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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA – ICHF


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA – PPGS

GLAUBER ROCHA: OLHARES ACADÊMICOS SOBRE UM CINEASTA

ARTHUR ARANTES SOUZA

Niterói – RJ

2017
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA – ICHF
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA – PPGS

GLAUBER ROCHA: OLHARES ACADÊMICOS SOBRE UM CINEASTA

ARTHUR ARANTES SOUZA

Dissertação apresentada ao Programa de


Pós-Graduação em Sociologia da
Universidade Federal Fluminense como
requisito parcial para obtenção do título de
mestre em Sociologia.

ORIENTADORA: LÍGIA DABUL

CO-ORIENTADORA: ELISKA ALTMANN

Niterói - RJ

2017

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FICHA CATALOGRÁFICA

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ARTHUR ARANTES SOUZA

GLAUBER ROCHA: OLHARES ACADÊMICOS SOBRE UM CINEASTA

Dissertação apresentada ao Programa de


Pós-Graduação em Sociologia da
Universidade Federal Fluminense como
requisito parcial para obtenção do título de
mestre em Sociologia.

Aprovada no dia 8 de junho de 2017

BANCA EXAMINADORA

Profª. Drª. Lígia Dabul – UFF


Orientadora

Profª. Drª. Eliska Altmann – UFRRJ


Co-orientadora

Prof. Dr. Luis Carlos Fridman – UFF

Prof. Dr. Frederico Coelho – PUC-RJ

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Agradecimentos e uma dedicatória

Dedico este trabalho e todos os outros ao meu amigo Matheus Liberato que sempre estará
comigo. Sua felicidade e positividade foram um incentivo para continuar em frente.

Agradeço especialmente a minhas orientadoras Professora Lígia Dabul e Professora Eliska


Altmann pela paciência e por todo o apoio neste processo. .

Agradeço ao meu pai Admilson, minha mãe Sandra e ao meu irmão André, que foram minhas
montanhas em minha aventura no mar.

Agradeço ao grande Pedro Alves, por me salvar nesta reta final.

Agradeço também a minhas tias Maria e Astride, que desde sempre ofereceram toda ajuda
necessária.

Agradeço ao Professor Luis Fridman por suas contribuições na qualificação e por aceitar
compor a banca. Agradeço ao Professor Antônio Brasil pelas suas considerações na
qualificação. Agradeço ao professor Frederico Coelho por aceitar estar na banca de defesa.

Agradeço a todos os amigos e amigas que foram responsáveis por tornar tudo mais leve e
divertido: à Gente da Gente, aos Etílicos, 10-4, Conas, e às pessoas especiais que convivi e
conheci no Rio de Janeiro, em especial Mariane, Raul, Kênia, Pedro, Felipe, Rudolph,
Marccela, Camilla, Fernanda e Henrique.

Agradeço a CAPES por proporcionar os meios materiais necessários à produção desta


dissertação.

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RESUMO
Este trabalho trata das teses e dissertações produzidas entre 2006 e 2015 e que têm como objeto
de pesquisa o cineasta baiano Glauber Rocha. O primeiro capítulo localiza as teses e
dissertações quanto as disciplinas de estudo, instituições e estados em que são produzidas, além
de discutir a forma como alguns trabalhos justificam sua escolha como objeto de pesquisa. No
segundo capítulo uma pesquisa exploratória demonstra as especificidades de cada uma das
disciplinas com o maior número de estudos sobre o cineasta quanto ao trado de seu objeto. É
discutido a importância da relação entre cinema e política nas pesquisas, bem como a forma
como cada área trata a questão. No terceiro capítulo há a discussão das representações sociais
sobre o diretor que são mobilizadas pelos pesquisadores. Argumento que a limitação no número
de representações sociais é causado pela existência de um campo de estudos estabelecidos sobre
o diretor que legitima certas categorias, conceitos e ideias.

Palavras-chave: Glauber Rocha, cinema, objeto científico

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SUMÁRIO
Introdução--------------------------------------------------------------------------------------------------8
1. Glauber Rocha: um objeto científico-----------------------------------------------------------13
1.1 A geografia dos estudos sobre Glauber Rocha-------------------------------------------17
1.2 A construção de Glauber Rocha como objeto de pesquisa-----------------------------30
1.2.1 Análise das justificativas-----------------------------------------------------------32
2. Um cineasta visto pela ciência------------------------------------------------------------------40
2.1.1 Letras---------------------------------------------------------------------------------41
2.1.2 História-------------------------------------------------------------------------------47
2.1.3 Ciências Sociais---------------------------------------------------------------------52
2.1.4 Comunicação Social----------------------------------------------------------------55
2.1.5 Outras áreas--------------------------------------------------------------------------57

2.2 Arte engajada politicamente: o tema dominante---------------------------------------59

3. Representações mentais sobre Glauber Rocha--------------------------------------------------65


3.1 Algumas questões metodológicas---------------------------------------------------------67
3.1.1 Uma breve descrição das teses------------------------------------------------------71
3.1.2 Demonstrando as representações mentais------------------------------------------75
3.2 O campo de estudos sobre Glauber Rocha: questões metodológicas-----------------87
3.2.1 O campo de estudos sobre Glauber Rocha: discussão dos dados----------------88

Conclusões------------------------------------------------------------------------------------------------93
Referências Bibliográficas------------------------------------------------------------------------------99

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INTRODUÇÃO
A vida de certos indivíduos proeminentes exerce fascínio sobre as pessoas “comuns”.
Muitas vezes suas histórias se tornam narrativas fantásticas, seja pelos biógrafos, por si
próprios, ou através dos meios de comunicação de massa, como revistas, televisão e jornais. É
certo que o culto aos “olimpianos”, como descreve Morin (2002), está impresso no nosso
imaginário, alimentando nossos sonhos. Esta pesquisa nasceu de um desses interesses
descompromissados pela vida de uma figura pública que eu admirava e considerava importante.

O cineasta baiano Glauber Rocha (1939-1981) foi um indivíduo que me interessou pois
o considerava possuidor de uma postura combativa no que diz respeito à composição de sua
obra e de seu lugar entre os cineastas do Brasil e do mundo. Meu primeiro contato com ele foi
através de seu filme O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro (1969) que assisti ainda
no começo da graduação. Ali tive a impressão de que muitas coisas daquilo que lemos e
ouvimos nos cursos de Sociologia e Antropologia podem ser representadas através da arte com
tanto ou mais qualidade. A relação entre aquelas imagens sublimes e o problema do interior do
Brasil me cativou instantaneamente, o que me levou a procurar histórias, relatos e notícias sobre
sua vida. Quando botei as mãos no livro A Primavera do Dragão (2011), de Nelson Motta, tive
a certeza que gostaria de prosseguir meus estudos na área de Ciências Sociais através de sua
vida e seu cinema, apesar de todas as críticas que este livro possa merecer. Seu engajamento
político, a disposição criativa e energia, como descrita pelo autor, me atraiu para o que completo
com este trabalho. Ao me engajar mais nas leituras, me interessei pelo auge da sua atividade
intelectual, política e artística, que acontece justamente em um dos períodos mais marcantes de
nossa história, a Ditadura Militar, fato que transformou profundamente uma série de estruturas
sociais e trajetórias de indivíduos como o diretor. Glauber foi um artista com um projeto político
e social que buscava intervir na realidade, como apontado por Ismail Xavier,

sabemos que Glauber Rocha, como outros artistas daquela época, trazia
consigo o imperativo da participação no processo político-social, assumindo
inteiramente o caráter ideológico de seu trabalho – ideológico em sentido
forte, de pensamento interessado e vinculado à luta de classes. Afirmava então
o desejo de conscientizar o povo, a intenção de revelar os mecanismos de
exploração do trabalho inerentes à estrutura do país e a vontade de contribuir
para a construção de uma cultura nacional-popular (XAVIER, 2007, p.15).

Deste modo, seus filmes carregam uma visão de mundo, um posicionamento perante a
realidade. Eles seriam a interpretação do concreto a partir da prática artística e produziria uma
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explicação do mundo, recorrendo aos recursos que tinha à sua disposição para lançar luz sobre
as questões que se dispunha a debater. Neste sentido, sempre foi clara para mim uma
aproximação da arte de Glauber Rocha com a sociologia. Se seriam diferentes pelos
procedimentos e pelo grau de liberdade ao tratar as questões, ambas pretendem ser dimensões
do entendimento.

Na altura em que iniciei a pesquisa, o meu objetivo era identificar a visão de mundo
criada por Glauber Rocha a partir dos seus filmes: os seus personagens, cenários e sua narrativa
representavam o quê? Unia a isso um estudo de trajetória: afinal, parte da literatura sociológica,
como Pierre Bourdieu (2008b), aponta a importância de se observar a experiência social, as
afiliações, os afastamentos e as potências exercidas pelos artistas, além do contexto histórico,
para entender o que suas obras projetam na realidade, e de que forma isso se dá.

Durante as reuniões de orientação e a revisão bibliográfica começamos a perceber a


quantidade elevada de trabalhos que propunham a mesma tarefa: compreender e analisar a vida
e obra de Glauber Rocha. Ao me aprofundar nas obras tive a percepção de que não seria capaz
de adicionar nada novo, de que tudo que deveria ser dito sobre a trajetória e filmografia do
diretor já havia sido dito e eu apenas iria reproduzir uma série de afirmações mais ou menos
aceitas – impressão compartilhada com minhas orientadoras, que viram um campo de estudos
saturado.

Assim, a partir dessas reuniões um novo problema de pesquisa começou a tomar forma,
e começamos a nos perguntar o que unia estes trabalhos, metodológica e discursivamente. De
maneira mais bem acabada, a pergunta que motiva a realização desta investigação é: quais
representações sociais – mobilizadas pelos pesquisadores em diversos campos – fortalecem
uma percepção sobre Glauber Rocha? Desta forma, este trabalho deixa de lado os aspectos
artísticos e de trajetória para uma pesquisa sobre a forma como as ciências humanas tratam
Glauber Rocha como objeto. Tal questionamento coloca os referenciais da sociologia da arte e
da cultura de lado, para transformar a dissertação em um trabalho de Sociologia do
conhecimento, focado em entender a forma como outros pesquisadores constroem seu objeto e
mobilizam ideias.

Com um novo objetivo, um novo recorte foi necessário. Não mais me preocupei em
analisar dados biográficos e trabalhar com a análise fílmica. Estabeleci como objeto teses e
dissertações que tivessem o diretor como foco dos seus esforços científicos. Em primeiro lugar,
este recorte se dá por reconhecimento: por ser um pesquisador em formação, imaginei que meus
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interlocutores passaram em diversos momentos pelos mesmos desafios que encontrei durante
minha trajetória. Em segundo lugar, a pós-graduação é uma das instâncias que conferem
legitimidade, tanto a um pesquisador, quanto aos objetos, e também a certas referências
bibliográficas que se tornam canônicas. Manuel Palacios da Cunha e Melo (1999) faz um
caminho semelhante, apesar de infinitamente mais árduo: a partir de dados de teses,
dissertações, currículos disciplinares e revistas especializadas, observa quais são os autores
chave para entender as Ciências Sociais brasileiras. Dentre as várias justificativas para seu
trabalho

a primeira diz respeito à existência de um conjunto de obras reconhecidas pela


pós-graduação como referências consensuais da área de ciências sociais,
sendo particularmente relevantes para este estudo aquelas que tomam por
objeto a sociedade brasileira (MELO, 1999, p.50).

Assim, parto da ideia de que a pós-graduação pode fornecer evidências de que, no pensamento
contemporâneo sobre Glauber Rocha, há o estabelecimento de certas representações sociais e
certos autores, de modo que grande parte do que é dito e pesquisado sobre o diretor é consagrado
por um grupo restrito de autoridades sobre o assunto que compõem um campo de estudos.

As teses e dissertações escolhidas foram as publicadas entre 2006 e 2015. Fiz este
recorte motivado pela determinação da CAPES de que as universidades deveriam manter uma
cópia online dos textos defendidos a partir do ano de 2006. Assim, minha pesquisa foi feita nas
bases das universidades federais e estaduais, além da base do Instituto Brasileiro de Informação
em Ciência e Tecnologia – IBICT – que reúne publicações de diversas universidades brasileiras.
Meu parâmetro de busca foi “Glauber Rocha” nos títulos, resumos e palavras-chave. A partir
desta pesquisa, identifiquei 44 obras sobre o diretor, sendo 14 teses e 30 dissertações, que
compõem o universo desta pesquisa e que são utilizadas para testar as hipóteses que foram
levantadas.

Minha investigação se pauta em duas hipóteses: minha primeira hipótese afirma que as
teses e dissertações mobilizam um número limitado de representações sociais sobre Glauber
Rocha, fazendo com que haja uma semelhança argumentativa entre elas. A segunda explica que
este fenômeno é causado por existir um campo estabelecido de estudos sobre Glauber Rocha
no qual poucos autores possuem legitimidade da produção destas representações sociais.

A inspiração teórica para estas hipóteses vem de Pierre Bourdieu. O autor defende que
existem representações mentais, ou seja, percepções arraigadas na realidade que dão sentido
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objetivo a certas construções sociais. Para ele, estas representações mentais se estabelecem a
partir do embate entre atores, dentre os quais alguns são autorizados a produzir tais percepções
(BOURDIEU, 2008a). Tomando a ciência como objeto, Bourdieu utiliza a sua teoria do campo
social, que são espaços sociais de disputa por legitimidade, para explicar que neste campo existe
um embate de forças entre seus atores e instituições, nos quais os vencedores possuem o
domínio na produção das regras e dos conhecimentos intrínsecos a este mesmo campo
(BOURDIEU, 2004). Assim, há uma clara relação entre a adesão a certas ideias e a quantidade
de poder relativo de quem as produz.

Para apresentar o material que levantei, as análises que fiz buscando complexificar a
discussão e verificar minhas hipóteses, organizei a dissertação em três capítulos. No capítulo 1,
Glauber Rocha: um objeto científico, trago informações relativas às dissertações e teses
encontradas sobre o diretor. O objetivo deste capítulo é contextualizar o leitor com relação ao
meu objeto. Demonstro em qual área das ciências o diretor é mais estudado, levando em
consideração o total de defesas em cada uma delas no mesmo período. Trago, além, dados sobre
quais universidades e estados do Brasil mais o estudaram, bem como quais anos se concentram
a maior parte da produção. Faço uma comparação do número de estudos sobre Glauber Rocha
e outros nomes do Cinema Novo, movimento cinematográfico ao qual o cineasta era afiliado,
para demonstrar a sua importância enquanto objeto científico. Neste capítulo também trabalho
a forma como alguns autores justificam a escolha do diretor como objeto de pesquisa.

O capítulo 2, Um cineasta visto pela ciência, trata a forma como cada uma das quatro
áreas com o maior número de teses e dissertações – Letras, História, Ciências Sociais e
Comunicação Social – organizam o conhecimento sobre Glauber Rocha. Este capítulo é um
capítulo descritivo, no qual demonstro que cada área possui diálogos e afastamentos entre si,
mas, sobretudo, resguardam especificidades, de acordo com suas próprias agendas de pesquisa.
Para tal, recorro aos resumos apresentados em cada tese e dissertação, bem como às palavras-
chave utilizadas em cada área para observar se há a recorrência temáticas.

No capítulo 3, Representações mentais sobre Glauber Rocha, abordo minhas


hipóteses principais: a de que há um conjunto predominante de representações mentais sobre o
diretor, que são explicadas pela existência de um campo estabelecido e legitimado de estudos
sobre o assunto. Este capítulo se divide em duas partes principais: uma parte qualitativa e outra
quantitativa. Minha análise qualitativa tem o objetivo de demonstrar quais são essas
representações mentais e como os pesquisadores as mobilizam em seus textos. Meu método de

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análise é a análise de conteúdo. A análise de conteúdo é um conjunto de técnicas que podem
ser utilizadas pelo sociólogos na pesquisa de elementos comunicativos e textuais, possibilitando
maior margem para generalizações (BARDIN, 1979). Para auxiliar a pesquisa, utilizei o
software de análise qualitativa Nvivo 11.

Na segunda parte do capítulo demonstro que há um número limitado de autores e autoras


que circulam nos trabalhos estudados e que constituem um campo legitimado e legitimador que
são mobilizados pelas teses, fornecendo as representações mentais mais utilizadas. Este estudo
está embasado no que Ginzburg (2009) chama de ciência indiciária. A ciência indiciária utiliza
como fonte elementos que seriam secundários à análise. Dando o exemplo da medicina, o autor
argumenta que os médicos não atacam diretamente a doença, mas parte dos sintomas, elementos
aparentemente secundários, para entender o que se passa com o todo. Desta forma, utilizo
evidências bibliográficas, o que Melo (1999) chama de análise bibliométrica, para argumentar
que há um restrito número de autores que são relevantes e influentes nos estudos de Glauber
Rocha, e que, por isso, certas percepções se sobrepõem a outras.

Sociólogos como Bourdieu (2004) acreditam que as ciências fazem parte de uma série
de relações sociais, ou seja, são construídas socialmente – não possuem uma existência
autônoma daqueles que estão envolvidos na sua produção, quer sejam cientistas ou instituições.
Dito isto, meu trabalho se justifica por trazer ferramentas que possibilitam o entendimento da
produção científica. Busco fugir da armadilha de considerar que a ciência seleciona os melhores
conteúdos e colhe os melhores resultados. Há, seguindo esta linha, uma cadeia de influências
políticas e sociais que serão articuladas pelos pesquisadores e estarão presentes no produto final
de seus trabalhos. Espero que, de maneira tímida, esta dissertação possa entabular um diálogo
com outras investigações da sociologia do conhecimento e fornecer algumas soluções para
problemas que possam surgir.

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CAPÍTULO 1: GLAUBER ROCHA: UM OBJETO CIENTÍFICO

João Carlos Teixeira Gomes (1997) reúne algumas das alcunhas pelas quais o cineasta
Glauber Rocha foi chamado durante a sua carreira: “exótico”, “louco”, “demente”, “esotérico”,
“barroco” e “frágil tirano” são apenas amostras da personalidade multifacetada do diretor visto
pelos seus interlocutores, aliados e adversários. Para além do pitoresco e do folclórico, Glauber
Rocha foi um artista respeitado no Brasil e internacionalmente. Seu debute internacional se deu
com Deus e o Diabo na Terra do Sol (1963), filme aclamado no festival de Cannes (GOMES,
1997). Em 1969 confirma-se como um dos grandes cineastas com o prêmio de melhor diretor
no mesmo festival (GOMES, 1997). Em 2015 a Associação Brasileira de Críticos de Cinema
(ABRACCINE) elegeu os cem maiores filmes nacionais com Deus e o Diabo na Terra do Sol
(1964), Terra em Transe (1967), O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro (1969), Idade
da Terra (1980) e Di (1977) na lista. Por outro lado, em 1980, Glauber Rocha, de maneira
intempestiva, parte precocemente do festival de Veneza, denunciando o júri, acusando a crítica
europeia de fazer mal julgo de seu último filme Idade da Terra (1980). Morre pouco tempo
depois, em 1981, e seu velório vira filme: Glauber o filme, Labirinto do Brasil (2004), de Sílvio
Tendler, assim como ele tinha feito com Di Cavalcanti, em Di (1977), laureado como melhor
curta em Cannes. Talvez, por si só, esses feitos pudessem justificar uma pesquisa, mas eles se
acumulam.

Ao reunir as cartas de Glauber Rocha no volume Cartas ao Mundo, Ivana Bentes (1997)
afirma: “já é hora de tirar Glauber do ‘gueto’ do cinema e inseri-lo na história da cultura e do
pensamento contemporâneos, da qual seu cinema faz parte” (BENTES, 1997, p.9). Esta ideia
mostra como o diretor também é considerado um intérprete social, disputando uma visão do
que é o Brasil. Ele foca, sobretudo, na imagem do sertanejo nordestino, passando pelo lugar do
intelectual no jogo de forças estabelecido – cangaceiros contra latifundiários, políticos
conservadores contra políticos populistas – no Brasil em que viveu e criou, a partir dos seus
filmes e dos seus escritos, uma versão dos fatos que influenciou artistas como Caetano Veloso
(VELOSO, 1997). O poder de Glauber Rocha em transmitir ideias e de fazer com que elas se
tornassem representativas para a intelectualidade é um dos elementos centrais que motivam esta
pesquisa. Se há quarenta anos ele influenciava seus contemporâneos, hoje ele continua presente,
seja como a imagem de cinema nacional de determinada época, seja como objeto de pesquisas,
estudos e ensaios que tentam desvendar a mística construída em torno dele e como adquiriu a
capacidade de ditar preceitos sobre um modo específico de se fazer cinema.

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Ainda na apresentação, Gomes conclama uma revisão da obra de Glauber sobre diversas
lentes, da Sociologia, da Antropologia, da Literatura, para se somar aos estudos feitos pela
crítica e pela teoria do cinema. Imagino que parte desta chamada tenha a ver com a diversidade
de disciplinas com as quais Glauber Rocha flertou, mas, sobretudo, por considerar a obra
deixada de imensa importância. Como veremos a seguir, outros cineastas, como Nelson Pereira
dos Santos e Carlos Diegues, apesar de se tornarem objetos de estudo, estão longe do prestígio
de Glauber Rocha. Isto seria prova de que o baiano é o “maior de todos”, pelo menos dos
cinemanovistas? Ou talvez tenha a ver com o trânsito de Glauber Rocha por diversas áreas das
artes? São algumas perguntas que podem ser levantadas.

Não é possível precisar se os apelos de Gomes e Bentes para que Glauber Rocha se
tornasse centro da análise científica tiveram alguma influência, mas diversas áreas do
conhecimento, da Sociologia ao Design, elegeram-no objeto de pesquisa, mesmo que
tangencialmente. Neste capítulo farei uma apresentação quantitativa dos dados que foram
levantados – as teses e dissertações. Com isso, pretendo fazer uma geografia dos trabalhos
acerca de Glauber, tanto em sentido físico, mapeando os principais centros nos quais ele é
abordado, quanto do saber, destacando as áreas do conhecimento que se interessaram sobre o
tema, numa tentativa de compreender a extensão da influência da obra do diretor. Após
apresentar os dados, farei uma breve análise qualitativa, observando as motivações que parecem
ter levado alguns pesquisadores a tomá-lo como objeto, uma vez que Glauber Rocha é um dos
artistas brasileiros mais estudados pela academia e que goza de maior prestígio dentro do seu
próprio campo. Ainda que coloquem duas questões distintas, elas estão intimamente ligadas.
Apesar de não buscar discutir profundamente o caminho percorrido pelo cineasta na sua
consagração enquanto um dos porta-vozes do cinema nacional e o que o teria legitimado
enquanto “gênio” (GOMES, 1997), creio que, por ser um dos artistas brasileiros mais
respeitados e consagrados, importante agente cultural brasileiro, fazem com que ele se torne
um problema de pesquisa viável (BENTES, 1997).

Antes disto, vamos tratar de algumas questões relativas a Glauber Rocha como objeto
de pesquisa e a relação entre arte e ciência. Os estudos sobre artistas e obras de arte não são
incomuns nas diversas áreas, inclusive na Sociologia.

Bourdieu (2007) fala desta relação. Para ele, existe uma oposição comum quando há a
tentativa de se pensar as produções culturais como a ciência, a arte e a filosofia para além dos
próprios textos. De um lado estão aqueles que defendem que a compreensão de uma obra está

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circunscrita dentro da própria obra, não sendo necessário nenhum entendimento complementar,
o texto se basta. De outro lado, estão os historiadores da arte, historiadores da história, da
filosofia e da ciência que tentam relacionar a obra ao contexto social do qual fazem parte seus
produtores. Este conflito pode ser tanto mais tenso quanto mais protetora for a área em questão.

Bourdieu (1996) faz um diálogo com a teoria literária e a maneira como ela reage aos
estudos de obras feitas pela sociologia. Segundo o autor, existe uma má vontade entre os que
defendem a unicidade da literatura e da arte para com as análises científicas. Analisar a arte
cientificamente seria uma espécie de reducionismo.

Ele se pergunta de onde vem o afã dos filósofos e escritores em rebaixar o conhecimento
racional e de decretar a transcendência da obra de arte. A motivação não é outra senão defender
o lugar “distinto” daqueles que produzem a experiência artística e daqueles que compartilham
dela no momento da fruição, bem como da de lançar em descrédito o trabalho daqueles que se
esforçam para compreendê-la à luz da ciência.

A natureza desta reserva seria a configuração dos campos intelectuais e artísticos.


Bourdieu (1996, 2007), explica que o campo, enquanto dimensão do poder, se constitui como
uma espaço social de lutas. Cada elemento da vida possui um campo específico, como o campo
econômico, do poder, o campo dos intelectuais, dos jornalistas, dentre outros. Cada um destes
campos é mais ou menos autônomo com relação aos outros. De forma geral, é no campo onde
as regras internas são disputadas, onde se determinam as boas e as más práticas. Isto implica
dizer que no interior de cada campo se formam as regras relativas ao seu estudo. O campo da
arte e o campo da ciência, por exemplo, são campos relativamente autônomos e tendem a
bloquear as influências externas. Cada campo específico abriga forças que batalham para a
definição das leis sociais em seu interior, em uma luta por posições mais dominantes que as
outras. Dependendo da maneira como está configurado um campo, os grupos dominantes, ou
as forças que agem no seu interior, a arte, a ciência, a literatura, tomarão um rumo específico.

Tanto na ciência quanto na arte, segundo o modelo proposto por Bourdieu, seriam as
entidades e indivíduos disputando no campo que teriam a capacidade de dar a uma obra ou a
uma pesquisa a condição de legitimidade necessária para que fosse considerada relevante ou
adequada aos padrões estabelecidos por este mesmo campo. Isto significa que o julgamento que
importa para o cientista é o dos seus pares, das revistas de prestígio e das universidades. A
consagração artística também obedece a mesma regra, são os atores do campo que irão legitimar
ou não um artista e sua obra. Estes atores podem ser outros artistas, galeristas, críticos ou até
15
mesmo a universidade. É importante para a teoria do campo de Bourdieu que existam estes
múltiplos agentes, bem como que haja entre eles a disputa por posições dominantes, ou seja,
pela capacidade de legitimação e de definição das regras próprias do campo.

É irônico, por outro lado, observar que vez ou outra o próprio Bourdieu, a quem recorro
para explicar a relação entre arte e ciência, faz uma defesa apaixonada da autonomia do campo
científico com relação a outros campos. Ao acusar o campo jornalístico de se sujeitar as regras
do índice de audiência e do mercado, ele denuncia a extensão desta regra pela influência deste
campo sobre outros:

é importante saber que, historicamente, todas as produções culturais que


considero – e não sou o único, espero – que certo número de pessoas considera
como as produções mais elevadas da humanidade, a matemática, a poesia, a
literatura, a filosofia, todas essas coisas foram produzidas contra o equivalente
do índice de audiência, contra a lógica comercial. Ver reintroduzir-se essa
mentalidade-índice-de-audiência até entre os editores de vanguarda, até nas
instituições científicas, que se põem a fazer marketing, é muito preocupante
porque isso pode colocar em questão as condições mesmas da produção de
obras que podem parecer exotéricas (BOURDIEU, 1997, p.38).

Podemos ver que o autor tem uma grande preocupação com a influência jornalística com relação
àquilo que ele considera as grandes criações humanas. Ele, assim como os artistas e os cientistas
que rejeitam a influência externa, está em defesa das regras criadas em cada campo de maneira
específica.

Dito isto, as pesquisas que estudo se situam no limiar entre estes dois campos.
Primeiramente porque se inscrevem no campo científico. Isto implica que a construção dos
objetos, as teorias e os procedimentos utilizados devem ser validados ali. Em segundo lugar, a
investigação trata um assunto caro ao campo da arte. Significa dizer que, ao tomar para si
elementos específicos deste outro campo, estão sujeitas a críticas e defesas relativas a suas
práticas que poderiam ser vistas como usurpação ou interferência. Desta forma, as teses e
dissertações podem ser tomadas como sendo fronteiriças e sujeitas à aprovação ou à
desaprovação de uma multiplicidade de agentes.

Minha pesquisa não é tão diferente assim. Por estar, de certa maneira, avaliando a
construção de um objeto científico, me abro a críticas dos meus próprios pares, inclusive dos
autores destes textos, que podem tomar minhas análises como invasivas e me acusarem de não

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conseguir compreender a natureza daquilo que fazem. É um risco que pretendo correr para,
assim como meus objetos, contribuir um pouco para enriquecer os estudos do meu próprio
campo.

1.1. A geografia dos estudos sobre Glauber Rocha

O objeto desta pesquisa são as teses e dissertações sobre o cineasta baiano Glauber
Rocha produzidas no Brasil entre os anos de 2006 e 2015. Minha escolha por este tipo de
produção cientifica e não por outro se dá por alguns motivos. Em primeiro lugar, programas de
mestrado e doutorado, apesar de terem um alto nível de especialização, são espaços de formação
acadêmica. Teses e dissertações são produtos de pesquisas, que por mais que sejam bem
acabadas e relevantes, envolvem uma rede de relações entre estudantes, orientadores e tradições
de ensino. Há, desta maneira, diversas rodadas de negociação. De certa forma, a escolha da
bibliografia por parte dos futuros mestres e doutores passa pelo crivo dos orientadores e
orientadoras, o que dá sustentação ao argumento de que estes ambientes acadêmicos são esferas
importantes de legitimação do conhecimento científico (MELO, 1999).

Por causa disto, utilizei como fonte de pesquisa a base do IBICT – Instituto Brasileiro
de Informação em Científica e Tecnológica –, que centraliza a informação de diversas
universidades brasileiras, além de ter buscado em sites de 82 faculdades e universidades
públicas, entre estaduais e federais, no Brasil1. Utilizei, quando possível, como parâmetro de
busca “Glauber Rocha” no título, resumo, assunto ou palavras-chave. Nesta pesquisa cheguei
ao total de 44 trabalhos, sendo 14 teses e 30 dissertações, listadas nos quadros I e II:

1
As universidades pesquisadas foram: UNEB, UEFS, UESB, UESC, UFBA, UFRB, UFOB, UNILAB,
UFSB, UFC, UFCA, UEMG, UNIMONTES, UNIFAL, UNIFEI, UFJF, UFLA, UFMG, UFOP, UFSJ,
UFU, UFV, UFTM, UFVJM, FAIBI, FAMEMA, FAMERP, FATEC, FMJ, UFABC, UFSCar, UNESP,
UNICAMP, UNIFESP, UNITAU, USCS, USP, UNIVESP, UFRJ, UFF, UERJ, UNIRIO, UFRRJ,
UENF, UEZO, UFAL, UFPB, UFCG, UFRN, UFERSA, UFMA, UFPI, UFS, UNIOESTE, UEL,
UFPR, UFCSPA, UFSM, UFRGS, UFPEL, UFFS, UFSC, UFPA, UNIFAP, UFAM, UFRR, UFT,
UFAC, UNIR, UFGD, UFMS, UFMT, UnB.

17
Quadro I: Dissertações de mestrado abordando Glauber Rocha e/ou sua filmografia
Título Autor Universida Área Ano Palavras-Chave
de/Estado
Reconstruindo a Garcia, UFBA/BA Música 2011 Trilha Sonora Original,
passeata dos 50 mil: Rodrigo Teoria Pós-
aplicação das funções Tonal, Glauber Rocha,
da música de cinema e Aná
da teoria pós-tonal
para a criação da
trilha musical do
documentário 1968,
de Glauber Rocha

Entre grãos e pixels, Buarque, FGV/RJ História 2011 Restauração De


os dilemas éticos na Marco Dreer Filmes, Glauber Rocha,
restauração de filmes: Ética, Preservação
o caso de Terra em
Transe
Claro: a constituição Santos, UFU/MG Linguística 2011 Discurso, Glauber Rocha,
de sujeitos e a Janaina De Identidade, Poder, Sujeito
produção de Jesus
identidades
sociopolíticas em
discursos no cinema
Loucura ou lucidez? Silva, UERJ/RJ História 2012 Glauber Rocha, Cinema
A desmistificação do Alessandra Novo, Intelectuais
cineasta-intelectual Schimite Da
Glauber Rocha (1959-
1979)
Der leone have sept Lacerda, Glau UESB/BA Ciências 2012 Glauber Rocha,
cabeças: imagens da ber Brito Sociais e Transmissão De
memória no cinema Matos Humanidades Conhecimento, Habitus
de Glauber Rocha
A poética e a política Souza, Victor PUC/SP História 2012 Cinema, História,
no cinema Martins De Diáspora
de Glauber Rocha e
Sembene Ousmane

Sertão, literatura e Santos, Heder UNESP/S Letras 2012 Espaço Sertanejo,


cinema: um diálogo Junior Dos P Relações Entre Literatura
entre José Lins do
Rego e
Glauber Rocha

Marcas do Duarte, Theo UFF/RJ Comunicação 2012 Glauber Rocha, Cinema


experimental no Costa Brasileiro, Cinema
cinema: um estudo Experimental
sobre Câncer

Barravento(s): uma Nunes, Raquel PUC/RJ História 2011 Ciclo De Cinema Baiano,
análise comparativa Pereira Cultura Popular,
de roteiros Alberto Identidade Nacional

A estética teatral no Silva, Adeilton UNB/DF Letras 2007 Cinema, Teatro, Glauber
cinema de Glauber Lima Da Rocha, 1939-1981

18
Rocha (Artaud e
Brecht)

O roteiro Cruz, Rafaela UFPE/PE Letras/literatur 2014 Roteiro, Literatura,


cinematográfico Rogério a Ficção, Narratividade,
como gênero literário: Glauber Rocha, Terceiro
Glauber Rocha no Mundo
terceyro mundo

O dragão e o leão: Gutierrez, USP/SP Letras/literatur 2008 Antiimperialismo, Bertolt


elementos da estética Maria a Brecht, Cinema Novo,
brechtiana na obra de Alzuguir Glauber Rocha,
Glauber Rocha Guerrilha, Teatro Épico

Tempo e devir em Bueno, UNESP/S História 2010 Cinema, Cultura


convulsão: dimensões Rodrigo Poreli P Brasileira, Teoria Da
da história no cinema Moura História, Gauber Rocha
de Glauber Rocha
(1964-1969)

O cartaz de cinema na Ribeiro, UERJ/RJ Design 2009 Design, Cultura, Cartaz,


filmografia de Adriana Semiótica, Cinema
Glauber Rocha: uma Barbosa
análise semiótica

Política e Gomes, Hélio UFU/MG História 2014 Cine, História, Glauber


engajamento: Santos Rocha, Compromisso,
reflexões acerca da Política, Religión
religiosidade em
Barravento de
Glauber Rocha

Por um cinema Bessa, UERJ/RJ História 2008 Cinema, Glauber Rocha,


política tricontinental: Anderson Civilizado, Bárbaro,
a guerrilha imagética Jorge Pereira Terceiro Mundo
de Glauber Rocha
contra o leão das sete
cabeças imperiais

Numa cama, numa Lima, Érico UFC/CE Comunicação 2014 Bifurcações;


festa, numa greve, Oliveira De Anacronismos; Estética;
numa revolução - o Araújo Política; Glauber Rocha
cinema se bifurca, o
tempo se abre

Gestos e sans'ações - Carvalho, Luis PUC/RJ Letras 2006 Interdisciplinaridade;


criando mundos em Felipe Dos Cinema; Glauber Rocha;
cen'átimos Santos América Latina; Poesia;
Vozes-Corpos.

Utopia Selvagem, de Ricardo, Pablo UFMG/M Literatura 2007 Darcy Ribeiro; Glauber
Darcy Ribeiro e A Alexandre G Rocha; Interlocução;
Idade da Terra, de Gobira De Utopia Selvagem
Glauber Rocha: o Souza
visível, as vozes e a
antropofagia

19
Entre o western e o Neves, UFU/MG História 2013 História, Cinema,
nerdestern: possíveis Anderson Western, Cinema Novo,
diálogos de lima Rodrigo Nordestern, Vera Cruz,
Barreto e Glauber Historiografia
rocha no cinema de
cangaço
Invenção em Ferreira, UFSC/SC Literatura 2013 Glauber Rocha, Hélio
trânsito/transe: Bruna Oiticica, Tropicália
Glauber Rocha, Hélio Machado
Oiticica e Tropicália

História e cinema: Gomes, UNB/DF História 2013 Cinema, História,


sertão e redenção em Salatiel Alegoria, Sertão,
Deus e o Diabo na Ribeiro Memória
Terra do Sol (1964)

O herói de duas faces: Martins, UFMA/M Ciências 2013 Estética, Semiótica,


uma análise estético- Dyego A Sociais e Cinema, Maranhão
semiótica da Marinho Humanidades
dualidade na
personagem heroica
de José Sarney em
Maranhão 66

A Viagem no Cinema Rodrigues, UNICAM Arte/Multimei 2007 Cinema Brasileiro, Road


Brasileiro: Panorama Ana Karla P/SP os Movies, Filmes de
dos Road Viagem
Movies dos Anos 60,
70, 90 e 2000 no
Brasil
Barravento, Ori e Silva, UFG/GO Comunicação 2010 Mídia, Cinema,
Santo Forte: Conceição de Social Representação, Grupos
representações das Maria Ferreira Subalternos, Religiões
religiões afro- Afro-Brasileiras
brasileiras no cinema
A relação entre o Real, UFF/RJ Comunicação 2008 Artes plásticas, Cinema
cinema brasileiro e a Elizabeth Social Brasileiro, Tropicalismo
arte contemporânea a (movimento cultural)
partir da tropicália:
Estudo dos filmes
Câncer, A Lira do
Delírio e Exu-Piá,
Coração de
Macunaíma
Nordeste: razão e Nascimento, UFRJ/RJ Planejamento 2009 Cinema brasileiro,
sensibilidade Carla Torres urbano e Identidade, Região
Cavalcanti do regional Nordeste
“Quatro dias para Fonseca, Paulo USP/SP Filosofia 2015 Glauber Rocha, Estética
filmar, quatro anos Yasha Guedes Cinematográfica, História
para montar e da do Cinema Brasileiro,
sincronizar”. O Tropicália
problema da
Temporalidade em
Câncer de Glauber
Rocha

20
Sertões em Silva, Leandro UEFS/BA Literatura 2015 Deus e o Diabo, Baile
movimento: o de Jesus da Perfumado, Árido Movie,
nacional popular e o Sertão, Cinema
contemporâneo em
Deus
e o diabo, Árido
movie e Baile
perfumado
TROPICACOSMOS: Araújo, UFMG/M Música 2014 Tropicália, MPB, Bossa
Interseções estéticas a Marcos G Nova, Antropofagia,
partir da música de Sarieddine Cinema
Caetano Veloso e do
cinema de
Glauber Rocha

Quadro II: Teses de doutorado abordando Glauber Rocha e/ou sua filmografia
Título Autor Universidade/Estado Área Ano Palavras-Chave
Ideologia, identidade e Oliveira, UFBA/BA Sociologia 2011 Glauber Rocha,
unidade latino- Augusto Crítica. Cinema.
americanas na obra de Souza de Cultura, América
Glauber Rocha Sa. Latina

A missa bárbara rezada Freitas, PUC/RJ Letras 2011 Política, Cinema,


por Glauber Rocha num Anna Lee Maio De 68 Francês,
tempo que era proibido Rosa de Imaginação,
proibir Deleuze

Glauber rocha, ensaísta Junior, USP/SP Letras/literatura 2011 Campo Intelectual,


do brasil Arlindo Campo Literário,
Rebechi Ensaísmo

É que Glauber acha feio Lima, UFU/MG História 2012 Glauber Rocha,
o que não é espelho: a Frederico Experimentalismo
invenção do cinema Osanan Fílmico
brasileiro moderno e a Amorim
configuração do debate
sobre o ser cinema
nacional

Glauber Rocha: de Panarotto, UFSC/SC Letras/literatura 2012 Literatura, Glauber


xenofonte a Euclides da Demétrio Rocha, Euclides Da
Cunha, de Euclides da Cunha, Xenofonte
Cunha a xenofonte

Glauber em crítica e Aguiar, Ana UFBA/BA Letras 2010 Glauber Rocha,


autocrítica Lígia Leite Biografia,
E Nacionalismo,
Populismo, Cinema
Novo.

O cinema tricontinental Cardoso, USP/SP História 2007 Cinema Brasileiro,


de Glauber Rocha: Mauricio Cinema
Tricontinental,
21
política, estética e Glauber Rocha,
revolução (1969-1974) Terceiro Mundo

Aproximações entre Moura, UFG/GO Letras/Linguística 2014 Poesia, Cinema,


cinema e poesia: Alessandro Imagem,
Glauber Rocha e Ribeiro Montagem,
Manoel de Barros Subjetividade

A sonata de Deus e o Siqueira, UNESP/SP Ciências Sociais 2014 Glauber Rocha,


diabolus: nacionalismo, André Heitor Villa-Lobos,
música e o pensamento Ricardo Mário De Andrade
social no cinema de
Glauber Rocha

Paulo Emilio e a Pinto, Pedro USP/SP Comunicação 2008 Cinema Brasileiro,


emergência do cinema Plaza Crítica
novo: débito, prudência
e desajuste no diálogo
com Glauber Rocha e
David Neves

Um momento crítico de Gutierrez, USP/SP Comunicação 2014 Cinema Moderno,


tomada de consciência Maria Latino-
latino-americana: o Alzuguir Americanismo,
cinema moderno da Letras
américa latina e as letras

A ética revolucionária: Castelo, UFC/CE Sociologia 2010 Cinema Novo,


utopia e desgraça em Sander Revolução
Terra em Transe (1967) Cruz Brasileira, Ética
Revolucionária

Imagens do Brasil na Altmann, UFRJ/RJ Sociologia 2008 Crítica


América Latina: Eliska cinematográfica,
permanências na crítica Cinema brasileiro,
dos cinemas de Glauber América Latina,
Rocha e Walter Salles Identidade nacional,
Sociologia da
cultura
O cangaço no cinema Vieira, UNICAMP/SP Artes/Multimeios 2007 Cinema - Brasil,
brasileiro Marcelo Cangaço, Filmes e
Dídimo História
Souza

O quadro III apresenta as teses e dissertações divididas por áreas. Há uma separação em
disciplinas, teses e dissertações. Nela demonstro a frequência por tipo de texto em cada uma e
o total de trabalhos, tanto por campo do conhecimento, quanto o número final:

Quadro III: Dissertações e Teses por Área


Área/Total Dissertações Teses Total

22
História 9 2 11

Letras/Literatura 9 5 14

Sociologia/Ciências 2 4 6
Sociais

Comunicação Social 4 2 6

Artes/Multimeios 1 1 2

Música 2 - 2

Filosofia 1 - 1

Planejamento Urbano e 1 - 1
Local

Design 1 - 1

Total 30 14 44

Podemos observar que há uma certa concentração em duas áreas: Letras/Literatura e


História, com 14 (aproximadamente 32,7%) e 11(25%) trabalhos respectivamente, o que
corresponde a aproximadamente 57,7% do total de trabalhos apresentados. A Sociologia e a
Comunicação Social possuem 6 defesas cada, totalizando 12 publicações (27,2%), enquanto as
demais áreas possuem somadas 6 trabalhos (13,6%), finalizando o total aproximado. Antes de
afirmar que há alguma vocação por parte destas áreas estudadas, vamos considerar o quadro
abaixo:

Quadro IV: Mestres e Doutores por área entre 2006 e 2015


Letras História Sociologia Comunicação

Ano Título Mestre Doutor Mestre Doutor Mestre Doutor Mestre Doutor

2006 1603 569 603 209 422 248 426 157

2007 1765 645 641 211 495 222 389 165

2008 1910 610 746 276 510 266 370 94

2009 1994 598 829 261 557 265 506 122

2010 1876 547 872 218 570 274 549 124

23
2011 2086 632 901 274 551 286 540 128

2012 2276 619 919 287 651 294 608 147

2013 2388 770 958 321 667 312 683 144

2014 2242 921 984 308 649 367 640 212

2015 2328 989 1058 982 718 342 646 250

Total 20468 6900 8511 3347 5790 2876 5357 1543 54792

Dados da CAPES, elaboração minha

Como podemos ver, a área da Letras é responsável por aproximadamente 50% dos titulados
entre os anos de 2006 e 2015 nas quatro áreas mais recorrentes, a História por 21,64%, a
Sociologia por 15,8% e a Comunicação por 12,5%. A maior relação entre o número de
dissertações e teses defendidas e trabalhos sobre Glauber Rocha é a da História, responsável
por 25% dos estudos, sendo a única disciplina com mais participação nos trabalhos do que no
número de mestres e doutores. Mais do que das outras áreas das Ciências Humanas, Glauber
Rocha é um assunto recorrente na História.

No quadro V, com relação aos anos, temos a seguinte configuração: em 2006 foram 0
teses e 1 dissertação, 2007, 2 tese e 3 dissertações, em 2008, 2 tese e 3 dissertações, 2009, 0
teses e 2 dissertação, em 2010, 2 teses e 2 dissertação, 2011, 3 teses e 4 dissertações, 2012, 2
teses e 5 dissertações, 2013, 0 teses e 4 dissertações e 2014, 3 teses e 4 dissertações e em 2015,
0 teses e 2 dissertações. É possível ver que há um aumento de estudos sobre Glauber Rocha:
entre 2006 e 2010 foram 17 trabalhos sobre o diretor baiano, enquanto a partir de 2011 este
número subiu para 27. Entretanto, parte desta explicação pode ter a ver com o aumento do
número de matriculados em pós-graduações no país, já que, em 2006, 79050 alunos estavam
matriculados no mestrado e 46572 no doutorado, enquanto em 2014 este número saltou para
115552 e 95315, respectivamente, segundo dados da CAPES encontrados no portal Geocapes2.

2
http://geocapes.capes.gov.br/geocapes2/
24
Quadro V: Teses e Dissertações sobre Glauber Rocha por ano
Ano/Total Tese Dissertação Total

2006 - 1 1

2007 2 3 5

2008 2 3 5

2009 - 2 2

2010 2 2 3

2011 3 4 7

2012 2 5 7

2013 - 4 4

2014 3 4 6

2015 - 2 2

Total 14 30 44

No próximo quadro, VI, observamos a distribuição geográfica das publicações acerca


do diretor. São Paulo lidera, com 12 trabalhos, sendo seis teses e seis dissertações. O Rio de
Janeiro aparece em segundo lugar, com 11, sendo duas teses e nove dissertações. Em seguida
aparecem: Bahia com seis (duas teses e duas dissertações), Minas Gerais com cinco (uma tese
e quatro dissertações), Santa Catarina e Ceará com duas (uma tese e uma dissertação cada),
Distrito Federal com duas (duas dissertações), Goiás com duas (uma tese e uma dissertação),
Pernambuco e Maranhão com uma (dissertação).

Quadro VI: Teses e Dissertações por estado


Estado/Total Tese Dissertação Total

São Paulo 6 6 12

Rio de Janeiro 2 9 11

Minas Gerais 1 4 5

Bahia 2 4 6

Santa Catarina 1 1 2

25
Ceará 1 1 2

Distrito federal - 2 2

Goiás 1 1 2

Pernambuco - 1 1

Maranhão - 1 1

Total 14 30 44

São, portanto, 28 trabalhos no Sudeste, 10 no Nordeste, 4 o Centro-Oeste e 2 no Sul. A


explicação que creio ser mais satisfatória para isto, está no fato de que o Sudeste possui uma
maior tradição acadêmica, concentrando o maior número de universidades no país, contudo,
temos três relações a serem consideradas. Em primeiro lugar, o Rio de Janeiro é o local no qual
Glauber Rocha se estabeleceu a partir do momento que entrou seriamente na produção de filmes
(GOMES, 1997). Tanto ele, quanto outros nomes importantes do Cinema Novo, como Nelson
Pereira dos Santos, Cacá Diegues e Leon Hirszman fizeram do Rio a base do movimento. O
próprio Glauber (1981) escreve sobre a importância dos encontros na cidade e Gomes (1997)
fala sobre a ideia atribuída a Nelson Pereira dos Santos de que o Cinema Novo existia quando
Glauber Rocha estava no Rio. Há também uma relação de Glauber com São Paulo,
principalmente quando faz contato com Paulo Emílio Sales Gomes, já referido aqui, mas
também Gustavo Dahl e Jean-Claude Bernardet. Como dito, Paulo Emílio foi professor na USP,
assim como Jean-Claude, que em uma carta (BENTES, 1997), confidencia ao cineasta que
dedicou a Terra em Transe (1967) um curso inteiro, fato ocorrido antes do rompimento entre
os dois proporcionado pela reação negativa de Glauber Rocha ao livro do crítico, Brasil em
tempo de cinema (1967), ou seja, há uma tradição de estudos sobre o cineasta que vem desde
quando ele ainda era vivo. O terceiro ponto é a importância da Bahia e do nordeste de forma
geral. Glauber Rocha é baiano, grande parte da sua juventude foi passada no estado; foi,
inclusive, onde se notabilizou como crítico e agitador cultural. O nordeste é o local privilegiado
de suas obras, alguns de seus filmes, como Barravento (1961), Deus e o Diabo na Terra do Sol
(1964) e O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro (1969), se passam na região, sendo
que os dois últimos têm uma relação forte com o sertão e a questão do cangaço e do povo
nordestino, então, não é surpreendente a ocorrência de um número relevante de pesquisas sobre
sua obra nestes territórios. Contudo, pela ocorrência de estudos em locais com os quais,

26
aparentemente, Glauber teve menor contato, é possível considerar que ele alcançou
reconhecimento e gerou influência no Brasil todo.

A seguir, trarei dados sobre outros diretores do Cinema Novo para demonstrar o quanto
Glauber Rocha é importante como objeto científico. Nenhum dos cinco cineastas que
apresentarei a seguir se aproxima do número de trabalhos apresentados sobre o diretor baiano.
Os nomes escolhidos foram aqueles apontados por Glauber Rocha (1981) em seu livro
Revolução do Cinema Novo, no qual ele narra o nascimento do movimento. Todos os nomes
foram considerados por ele relevantes para a criação e desenvolvimento do movimento. São
eles: Leon Hirszman, Nelson Pereira dos Santos, Joaquim Pedro de Andrade, Carlos Diegues e
Paulo César Saraceni. As tabelas de cada um apresentarão o número de teses e dissertações
produzidas sobre eles distribuídos por anos e em quais universidades elas foram defendidas.

O segundo mais estudado no período foi Leon Hirszman, diretor de Eles não usam
black-tie (1981), com 11 dissertações e 5 teses, totalizando 16 trabalhos:

Quadro VII: Teses e dissertações sobre Leon Hirszman


Ano Dissertação Tese Universidade

2006 1 Mackenzie

2007

2008

2009

2010 2 2 UFSCAR, UFU,


UFRGS, ANHEMBI

2011 1 1 UNICAMP, UnB

2012 2 UFSCAR, UNESP

2013

2014 3 1 USP, UNICAMP,


UNIOESTE

2015 2 1 USP, UFBA

Total 11 5 16

Assim como Glauber Rocha, houve um aumento no número de estudos sobre ele entre
2011 e 2015, com 11 defesas. Como colocado, o aumento no interesse destes cineastas pode ser
creditado ao aumento do número de alunos cursando pós-graduação. Contudo, como o próprio
Glauber (1981) assinala, Leon Hirszman e Nelson Pereira dos Santos também estariam em
27
posições de liderança dentro do movimento, o que explicaria a grande diferença de estudos
entre eles e os outros.

O precursor do movimento Cinema Novo com o aclamado filmes Rio 40º (1955), Nelson
Pereira dos Santos é o terceiro com o maior número de pesquisas:

Quadro VIII: Teses e dissertações sobre Nelson Pereira dos Santos


Ano Dissertação Tese Universidade

2006 1 UNESP

2007 1 UNESP

2008 1 UNESP

2009

2010 1 UFU

2011 2 USP, UFPB

2012

2013 2 2 UFC, USP, UFBA,


PUC-SP

2014 2 1 UnB, UNIOESTE,


UFPEL

2015 2 PUC-SP, PUC-RS

Total 10 5 15

Foram encontradas 10 dissertações e 5 teses escritas sobre ele, com uma maior concentração
nos anos entre 2011 e 2015, totalizando 11 trabalhos.

Joaquim Pedro de Andrade é o quarto cineasta mais estudado, com 9 trabalhos:

Quadro IX: Teses e dissertações sobre Joaquim Pedro de Andrade


Ano Dissertação Tese Universidade

2006 1 UFSC

2007

2008

2009

2010 2 UFSCAR, UEPB

2011 1 PUC-SP

28
2012 1 2 UFMG, USP, FGV-RJ

2013 1 PUC-SP

2014

2015 1 UNESP

Total 6 3 9

O diretor de Macunaíma (1969) possuí 6 dissertações e 3 teses defendidas a seu respeito.


Diferente dos outros dois cineastas anteriores, vimos o número de trabalhos sobre ele dobrar
entre 2011 e 2015 com relação aos anos de 2006 e 2010.

Em quinto lugar, temos Carlos Diegues. O Diretor de Bye, Bye Brasil (1980) tem o total
de 7 estudos distribuídos entre 6 universidades, sendo 4 dissertações e 3 teses, uma de cada
entre 2011 e 2015.

Quadro X: Teses e dissertações sobre Carlos Diegues


Ano Dissertação Tese Universidade

2006

2007 1 2 USP, UNICAMP

2008 1 UNICAMP

2009 1 UERJ

2010

2011

2012

2013 1 USP

2014 1 UFMG

2015

Total 4 3 7

Por último, Paulo César Saraceni, de Porto das Caixas (1962), foi estudado três vezes
no período, 2 teses e 1 dissertação, sendo que apenas uma tese foi feita sobre ele após 2011:

Quadro XI: Teses e dissertações sobre Paulo César Saraceni


Ano Dissertação Tese Universidade

2006

29
2007 1 UFAL

2008 1 USP

2009

2010

2011

2012 1 UFPB

2013

2014

2015

Total 1 2 3

É possível afirmar, visto a comparação entre os números levantados que, pelo menos
para o campo acadêmico, Glauber Rocha é o principal diretor do Cinema Novo. A diferença
entre o número de teses e dissertações escritas sobre Glauber Rocha e Leon Hirsman é uma
evidência o seu destaque. Na verdade, nem se somarmos os estudos feitos sobre Hirszman,
Joaquim Pedro e Nelson Pereira chegamos à quantidade de trabalhos sobre ele.

1.2. A construção de Glauber Rocha como objeto de pesquisa

Neste subcapítulo farei uma análise qualitativa das introduções de algumas teses e
dissertações com o objetivo de entender a construção de Glauber Rocha como objeto científico.
A ciência, como indicado anteriormente, possui regras na sua construção, não é um produto
simples e direto da imaginação de indivíduos que mobilizam seus saberes sem verificar
determinadas regras. Pelo contrário, existe toda uma série de procedimentos padronizados que
dão uniformidade e legitimidade para este tipo de saber.

Popper (2001) trata das regras metodológicas da ciências como convenções. Elas são
formas aceitas pelos cientistas e que fazem com que o saber que constroem possa ser acessível
e verificável por outros cientistas. São as regras próprias à ciência que conferem suas
características, ou seja, a elaboração de procedimentos padronizados para o exercício científico
que garante sua existência enquanto ciência. Ao definir a ciência empírica, Popper indica uma
regra metodológica superior a todas as outras: o princípio da falseabilidade. Para ele, teorias e
esquemas científicos que não estejam abertos a verificação dos pares e sejam passíveis de
falseabilidade não seriam científicos, mas dogmáticos. O autor declara que

30
cabe proceder ao estabelecimento dessas regras de maneira sistemática.
Coloca-se, de início, uma regra suprema, que serve como uma espécie de
norma para decidir a propósito das demais regras e que é, por isso, uma regra
de tipo superior. É a regra que afirma que as demais regras do processo
científico devem ser elaboradas de maneira a não proteger contra o
falseamento qualquer enunciado científico (POPPER, 2001, p.56).

Apesar de poder-se questionar a validade das próprias regras de validade criadas por Popper, é
verificável na ciência o respeito a certos procedimentos através dos quais o pesquisador pode
iniciar sua análise.

Outro ponto importante relacionado à ciência diz respeito a sua construção. A ciência
se origina na pergunta. O procedimento passa pelo abandono das opiniões, a sua negação, pois
a ciência é, na verdade, a negação da opinião, mesmo que muitas vezes ela possa ser utilizada
para baseá-la (BACHELARD, 2005). Todo conhecimento adquirido se origina de um problema
e a habilidade de criar e colocar um problema é essencial para um pesquisador. Por outro lado,
a formulação de um problema nunca é fruto apenas da intuição espontânea. O problema e
consequentemente o conhecimento científico é construído. Significa dizer que nos é vetada a
opinião sobre questões que desconhecemos ou problemas que não conseguimos colocar com
clareza (BACHELARD, 2005). Não digo por acreditar que o conhecimento científico é
desinteressado, neutro e apolítico. A ciência sofre influências políticas, seus usos dependem de
uma série de relações sociais e de poder nas quais estão imersos cientistas, professores,
instituições de pesquisas e universidade (BOURDIEU, 2004). Contudo, esta é outra regra
comumente aceita na construção da ciência.

Ao descrever um projeto de pesquisa, Miriam Goldenberg (2004) faz um desenho


simples e didático no qual demonstra quais seus principais componentes. Há cinco partes em
um projeto de pesquisa que facilitam a construção de uma investigação: 1) a Introdução: onde
o pesquisador apresenta os objetivos e seu objeto; 2) a Justificativa: na qual ele informa a
importância de sua pesquisa, como veremos a seguir; 3) a Hipótese: respostas provisórias para
o problema que serão testadas durante a pesquisa; 4) a Discussão Teórica: situa o problema de
pesquisa no âmbito das ciências e estabelece diálogo com outros autores; 5) a Metodologia: a
indicação das técnicas de coleta e análise de dados.

Como vimos, um dos passos importantes na formulação de uma pesquisa é a


Justificativa. A justificativa é a articulação das motivações individuais, sociais e teóricas com

31
a explicação da importância do estudo do objeto (GOLDENBERG, 2004). Ela tem como função
convencer os pares, universidades e agências de fomento que o tempo e recursos gastos na
pesquisa se justificam. Por isto, minha análise irá utilizar as justificativas dadas pelos
pesquisadores na construção de Glauber Rocha como objeto de pesquisa para compreender as
motivações que mobilizam para tanto.

Esta característica da ciência me motivou a observar o denominador comum nas teses e


dissertações a fim de descobrir o que é mobilizado para justificar os estudos sobre Glauber
Rocha. Assim como no Capítulo 3, utilizarei a análise de conteúdo para descobrir como os
autores justificam sua pesquisa. A análise de conteúdo me auxiliará a organizar as teses e
dissertações sobre Glauber Rocha a partir de uma codificação de assuntos mais mobilizados
pelos autores. Um maior desenvolvimento sobre a análise de conteúdo também será feita no
capítulo em questão.

1.2.1. Análise das justificativas

A análise que farei neste subcapítulo não utilizará todos os textos apresentados no
subcapítulo 1.1. Ao invés disto, fiz uma seleção aleatória de uma tese e uma dissertação de cada
disciplina com o maior número de trabalhos sobre Glauber Rocha. A aleatoriedade na escolha
me ajudará a diminuir minha influência na pesquisa, já que o nível de subjetividade na escolha
dos textos expostos será minimizada. De outra forma poderia ser tentado a utilizar trabalhos
com maiores semelhanças entre si visando à confirmação das minhas hipóteses, mesmo que
inconscientemente.

Apresentarei um resumo geral dos trabalhos que serão utilizados nesta análise. A partir
deles já iremos retirar algumas pistas dos elementos temáticos que puderam ser inferidos das
teses e dissertações estudadas.

Na tese O cangaço no cinema brasileiro, o pesquisador Marcelo Dídimo Souza Vieira


(2007), da área de Comunicação/Artes da Universidade Estadual de Campinas, faz, como o
título deixa claro, um longo levantamento sobre o cangaço na cinematografia nacional, dando
um lugar de destaque a Glauber Rocha, dedicando seu quinto capítulo aos dois únicos filmes
que o diretor realizou sobre o tema: Deus e o Diabo na Terra do Sol (1963) e O Dragão da
Maldade Contra o Santo Guerreiro (1969). Vieira acredita que há alguns pontos que justificam
o destaque dado ao diretor. Em primeiro lugar, afirma que Glauber Rocha é o mais
“entusiasmado” dos diretores do Cinema Novo e o seu principal defensor. Em segundo, está na

32
sua habilidade em criar simbologias e na maneira como ele trata o cangaço enquanto dimensão
alegórica de uma realidade mais ampla, que está relacionado ao terceiro ponto que é o
engajamento político e ideológico de sua obra, que une narrativa e inovação estética para tratar
de tais assuntos, que, apesar de reservar semelhanças com o gênero americano do western, cria
rompimentos e avanços, principalmente por não se tratar de uma importação, mas uma
reinvenção à brasileira.

Em As imagens do Brasil na América Latina: permanências na crítica dos cinemas de


Glauber Rocha e Walter Salles, tese de Sociologia defendida na Universidade Federal do Rio
de Janeiro, Eliska Altmann (2008) estuda a recepção da crítica dos filmes de Glauber Rocha e
Walter Salles no México, Argentina e Cuba e a percepção formada nestes críticos pelos filmes.
Ela elenca diversos motivos que justificam sua escolha, tanto pelos países quanto pelos
cineastas. Aqui irei me ater ao que concerne ao objeto desta pesquisa. Segundo a pesquisadora,
Glauber Rocha é um dos membros do que se considera uma “intelligentsia artística” preocupada
em resgatar uma singularidade brasileira e representar, a partir da produção cultural, uma
imagem própria da identidade nacional. Além disto, Glauber idealiza um projeto de união do
cinema latino-americano, tendo, inclusive, residido e produzido em Cuba, país pelo qual ele
tinha grande admiração e afinidade ideológica. Ademais, o cinema do diretor baiano é marcado
pela temática social que valoriza nossa “gramática” da diversidade.

Frederico Osaman Amorim Lima (2008) escreveu a tese de História: É que Glauber
acha feio o que não é espelho: a invenção do cinema brasileiro moderno e a configuração do
debate sobre o ser cinema nacional, defendida na Universidade Federal de Uberlândia. O autor
busca investigar como a ação de certos críticos, pensadores e cineastas construíram uma
narrativa sobre o que é o Cinema Brasileiro Moderno que, na percepção dele, é menos um
cinema realmente nacional do que um cinema do sudeste sedimentado no nosso imaginário
como representativo do cinema Brasileiro. Tais narrativas teriam comprometido e invisibilizado
a consagração de outros cinemas produzidos em outros locais, tendo sido considerados menores
ou então marginais com relação àquilo que ficou como o centro. Glauber Rocha entra nesta
pesquisa como um dos principais nomes a serem considerados, pois ele foi não apenas um
daqueles que mais se esforçou em construir esta história, mas também porque é o seu maior
beneficiário. É o seu cinema, e de seus companheiros, que é elevado à condição de
representativo. Isto acontece, pois, na percepção do pesquisador, Glauber Rocha influenciava
com sua atividade crítica, sua produção cinematográfica e suas qualidades pessoais toda uma
formação de ideias que se articularam com as de outros nomes, como Paulo Emílio Sales Gomes
33
e Ismail Xavier. O diretor baiano estaria, segundo ele, envolvido em uma rede de sensibilidades
e teria mobilizado uma série de discursos e práticas produtoras de legitimidade, que com o
tempo ganharam o contorno de verdade.

Glauber em crítica e autocrítica, tese defendida na área de Letras por Ana Lígia Leite
e Aguiar (2010) na Universidade Federal da Bahia, faz alguns apontamentos que justificam a
escolha do diretor como objeto de pesquisa. O foco da pesquisadora são as biografias e os
documentários biográficos feitos sobre ele. Ela considera que há um grande número de relatos
e, devido a sua importância para o campo do cinema e sua existência conturbada e polêmica,
estudar estas obras nos dá a condição de entender a maneira como a crítica atualiza sua
importância para a cultura brasileira, focando principalmente na sua proposta político-
cinematográfica. Tal recorte se justifica pois ela considera que há uma radicalização na obra do
diretor, em um sentido “revolucionário”, visando despertar uma consciência do povo
subdesenvolvido.

O trabalho dá uma atenção especial ao fato de Glauber Rocha ter, nos dez anos finais de
sua vida, se aproximado do governo militar, dando diversas declarações que apontam neste
sentido e que, de uma maneira ou de outra, geraram certos contratempos para a já peculiar
imagem do cineasta. Para ela, há um grande “silêncio” dos biógrafos com relação a este fato, já
que não busca articular de uma maneira mais profunda as declarações dadas por ele e o seu
pensamento como um todo, construído no decorrer de pelo menos duas décadas.

Na dissertação de Letras, A estética teatral no cinema de Glauber Rocha (Artaud e


Brecht), de Adeilton Lima da Silva (2007), da Universidade de Brasília, cria-se uma relação
entre o Teatro Dialético de Brecht e o Teatro da Crueldade de Artaud. A primeira justificativa
do autor com relação à sua pesquisa é a importância de Glauber Rocha para o cinema nacional,
uma vez que ele é considerado como um dos mais criativos diretores do Brasil. Devido às
dificuldades técnicas enfrentadas pelos cineastas do Cinema Novo, as obras – sobretudo as de
Glauber – caracterizavam-se pela experimentação da linguagem.

Tempo e devir em convulsão: dimensões da história no cinema de Glauber Rocha


(1964-1969), dissertação de História defendida na Universidade Estadual Paulista por Rodrigo
Poreli Moura Bueno (2010) busca analisar como o conceito de história é construído e
interpretado nos filmes de Glauber Rocha entre 1964 e 1969. Considerado pelo autor um dos
artistas mais celebrados e repudiados do país, bem como um representante de uma geração de
intelectuais e artistas com grande consciência histórica e que buscavam conectar o cultural com
34
o político, Glauber Rocha faz parte de um movimento cinematográfico que seria transformador
e paradigmático, com um interesse em construir um patrimônio cultural brasileiro e combater
o cinema industrial dominante, focando no desenvolvimento do cinema de autor,
principalmente o engajado politicamente.

Além desta importância histórica, o cinema de Glauber Rocha trata o tempo de uma
maneira especial, rompendo a fronteira entre velhas e novas temporalidades, colocando o
espectador em contato com novas formas de percepção da história. Seus filmes fariam com que
passado e presente não estivessem mais separados e se formaria de maneira aberta, sem
categorias fixas e rigorosas.

A dissertação da área das Ciências Sociais da Universidade Federal do Maranhão O


herói de duas faces: uma análise estético semiótica da dualidade na persona heroica de José
Sarney em Maranhão 66, de Dyêgo Marinho Martins (2013), foca na construção ambígua da
figura de José Sarney no filme Maranhão 66 encomendado pelo recém eleito governador do
Maranhão, observando principalmente quais os recursos estéticos e políticos utilizados para
Glauber Rocha para subverter a lógica de heroísmo subjacente a este tipo de peça, que de outra
maneira, seria uma propaganda, mas que se tornaria em um vídeo ensaio e um teste para o que
mais tarde seria visto em Terra em Transe (1967).

Para Martins (2013), Glauber seria um dos principais artífices do Cinema Novo e dos
ideais que circunscrevem o movimento. A discussão do conceito de cultura nacional feita pelo
grupo teria uma grande influência na maneira de se pensar as expressões culturais nacionais,
voltadas principalmente para uma prática de libertação nacional da influência colonizadora do
cinema norte-americano. Ele justifica seu estudo dizendo que há uma insuficiência de pesquisas
sobre a obra cinematográfica do diretor baiano, o que para ele seria uma lástima.

Numa cama, numa festa, numa greve, numa revolução: o cinema se bifurca, o tempo se
abre, Érico Oliveira de Araújo Lima (2014), dissertação da Comunicação Social da
Universidade Federal do Ceará, tenta observar como a obra de Glauber Rocha rompe com a
temporalidade. O foco se deslocaria do contexto de sua criação e das explicações que o diretor
mobilizava para entender a cultura nacional para os efeitos e o lastro que tais obras produziriam
no presente.

Ele parte da sua experiência com o filme Câncer (1968-1972), gravado em quatro dias
e que demorou quatro anos para ser montado e que, segundo sua percepção, rompe com diversos

35
esquemas cinematográficos, principalmente ao flutuar entre o documentário e a ficção, bem
como em se adequar à noção de bifurcação, ou seja, que o cinema de Glauber Rocha não teria
apenas um caminho ou se enquadraria em dualidades, mas pelo contrário, abriria um infinito de
possibilidades, principalmente no que diz respeito à relação entre estética e política. A escolha
de Glauber Rocha e de três dos seus filmes se justificaria exatamente por isto, a busca por diluir
as fronteiras entre política e estética, bem como a forma como as narrativas formulariam seus
discursos não pelo texto, mas pelas sensações criadas a partir das imagens.

Existe uma temática presente em todas as teses e dissertações apresentadas aqui, que é
a dimensão política envolvendo a obra e a trajetória de Glauber Rocha. Como veremos no
Capítulo 2, quando farei uma exploração dos resumos, esta relação está presente em
praticamente todos os textos. Mais adiante, no Capítulo 3, nos aprofundaremos nas teses para
entender o que os pesquisadores mobilizam sobre o tema, não apenas para justificar a escolha
do seu objeto, mas também como uma percepção estabelecida sobre o diretor. Veremos que a
política é central.

Devo fazer um pequeno parêntese para explicar a minha escolha pela categoria política.
Como ficará claro a seguir, o uso que dou ao termo é alargado, não designando fenômenos da
mesma ordem, apesar de resguardarem algumas semelhanças. Primeiramente, me refiro à
política quando os próprios autores dos textos fazem uso. Os usos são imprecisos. Um exemplo
é no texto Glauber Rocha em Crítica e Autocrítica. As palavra política/político são utilizadas
178 vezes pela autora, ora acompanhadas de estética, ora falando sobre o contexto político
nacional, ora da “política nas obras”. São usos pouco definidos, o que faz com que se torne um
termo impreciso. Vejamos os fragmentos a seguir para termos uma melhor compreensão deste
argumento:

O cinema político, vale lembrar, é estético também (a revolução é uma


estética!), tendo em vista que essa montagem nuclear era a proposta
nacionalista glauberiana de construir uma via figurativa própria para a nação
(AGUIAR, 2010, p.53, grifo meu).

Partindo de uma noção de democracia em posição oposta a outras formas de


governo, a leitura pode ser feita como resultado da democracia x socialismo
e, consequentemente, da democracia como um regime que não privilegiasse o
extermínio das desigualdades, ou pelo menos a minimização destas, e estaria,
suposta e diametralmente, contra um discurso de esquerda, o que também é
complicado de se pensar, tendo em vista a luta da maioria das esquerdas em
36
todo o século XX por políticas democrática (AGUIAR, 2010, p.153, grifo
meu).

Estes dois fragmentos fazem uso das palavras política/político de maneira diferente. O primeiro
fala da natureza do cinema de Glauber Rocha. O cinema político, de acordo com estes autores,
é um cinema de disputa de imaginários, de reivindicação, de resistência e de denúncia. O
político também aparece como uma artimanha estética, pois dela não se dissocia. No segundo
caso, política diz respeito ao contexto amplo, a Política, dos grandes sistemas, da composição
do Estado, da ideologia em um sentido amplo.

Darei, também, um uso próprio de política: quando trato das interações sociais feitas
por Glauber Rocha a fim de disputar espaços tanto para seu cinema, quanto para si enquanto
agente determinante. Baseio este uso em Bourdieu (1996, 1997, 2004, 2007), pois vejo que
estas relações são de disputa no interior do campo artístico, tanto pelas regras da produção
artística, tanto pela definição do bom e do mau cinema. A disputa por posições dominantes em
um campo é uma disputa tão política quanto a disputa na esfera eleitoral.

Dito isto, divido em dois os usos de política enquanto tema nas justificativas das teses e
dissertações. Em primeiro lugar, por ser um uso comum dos autores, a política da e nas obras.
Ou seja, Glauber Rocha enquanto um artista engajado a partir de seus filmes, seja utilizando-
os como ferramenta de disputa de representações sociais construídas sobre o Brasil, América
Latina e “Terceiro-Mundo”, seja pela desconstrução estética que visa modificar ou incomodar
conceitos estabelecidos pelos espectadores. Em segundo lugar, falarei sobre Glauber Rocha
enquanto liderança do cinema nacional, suas lutas e disputas tanto no país quanto fora dele, seja
pelo reconhecimento individual ou coletivo do cinema nacional, seja pela sua consagração
intelectual. Sobre os filmes políticos ou a política nos filmes, vamos observar os seguintes
fragmentos:

Essa mudança de tom na construção de sua obra fílmica deu-se em sincronia


com seu trabalho de crítico cinematográfico, avançando em um cinema cada
vez mais revolucionário e adequando esse conceito à trajetória do
subdesenvolvimento e ao despertar dos habitantes desses locais em
precariedade (AGUIAR, 2010, p.13).

A escolha específica de filmes de Glauber Rocha e Walter Salles como objeto


de análise explica-se pelo fato de os dois cineastas expressarem a preocupação
em representar aspectos singulares da sociedade brasileira (e latino-

37
americana) em suas obras. Nesse sentido, ambos são lidos como
“intelligentsias artísticas” empenhadas em projetos de produção cultural que
promovem reflexões sobre identidades nacionais (ALTMANN, 2008, p.9).

No entanto, ao longo da exibição do documentário, Glauber Rocha desenvolve


outra abordagem. Em oposição ao discurso do político, surgem imagens de
pobreza e calamidade pública. Ao invés de compor a imagem heroica do
governador de acordo com os elementos do ethos heroico tradicional, o diretor
imprimiu nova linha narrativa ao filme, que evidencia a dualidade estrutural
do documentário, centralizada na personagem heroica de Sarney (MARTINS,
2012, p.12).

O primeiro trecho fala da ligação entre o cinema e a crítica cinematográfica do diretor, tratando
da radicalização da sua prática fílmica, sobretudo em um sentido “revolucionário”, ou seja, uma
busca pela transformação estrutural pela via cultural. O segundo faz uma ligação entre os filmes
de Glauber Rocha – e Walter Salles – e a disputa das representações socialmente produzidas.
Seria um cinema que visa levar à reflexão, principalmente em temas relativos à identidade
nacional. O último fala como o diretor manipulava esteticamente seus filmes a fim de conseguir
um determinado efeito sobre sua plateia: em um filme que veicula um discurso político, ele
opõe a imagem e o som ao texto, levando a uma desconstrução.

A prática política de Glauber Rocha no campo artístico é outro assunto que se faz
justificativa das pesquisa. Os pesquisadores constroem o diretor como a liderança do Cinema
Novo, ou do cinema nacional em geral, alguém com a capacidade de organizar em torno de si
ideias que dariam legitimidade a certas práticas. Além disto, é tratado como um intelectual de
alcance internacional. As passagens a seguir ilustram estas afirmações:

não é sobre o moderno enquanto categoria que eu desejo falar, mas como, no
discurso historiográfico e na crítica cinematográfica, as narrativas sobre o
cinema nacional foram se articulando para dar vazão a um conjunto de
inquietações capazes de gerar uma ideia de projeto cinematográfico chamado
de Cinema Brasileiro Moderno e como este projeto esteve – e está em muitos
casos – intimamente articulado a um nome: Glauber Rocha (LIMA, 2012,
p.15).

A fortuna crítica sobre a obra do cineasta Glauber Rocha é extensa. Se por um


lado essa bibliografia reconhece a importância de um dos mais criativos

38
diretores do nosso cinema, por outro, registra significativos momentos da
história da cinematografia brasileira (SILVA, 2007, p.6)

Glauber Rocha foi um dos principais idealizadores do Cinema Novo,


movimento cinematográfico nacional que promoveu intensa discussão sobre
o conceito de cultura brasileira (MARTINS, 2012, p.11).

Há certo risco em falar de Glauber. É um realizador que pode ser, muitas


vezes, um dos mais lembrados ou citados do cinema brasileiro, ao se tomar
certa perspectiva mais afeita ao modelo da genialidade e à periodização em
torno de movimentos vistos em relações de preponderância sobre outros
(LIMA, 2014 p.13).

A primeira citação trata da participação de Glauber Rocha na definição do que é o Cinema


Moderno Brasileiro. Ao falar da construção desta categoria enquanto narrativa que compreende
apenas um cinema possível no país, cita Glauber Rocha como seu ponto de convergência e seu
principal beneficiário. As duas seguintes fazem um comentário sobre a posição de destaque do
cineasta no movimento Cinema Novo, seu título de líder, enquanto o último trecho trata o
diretor como um artista consagrado, a quem a imagem de genialidade é sempre associada, o
que poderia render alguns contratempos ao pesquisador, sobretudo quando parte de uma
perspectiva de desconstrução.

Como vimos e como vamos ver em todo este trabalho, Glauber Rocha político e a
política dos filmes de Glauber Rocha são as principais temáticas verificadas por mim nas
pesquisas estudadas aqui, seja para justificar a validade de suas pesquisas, seja como
representação social que se estabelece e se firma nas percepções destes pesquisadores.

39
CAPITULO 2: UM CINEASTA VISTO PELA CIÊNCIA

Neste capítulo irei trabalhar com as palavras-chave e os resumos das teses e dissertações
sobre Glauber Rocha com o objetivo de observar a maneira como cada uma destas áreas estuda
o diretor. Realizarei uma pesquisa exploratória a fim de descrever as especificidades de cada
uma.

Uma pesquisa exploratória pode ser utilizada para diversos fins, como por exemplo,
gerar conhecimento sobre um tema que o pesquisador não possui tanta familiaridade. Isto pode
auxiliar na formulação de hipóteses e na definição dos objetivos de pesquisa mais bem
acabados. Como definido por Gil (1999),

pesquisas exploratórias são desenvolvidas com o objetivo de proporcionar


visão geral, de tipo aproximativo, acerca de determinado fato. Este tipo de
pesquisa é realizado especialmente quando o tema escolhido é pouco
explorado (GIL, 1999, p.43).

Com isto pretendo descobrir 1) se há algum tipo de regularidade no tratamento do objeto nas
disciplinas e 2) se há o diálogo entre as áreas.

Partirei por este caminho pela percepção de que há um movimento de “fechamento”


disciplinar em “toda” ciência. Isto significa dizer que os campos se tornam “feudos” autônomos,
com fronteiras bem estabelecidas e pouca interação entre teorias e de percepção dos fenômenos
(MORIN, 2005), mesmo que haja um discurso de valorização da interdisciplinaridade, que
segundo Morin (2005) soa mais como um desejo do que uma realidade, já que a
“interdisciplinaridade controla tanto as disciplinas quanto a ONU controla as nações (MORIN,
2005, p.135)”.

O que Morin diz sobre a “individualização” das disciplinas tem um efeito sobre esta
pesquisa. Esta dissertação trata sobre um objeto que é estudado por diversos campos das
ciências humanas. Temos quatro disciplinas com maior números de estudos, como visto no
capítulo anterior: Letras, História, Ciências Sociais e Comunicação Social, além de outras,
como a Filosofia. Se as áreas são diferentes, mas compartilham o mesmo objeto, há algum tipo
de interação entre elas?

Outro aspecto importante diz respeito a origem deste objeto. Glauber Rocha foi um
artista de renome que atuou como cineasta e escritor, sobretudo publicando ensaios sobre teoria
cinematográfica. Se levarmos em consideração Morin (2005), é possível supor que disciplinas

40
mais próximas do cinema e das artes, como a Comunicação Social, seriam dominantes. Vimos,
por outro lado, que há um grande número de estudos feitos por áreas que não possuem uma
afinidade direta com o assunto, como as Ciências Sociais e a História. Apesar de resolver
melhor este problema no próximo capítulo, quando farei uma investigação das bibliografias a
fim de descobrir quais são os principais autores mobilizados nas pesquisas, este capítulo pode
fornecer evidências para discutir esta questão, e é por isto que me atentarei à existência ou não
de diálogo entre as disciplinas, não apenas no interior de cada uma delas.

Por uma questão organizacional, separei os subcapítulos por área do conhecimento: 1)


Letras, 2) História, 3) Ciências Sociais/Sociologia, 4) Comunicação Social e 5) Outras áreas,
desta maneira poderei dar uma maior atenção aos pontos específicos de cada uma. Além disto,
em um subcapítulo adicional, farei uma discussão transversal às áreas do conhecimento.

2.1.1 Letras

Para além de um cineasta, Glauber Rocha foi um escritor prolífero. Foram editados três
volumes com textos escritos sobre cinema: Revolução do Cinema Novo (1981), Revisão Crítica
do Cinema Brasileiro (1963) e O Século do Cinema (1981), um romance: Riverão Sussuarana
(1978), além de ter tido uma longa carreira como articulista em revistas e jornais, escrito
roteiros de filmes, peças de teatro e poesia, com grande parte do conteúdo inédito. Isto faz com
que o interesse da Letras pelo diretor não seja surpreendente.

Para observar se há um diálogo entre as pesquisas, recorri às palavras-chave escolhidas


pelos autores para definir suas teses e dissertações. Glauber Rocha, utilizado em nove trabalhos,
cinema em cinco, literatura, poesia e Cinema Novo, com duas aparições são as únicas palavras-
chave que se repetem ao logo de 14 obras de Letras em um total de 47 palavras diferentes.
Como há pouca repetição de palavras, ao invés de apresentar uma tabela com a frequência de
cada uma, criei grupos a partir dos quais observei um diálogo entre elas. Desta forma, Sertão e
América Latina formam um mesmo grupo relativo a localidades ou espaços geográficos.

A partir daqui, apresentarei os grupos mais importantes. Denominei o primeiro, no


quadro XII de Conceitos/Categorias, contando com dez palavras-chave. Essas palavras
fornecem pistas do caminho que irá percorrer o pesquisador, tanto analítico quanto de
organização. Estas palavras podem ser evidências de elementos identificados na vida e na obra
de Glauber Rocha, bem como de formas de explicação dos fenômenos:

41
Quadro XII:
Conceitos/Categorias
Discurso
Identidade
Poder
Sujeito
Anti-imperialismo
Guerrilha
Interdisciplinaridade
Campo Intelectual
Campo Literário
Subjetividade

O segundo grupo, no quadro XIII, também com dez palavras, foi denominado de
Elementos Literários. Neste grupo reuni palavras e expressões que fizessem menções a estilos
literários ou questões relativas à escrita. O alto número de palavras que remetem a questões
literárias em teses e dissertações da área de Letras confirma a ideia de que cada disciplina trata
o fenômeno de maneira própria:

Quadro XIII:
Elementos Literários
Teatro
Roteiro
Literatura
Teatro Épico
Poesia
Ensaísmo
Biografia
Relações Entre
Literatura
Ficção

Narratividade

O terceiro grupo, no quadro XIV, com o maior número de palavras, seis, foi denominado
de Nomes próprios. Todos os nomes são de escritores, incluso aí Glauber Rocha. Isto demonstra
que as teses e dissertações de Letras estão tratando, ao estudar Glauber Rocha, de questões que
ultrapassam o cinema em si:

42
Quadro XIV:
Nomes de Escritores
Glauber Rocha
Bertolt Brecht
Darcy Ribeiro
Euclides Da Cunha
Xenofonte
Deleuze

O quarto e último grupo, Espaços Geográficos, dizem respeito a locais importantes para
o diretor. Como veremos mais adiante, existe uma forte relação entre ele e os espaços
(geográficos) e políticos utilizados como palavras-chave, sobretudo o Sertão e a América
Latina:

Quadro XV:Espaços
Geográficos
América Latina
Terceiro Mundo
Espaço Sertanejo
Sertão

A partir do uso dessas palavras-chave podemos dizer algo sobre as teses e dissertações
da área de Letras. Em primeiro lugar, é uma área com estudos bem característicos. Somando o
grupo de Elementos Literários e Nomes Próprios, teremos 16 palavras-chave com abordagem
mais ou menos esperada para a área como os escritores, teatro, poesia, dentre outros. Glauber
Rocha é tratado com relação a estudos que são tradicionais neste campo. Outro aspecto
importante são as categorias e conceitos, o que demonstra uma preocupação de delimitação e
definição, ou seja, de uma prática de análise científica. A seguir, vamos aos resumos para
observar o que eles dizem, se há um diálogo entre eles e se eles estão coerentes com as palavras-
chave.

O primeiro aspecto marcante nas teses e dissertações estudadas é a relação direta e as


associações que os pesquisadores fazem entre a obra do cineasta e de outros artistas, escritores
e dramaturgos. Este caminho é feito especialmente em duas direções: 1) elementos de obras
literárias e teatrais na obra do diretor, 2) a comparação de obras de escritores com as obras do
cineasta.

43
Diversos autores de teses e dissertações indicam que há uma interlocução entre Glauber
Rocha e alguns escritores influenciam a obra do diretor. Os resumos discutem a forma como
ele se apropria do teatro e da literatura na composição política e estética de seus filmes. Os
seguintes fragmentos são representativos desta avaliação feita pelos pesquisadores:

Esta tese sobre a produção cinematográfica de Glauber Rocha visa mostrar


como o sertão euclidiano, reconhecido no trabalho do cineasta durante a
década de 1960, retorna durante a década de 1970 por intermédio do
historiador grego Xenofonte a partir do roteiro La nascita degli dei, escrito na
Itália, durante o período de exílio, e publicado no mesmo ano de sua morte
(PANAROTTO, 2012, p.9).

Esta pesquisa teve por objetivo verificar, nos filmes e na obra escrita de
Glauber Rocha, a presença de elementos da estética de Bertolt Brecht. Foram
selecionadas seqüências de O dragão da maldade contra o santo guerreiro e de
Der leone have sept cabezas para análises mais detidas, passando-se em
seguida a uma observação mais geral dos procedimentos e conceitos
brechtianos na obra de Glauber Rocha (GUTIERREZ, 2008, p.5).

A presente dissertação visa a uma abordagem crítica da linguagem


cinematográfica de Glauber Rocha, enfocando principalmente suas relações
com a estética teatral. Para tanto, desenvolveremos um estudo sobre três
filmes de sua cinematografia: Barravento (1961), Deus e o Diabo na Terra do
Sol (1963) e Terra em Transe (1967). As referências teatrais abordadas são
Bertolt Brecht e Antonin Artaud (SILVA, 2007, p.4).

O primeiro trecho trata da influência de Euclides da Cunha e sua construção de sertão na obra
do cineasta baiano. Além da influência do escritor, os pesquisadores identificam que há uma
relevante contribuição do dramaturgo alemão Brecht, além de Antonin Artaud na construção
narrativa e política do cinema de Glauber Rocha. Como é possível visualizar, há uma
apropriação e influência de aspectos literários na sua produção cinematográfica.

O segundo ponto trata da comparação de Glauber Rocha com escritores. Estas pesquisas
afirmam haver uma articulação entre a obra do diretor e a de alguns escritores. Eles
compartilhariam temas, aspirações políticas e mobilizariam representações sociais semelhantes.
Vamos nos atentar para os seguintes exemplos:

Neste trabalho, investigamos quatro narrativas ficcionais brasileiras que


assumiram de modo ativo para seu arranjo o território sertanejo: Pedra Bonita
44
(1938) e Cangaceiros (1953), do escritor paraibano José Lins do Rego, e Deus
e o diabo na terra do sol (1964) e O dragão da maldade contra o santo guerreiro
(1969), do cineasta baiano Glauber Rocha. Partimos do pressuposto de que os
dois romances e os dois longas-metragens, mesmo que produzidos em um
hiato histórico de trinta e um anos, ao elegerem o ambiente rural-sertão
comportam e congregam uma inquietação com os rumos que a modernidade
periférica assumia no Brasil (SANTOS, 2012, p.7).

Este trabalho é composto por uma análise de poesia e cinema. As obras do


poeta Manoel de Barros e do cineasta Glauber Rocha são lidas, de modo
crítico, com apoio em teorias da literatura comparada, dos estudos culturais,
da semiótica, da linguística, da crítica e teoria literária e da crítica e teoria
cinematográfica. Nosso objetivo é refletir sobre a obra de arte na
contemporaneidade e suas influências e transformações sofridas nos séculos
XX e XXI. Para isso, utilizamos o acervo dos dois autores mencionados
porque este método nos permite observar o trânsito fluente e o diálogo mútuo
entre criação literária e criação cinematográfica, aproximando elementos
estéticos, estruturais, temáticos e estilísticos, sem a subordinação de um
campo artístico ao outro (Moura, 2013, p.7).

Essa dissertação tem por objetivo estudar a interlocução entre Glauber Rocha
e Darcy Ribeiro, a partir do visível, das vozes, da antropofagia em Utopia
Selvagem: saudades da inocência perdida, uma fábula, do roteiro de Idade da
Terra e o respectivo filme (RICARDO, 2007, p.7).

Estes três fragmentos demonstram a perspectiva dos autores sobre a relação do diretor e dos
escritores escolhidos como interlocutores. O primeiro faz um diálogo entre os filmes de Glauber
Rocha e dos livros de José Lins do Rego, demonstrando que a sua representação do sertão
resguarda afinidades políticas e temáticas, principalmente com relação à modernização
brasileira. O segundo trata da relação entre a estética do filme e a estética da poesia a partir da
comparação da obra do cineasta e de Manoel de Barros, afirmando a existência de um trânsito
entre estas duas formas de arte distinta, sem que haja a subordinação entre elas. O último trata
do diálogo entre Glauber Rocha e Darcy Ribeiro, afirmando que há, dentro de Utopia Selvagem,
elementos que serão mobilizados por Idade da Terra (1980), último filme do diretor.

Outro tema recorrente nas teses e dissertações diz respeito à estética e política dos filmes
de Glauber Rocha. Os resumos expõem a preocupação do diretor em atualizar a estética do
filme, trazendo um rompimento da dualidade política/estética, fazendo com que uma seja parte
45
da outra e vice-versa. Além disto, demonstram quais os principais elementos políticos de sua
obra, como veremos nas seguintes passagens:

A análise dos filmes levou ao encontro da história do Brasil, da América


Latina em sua relação com a África, da guerrilha, do pensamento político e da
figura mítica de Che Guevara. A observação de recursos do teatro épico em
uma obra cinematográfica gerou a apreciação das especificidades do cinema
na busca por uma participação reflexiva e crítica do espectador, e o
aprofundamento na compreensão da relação entre cinema e teatro
(GUTIERREZ, 2008, p.5).

Adotamos o filme Claro (Itália, 1975) de Glauber Rocha como corpus, em sua
materialidade complexa de linguagem verbal e visual, a fim de depreender
como são produzidas identidades sociopolíticas. Claro é organizado em
pequenas narrativas marcadas por questões políticas do contexto histórico e
pela presença constante da atriz francesa Juliet Berto, numa mescla de ficção
e documentário. Tivemos o objetivo de descrever, analisar e interpretar a
construção de identidades, que trazem à luz discursos sociopolíticos da
modernidade e sua efemeridade no cotidiano. Partimos da hipótese de que os
discursos em Claro apontam para um imbricamento entre a materialidade
verbal e visual e dessas com a memória na constituição de identidades
sociopolíticas (SANTOS, 2011, p.9).

Essa dissertação apresenta um estudo crítico do filme Deus e o Diabo na Terra


do Sol (1964) do cineasta baiano Glauber Rocha e o seu desdobramento na
abordagem que faz o cinema sertanejo contemporâneo, especificamente nos
filmes Árido Movie e Baile Perfumado dos diretores pernambucanos Paulo
Caldas e Lírio Ferreira. A pesquisa considera o contexto em que Deus e o
Diabo surgiu, seu esteio estético e discursivo, sua proposição de resgate de
uma memória popular coletiva em torno dos fatos intrínsecos ao sertão do
Canudos, detidamente o cangaço e o messianismo e o embate que o filme
encena entre a versão do povo sobre estes fatos e aquela contida na história
oficial (SILVA, 2015).

Como dito, os autores preocupam entender os aspectos políticos e estéticos da obra do diretor.
O primeiro fragmento explora a forma como Glauber Rocha liga o “terceiro-mundo”, fazendo
uma ponte entre Brasil, América Latina e África, buscando mesclar a história destas localidades,
além de alertar para as especificidades políticas existentes nestes espaços. Em adição, trata da

46
instrumentalização do cinema ao se aproximar da estética teatral, fazendo com que os
espectadores interajam com o filme, não apenas como uma peça de entretenimento, mas de
reflexão, discussão retomada no segundo resumo. A construção das imagens, a mescla entre
documentário e ficção e a narrativa contextualizada politicamente é utilizada como forma de
construção de identidade sociopolítica. A última seção fala do resgate da memória popular
brasileira e da discussão sobre o povo e do sertanejo pelos filmes do diretor. Ele indica que
Glauber Rocha está em uma disputa pela versão dos fatos trazidos pela história, buscando
valorizar e ressignificar estes elementos com relação às versões oficiais.

Vimos, portanto, que a área de Letras possui dois tipos de pesquisa em destaque. A
primeira é a relação de Glauber Rocha com a literatura e o teatro, seja como fonte de inspiração,
seja como interlocutores que travam possíveis diálogos políticos e estéticos. Além disto, há uma
preocupação deste campo em discutir os aspectos estéticos e políticos, demonstrando uma
articulação entre forma e conteúdo dos filmes do diretor. Se levarmos em consideração os três
grupos mais importantes de palavras-chave e o que é mobilizado pelos autores nos resumos, é
possível observar uma leve correspondência, sendo que o segundo grupo, Nomes próprios, é o
mais representado nos textos, enquanto os demais aparecem diluídos em relação a outras
questões.

2.1.2 História

Assim como na área de Letras, utilizarei as palavras-chave para observar de maneira


geral se há um diálogo temático entre as teses e dissertações de História. Como no subcapítulo
anterior, há pouca repetição e um grande número de palavras, 31, sendo as mais recorrentes:
Glauber Rocha, utilizada por sete trabalhos, Cinema, por cinco, História, por quatro, Cinema
Novo e Terceiro Mundo em duas pesquisas.

Agrupei as palavras de acordo com a afinidade entre elas. Diferente da área de Letras,
há uma maior fragmentação, sendo possível identificar apenas um grupo relevante,
Conceitos/Categorias. Utilizei a mesma denominação por tratar de um grupo com as mesmas
características já observadas.

Quadro XVI:
Conceitos/Categorias
Ética
Intelectuais
Diáspora

47
Cultura Popular
Identidade Nacional
Cultura Brasileira
Política
Civilizado
Bárbaro
Tricontinental
Alegoria
Memória
Sertão
Experimentalismo
Fílmico
Terceiro Mundo
Western
Nordestern

O grupo Conceitos/Categorias de Letras possui 11 palavras, enquanto o de História 17.


A natureza científica das pesquisas explica a utilização de tais palavras na área de História e,
assim como no outro campo, mostra haver um esforço analítico e classificatório no trato do
objeto. Uma diferença com a minha classificação atual e a anterior é a alocação de Sertão e
Terceiro Mundo no mesmo grupo que os outros. Considerei que duas palavras seriam
insuficientes pra justificar um grupo próprio e estas duas palavras também podem ser vistas
como definição de espaços, além de geográficos, políticos.

A partir dos resumos foi possível identificar dois temas recorrentes nas pesquisas sobre
Glauber Rocha e que perpassam todos os trabalhos da área. O tema com maior
representatividade são os aspectos políticos relacionados ao diretor e sua obra, enquanto o
segundo são os aspectos temporais e históricos do seu cinema.

Apesar de haver uma unidade temática, os autores partem de pontos diferentes para a
análise. Com relação aos aspectos políticos, há os pesquisadores preocupados com a atuação de
Glauber Rocha enquanto intelectual, enquanto outros dão maior atenção aos elementos das
obras do diretor. Os seguintes fragmentos lidam especificamente com a atividade política do
cineasta:

Glauber Rocha, cineasta e um dos principais membros do Cinema Novo


brasileiro, se tornou internacionalmente conhecido por sua cinegrafia marcada

48
pela crítica social e por seus fins político-didáticos. Sua atuação como crítico
de cinema e sua participação nos debates em torno das políticas públicas de
fomento à indústria cinematográfica no Brasil lhe renderiam o título de 'líder'
do movimento cinemanovista e o afirmaram, ao longo dos anos sessenta e
setenta, como um dos artistas-intelectuais de maior expressão política do país
(SILVA, 2012, p.7).

Engajado no exercício de uma prática cinematográfica que objetiva denunciar


os males da opressão, Glauber Rocha adquiriu prestígio internacional com
uma produção marcada por dimensões políticas (BESSA, 2008, p.8).

A atuação internacional de Glauber Rocha, entre 1969 e 1974, foi delineada


pela realização destes filmes, a publicação de artigos e entrevistas em
periódicos europeus e latino-americanos e, finalmente, a participação em
festivais, encontros e congressos de cinema. Estas formas de ação
consolidaram as ideias e os anseios do cineasta, bem como explicitaram as
fronteiras e os impasses as suas expectativas. (...) Nossa tese pretende
demonstrar que o Cinema Tricontinental fez convergir um programa político
de unidade do Terceiro Mundo, uma criação estética pautada na incorporação
da religiosidade popular e uma perspectiva de revolução social -
simultaneamente, utópica e redentora (CARDOSO, 2007).

As três passagens reproduzidas aqui têm três dados em comum: 1) tratam Glauber Rocha como
um agente político em relação ao exterior, 2) falam da sua preocupação enquanto cineasta
engajado que reproduz em seus filmes um projeto político e 3) descrevem o diretor como
alguém datado de prestígio, uma liderança. São três características constantemente atribuídas a
ele e que ajudam entender a forma como os pesquisadores o entendem com relação ao mundo
social, além de fornecer subsídios para compreender seus projetos políticos e estéticos.

Os pesquisadores também estão preocupados em descrever a forma como seus filmes


carregam estes projetos e se tornam ferramentas para Glauber Rocha atingir seus objetivos. Os
trechos a seguir ilustrarão melhor este raciocínio:

Esta tese tem por objetivo analisar três filmes do cineasta brasileiro Glauber
Rocha realizados no exterior: O leão de sete cabeças (Congo/Itália/França,
1970), Cabeças cortadas (Espanha, 1970) e História do Brasil (Cuba/Itália,
1972-74, co-dirigido por Marcos Medeiros). (...) Acreditamos que os filmes
analisados constituem o núcleo dinamizador de um projeto formulado por
Glauber Rocha de integração política e estética das cinematografias dos países
49
pobres dos três continentes (América Latina, África e Ásia) (CARDOSO,
2007)

Em Der Leone have sept cabeças, há a convivência de tempos históricos


distintos, nos quais o presente é posto em suspenso, portanto passível de
questionamento. Neste processo, as tradições orais possuem papel
preponderante, pois é a partir delas que é criticado o olhar enviesado do
europeu em relação ao Terceiro Mundo. Assim, as afinidades aqui elencadas
entre os cinemas de Glauber e Sembene permitem delinear novos olhares à
filmografia de ambos, a partir de um diálogo diaspórico, tricontinental e
político-cultural (SOUZA, 2012, p.6).

O transe subverte as dicotomias estáveis entre o privado e o público, a


realidade e a ficção. Neste sentido, são elaborados discursos e signos fílmicos,
aptos a dialogar com o contexto sócio-cultural brasileiro, apontando para suas
ambiguidades, incertezas e tensões (BUENO, 2010, p.7)

A noção de ferramenta fica evidente no primeiro excerto. Os filmes do diretor seriam utilizados
para botar em prática um projeto de integração política e estética do cinema do “terceiro-
mundo”. O segundo, já tratando da temporalidade no cinema de Glauber Rocha, fala sobre a
crítica do autor ao olhar dos europeus com relação aos países subdesenvolvidos, além de tratar
do diálogo político pretendido pelo cineasta com seus interlocutores do terceiro-mundo. O
último fragmento trata do conteúdo político de forma a ilustrar que sua obra dialoga com a
conjuntura brasileira, denunciando a condição precária do país.

O segundo tema lida com a temporalidade e historicidade no cinema de Glauber Rocha.


Como veremos a seguir, existem duas dimensões importantes que são articuladas pelos
pesquisadores: 1) a influência do tempo histórico na obra do diretor e 2) a forma como os filmes
representam a temporalidade e a historicidade. Vejamos os fragmentos a seguir:

Parte-se do entendimento que a produção de significados da obra


cinematográfica (as escolhas estéticas e a manipulação da linguagem)
expressa as determinações e as influências do processo histórico (das relações
sociais e econômicas, da produção da cultura e da experiência pessoal do
cineasta) (CARDOSO, 2007)

Esta passagem trata exatamente do primeiro ponto. Seu autor afirma que a pesquisa
parte de um pressuposto: que o tempo histórico e a vivência social de Glauber Rocha vão
interferir na construção de seus filmes e nas representações sociais e lutas que eles trazem. Os
50
próximos dois trechos ilustrarão o que as teses e dissertações de história falam sobre a
historicidade e temporalidade nos filmes do diretor:

O estudo que se materializa nesta dissertação de mestrado coloca-se num


campo de pesquisa historiográfica que articula a relação entre Cinema e
História. Inspirado em alguns aspectos de História de Walter Benjamin,
procuro analisar, no filme Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964), escrito e
dirigido por Glauber Rocha, rememorações de passados oprimidos,
associados a diferentes tempos históricos da sociedade brasileira de final dos
anos 50 e início da década de 60 (GOMES, 2010, p.6).

Os filmes analisados aqui serão Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964), Terra
em Transe (1967) e O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro (1969).
Apesar das peculiaridades de cada um, podemos perceber que, neles existe a
afirmação de uma historicidade na qual se articulam eventos de natureza
econômica, política, cultural, devido ao caráter específico do tempo histórico.
Para Deleuze, o cinema de Glauber Rocha se liga à ideia de transe. Entende-
se que esse elemento se relaciona com a temporalidade histórica dos filmes,
constituindo um estado no qual o tempo cronológico perde sua lógica e sua
concretude ((BUENO, 2010, p.7).

Como podemos ver, ambos os autores discutem os elementos temporais e históricos dos filmes
de Glauber Rocha. O primeiro fala do resgate que o autor faz do passado, para relembrar dos
oprimidos em diferentes tempos históricos. Neste sentido, o diretor condensaria nas suas
narrativas distintos períodos de maneira “anacrônica”, os filmes criticam o presente lembrando
de um passado que nem sempre é bem definido. O segundo trata da alusão à ideia de transe. O
transe seria a suspensão do tempo histórico, ou seja, não há uma definição clara a época em que
está inscrita a ficção do diretor, mesmo que haja uma crítica histórica e social.

Retomando o primeiro tema, há uma associação da crítica social dos filmes de Glauber
Rocha a este elemento histórico. Muito da percepção que os pesquisadores têm de Glauber
Rocha enquanto um artista e, sobretudo, um intelectual engajado com a mudança social, parte
da relação que fazem dos seus filmes com a crítica colonial. Parcela relevante de sua obra é
dedicada em capturar sua ideia do homem do “terceiro-mundo” frente aos seus colonizadores.
Outro aspecto importante levantado pelos historiadores é sua relação com a crítica do presente,
no que emerge o segundo tema mais discutido dentro das teses e dissertações aqui estudados: a
representação histórica e a temporalidade dentro dos filmes. Isto não quer dizer que os

51
historiadores estariam preocupados com os valores históricos nas películas, eles não afirmam
que Glauber teve o interesse de retratar um período, ou reproduzir um tempo histórico
específicos. Eles identificam sim, uma relação com o passado, em um “mapeamento” histórico
das opressões sofridas pelo povo; contudo, a dimensão mais importante da análise se dá na
suspensão da história dentro dos filmes. É recorrente a ideia de que os filmes do baiano estão
“fora” da história, num sentido de que os seus registros não estão inseridos na temporalidade
tradicional da historiografia.

2.1.3 Ciências Sociais

As Ciências Sociais possuem seis trabalhos defendidos sobre Glauber Rocha. Neste
subcapítulo iremos demonstrar qual a especificidade desta disciplina no estudo deste objeto.
Assim como nos outros subcapítulo, vamos usar as palavras-chave e os resumos das teses e
dissertações.

Esta área possui um número menor de palavras-chave, 19, e assim como acontece nas
outras, há pouca repetição: Glauber Rocha é utilizada em três trabalhos, América Latina e
Cinema em dois. O único grupo de palavras que pode ser formado quanto à afinidade é o de
Conceitos/Categorias, como visto no subcapítulo anterior.

Quadro XVII:
Conceitos/Categorias
Identidade nacional
Habitus
Transmissão De
Conhecimento
Estética
Semiótica
Crítica
Cultura
América Latina
Revolução Brasileira
Ética Revolucionária
Como conceitos e categorias, estas palavras-chave não são apenas o assunto de cada
trabalho, mas demonstram o fazer e o recorte das pesquisas. Eles nos dão pistas da abordagem
que será utilizada pelas teses e dissertações, além de demonstrar que há uma preocupação
científica nos estudos, como nas outras disciplinas. Por exemplo, Revolução Brasileira e Ética
Revolucionária sugerem um recorte político, questão importante, como veremos a seguir.
52
Ao observar os resumos, veremos que há dois assuntos que se destacam com relação
aos demais tratados pelas teses e dissertações. Fora as especificidades de cada pesquisa, há duas
questões que se repetem: 1) a estética política dos filmes do cineasta, bem como o seu conteúdo
e sua mensagem política e 2) Glauber Rocha com relação à América Latina.

Há dois elementos importantes nas análises sobre Glauber Rocha que tratam da noção
de política relativos ao cineasta. O primeiro e mais recorrente é com relação ao conteúdo
político das obras. Os dois resumos a seguir tratam disto:

a linguagem musical é utilizada como ferramenta privilegiada de análise em


relação à percepção temporal e aos idiomas modal e tonal, assim como aos
pares, rural e o urbano, moderno e o arcaico, erudito e popular. Em outra
chave, o nacionalismo presentes nestes filmes reflete, também o pensamento
de Mário de Andrade sobre a cultura popular e o papel do intelectual em
relação a esta cultura, retomado por Glauber e problematizado em imagem-
som nestes três filmes (SIQUEIRA, 2014).

Os cinemanovistas produziram narrativas audiovisuais sobre a teoria e a ação


revolucionária, em concomitância com as narrativas escritas no seio da
militância e da intelectualidade, consagrando-se, assim, como alguns dos
principais formuladores da ideologia da revolução brasileira. Com base nessa
premissa, analisa-se como o filme Terra em transe (1967) problematiza o
ideário revolucionário hegemônico em três contextos distintos (CASTELO,
2010, p.7).

É interessante notar que estes autores traçam caminhos diferentes em suas pesquisas. O primeiro
privilegia a música utilizada pelo diretor em seus filmes, enquanto o segundo trata de um filme
específico para discutir uma questão – no caso, a crítica do cineasta ao ideal revolucionário
brasileiro. Por outro lado, vemos que há um interesse em discutir como ele aborda alguns
assuntos. No primeiro resumo, discute-se a presença de uma questão política específica: o
nacionalismo, enquanto o segundo trata da percepção de Glauber Rocha, traduzida no filme,
dos ideias revolucionários no país.

O segundo ponto tratado nos resumos é a forma como o filme se insere em na relação
política. O seguinte fragmento serve de ilustração para este caso:

53
A pesquisa abordará como o espectador pode cooperar esteticamente na
produção de sentidos, a partir da percepção do questionamento proposto pelo
autor sobre as formas de representação do poder (MARTINS, 2013, p.6).

Já vimos em outras pesquisas da área de Letras que Glauber Rocha teria uma preocupação em
fazer com que seus filmes criassem um diálogo com os espectadores, levando a um incomodo
que pudesse modificar suas percepções. Esta abordagem também é trazida pelas Ciências
Sociais. O cineasta, com sua obra, faria com que o público colocasse suas ideias com relação
ao que é sugerido no filme, buscando uma modificação no sentido dado à realidade.

As Ciências Sociais também estão preocupadas em tratar da relação do diretor com a


América Latina. Segundo as pesquisas da área, ele não apenas produz representações sobre o
continente, mas estaria se referindo a ele de maneira ativa. Os trechos a seguir podem nos dar
a dimensão deste fato:

Nosso objetivo é realizar uma investigação para detectar se, quando e como,
aparece na obra do cineasta a "ideia" de América Latina. A nossa principal
hipótese de trabalho é que o crítico e diretor de cinema foi o primeiro cineasta
a ser dotado de uma reflexão de natureza efetivamente latino-americana
(OLIVEIRA, 2011).

Com base em críticas cinematográficas de três países – México, Cuba e


Argentina – a tese trata da recepção latino-americana de dois cineastas
brasileiros: Glauber Rocha e Walter Salles. Desta recepção busca-se
compreender as construções identitárias por intermédio de quatro categorias
mencionadas regularmente nas críticas: os “nomes” dos cineastas, os “reais”
expressados em seus filmes, assim como os “espaços” e os “tempos” revelados
(ALTMANN, 2008, p.3).

Como podemos ver, o primeiro excerto fala justamente da preocupação de Glauber Rocha em
tratar a América Latina, em refletir o que significa viver e ser deste continente. A palavra “ideia”
demonstra que há uma construção por sua parte do que é a América Latina, para além do
geográfico. O segundo trata da relação dos filmes do diretor com países latino-americanos e a
forma como eles contribuem para certas construções que se fazem a partir destas obras. Esta
construção não é apenas de criação de um imaginário, mas diz respeito à influência do diretor
sobre sua recepção. Desta forma, há uma interação entre Glauber Rocha e estes países, assim
como há a relação entre eles quando o cineasta busca trazer para o centro da sua reflexão a ideia
de América Latina.
54
Não muito diferente das outras áreas, as Ciências Sociais centram sua análise nos
elementos políticos da obra de Glauber Rocha. Para estas pesquisas, o diretor preocupa-se em
transmitir ideias e conceitos, além de fazer com que seus filmes sirvam como ferramenta de
reflexão. Além disto, os pesquisadores identificam uma relação especial do cineasta com a
América Latina, como ponto de reflexão e influência.

2.1.4 Comunicação Social

As pesquisas sobre Glauber Rocha na Comunicação Social distinguem-se das outras


áreas já estudadas. Diferentemente da História, Letras e Ciências Sociais nas quais o aspecto
político do diretor é ressaltado, gerando pelo menos um tema dominante, os estudos desta
disciplina tomam direções diferentes. Nos seis trabalhos podemos observar uma interação mais
clara em dois pares de dois. Levando isto em consideração, os apresentarei, abrindo mão de
tratar das palavras-chave, muito variadas e escassas.

Como dito, apenas dois pares de dois trabalhos dialogam entre si. O primeiro par trata
da relação entre a estética de alguns filmes do diretor e as artes-plásticas. Para estes autores,
Glauber Rocha teria semelhanças com outros artistas da época, e Câncer (1972), um dos seus
filmes menos estudados, seria o que mais enseja esta relação. Vejamos os fragmentos a seguir:

Neste trabalho procuro estabelecer as relações ente o cinema brasileiro e as


artes plásticas, a partir do período tropicalista, no final da década de 1960.
Tais relações podem ser situadas em um contexto cultural marcado pela
intensa troca entre os diferentes campos das artes, não apenas no Brasil, mas
em todo o mundo. A partir de três filmes – Câncer, de Glauber Rocha, A lira
do delírio, de Walter Lima Jr., e Exu-Piá, coração de Macunaíma, de Paulo
Veríssimo – realizados em diferentes décadas, mas possuidores de
características comuns, busca-se perceber conceitos que situam o fazer
cinematográfico no contexto da arte contemporânea. A aproximação com a
performance, a crise em torno da noção de autoria e a identificação com a
cultura popular urbana são os temas que norteiam os três capítulos desta
dissertação (REAL, 2008, p.4).

Tem-se por objetivo apontar para novos caminhos ainda insuficientemente


investigados, entre os quais ressaltamos determinados elementos plásticos e
formais ainda pouco considerados nos estudos críticos desta obra. Como
cremos, a maior parte dessas análises não levaria em conta as potências
estéticas mais evidentes em Câncer, desencadeadas principalmente a partir de
55
determinados recursos formais empregados no filme, caros ao cinema
experimental e próximos a procedimentos das artes plásticas de vanguarda.
Esta pesquisa buscaria, portanto, compreender e analisar estes artifícios
cinematográficos por meio de ferramentas dadas pelas teorias do cinema
experimental, assim como pelo diálogo com as demais artes que Câncer parece
estabelecer, notadamente com a vanguarda das artes plásticas brasileiras e a
trajetória artística de Hélio Oiticica na década de 1960 (DUARTE, 2012).

A primeira questão que pode ser inferida destes dois fragmentos é a forma como a estética
fílmica de Câncer se relaciona com a estética das artes contemporâneas. Ambos os autores
tratam da relação deste filme com artistas de vanguarda da arte brasileira, principalmente do
período tropicalista, como Hélio Oiticica. Segundo eles, a estética experimental do filme
estabelece um diálogo com a arte de performance. Podemos, fazendo uma segunda inferência,
dizer que o diretor tanto sofre influência deste movimento artístico, como gera sua influência.
Isto ocorreria, segundo os fragmentos, a partir de uma vivência comum, em um dado momento
histórico quando certas questões, como a autoria, estariam colocadas para todos estes artistas
que viveram neste período.

O segundo par fala da arte política do diretor. Estes autores trabalham a sua obra
enquanto meio de resistência de grupos minoritários. Para eles, há nas imagens construídas pelo
cineasta um desejo de apresentar e estabelecer os anseios de certos setores sociais,
invisibilizados, desprovidos de representatividade, como veremos a seguir:

Trata-se de uma preocupação mais ampla em discutir as políticas dos filmes,


maneiras singulares pelas quais o cinema pode inscrever no mundo uma
operação de ruptura estética que é já uma política. Nesse sentido, cabe pensar
com as obras algumas figuras que afirmam o cinema como campo de
resistências. Uma das questões que norteiam as discussões deste trabalho é a
dimensão de um devir minoritário, pensado a partir de Deleuze e Guattari, um
movimento no qual o cinema pode se engajar para tencionar com um visível
e um audível que se apresentam como fatos majoritários (LIMA, 2014)

Considerando o papel da mídia e do cinema como principal matriz cultural


das sociedades contemporâneas, e assim também um significativo espaço de
luta pela hegemonia, busca-se compreender o que e como essas representações
cinematográficas falam desse universo religioso em suas narrativas, e
identificar também as possibilidades de expressão desse grupo social
subalterno. Assim, essa pesquisa utiliza duas perspectivas complementares, da
56
Comunicação como elemento preponderante na construção do imaginário, da
subjetividade e das representações sociais; e também da Teoria do Cinema,
como veículo de representação de valores e concepções, com os quais os
indivíduos se identificam (SILVA, 2010).

Somos capazes de visualizar nestas passagens a dimensão da resistência. O primeiro fala sobre
como os filmes ativam potências de minorias, produzindo fugas do que é estabelecido
hegemonicamente. No segundo, há a exemplificação da resistência possível, construindo
narrativas com as quais os grupos subalternos possam se identificar, possibilitando a construção
de um certo imaginário, de uma percepção diferente que não seja a dominante.

Como dito, a Comunicação Social não é uma área que possui um tema que predomina,
uma abordagem centrada em um aspecto mais destacado da obra ou da trajetória de Glauber
Rocha. Considero isto um dado importante, já que se afasta da organização disciplinar que
vemos até agora. Uma pergunta que fica é se a Comunicação Social possui uma característica
mais difusa do que as outras áreas, ou seja, seja uma disciplina mais aberta, com menor
estabelecimento temático e teórico do que as outras.

2.1.5 Outras áreas

Além das quatro disciplinas que possuem mais de um trabalho, outras pós-graduações
tiveram estudos sobre Glauber Rocha: filosofia, música e planejamento urbano e regional.
Apesar da diversidade, os temas abordados nestas dissertações estão em diálogo com os trazidos
pelas outras disciplinas.

O sertão, abordado sobretudo na área de Letras, mesmo não sendo um tema dominante,
é trabalhado em Nordeste: razão e sensibilidade de Carla Torres Cavalcanti do Nascimento, da
área do Planejamento Urbano. Seu estudo foca, sobretudo, na construção do sertão feito pelo
filme de Glauber, Deus e o Diabo na Terra do Sol (1963) e por um semanário do Partido
Comunista Brasileiro:

A questão central deste trabalho recai sobre as imagens Nordeste/nordestino


construídas pelos seguintes discursos dos anos 50 e 60: 1) o semanário
produzido pelo Partido Comunista Brasileiro, Novos Rumos (1959-1964), e 2)
o filme Deus e o Diabo na Terra do Sol, dirigido em 1963 por Glauber Rocha.
Ambos os discursos são territorializantes, produtores de
“identidade/territorialidades Nordeste/nordestinos”, apesar de não deixarem
de assumir como pressuposto um espaço já recortado e inventado ao longo dos

57
tempos – a região Nordeste. Constroem Nordestes e nordestinos a partir de
práticas sociais que os inventam, moldam e sustentam dentro de campos
político, econômico e cultural (NASCIMENTO, 2009, p.4).

Em Quatro dias para filmar e quatro anos para montar e sincronizar: o problema da
temporalidade em Câncer de Glauber Rocha, de Paulo Yasha Guedes da Fonseca, da área de
Filosofia, há um retorno de um tema caro à História que é a temporalidade no filme. Aqui,
contudo, há uma diferença: a temporalidade também é expressa na realidade objetiva, já que é
o próprio tempo de construção do filme que se torna interesse:

O presente trabalho busca realizar uma análise do filme Câncer de Glauber


Rocha em vista de estabelecer as implicações políticas e culturais da sua
distensão temporal, internalizada como integrante da sua estrutura, entre os
quatro dias de captação de suas imagens, em agosto de 1968, e os quatro anos
que decorreram até a sua montagem e sincronização, sendo finalizado somente
em maio de 1972. A nossa hipótese é a de que, ao incorporar o tempo de sua
realização na forma, esta obra, por meio de duas inserções documentais
coladas nos dois últimos estágios de sua realização, efetua uma intervenção
política e cultural ao ano em que foi filmado. A partir da defesa da
experimentação na arte, no contexto das vanguardas culturais e políticas de
1968, Glauber Rocha procura, via finalização, apresentar a sua experiência na
forma de Câncer como experiência de uma época (FONSECA, 2015, p.8).

Em Tropicacosmos: interseções estéticas a partir da música de Caetano Veloso e do


cinema de Glauber Rocha, de Marcos Sarieddine Araújo, da Música, novamente a relação entre
os filmes de Glauber Rocha e a estética tropicalista é o foco da análise, aqui mais
especificamente em sua relação com a música:

Partindo da afirmação de Caetano Veloso em seu livro Verdade Tropical


(1997) de que ele entendeu sua missão tropicalista ao assistir ao filme Terra
em Transe (1967), de Glauber Rocha, é que iniciamos a nossa pesquisa nessa
ampla abordagem de aspectos ligados ao tropicalismo que vão além dele
mesmo, e que podem ser encontrados em outros meios como o
cinematográfico e o literário (ARAÚJO, 2014).

No próximo subcapítulo irei discutir mais profundamente o diálogo existente entre as


áreas, principalmente no que diz respeito ao cinema e à política, temas mais frequentes na

58
maioria das áreas estudadas. Além disto, buscarei articular estas descobertas com as hipóteses
que serão testadas no próximo capítulo.

2.2. Arte engajada politicamente: o tema dominante

Como vimos no decorrer deste capítulo, as disciplinas possuem suas especificidades.


Entretanto, foi possível observar um assunto recorrente, que permeia grande parte das
dissertações e teses estudadas, sendo o tema dominante em três das quatro áreas com o maior
número de estudos sobre Glauber Rocha: Arte engajada politicamente.

Como dito anteriormente, a pesquisa exploratória proporciona descobertas, nos permite


levantar questões quando um tema é desconhecido. Não posso dizer, contudo, que haja grande
surpresa em descobrir que o tema com maior representatividade nas teses e dissertações sobre
Glauber Rocha é o da arte engajada politicamente, já que ele escreve frequentemente que a
motivação por trás de suas obras é a transformação política revolucionária (ROCHA, 1981). O
que me reservou uma surpresa nesta pesquisa foi a disposição que me foi incutida de tratar este
tema. Neste subcapítulo, partindo dos trabalhos que vimos anteriormente, farei uma breve
discussão do assunto, recorrendo a autores para entender a relação entre arte e política,
sobretudo entre cinema e política. Também utilizarei alguns texto de Glauber Rocha, para
entender melhor como esta questão é mobilizada por ele. Quero deixar claro que farei apenas
uma discussão complementar, não é meu objetivo tornar este o foco da pesquisa, muito menos
em esgotar o tema. Dito isto, vejo que esta abordagem pode enriquecer aquilo que já lemos
nesta pesquisa e que leremos a seguir.

O primeiro ponto da relação entre arte e política tratado nesta dissertação foi o levantado
pela Letras. Ele discute a forma como Glauber Rocha articula seus filmes a fim de fazer uma
ligação entre a história dos países do dito “terceiro-mundo”. Este assunto é resgatado pela
História ao discutir a posição de liderança do diretor enquanto intelectual preocupado em
divulgar e batalhar pelo lugar do cinema subdesenvolvido no cenário mundial. As Ciências
Sociais também fazem uma relação do diretor com a América Latina, principalmente da sua
preocupação em construir uma reflexão sobre o continente, criar uma ideia do que é ser latino
americano, ser “subdesenvolvido”.

Em seus textos o diretor mostra-se preocupado com a condição da América Latina,


sobretudo no âmbito cinematográfico. Ele assume uma posição de “critico do estado da arte”,
acusando parte dos seus pares cineastas de não fazerem a ruptura estética necessária para

59
formulação de novas imagens que devem ser pintadas do continente. Acusa os artistas e
revolucionários, mesmo os mais engajados de serem reacionários, de negarem as vanguardas
artísticas, excetuando-se os cinemanovistas. Do ponto de vista estético o diretor escreve:

me desagradam as teorias de arte políticas feitas em termos não só de realismo


socialista como as teorias de realismo crítico definidas por Luckacs e todos
quanto escreveram sobre a arte revolucionária. Especialmente na América
Latina, onde se encontram grandes intenções nas declarações, mas os
resultados denotam uma alienação completa em relação ao processo
cinematográfico (ROCHA, 1981, p.138).

No mesmo texto o cineasta continua, agora discutindo a condição social e política do


continente:

Podridão mental, cultural, decadência que está presente tanto na direita quanto
na esquerda. Porque nosso subdesenvolvimento, além das febres ideológicas,
é de civilização, provocado por uma opressão econômica enorme (ROCHA,
1981, p.140).

Podemos ver que esta percepção não é simplesmente compartilhada pelos pesquisadores, mas
que é uma preocupação de escrita do próprio cineasta que dedicou grande parte de sua atividade
intelectual a produzir textos discutindo as condições do país, do cinema e do “terceiro-mundo”.

A segunda ideia importante encontrada nas pesquisas destas áreas é a do uso que
Glauber Rocha faz do cinema enquanto ferramenta de reflexão e discussão da realidade. Por
exemplo, a Letras pensa sobre como o cinema glauberiano se beneficia de uma influência
brechtiana, de induzir em seu público a reflexão, produzir o espanto, o incômodo. As Ciências
Sociais também dão respaldo a esta análise, aceita que os filmes do diretor têm um objetivo de
transformação a partir de uma interação com os espectadores. Na História há a mobilização da
ideia de que os filmes dele seriam ferramentas utilizadas como forma de efetivar um projeto
político e cultural. Letras e História concordam neste ponto, principalmente quando se pensa
em uma construção do Brasil, da história e de suas representações. Outro elemento importante
do engajamento artístico de Glauber Rocha diz respeito à forma como ele produz imaginário
sobre as minorias. Este tema aparece com força na Comunicação Social. Nesta área, o seu
cinema possuiria um potencial de criação de resistência, de produzir ruptura social,
principalmente com relação à realidade “oficial”.

60
Para Glauber Rocha, o cinema, a arte no mundo subdesenvolvido só é desejável se
anticolonial. Há a necessidade de romper com o colonialismo, onde o colono informa ao
colonizado sua condição. Para isto, o artista deve criar levando em consideração o princípio de
didática, de informar, mas também da épica, de criar o sentimento revolucionário. É por isto
que seus filmes tornam-se também ferramentas. A partir deles, o indivíduo colonizado pode
refletir sua própria condição, buscar se libertar da realidade imposta e produzir a sua própria.
Neste sentido

a nova cultura revolucionária, revolução em si no memento em que criar é


revolucionar, em que criar é agir tanto no campo da arte quanto no campo
político e militar é o resultado de uma revolução cultural-histórica
concretizando-se, no mesmo complexo, História e Cultura.

O objetivo infinito da liberação revolucionária é proporcionar ao


homem uma capacidade cada vez maior de produzir seus materiais e utilizá-
lo segundo um profundo desenvolvimento mental (ROCHA, 1981, 67-68,
grifo do autor).

Estes ideais de Glauber Rocha, sua teoria e sua prática se materializam nas pesquisas. Os
autores das teses e dissertações conseguem notar no seu cinema, em sua trajetória a efetivação
daquilo que tencionou, daquilo que previu para si, o que considerava correto. A recorrência
temática do artista engajado, do cinema político faz com que esta inferência seja possível. Para
além do próprio cineasta, há escritores e pesquisadores, como Ismail Xavier e João Carlos
Teixeira Gomes, que ajudam a embasar estas afirmações e a elas dar legitimidade.

Gomes (1997) enxerga Glauber Rocha como artista engajado, suas obras não se
prestavam ao mero exercício estético. O cinema deveria ser uma ferramenta de denúncia, uma
maneira de expor ao brasileiro sua condição de explorado, pois, para ele, Glauber Rocha
desejava no cinema uma prática revolucionária, visto que tenciona a revolução. Deste modo,
seus filmes carregam uma visão de mundo, um posicionamento perante a realidade. Gomes
afirma que para o diretor o cinema latino americano

deveria ser “empenhado, didático, épico e revolucionário”. Um cinema sem


fronteiras, de língua e problemas comuns, que levasse todas as experiências
no sentido de educar o espectador e analisar a realidade do país (GOMES,
1997, p.135).

61
Ismail Xavier (2007), reafirma este caráter da obra do cineasta. Segundo o crítico, assim
como diversos outros artistas de sua época, Glauber Rocha estava envolvido em uma série de
relações e projetos que visavam a transformação social, com um viés político e didático. Os
filmes serviriam como meio de construção de uma nova realidade voltada para o popular,
desafiando as instâncias instituídas do poder.

Nesta mesma linha de pensamento, Ridenti (2001) afirma a existência, nos anos de 1960,
mais do que em qualquer outro momento da história brasileira, de uma adesão dos intelectuais
àquilo que ele chama de romantismo revolucionário. Estes indivíduos desejavam contribuir
com a formação de um novo homem, que agisse no sentido de modificar a história. Entre estes
artistas e intelectuais estaria Glauber Rocha, com destaque para seu filme Deus e o Diabo na
Terra do Sol (1963). O autor aponta uma questão importante, discutida em obras de Letras,
História, Comunicação e de outras áreas do conhecimento estudadas: a valorização da
identidade nacional, do brasileiro subalterno e dilapidado, nos termos da resistência descritos
aqui. Segundo ele, a afiliação do diretor fazia com que este novo homem fosse buscado

no passado, na idealização de um autêntico homem do povo, com raízes rurais,


do interior, do “coração do Brasil”, supostamente não contaminado pela
modernidade urbana capitalista, o que permitiria uma alternativa de
modernização que não implicasse a desumanização, o consumismo, o império
do fetichismo da mercadoria e do dinheiro (RIDENTI, 2001, p.13).

Gostaria de fazer uma breve discussão sobre Glauber Rocha e seu engajamento na arte
política. Bourdieu (1996), ao pesquisar a relação dos artistas e suas obras com o mundo
objetivo, afirma que somos obrigados a prestar atenção na maneira como o mundo social
objetivo age sobre estes indivíduos e como estes indivíduos reagem a esta influência. Para esta
compreensão é necessário observar a maneira como as relações de classe estão desenhadas, a
forma como a classe artística se coloca no jogo de posições de classe no espaço social e no
campo do poder, que envolve sua autonomia em relação à influência de outras classes,
principalmente da classe dominante, na produção e circulação de suas obras e a maneira como
os artistas se inserem dentro do campo intelectual, ou seja, no espaço de concorrência e
cooperação onde eles estabelecem uma série de apostas para seu estabelecimento dentro do
jogo próprio relativo à produção artística e intelectual.

Uma das questões mais importantes a serem discutidas é a relação entre os artistas e um
campo do poder mais amplo. Segundo Bourdieu, artistas geralmente fazem parte da classe

62
dominante, mas são dominados no interior da sua própria classe. Para esclarecer esta questão,
temos que observar a configuração do campo intelectual e artístico. Nele existem três posições
principais: “arte burguesa”, “arte social” e “arte pela arte”. A primeira, mais identificada com
as frações dominantes das classes dominantes (portanto DOMINANTES-dominados), a
segunda, hostil à classe dominante e aos intelectuais correspondentes (dominantes-
DOMINADOS), e a terceira ocupa uma posição estrutural ambígua dentro de uma fração de
classe já ambígua, sentindo duplamente a ambivalência desta posição, produzindo imagens
distorcidas de si e das outras posições de classe (tanto dominadas quanto as dominantes),
negando tanto os valores artísticos burgueses e o engajamento existente na arte social. O
discurso da arte pela arte, ou arte para o artista, visa exclusivamente o grupo de artistas e visa
excluir a obra de conteúdo, seja burguês ou social, se tornando um culto da forma, exercício
simplesmente estético. Ocorre disto uma constante busca pelo rompimento e recriação estética.
O mito do artista maldito é uma tradução ideológica de uma forma nova de circulação dos bens
simbólicos, o do “pagamento adiado”, já que os praticantes da arte pela arte instituem seu
próprio mercado, negando, por exemplo, o mercado burguês, que é abastecido pelos artistas
burgueses.

A afiliação a estas posições não é de maneira alguma desprovida de influência. Ela


envolve uma série de fatores prévios da experiência e vida dos atores nelas envolvidos. O
habitus, enquanto estruturante de condutas, criador de esquemas mentais e os capitais
(econômico, social e simbólico) operam fortemente na tomada de posição dentro do campo. Se
levarmos em consideração os comentários de Ridenti e de Xavier, o contexto no qual Glauber
Rocha estava inserido possuía certas regras, criava certas disposições específicas. A adesão do
cineasta à arte engajada, ou a arte social, nos termos de Bourdieu, pode ser vista como fruto
desta configuração sócio-histórica específica. Tanto Ridenti quanto Xavier afirmam haver um
a disposição nos intelectuais e artistas dos anos 60 a se envolverem em questões sociais, terem
projetos políticos e ideológicos que eram transmitidos pelas suas obras. Neste sentido, Glauber
Rocha não é o único, nem o primeiro. Por estar envolvido em uma série de trocas sociais
específicas, ter uma formação intelectual específica, sua prática social tendeu ao que é
observado pelos pesquisadores. A identificação da arte social do diretor baiano é também a
identificação de permanências estruturais, como o contexto político e histórico em que viveu,
os grupos políticos e artísticos com os quais se envolveu, a produção cinematográfica que ele
teve contato, como o Neo-Realismo italiano e a Nouvelle Vague francesa e o campo artístico

63
de sua época. Em grande medida, Glauber Rocha foi formado por estas estruturas, como
também ajudou a transformá-las ou mantê-las.

64
CAPÍTULO 3: REPRESENTAÇÕES MENTAIS SOBRE GLAUBER ROCHA

Neste capítulo irei discutir duas hipóteses centrais para o desenvolvimento deste
trabalho. A primeira hipótese trabalhada é a de que há a confluência de representações sociais,
ou representações mentais (BOURDIEU, 2008a), sobre Glauber Rocha. Quero dizer com isto
que, independente da temática das pesquisas e a maneira como os e as pesquisadoras articulam
seu referencial teórico e base de dados, há formas estabelecidas de se perceber e se referenciar
ao cineasta. A segunda hipótese supõe que este número restrito de representações mentais é
causado pelo pequeno número de autores considerados essenciais para o estudo do cineasta
baiano. Ou seja, há um grupo de intelectuais que possuem a legitimação da produção de
representações sociais sobre o diretor. Dentre estes autores, há um lugar de destaque para o
próprio Glauber Rocha. Neste ponto, um desdobramento da segunda hipótese, buscarei explicar
que Glauber se legitima não apenas como escritor e intelectual, mas também pela sua intensa
atividade em favor da construção de uma imagem própria, o que chamarei de representação.

Para discutir melhor as hipóteses, explicarei o uso da ideia de representação social e de


representação. Aqui cabe um cuidado especial, devido à proximidade dos dois termos. Tomarei
por representação social uma forma estabelecida de percepção de uma certa realidade com o
poder de gerar algum tipo de efeito objetivo sobre ela. De maneira mais simples, uma
representação social é a forma como indivíduos percebem um determinado fato ou fenômeno.
Para Bourdieu (2008a), as representações mentais são “atos de percepção e de apreciação, de
conhecimento e de reconhecimento (BOURDIEU, 2008a, p.107)”. A representação mental, ou
social, e aqueles que possuem a capacidade de influenciar tais representações sociais estão em
um jogo de poder, colocando os signos a fim de estabelecer uma certa imagem das coisas da
realidade. Em certo sentido, a disputa pelas representações mentais é uma luta pela capacidade
de criar percepções legítimas no mundo, o embate pelo “monopólio do poder de fazer ver e de
fazer crer, de fazer conhecer e de fazer reconhecer (BOURDIEU, 2008a, p.108)”.

Um elemento importante desta visão diz respeito à autoridade. As representações


mentais são mais legítimas por causa da legitimidade daqueles que as constroem. Um grupo ou
indivíduo dotado de poder simbólico pode fazer com que certas classificações se sobreponham
a outras. O ato de nomear, ou seja, de conferir uma existência substantiva ou adjetiva, ou seja,
de qualificação, a algo, é importante para a estruturação do mundo. Em certo sentido, as coisas
“se tornam” aquilo que as representações sociais vencedoras determinam que elas são:

65
em resumo, a ciência social deve englobar na teoria do mundo social uma
teoria do efeito de teoria que, ao contribuir para impor uma maneira mais ou
menos autorizada de ver o mundo social, contribui para fazer a realidade desse
mundo (BOURDIEU, 2008a, p.82).

Sempre que me referir a esta ideia utilizarei representações mentais ou representação social.
Representação, sozinha e sempre no singular será utilizada com outro objetivo, que veremos a
seguir.

Para compreender as ações de Glauber Rocha no estabelecimento de representações


mentais sobre si recorrerei ao conceito de representação de Erving Goffman (2002). O
sociólogo trabalha este conceito a partir de uma analogia teatral. Para ele, indivíduos entregam
uma performance, ou seja, atuam diante de um público com a finalidade de transmitir certa
imagem. O indivíduo pode ou não acreditar no papel que desempenha, mas independente disto,
há o interesse em gerar influência no público a partir da imagem que está representada. Diria
Goffman que

quando um indivíduo representa um papel, implicitamente solicita de seus


observadores que levem a sério a impressão sustentada perante eles. Pede-lhes
para acreditarem que o personagem que veem no momento possui os atributos
que aparenta possuir, que o papel que representa terá as consequências
implicitamente pretendidas por ele e que, de modo geral, as coisas são o que
aparentam ser (GOFFMAN, 2002, p.25).

Para o sociólogo há outro aspecto importante na performance do indivíduo que não


envolve a representação ativa de um personagem. A isto ele chama de fachada. A fachada é “o
equipamento expressivo de tipo padronizado intencional ou inconsciente empregado pelo
indivíduo durante sua representação (GOFFMAN, 2002, p.29)”. Tudo aquilo que o ator
emprega para auxiliar na sua performance, desde elementos “cênicos”, como um consultório,
para um médico, até formas de agir, roupas, símbolos e estigmas fazem parte da composição
do personagem.

Bourdieu também se atenta para a forma como a ação do indivíduo se relaciona com a
forma como ele quer transmitir certa informação sobre si mesmo:

O insulto, assim como a nomeação, pertence à classe dos atos de instituição e


de destituição mais ou menos fundados socialmente, através dos quais um
indivíduo, agindo em seu próprio nome ou em nome de um grupo mais ou

66
menos importante numérica e socialmente, quer transmitir a alguém o
significado de que ele possui uma dada qualidade, querendo ao mesmo tempo
cobrar de seu interlocutor que se comporte em conformidade com a essência
social que lhe é assim atribuída (BOURDIEU, 2008a, p.82).

Ambos os comportamentos descritos pelos sociólogos dizem respeito à maneira como um


indivíduo controla a percepção que o outro possui de si, ou seja, é a tentativa de criação de uma
realidade própria, da maneira como ele se inscreve no mundo.

Recorri a estes a estas duas definições porque ambas podem ajudar a compreender a
apropriação de Glauber Rocha pelas pesquisas e sua constituição como objeto científico. A
primeira definição, de caráter coletivo, diz respeito à forma como se cria uma imagem do
cineasta “de fora”, ou seja, a forma como o diretor é percebido pelos outros. Como veremos
adiante, há um grupo de estudiosos que circulam em quase todos os trabalhos levantados, seja
como contraponto da análise dos pesquisadores, seja para retificar ou validar certas hipóteses.
Neste sentido, há um grupo que possui a legitimidade na construção de Glauber Rocha e dos
quais busca se afastar ou se aproximar.

A segunda definição, de caráter individual, diz respeito à forma como o próprio cineasta
estabeleceu sua imagem. Como esta pesquisa diz respeito a um indivíduo específico, tal
conceituação nos serve para entender como ele, de maneira deliberada ou não, influenciou a
existência do interesse científico em sua vida e em sua obra. É importante salientar que, como
veremos a seguir, a obra escrita de Glauber está presente em todos os trabalhos estudados. Desta
forma, sua performance está relacionada com sua atividade como teórico e crítico. Buscarei
provar que esta performance está intimamente ligada a percepção que os pesquisadores trazem
em seus trabalhos.

O próximo subcapítulo irá discutir as representações sociais existentes nas teses


levantadas nesta dissertação, bem como diversos elementos que circundam o assunto.

3.1. Algumas questões metodológicas

Neste subcapítulo a pesquisa busca investigar se há representações sociais estabelecidas


sobre o cineasta baiano Glauber Rocha, de acordo com a hipótese levantada na seção anterior.
Desta forma, meu objeto não é o diretor, mas as teses escritas sobre ele. Cheguei a estas teses
cruzando referências em diversas bases de teses e dissertações de diversas universidades e sites
que compilam trabalhos desta natureza, como vimos no Capitulo 1 desta dissertação.

67
Neste levantamento foi possível o acesso a 12 teses escritas entre 2006 e 2007, segundo
critérios explicados no Capítulo 1, e a introdução dessas teses foi a principal fonte da
investigação. Escolhi as introduções por conta de suas características, visto que nelas o
pesquisador faz um balanço de sua pesquisa. Ele apresenta o tema, faz uma breve discussão da
metodologia, bem como contextualiza o leitor com relação às suas hipóteses e como elas foram
abordadas. Miriam Goldenberg, ao redigir um manual de pesquisa, explica a importância da
introdução para um relatório final:

meus relatórios de pesquisa começam com uma introdução onde retomo o


objetivo geral do estudo e os objetivos específicos a ele relacionado.
Familiarizo o leitor com as minhas ideias iniciais, antes de fazer a pesquisa
propriamente dita: o que esperava encontrar, quais as hipóteses de trabalho
que me nortearam, qual o grupo que escolhi e as razões para essa escolha,
quais os conceitos principais e os autores nos quais me apoiei. É um panorama
da pesquisa (grifo meu) (GOLDENBERG, 2004, p.95).

Por ser um panorama da pesquisa, a introdução nos dá uma ideia geral do que é tratado na tese
e, sobretudo, é onde o autor articula suas principais impressões sobre seu objeto, já que grande
parte dos projetos possui um elemento subjetivo, como a curiosidade e o desejo de conhecer
(GIL, 2002).

Para atingir meu objetivo, recorrerei a técnicas da análise de conteúdo. Segundo Bardin
,

a análise de conteúdo é um conjunto de técnicas de análise das comunicações


(grifo do autor).

Não se trata de um instrumento, mas de um leque de apetrechos; ou,


com maior rigor, será um único instrumento, mas marcado por uma grande
disparidade de formas e adaptável a um campo de aplicação muito vasto: as
comunicações (1979, p.31).

De forma geral, o uso da análise de conteúdo ajuda a evitar a queda em uma armadilha comum
neste tipo de pesquisa qualitativa: a evidência do saber subjetivo. Como cientista social, a
proximidade com o objeto e o ímpeto de impor percepções pessoais é sempre um risco, como
discutido pelos primeiros sociólogos, como Weber e Durkheim. Esta metodologia confere
legitimidade às construções dos sociólogos, oferecendo maior rigor para as respostas colocadas.
O emprego desta

68
atitude de “vigilância crítica”, exige o rodeio metodológico e o emprego de
“técnicas de ruptura” e afigura-se tanto mais útil para o especialista das
ciências humanas, quanto mais ele tenha sempre a impressão de familiaridade
face ao seu objeto de análise (BARDIN, 1979, p.28).

Desta forma, o emprego da análise de conteúdo corresponde a dois objetivos: 1) ultrapassar as


incertezas. O que penso sobre minha pesquisa é realmente generalizável? e o 2) enriquecimento
da leitura, pelo aprofundamento na mensagem do texto, possibilitando um maior grau de
entendimento do que é transmitido (BARDIN, 1979).

A análise de conteúdo possibilita duas operações na pesquisa: 1) a função heurística e


a 2) administração da prova. A função heurística seria a exploração do texto como um todo
com o objetivo de maximizar a possibilidade de descoberta. A administração da prova é
importante para a validação ou não das hipóteses. Ou seja, é a sistematização do conteúdo
estudado em vista de confirmar ou não aquilo que se supõe na investigação. Estas duas
dimensões não são excludentes; um mesmo estudo pode, e normalmente faz o uso delas
(BARDIN, 1979). Esta pesquisa não é diferente.

Bardin (1979) descreve que existem três passos para a análise do discurso: 1) a pré-
análise, 2) a exploração do conteúdo e 3) o tratamento dos resultados, a inferência e a
interpretação. A pré-análise é a fase na qual se organiza a pesquisa, faz-se o levantamento dos
documentos estudados e onde se formula as hipóteses que nortearão a investigação. A pré-
análise foi realizada sobretudo no Capítulo 1, enquanto as hipóteses foram sendo discutidas
em cada um dos capítulos. As duas fases posteriores serão desenvolvidas a seguir. A exploração
do conteúdo compreende principalmente a codificação dos documentos estudados. Por meu
estudo buscar descobrir representações mentais estabelecidas, o tratamento dos resultados irá
acompanhar a codificação, uma vez que, através da leitura dos textos, observarei quais ideias
sobre Glauber Rocha os autores mobilizam. Apesar de fugir do procedimento padrão da análise
de conteúdo, esta licença possibilitará uma maior amplitude de resultados, uma vez que,
normalmente, há uma preocupação estatística com as fontes, o que não é o meu objetivo
principal.

A codificação

corresponde a uma transformação – efetuada segundo regras precisas – dos


dados brutos do texto, transformação esta que, por recorte, agregação e
enumeração, permite atingir uma representação do conteúdo, ou da sua

69
expressão, susceptível de esclarecer o analista acerca das características do
texto, que podem servir de índices (BARDIN, 1979, 103).

No espírito desta pesquisa, a codificação não é apenas a constatação de constância entre os


textos, mas também da própria forma como os pesquisadores mobilizam seus saberes acerca de
seus objetos. De certa forma, ao codificar as teses estarei extraindo informações sobre a forma
como as representações sociais sobre Glauber Rocha se estabelecem para os autores.

Existem diversos tipos de codificação, chamadas de unidade de registro. Utilizarei o


recorte descrito por Bardin como tema. O tema é uma unidade de registro com aplicabilidade
na análise temática. O tema é “a unidade de significação (BARDIN, 1979, p.105)” que salta do
texto. No caso, a teoria que guia o recorte em tema é a das representações sociais, como descrito
anteriormente. Desta forma, o texto pode ser dividido a partir de ideias que se articulam em um
e em outro. Assim, a análise temática

consiste em descobrir os “núcleos de sentido” que compõe a comunicação e


cuja presença, ou frequência de aparição podem significar alguma coisa para
o objetivo analítico escolhido (BARDIN, 1979, p.105)

A análise de conteúdo pode ser abordada de duas maneiras: quantitativa e qualitativa.


Apesar da característica deste trabalho ser de natureza qualitativa, o uso de técnicas
quantitativas não será desprezado, caso identifique a necessidade. Bardin (1979) descreve que
a análise quantitativa lida principalmente com a frequência com que certos índices aparecem
no texto, enquanto a análise qualitativa recorre a elementos não frequenciais, que favorecem o
surgimento de inferências sobre o conteúdo estudado. Por lidar com um universo restrito de
teses, o método qualitativo possibilita que se faça deduções acerca do corpus do texto,
principalmente sobre a pertinência de certas afirmações. Contudo, por conta de sua natureza
interpretativa, o risco de erro é maior, uma vez que se pode atribuir importância exagerada a
algum componente e subvalorizar outros. Por outro lado, possibilita-se que o estudo se adeque
no seu curso. Assim o sociólogo pode modificar e adicionar novos elementos nas hipóteses
previamente construídas.

Nesta pesquisa utilizarei o software de análise qualitativa Nvivo 11. Este programa, a
partir da criação de nós, que são categorias recorrentes em um texto, possibilita a organização
do conteúdo analisado de maneira prática, além de fornecer índices estatísticos, quadros
comparativos e outras funções. No próximo subcapítulo farei uma breve descrição das teses
estudadas.
70
3.1.1 Uma breve descrição das teses

Para a contextualização do leitor com relação ao objeto de pesquisa, farei uma descrição
das teses estudadas. Após a descrição do tema, apontarei a área do conhecimento que pertence
a cada uma delas, a natureza da pesquisa, como por exemplo, análise fílmica, análise de
trajetória e análise da obra escrita. Dentro destes elementos, farei um apontamento sobre qual
o recorte do pesquisador sobre Glauber Rocha, sobretudo com relação aos filmes estudados,
período da vida abordado ou outras obras e produções investigadas. Utilizei teses em detrimento
das dissertações por uma questão numérica e operacional: há um número muito maior de
dissertações do que de teses, o que poderia inviabilizar a realização da pesquisa dentro do tempo
disponível. Além disto, como vimos no Capítulo 2, há um número limitado de temas tratados,
o que possibilita sua cobertura pelos trabalhos escolhidos.

Em O cinema tricontinental de Glauber Rocha: política, estética e revolução (1969-


1974), Maurício Cardoso, em tese defendida pela Universidade de São Paulo na área da
História, discute uma série de questões relativas ao pensamento político e estético envolvendo
o cinema de Glauber Rocha e o Cinema Novo. Seu principal interesse está no retorno constante
por parte da crítica e dos estudiosos de cinema aos filmes do diretor baiano e do Cinema Novo
como movimento: há uma grande discussão em torno dos débitos dos cineastas
contemporâneos3 com ele e com o grupo do qual ele fez parte. Contudo, mesmo assim tal
retorno é feito de maneira rasa e pouco reflexiva. A reflexão acerca do cinema Tricontinental
leva em consideração a atuação de Glauber Rocha no exterior e seu projeto de integração do
cinema do “terceiro-mundo”. É uma pesquisa que mescla análise fílmica com trajetória, mas
com um foco maior na primeira.

Em Um “momento crítico de tomada de consciência latino-americana”: o cinema


moderno da América Latina e as letras, Maria Alzuguir Gutierrezes (2014), em tese defendida
pela Universidade de São Paulo, na Comunicação Social, trata de alguns diretores de cinema
latino-americanos e sua relação com a literatura. Dentre estes, Glauber Rocha é um dos
destaques. A autora elege dois de seus filmes: Cabezas Cortadas (1970) e Der leone have sept
cabezas (1970) para serem discutidos por ela. A principal abordagem metodológica da

3
No caso, contemporâneos se refere à época que ficou conhecida como Retomada, logo após o impeachment de
Fernando Collor, momento do cinema nacional onde o Estado volta a investir no cinema e há um grande aumento
de produções nacionais.
71
pesquisadora é a análise de fílmica, apesar de tratar tangencialmente da circulação do diretor
no contexto internacional e sua relação com a América Latina.

Na tese A sonata de Deus e o Diabolus: nacionalismo, música e o pensamento social no


cinema de Glauber Rocha, de André Ricardo Siqueira (2014), tese defendida na Universidade
Estadual Paulista na área de Ciências Sociais, trata da importância da música e dos temas
nacionais para a narrativa dos filmes de Glauber Rocha, bem como a maneira como certas ideias
eram mobilizadas pelo diretor. O interesse do autor está sobretudo na ligação entre a música e
a narrativa fílmica do cineasta, se atentando a aspectos políticos na sua obra, portanto, uma
análise musical.

O trabalho A ética revolucionária: utopia e desgraça em Terra em Transe, de Sander


Cruz Castelo (2010), tese defendida na Universidade Federal do Ceará na Sociologia, discute a
maneira como Glauber Rocha trata o tema da revolução e dos revolucionários em seus filmes,
sobretudo em Terra em Transe, levando em consideração as transformações conjunturais,
sobretudo causadas pelo Golpe Civil-Militar de 1964. O autor defende a importância de Glauber
Rocha enquanto líder do Cinema Novo e sua preocupação com o cinema revolucionário, tanto
na forma, quanto no conteúdo. A principal metodologia é a análise fílmica voltada, sobretudo,
para os elementos políticos na obra do diretor.

Ana Lígia Leite e Aguiar (2010) escreveu Glauber em crítica e autocrítica, tese
defendida pela Universidade Federal da Bahia, na área de Letras, na qual faz um estudo sobre
os posicionamentos políticos e cinematográficos de Glauber Rocha e a maneira como suas
relações sociais interferiram no processo e influenciaram um projeto de cinema brasileiro. A
pesquisadora faz uma análise da trajetória do diretor levando em consideração sua atividade
enquanto teórico do cinema.

Em Glauber Rocha: de Xenofonte a Euclides da Cunha, de Demétrio Panarotto (2012),


em tese defendida pela Universidade Federal de Santa Catarina na Letras, busca demonstrar a
influência de O Sertão de Euclides da Cunha e do filósofo grego Xenofonte na obra
cinematográfica de Glauber Rocha, sobretudo nas obras de 1970 e em um roteiro específico –
La Nascita del degli dei - escrito pelo diretor durante seu exílio na Itália. Este estudo foca
principalmente em um guião não filmado do diretor, mapeando suas influências, além de
abordar a experiência dele na década de 1970. Considero que esta tese tenha elementos tanto
da análise fílmica, quanto da análise de trajetória.

72
Na tese defendida na Universidade de São Paulo pela Comunicação Social Paulo Emílio
e a emergência do Cinema novo: débito, prudência e desajuste no diálogo com Glauber Rocha
e David Neves, de Pedro Plaza Pinto, o tema principal é a forma como Paulo Emílio Sales
Gomes influenciou o Cinema Novo a partir de sua atividade intelectual, principalmente na
maneira como interagia com Glauber e David Neves, dois jovens cineastas e críticos. Apesar
da tese não ser especificamente sobre Glauber Rocha, o autor dedica um espaço relevante ao
diretor, principalmente na sua relação com o crítico paulista, um dos seus interlocutores mais
relevantes. Considerarei esta tese um estudo de trajetória.

Em Aproximações entre cinema e poesia: Glauber Rocha e Manoel de Barros,


Alexssandro Ribeiro Moura, em tese defendida na Universidade Federal de Goiás na área de
Letras, trabalha as interligações entre as experimentações formais dentro dos filmes de Glauber
Rocha e das letras de Manoel de Barros e como eles se interligam politicamente. A pesquisa
busca entender as formas como a poesia e o cinema se refletem, focando em três filmes do
diretor: Barravento (1961), Deus e o Diabo na Terra do Sol (1963) e Terra em Transe (1967).
O recorte metodológico predominante nesta tese é a análise fílmica.

Eliska Altmann, em As imagens do Brasil na América Latina: permanências na crítica


dos cinemas de Glauber Rocha e Walter Salles, tese defendida na Universidade Federal do Rio
de Janeiro na área de Sociologia, trata da recepção de críticos latino-americanos das obras dos
dois cineastas. A pesquisa discute como elementos do cinema que Glauber Rocha produziu nos
anos 1960 geraram permanências na percepção sobre o Brasil. Categorizarei a pesquisa como
um estudo de recepção crítica.

Na tese, É que Glauber acha feio o que não é espelho: a invenção do cinema brasileiro
moderno e a configuração do debate sobre o ser cinema nacional, defendida pela Universidade
Federal de Uberlândia na área de História, Frederico Osaman Amorim Lima, discute a
importância de Glauber e seus interlocutores para o estabelecimento de uma visão hegemônica
sobre o que é o cinema brasileiro moderno. Esta tese é um estudo da trajetória crítica e atividade
política de Glauber Rocha.

Marcelo Vieira, em O cangaço no cinema brasileiro, tese defendida na Universidade


Estadual de Campinas na área de Artes e Multimeios, faz um estudo sobre as diversas maneiras
como os temas do cangaço e do cangaceiro apareceram na história do cinema brasileiro, além
de fazer algumas considerações sobre Glauber Rocha. Uma das principais questões levantadas
pelo autor é a forma como, apesar de Glauber Rocha ter dirigido apenas dois filmes com a
73
temática do cangaço, Deus e o Diabo na Terra do Sol (1963) e O Dragão da Maldade contra
o Santo Guerreiro (1969), é de grande relevância para o tema. A pesquisa utiliza a análise
fílmica para abordar seu objeto.

Arlindo Rebechi Junior faz um grande estudo sobre a atividade escrita de Glauber
Rocha, analisando sua trajetória de crítico e teórico de cinema para entender sua atuação no
campo do cinema em Glauber Rocha, ensaísta do Brasil, tese de Letras defendida na
Universidade de São Paulo. Seu estudo se estende desde as primeiras experiências do diretor
em periódicos até o fim de sua vida. Este estudo se caracteriza como uma análise de trajetória.

As teses estão distribuídas da seguinte maneira, quanto à área: quatro de Letras, três de
Ciências Sociais/Sociologia, duas de História, duas de Comunicação Social e uma de Artes. A
grande diferença com relação ao total de teses e dissertações levantadas é que há uma
concentração da área de Sociologia na produção de teses, enquanto a História, com um maior
número de trabalhos, concentra-se nas dissertações.

Cinco teses utilizam a análise fílmica de maneira mais destacada, enquanto a análise de
trajetória é feita por seis trabalhos. Isto não quer dizer que há a exclusão de um método pelo
outro, mas que estes estudos estão mais focados nestas técnicas.

Há um relativo desequilíbrio de estudos sobre as duas décadas de produção


cinematográfica de Glauber Rocha. Sete teses tratam dos filmes do diretor, sendo com relação
à análise fílmica ou da fortuna crítica de Glauber. Dentre eles, quatro focam nas obras dos anos
60, enquanto outras três tratam dos anos 70, com o peso de que um dos projetos estudados não
chegou a ser filmado. Os filmes mais destacado são Deus e o Diabo na Terra do Sol (1963) e
Terra em Transe (1967), assuntos em três teses. Os estudos de análise de trajetória focam
principalmente nas décadas de 1960 e 70. Três teses falam sobre a vida e a atividade política e
artística do diretor nas duas décadas, enquanto outras duas têm como objetivo discutir,
sobretudo, os anos 70. Uma pergunta que pode ser feita com relação a isto é: porque há um
maior interesse pelas obras dos anos 60 e pela trajetória nos anos 70? Uma boa hipótese seria
que os filmes da primeira década são os mais cultuados, com melhor recepção crítica e
representam a filmografia do diretor, enquanto os anos 70, conturbados pelo exílio, por brigas
e declarações polêmicas por parte do cineasta, leve a um maior interesse do que a outra, de
relativa estabilidade.

74
Como vimos, há algumas semelhanças entre os estudos, seja nos filmes e períodos
estudados, sejam as temáticas. Isto será discutido com mais propriedade no próximo
subcapítulo, no qual buscarei analisar as representações sociais que podem ser retiradas destes
textos.

3.1.2. Demonstrando as representações mentais

A hipótese que guiará este subcapítulo é a de que existem representações mentais, ou


seja, percepções estabelecidas da realidade que foram fruto de algum tipo de disputa, ou seja, a
forma de percepção da realidade que se estabelece em detrimento de outras (BOURDIEU,
2008a), recorrentes em pesquisas sobre Glauber Rocha. Meu objetivo é demonstrar tais
representações a partir de padrões encontrados nas 12 teses de doutorado descritas
anteriormente com o auxílio do software de análise qualitativa Nvivo 11.

É importante fazer uma ressalva sobre o que quero com minha pesquisa e sua relação
com as outras. Em primeiro lugar, não discuto o mérito da validade científica da afirmação a
ou da afirmação b, por me faltar recursos e negar tal tipo de avaliação. Meu estudo é, antes de
tudo, um panorama sobre como um objeto é tratado em diversas áreas e a forma como existem
elementos que se repetem. Certos temas são mais consagrados que outros e formas de pensar
eventualmente estão estabelecidas, o que não quer dizer que novos elementos não possam ser
adicionados e novas descobertas não possam ser feitas sem que haja um rompimento total com
a tradição. Isto significa que não é uma avaliação do tipo inovação versus reprodução. Thomas
Kuhn (1998) descreve a existência de um estado de normalidade na ciência onde certos
paradigmas são aceitos, enquanto outros são rejeitados. Existem, de tempos em tempos, crises
que causam uma ruptura com a ciência normal e que leva ao surgimento de novos paradigmas
e a negação dos antigos, praticamente em um sistema de tese-antítese-síntese. As ciências,
mesmo os paradigmas mais bem aceitos, passam por um escrutínio diário e as soluções
provisórias propostas pelas cientistas são alvo constante da crítica (POPPER, 2004), o que é
importante para o desenvolvimento das disciplinas e do próprio fazer científico.

Os trabalhos sobre Glauber Rocha flutuam neste universo de paradigmas e visões de


mundo que estão estabelecidos e que, talvez, nem tenham um objetivo da criação de uma
ruptura drástica com o conhecimento construído sobre o diretor. Pelo contrário, a pesquisa, que
por vezes pode ser exploratória, não precisa negar ou confirmar algo, mas descobrir uma
dimensão nova sobre este saber, contribuindo para o acúmulo de conteúdo.

75
Trabalhar com o conceito de representação social tem algumas implicações para esta
pesquisa. Primeiramente, assumo uma posição perante a individualidade do pesquisador. Esta
pesquisa e todas as outras que aqui estão na condição de objeto são resultados do trabalho de
um pesquisador ou pesquisadora e das pessoas que os orientam. Contudo, por estar inserido em
uma rede de relações pessoais e acadêmicas, certas escolhas dos pesquisadores são limitadas.
Chalmers (1994) conta uma interessante anedota de sua infância para explicar como a escolha
dos indivíduos não é livre:

Um dos seus deveres [do pai do autor] era comprar um presente para mim, e
ele orquestrou esta compra da seguinte maneira: levou-me até um determinado
balcão de brinquedo na Woolworth, onde estava exposta uma meia dúzia de
artigos, todos com preço de dois xelins, e me convidou a escolher. Com certa
consternação, vi-me diante daquelas opções sem graça até que, pressionado
para tomar uma decisão, acabei escolhendo um trenzinho de brinquedo meio
bobo. Voltamos para casa, cumprida a missão de meu pai (...). Uma das
diversas perguntas levantadas por minha mãe a respeito da sensatez das
diversas compras concentrava-se na satisfação que eu teria com meu presente.
“Foi ele que escolheu”, respondeu prontamente meu pai. Minhas faculdades
racionais não estavam suficientemente desenvolvidas para que eu pudesse
articular a maneira como havia sido logrado, mas é claro que eu sabia que
realmente isso acontecera. Talvez naquele momento tenha entrado em jogo
algum impulso edipiano que me empurrou na direção de uma carreira na
filosofia. De qualquer maneira, eu gostaria de apresentar a moral que tirei da
história: quando as pessoas têm de fazer escolhas, todos os determinantes mais
importantes já ocorreram (CHALMERS, 1994, 152-153).

Apesar do autor estar lidando diretamente com a escolha de teorias científicas e a contribuição
dos cientistas para o desenvolvimento deste conhecimento, o que ele quer dizer com isto é que
os pesquisadores não possuem todo o controle das suas decisões, mais ainda, que grande parte
destas decisões não é feita de maneira racional, ou o que ele chama de “escolha racional da
teoria”. De maneira análoga, quando um pesquisador utilizar uma representação social sobre
um objeto, ele não está necessariamente aderindo racionalmente a uma visão de mundo. Existe
toda uma rede de relações entre indivíduos e estruturas que irão validar ou não certas
formulações sobre o mundo e as nossas escolhas, aproximações ou afastamentos são
dependentes deste processo. Dito isto, podemos retomar à análise propriamente dita.

76
O primeiro passo do estudo foi a codificação a partir de temas. Pude chegar à divisão
que veremos a seguir por ter identificado certas recorrências nas construções dos argumentos
dos textos. Isto se deve ao olhar que trouxe da minha hipótese: se supus que há a mobilização
de representações sociais em comum, procurei pela semelhança que unia os trabalhos. A leitura
das 12 teses me levou a organizar o conteúdo em três grandes grupos de assuntos:

1) Cinema e recepção: toda menção aos aspectos estéticos, políticos ou a concepção de


Glauber Rocha, dos críticos ou dos próprios pesquisadores sobre o cinema do diretor
foram alocados neste código.
2) Atuação social e biografia: menções às ações de Glauber Rocha com relação aos seus
interlocutores e a forma como ele agiu para atingir seus objetivos, fazer valer sua
opinião e sua percepção do Brasil, da arte e do cinema.
3) Trânsitos e atuação internacional: relatos sobre a vida do autor no exílio, sua articulação
com cineastas e críticos estrangeiros e a recepção de seu cinema fora do Brasil.

Dos três grupos, o que possui um número menor de referências e é menos discutido nas
investigações é trânsito e atuação internacional do diretor. Cinco dos 12 trabalhos falam sobre
sua carreira e relações internacionais. A atuação social de Glauber surge em nove teses e o seu
cinema é referenciado em 11. A partir destes grupos de assunto buscarei extrair as
representações sociais mobilizadas pelos pesquisadores sobre o diretor.

Trânsitos e atuação internacional de Glauber Rocha

As teses demonstram que Glauber Rocha possuiu uma agitada vida internacional. Desde
seu primeiro filme, Barravento (1961), o diretor circulou em diversos festivais, deu palestras e
escreveu em revista, colaborando com outros cineastas e críticos. Além disto, durante a maior
parte dos anos 70 o diretor viveu em exílio em diversos países, eventualmente voltando ao
Brasil. Na tese O cinema tricontinental de Glauber Rocha: política, estética e revolução (1969-
1974), Maurício Cardoso fornece dados interessantes sobre esta experiência:

Em 1967, consultou Alfredo Guevara se o ICAIC teria interesse em viabilizar


um filme latino-americano, America Nuestra, com locações em diversos
países, com seu roteiro e direção. Sem obter uma resposta positiva de Guevara,
Glauber recebeu, em 1969, propostas de produtores espanhóis, italianos e
franceses. Decidiu, então, filmar no Congo (ex-colônia francesa), O leão de
sete cabeças (1970) e na Espanha, Cabeças Cortadas (1970). Meses antes, ele
havia atuado em Vent d´Est (1969), dirigido por Godard e Pierre Gorin;

77
embora sua participação se limitasse a uma única cena, Glauber fazia o papel
de um cineasta que apontava o caminho da estética do Terceiro Mundo, em
oposição, ao velho cinema político europeu.26 Em 1972, oficialmente exilado
em Cuba, ele iniciou a organização de um filme de montagem, História do
Brasil que só seria concluído em 1974, na Itália. Exilado na Europa, escreveu
um roteiro (não-filmado) para a televisão italiana, denominado O Nascimento
dos Deuses, dirigiu um episódio de As Armas e o povo, filme coletivo sobre
a Revolução dos Cravos, em Portugal e, finalmente, realizou Claro (1975), sua
última obra antes de retornar ao Brasil, em junho de 1976 (CARDOSO, 2007,
p.19).

Os pesquisadores trabalham as relações internacionais do diretor de duas maneiras: sua relação


com o “terceiro-mundo”, sobretudo com a América Latina e o trânsito no hemisfério norte, com
ênfase na Europa.

A representação mental corrente utilizada pelos pesquisadores sobre a interação de


Glauber Rocha com o mundo subdesenvolvido diz respeito ao ideal de integração estético e
político do cinema feito nos continentes do “terceiro-mundo” e da negação da arte colonizadora,
ensejando a criação de uma forma própria de linguagem e solidariedade nestas localidades.
Vamos observar os fragmentos abaixo:

Ele estabeleceu as bases deste programa que, embora não chegasse a ser
efetivado, conseguiu esboçar o que estaria em jogo. Inspirado numa
perspectiva que definiu como “cinema tricontinental”, Glauber pretendeu
liderar uma revolução cultural que tomaria de assalto o campo
cinematográfico mundial (CARDOSO, 2007, p.15).

Glauber Rocha não somente residiu em Cuba, produzindo junto ao ICAIC


(Instituto Cubano del Arte e Indústria Cinematográficos), como também teve
fortes laços artístico-ideológicos com as práticas revolucionárias
antiimperialistas (ALTMANN, 2008, p.9).

O título do artigo é Glauber Rocha par cœur, de tête et dans un corps e a sua
fatura se dirige para essa enumeração conclusiva após explicar o desejo do
cineasta de um cinema livre, “verdadeiro” e “descolonizado”, um cinema
empenhado, enfim, na “autêntica expressão de um povo” – através de um
cinema “artisticamente e economicamente adulto”. Tais vetores articulados,
entretanto, na mesma circunvolução de um projeto de cinema cuja energia se
investe de uma reflexão de alcance global, sobre a totalidade do problema
78
cultural e sócio político do brasileiro, terceiro-mundista, latino-americano,
universal (PINTO, 2008, p.85).

Com relação à voz over que se sobrepõe à cena, poderíamos comentar o


“portunhol” de Glauber: se este pode ser visto como uma idiossincrasia do
cineasta, podemos também interpretá-lo como elemento formal constitutivo
do filme, que aponta, uma vez mais, para uma noção de unidade latino-
americana, o portunhol figurando aí como língua latino-americana por
excelência, que uniria o Brasil à América Hispânica (GUTIERREZ, 2014,
p.77).

O que esses quatro excertos retirados de diferentes obras possuem em comum? Todos trabalham
com a ideia de que Glauber estava preocupado em vincular os filmes dos países
subdesenvolvidos com suas problemáticas, a partir desta visão de integração e dos laços
ideológicos que uniriam tais países. A imagem de Glauber Rocha como um militante do cinema
latino-americano e “terceiro-mundista” é forte nestas teses, que pese o seguinte contraponto:
efetivamente, como as próprias teses indicam, o projeto de Glauber Rocha se realiza apenas
parcialmente. Excetuando-se História do Brasil (1972-1974), montado durante os anos de
Cuba, todos os filmes internacionais de Glauber Rocha foram produzidos na Europa ou
produzidos por europeus, no caso de O Leão tem Sete Cabeças (1970).

A representação social que se destaca nas teses sobre a relação de Glauber Rocha com
o hemisfério norte é a de defensor e divulgador da cultura brasileira e latino-americana. Porém,
esta representação tem duas dimensões particulares: a primeira é a de um cineasta de prestígio
internacional que circula junto a críticos, cineastas e revistas, a segunda é a de um voraz
guerreiro contra o não colonizador da arte europeia e norte-americana.

A primeira dimensão desta relação de Glauber com os europeus é descrita da seguinte


maneira pelas teses:

o Cinema Tricontinental garantiu, mesmo que por um curto período, um


patamar de debate com a crítica européia que, efetivamente, transformou a
representação dos intelectuais brasileiros em interlocutores dotados de cultura
própria (CARDOSO, 2007, p.15).

Glauber foi um intelectual de muita mobilidade em suas ações intelectuais e


culturais. Esteve ambientado não só no Brasil, como participou de um amplo
debate cultural no hemisfério norte. De uma ampla capacidade de adaptação

79
às diversas experiências e circunstâncias que ele enfrentava, seus escritos
refletem os passos dessas transformações (REBECHI, 2011, p.30).

O prefácio saiu em defesa da necessidade de se prestar mais atenção ao


trabalho atual do cineasta e crítico, então desconhecido e restrito à publicação
em revistas estrangeiras, a filmes ainda não vistos no Brasil (PINTO, 2008,
p.86)

Nele, a presença dos atores Francisco Rabal – protagonista de Nazarín


(Buñuel, México, 1959), que Glauber elogia no texto “Os 12 mandamentos de
Nosso Senhor Buñuel” (2006a) –, e Pierre Clementi – protagonista de Porcile
(Pasolini, Itália/França, 1969), ator francês com quem Glauber realizara uma
entrevista em Roma junto a Straub, Bertolucci e Jancso – também aponta para
o diálogo com a cinematografia europeia (GUTIERREZ, 2014, p.59).

Nestes trechos podemos ver um Glauber Rocha ativo no cenário europeu, dialogando com
outros cineastas ao utilizar atores consagrados por outros diretores, além de solidificar-se
enquanto agente de alcance internacional, fazendo com que a causa do intelectual
subdesenvolvido tenha espaço em locais anteriormente inacessíveis.

A segunda relação, contudo, é tratada com traços mais vivos:

Nada mais distante do que as intempestivas participações de Glauber no


cenário internacional, suas posições de ataque frontal à cultura européia, sua
condenação sem tréguas ao colonialismo, sua crítica estética ao realismo
socialista e as formas dramáticas do cinema político, enfim, suas diatribes e
bate-bocas contra inimigos reais ou imaginários (CARDOSO, 2007, p.12).

Cabezas cortadas (1970) foi realizado por Glauber Rocha na Espanha, logo
após Der leone have sept cabezas (Brasil/Itália/França, 1970), rodado na
África. Nestes dois filmes, que não foram bem recebidos pela crítica europeia,
Glauber entabula um diálogo com o pensamento cinematográfico que
circulava então, principalmente na Europa (GUTIERREZ, 2014, p.58).

Bastou que a notícia da exclusão da premiação de seu A idade da terra


circulasse para que começassem seus protestos cheios de discursos
inflamados, algo entre a indignação e a raiva. Ali mesmo no saguão do Hotel
Excelsior, Glauber encontrou Louis Malle, um dos premiados, e sem medir
palavras deixa clara sua posição ao cineasta francês: “você ganhou o Leão de
Ouro porque as cartas estavam marcadas, você venceu porque o seu filme foi

80
produzido pela Gaumont, uma multinacional imperialista”. Na sua cabeça,
“Malle é um cineasta de segunda classe”, e tal como os outros dois premiados
- Cassavetes e Angelopoulos -, não faziam jus ao prêmio (REBECHI, 2011,
p.22).

A ambiguidade desta relação entre o diretor baiano e os artistas e crítica dos países
desenvolvidos fica mais nítida nessas passagens. Se por um lado ele colaborava com diversos
deles e os admirava, por outro atacava a interferência e a forma como as culturas dominantes
interagiam com as culturas de países como o Brasil. Além disto, a própria crítica europeia
começa a se distanciar do diretor. O último fragmento, o ato final de Glauber Rocha na Europa,
pouco mais de um ano antes de morrer é a síntese desta relação de expectativa e ressentimento.

Apesar da imposição destas duas visões, gostaria de retornar ao seguinte ponto: estas
passagens apontam mais para uma ambiguidade do que para uma unidade com relação ao que
foi a experiência internacional de Glauber Rocha, por mais que os autores das teses insistam
nas representações sociais que foram descritas por mim, sobretudo com relação à sua atuação
junto à América Latina e os demais continentes do “terceiro-mundo”. Faço a seguinte pergunta:
as evidências apresentadas pelos pesquisadores não indicam que o cinema e o pensamento de
Glauber Rocha é referido aos seus pares europeus? Alguns textos tangenciam esta questão,
mesmo que não ofereçam uma resposta satisfatória para tal problema.

O próximo assunto que irei tratar é a forma como o cinema de Glauber Rocha é descrito
nas teses e quais as representações que os pesquisadores e pesquisadoras fazem dele.

Atuação Social e biografia

Os relatos sobre a vida de Glauber Rocha são extensos, com livros biográficos, como
Glauber Rocha, esse Vulcão (1997), A Primavera do Dragão (2011), além de diversos filmes,
como Rocha que voa (2002), Glauber Rocha o filme, Labirinto do Brasil (2004). Esses registros
trazem extensos relatos sobre a experiência social do diretor, seus afetos e conflitos e discutem
como isso influenciou em seu cinema e no cinema brasileiro. Como vimos, diversas teses
também utilizam a vida de Glauber como objeto de pesquisa, analisando e percorrendo estas e
outras fontes, como entrevistas e seus relatos pessoais.

Classifiquei enquanto “Atuação Social e biografia” comentários, relatos e considerações


feitos pelos pesquisadores sobre passagens da vida do diretor, práticas recorrentes, como a
escrita em revistas e jornais. Também considerei como práticas sociais as estratégias utilizadas

81
por Glauber para se manter relevante, identificadas nas pesquisas ou que fossem discutidas a
partir de citações, diretas ou indiretas.

Duas representações sociais se sobrepõem ao diretor. A primeira é a de “Liderança


Cultural”. A segunda é a percepção de que Glauber era conflituoso e intempestivo,
representação que denominarei de “Indivíduo do Conflito”. Sobre estas representações sociais,
gostaria de esclarecer dois pontos: em primeiro lugar, elas poderiam ser apenas constatações,
fatos observados pelos pesquisadores, pois podem corresponder à realidade de maneira mais
objetiva do que ser apenas uma percepção arraigada dos pesquisadores. Contudo, a escolha dos
assuntos e os recortes feitos nas investigações não são gratuitos. Em a Ilusão Biográfica,
Bourdieu (2008b) fala de como é frequente por parte dos biógrafos a atitude de escolher
momentos da vida do biografado e traçarem uma linha que leva do ponto a ao b como se
existisse um caminho de causas e efeitos determinados que fizessem o indivíduo se tornar o que
se tornou. Mesmo que não seja o caso nas pesquisas, certos momentos da vida do pesquisado
são mais destacados que os outros e escolhidos como relevantes na trajetória do ator. Não há
nada que impedisse, por exemplo, que partissem dos afetos ao invés dos conflitos para entender
sua biografia, contudo, o caminho escolhido é, na maioria das vezes, o descrito. Em segundo
lugar, gostaria de voltar ao ponto da representação no sentido proposto por Goffman. Diversas
pesquisas apontam as atitudes de Glauber Rocha como construtor da sua própria imagem. Em
muitos momentos, o que ficou como história é aquilo que o próprio diretor selecionou como
mais relevante, dificultando o trabalho dos biógrafos e dos investigadores em traçar um relato
menos enviesado, mesmo que em muitos momentos exista um questionamento da versão
“oficial” dos fatos.

A personalidade de Glauber e a forma como ele lidava com seus adversários e


interlocutores é bem representada pelas seguintes passagens, que sintetizam a percepção
mobilizada nas teses:

Privilegiou-se, nesse percurso, o período final da vida de Glauber, momento


sempre polêmico e conturbado, tanto pelas alterações promovidas em sua
cinematografia (e aqui a película A Idade da Terra representa,
paradoxalmente, um ponto final e as reticências), quanto pelo seu
envergamento político para o lado dos dois últimos generais da ditadura
militar brasileira (AGUIAR, 2010, p.14).

82
Nada mais distante do que as intempestivas participações de Glauber no
cenário internacional, suas posições de ataque frontal à cultura européia, sua
condenação sem tréguas ao colonialismo, sua crítica estética ao realismo
socialista e as formas dramáticas do cinema político, enfim, suas diatribes e
bate-bocas contra inimigos reais ou imaginários (CARDOSO, 2007, p.14).

A mesma constatação pode servir para atacar ou defender os críticos


“antigos”, entre eles Paulo Emilio, pois se houve a decadência, por outro lado
havia a especialização. É uma faca com os dois gumes afiados: grandes
intelectuais conhecedores do “processo histórico das artes”, contudo
direcionados para as suas especialidades. O gume benevolente destaca e
nomeia, aqui, as figuras intelectuais, mas o lado envenenado está igualmente
afiado e já vinha cortante durante todo o arco histórico examinado. É
precisamente a agitação dos dois lados que toma conta de Revolução do
Cinema Novo quando o cineasta fala do crítico (PINTO, 2008, p.90).

Quando se pensa nos mecanismos de produção de textos para Glauber, a


questão se afunila ainda mais, pois é necessário apreender sua luta travada,
uma luta simbólica, por sinal, que acontece num território de grande disputa
entre as formas de produção, circulação e consagração de obras e textos de
intelectuais e artistas (REBECHI, 2011, p.29).

Nestes trechos destaco as palavras: “ataque”, “disputa” e “polêmica”. A imagem


transmitida pelos pesquisadores é a de que Glauber não conseguia se desvencilhar do embate,
seja com adversários e muitas vezes interlocutores, como Paulo Emílio Sales Gomes, seja a luta
para defender o seu modelo de cinema. A palavra ataque é utilizada 75 vezes nas teses, polêmica
120 vezes e disputa 64. O total não é tão grande quando comparado com a frequência de outras
palavras como cinema, com uma contagem de 6360, mas demonstram que são assuntos
recorrentes nas teses e que não podem ser desprezados.

A representação social de Liderança Cultural é ainda mais recorrente que a do Indivíduo


do Conflito, sendo assunto em praticamente todas as teses (não identifiquei a ocorrência em
apenas quatro trabalhos). Os fragmentos que representam melhor esta percepção são:

Os cinemanovistas, Glauber Rocha especialmente, buscando legitimar o


movimento, escreveram bastante, produção que encobre artigos publicados
em jornais e revistas, manifestos, epistolário, escritos de trabalho e livros de
diversos gêneros. Não satisfeitos, produziram autobiografias e outras

83
memórias sobre a corrente cinematográfica, na busca infrene de configurar
uma tradição. Estas fontes escritas, ao explicitar a individuação/subjetivação
dos cineastas, identificam os “outros” que os auxiliaram a se formar. Logo,
foram de grande utilidade (CASTELO, 2010, p.24).

Da mesma forma que Glauber não foi “eleito” o personagem central deste
trabalho. Mas, considero que ele é, enquanto sujeito imerso numa teia de
sensibilidades juvenis que se desenvolveu a partir dos anos 1950, alguém que
articulou práticas e discursos capazes de dar legitimidade a um começo e
desenvolvimento narrativos sobre o Cinema em questão (LIMA, 2012, p.17).

Na segunda cena, as circunstâncias são outras. Glauber traz a carga de ser


reconhecido e consagrado aqui e lá fora. Sua produção cinematográfica lista-
se entre as mais importantes para o desenvolvimento do cinema mundial entre
1960 e 1970. É respeitado e goza de autoridade num grande espectro de
intelectuais no mundo afora, ainda que estivesse ressentido com muitos deles.
Em certa medida, Glauber aqui é promessa cumprida, cuja narrativa registra o
fim de sua atuação, em desfecho melancólico de sua longa ação combativa
(REBECHI, 2011, p.17).

O cineasta manteve, ainda, uma rede de amigos entre produtores, críticos e


diretores europeus e latino-americanos, cultivando, por correspondência e
encontros pessoais, relações afetivas e profissionais que duraram anos e deram
origem aos filmes analisados nesta tese. Além disso, os anos vividos no exílio,
entre 1971 e 1976, em Cuba, na Itália e na França serviram para aprofundar
sua experiência com o cinema mundial (CARDOSO, 2007, p.17)

Selecionei estas passagens por reproduzirem facetas mais usuais da liderança de Glauber
Rocha. A primeira trata da sua ação enquanto liderança do Cinema Novo em busca da
consolidação da nova linguagem e do movimento, uma liderança jovem e enérgica. A segunda
já trata do maior alcance do cineasta enquanto agente dotado de poder de legitimação. Ali o
autor discute o papel de Glauber na consolidação de uma narrativa sobre o que ele chama de
Cinema Brasileiro Moderno, a negação e a validação de certas tradições. A terceira passagem
trata do intelectual consagrado mundialmente, representante do cinema latino-americano com
uma grande contribuição para o desenvolvimento do cinema mundial. A última passagem trata
da forma como Glauber articulava suas redes para produzir relevância para seus filmes e seus
discursos. Elas indicam para suas ações e relações sociais, a forma como se firmava nos

84
espaços, e o papel que representou para consolidar-se como ator relevante em uma série de
relações.

Cinema e recepção

O último e mais recorrente assunto é o Cinema e a recepção da obra de Glauber Rocha.


A representação social mais bem consolidada é a do “Cinema Político”. O assunto não está
presente somente em uma tese, enquanto é praticamente consensual que Glauber Rocha realizou
um cinema voltado para a denúncia do estado da população, de valorização da identidade
nacional e que se pretendia revolucionário, estético e político.

As palavras político/política e revolução estão entre as palavras com cinco letras ou mais
que mais se repetem no universo de teses. Politico/política são utilizadas 2200 vezes nas 12
teses, enquanto revolução 1293 vezes, em que pese o título de um livro do diretor, Revolução
do Cinema Novo (1981). Fora nomes próprios como Glauber, Paulo e substantivos como
cinema (a palavra mais recorrente), Político/Política é a palavra mais utilizada nos trabalhos.

As seguintes passagens representam bem a percepção do cinema político de Glauber


Rocha:

O jagunço Antônio das Mortes, alter ego de Glauber, contratado pela Igreja e
por latifundiários, dizima aquelas manifestações, no intuito de livrar um casal
de camponeses de suas influências deletérias. No final do filme, Manuel e
Rosa encontram o mar, metáfora da revolução. Imbuído da visão etapista da
revolução brasileira elaborada pelo PCB antes de 1964, o cineasta propugna a
ideia de que ela parte da cidade para o campo, uma concepção eminentemente
leninista de revolução. O litoral exerce função civilizatória no sertão, mediante
a ação do intelectual marxista, que incita a consciência de classe dos
sertanejos. Emblemático da radicalização do cineasta, cuja maior inspiração é
Eisenstein, é o fato de Manuel, após ser injustiçado, assassinar o patrão,
diferentemente do Fabiano de Vidas secas, que prefere migrar (CASTELO,
2010, p.13).

Como veremos, Glauber toma como esteio sonoro composições populares e


eruditas, que também são parte de outro projeto, como o próprio nacionalismo
musical, no resgate da tradição popular, urbana e rural utilizadas como matriz
para o desenvolvimento das formas eruditas (SIQUEIRA, 2014, p.3).

85
O contexto do último momento da tese se estabelece indagando-se
politicamente as posições de Glauber, suas rachaduras, seu conceito de nação,
sua interpretação sobre o nacionalismo e o populismo, e este recorte seria,
talvez, uma superextensão do espaço em branco ou de certo silêncio deixado
pelos trabalhos anteriores, ao falarem do Glauber político sem examinar mais
detidamente seu pensamento, apresentando, apenas, o impacto das
declarações nas quais o cineasta expunha suas opiniões sobre a arte e a política
e a repercussão dessas declarações em seus relacionamentos pessoais e junto
ao público. (AGUIAR, 2010, p.14).

A escolha específica de filmes de Glauber Rocha e Walter Salles como objeto


de análise explica-se pelo fato de os dois cineastas expressarem a preocupação
em representar aspectos singulares da sociedade brasileira (e latino-
americana) em suas obras. Nesse sentido, ambos são lidos como
“intelligentsias artísticas” empenhadas em projetos de produção cultural que
promovem reflexões sobre identidades nacionais. Tal designação justifica-se
diante da importância de ambos no debate cinematográfico nacional e latino-
americano e pelo fato de suas obras se enquadrarem na presente proposta de
pensar imagens “próprias” ao Brasil (ALTMANN, 2008, p.9)

Estes fragmentos dão conta da maior parte das percepções da política no cinema de
Glauber. A primeira lida diretamente com o texto do filme, a maneira como Glauber constrói
suas imagens com um subtexto político. A segunda transcende a imagem em movimento e trata
da música nos filmes, que, assim como a totalidade da obra, faria uma referência a um projeto
de valorização dos aspectos próprios da cultura brasileira. O terceiro trata especificamente do
pensamento do diretor e dos temas que são caros a ele, colocando-o como um intérprete destas
questões. O último segmento dá conta da preocupação com a identidade nacional, outro tema
que é recorrente nas representações sociais mobilizadas pelos pesquisadores como constitutivo
dos filmes do cineasta.

Demonstrei, com recurso a algumas passagens das teses estudadas que é possível falar
na recorrência de certas representações sociais sobre Glauber Rocha. Os três assuntos mais
debatidos nas teses transmitem algumas poucas percepções sobre o cineasta. Segundo os
pesquisadores, o diretor seria um intelectual com trajetória internacional, representante do
cinema latino-americano e do terceiro mundo, responsável por divulgar uma determinada forma
de fazer cinema, dado aos conflitos e embates com adversários e interlocutores, mas que se
cimenta como uma grande força cultural no país cuja obra é engajada politicamente, trazendo
86
questões como identidade nacional e revolução. Tentarei responder o porquê da manutenção de
tais representações sociais nas pesquisas estudadas no próximo subcapítulo.

3.2. O campo de estudos sobre Glauber Rocha: questões metodológicas

A partir de agora demonstrarei que certos autores são importantes para entender as
pesquisas sobre Glauber Rocha e as construções que os pesquisadores fazem dele. Para atingir
meu objetivo, levantei, a partir das bibliografias contidas nas teses, quais textos e autores
possuem maior recorrência nos estudos. Como discutido anteriormente, esta importância não
diz respeito apenas à sua contribuição metodológica e teórica para as pesquisas, mas também
como forma de estabelecimento de determinadas representação social que é aceita ou negada
pelos pesquisadores.

Minha abordagem metodológica é influenciada por Ginzburg (2009). O autor faz um


estudo sobre um paradigma científico que considera pouco debatido, que ele chama de ciência
indiciária. Segundo ele, a ciência indiciária existente há muitos séculos, desde as disciplinas
médicas na mesopotâmia, e partem de evidências secundárias para a identificação e resolução
de um problema. Este tipo de prática foi aplicada, dentre outros, por Morelli, médico italiano
que se dedicou ao estudo da história da arte e que modificou a maneira como se atribuía autoria
para quadros não assinados. Morelli influencia diretamente Freud, outro estudioso que utilizava
resíduos para entender a totalidade daquilo que investigava. Segundo Ginzburg, Morelli não se
baseava em elementos mais explícitos de um quadro, facilmente reproduzíveis por um copista,
mas buscava

examinar os pormenores mais negligenciáveis, e menos influenciados pelas


características da escola a que o pintor pertencia: os lóbulos das orelhas, as
unhas dos dedos das mãos e dos pés (GINZBURG, 2009, p.144).

O estudo de Durkheim sobre o suicídio também se apoia em evidências secundárias para


entender sua natureza. O sociólogo discute se o fenômeno seria passível de ser estudado pela
Sociologia, uma vez que, ao que tudo indica, sua causa depende unicamente da vontade do
indivíduo. Contudo, a partir de uma abordagem tangencial, analisando índices de suicídios em
diversos países durante vários anos, ele observa que há uma constância estatística que não seria
possível caso tal fenômeno fosse dependente apenas da consciência individual:

Com efeito, se em vez de vermos neles apenas acontecimentos particulares,


isolados uns dos outros e que necessitam cada um por si de um exame
particular considerarmos o conjunto de suicídios cometidos numa
87
determinada sociedade durante dada unidade de tempo, constatamos que o
total assim obtido não é uma simples soma de unidades independentes, uma
coleção de elementos, mas que constitui por si um fato novo e sui generis que
possui a sua unidade e a sua individualidade, a sua natureza própria por
conseguinte, e que, além disso, tal natureza é eminentemente social
(DURKHEIM, 1982, p.12-13).

Minha pesquisa busca através de elementos menos imediatos, no caso a frequência de


determinados autores e livros na totalidade dos trabalhos, entender o porquê de certas
representações sociais serem mais mobilizadas do que outras.

3.2.1. O campo de estudos sobre Glauber Rocha: discussão dos dados

Nesta sessão apresentarei os levantamentos feitos nas bibliografias das 12 teses que tive
acesso sobre Glauber Rocha. Primeiramente, irei tratar dos autores mais relevantes nas
bibliografias. Elegi como relevantes os autores que tivessem mais de um trabalho citado pelos
pesquisadores. Apesar de haver alguns textos que aparecem em mais de uma tese, considerei
que ter mais de duas obras é importante, pois demonstra que o autor ou autora possuem mais
reflexões sobre Glauber Rocha ou cinema, não sendo apenas um assunto eventual em suas
obras. Em segundo lugar, compilei os livros que tiveram maior frequência nas teses levantadas.
Irei apresentar na tabela livros que foram citados pelo menos em seis obras diferentes.

Manuel Palacios da Cunha e Melo, em seu livro Quem explica o Brasil (1999), faz uma
pesquisa muito semelhante a esta, na qual ele levanta as bibliografias de 300 teses e dissertações
de 11 cursos de pós-graduação em Ciências Sociais. Ele usa duas abordagens: estuda as citações
e faz um levantamento dos autores mais citados neste universo. Ele chama esta metodologia de
pesquisa bibliométrica. Seu trabalho utiliza métodos estatísticos viabilizados por causa da
amplitude das amostragens. Como meu trabalho é mais restrito, preferi uma abordagem menos
ambiciosa, apenas com indicações numéricas simples.

A tabela abaixo apresenta os autores com o maior número de obras citadas em uma tese,
contendo o número de obras citadas e em quantas teses eles estão presentes. Iremos observar
que alguns autores, apesar do pequeno número de livros citados, possuem uma presença
relevante:

Quadro XVIII: Número de obras citadas por autores com mais de


uma obra citada.
Autores nº de obras teses presentes
citadas
88
BERNARDET, Jean-Claude 7 10
XAVIER, Ismail 7 12
ROCHA, Glauber 6 12
GOMES, Paulo Emilio Sales 5 10
AVELLAR, José Carlos 4 7
AUMONT, Jacques 3 7
BOURDIEU, Pierre 2 5
CAETANO, Maria do Rosário 2 4
DELEUZE, Gilles 2 5
EISENSTEIN, Sergei 2 5
GERBER, Rachel 2 8
NAGIB, Lúcia 2 6
NEVES, David E 2 3
SALEM, Helena 2 3
STAM, Robert 2 8
VIANY, Alex 2 7

Jean-Claude Bernadet e Ismail Xavier são os autores representados com o maior número
de livros citados pelas teses, com sete livros cada, seguidos por Glauber Rocha e por Paulo
Emílio Sales Gomes, com seis e cinco obras, respectivamente. Além disto, os quatro autores
possuem a maior presença nos trabalhos. Ismail Xavier e Glauber Rocha são referências em
todas as teses, enquanto Gomes e Bernadet são referenciados em dez pesquisas. Apesar de
possuírem um número muito menor de publicações referenciadas, Jacques Aumont, Rachel
Geber, Alex Viany, Lúcia Nagib e Rober Stam também aparecem em pelo menos metade das
teses. Geber e Stam são referenciados em oito trabalhos, Viany e Aumont em sete, enquanto
Nagib é referência em seis trabalhos. Três livros de Aumont são referenciados, enquanto os
outros aparecem com dois cada. O quadro abaixo apresenta a distribuição dos autores quanto à
nacionalidade:

89
Quadro XIX: Nacionalidade
Nacionalidade
Brasileiro 11
Francês 3
Russo 1
Americano 1
Total 16

Como podemos ver, o número de autores brasileiros com mais de um livro citado nas
bibliografias é muito destacado. Além disto, os autores estrangeiros que contribuem para a
composição bibliográfica possuem um campo de atuação mais geral, enquanto os autores
brasileiros focam na realidade cinematográfica nacional. Isto demonstra que há um campo
constituído dos estudos sobre Glauber Rocha e do cinema nacional, que se tornam referências
canônicas. O quadro abaixo apresenta as áreas de cada um destes autores e destas autoras:

Quadro XX: Área de conhecimento dos autores


Autores Campo
BERNARDET, Jean-Claude Teoria e Crítica de Cinema
XAVIER, Ismail Teoria e Crítica de Cinema
ROCHA, Glauber Teoria e Crítica de Cinema
GOMES, Paulo Emilio Sales Teoria e Crítica de Cinema
AVELLAR, José Carlos Teoria e Crítica de Cinema
AUMONT, Jacques Teoria e Crítica de Cinema
BOURDIEU, Pierre Sociologia
CAETANO, Maria do Rosário Teoria e Crítica de Cinema
DELEUZE, Gilles Filosofia
EISENSTEIN, Sergei Teoria e Crítica de Cinema
GERBER, Rachel Sociologia
NAGIB, Lúcia Teoria e Crítica de Cinema
NEVES, David E Teoria e Crítica de Cinema
SALEM, Helena Sociologia
STAM, Robert Teoria e Crítica de Cinema
VIANY, Alex Teoria e Crítica de Cinema

As áreas foram designadas de acordo com pequenas biografias contidas em orelhas de


livro e consultas na internet. Quando não foi possível precisar a atuação do autor, optei por

90
relacioná-lo com sua área de formação. A categoria Teoria e Crítica do Cinema é ampla, pois a
maior parte destes autores se dedicaram às duas funções, tanto enquanto críticos em jornais,
como pesquisadores e teóricos da linguagem cinematográfica. Como podemos ver, apesar da
variedade de áreas das teses, os autores que são referência para a maioria dos trabalhos são da
área de teoria e crítica do cinema, o que pode ser um indício de que as teses sobre Glauber
Rocha são interdisciplinares. O próximo quadro é o dos livros que estão referenciados em pelo
menos metade das teses estudadas.

Quadro XXI: Livros presentes em seis ou mais teses


Livro Aparições
ROCHA, Glauber. Revolução do Cinema Novo 12
ROCHA, Glauber. Revisão crítica do cinema brasileiro 11
XAVIER, Ismail. Alegorias do subdesenvolvimento – Cinema Novo, Tropicalismo, 10
Cinema Marginal
BERNARDET, Jean-Claude. Brasil em tempo de cinema. 9
XAVIER, Ismail. Sertão mar: Glauber Rocha e a estética da fome 9
ROCHA, Glauber. O século do cinema 9
GOMES, Paulo Emilio Sales. Cinema: trajetória no subdesenvolvimento 9
XAVIER, Ismail. O cinema brasileiro moderno 8
VIANY, Alex. O processo do Cinema Novo 8
ROCHA, Glauber. Cartas ao Mundo 8

GERBER, Raquel. O mito da civilização atlântica: Glauber Rocha, cinema, política 8


e a estética do inconsciente
BERNADET, Jean-Claude. Historiografia clássica do cinema brasileiro 6
XAVIER, Ismail. O olhar e a cena 6
VIANY, Alex: Introdução ao cinema brasileiro 6
GERBER, Rachel; GOMES, Paulo Emílio Sales (orgs). Glauber Rocha 6
BERNARDET, Jean-Claude. Cinema Brasileiro: propostas para uma história 6
GOMES, João Carlos Teixeira. Glauber Rocha, esse vulcão 6

Como podemos ver, dentre os livros mais referenciados nenhum deles é de algum autor
estrangeiro. É mais uma evidência forte de que há um campo brasileiro bem constituído do
cinema nacional e de Glauber Rocha. Glauber Rocha e Ismail Xavier são os autores com o
maior número de obras neste recorte, quatro cada, sendo que o diretor tem os dois livros mais
citados. Dos 17 livros identificados, quatro citam Glauber Rocha diretamente no título e outros
quatro tratam do Cinema Novo, movimento que teve o diretor como um de seus principais
membros. Por fim, sete livros fazem alguma menção à história, revisão ou introdução ao cinema
nacional. Como visto anteriormente, Alex Viany, apesar de ter apenas duas obras referenciais,
91
está entre os que mais têm presença no universo estudado, enquanto Jean-Claude Bernadet se
coloca como uma importante referência para o entendimento da história do cinema nacional.

A posição de Glauber é a que chama mais atenção, contudo. Como já discutido, e


também se torna uma imagem recorrente nas teses, sua obra escrita faz parte dos esforços na
busca pela consolidação do seu espaço no cinema nacional e mundial. Seus livros podem ser
assim, vistos como parte de sua fachada, em seus esforços por produzir uma representação e
consolidar uma imagem (GOFFMAN, 2002).

Além disto, podemos compreender a permanência destes atores dentro de uma série de
relações pela hegemonia da produção de um determinado tipo de conhecimento. Bourdieu
(2004) acredita que há espaços sociais relativos à produção de elementos simbólicos, como a
arte e a ciência, onde se juntam as instituições, os produtores e os estudiosos deste campo. Estes
campos, o campo da arte, da literatura, da ciência, seguem determinadas leis mais ou menos
definidas e que são, na maioria dos casos, criadas no interior do próprio campo. Segundo o
autor, há uma disputa entre tais agentes pela determinação destas leis, para a consagração de
certos temas e de certos conteúdos. Isto envolve, inclusive, representações sociais que
produzem uma percepção objetiva dos objetos científicos, das obras e dos próprios atores.
Vemos nesta pesquisa que tais teses mobilizam algumas destas representações sobre Glauber
Rocha, influenciadas pela dominância de alguns autores neste campo específico. Além disto,
argumentei brevemente que o próprio diretor é um importante ator na manutenção destas
percepções, não apenas por ser considerado por outros relevante, canônico ou gênio, mas pela
sua própria ação dentro do campo, que corresponde à forma como lidava com os seus conflitos
e da imagem que cultivava de si próprio.

92
CONCLUSÕES

Minha proposta neste trabalho foi fazer um levantamento das teses e dissertações sobre
Glauber Rocha defendidas entre 2006 e 2015 com o objetivo de discutir se há permanências
nas representações mentais mobilizadas pelos pesquisadores e explicar o porquê, se este fosse
o caso.

Dividi a dissertação em três capítulos, cada um com um objetivo distinto, mas


complementar. O capítulo 1 é uma apresentação dos dados, em que mostrei a distribuição
geográfica, acadêmica e temporal dos estudos sobre o diretor. O capítulo 2 é uma descrição das
áreas, demonstrando os diálogos no interior de cada uma, enquanto no capítulo 3 faço uma
análise das introduções das teses a fim de testar as hipóteses propostas. Cada um dos capítulos
possui algumas proposições que irei resumir.

Como podemos ver no capítulo 1, foram defendidas 14 teses e 30 dissertações sobre


Glauber Rocha entre 2006 e 2015. As áreas com o maior número de trabalhos são Letras,
História, Ciências Sociais e Comunicação Social, com 14, 11, seis e seis, respectivamente. Em
um primeiro olhar, Letras poderia ser descrita como a área que possui a maior afinidade com o
tema. Contudo, ao observarmos os dados do total de defesas feitas no período, há um volume
maior de teses e dissertações nesta área do que nas outras. Somando as quatro áreas, 54792
defesas foram realizadas, sendo a Letras responsável por aproximadamente 50% delas,
enquanto é responsável por 32,7% dos trabalhos sobre Glauber Rocha. A única área que possui
uma percentagem maior de defesas sobre o diretor do que com relação ao total é a de História:
25% dos trabalhos sobre o cineasta, enquanto conta com 21,64% do total de defesas no período.

Também vimos que há um maior número de publicações a partir de 2011 do que entre
2006 e 2010. Entre estes anos houve a defesa de 17 teses e dissertações, e de 2011 em diante
foram 27. Ao cruzarmos os dados obtidos do total de estudantes matriculados nas pós-
graduações no Brasil, não é possível afirmar que na última década há um aumento do interesse
no diretor. No ano de 2006 o país tinha 125622 matriculados em mestrados e doutorados,
enquanto no ano de 2014 este número saltou para 210867, segundo dados da CAPES. O
crescimento de alunos é de 67%, enquanto o crescimento de estudos sobre o diretor é de 58%,
o que indica um crescimento quase proporcional.

Também foi observada a distribuição regional dos estudos sobre o cineasta.


Descobrimos a seguinte configuração: 28 defesas no Sudeste, 10 no Nordeste, 4 no Centro-

93
Oeste e 2 no Sul. Considerei duas possíveis explicações para esta relação. Em primeiro lugar,
a condição socioeconômica e populacional do Sudeste, bem como sua maior tradição acadêmica
pode explicar a discrepância com relação às outras localidades. Além disto, Glauber Rocha e o
Cinema Novo se estabeleceram nesta região, sendo o Rio de Janeiro o principal polo produtor
destes cineastas e São Paulo um importante centro de formação de críticos. A segunda
colocação do Nordeste pode ser explicada pela proximidade temática dos filmes do cineasta,
sendo o tema do sertão e do sertanejo um dos mais explorados por ele. Além disto, o diretor
nasceu na Bahia, onde deu seus primeiros passos como intelectual e artista.

Outro ponto importante do primeiro capítulo foi a comparação do diretor baiano com
outros expoentes do Cinema Novo, em que demonstrei que há uma enorme distância no número
de teses e dissertações defendidas sobre Glauber Rocha e seus companheiros de movimento.
Enquanto Glauber é protagonista em 44 pesquisas, o segundo colocado, Leon Hirszman tem 16
estudos, seguidos por Nelson Pereira dos Santos, com 15, Joaquim Pedro de Andrade com nove,
Carlos Diegues com sete e Paulo César Saraceni com três. Isto demonstra que, para o campo
científico, Glauber Rocha é o principal cineasta do Cinema Novo e que, como veremos adiante,
há uma tradição de estudos estabelecida sobre ele.

O capítulo 2 trata dos resumos das teses e das dissertações apresentadas no capítulo 1.
O objetivo deste capítulo é descobrir, de maneira mais ampla, o que cada uma das disciplinas
estudam sobre o diretor.

A primeira a ser discutida é a área de Letras. O primeiro dado a chamar minha atenção
é a associação de Glauber Rocha a escritores. Os trabalhos se dividem em dois grupos
principais: os que observam a influência da literatura e do teatro em seu cinema e a interlocução
e aproximação a autores, como Manoel de Barros e Darcy Ribeiro. O segundo aspecto
importante é a forma como os pesquisadores observam a relação entre estética e política nos
filmes do diretor. As atualizações estéticas e o texto das suas obras estariam a serviço de uma
crítica política, uma luta pela valorização identitária Brasileira e latino-americana. Além disto,
a aproximação com o teatro brechtiano fez com que ele buscasse provocar na sua plateia uma
atitude reflexiva.

Os pesquisadores de História também tratam da questão que envolve a política nos


filmes de Glauber Rocha. Segundo eles, os filmes do diretor seriam utilizados como ferramentas
para que ele colocasse em prático seu projeto social e político, principalmente com relação à

94
integração política e estética do cinema do “terceiro-mundo” e a denúncia das condições
culturais e econômicas do Brasil.

Outro elemento destacado é o entendimento da temporalidade dos filmes do cineasta.


As pesquisas apontam um registro histórico específico nos filmes, nos quais o tempo histórico
não é determinado, ou então se encontra em suspenção, dialogando com várias épocas, mesmo
que as críticas e o alvo seja o presente.

Na Sociologia as teses e dissertações destacam dois aspectos: o cinema político de


Glauber Rocha e sua interação com a América Latina. Os pesquisadores identificam que há
conteúdos que se repetem nos filmes como o nacionalismo e a revolução. Há também a
percepção de que há uma intenção educativa por trás deles, como apontado também na Letras,
a partir do incentivo da reflexão, do inquietamento. A relação do diretor com a América Latina
é destacada de duas formas: a disputa de sua representação social, ou seja, da criação de uma
concepção do que seria a América Latina e no seu diálogo com o cinema do continente.

A Comunicação Social trata de dois assuntos: a interação existente entre os filmes de


Glauber Rocha e as artes de vanguarda, principalmente as artes plásticas contemporâneas a ele
e seus filmes como meio de dar voz a grupos invisibilizados e produzir resistência cultural,
lutando no âmbito estético e político. Como vimos, os pesquisadores afirmam que Glauber
Rocha inspirou e dialogou com artistas do período Tropicalista, sobretudo Hélio Oiticica. Os
filmes e as obras compartilhariam os mesmos valores, além de poderem ter se influenciado
mutualmente. O potencial político de resistência dos filmes é apontado sobretudo na maneira
como ativa potencialidades de minorias, conduzindo e criando rotas de fugas do que é
culturalmente e socialmente hegemônico, lutando neste campo simbólico por novas
valorizações.

Vimos, portanto, que o tema da arte engajado do diretor e de seu próprio engajamento
político dominam a produção acadêmica. Como apontei, este tema não é novo. O próprio
Glauber Rocha e outros pesquisadores como Ridenti (2001) e Xavier (2007) tratam do assunto.
Por ter dado uma atenção especial aos aspectos políticos do seu cinema e criticar a falta de
engajamento de outros, além de ter sido um agente cultural muito ativo, não é de se surpreender
o destaque dado pelos pesquisadores a este objeto.

No capítulo 3, meu objetivo é checar as duas principais hipóteses que norteiam a


pesquisa e se é possível traçar uma relação causal entre as duas. Como já dito, a primeira diz

95
que há representações mentais recorrentes nas teses, e a segunda explica que isto acontece já
que existe um campo estabelecido de estudos sobre Glauber Rocha, com um número restrito de
autores que circula na maioria delas.

Com o auxílio da análise de conteúdo busquei identificar temas em comum existentes


nas teses. Fui capaz de observar três grupos temáticos principais: 1) Cinema e recepção: quando
os pesquisadores travam aspectos políticos e estéticos da obra de Glauber Rocha, 2) Atuação
Social e biografia: quando há a identificação das estratégias empregadas pelos cineastas na
interação com seus interlocutores e para a imposição dos seus conceitos de cinema e política e
3) Trânsitos e atuação internacional: toda menção da atividade do diretor no exterior, sua
participação em festivais, palestras, relação com críticos e revistas estrangeiras, além da sua
concepção relativa a inserção do cinema latino americano no cinema mundial. Estes três grupos
são responsáveis por englobar quase que a totalidade do que é dito e pesquisado sobre o diretor
e é a partir deles que foi possível extrair as representações mentais sobre o diretor.

Dentro destes grupos temáticos há algumas representações sociais recorrentes, que


iremos tratar brevemente aqui. No primeiro grupo, Cinema e recepção, a representação social
mais recorrente é a do Cinema Político. A maior parte das pesquisas considera que o cinema
realizado pelo diretor possui aspectos políticos marcantes. Primeiramente há a percepção de
que seus filmes são carregados de subtexto político, transmitem um projeto do cineasta. Em
segundo lugar, ele é visto como um intérprete de alguns temas, como populismo e nacionalismo.
Em terceiro lugar, destaca-se a importância dada em seus filmes para a valorização da
identidade nacional.

O segundo grupo temático, Atuação Social e biografia, possui duas representações


sociais que são mais mobilizadas pelos pesquisadores. A primeira é a de Liderança Cultural:
Glauber Rocha é tratado pelas teses como um importante agente para o estabelecimento da
cultura nacional e do “terceiro-mundo”, além de influenciar na forma como o cinema brasileiro
se desenvolve. Os pesquisadores buscam demonstrar como ele se inseriu no campo de lutas,
tanto no Brasil, legitimando ou deslegitimando tradições cinematográficas, bem como a forma
como ele influenciou o debate internacional. A segunda representação social é a do Indivíduo
do Conflito. Os pesquisadores destacam principalmente a disposição de Glauber Rocha pelo
embate, considerando-o um indivíduo polêmico e belicoso, o que fazia com que ele estivesse
em constante conflito com “inimigos” e “aliados”.

96
No terceiro grupo, Trânsitos e atuação internacional, os pesquisadores destacam duas
representações sociais: a primeira de defensor da cultura brasileira e latino-americana com
relação ao mundo “desenvolvido” e a segunda relativa a sua defesa pela integração cultural do
“terceiro-mundo”. A primeira representação social destaca duas imagens: a de intelectual e
cineasta consagrado e a de indivíduo envolto em conflitos com intelectuais e cineastas europeus
e americanos. A segunda trata do ideal glauberiano de integração dos cinemas de países
subdesenvolvidos, demonstrando como sua produção visava buscar a emancipação com relação
à estética que julgava colonizadora e a criação de um projeto político-estético autônomo. Fiz
uma ressalva neste grupo, uma vez que, apesar dos autores destacarem estes elementos, nota-
se, a partir dos dados, que grande parte das realizações de Glauber Rocha buscava o diálogo
com a crítica e cinematografia europeia, mais do que com a latino-americana. Quero dizer com
isto que os pesquisadores, apesar de não tratarem do assunto diretamente em todos os casos,
destacam um interesse do cineasta em estar referido à Europa, utilizando atores consagrados
por diretores como Buñel, escrevendo em revistas francesas e circulando por festivais e mostras
na Europa, como Cannes e Viena.

Com relação à minha hipótese, demonstrei que pode ser verificada uma constância de
representações mentais mobilizadas pelos pesquisadores. Enquanto diversos aspectos poderiam
ser destacados por eles, foram escolhidos alguns e eles se repetem por todas as teses estudadas.

No subcapítulo seguinte demonstrei que pode se estabelecer uma relação causal entre a
existência de representações mentais recorrentes e um campo estabelecido de estudos sobre
Glauber Rocha. Em primeiro lugar, apenas 16 autores possuem mais de um livro citado nas 12
teses estudas, o que indica que há um número restrito de trabalhos “canônicos”, ou mesmo de
autores que têm uma produção relevante na área de cinema ou do próprio diretor. Pudemos ver
também que destes, poucos se destacam com um grande número de obras, apesar de que alguns,
como Alex Viany, com apenas dois livros, é recorrente na maioria dos trabalhos. Ismail Xavier
e Jean-Claude Bernardet são os autores com o maior número de livros, sete, Glauber Rocha,
com seis e Paulo Emílio Gomes Sales, cinco. Glauber Rocha e Ismail Xavier são os únicos
autores presentes em todas as teses, enquanto Bernadet e Paulo Emílio estão em dez.

Dos 16 autores mais frequentes, 13 são brasileiros. Este fato, junto com a predominância
dos quatro autores citados anteriormente demonstram que há um campo de estudos sobre
Glauber Rocha e o cinema estabelecidos no Brasil. Outro indício importante da força deste
campo é a dominância de obras da crítica e teoria do cinema, com 12 autores afiliados a esta

97
área. Como indiquei, as teses, apesar de serem de áreas variadas, podem ser vistas como
interdisciplinares, já que recorrem a outras disciplinas.

Esta dissertação mostrou que entre os livros mais citados em pelo menos metade das
teses, nenhum é estrangeiro, o que fortalece meu argumento de que há um campo de estudo
estabelecido no país. A obra mais citada é Revolução do Cinema Novo, de Glauber Rocha, que
está em todos os trabalhos, seguido por Revisão Crítica do Cinema Brasileiro, do mesmo autor,
presente em 11 teses, Alegorias do Subdesenvolvimento – Cinema Novo, Tropicalismo, Cinema
Marginal, de Ismail Xavier e Brasil em tempo de cinema, de Bernardet, citados por 10 e 9
trabalhos respectivamente. A importância dos livros de Glauber Rocha nas teses reforça a minha
ideia de que ele foi um importante agente na sua própria consagração. A partir da representação,
ele cria uma persona que estabelece certas visões sobre si. Isto é diferente do que fazem os
autores mencionados. Glauber Rocha, além da escrita como um canal, utiliza a escrita para a
performance. Parte do que é percebido sobre si por todos, como por exemplo, Xavier, Bernardet
e os pesquisadores objetos desta dissertação, é derivado desta performance, desta representação.
Por parte das “autoridades”, importa mais a legitimidade e a legitimação conferida ao cineasta
enquanto objeto de pesquisa do que as próprias performances.

Como visto, pude descrever e confirmar haver uma relação entre um campo estabelecido
de estudos sobre Glauber Rocha e as representações mentais mobilizadas pelos pesquisadores.
Apesar de não ter demonstrado diretamente o uso destes autores, os dados bibliométricos me
permitem fazer tal inferência, baseado na ideia de ciência indiciária, a qual nos referimos no
início deste trabalho.

98
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