Você está na página 1de 11

A Mensagem (1934) 

Fernando Pessoa foi sempre movido pela consciência de ser o


intermediário entre o divino e a humanidade e que uma missão, recebida,
lhe cumpria desempenhar. Esta consciência move-o no seu percurso
literário e culmina, amadurecida e trabalhada, na publicação, em 1934, da
sua obra Mensagem. O seu patriotismo desde cedo se fez notar. Quando
regressa a Portugal, a pátria abandonada durante cerca de 10 anos, a pátria
onde o pai e as memórias da infância feliz ficaram sepultadas, depressa
lhe surgem diversos projectos de índole patriótica, a realizar por
intermédio da intervenção literária na vida portuguesa. Estes projectos
manifestam-se logo com a sua adesão à Renascença Portuguesa e
culminam com a reunião e conclusão dos poemas da Mensagem, publicada pouco antes
da sua morte, obra que o poeta encara como fruto de uma missão patriótica e
universalista. Nesta obra, cujos poemas foram escritos entre 1913 e 1934, está bem
patente o seu ideal patrótico, sebastianista e messiânico e a crença na condução divina
dos destinos da humanidade e da história: Deus quer, o homem sonha, a obra nasce
(Parte I, O Infante). Na Mensagem, o cruzamento dos percursos espiritualistas,
ocultistas e míticos de Fernando Pessoa reunem-se para a apresentação de um Portugal
eleito por Deus, um Portugal decadente mas que deverá constituir-se novamente como
um Império, desta vez do espírito e da cultura, ideia profética e mítica que o poeta
desenvolve ainda no poema Quinto Império, onde também aí visiona o surgimento de
Portugal como um Império (depois de Grécia, Roma, Cristandade e da Europa) não
material,mas da cultura e do espírito. Para a regeneração de Portugal, para levantar o
espírito da nação, Fernando Pessoa é consciente do papel da difusão dos grandes mitos.
Parte, então, do mito de D.Sebatião, que, desaparecido no nevoeiro, tal como o Rei
Artur, haveria de regressar para que Portugal se cumprisse de novo: Vem, Galaaz com
patria, erguer de novo/...Mestre da Paz, ergue teu gládio ungido, /Excalibur do Fim,
em grito tal/ Que sua luz ao mundo dividido/ Revele o Santo Graal.( Parte III - O
Desejado). A obra estrutura-se em três partes: O Brasão, O Mar Português e O
Encoberto.

Na primeira parte, Fernando Pessoa percorre, através de figuras da nossa história


(Viriato, O Conde D.Henrique, D.Teresa, D. Afonso Henriques, D.Dinis, D.João I,
D.Filipa de Lencastre, D.Duarte, D.Fernado, D.Pedro, D.João, Infante de Portugal,
D.Sebastião, Nunalvares Pereira, O infante D.Henrique, D.João II e Afonso de
Albuquerque), emissários e heróis ao serviço da vontade divina, a história de Portugal, a
formação da nação portuguesa, sempre com a ideia de uma condução histórica que
parte, não da vontade dos homens mas, dos desígnios divinos: Todo o começo é
involuntário/ Deus é o agente / O herói a si assite, vario/ E inconsciente. (Parte I - O
Conde D.Henrique)

Na segunda parte traça o percurso grandioso da epopeia épica dos portugueses, bem
como a preço a pagar pela universalidade conquistada por este povo, entrevendo, desde
já, a posssibilidade de regeneração deste país que entretanto se adormeçeu: Senhor, a
noite veio e a alma é vil./ tanta foi a tormenta e a vontade! / Restam-nos hoje, no
silêncio hostil, / O mar universal e a saudade / Mas a chama, que a vida em nós criou /
Se ainda há vida ainda não é finda./ O frio morto em cinzas a ocultou./ A mão do vento
pode ergue-la ainda (Parte II- Prece)
Na terceira parte afirma a possibilidade de uma regeneração de Portugal através da força
do mito: É O que eu me sonhei que eterno dura, / É Esse que regressarei (Parte III,
D.Sebastião). Consciente da decadência e estagnação do país, o poeta acredita na
possibilidade de Portugal voltar a constituir-se como um Império: Tudo é incerto e
derradeiro./ Tudo é disperso, nada é inteiro./ Ó Portugal, hoje és nevoeiro.../ É a Hora!
(Parte III- Nevoeiro).

Na Mensagem manifesta-se igualmente o simbolismo esotérico a que Fernando Pessoa


recorre em algumas das suas poesias.É o próprio poeta que a designa como um livro tão
abundantemente embebido em simbolismo templário e rosacruciano (Páginas Íntimas e
de Auto-Interpretação, p.434). Desde logo, a estrutura trenária da obra remete para o
esoterismo, sendo, como é sabido, o número três um número carregado de simbolismo
esotéricos. Não só a obra é dividida em três partes, como, por exemplo, a última parte
(O Encoberto) é ela mesma estruturada segundo este esquema trenário (Os Symbolos,
Os Avisos e Os tempos). As restantes subdivisões da obra correspondem igualmente a
uma estrutura numerológica esotérica, através dos números 5, 7 e 12. A primeira parte
da obra (O Brasão) é subdividida em 5 partes, e cada uma subdividida num daqueles
números; a segunda parte (O Mar Português) é formada por 12 poemas e na terceira
parte, cada uma das três subdivisões já mencionadas é, por seu turno, subdividida,
respectivamente, em 5, 3 e 5 partes. Além da numerologia, vários símbolos esotéricos se
fazem notar ainda na obra: a tradição esotérica dos Templários bem como o sombolismo
rosa-cruciano. Fernando Pessoa concorreu em Outubro de 1934, com esta obra, ao
prémio Antero de Quental, do Secretariado da Propaganda Nacional, destinado a
premiar uma obra de índole nacionalista. O primeiro prémio foi atribuído a Vasco Reis,
mas o júri, presidido por António Ferro, decidiu elevar a quantia atribuída ao segundo
prémio. Esta obra, que é geralmente considerada como a expressão do nacionalismo
português é lida como uma obra universalista, tal como quase toda a obra pessoana, por
estudiosos de inúmeros países. O seu carácter universalista, que o próprio Fernando
Pessoa lhe atribuia, não tardou, pois, a ser-lhe reconhecido.

O ideal universalista da Mensagem 


Considera o próprio autor que este livro se integra numa linha de criação poética que
designa por "nacionalismo místico".

Em carta de 1935, a Casais Monteiro, sobre a génese dos heterónimos, escreve:


"Concordo absolutamente consigo em que não foi feliz a estreia, que de mim mesmo
fiz, com um livro da natureza da Mensagem. Sou de facto, um nacionalista místico, um
sebastianista racional. Mas sou, à parte isso, e até em contradição com isso, muitas
outras coisas. E essas coisas, pela mesma natureza do livro, a Mensagem não as inclui.

Mais à frente, Pessoa diz que concorda com os factos acentuando que o aparecimento
do livro coincide "com um dos momentos críticos (no sentido original da palavra), da
remodelação do subconsciente nacional".

Conforme o estudo de Jacinto Prado Coelho, Cronologia e variantes da Mensagem, "a


obra nasce principalmente de três tipos criadores: do primeiro, entre 1918 e 1922 resulta
Mar Português; o segundo são os últimos meses de 1928, em que surgem
predominantemente composições de brazão; o terceiro são os primeiros meses de 1932,
que precedem imediatamente a publicação do volume".
Constituem as datas dos poemas um elemento de ligação à sociedade e cultura de uma
época, que seria motivo de equívoco se a sua leitura não mostrasse que o nacionalismo
da Mensagem é uma proposta de renascer para a diversidade compatível com o ideal
cosmopolita.

A totalidade Portugal (o livro esteve para ser intitulado deste modo) é um meandro
aberto para o futuro que só existe num processo de criação dramático.

Para Pessoa, a existência de Portugal como nação anda a par com a sua existência
poética e é esta que considera em perigo, estagnada, propondo-se a engrandecê-la.

A concretização "do propósito impessoal de engrandecer a pátria" e contribuir para a


evolução da humanidade, passa pelo fazer outra a história nacional.

Mensagem, enquanto poema épico-lírico, revivaliza com o conto épico da literatura


portuguesa - Os Lusíadas - prossegue noutro sentido a história do futuro, do Padre
António Vieira.

Como parte do diálogo intertextual interior à obra de Fernando Pessoa, este livro
conduz-nos perante aspectos fundamentais para a sua compreensão, nomeadamente os
seguintes:

 a relação entre a estética e política, ou melhor, entre a criação artística e o


empenhamento pluridimensional do autor, a sua responsabiilidade perante a
comunidade;
 a conjugação do processo que dá origem ao "drama em gente" e a busca de uma
super-identidade, do "nada que é tudo";
 a ligação do pensamento poético-filosófico de Pessoa ao saudosismo profético
da tradição portuguesa;

As três partes em que se divide o livro e a organização de cada uma delas revelam a
importância fundamental da estruturação triádica e a oscilação tendente para um
esquema de síntese quíntupla.

As três divisões principais são as seguintes:

1ª - Heráldica - Brasão - Passado

2ª - Descobertas - Mar Português - Passado/Presente

3ª - Profecia - O Encoberto - Futuro.

A zona intermédia não possui subdivisões, sendo formada por um único conjunto de
poemas onde se esbatem as fronteiras entre a iniciação no longe, que consistiu no
concretizar das descobertas e a que consiste no descobrir contemplativo.

Ambas resultam do fascínio do "mar anterior": "O mar anterior as nós, tem medos /
Tinham coral e arvoredos" (Horizonte). Neste grupo de poemas é notória a fluidez, em
íntima conexão com a dominância do elemento água. A sua ligação à primeira e terceira
partes estabelece uma identificação profunda entre o impulso para o mar e o impulso
para o sonho, que ufpousam nas figuras do Infante D. Henrique e de D. Sebastião, as
únicas que se repetem.

No Timbre, elemento maior da Heráldica e que a finaliza, "A cabeça do Grego" é ele "O
único imperador que tem deveras / O globo mundo em sua mão".

No início da segunda parte, "O Infante, simboliza o poder criador do sonho, enquanto
que a terminá-la, "A Prece" de renovação do sonho ("E outra vez conquistemos a
Distância - / Do mar ou outra, mas que seja nossa") - o ver surgir na sua existência mais
pura - o primeiro símbolo, D. Sebastião, que vem dizer: "E o que eu me sonhei que
eterno dura".

A posição intermédia de Mar Português, estabelece a sucessão império material-


império espiritual, porquanto no mar se simboliza a essência de um ideal ser-se
português - o estar com a distância é o jamais aceitar-se vencido, o não se contentar de
ser vencedor.

A sub-divisão da terceira parte da Mensagem em três grupos reforça a importância da


estruturação triádica.

Também a este nível o elemento intermédio- "Os Avisos" entre "Os Símbolos" e "Os
Tempos" - é o lugar onde o sonho, a viagem que é a criação poética ,se conjuga com a
vontade de mudança.Quanto à articulação com uma síntese quíntupla, temos: a divisão
da primeira parte em cinco grupos de poemas que correspondem aos elementos da
bandeira nacional, sendo que a quinta da quinas é "D.Sebastião Rei de Portugal"; na
terceira parte são cinco os "Os Símbolos,sendo o quinto "O Encoberto" e cinco os
"tempos" que terminam com o Nevoeiro.

Atendendo à visão ocultista, que informa o pensamento de Pessoa sobre Portugal


consagrado neste livro, a sua tripartição revela,segundo Helder Macedo, da tradição
Joaquinista (de Joachim de Fiore), na qual se inscreve o profetismo português, de
Bandarra ao P.António Vieira.

Trata-se de uma doutrina da Trindade que na sua divisão da História em idades "propõe
uma visão profética e iniciática da História", a qual regista em figuras emblemáticas (in
Fernando Pessoa e as Ficções do Abismo,p.303).

Na Mensagem, o olhar estático concilia-se com uma perspectiva temporal quase detecta
na sucessão de tempos a nível global, ou na que preside à organização de "Os Tempos",
onde à "Noite" se sucede a "Antemanhã" e finalmente o "Nevoeiro", que inclui a Hora
na ambiguidade da eterna ausência do dia claro.

A unidade do poema é construída a partir de valores simbólicos que integram o passado


histórico transfigurado em mito e a invenção de um futuro.

Os heróis mitícos figuram sucessivamente: a formação e a consolidação da


nacionalidade,as descobertas e a expansão imperial: a esperança de um novo império.

Em cada uma das partes que concorrem para a totalidade se podem encontrar figuras
dominantes: Nun'Alvares, O Infante, D.Sebastião. Todavia o que ressalta desse conjunto
originado numa rigorosa selecção é que não são os factos ou feitos gloriosos, empirícos
que criam o destino,mas o processo de mitologização que lhes confere vida espiritual
fazendo que concorram para uma conjunção de atitudes e valores.

Num plural harmonioso se reune a inconsciência e a consciência, como motores de


acção;os heróis movidos por um instinto obscuro e os que agem voluntáriamente-
segundo J.Prado Coelho (in Fernando Pessoa,Autor da Mensagem,p.52). Nele
confluem o activo e passivo,a coragem guerreira e a capacidade de sacrifício, o desejo
de posse e a contemplação sem objectivos.

Em "Os Castelos", componente primeira do "Brasão", que exibe valores da fundação e


defesa da nacionalidade, a força, a nobreza e coragem de inspiração divina,são valores
colocados a par do mistério e do enigma como portadores da origem e do futuro.

São as figuras maternas de D.Tareja e D.Filipa de Lencastre; é D.Dinis, o rei poeta, cujo
canto na noite "Busca o oceano por achar".

O primeiro dos "Castelos",o fundamento da identidade futura é o puro nato, o irreal, que
detém todas as possibilidades de dar vida à realidade. A lenda de Ulisses vem afirmar
não só a filiação cultural grega,mas sobretudo a primazia da errância, que é glorificada
em "Mar Português",dela derivando todos os valores nobres inscritos na vida espiritual
de um país que vive o "futuro do passado", ufpudiando a miséria do presente.

Pertence a "As Quinas", o poema "Fernando Infante de Portugal", com data de 1913,
que consiste numa nova versão de um poema nessa época (anterior ao aparecimento dos
heterónimos) escrito por Fernando Pessoa. Nele se apresenta inteiramente a aceitação de
um sacrifício a um Além, que move o sujeito da escrita, poeta na dor.

O carácter sacrificial da experiência poética, afirma-se nos vários tempos da


Mensagem.No terceiro dos "Avisos", o poeta profeta, confunde o mar e a dor."Escrevo
meu livro à beira-mágoa", apontando como lugar da criação um litoral que só na mágoa
se ultrapassou. È visível a analogia com a História-Trágico-Marítima, contemplada do
poema "Mar Português": "Quem quer passar além do Bojador/Tem que passar além da
dor".

As Quinas são o elemento fundamental do Padrão dos Descobrimentos, elas ensinam


"Que o mar com um fim, será grego ou romano/O mar sem fim é português".

O desejo de infinito parte da consciência de que o irreal é a única realidade, abismo e


salvação.Daí, a urgência de negar tod o mito que tenha como suporte a ilusão da
realidade.Existe na obra de Pessoa, escrito em Junho de 1935, que tem uma íntima
ligação com "Mar Português"(um estudo sobre esta relação é feito no ensaio de Dalila
Pereira da Costa) e onde encontramos o apelo:"Dai-me uma alma transposta de
argonauta".Nesse poema aparece reiterada a ideia de um fascínio do
indefenido("Qualquer coisa do mar,sem ser o mar/Sereias só de ouvir e não de achar"),
uma força impelindo os navegadores para além das descobertas"Uma coisa que quer do
som do mar/E o estar longe de tudo e não parar.Ultrapassar a morte é aceitar em morrer,
a sedução de uma voz que vem do mar.
Mas a passividade desse acto não se deixa medir pela imaginação ou pela razãovoltadas
para o que existe.

Ela é anterior a uma "loucura lúcida" a que domina a globalidade da Mensagem e lhe
confere a dimensão de não-tempo, anulando no irreal a distinção entre vida e morte para
viver a profecia, a verdade.

O passado e futuro são igualmente míticos, mas é a invenção do segundo que dá sentido
ao primeiro .O mito do Encoberto,materializado em D.Sebastião comparece nas três
partes dominando inteiramente a terceira. Ele informa todo o projecto criando uma
totalidade onde a capacidade de entender o apelo do oculto aparece como valor
fundamental que deve renascer para que com ele renasça Portugal.

O Encoberto é a manifestação do apelo do invísivel,a única realidade actuante e


susceptível de criar civilização.

"Os Símbolos", "Os Avisos" e os "Tempos", revelam que as potencialidades do futuro


residem no descontentamento do presente e na aceitação da morte do passado , condição
para que possa interferir como mito fecundo.

De D.Sebastião, morto enquanto desastre da conquista, fica a loucura que define o


homem pela capacidade de se saber infinitamente outro. É esta que permite a realização
do desejo de absoluto e a sua contínua renovação.É com ela que se identifica o autor da
Mensagem, constituida em sinal que no último dos três "Avisos" se auto-reflecte.

A disponibilidade para superar-se e o desejo de distância atribuidos ao povo português,


não tanto o resultado de um aprofundamento psico-sociológico, como o da consonância
da criação de uma pátria fictícia e de um sujeito fictício. Ela dita a oscilação
contraditória entre uma tendência para a indiferenciação e uma outra, determinadas pela
mesma realidade invisível e determinantes, de modos diversos, de uma relação com o
longínquo.

A revelação do Encoberto é a consciência de uma paz que implica a luta:"Mestre de


Paz,ergue teu gládio ungido/Excalibur do Fim ("ODesejado"). A consciência de que a
negação do "fulgor baço" surge com a possibilidade de decidir, pelo que nada tem a ver
com o razoável da realidade.

Na própria Mensagem se descreve o povo português envolto em nevoeiro e incerteza .


"Ninguém sabe que coisa quer/Ninguém conhece que alma tem(...). Tudo é
incerto,derradeiro".

Sintoma do abatimento nacional sob o jugo salazarista.Portugal torna-se deste modo


ausência - e a imaginação do poeta leva a concebê-lo como o país que podia ter sido,
pura virtualidade, promessa não cumprida.

O quinto império - o visionarismo profético 


Através da profecia do Quinto Império, a Mensagem inscreve-se na corrente profética,
aquela que de facto corresponde a uma identificação colectiva e de sentido positivo. O
Bandarra é "Este cujo coração foi / Não português mas Portugal" e António Vieira "O
Imperador da Língua Portuguesa".

Esta profecia que nasce do sonho ou da meditação, anunciou um Império de um tipo


novo, espiritual.

De acordo com o esquema da interpretação do sonho de Nabucodonosor, por Daniel,


que assinala os quatro impérios - Babilónia, Medo-Persa, Grécia e Roma - o quinto seria
segundo Pessoa (Sobre Portugal - Introdução ao problema nacional, p. 234) o Império
de Inglaterra, por de impérios materiais se tratar. Ora, o Império que profetiza é
espiritual e o esquema em que se insere é diferente, pois é o da grandeza civilizacional:
"Grécia, Roma, Cristandade/Europa - os quatro se vão /Para onde vai toda a idade
/Quem vem viver a verdade/ Que morreu D. Sebastião?"

O apelo da Mensagem vai no sentido da concretização de uma vocação universalista dos


portugueses, a qual não se afasta da que é expressa em 1923 na Revista Portuguesa: "O
Quinto Império, o futuro de Portugal, que não calculo, mas sei- está escrito já, para
quem saiba lê-lo, nas trovas do Bandarra e também nas quadras do Nostradamus. Esse
futuro é sermos tudo. Quem,que seja Português, pode viver a estreiteza de uma só
personalidade, de uma só nação, de uma só fé (...). Ser tudo de todas as maneiras,
porque a verdade não pode estar em faltar ainda alguma cousa (...).Na eterna mentira de
todos os deuses, só os deuses todos são verdade".

Das condições para a criação de um "império de cultura", refere Pessoa como


fundamentais: uma língua rica e completa, o aparecimento das obras de génio nessa
língua.

Para além do anúncio de si próprio como o génio contemplado no grande acontecimento


profetizado por Bandarra para 1888 (data em que nasceu), importa considerar a
apreciação política de autores portugueses que Pessoa faz no ensaio sobre "A Nova
Poesia Portuguesa", mas sobretudo a sua admiração por Teixeira de Pascoaes.

De facto, a Mensagem constroi-se em diálogo com o profetismo de Pascoaes, o poeta da


saudade, dele se aproximando e demarcando,Pessoa considera que as "intuições
proféticas" de Pascoaes vão no sentido da sua antevisão do "futuro glorioso que espera a
pátria portuguesa " e propôe-se nos seus estudos "sociológicos" fazê-las passar do nível
intuitivo ao de um pensamento lógico.

"O nacionalismo místico" de Pessoa reformulará a visão de Pascoaes e sobretudo


acentuando a vocação universalista de Portugal e a sua disponibilidade de "poder ser".

Se em Pascoaes a saudade reúne lembrança e desejo, em Fernando Pessoa o poder


criador do mito recebe a força suprema da qual depende inteiramente o futuro e, com
ele, o passado.

A memória não depende de uma realidade empírica, mas de um alto destino que se faz e
o faz existir. Leiam-se os primeiros versos do poema "Viriato":

"Se a alma que sente e faz conhece


Só porque lembra o que se esqueceu

Vivemos, raça, porque houvesse

Memória em nós do instinto teu"

Como nota Alfredo Antunes (in A Saudade Profética), a profecia sebastianista aparece
em Pascoaes bastante diluída quanto à sua concretização espacio-temporal, enquanto em
Pessoa ela é investida de um alto valor de intervenção que engloba o descontentamento
do presente e visa o futuro pela acção de uma vontade transformadora.

A diferença é bem visível se compararmos, por exemplo, o tom apelativo do terceiro


dos símbolos"O Desejado", com este extracto de "A Era Lusíada" de Teixeira de
Pascoaes: "Eis que ele reaparece logo, ainda não em corpo vivo,mas em fantasma de
nevoeiro.A Saudade lutuosa, através das suas lágrimas, visiona o Desejado. Os seus
olhos perdem-se na neblina do mar que desenha vagamente ao longe , a ilha do
Encantamento.(A Era Lusíada, Porto, 1912).

O Sebastianismo de Fernando Pessoa exige uma referência imprescindível a António


Nobre, que deixou incompleto um poema intitulado "O Desejado" , publicado
postumamente.

Segundo Pessoa, o autor do "livro mais triste que há em Portugal" , o Só diz-nos da


nossa tristeza de sermos orfãos e choramos sabendo que é inutilmente que choramos.

Do ritual de sacríficio consagrado nas páginas de Nobre, encontramos um eco nítido no


terceiro de "Os Avisos", onde às lágrimas choradas é interior o calor e a luz.

De "submissão"voluntária ao sonho se poderá falar ("Quando meu sonho e meu


senhor?")

Tudo o que Pessoa escreveu sobre o assunto, irónicamente ou não , poderá elucidar-nos
acerca de uma vivência dos problemas portugueses.

Mas apenas na Mensagem encontramos a identificação do sujeito e da pátria, num


pensamento da Hora trágica, que apenas o mito, que como tal se afirma pode interpretar,
fazendo surgir o sol na noite, o nacional e o universal.

O Quinto Império, símbolo colocado sob os desígnios do Encoberto, nada tem de


loucura irracionalista ou de cálculo de uma identidade.

A Mensagem é toda ela um acto de paixão pela Pátria, que a confunde com a aspiração
anónima de um povo, a passar além de si, e dar ao mundo novos mundos que só a
inteligência pode achar.

"O Sonho é ver as formas invisíveis

Da distância imprecisa, e, com sensíveis

Momentos de espr'ança e da vontade,


Buscar um linha fina do Horizonte

A árvore, a praia, a flor, a ave, a ponte

Os beijos merecidos da verdade"

("Horizonte")

A ortografia arcaica que Pessoa valoriza corrobora a mitificação do passado e o ideal


aristocrático que animam a Mensagem.

Este ideal é, aliás, sublinhado por um intenso patriotismo visível nas "Páginas de
Estética" e de "Auto-Interpretação" e que conjuga o seu acérrimo humanismo:

"Há três realidades sociais - o indivíduo, a Nação, a Humanidade" (…)

"A Humanidade é outra realidade social tão forte como o indivíduo, mais forte que a
Nação, porque mais defenida do que ela" (…) "É através da fraternidade patriótica, fácil
de sentir a quem não seja degenerado que gradualmente nos sublimamos ou
sublimaremos, até à fraternidade com todos os homens. (…)". A Nação é a escola
presente para a Super-Nação futura. Cumpre, porém, não esquecer que estamos ainda e
durante séculos estaremos na escola e só na escola.

Se intensamente patriota é três coisas: é primeiro, valorizar em nós o indivíduo que


somos e fazer o possível por que se valorizem os nossos compatriotas, para que assim a
Nação, que é a suma viva dos indivíduos que a compõem, e não o amontoado de pedras
e areia que compõem o seu território, ou a colecção de palavras separadas ou ligadas de
que se forma o seu léxico ou a sua gramática - possa orgulhar-se de nós, que, porque ela
nos criou, somos seus filhos, e seus pais porque a vamos criando".

Os Lusíadas e a Mensagem 
A comparação entre "Os Lusíadas" e a "Mensagem" impõe-se pelo próprio facto de esta
ser, a alguns séculos de distância e num tempo de decadência - o novo mito de pátria
portuguesa.

Conhecido o proposto de Pessoa, desde cedo expresso (ao anunciar o Supra Camões) de
ultrapassar o grande épico da nossa literatura, a Mensagem, para além de nos aparecer
como parte do sistema de "imaginação ciumenta" (expressão de Eduardo Lourenço para
designar no processo de criação poética em Pessoa um mecanismo de disputa com
outras obras) que se estende a toda a obra do autor, apresenta-se como uma resposta à
premência de um novo mito, de um novo tipo.

Escreve Eduardo Lourenço 1 : "Fernando Pessoa foi o primeiro que percebeu que os
Lusíadas já não nos podiam ler como até então nos tinham lido e que chegara o tempo
de sermos nós a lê-lo a ele". Os tempos mudaram, o império desfez-se e a esperança
possível de Camões está definitivamente afastada, morta, já não pode interferir para pôr
fim à estagnação do presente.
Inventar a pátria que escolher , é para Pessoa, libertá-la do peso da imagem de realidade
empririca, encontrar sob o heroísmo dos actos concretos um heroismo de grandeza da
alma, independente da conquista e do domínio.

A continuidade com o passado, quebrada pelas circunstâncias históricas, é restabelecida


pela leitura desse passado a partir da profecia que o transfigura no seu sentido, o do
futuro, o da razão de ser português.

Escreve Jacinto Prado Coelho. " Em Camões, põe-se no mesmo plano a memória e a
esperança. Em Pessoa, não, porque o objecto da esperança se transferiu para o sonho, a
utopia e daí uma concepção diferente do heroísmo ". (D' Os Lusíadas à Mensagem, p.
106)

Apontando as preocupações arquitectónicas comuns às duas obras , o mesmo autor


(Prado Coelho), ressalta o carácter mais abstracto e interpretativo da Mensagem , em
relação aos Lusíadas.

A dominante mítica é, no poema de Pessoa, solidária da desvalorização da narração e da


descrição características da epopeia, dando relevo a um pensamento unificador,
ostensivo na proliferação de símbolos em detrimento da acção e conferindo ao poema
uma dimensão mais emblemática do que épica.

Marca visível do diálogo com Camões, cuja ausência está presente no texto de Fernando
Pessoa (v. Eduardo Lourenço "Pessoa e Camões"), é a reflexão directa de um mito,
como é, por exemplo, o poema "O Mostrengo", que corresponde ao Mito do Adamastor.
É-o ainda a presença notória de um vocabulário comum aos dois textos.

Maria de Lurdes Belchior, comparando mitos e símbolos das duas obras, conclui que
para além dos valores fundamentais do mito do Adamastor, e não existindo na
Mensagem sinais do mito do Velho do Restelo, os símbolos - D. Sebastião, o Desejado,
o Encoberto, o Quinto Império, as Ilhas afortunadas- "aludem e englobam valores do
episódio mítico de Os Lusíadas: Ilha dos Amores (Fernando Pessoa e Luís de Camões:
Heróis e Mitos n'Os Lusíadas e na Mensagem, p. 8).

Considerando o diálogo, a nível global e não de micro - episódios, a conclusão será


porventura outra, a da "significativa rasura da Ilha dos Amores, que se origina numa
concepção diferente de heroicidade.

"Se o movimento mais fundo do epos camoniano é o de uma aspiração positiva para um
absoluto, última metamorfose do Amor e seu reino sem fim, o do epos imaginário de
Pessoa procede de um Enigma original e final, apenas consentanêo com o eterno
diferimento de um Desejo sem outro objecto que não seja a ausência de Desejo.Como
no limite, essa mesma "ausência" é inexequível toda a pulsão positiva inerente ao
Desejo é transferida por Pessoa para o plano da criação poética, único lugar da
heroicidade moderna, faústico, ou mallarmiano, a luta do espirito consigo mesmo.
(Eduardo Lourenço,Pessoa e Camões , p.260)

Na Mensagem, através da história se imprime outro sentido à vocação missionante em


Os Lusíadas (J.Prado Coelho, D'Os Lusíadas à Mensagem).
Portugal, que Camões via como cabeça da Europa, é agora o rosto contemplativo de
uma Europa jacente, inscrição geral do Brasão. ("O dos Castelos").

É como enigma, para além da acção para além da vida e da morte, que ressurge o
destino civilizador do ocidente.Identificação do indivíduo, na ambiguidade do sonho
que o constitui, com a raça, depois, desta com a humanidade: será esse o nacionalismo
universalista daquele que reconheceu como pátria a língua portuguesa.

Camões foi o Mestre que em poesia épica se distinguiu acima de todos os outros .

Fernando Pessoa, o "Supra-Camões", terá sido o Mestre que na poesia dramática (os
heterónimos em situação de diálogo uns com os outros) ou na fusão de toda a poesia
lírica, épica e dramática ultrapassou a todos.

Você também pode gostar