outros fatores, seja na
maneira como tal personagem se comportará na condução das relações mais ou menos
democráticas na escola, seja pela sua maior ou menor aceitação pelos demais envolvidos

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nas relações escolares, seja na maior ou menor eficácia com que promoverá a busca de
objetivos, ou, ainda, nos interesses com os quais estará comprometido na busca desses
objetivos (PARO, 2003, p. 7-8).
A partir da leitura de Carvalho (2012), arrisco afirmar que encontramos aproximações
entre as formas de provimento do cargo de diretor escolar no Brasil e em Portugal. A
autora destaca que a nomeação dos diretores escolares significa a designação do titular de
um órgão pelo titular de órgão diferente e “permite-nos perceber os mecanismos de
favoritismo que o conceito de tráfego de influências, a par de outros, tão bem expressa”
(CARVALHO, 2012, p. 112). Conforme Carvalho, num cenário de nomeação enquanto
possibilidade no provimento ao cargo de diretor teríamos um modo de designação
convertido em instrumento a serviço do clientelismo político, bem como um mecanismo
que admite a possibilidade de termos profissionais de áreas distintas da educação a
assumirem o cargo. Segundo a autora, poderíamos afirmar que o diretor passaria a
significar o político e, por isso, dificilmente correria o risco de ver o seu trabalho avaliado
e a avaliação recairia muito mais sobre a sua lealdade partidária.
Já a modalidade de concurso público, enquanto método de escolha é o que melhor
representa o sistema de mérito, pois permite que sejam escolhidos os melhores candidatos
a partir de critérios de natureza técnica. Assim, a partir dele, se pode aferir sobre o grau e
especificidade de conhecimentos técnico e acadêmico do candidato para o exercício de
determinadas funções inerentes ao cargo.
Por fim, completa Carvalho, a escolha através da eleição direta salvaguarda os
interesses da maioria e, por isso, podemos considerar que a eleição pode ser um dos
métodos que incita a um maior comprometimento do eleito relativamente àqueles que o
elegeram e, em última instância, e no que à escola diz respeito, pode ser entendida como
um instrumento de luta contra o clientelismo e o autoritarismo. Concordo com a autora
em relação ao
reconhecimento de que se nenhum modo de escolha é neutro e, ainda, cabe lembrar que é
reducionista a ideia que faz assentar a gestão democrática da escola exclusivamente em
mecanismos eletivos, pois enquanto variável isolada não é garantia de democratização mesmo
porque não define, em termos absolutos, o tipo de gestão que o diretor irá adotar, ou seja,
como irá exercer essa mesma função, apesar de poder interferir (CARVALHO, 2012, p. 115).

Como destacado por Lima (2014, p. 1071), a eleição é democraticamente superior e,


de resto, mais favorável à possível combinação entre práticas de democracia direta e
práticas de democracia representativa nas escolas.
Destaco que, conforme o PNE, a expectativa do legislador é a de que em todas as redes
de educação básica seja fortalecida a constituição de grêmios estudantis e associações de
pais, assegurando, inclusive, espaços adequados e condições de funcionamento nas

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escolas e fomentando a sua articulação orgânica com os conselhos escolares por meio das
respectivas representações.
O modo de escolha para o diretor, seja no Brasil ou em Portugal, diz muito da natureza
das relações que ocorrem na escola e não deixa de ser reveladora do tipo de sociedade em
que se insere.

2. PERSPECTIVAS CONTEMPORÂNEAS PARA O PROVIMENTO DA


FUNÇÃO DE DIRETOR ESCOLAR NAS ESCOLAS PÚBLICAS
No Brasil, em 2006, o Conselho Nacional de Educação aprovou as Diretrizes
Curriculares Nacionais para curso de Pedagogia e, conforme o artigo 2º do documento,
as Diretrizes Curriculares para o Curso de Pedagogia aplicam-se à formação inicial para o
exercício da docência na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, nos
cursos de Ensino Médio, na modalidade Normal, e em cursos de Educação Profissional na área
de serviços e apoio escolar, bem como em outras áreas nas quais sejam previstos
conhecimentos pedagógicos. A formação oferecida abrangerá integralmente a docência, a
participação da gestão e avaliação de sistemas de instituições de ensino geral, e a elaboração, a
execução, o acompanhamento de programas e as atividades educativas (BRASIL, 2006).

Nesse sentido, o curso de Pedagogia deixaria de conceder habilitações e passaria a


preparar o profissional de pedagogia generalista. O pedagogo deveria passar a ser
formado para atuar dentro e fora de sala de aula, em contextos escolares e não escolares.
Com isso, o pedagogo deveria ser mais contextualizado com as mudanças da sociedade
uma vez que o mesmo estuda diversas áreas do conhecimento como história, psicologia,
sociologia, filosofia e política, além dos contextos da educação no campo, educação
inclusiva, e os diversos espaços em que ocorrem práticas educativas. Esperava-se, nesse
sentido, que o egresso do curso de Pedagogia, entre diversas outras atuações, estivesse
apto a ser diretor de uma escola de educação básica, seja na rede pública ou na rede
privada.
Segundo Carvalho (2012, p. 103), em Portugal, o processo a partir do qual o diretor é
escolhido para desempenhar o cargo, no âmbito do que são as suas atribuições e
competências, converteu-se em uma questão determinante para todos os atores
educativos, em particular para os professores. Ainda segundo a autora, é indiscutível que
a atuação do diretor é central para a concretização da democracia na escola. Carvalho
afirma que:
é sobre os diretores que recai a responsabilidade de orientar toda a comunidade escolar, com
destaque para professores, alunos e pais, motivo pelo qual se mostra estritamente necessário
que possuam uma ideia precisa sobre o tipo de aprendizagem e de ensino que querem que as
suas escolas veiculem o que obriga a que tenham conhecimento sobre os tipos de prática que
possa efetivar tal propósito (CARVALHO, 2012, p. 202).

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Conforme Silva (2007), em Portugal, não existe um programa nacional de formação


para os administradores das escolas e o sistema de formação tem funcionado de modo
descentralizado, com base na autonomia das instituições formadoras e com alguma
coordenação, essencialmente de tipo formal, da parte do Conselho Científico-Pedagógico
da Formação Contínua. Recentemente, a tentativa do Instituto Nacional de Administração
e do Ministério da Educação através da Direção Geral da Administração Educativa de
darem ao seu "Curso de Valorização Técnica Orientada para a Administração Escolar" o
estatuto de formação especializada, evidencia o desejo, ainda que embrionário, de criação
de um programa nacional de formação de administradores escolares em Portugal. No
entanto, destaca Silva, o modo como as entidades promotoras têm vindo a apresentar o
seu projeto tem levantado resistências por parte das universidades portuguesas com mais
experiência de formação na área.
Como destacado por Carvalho (2012), em Portugal, o Decreto-Lei nº 75/2008
expressa a importância de reforçar as lideranças das escolas através da criação da figura
do diretor, a quem serão atribuídas as responsabilidades pela prestação do serviço público
de educação e pela gestão dos recursos públicos postos à disposição da organização que
superintende. No âmbito das práticas na escola, o diretor muitas vezes acaba tendo um
perfil de um gerente geral ou um superintendente que executa e organiza a burocracia.
Nesse contexto, os diretores são pessoas chave no processo de consolidação de um
espaço de participação coletiva de todo o corpo social envolvido na aprendizagem dos
alunos: gestores escolares; alunos; pais; famílias; funcionários técnico-administrativos;
poderes executivo e legislativo.
Martins (2011) argumenta que em Portugal, conforme o decreto-lei n. 75/2008, são
órgãos de administração das escolas o conselho geral, o conselho pedagógico e o conselho
administrativo. A assembleia de escola contida no decreto-lei n. 115-A/98 foi substituída,
no atual decreto-lei, pelo conselho geral (com duração de quatro anos), que aumenta a
representação parental/comunitária e elege o diretor de escola (também com mandato de
quatro anos, podendo ser reconduzido), em regime de comissão de serviço, com dedicação
exclusiva. Entre outros aspectos, destacamos: maior distribuição dos mandatos e
impedimento de grupos representados ocuparem a maioria dos lugares, pois são dois
alunos, sete professores, quatro pais, dois funcionários e três representantes da autarquia
local (indicados pelos outros 18 representantes internos da escola). Pelo decreto-lei n.
115-A/98, a direção da escola poderia ser colegiada ou unipessoal (presidente e vice-
presidente executivo), remetendo a escolha para o regulamento de cada escola. Segundo
a autora, a maior parte das unidades optou pelo colegiado.
Martins (2011) afirma que conforme o decreto-lei n. 75/2008, a gestão passa a ser
unipessoal, o diretor tem de ser professor de qualquer área do conhecimento, pode ser da

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rede particular, deve apresentar um projeto de intervenção e ter experiência em mandato


de gestão. Após a homologação da indicação, o diretor escolhe seu subdiretor e os
adjuntos, o que pode gerar uma ampliação dos subgrupos de interesses intramuros
escolares. Outro problema reside no fato de o candidato ter de apresentar um projeto,
examinado por comissão designada (concursal), podendo criar constrangimento,
portanto, para a autonomia do conselho geral. Segundo o decreto-lei n. 75/2008, o
conselho pedagógico, formado por 15 membros (já existente no decreto anterior), pais,
alunos (estes últimos do ensino secundário, eleitos anualmente) e encarregados da
educação passam a integrar o órgão, sendo que a presidência é exercida pelo diretor.
Como afirmado por Lima (2014, p. 1071) “pesquisas realizadas ao longo das últimas
três décadas no contexto das escolas portuguesas permitiram o estabelecimento de uma
forte associação teórica entre gestão democrática e eleição, colegialidade, participação na
decisão”. Trata-se, acrescenta o autor, “de três dimensões consideradas cruciais,
certamente associadas a outras também relevantes, mas, em todo o caso, dependentes
daquelas ou a elas subordinadas” (LIMA, 2014, p. 1071).

3. A SELEÇÃO DOS DIRETORES DA REDE ESTADUAL DO RIO DE


JANEIRO
O Estado do Rio de Janeiro possui um Plano Estadual de Educação (PEE) aprovado
através da Lei Estadual Nº 5.597/2009 e coube a uma Comissão Técnica iniciar os
procedimentos para a adequação do antigo plano alinhado à Lei 13.005/2014 (PNE). Para
tanto, o Estado do Rio de Janeiro, através da Secretaria de Estado de Educação (SEEDUC),
com a assessoria da Secretaria de Articulação com os Sistemas de Ensino SASE/MEC, deu
início aos trabalhos de confecção de uma minuta do Documento Base.
Dentre as 20 metas estipuladas na minuta do PEE, destacamos a meta 19 que prevê,
em consonância com a meta 19 do PNE, assegurar condições, no prazo de 2 (dois) anos,
para a efetivação da gestão democrática da educação, no âmbito das escolas públicas.
Conforme o documento, a Constituição Federal de 1988 determina que a educação se
constitua “direito de todos e dever do Estado e da família” (Art. 205). No entanto, este
direito só se realiza de fato quando associado a fontes sólidas e estáveis de recursos. A
ausência de financiamento (ou a sua escassez) torna inócuos os direitos do cidadão. No
texto da Lei Maior o financiamento da educação é tratado diretamente no art. 212, que
prevê a vinculação de recursos: “a União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e
os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita
resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e
desenvolvimento do ensino”.

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Conforme o documento base do PEE do Rio de Janeiro, no que tange especificamente


à gestão da educação, a Constituição Federal de 1988 preconiza que a gestão democrática
se constitui em um dos princípios do ensino público (Art. 206, inciso VI), princípio este
reiterado na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Art. 3°, inciso VIII). Ainda
conforme a LDB, os sistemas de ensino deverão definir as normas da gestão democrática
do ensino público na Educação Básica de acordo com as suas peculiaridades e respeitando
os princípios da participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto
pedagógico da escola, além da participação das comunidades escolar e local em conselhos
escolares ou equivalentes (Art. 14, incisos I e II).
No caso do Estado do Rio de Janeiro, composto por 92 municípios, a heterogeneidade
social e cultural refletida na escola pública demanda enormes desafios, mas,
simultaneamente, cria a possibilidade de um aprendizado de convivência democrática. Até
julho de 2016, momento em que expirou o prazo dos entes federados aprovarem seus
respectivos planos de educação, o estado do Rio de Janeiro ainda não teve o seu plano de
2009 revisto, aprovado na Assembleia Legislativa e sancionado pelo governador. No
entanto, em maio de 2016 foi aprovada a Lei Nº 584/2015 que dispõe sobre o
estabelecimento de processos consultivos para a indicação de diretores e diretores
adjuntos das instituições de ensino integrantes da rede da Secretaria de Estado de
Educação e da Fundação de Apoio à Escola Técnica (FAETEC).
Cabe destacar que a Lei foi aprovada em um contexto político/econômico de muitas
tensões e conflitos que o estado do Rio de Janeiro tem atravessado no último ano. Salários
e aposentadorias de servidores estão atrasados, a Universidade do Estado do Rio de
Janeiro (UERJ) bem como a rede de educação básica do estado permaneceram em greve
por mais de quatro meses, parte das escolas estaduais esteve ocupada por alunos que
foram colocados compulsoriamente em férias no mês de maio – e outra parcela de escolas
funciona precariamente. No movimento de ocupação dos estudantes - inclusive da sede da
SEEDUC – foi apresentada uma série de reivindicações e, dentre elas, a eleição de diretores
das escolas. Nesse aspecto, destacamos que a aprovação da lei pela Assembleia Legislativa
com tamanha celeridade reflete, entre outras tensões, a escuta aos estudantes da rede
estadual.
Conforme a Lei aprovada, o Poder Executivo, a quem compete nomear e
exonerar diretores e diretores adjuntos das unidades escolares promoverá processos
consultivos para a indicação de professores para estes cargos de acordo com o disposto na
lei. Para candidatar-se, o professor deverá, entre outros requisitos, contar, no mínimo, com
2 (dois) anos de magistério público, com pelo menos 1 (um) ano de regência de turma;
estar em exercício na unidade escolar ou dela não estar afastado por mais de 1 (um) ano;
ser membro efetivo do magistério público estadual; ter sido aprovado no curso de gestão
escolar oferecido pela Secretaria de Estado de Educação; apresentar um Plano de Gestão

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para a escola aprovado pela comissão competente; ter curso superior ou pós-graduação
na área de educação ou de gestão escolar. Os planos de gestão dos candidatos às direções
das escolas serão analisados por bancas formadas por professores da rede estadual de
ensino indicadas pela SEEDUC.
São eleitores os professores e os servidores públicos com funções administrativas,
lotados e em efetivo exercício na unidade escolar; os alunos matriculados na unidade
escolar que tenham, no mínimo, 12 (doze) anos de idade; um responsável por aluno menor
de 12 anos. Os votos serão ponderados na proporção de 50% (cinquenta por cento) do
total de votantes dos segmentos professor e servidor administrativo e 50% (cinquenta por
cento) do total de votantes dos demais segmentos.
A proposta aprovada pelo estado do Rio de Janeiro se configura no chamado esquema
misto, em que o diretor é escolhido por diferentes combinações e, no caso em destaque,
mesclou-se o requisito mínimo de nível superior, a aprovação no curso de gestão, a
avaliação de um plano de gestão e a exigência do candidato ser docente da escola. Por fim,
esses candidatos a diretor e diretor adjunto serão submetidos à eleição pela comunidade.
Destacamos, com base em Marques (2012, p. 1190), que a direção da escola, por seu
papel de liderança, “tem decisiva importância na construção da cultura da organização
escolar, dispõe de um tempo determinado de exercício do mandato e, portanto, a mudança
de dirigente pode se constituir em um fator indutor de mudança na cultura da escola”.

4. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Em relação ao perfil dos diretores das escolas públicas brasileiras, atualmente,
podemos dizer que há uma tendência maior à profissionalização dos candidatos a diretor
escolar. Lück (2011) acredita que a tendência mundial aponta para a profissionalização já
que, segundo a autora, o que se percebe ao estudar o acesso ao cargo em outros países é
que as exigências técnicas e a formação estão cada vez mais presentes nos processos de
escolha dos diretores.
Não há consenso se a exigência de formação técnica pode ser considerada dentro do
perfil do que se espera de uma gestão democrática porque não permite que qualquer
candidato participe do processo de eleição. Segundo Drabach (2013), o crescimento da
forma mista de escolha de diretores parece materializar os princípios da democracia
gerencial. A autora indaga se a aferição da competência técnica dos candidatos a diretores
de escola seria capaz de garantir as condições necessárias para que o diretor administre
de forma eficiente e eficaz os recursos humanos e materiais que estarão a sua disposição.
No entanto, a comunidade não deixou de participar do processo de escolha, porém
participou a partir de uma pré-seleção realizada gerencialmente, constituindo-se mais no
sentido de uma legitimação do que de uma participação democrática propriamente dita.

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Lück (2011) afirma que a certificação se constitui num sistema que possibilita
identificar, promover e gerir os saberes que devem ser mobilizados pelos profissionais
para atuarem de modo a contribuir para a efetividade e melhoria da qualidade da
Educação, tendo os interesses de aprendizagem e desenvolvimento dos alunos como
premissa básica (LÜCK, 2011, p. 79). Para a autora, isso significa dizer que mais
importante do que a participação da comunidade na escolha é saber se o diretor é
competente tecnicamente para a função. Assim, finaliza, a forma de escolha de diretores
através do processo misto parece sintonizar-se com a lógica da democracia gerencial.
Lück (2011) afirma que é amplamente praticado o recrutamento de professores para
ocuparem o cargo ou função de diretor escolar. Segundo a autora,
essa prática revela dois pressupostos que vale a pena explicitar, de modo a compreender suas
possibilidades e limitações: i) bons professores se tornam bons diretores escolares; ii) o trabalho
do diretor escolar se assenta especialmente sobre o processo ensino aprendizagem (LÜCK,
2011, p. 36).

Lück afirma que esses pressupostos são desmentidos em muitas situações já que é
possível identificar um grande número de bons professores que não se tornam bons
diretores, assim como é possível observar que uma proporção acentuada de diretores
dedica-se mais aos trabalhos administrativos do que aos pedagógicos, descuidando da
função principal da escola: a aprendizagem do aluno. Finaliza afirmando que é possível
observar que muitos professores, ao se tornarem diretores escolares, envolvem-se
prioritariamente em trabalhos de natureza administrativa e esquecem o foco da qualidade
dos processos de ensino e de aprendizagem, deixando-o inteiramente sob a liderança de
coordenadores e supervisores pedagógicos (LÜCK, 2011, p. 36).
Destacamos que, ainda que possam apresentar a necessidade de ajustes, conforme
Lima (2014), a eleição de diretores é, do ponto de vista democrático, uma opção mais
coerente para as escolas públicas e, como afirma o autor, “mais favorável à possível
combinação entre práticas de democracia direta e práticas de democracia representativas
nas escolas” (LIMA, 2014, p. 1071). Mas, só a direção isolada, mesmo que eleita, não
garante a construção e consolidação da gestão democrática. A demanda deve ser pela
participação e pela colegialidade. Como destacado por Lima (2014, p. 1072), “só o poder
de decidir confere pleno sentido às práticas de governo democrático das escolas,
rompendo com encenações participativas, com rituais, processos e métodos formalmente
democráticos, mas a que falta substantividade democrática”.
Por fim, não podemos deixar de ressaltar o quão inusitado é o estado do Rio de Janeiro
ter uma lei que disciplina e regulamenta o processo de provimento de diretores nas
escolas públicas da rede sem, contudo, ter um plano estadual de educação aprovado
alinhado ao PNE. Ou seja, a lei que regulamenta o plano foi aprovada antes do próprio
plano. Cabe, futuramente, acompanhar de que forma as escolas estaduais no Rio de Janeiro

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Amaral, D. P. Gestão democrática 92

irão iniciar os processos de provimento das direções das escolas nesse novo modelo
desenhado pela legislação.

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