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a i do i Fortaleza = Ceara 2013 J A Copyright © Svagito R. Liebermeister 2006 Fundacao Demécrito Rocha Presidente Joao Dummar Neto Ediges Demécrito Rocha (EDR) (Marca registrada da Fundacdo Demécrito, Rocha) Editora Regina Ribeiro Editor Adjunto Raymundo Netto Coordenador de Produgao Sérgio Faleao Editor de Design Amauricio Cortez Capa e Projeto Grafico Deglaucy Jorge Teixeira Diagramagéo Dhara Sena Tradugéo Daniela Nogueira e Guilherme Ashara Catalogagéo na Fonte Ana Kelly Pereira 17 reimpressio 1,000 exemplares www family-constellation.net Todos 0s direitos reservados, Nenhuma parte desta publicacao pode ser reproduzida, armazenada em sistema de recuperagao ou transrnitida por qualquer forma ov por qualquer meio, eletrOnico, mecanico, audio, visual ‘ou outro, sem a permissdo prévia expressa por escrito do proprietaro dos direitos autorais. Também n3o_ ‘pode ser veiculada sob qualquer outta forma que nao a forma em que é publicada e sem condigbes similares, incluindo esta condicao sendo imposta a0 comprador subsequente. Dados Internacionais de Catalogacao na Publicacao (CIP) Liebermeister, Svagito R L716r ‘As raizes do amor, um guia para a constelacao familiar: entendendo os lacos que nos unem e 0 caminho para a liberdade. / Svagito R. Liebermeister; Traducdo, Daniela Nogueira e Guilherme Ashara. ~ Fortaleza: Edicbes Demdcrito Rocha, 2013, 284 p.;il. color. ISBN 978-85-7529-563-2 1, Autaconhecimento 2. Constelacao Familiar 3. Meditacao I. Nogueira, Daniela ll. Ashara, Guilherme. itulo CDU 82-053.27 B sapmronna SKB iotaneno, 2827 Joaqun ocr -Cep 6005542 Foran cers begets 2255 6270 +3855 6148-3755 6256 - Fax (85) 32556271 TRRat” eocesdemxrtorachscom | wtrcom baa @Fcom be Um nascimento foi dado a vocé por seus pais, 0 : outro nascimento esté esperando. Fle tem de ser dado a vocé por vocé mesmo. Vocé tem que ‘paternizar’ e ‘maternizar’ a si mesma, = Osho Agradecimentos Gostaria de expressar minha gratiddo a Osho, meu mestre espiritual, que tem sido a minha maior fonte de inspiracdo, pessoalmente e no meu trabalho como terapeuta. Ele tem me ajudado a encontrar a co- fagem para questionar atitudes convencionais, conquistar percepces mais profundas na vida e apreciar o elemento de mistério que permeia todos os aspectos da experiéncia humana. Sau grato a Bert Hellinger, por ter criado a abordagem terapéutica da Constelagao Familiar, em especial as novas perspectivas que ela abriu para mim, pessoal e profissionalmente. Scu grato a minha mae, que me ensinou o amor incondicional, e ao meu pai, que me ensinou o respeito pela liberdade. Agradeco 3 minha amada parceira e esposa, Meera, que compartilha a minha viagem co- migo e que esta sempre pronta para despertar minha felicidade e meu senso de aventura. Também. quero agradecer a Savita, que comecou 0 projeto deste livro comigo, e a Subhuti, que completou. Sem a ajuda e 0 encoraja- mento delas, eu no teria nem comecado a escrever, e sem a habilidade de Suohuti, em manter o tom da luz na minha escrita "ao ponto”, este livro rao teria surgido Sinto-me grato a todos os meus professores e parceiros no trabalho de Constelacao Familiar, especialmente a Suravi, que faz um otimo tra- balho ao ajudar a espalhar esta forma de terapia na Espanha, e a todos ‘os meus alunos e participantes de grupos, cuja confianga e amor me to- caram profundamenté Eles enriqueceram a minha vida, 0 meu trabalho e ajudaram a minha compreensao a crescer. Muitas das histérias deles foram incluldas neste livro, mas tive de mudar os nomes — e, em alguns casos, 05 paises - para proteger a privacidade deles. cet Sistemas Familiares: Oe (Qe er aeRO EC eer) aah CORT RCR Onc ena ET Oh: oS re BYE) eee 0 aR es Perec mee eC eae Cee eu dec Os mortos e os vivos CR uence On Lee BUE sey ae ; eee UTR Ce Ce ety Net au CC seu; rN eee) Peet Ce tret RC SOE ULL) Aevolugao de uma relacdo 159 167 173 am RSTO Or Ue BCR Cece TCO ola come Here OTS UEC PEO Ua} Le eee eT Rl (0) Perce et Diretrizes para o facilitador Beau Or Erma gr) Frases que curam DOOR Lu ; | | | emma) rere SOR UU eee nc DUE CRUCR Td 92 Ve Introducao ‘Todo munduftem uma mae e um pai. Isso é um fato universal e autoevi- dente que nds tornamos como certo, na maioria das vezes, e nos esque- cemos disso as vezes. No entanto, esses sao dois dos relacionamentos mais significativos nas nossas vidas. Por meio dos nossos pais, entramos na forma fisica € no mundo; por meio deles, chegamos a vida. Como o mistico Osho diz: "Metade do seu ser é composta por sua mae e a outra me- tade é composta por seu pai. Vocé esta aqui por causa de- les; Se eles ndo estivessem aqui, voce nao estaria também. Tudo 0 que esté acontecendo com vocé é, de certa forma, por causa deles... Tem-se que tomar consciéncia disso.” Cada um de nés, consciente ou inconscientemente, é profundamente conectado aos pais, sentindo amor por eles ou ressentimento contra eles, talvez querendo permanecer perto deles ou, inversamente, fazendo o pos- sivel para fugir deles. Raramente, existe alguém que é simplesmente indife- renie em relagio a eles, A “Familia” € considerada a raiz de toda a miseria ou a fundacao de uma sociedade saudavel e as dinamicas das relacdes familiares tém sido objeto de estudos cientificos por décadas Constelacao Familiar ¢ uma forma relativamente recente de terapia desenvolvida por Bert Hellinger, um terapeuta alemao, e rapidamente ganhou interesse mundial. NO nucleo desta abordagem esta a desco- 12 berta de leis basicas que regem os sistemas familiares e que sd0 05 mesmos em todas as culturas. Este livro é para pessoas que querem entender os conhecimentos basicos da Constelacao Familiar. Ele pode ser usado como um manual Nele, eu discuto os principais pontos em uma linguagem simples e os coloco em um contexto mais amplo que vai além da terapia. Resumo as descobertas de Bert Hellinger, acrescento as minhas percep¢6es e intro- duzo a meditacao como uma abordagem paralela ¢ complementar que conecta as pessoas 4 Constelacao Familiar de uma forma mais ampla e mais profunda. Os estudos de caso que uso como exemplos sao extral- dos principalmente da minha experiéncia, que abrange varios paises, € sao claramente indicados no texto. Este livro pode ser usado como um manual de formacdo para as pessoas que querem facilitar sessdes de Constelacdo Familiar e é tam- bém 6 oferccido dqueles que querem procurar um entendimento mais profundo das relacdes pessoais ¢ familiares. Na primeira parte, discuto as leis que regem a relacao entre pais e filhos, aplicando essas leis para a familia de origem na qual nascemos. Na segunda parte, examino a singularidade do relacionamento homem-muiher e como podemos nos relacionar com nossos parceiros de uma maneira mais saudavel. A terceira parte aponta os fatores que precisam ser considerados a0 conduzir sessées da Constelacao Familiar. Na parte quatro, descrevo uma maneira de combinar a Constela- cao Familiar com a meditacdo, com a compreensao de que este método nao € uma maneira de “consertar” as pessoas, mas um trampolim para se aproximar de nossa verdadeira natureza, para descobrir o que norteia nosso comportamento... e 0 que esta além. Também na quarta parte, trago o trabalho de Hellinger, junto com 0s insights de Osho, um mistico indiano que desenvolveu muitas téc- nicas diferentes de meditacdo. A abordagem basica de Osho para a psicoterapia, incluindo métodos como a Constelacdo Familiar, que é um método util para desobstruir a mente-para que possamos nos mover mais facilmente para o siléncio ¢ para quietude da meditacdo. Expressoes Especificas Hé um determinado vocabulério que acompanha a Constelacao Fami- liar; 0 significado se tornaré mais evidente 4 medida que progredirmos com olivro. No entanto, sera util cobrir alguns pontos basicos aqui: Quando nos referimos a um membro da familia em uma sessao de Constelacao, estamos nos referindo ao representante que esta ‘de pé’ fazendo 0 papel daquela pessoa. Os membros reais da familia, geral- mente, ndo se apresentam durante a sessdo. O diente @ quem esté recebendo a constelacao. Sao as suas rela- 6es familiares que estao sendo examinadas. O lider da constelacao é referido como o terapeuta ou facilitador. Eu uso esses termos indistintamente. Um representante ou substituto é uma pessoa que é colocada pelo cliente em uma constelacao para representar um dos membros da sua famitia, ou ele proprio, Uma frase de solucao 6 uma declaracao dada a uma representante, ou ao diente, geralmente pelo facilitador, para dizer a outra pessoa na constelacao. Apalavra destino é usada para indicar a forma como a vida se con- figurou para alguém... com todos os seus aspectos bons e dificeis. Um movimento é um movimento fisico de um representante ou uma ag taco emocional interna ou um sentimento. 13 A expressdo emaranhamento significa o envolvimento emocional de uma pessoa na vida de outro membro de sua familia ou de seu grupo social. Quando nos referimos a alguém ser “pequeno” ou “grande” nao significa 0 tamanho fisico, mas indica uma atitude psicologica, como & explicado no livro. Uma vez que estamos sujeitos ao fato de que a lingua inglesa nao tem pronome pessoal para se referir a homens e mulheres, as vezes usamos “ele” e "dele”, e em outras vezes “ela” e “dela”, para incluir ambos 0s sexos. Nota da traducdo para a lingua portuguesa: Neste livro falamos sobre dois tipos de consciéncia que sao tradu- zidas para © portugués com uma Unica palavra. A primeira palavra em inglés ¢ conscience que é um espaco de consciéncia limitada conect=da com as referéncias sociais e culturais que dao identidade ao individuo. Ela pode ser reconhecida quando o autor fala da consciéncia pessoal coletiva. O autor se refere a esse nivel de consciéncia no Capitulo Dois, onde ela é definida por Svagito como "...um mecanismo da mente que sabe quais valores devem ser seguidos e quais no devem ser segquidos.” A outa palavra em inglés & consciousness que é uma consciéncia ampla, de nivel espiritual. Ela indica a percepcéo instantnea daquilo que é. No seu livro 0 Amor do Espirito, Bert Hellinger coloca "...a cons ciéncia espiritual supera as limitacdes das outras duas consciéncias, li- mitagdes estas que surgem através da diferenciacao entre bom e mau e da diferenciacao entre pertencimento e exclusdo.” Neste livro Svagito fala deste nivel de consciéncia no Capitulo Vinte e Dois quando define meditagéo como "...um estado iluminado de consciéncia, uma estado continuo em que o processo de pensamento cessou, no qual existe ape- nas silencio, paz e quietude.” — Capitulo Um. Sistemas Familiares: como eles funcionam 4 mais de 100 anos, Sigmund Freud, o fundador da psicologia mo- derna, descobriu que a relacéo com nossos pais na infancia afeta cada pequeno detalhe de nosso desenvolvimento psicolégico. Em particular, ele viu como o relacionamento com nossas maes, com sua nutricao e provimento, também poderia levar & neurose, a confusdo e a0 desespero. Por um tempo, a mée foi responsavel sozinha pelo aspecto negativo da nossa vida psicoldgica. Ja que acreditavam nisso, virou moda fazé-la responsavel por todos os pequenos eventos que nao se encaixavam no nosso percurso. Nos circulos de terapia, culpar os pais, especialmente a mae, tornou-se a forma padrao para representar a infelicidade. Entao, na década de 1960, psiquiatras pioneiros como RD. Laing, Thomas Szazz e outros exploraram dinamicas de toda a familia, nao apenas os pais, mostrando como é neurdtico e psicético 0 comporta- mento que é frequentemente resultado de mensagens conflitantes vi- venciadas no inicio da vida familiar. Tratar criancas perturbadas e adultos infelizes como parte de todo o seu sistema familiar logo encontrou seu espaco na corrente predominante da psicoterapia Quando vocé pensa sobre isso, faz sentido. Tal como na fisica quan- tica, tem sido determinado que cada parte de um complexo sistema de particulas atémicas esta afetando e sendo afetada por todas as outras partes; o mesmo também é verdadeiro para todos os tipos de sistemas de grande porte, incluindo os padrdes Climaticos globais, as cadeias ali- mentares animais e a familia humana. V7 As leis e as influéncias que regem os sistemas familiares foram de- senvolvidas por Virgina’ Satir e outros e, em seguida, na década de 1990, um psicoterapeuta alemao inovador, Bert Hellinger, atraiu a aten- ¢0 mundial ao apresentar uma abordagem totalmente nova para tra- balhar com as familias e as organizacdes. Agora, em mais de 25 paises, consultores, terapeutas e outros profissionais de constelacées familiares e organizacionais estao trabalhando com a abordagem Hellinger. Psicanalista classicamente treinado, Hellinger reuniu varios elemen- tos diferentes de observagao psicolégica e teoria sistémica da familia € 05 integrou com a sua experiéncia pessoal sobre como as tribos sul- -africanas zulus lidam com as relaces familiares. Ele observou isso du- rante os anos em que atuou como missionario. Além desses diversos elementos, ele criou: uma forma breve ¢ intensa de terapia chamada de Constelacao Familiar, ou Constelagées Sistémicas. No seu novo método, Hellinger também adotou e modificou ele- mentos do psicodrama, originalmente desenvolvido por Jacob Moreno, e da escultura familiar, criada por Virginia Satir. 0 psicodrama torna visiveis os problemas emocionais do inicio da vida do cliente de uma forma teatral, ern que um grupo de participantes, in- cluindo o proprio cliente, atua em papéis familiares como se estivesse eM um palco, tentando ilustrar e resolver os problemas do cliente e, muitas vvezes, projetanda melhores solucdes e resultados mais positivos do que que realmente esta acontecendo na familia naquele momento. Satif, que muitas vezes é chamada de “A Mae da Terapia Sistémica Familiar", também usou participantes para representa as cenas familia- res, mas de um modo mais simbdlico. Ela foi quem primeiro observou que a distancia entre as pessoas bem como as posturas delas indicavam algo sobre a sua relacdo com o outro. Satir comecou @ trabalhar com familiares reais do cliente, mas, quando alguns membros da familia nao apareciam um dia, ela tinha de chamar estranhos para representa-los e, dessa forma, descobriu que outras pessoas na posicao deles poderiam sentir, e realmente sentiriam o que o membro real da familia sentiria. Hellinger refinou a percepcao de Satir, usando apenas represen- tantes para se posicionarem diante dos membros originais da familia e deu a esses representantes a liberdade para seguir 0 que eles sentis- sem dentro de si mesmos, sem serem influenciados pela interpretacao pessoal do cliente. Hellinger também se inspirou na obra de Eric Berne, um psiquiatra canadense que foi 0 fundador da anidlise transacional. Berne observou que todo mundo passa pela vida sequindo um “roteiro secreto da vida”, criado hé muito tempo na infancia, que pode ser trazido para a luz do dia, conscientemente reconhecido e, em seguida, mudado. No entanto, Berne nao foi além da vida pessoal de alguém, enquan- to Hellinger descobriu que um roteiro pode ser tornado de uma pessoa de uma geracdo anterior e adotado como proprio. Tendo descoberto 0 roteiro oculto da vida, ambos, Berne e Hellinger, entao, introduziram “frases de soluco” para ajudar uma pessoa a sair do confinamento de um determinado roteiro, E importante perceber que, apesar do trabalho de Hellinger dever muito a outras formas de terapia, a Constelacao Familiar é muito mais do que a soma de suas partes. E um sistema organico em si mesmo e uma das mais profundas e poderosas terapias ja inventadas. Em uma nica sessdo, com duracao de talvez menos de 20 minutos, s3o reve- ladas verdades profundas sobre nossas familias e nds mesmos que po- dem curar, transformar, libertar e mudar radicalmente as nossas vidas para melhor. O que é uma constelacdo? A técnica de uma sesso de Constelacao Familiar 6 enganosamente simples. Alguém que quer examinar sua dindmica familiar é levado a um grupo de pessoas do qual ele seleciona individuos para represen- tar diferentes membros da sua familia, inciuindo um para representar 2 si mesmo. Sem !hes dar qualquer explicacao ou instrucao, o cliente posiciona essas pessoas para representar os membros reais da famitia, organizando-os na sala de qualquer forma que ele sentir. © que temos aqui é um retrato de uma familia: a configuracdo ex- pressa algo sobre o grau de intimidade, dor, amor ou sentimento de abandono, que cada membro da familia sente em relacao ao outro. Muito rapidamente, dentro do grupo, os representantes comecam a sentir as coisas que 0 membro original da familia realmente sentiu, urn fendmeno que tem sido corroborado muitas e muitas vezes por relatos de membros reais da familia. Ndo 6 raro os representantes relatarem uma sensacao no corpo que acaba sendo uma representacao precisa de 19 20 uma deficiéncia pertencente ao membro da familia que esto represen- tando, alguém sobre quem eles ndo sabem nada Em uma ocasiao, 0 representante do av6 de um cliente sentiu uma dor forte na perna direita e, apds perguntarmos, soubemos que o avd dele havia sofrido uma lesdo na perna durante a guerra. Em outra oca- sido, um representante sentiu uma dor na garganta; descobrimos que 0 parente que ele estava representando morreu de asfixia. Frequentemen- te, uma fala espontanea feita por um representante replica exatamente © tipo de coisa que a pessoa original poderia ter dito. Essas sincronicidades so t4o comuns na Constelacéo Familiar que deixaram de ser notaveis, embora a forma exata como elas acontecem escape da compreensao racional, Parece que um certo campo de energia existe onde pessoas aleatérias podem ter acesso aos sentimentos e as percepcées das pessoas que elas representam. £ como entrar no campo de energia de um sistema familiar e imediatamente ser capaz de perceber certas verdades sobre as relacdes dentro desse sistema. Este fendmeno € conhecido por diferentes comentaristas como um ‘campo morfogeneti- co’, um ‘campo de informacao’ ou um ‘campo de conhecimento’ Durante 0 curso da sesso, 0s representantes mudam de posicao e sdo dadas breves frases a serem ditas, geralmente sentencas simples, que revelam verdades profundas sobre as relacdes entre os membros da familia que eles estao representando. A medida que 0 processo se desenrola, eles encontram diferentes posiges em relagao aos outros e, por fim, todo mundo se sente mais a vontade. O cliente continua a ser um observador passivo na-maior parte da ses- so, mas em muitos casos é posicionado dentro da constelacao no fim da mesma, substituindo a pessoa que 0 estava representando. Nao obstante ele participe diretamente, a conclusao esmagadora de tais sessoes € que odiente experimenta uma nova compreensao e alivio em relacao a certas preocupacées, problemas ou tensdes quanto a sua familia Em outras palavras, a Constelacao Familiar é muito eficaz ao produ- zir resultados positivos para o cliente dentro de um curto tempo. Somos parte de um coletivo A partir de experiéncias com este trabalho, passamos a compreender que nao somos apenas individuos isolados que apareceram do nada. Descobrimos que somos uma parte integrante do sistema familiar a que pertencemos - gostemos ou nao. Nés também estamos profundamente mergulhados na cultura e na sociedade em que essa familia nos criou e sornos diretamente afetados por tais influéncias culturais. A terapia de um-para-um tende a isolar 0 cliente. Leva-o através das telacdes que moldaram sua vida, enquanto trabalha com ele sobre ele mes- mo, como umindividuo. A Constelagéo Familiar olha para o quadro inteiro. Tal como na medicina holistica, que olha para o corpo-mente como um sistema dinamico, a Constelacdo Familiar procura visar ao individuo como parte de um sistema familiar, que funciona como uma unidade organica Quando, em uma sessdo, 0 terapeuta altera a posicdo de outros membros da familia ou muda a maneira como eles falam com 0 outro, é facil ver a maneira como 0 individuo é afetado. Por exemplo, quando © irmao mais novo falecido de uma pessoa, que poderia ter sido posi- cionado atras da constelacdo onde ninguém pudesse vé-lo, é removido para um ponto focal no ce;tro da familia, nés imediatamente notamos © efeito que tem sobre todos os membros da familia, néo so sobre o representante do cliente. As pessoas podem visivelmente respirar fundo, sentirem-se ansio- sas Ou podem comegar a chorar. Desse modo, todos os participantes das sessdes de Constelacao Familiar tornam-se mais conscientes de que cada um de nés é parte de um coletivo ao qual estamos emocionalmen- te ligados e comecamos a ver que essa sintonia com o sistema maior a que pertencemos nos ajudara a viver em mais harmonia com nés mes- mos e com aqueles que nos rodeiam. © trabalho de Constelacao Familiar nos da a chance de compre- ender a maneira pela qual, na verdade, nenhum homem € uma itha Ninguém @ uma entidade isolada, sem tacos. € uma ilusdo imaginar que, ce alguma forma, desembarcamos neste planeta de uma maneira desconectada de nossos pais e sem ligacdo com as geracdes que nos precederam. Estarnos todos relacionados, especialmente aos membros da nossa familia e aos nossos antepassados, mesmo que nem saibamos quem sao essas pessoas. A Constelacao Familiar nos ajuda a experimen- tar isso por nés mesmos. Ela nos ajuda a abrir nossos coracdes para aqueles que vieram antes de nds e vém influenciando nossa vida, sern que saibarnos disso. isso nos ajuda a ficarmos enraizado na forca da vida que foi transferida para nés pelas geracoes ai 22 Quem pode se beneficiar com a Constelagao Familiar? Todos nés viemos de ¥m ou outro tipo de familia e, embora possamos nag saber, todos nés temos algo nao resolvido em nosso relacionamen- to com nossa familia. Entéo, todos que tam uma mae e um pai tém algo @ ganhar com esta abordagem terapéutica Qualquer um que tenha a oportunidade de agregar os membros de sua familia em uma constelacao a partir do trabalho de Hellinger vai descobrir que isso representa com precisdo as suas relagdes com cada um dos membros e revela significados escondidos para aquele que a esta colocando. Mas as dificuldades da familia podem nao ser 0 Unico problema para uma sesso de Constelacio Familiar, Vocé pode ter um problema que parece nao ter nada a ver com sua familia, Talvez, vocé ndo consiga encontrar um parceiro amoroso ou esta tendo dificuldade de continuar um relacionamento. Ou vocé pode estar brigando com urh trabalho do qual vocé nao gosta ou pode estar com problemas de se sustentar. Vocé pode até ter uma doencga que vocé acha que pode ter origens psicos- somiaticas. Ou talvez nao haja nada espectfico acontecendo, mas vocé sente que sua vida esta vazia e sem sentido. A Constelacao Familiar pode olhar para qualquer coisa que traga problemas emocionais ou praticos em nossas vidas, porque muitos des- ses problernas psicoldgicos podem ser rastreados até chegar a questoes familiares ndo resolvidas. Os problemas que nos impedem de viver uma vida alegre ndo vém do nada. Somente compreendendo que as minhas dificuldades pessoais sao parte de alguma desarmonia maior que envol- ve todas as pessoas com as quais eu cresci, e aqueles que os antecede- ram, permite-me relaxar. Configurando uma Constelacao Digamos que um cliente chega a um terapeuta de Constelacdo Familiar e est com um problema de satide, como uma crise repetida de psoria- se, uma doenca comum de pele que, muitas vezes, tem suas raizes em questées psicoldgicas. O cliente quer observar algum aspecto de sua familia de origemn que sente que pode ajudé-lo. Para criar a Sua constelacaa, 0 terapeuta comeca reunindo um grupo de pessoas um pouco maior do que os membros importantes da familia de ofigem do cliente. No inicio da sessao, 0 cliente é convidado a es- colher alguém para representar o pai dele, alguém para a mae, alguém para representar ele mesmo e, em seguida, talvez outros membros‘im- portanzes, que pertencem ao seu sistema familiar. Ele pode ser solicita- do a acrescentar mais pessoas no futuro. Quem é importante ao sistema sera discutido mais adiante no livro. O diente, entéo, pega cada pessoa com as duas maos e, de acor- do com sua intuicao, move-a para um espaco dentro da sala. Faz isso sem dizer nada, colocando cada pessoa em qualquer lugar na sala que pareca certo para ele, olhando em qualquer diregao. Esses representan- tes nda recebem nenhuma postura ou gesto determinado e nao dizem nada. Cada pessoa simplesmente fica em qualquer posicdo em que te- nha sido colocada. Esta é a maneira classica de fazer uma constelacdo. £ uma configura- do espontanea, usando o espaco na sala, refletindo a maneira em que 0 cliente sente que os membros de sua familia se relacionam entre si. Em sess6es individuais, em que nenhuma outra pessoa esta presente, © terapauta utiliza diferentes meios para representar os membros da fami- lia: almofadas, cadeiras ou pedacos de papel. Algumas pessoas até usam sapatos. Mas, quando o sistema familiar ¢ colocado dentro do contexto de uma oficina, pessoas reais representam os membros familiares. O cliente, depois que coloca a sua familia, senta-se e assiste ao que acontece, como um observador passivo. Os representantes foram posi- cionados e uma certa conexao entre os membros individuais da familia comeca a vir 3 tona A fungao do terapeuta, ou facilitador, é compreender a raiz do pro- blema que esta sendo trazido a luz, por meio desta configuracao do sisterne familiar do cliente. Ele pode, entdo, inicar um movimento para a resolucdo, no curso do mesmo, ele pode perguntar aos representantes como esto se sentindo nas suas posic6es, bem como ajudé-los a en- contrar um lugar novo e mais harmonioso dentro do sisterna. Como meu objetivo aqui ¢ explicar 0 formato basico, nao vou mais continuar com esse exemplo. Haveré muitas, oportunidades ao longo. deste livro para ver como essas sess6es se desenvolvem O método de uma sessdo Uma constelacao é feita melhor quando ha uma real motivacao ou ur- géncia do cliente para entender ou ter um insight sobre uma questao. 23 24 Mesmo que muitos clientes ndo saibam a verdadeira questao e ficarao surpresos quando ela-surgir, geralmente é Util que eles tenham uma ideia do que gostariam de conseguir a partir de uma constelacao. A Constelacao Familiar é praticada em uma Unica sessao em vez de uma sequéncia de sessGes. O terapeuta, ou facilitador — usamos esses termos indistintamente — otha para uma dinamica especial na familia, ajuda o cliente a compreender e absorver qualquer resolucéo ou mu- danca que tenha ocorrido e, em seguida, conduz a.sessao ao fim, dei- xando a experiéncia para o cliente trabalhar da sua propria forma e no seu proprio tempo. © mesmo cliente pode querer fazer outra conste- lagéo em data posterior, quando algo dentro de sua consciéncia tenha mudado, mas isso também sera como uma Unica sesséo individual. Aqueles que participam como representantes fazendo o papel dos membros da familia nao precisam ter tido qualquer experiéncia anterior, nem ninguém precisa saber nada sobre a hist6ria do cliente anterior mente. Além do fato de que normalmente escolhemos pessoas para representar alguém do mesmo sexo; caso contrario, nao faz qualquer diferenca quem representa quem. Nao ha passos praticos para o cliente dar depois de uma sesso. Qual- quer impacto que a sessdo provocou nele continuard a trabalhar silencio- samente, por conta propria, de dentro da parte inconsciente da sua men- te. E suficiente que ele tem contatado algo profundo dentro de si mesmo. Apés a constelacao, tendo entendido algo de dentro da sua diné- mica familiar, o cliente pode se sentir motivado para conduzir os aspec- tos da sua vida de uma maneira diferente, mas isso sera uma resposta espontanea, nao uma decisao ou um plano intelectual. Se havera uma mudanca, isso vai surpreendé-lo a partir de algum lugar mais profundo do seu ser. E a profundidade da revelacao que inicia a mudanca. Quando vocé percebe que as ameixas que estavam prestes a comer sao, na verda- de, nada alémn de pedras, vocé nao as coloca na boca nem morde. Da mesrna forma, quando vocé compreende algo que muda a sua gestalt pessoal, vocé constata que nao pode fazer as coisas da maneira que fazia antes. Vocé pode ter tido certos conflitos familiares trazidos dramaticamen- te para a sua atencdo; vocé pode ter uma nova compreensao sobre eles e, como resultado, estar ciente da.acao correta a tomar. Muito depende do quao profundamente vocé é capaz de perceber e receber 0 que aconteceu na sua sessao de constelacao. Durante uma sessao, por exemplo, algo pode ter vindo a tona sobre a relagéo entre vocé, sua ex-muther e sua filha. Depois, vocé pode dizer para si mesmo. “Certo, ¢ hora de ter mais responsabilidade com a minha filha”. Parece certo que vocé, como pai dela, agora deve dar mais apoio a sua filha. E importante lembrar que a terapia da Constelacao Familiar nao " tra~ batha em cima de” questdes de uma maneira psicolégica convencional, finalmente, chegando a uma conclusdo especifica ou resolucao. Esta forma de terapia tem um conceito diferente, apesar de muitos clientes ‘comecarem com a ideia de que algo deve ser “resolvido” para eles, O que € importante é que entramos em contato com uma certa verdade ou realidade sobre n6s mesmos e sobre 0 emaranhamento de nossa familia, NOs vernos algo que é significativo e isso por si s6 6 0 beneficio. Claro que, muitas vezes, dentro de uma sessdo haveré um movimento, as coisas mudam e as pessoas se movem para mais perto de um ponto de reconciliacdo, mas nem sempre. ‘As pessoas tendem a pensar que somente um sentimento de harmo- nia e paz ¢ importante, o que 6 compreensivel, mas é uma atitude sim- plista. Talvez permanecer em uma situacao dificil, relaxar com ela e deixar a. compreenso € 0 discernimento amadurecerem-no seu proprio tempo é mais valioso do que encontrar um solucao répida. Mesmo se 0 terapeuta conclui uma constelacgéo quando aparentemente nada mudou, no longo prazo, esse pode ser o resultado que & necessario. Hellinger disse muitas vezes a um cliente: “Eu nao posso fazer nada por vocé”, o que parece duro, mas que pode ser o unico caminho, neste momento, para mover o problema do cliente para uma resolucdo futura Portanto, em geral, aymudanca real acontece depois de uma ses- sao, ndo durante. Em outras palavras, vocé se percebe deixando antigas crencas e ideias fixas sobre si mesmo, sentindo-se mais natural, livre e auténtico e, em sequida, as forcas maiores da vida movem vocé para frente. 0 crescimento interior € um acontecimento natural, nao 0 “fa~ zer” de alguém planejado deliberadamente. Uma sessdo tipica de Constelacdo Familiar Max, um austriaco de cerca de 40 anos, tem dificuldade em fazer conta~ to com as pessoas. Ele se sente solitario e incapaz de expressar 0 que 25 26 esta acontecendo dentro dele. Na entrevista antes da sessdo, eu soube que o pai da mae dete morreu quando ela tinha apenas trés ou quatro anos de idade. Quando pedimos para escolher os representantes para si mesmo e para seus pais de um grupo de cerca de 25 participantes, Max colocou todos eles olhando em uma direcao, a mae e€ o pai lado a lado, e ele na frente dos dois, com as costas viradas para eles. A mae comeca a olhar fixamente para o filho, enquanto 0 menino olha para 0 chao com uma cara triste. Pergunto aos representantes como eles estado se sentindo e a made relata que 0 filho é muito importante para ela e que ela nao esta muito ciente do marido. O representante de Max relata que ele nao pode ver seus pais e se sente muito triste. Eu agora trago um homem para representar 0 avd morto e 0 posicio- no deitado no chao na frente do filho. A mae continua olhando para o filho, enquanto o filho € atraido para o seu avé e se deita ao lado dele. Amae agora comeca a mostrar algum grau de desconforto e mal-estar, enquanto 0 fillho parece mais relaxado € confortavel perto do avo. Convido o filho a se“levantar e a mae a se deitar no lugar dele, perto do pai dela. Ela se sente bem [4 ¢ o filho dela agora se move em direcao a0 pai, dando um profundo suspiro de alivio e abracando-o. Peco a todos para se levantar e deixar a mae encarar 0 pai dela, 0 que faz com que ela exploda em lagrimas e, finalmente, ela o abraca. Em seguida, colacamos todos em uma nova constelacdo, que pode ser chamada a constelacdo de soluco: primeiro, 0 av6; em seguida, a mae ao lado dele, a sua esquerda; entdo, 0 pai e, finalmente, o filho. Neste momento, convido o cliente a tomar o seu lugar na conste- lado e seu representante se senta. Peco-lhe que olhe para 0 avd e se curve diante dele com respeito, dizendo-the: “Querido av6, eu honro vocé!". Entao, ele olha para a mae e diz: "Querida mae, o seu pai tem um lugar no meu coracao. Eu sou somente seu filho e nao posso substi- tuir 0 seu pai. Por favor, olhe para mim como seu filho e, por favor, me permita ir a0 meu pai”. Entao, ele se move em diregdo ao pai, o abraca com muito carinho e uma sensacéo de alivio e diz a ele: "Querido pai, por favor, me deixe ficar com vocé!". Vamos examinar o que aconteceu aqui: o olhar atento da mae para o filho indica que ele representa uma pessoa importante do passado dela ou que ela espera que o filho faca alguma coisa no lugar dela. O filho colhando para o chao indica que ele esta olhando para uma pessoa mor- ta — isso foi verificado em muitas constelagdes, que uma pessoa olhando para 0 chao esté realmente olhando para alguém que morreu. Ambas as observacGes sao embasadas pelos sentimentos dos representantes. Parece que o filho esta fazendo algo pela sua mae. Ao saber que 0 pai da mae morreu muito cedo, podemos supor que Max pode estar olhando para 0 av6. Como vou explicar nos capitulos sequintes, Max carrega o sentimento da mae dele, levando a dor de uma perda precoce que ela pode nunca ter se permitido sentir sincera- mente, enquanto ao mesmo tempo se identifica com o avd. Ao repre- sentar 0 proprio pai de sua me, ele se torna emocionaimente ligado a mae de uma forma ndo natural, incapaz de se afastar dela, mesmo que ele ja seja urn adulto maduro. Como resultado, ele terd dificulda- des para se conectar com o propnid pai e sera incapaz de encontrar a sua forga como homem... tudo isso pode estar contribuindo para o seu atual problema. Inicialmente, esta é apenas uma hipdtese ndo comprovada e tem, portanto, de ser testada vendo como os representantes respondem, e isso € feito, trazendo a pessoa ‘ausente’ ~ neste caso, 0 avé — para a constelagao. Se nado houver nenhum efeito visivel sobre os outros repre- sentantes, a hipdtese provavelmente seria errada. Se ha um efeito forte, tal como neste caso, entao, 0 mais provavel é que esteja certa. Neste caso, a identificagao de Max com 0 avé torna-se clara quando ‘© Seu proprio representante sente-se atraido por ele. Quando isso vem & tona, é solucao para o problema é também evidente: a mae tem de com- pletar a relacao inacabada com o pai dela, enfrentando a dor de perdé-lo, € 0 filho tem de deixar essa dor com ela e se aproximar do pai dele. Em cada passo no processo de resolucao, 0 alivio de cada pessoa envolvida e especialmente do cliente é visivel para todos os presentes. A expressao de Max é como se um grande fardo tivesse sido tirado dos seus ombros, Esses so bons sinais ‘de que tenhamos, precisamente, entendido © problema e estamos nos movendo fortemente em uma direcao de resolucao, relaxamento e alivio. Conhecer as causas subjacentes de tais envolvimentos familiares ¢ a chave para sesolvé-los.e isso nés vamos examirar nos capitulos seguintes. 27 Capitulo Dois Conscieéncia: a forca propulsora uando olhamos para o que orienta 0 nosso comportamento, o que nos diz o que é ‘certo’ ou ‘ertado’, o que fazer e nao fazer, 6s geralmente nos referimos a uma sensacdo interna descrita como consciéncia, E um mecanismo da mente que sabe quais valores deve ser sequidos e quais no devem ser seguidos Como podemos conhecer esses valores? Aprendemos esses valores a partir de um determinado grupo social: uma na¢do, uma tribo, um cla OU ume seita, em que nascemos e ao qual pertencernus, Dentro desse. grupo social, 0 principal instrumento para transmitir esses valores para nés ¢ a familia, especialmente os nossos pais. Pertencer a um grupo social garante a nossa sobrevivéncia. Querer pertencer a um grupo é um instinto antigo, que data dos tempos dos nomades primitivos, quando a alienagéo da tribo significava morte cer- ta; por isso, o instinto de pertencimento esta profundamente arraigado em nése é considerado essencial por quase todo mundo, Nossa vontade de aprender e estar em conformidade com os valores ditados por nosso grupo social esta intimamente ligada ao instinto de sobrevivéncia. Nascemos em um estado de desamparo e ignorancia e os Nnossos pais querem que a gente sobreviva; entao, eles ficam ansiosos para ter certeza de que crescemos no caminho certo, desenvolvenos as atitudes “certas” e fazemos a coisa “certa”. Eles querem que nos “encaixemios” e sejamos aceitos comé novos membros do grupo deles. 29 30 Vocé j4 se perguntou por que seus pais eran tao preocupados com (© que os vizinhos pudessem pensar se vocé fez algo ruim, como jogar papel de bala por cima do muro ou gritar muito alto enquanto brincava no quintal ou deixar brinquedos quebrados na entrada da garagem? Vocé consegue se lembrar da expressao assustada no rosto da sua mée? Nao era apenas o medo de seus vizinhos imediatos que os deixava +30 preocupados. Isso tem suas raizes no antigo instinto de sobrevi- vénda que motivava a consciéncia dela. O medo subjacente dela era de isolamento é rejeicao social — tanto para si mesma como para 0 seu filho - que, nas camadas inconscientes da nossa meméria coletiva, significa morte Vocé deve se lembrar experimentando algo semelhante, se voce foi infeliz ao ser rejeitado ou excluido de uma panelinha social na escola pode ser uma experiéncia muito traumatica, muito maior do que a ocasido parece evidenciar, porque mexe com essas raizes antigas. Aconsciéncia é como um barémetro social: se estamos nos sentindo relaxados, inocentes e confortaveis, sabemos que estamos seguindo as regras e nosso direito de pertencer esta assegurado. Se estamos nos sentindo culpados, sabemos que foros contra as regras. Quando nds queremos pertencer a muitos grupos - familia, clube social, religido, na- ao e time de futebol -, nés desenvolvemos uma consciéncia diferente relacionada cam cada um deles, embora a probabilidade seja de que todos eles compartilhem dos mesmos valores gerais. Nés temos mesmo duas consciéncias ligeiramente diferentes rela- cionadas com a nossa mae € 0 nosso pai. Quando crianca, aprende- mos muito rdpido do que o pai gosta, 0 que a mae espera e como se comportar em relacao a cada um deles. Por exemplo, uma crianga que come os doces do pote pode nao sentir receio algum em relacao ao pai indulgente, mas desesperadamente culpada ern relacdo a mae que € consciente da satide. Entéo, a consciéncia guia nossas vidas diarias e algo notavel é que, a medida que crescemos, nds nos tornamos convencidos de que este cédigo de conduta interno é © nosso préprio conjunto de opinides e crencas, privado e independente. Seja o que for que nos compele a nos comportar corretamente, tem sido tao bem enraizado no nosso carter que sentimos isso como intrinseco & nossa persona- lidade e identidade. a eee A consciéncia ngo é esculpida na pedra. Algo considerado bom” em uma culturd pode ser considerado “mau” em outra. Na maioria das sociedades ocidentais, se voce receber um presente, é educado dizer “obrigado”. No entanto, ha circunstancias em que, por exemplo, al- guém que vive na India pode se sentir ofendido quando agradecido por um presente. © comportamento tabu dentro de uma religido pode ser considera- do indcuo em outra. Os cristéos bebem vinho e comem depois do por do sol; isso & simplemente impossivel para um rmembro da religido jai- nista. Os hindus consideram normal arranjar casamentos para os filhos quando eles ainda séo muito jovens, 0 que é uma ideia muito estranha para os judeus ou 0s cristaos. Estar em desacordo com as exigéncias do meu grupo particular me deixa em profundo conflito. Quanto mais eu quero pertencer, mais eu irei me adaptar e mais eu precisarei fazer distincdes entre os valores do meu grupo e os valores dos outros grupos. Este choque de consciéncias antagonicas € a causa basica de todas as guerras e conflitos sectarios. Nos ultimos anos, temos visto como os fanaticos terroristas praticam atos terriveis em nome de sua religiao ou f€ com uma consciéncia ab- solutamente leve. Quanto mais rigorosos nossos valores morais, mais poder tem nos- sa consciéncia sobre nds. Entao, as pessoas que s4o muito moralistas geralmente se sentem fortemente atados por lacos familiares, valores religiosos e culturais. Consciéncia pessoal: a necessidade de pertencer A consciéncia pessoal é algo que,sentimos como individuos: quando eu me sinto culpado, eu geralmente vou responder tentando fazer o que puder a fim de realizar as coisas certas; assim,'a desagradavel sensacao de culpa vai embora e eu terei a certeza de que ainda estou seguindo as fegras que me permitem pertencer ao meu grupo. O marido que aca- bou de flertar com a secretaria no escritorio pode se sentir compelido a comprar flores para a esposa no caminho de casa. A crianga que pegou Moedas da bolsa da mae para comprar doces pode sentir que precisa confessar tudo para ela, para ser capaz de dormir naquela noite. 31 32 Essa consciéncia pessoal tem suas origens no inicio da infancia. A crianga nao quer nada mais dovque pertencer & mée dela e, um pouco mais tarde, a0 pai. Ela adora os pais incondicionalmente, porque a sua sobrevivencia depende disso. E um instinto profundo, a mais poderosa forca instintiva dos mamiferos e o modo de a natureza garantir a sobrevivéncia da crianga. Sem. esse vinculo com a mée, a crianga simplesrnente murcha e morte e, assim, ela faré qualquer coisa que puder para ficar perto da mée. A medida que crescemos, esta necessidade de ligacéo se amplia, incluindo outros membros da nossa familia e, dessa forma, adquirimos uma identidade familiar. Alem da familia, comegamos a encontrar ou- tras pessoas e gradualmente a adquirir uma identidade social pela li- ga¢ao com um grupo maior. Este desejo de ser parte de um coletivo social, desde grupos pessoais de amigos até de organizacées religiosas em todo o mundo, satisfaz a nossa necessidade de um senso de lugar e posigéo no mundo. A nossa necessidade de pertencer é téo grande que, quando dei- xamos 0 nosso pais, geralmente exageramos os rituais que definiram nosso grupo original. Por exemplo, uma indiana vivendo como parte da comunidade asidtica de Toronto pode se engajar mais as tradigoes culturais de seu pais de origem do que a irma dela que mora em Nova Déli. Ela pode seguir os ritos de sua religiao mais estritamente e aderir mais fortemente as regras. O grupo dela, se tiver medo de ser dominado por um numero maior de outras religides, pode ficar mais junto e se separar dos nao asiaticos a sua volta. Da rua Orchard em Nova York até a Brick Lane em Londres, as comunidades de imigrantes em todo o mundo tém se unido para nao. serem excluidos pelos outros, a fim de consolidar a identidade do grupo © garantir a sua sobrevivencia : Em suma, todo mundo tem uma necessidade de pertencer a um grupo ou outro. Cada grupo é um “sistema” que cria uma sensacao de pertencimento, regido por nosso senso de certo e errado. Tudo 0 que fazemos, seja a favor-do que dita a consciéncia pessoal, seja contra ela, fortalece ou enfraquece a nossa ligacao ao sisterna. Se fazemos algo que pée em risco 0 nosso pertencimento, temos uma consciéncia pesa- da, nos sentimos culpados e esperamos ser punidos. Na verdade, muitas vezes recebemos bem a punicao porque nos absolve de uma das piores formas de tratamento punitivo de qualquer sociedade — a exclusao. oO Claramente, essa sensacao de pertencimento e de lealdade que sen- timos em relacdo a qualquer individuo ou grupo depende de quao im- portante cada relacionamento é para nés. E, como eu disse, 0 vinculo Com Os nossos primeiros relacionamentos, nossos pais, sera o mais forte. Nosso primeiro contato humano com a mae sera o mais forte de todos. A necessidade de equilibrio A consciéncia pessoal também responde a uma forga menos poderosa do que a necessidade de pertencer, mas ainda muito significativa. € algo que podemos chamar de um senso de equilibrio. 0 equilibrio esta rela- cionado com a reciprocidade. Isso significa, por exemplo, que, quando eu Ihe dou um presente, vocé sente que gostaria de me dar algo de volta. Quando vocé me deu algo de volta, talvez eu sinta que quero Ihe dar algo mais. Se a troca tem uma qualidadé ltidica ou amorosa, cria uma energia que aprofunda nossa conexao a cada troca. Os relacionamentos cres- cem e se enriquecem com variacdes desta forma de equilibrio. Isso Parte integrante da alegria de relacionar-se e so mecanismos de ligacao essencial que mantém as pessoas juntas. Nao é raro, quando recebemos um presente, sentirmos o dever de dar algo em troca. No minimo, devemos agradecer a quem nos presen- teou e dizer “‘obrigado". nos sentimos incamadados por um sentimen- to de incompletude. Igualmente, se fui eu quem deu o presente, vou sentir 0 direito de receber um “obrigado" e sentirei que alguma coisa esta faltando se nao vem Na maior parte do tempo, estamos em um estado de divida com algLém que nos deu algo, ou alguém se sente em divida conosco, ge- ralmente de pequenas formas que demonstram parentesco, amizade ou intimidade que foram criadas lentamente, ao longo do ‘tempo. Imagine dar um presente de mil délares a um sobrinho que precisa Pagar 0s estudos universitarios e, em seguida, dizer "nao, obrigado” a0 buquié de flores que ele traz a sua casa. Se voce joga as flores dele de lado ou menospreza o significado delas, vocé estara negando a neces- sidade dele de expressar gratidao e pode ofendé-lo seriamente. Rejeitar © presente é pdr em risco 0 relacionamento. Em um nivel, 0 sobrinho quer 0 alivio de uma consciéncia inquieta; ele sente que recebeu muito dinheiro e, entado, literalmente, “diz isso com as flores. Se vocé guiser 34, manter_o equilibrio do relacionamento, seu papel é o de aceitar as flores graciosamente ~ mesmo que vocé nao goste de rosas ¢ seja alérgico 20 cheiro delas. O equilibrio se manifesta negativa bem como positivamente. Assim como nés queremos dar amor e carinho quando isso é demonstrado para nds, 0 desejo de vinganca e reparacao surge quando nos sentimos mago- ados ou feridos. Alguns de nds que se sentiram seriamente prejudicados podem entender o apetite humano por “acertar os pontos”, uma forca primitiva e convincente que pode nos assombrar ao longo de nossas vi- das. Nossa consciéncia pessoal nos impulsiona a fazer alguém “pagar” por qualquer “injustica” que sentimos que recebemos. A necessidade de vinganca € tao basica 4 lei humana que atravessa as fronteiras das nacoes, religides ou diferencas tecnoldgicas e tem ressonancia em todos no curso comum da nossa mitologia, nossa literatura e nossos filmes. Mas, é claro, essas coisas nao estdo presentes apenas na fiteratura € no cinema. A tapeacdo, a mentira e a ferida emocional que sao 0 mate- rial do mito e da dramaturgia também fazem parte de nossas vidas reais. Ordem Social e Etiqueta Outra situacao administrada pela consciéncia pessoal diz respeito a nos- sas felac6es sociais. O que acontece quando nos comportamos em uma comunidade de uma forma estranha ou desastrosa? Em um jantar for mal, por exemplo, quando vocé acidentalmente come 0 peixe com oO talher de massa ou bebe vinho em um copo de agua. Ou vocé aparece “na noité de abertura da Opera de camiseta ou chega em um vestido de noite a uma festa informal. Se 0 seu vestuario Nao se encaixa na situ- ‘acao, vocé se sente constrangido e desconfortavel, como também as spessoas & sua volta. Aordem social se refere a demanda coletiva em que vocé reconhece e obedece a certas regras que regem 0 comportamento e a propriedade nas configuracées sociais de qualquer grupo ao qual vocé pertenca. Este aspecto da consciéncia pessoal é a menor ligacdo dos nossos trés principios, mas, mesmo assim, € conhecido por produzir algumas situa- Ges cOmicas. No Japao, é costume fazer um som quando vocé toma a sopa de macarrio — uma espécie de sugar com barulho que mostra que vocé esté gostando da comida. Mas, na Europa, fazer barulho ao levar acomide a boca é considerado maus modos e, por mais dificil que seja ——~ nao “azer barulho ao tomar a sopa, todos nés fazemos o possivel para evita’ esses ruidos. Da mesma forma, em alguns paises do Oriente Médio e das has do Pacifico, um bom arroto no fim de uma tefeigao mostra ao anfitriao vocé esta mais do que satisfeito. Mas arrote na Inglaterra e vocé vera as sobrancelhas se levantando em desaprovacao. Transgredir a consciéncia que esta relacionada a ordem social geral- Mente cria menos culpa do que os outros dois principios e é certamente mais facil de superar, mas ainda pode nos afetar profundamente. Nos ainda podemos nos sentir constrangidos ao nos lembrarmos de tais in- cidentes, mesmo que tenham ocorrido anos atras. Para tesumir os efeitos da consciéncia pessoal: ela faz com que eu me sinta culpado quando eu vou contra as suas regras de conduta; ela me obriga a fazer reparacdes por algo que fiz de errado, a dar algo em troca do que foi recebido e, ter a certeza de que me encaixo na ordem social, exibindo 0 comportamento correto na ocasiao certa Nossa consciéncia coletiva A Consciéncia coletiva € uma forca bem mais poderosa, oculta e insidiosa, Ela funciona de maneira invisivel. Nao anuncia a sua presenca por meio de sentimentos de culpa se formos contra ela; nao témos consciénda de onde ela vem e ela existe sem sermos capares de identificd-la diretamente, Em vez de habitar a mente do individuo e revelar-se a0 responder as escolhas pessoais dele, a consciéncia coletiva opera de dentro da familia como um todo e, como ja indiquei, faz isso sem os seus membros terem conhecimento. Da mesma maneira que podemos identificar uma corrente elétrica ape- nas pelo efeito que tern sobre a lampada, podemos reconhecer a consci- éncia coletiva s6 pelas formas como afeta o comportamento das pessoas. Nosso trabalho na Constelacdo Familiar é identificar essa consciéncia Coletiva. Quando entendemos as leis desta conscigncia, podemos trazé- -las a luz, compreender as implicagOes € suas intencées, curar o dese- quilfbrio do sistema familiar e ajudar o cliente a aceitar o que aconteceu. Varios agora olhar para essas leis mais profundamente. Da mesma maneira que a consciéncia pessoal tem trés obje- tivos, a consciéncia coletiva tem.trés principios: Pertencimento, Order e Equilibrio 36 ALei do Pertencimento Todo mundo que faz parte de uma familia tem um diteito igual de fazer parte dessa familia, Cada membro da familia, independente de quem seja, de quando tenha chegado, ou do que tenha feito, tem igual direito 20 seu lugar. Um filho pode ser um misico talentoso, outra pode ser doente ou ter necessidade especial, outra pode ter problemas de compor- tamento antissocial — nao faz diferenca. Mesmo na familia maior, se alguém morreu jovem ou cometeu suicidio, nada muda em relacao a este direito basico de pertencer. Todo mundo tem que ser incluido e respeitado igualmente. A Lei da Hierarquia Dentro de um sistema familiar, os membros da familia sdo clasificados de'acordo com 0 momento da chegada deles. Aqueles que vieram antes ter uma classificacéo “mais alta" do que aqueles que vieram depois. Os irmaos mais velhos tm prioridade sobre os mais jovens; a primeira esposa tem de ser lembrada como a primeira; a segunda mulher deve ser lembrada como aquela que vern antes da terceira esposa, e assim por diante. © que vem primeiro ver primeiro; 0 que ven depois vern depois - a ordem cronolégica tem prioridade absoluta. Isso ndo é uma lei feita pelo homem no sentido de que ela tem sido deliberadamente criada como parte de urn conjunto de crencas morais. € existencial; ver simplesmen- te com o nascimento dentro um sistema familiar. Esta noco de dar prioridade a quem vem primeiro esta profunda- mente arraigada em nosso inconsciente coletivo, algo que instintiva~ mente sentimos em uma ampla gama de acdes ordinarias, nas situacoes do dia a dia. Por exemplo, quando fazemos fila na bilheteria do teatro, ou reservamos um assento no avido, nés automaticamente assumimos que aqueles que vém em primeiro lugar terdo os melhores lugares; ou quando um mal-estar se espalha ern uma empresa porque um recém- -chegado 6 promovido, em vez de alguém que esta I hd anos, todos nds pensamos: “que injusto!” Eo mesmo com nossas familias. La no fundo, somos governados por lm senso de hierarquia baseado no tempo de chegada e isso € acionado quando, ao se comportar de maneira inadequada para a posicao, algum membro da familia no esta “em seu lugar” ou “est agindo acima da Sua posicdo”. A lingua inglesa € cheia de termos que expressam essa forma de pensar: “nao estava na sua posicéo para fazer isso”, “ole esta- va fora de ordem”, “ele ndo estava no lugar de dizer tal coisa” A Lei do Equilibrio Qualquer injustica feita a um membro da familia em uma geracéo ante- rior, ou cometida por um membro da familia nessa geracao anterior, deve ser equilibrada por atos de um membro posterior da mesma familia Em um nivel pessoal, como jé mencionei, estamos cientes do dese- Jo de equilibrar algo que aconteceu conosco, devolvendo um favor ou uma ferida que tenhamos recebido, Mas ha uma forca muito mais poderosa em aco dentro de um siste- ma familar. Ela nos obriga a pagar, nao por nossos préprios delitos, mas por algo que nossos antepassados podem ter feito, Sejam quais forem, os atos negativos que entraram no sistema familiar no passado e nao foram expiados, iréo se manifestar em geracoes Posteriores - como se fosse um virus Cue est no corpo prestes a emergir como uma doenca mais tarde Portanto, nao é uma questao de retribuicao imediata, um “olho por olho”, ou “vocé me bateu e eu vou bater em vocé de volta”. E um fend- meno operacional muito mais amplo e profundo em uma escala trans- geracional. Ecoa a nocao da Biblia que nos diz que “os pecados dos pais Serao punidos sobre os filhos”. Isso significa que, se meu avo matou a amante dele, hd chance de que, de alguma maneira inconsciente, eu esteja pagando por isso. : Eu oreciso enfatizar que esta ndo é urna injungéo moral sobre como. devernos nos comportar. Nao é um cédigo de conduta fabricado. € sim- plesmente uma verdade existencial. A descoberta dessas leis néo acon- teceu por meio do raciocinio ético, mas a partir da observacdo pura-a partir do que é conhecido nos circulos académicos como uma aborda- gem "fenomenolégica” para a realidade Em outras palavras, no sistema familiar, esta ¢ apenas a forma como as Coisas sao e uma das lels bésicas que regem esses sisternas é que, se um membro da familia nao assume a responsabilidade por seus atos, alguém na familia o fara. A consciéncia coletiva passa a bola da reta- llacdo de gerago em geracéo até que seja, finalmente, enderecada, reivindicada e cancelada. 37 38 A consciéncia pessoal me faz querer equilibrar algo que eu fiz de errado. A consciéncia-coletiva me compele, sem que eu saiba, a equi- librar algo em nome de um membro de uma familia que, com toda a probabilidade, eu nem mesmo sei quem é. Com a pessoal, me sinto culpado; com a coletiva, me sinto impulsio- nado por uma forca inconsciente. Em ultima andlise, 0 que isso mostra é que existe uma camada coletiva em nossas mentes que nos mantéem responsavels por tudo 0 que fazemos e pelo efeito que nossas acoes tém sobre os outros. Todos sao responsdveis, quer reconhecam isso, quer nao. Existe outra distingao a ser feita entre a pessoal e a coletiva que se relaciona diretamente com 0 nosso desejo de maturidade. O crescimen- to individual depende de sermos capazes de permanecermos sozinhos, apesar de todas as pontadas de consciéncia pessoal que possamos sen- tir em relacao aos nossos pais e aos nossos sentimentos de obrigacao e dever para com eles. Mas, com a consciéncia coletiva, nos podemos alcangar essa “solitude” apenas em um certo grau; em outras palavras, precisamos estar prontos para carregar um certo destino que ven com a nossa vida e aceitar 0 fato de que somos parte de uma familia em particular e da sua histéria. Quando aceitarnos isso, podemos comecar a crescer — antes, nao. O bem-estar de todo o sistema A consciéncia coletiva trata cada membro igualmente, ignora as dife- rencas entre eles e trabalha para o bem-estar e a sobrevivéncia do todo. Esta lei protege o direito de cada membro de pertencer a familia e tam- bém restringe as pessoas ao seu lugar dentro do sistema Nas sociedades tradicionais, nas quais a continuidade entre as ge- racées 6 muito venerada, essas leis sao a base para todas as interacoes sociais. As tradicées da hierarquia existem em tadas as tribos primitivas € 05 anciaos so profundamente respeitados. Eles tem um status privile- giado sobre as geracoes mais jovens e presidem sobre regras rigidas de prioridade, que so observadas de uma forma que nao existe mais em nosso mundo moderno. Na sociedade ocidental, o individuo agora € sacrossanto e vemos, muitas vezes, filhos e filhas que vdo contra os desejos de seus pais. Nos grupos primitives, ninguém poderia nem se opor aos mais velhos. Os interesses do grupo, representados pela hierarquia rigida, vern antes dos interesses individuais. Todos no grupo sabem disso, aderem a isso e aceitam a responsabilidade em conformidade. Por exemplo, eu ouvi uma historia veridica de um homem que per- tence a um grupo de tribos némades africanas que machucou gra- vemente a perna. Quando 05 outros membros da tribo trouxeram o homem para 0 hospital, 0 médico disse a familia que, se a perna do homem nao fosse amputada, ele iria morrer e que eles deveriam decidir se ele seria operado ou nao. Em vez de responder imediatamente, o grupo foi para casa e sentou- -se junto para discutir 0 assunto. Quando eles voltaram, disseram ao Surpreso médico que a operacdo ndo deveria ocorrer — 0 homem teria que morrer. Algo que pode parecer brutal a nossa mente ocidente mostra como as necessidades do coletivo governam todas as escolhas dentro dessas Culturas; mostra como o bem-estar do grupo é sacrossanto. Sendo nd- mades, essas pessoas eram obrigadas a se mudarem continuamente, viajando por rotas tradicionais que permitiriam o gado pastar em gra- mineas de baixa densidade e plantas e, em seguida, se mudarem assim que 0 pasto local estivesse acabado. Um homem sem uma perna iria atrasé-los e isso colocaria em risco a sobrevivéncié do grupo; entéo, eles tiverarr que deixd-lo morrer, Todos, até mesmo o homem, estava ciente disso e de acordo com a decisao. O pessoal contra 0 coletivo Poderos ver essas leis sociais coletivas aperando em tribos primitivas. O que ¢ dificil, no entanto, é ver as mesmas leis Operando dentro das Nossas proprias familias modernas do século XXI. O desenvolvimento da consciéncia pessoal tende a criar valores dife- rentes dentro de um grupo, baseado na conviccéo de que alguns tém mais direito de pertencimento do que outros. Por exemplo, quando eu faco algo que esta de acordo com os valores do meu grupo, eu sinto que tenho mais direito de pertencer do que alguém que vai contra a norma € nao se sujeita Este 2 um dos elementos da famosa historia biblica do filho prédigo. O filho “bom”, que ficou em casa’ e ajudou o pai, sente que tem mais 39 40 direitos do que o filho que gastou sua heranca, em viagens e extrava- gancias. © melhor bezerro deveria ter sido morto para ele, nao para o irm&o inutil. Ou, para fomarmos um exemplo moderno, um membro de uma em- presa que, durante anos, trabalhou com afinco e lealdade vai sentir que tem mais direito de ser parte daquela empresa do que alguém que esta sempre atrasado e usurpa artigos de papelaria No entanto, esse elemento pessoal pode colacar 0 interesse do indi- viduo em oposicao ao coletivo, porque o coletivo nao faz essas distin- (Ges. No que diz respeito ao coletivo, cada filho tem o mesmo direito de pertencer a familia e cada membro da empresa tem o mesmo direito de ser parte da companhia O que vemos na Constelacao Familiar € que a consciéncia coletiva é muito mais poderosa do que a consciéncia pessoal e pode até mesmo. fazer com que as pessoas realizem coisas contra a sua consciéncic pes- soal, a fim de cumprir suas leis, Para ficar com o exemplo do filho prédigo: se eu decidir enganar meu irmao tirando a heranca dele, porque ele abandonou a familia en- quanto eu trabalhava duro para ajudar todos os nossos parentes, isso é justificado pela minha consciéncia pessoal que diz: “Eu tenho mais direito ao dinheiro do que ele!” Mas, mais tarde, posso perder todo o meu dinheiro a partir de uma necessidade inconsciente de me punir por engané-lo. Deste modo, sob a influéncia da consciéncia coletiva, vou equilibrar o mat e me colocar de volta em um nivel de igualdade com 0 meu irmo. Ou, se eu nao criar este equilibrio, outro membro da nossa familia pode ter de fazé-lo por mim. Nas sociedades tradicionais, havia uma forte énfase sobre 0 que as pessoas tem em comum e as diferen¢as individuals eram suprimidas objetivando o bem-estar geral da comunidade, Esse tipo de orientagéo era vital para a sobrevivéncia do grupo, porque a vida estava focada no cumprimento das necessidades bem basicas. Para combater as dificul dades, como secas, inundagées, fome, frio, animais selvagens e inimi- gos tribais, o bem-estar do grupo era soberano. Hoje em dia, em ricas sociedades ocidentais, a urgéncia em relagdo a sobrevivéncia do grupo ndo esta mais presente. Agora, ha espaco para a variedade e diferencas individuais, o qual é uma diregdo natural para @ evolucdo social ~ mais liberdade de escolha pessoal _ ili A desvantagem desta tendéncia relativamente recente é que esque-. cemos quase totalmente nossas conexdes familiares. Mas as leis que fegem essas Conexdes nao se esqueceram de nos. Elas ainda existem e, gostemos ou néo, ainda controlam nossas agoes. © adolescente rebelde de hoje pode acreditar que ele é livre para fazer o que gosta e, em um certo nivel, ele € certamente mais livre para agir viver de forma diferente dos membros da geracdo dos seus avés, Mas, em outro nivel, ele esta profundamente ligado ao seu grupo social @ este vinculo coletivo vai forcd-lo a fazer coisas, mesmo contra a sua ideia de ser livre, Lembro-me do caso de uma jovem australiana, a quem chamarei de Tracy, que vivia de uma maneira muito selvagem e livre e, quando mais Jovem, usou drogas, tornou-se hippie, perambulou pela india durante anos @ achava que a gravidez na adolescéncia e a decisdo de dar sua filha 9ara adocao haviam sido deixadas para tras. Mas, quando entraram em vigor as novas leis que permitiram que os filhos adotados rastreassemn os pais naturais, Tracy, agora em torno dos 40 anos de idade, concordou em encontrar a filha. Pouco depois, a filha se suicidou, deixando sua prépria filha para ser criada pela av6 materna, Tracy. Algum tipo de equiliorio ocorreu, ditado pela consciéncia coletiva desta familia. Vamos ver mais exemplos dessa necessidade de equilibrio a medida que o livro progride Assim, se um individuo vai superar os emaranhamentos dos lacos familiares, ele primeiro precisa entender e estar em sintonia com a consciéncia coletiva da sua familia. Quando o equilibrio for restaurado, quando as contas antigas tiverem sido tesolvidas, quando tudo e todos estiverem na ordem correta, s6 entao ele pode se considerar verdadeira- mente livre para explorar as suas preferéncias individuais Esse € 0 objetivo do trabalho a que chamamos de Constelago Familia. 41 Capitulo Trés _,. _Exclusdo: quem foi deixado de fora? me das descobertas mais surpreendentes e poderosas na dinami- ca familiar que tem sido trazida a luz pelo trabalho de Hellinger € ver como um membro posterior da familia, um filho, se identi- fica com um membro antecessor sem ter qualquer ideia que isso esta acontecendo. Ele carrega sentimentos do parente como se fossern dele mesmo ¢ faz 0 papel dessa pessoa, como se fosse uma replica, Isso Ocorre, na maioria das vezes, sen que ninguém na familia tenha consci- éncia disso € @ pessoa que se sente compelida a fazé-lo pode nunca ter encontrado essa pessoa que ele esta representando. Qual é 0 segredo por trés desse fenémeno surpreendente? No caso de Max, 0 austriaco que citamos no ptimeiro capitulo, sou- bemos que, quando a mée de Max era ainda uma menina muito jovern, ela perdeu 0 pai. Quando uma crianga perde um pai tao cedo, como neste caso, a dor é enorme. O vinculo coms pal é tao forte que a crian- Ga nao pode lidar diretamente com essa perda e com a separacao. Uma forma como ela pode lidar com isso é experimentar e excluir o impacto da morte dele na memoria. Esquecendo seu pai e a morte dele, a mae de Max o exclui da sua vida e isso vai de maos dadas. com a necessidade dela de evitar a dor. No entanto, 0 problema é que nenhuma dor nunca pode ser totalmente evitada e nenhum pai pode ser esquecido dessa maneira. Entao, a mae de Max permanece como um disco preso no momento em que seu pai morteu, incapaz de realmente deixd-to it 43 44 Para completar sua relacao com 0 pai morto, ela teria de reconhecer plenamente que ele morreu e re-experimentar a dor da perda, mas essa @ exatamente a mesma dor que ela tem evitado por tanto tempo. Ela pode pensar que pode simplesmente deixar tudo para tras, mas a ferida que foi criada no seu coracao e a ruptura profunda que ocorreu no sis- tema familiar ndo permitem isso. Sob a influéncia da consciéncia coletiva, que exige que cada membro da familia seja lembrado e reconhecido, um membro posterior da fami- lia, 0 filho dela, Max, terd de representar 0 pai esquecido da sua mae dentro do sistema familiar. Como todos os filhos, Max precisa do amor e da atencao de mae; precisa se vincular 4 sua mae, 0 que ¢ uma parte natural, saudavel e importante de qualquer relacéo normal de um filho com seus pais. Mas Max sente que a mae nao esta totalmente disponivel para ele. Sem realmente entender o que esta acontecendo, ele pode sentir que © coracao dela ainda esta secretamente atado ao do pai, que morreu quando ela era uma garotinha. Ao se identificar com 0 avé e carregan- do a dor da mie, Max tenta obter o amor e a atencao da mesma, Ele comeca a agir como se fosse um pai para a propria mae — algo que chamamos de "parentificacao” Como vocé pode imaginar, as demandas da consciéncia coletiva sao dificcis para a crianga recém-chegada. Ao se camportar como fosse um pai, Max tenta dar amor para a mae em vez de receber dela, 0 que @ uma inversao da direcdo natural. Max permanece vazio, subnutrido como uma crianga no sentido emocional e ainda, ao mesmo tempo, ligado 3 mae, A medida que ele cresce, é incapaz de separar-se dela e, portanto, nao pode se entregar totalmente para outra mulher. Ao mesmo tempo, seu proprio senso de masculinidade foi prejudicado,e a razao é clara: Max nao foi capaz de receber 0 apoio masculino ea aten- cao que precisava do seu préprio pai, porque ele nao estava realmente agindo como {ilho do seu pai. Em suma, 0 menino nao pode realmente ser ele mesmo e nao sabe por qué. Um emaranhamento bésico, a tentativa ma sucedida da mae para esquecer 0 pai, cria cada vez mais complexidades. J que Max nao tem sido capaz de receber totalmente o amor € © apoio da mae, ele pode tentar obté-lo de outra mulher como se fosse um filho, ou dos préprios filhos, se ele se tornar pai. Entdo, os filhos vo querer dar a ele, em vez de quererem receber, e toda uma gama de padrées de relacionamentos confusos continuard de forma aturdida de uma geracao para a outra Max pode até desenvolver uma tendéncia de negar a vida, que po- deria continuar até tornd-lo Propenso a acidentes ou ao suicidio, depen- dendo de quao forte ¢ o apego que a mae tinha ao pai dela. Isso 6 a Consciéncia coletiva operando. € a consciéncia coletiva querendo incluir OS parentes esquecidos, excluidos ou perdidos, de modo que todos na familia tenham seu lugar e sejam totalmente lembrados, Isso é 0 que determina que a crianca tenha que representar 0 seu avd esquecido. A razéo para nao se lembrar de alguém 6 geralmente a dor nao vivioa. Quanto mais jovern alguém seja, mais dificil é para ele lidar com essa dor — especialmente uma dor tao grande como a perda precoce de um dos pais. Sempre que amamos alguém, profunda e inocentemente, como fazem as criancas, a abertura desse estado cria a possibilidade de dor intensa, se perdemos alguém que amaros. Ser plenamente capaz de lidar com a dor requer uma certa maturidade que a crianca simples- mente ndo tem, Quanto mais cedo é a perda, mais graves sao as consequéncias para 8 ctlanca. De acordo com os psicblogos que aderem a “teoria das relax Goes com 0 objeto” do desenvolvimento do ego humano, a perda pre- coce de um pai carrega um séria risco de prejudicar a formacdo saudavel da identidade da crianca Uma avo excluida Vejamos outro exemplo. Antonella é umaitaliana de 35 anos, que pediu uma sesso enfocan- do 0 fato de que ela nunca teve um relacionamento com um hornem Por muitos anos. Em uma entrevista preliminar, eu soube que o pai deixou a familia quando ela era adolescente e que ela ndo 0 viu por 20 anos. Ela também me contou que o av6 paterno tinha deixado a mulher, a av6 dela, com dois de seus filhos. © avé ficou sozinho com o terceiro filho, o pai de Antonella Eu comego a sesséo convidando Antonella a selecionar trés pessoas de um grupo de 25 para representar o pai, a mae e ela mesmo e coloca- -las em uma constelacdo. Ela posiciona o pai em frente a ela, portanto, Se entreothando e coloca @ mae ao lado. A representante dela imedia. 46 tamente relata que esta se sentindo muito agitada e que nao consegue ‘olhar para a mae; 0 pai relata que esta focado em Antonella e a mae diz que se sente como uma forasteira. Quando acrescentamos uma representante para a avd, a represen- tante de Antonella se sente muito aliviada. O pai dela também se sente melhor e imediatamente a atencdo dele vai para a mde. Antonella expres- sa muito amor a avd. Quando trazemos também o avd para 0 quadro, Antonella revela que tem raiva dele por ele ter mandado embora sua avo. Entdo, o que esta acontecendo nessa familia? A avé 6a pessoa que foi excluida nessa familia e Antonella esta carregando 0 fardo ao se identificar com ela. Ela carrega a raiva que a avo deve ter sentido em relacdo ao marido, mesmo que no tenha sido Antonella que fora mandada embora Esse é um exemplo tipico de como urna crianga, por amor - 0 que chamamos de amor cego — inconscientemente intervém no destino de ‘outro membro da familia e, entdo, sofre as consequéncias na sua pro- pria vida. Na relacao, a jovem Antonella agora expressa raiva nao pelo avé, que morreu ha muito tempo, mas pelo proprio pai e por outros homens, razio pela qual ela tem dificuldade de estabelecer relacoes corn os homens. Chamamos isso de “dupla transferéncia” 1. Antonella esté se comportando como sua avo- uma transferéncia na identidade do sujeito. 2. Antonella estd expressando a sua raiva nao pelo avo, mas pelo pai e por outros homens» uma transferéncia no objeto de suas emocoes, Nesse caso, a situacao é ainda mais complexa. O pai de Antonella teve de ficar com 0 pai dele, 0 avé dela, enquanto secretamente sentisse falta da mae e das irmas e secretamente estivesse com raiva dele. Agora, 0 pai de Antonella, como uma crianga, néo conseguia confiar completamente nos seus pais, ou receber o amor deles, porque um dos pais ndo esta disponivel ¢ ele sente raiva pelo que permaneceu. Assim, na vida dele, ele vai procurar a mae, talvez tentando encontra-la em uma esposa ou uma filha. Ao mesmo tempo, ele vai se identificar'com o pai e sentir uma forte tendéncia em repetir o que ele fez ~ deixar a familia -— que € precisamente 0 que aconteceu. ‘Ao colocar essa constelacao familiar, quando olhamos para o lugar de Antonella de frente para 0 pai, podemos ver a repeticao do confron- to entre 0 avé ea avd. O pai dela se identifica com o pai dele, carrega © fardo da culpa, enquanto ao mesmo tempo procura a mae. Antonella se identifica com a av6, esta com raiva e direciona sua raiva para o pai. Que 0 pai dela tenha deixado a familia so completa a sua raiva. Qual é a solucao? Em primeiro lugar, Antonella comeca a sentir um certo grau de alivio quando percebe que 0 pai nao esta liberto. Quando crianca, ele ficou emaranhado em eventos fora do seu controle, além mesmo do seu entendimento, Esse insight a ajuda a se abrir para ele. Ao honrar a av6 e deixando 0 conflito original entre os avés para os prop‘ios avés, ela agora pode assumir seu lugar como filha. Como filha, ela pode agora reconhecer 0 quanto sentia falta do pai, reconhecendo que - considerando as circunstancias da infancia dele — ele fez tudo o que podia fazer. Agora que ela se sente mais livre da vinculacéo complexa a familia do seu pai, ela pode comecar a olhar para a sua propria mae. Vocé deve se lembrar de que, na colocacao da constelacao original, ela nao estava olhando para a mae de jeito nenhum. Ela agora se sente apta a se mo- ver en direcéo a ela, 0 que € um grande alivio para a mesma. Agora, também, ela pode olhar para os homens com novos olhos, sem a raiva, a suspeita e a desconfianca que predominava antes. Aqui, fomos capazes de expor a origem do conflito e deixa-lo no lugar ao qual pertencia: com os avés, O que exclusdo significa Como vimos no caso de Antonella, uma pessoa esquecida ou excluida nao é necessariamente alguém que morreu de forma prematura. E, sim, um parente que nao foi reconhecido, a quem nao foi dado o seu lugar legitimo no sistema famitiar. Assim, a exclusao abrange muitas possibilidades. O parente pode ter sido ignorado, nunca mencionado, nunca reconhecido como um ser de valor; ou pode ter sido levado para longe da familia, porque era portador de alguma deficiéncia fisica ou mental. Ou talvez tenha ficado ausente em um hospital por muito tempo ou foi enviado para um colégio interno; ou, o mais significante de todos, foi dado para adocéo. Ele pode ter sido excluldo por meio de um profundo julga- mento moral sobre 0 seu comportamento que resultou no banimento do amor familiar. 47 48 Os mitos e as historias de todo o mundo contém esses almas negli- genciadas: pessoas exclaidas cuja memoria, de alguma maneira, nao foi honrado. Em uma sesso, as informac6es colhidas durante a entrevista inicial da a indicacao sobre quem é a pessoa excluida e também indica quem talvez precisemos trazer para 0 quadro familiar. Depois disso, deve-se examinar dentro da constelacdo para ver se esta hipdtese esta correta e se trazer essa pessoa para a constelacao tem algum efeito. Depois de ouvir a historia da familia de Antonella, cheguei 4 conclu- so de que a avé dela poderia ser importante, mas ainda assim precisei testar esta hipdtese na constelacao real. As respostas dos representantes mostraram que eu estava no caminho certo, que eu tinha encontrado a pessoa “que faltava”. Se nao tivesse sido a pessoa certa, os represen- tantes nao teriam respondido de forma significativa quando a avd foi colocada na coristelacao. Completando o passado - incluindo os excluidos A Constelagdo Familiar é um trabalho de cura. Consiste em tentar re- configurar as relacoes familiares e trazer de volta um membro excluido para o retrato de familia. Estamos tentando concluir algo que nao pode ser completado no momento em que realmente aconteceu. Na verdade, todo 0 trabalho de terapia é um trabalho de conclusdo; é um esforco para terminar uma gestalt incompleta, de modo que nao deixe uma ressaca psicolégica. Qualquer tipo de trabalho de crescimento pessoal ou de desenvolvi- mento individual depende do mesmo principio basico: 0 que quer que tenha sido exclufdo, qualquer aspecto da personalidade de alguém que tenha sido rejeitado, precisa ser localizado, aceito e precisa ter um lugar no coracao. Exatamente da mesma maneira, dentro das geragdes de uma familia, os membros familiares que foram excluidos precisam ser trazidos de volta; precisam ser incluidos, reconhecidos e lembrados com amor. Um elemento essencial deste principio ¢ o entendimento de que o que nds rejeitamos permaneceré poderoso enquanto continuarmos.a rejeita- -lo. Isto ocorre porque o proprio ato de rejeitar da a ele poder sobre nds, da a ele energia para nos perseguir. O fantasma que vacé acha que é um. fantasma se agarra a energia necessaria para assombra-lo durante o tem- poem que vacé estiver convencido de que é um fantasma. Quando vocé vé que é uma teia de aranha No vento, isso deixa de assusté-lo. Quando dizemos “sim” e aceitamos o que nao aguentamos olhar, algo muda den- tro de nds. Nao é s6 uma questdo de aceitar, é uma questao de se abrir aos fantasmas que tememos e, finalmente, encontrar uma fonte de amor por eles dentro de nés mesmos. Este principio de abertura para as nossas partes nado amadas forne- ce a base para toda a psicoterapia. Tudo 0 que jogamos no porao da mente, nas camadas inconscientes da mente, torna-se uma centena de vezes mais poderoso e retorna para nos punir. A dor é uma questéo fundamental aqui. problema todo é criado Porque queremos evitar a dor. Nés podemos dizer que todos os proble- Mas sao criados em torno da prevencao da dor. Na verdade, urna das fungSes compulsivas da mente é tentar nos poupar de experimentar o desconforto de qualquer natureza e ela faz isso nos distraindo. Assim, © processo de cura consiste, em primeiro lugar, do reconhecimento de que a dor é parte da vida e que a dor psicolégica é como qualquer outra dor. Nao pode ser evitada Quando a morte esté na questao, a natureza, em si mesmo, ndo tem qualquer julgamento de valor. Uma morte precoce ou uma morte Por velhice sao simplesmente dois destinos diferentes; uma nao 6 mais significante do que a outra. E nossa opiniéo muito humana, mas pura- mente arbitraria, dizer que uma morte prematura é uma tragédia e a morte & um horror que deve ser postergada o maior tempo posstvel, sob quaisquer circunstancias Compreender a neutralidade da morte faz com que seja possivel Feconhecer uma pessoa que teve um destino dificil, ou que pode ter morrido jovem, sem sentir pena dele. Esse 0 trabalho que tentamos realizar na Constelacao Familiar, para que a cura possa acorrer. Do amor cego ao amor consciente O que é aparente nos nossos exemplos de Max e Antonella é que é Muito importante encontrar qual 0 membro da familia o filho esta representando, aquele com quem 0 filho se identifica, e trazer essa pessoa de volta para a imagem familiar para que todos possam vé- -lo. Se essa pessoa é vista e reconhecida com amor, a necessidade de representa-lo chega ao fim e a crianca fica livre para ser ela mesma - ela fica livre da identificacdo. 49 50 Identificacdo significa que o filho nao consegue ver o outro como uma pessoa separada. E um esforco sem sucesso da consciéncia coletiva de dar & pessoa excluida um lugar na familia - sem sucesso, porque essa pessoa ainda permanece excluida, mesmo que um filho a esteja representando. No momento em que Max olha nos olhos do avé, no momento em que Antonella olha para a avé com amor e respeito, a identificacdo ter mina, 0 filho volta para o legitimo lugar dele. Imediatamente, a relacao paifilho é curada e nutrida. Max pode agora dizer para a mae que ele respeita 0 pai dela, que ele respeita a dor dela pela perda precoce dele & testabelece a conexao de amor com ela. Antonella pode dizer ao pai que ela se lembra da mae dele e sentir a conexao de amor com ele restaurada. Muitas vezes, isso é um grande alivio para 0 pai; outras vezes, eles podem reviver a dor que foi reprimida ou sentem dificuldade em deixar 10s pais irem — cada situacdo é Unica e desdobra-se de diferentes formas, © ponto significativo é que, ao reviver a dor, o amor oculto normaimen- te ver 8 tona eo amor é que € a cura real No seu amor original e cego, Max se identificou com 0 avd, Agora que ele reconheceu o av6, ndo precisa mais se identificar com ele. Seu amor se tornou mais consciente e, agora, no amor consciente, ele pode simplesmente honrar o homern mais velho. £ este “amor que honra" que torna impossivel Max continuar a representar 0 seu avd. Max também agit! par amor a mae. A necessidade dele de pertencer a elao levou a fazer qualquer coisa na esperanca de aliviar a dor dela e ganhar o seu afeto. Chamamos isso de amor “cego” ou “amor de vin- culacéo". 0 filho sempre sente, de acordo com sua consciéncia pessoal, que é capaz de fazer o que for preciso para ajudar os pais a suportar a dor; que ele tem 0 direito de fazer essas coisas. £ uma espécie de pensamento magico que os filhos tém: "Alguém tem de sofrer; entao, se eu sofrer em nome da minha mée, ela vai sofrer menos”. Claro que nao é verdade; na realidade, o sofrimento € sim- plesmente dobrado. O amor cego viola a consciéncia coletiva que rege a “ordem sagrada” das coisas e, finalmente, nao ajuda ninguém. Vou falar mais. sobre isso no prdximo capitulo. Quem pertence ao sistema familiar Todos 0s membros da familia na linhagem primaria esto sujeitos a consciéncia coletiva. Isso inclui os pais, os filhos, bem como qualquer ctianga que tenha morrido jovem, natimortos e todos os avés. Tias e tios também estao incluidos, mas nao os filhos deles. Em alguma oca- Si80, bisav6s e trisavés podem ser incluidos. Esses so os parentes que compéem a familia estendida para o propdsito da Constelagao Familiar. Existem também pessoas que nao sao parentes, mas que forjaram uma forte ligacao, vinculando-se a familia devido a algo que ocorreu entre elas e um membro da familia. Essas pessoas pertencem agora ao sistema familiar e estao sujeitas as leis da consciéncia coletiva. Elas também terao de ser representadas por um membro posterior da familia. Se houve um antigo parceiro amoroso de um dos pais, que teve de sair do caminho para abrir espaco para o pai atual, ele ou ela precisa ser inclutdo. Nos também incluimos pessoas que maltrataram ou mataram um membro da familia e isso inclui aqueles envolvidos em eventos graves como matanca etnica, como os nazistas ou pessoas envolvidas na guer- ra civil (essas questdes sao tratadas no capitulo seis). Além disso, o in- verso se aplica: uma pessoa que sofreu nas maos de um dos membros de familia -alguém assassinado com certeza seré includo, mas também um antigo parceiro de negécios que foi enganado nos seus direitos. Qualquer um que foi gravemente maltratado por um dos membros da familia deve ser trazido para a constelacao Casos narrados como exemplo Alguns exemplos revelam como um membro excluido de uma familia representado por um filho e a importancia de trazer essa pessoa para 0 sistema Em uma constelacao, uma cliente posiciona a primeira filha, que tem deficiéncia mental, de frente para ela. Quando perguntamos, soubemos que a irma mais velha da cliente era uma filha natimorta que tinha deficiéncia fisica. Assim que é mencionada, a filha da cliente, que tem deficiéncia mental, quer se deitar. Depois de trazer a irma natimorta da cliente para a imagem, a filha que tem deficiéncia mental sente um grande alivio. A partir desses dois désenvolvimentos, supomos que a fila teve de representar a tia morta na familia Um av6 e alguns de seus filhos foram mortos por nazistas. Quando o cliente, uma mulher, escolhe os representantes para o'avd, tios e tias — as vitimas do nazismo —, ela é totalmente incapaz de reconhecer 0 avd, ou os que tinham morrido no campo de concentracao. A constelacao ” chega a um impasse, até.que eu introduzo alguém, para representar os proprios nazistas. Imediatamente, ela sente alivio e se vé atraida pela pessoa que representa os nazistas e fica ao lado dele. Isso mostra que, nessa familia, séo os nazistas que foram exclufdos e tiveram a memoria suprimida; portanto, um dos filhos teve de representé-los. Uma mulher tem dificuldade com a filha, que nao a respeita. Acon- tece que matido tem urna ex-mulher a quem ele deixou de forma estranha e a filha se identificou com ela. Quando perguntamos, a filha diz que sente raiva do pai e ciumes da mae. O alivio vem quando eu apresento a ex-parceira na cena e quando os pais honram a primeira esposa do pai. Para resumir: 0 trabalho da Constelacdo Familiar é nos reconciliar com as necessidades da consciéncia coletiva e reconhecer cada membro de nossa familia, lembrando-nos deles de uma maneira amorosa que Val criar harmonia em nossas vidas. © que vimos nesses exemplos é que, sempre que uma pessoa que pertence a uma familia é excluida, a consciéncia coletiva exige que ela seja lernbrada. Se ela nao é lembrada, cria-se uma situacao em que um filho mais tarde se identifica com essa pessoa para trazé-la de volta, de modo que, de alguma maneira, ela continua a viver den- tro do nexo familiar. Vernos como, apesar dessa complexa estratégia, o membro original da familia ainda permanece excluido, porque o filho que o representa s6 pode ser uma distorcdo da pessoa real. A consciéncia da verdadeira situacdo traz uma mudanca existencial que libera os dois. Quando satisfazemos a consciéncia coletiva, trazendo a pessoa excluida & sug devida posicdo no circula familiar, quando ele & lem- brado e reconhecido, ha uma sensacao de paz e alivio para todos. S6 entdo, aquele que o representa na geracdo presente pode deixar acarga e ser livre. Capitulo Quatro A Ordem Sagrada palavra “ordem" tem muitos significados: mandar alguém fazer algo, organizar as coisas em um certo padrao, pedir uma refeicdo (em inglés) ou entregar itens comprados, além de implicar uma certa arrumacao, como “ela mantém a casa dela em ordem”. Também me lembro das cenas barulhentas na Camara dos Comuns britanica, quando os membros eleitos perderam o controle e o porta-voz precisou se levantar e gritar: ”Ordem! Ordem!” : Na Constelacao Familiar, usamos “ordem” em um sentido especifi- Co: como uma forma de descrever uma certa sequéncia e precedéncia — a linha cronologica de quem veio antes de quem - junto com um senso de criar de um arranjo adequado das coisas, A partir da mistura destes dois, criamos o nosso emprego da palavra Hellinger chamou de “a ordem do amor”, querendo dizer que quem vem em primeiro lugar vem em primeiro lugar, quem vem depois ven depois e o amor flui melhor em um sistema familiar quando esta.ordem € respeltada, Superficialmente, 0 nosso uso da palavra ordem se refere & aparéncia no tempo, enquanto, em um nivel mais profundo, sugere uma sensacao de conforto e simetria. Colocando de outro modo: o tempo de pertencimento define a posicéo de alguém dentro da familia e, quando esta ordem é observada, surge uma sensacao de bem-estar e relaxamento. Geralmente, quando nao ha desequilibrios escondidos em um siste- ma familar, uma boa posigéo para os membros de ura familia nuclear em uma constelacao € que os pais fiquem em primeiro lugar e, depois, 53 juntem-se os filhos, de acordo com a idade deles, em sentido horario, com 0 filho mais velho-mais perto dos pais. As vezes, 0s filhos ficam de frente aos pais, olhando para eles, que também pode ser pensado come um arranjo no sentido horario, se pen- sarmos todos como parte de um circulo imaginario. Essa é a formagao em que cada membro da familia se sente mais a vontade; cada um sentindo que esta “no lugar certo”. Esta ordem nao foi criada ou inventada por psicélogos ou terapeutas de familia. £ existencial. Foi descoberta a partir da pratica das conste- lacdes fazendo, inicialmente por Hellinger e, em seguida, confirmada por outros. Ela espelha o fato de que percebemos 0 mundo ao nosso redor organizando tudo mentalmente — todo o nosso input sensorial — em termos de tempo e espaco € isso surge nas imagens interiores que carregamos sobre nossas familias. Nossas mentes dao significado para uma posicéo esbecifica a cada membro da familia Emaranhamentos familiares nao resolvidos normalmente requerem alteracdes no posicionamento dos membros da familia e, com cada constelacao, precisamos explorar e descobrir este posicionamento de novo, encontrando o arranjo mais harmonioso ao ouvir o feedback dos representantes da farnilia Assim, 0 tempo de chegada a cena, ou de fazer parte de um sistema familiar, determina a ligar que uma pessoa tem na familia, que é tradu- zida em uma posicdo na constelacdo. A consciéncia coletiva guarda este posicionamento, o que significa que todos na familia tm umn profundo conhecimento interior sobre o fato de eles estarem no lugar certo. Na mente de todos, sejam eles conscientes disso ou ndo, ha um sentido estrito de ’ordem familiar”, que depende do tempo de chegada Vejamos 0 exemplo de Maureen, uma cliente irlandesa que tinha sete irméos, quatro dos quais haviam morrido muito cedo, ou imediatamente apés 0 nascimento ou ainda dentro do Utero. Maureen se queixa de que € atormentada por confusao e divida em muitos aspectos da sua vida e tem dificuldade em focalizar um projeto especifico ou de um objetivo profissional e carrega isso a partir de uma conclusao satisfataria, Como passo inicial, coloquei a ordem familiar dela: os pais primeiro, com todos os filhos em frente, de acordo com a idade deles, da direita para a esquerda. Nesta linha, inclui todos os irmaos e irmas de Maureen que jd morreram, e este simples posicianamento acabou por ser um grande alivio para a cliente. £ a primeira vez que ela sente que todo mundo esta presente, que todo’ mundo que faz parte da familia esta aqui e tomou o seu lugar na linha familiar. Para tornar isso mais claro, peco a Maureen para entrar na constelacao como ela mesma e ficar na frente de cada um dos seus irmaos falecidos e honrar a posi¢éo de cada um na linha familiar, dizendo frases simples como: “Vocé é 0 segundo” ou “Vocé estava aqui antes de mim, vocé se foi cedo e eu vou mais tarde” ou “Eu sou um pouco mais velha e vocé é UM PoUco Mais jovem e vocé pertence 4 nossa familia e tem o seu lugar”. Pode parecer muito simples, mas isso prova ser uma experiéncia po- derosa e curadora para Maureen. Pela primeira vez na vida, ela é capaz de encontrar, reconhecer e lidar com os irmaos mortos e, mais impor- tante anda, encontrar o lugar dela na ordem familiar, terminando, as- sim, a confusdo que ela sempre sentiu sobre a sua situacdo. O direito de cada filho ser parte da familia esta sendo respeitado, 0 que traz uma sensacao de paz a todos aqueles que estdo representando 0s membros da familia e, sobretudo, é claro, a Maureen. Assim, a posicéo que uma pessoa tem em uma constelacdo pode mostrar “ordem” ou “desordem". Quando, por exemplo, uma filha é colocada ao lado do pai e a mae é colocada atras dela, isso sinaliza que a filha é muito importante. Devido a alguns desequilibrios no sistema familiar, ela esté ocupando 0 lugar da mae. Entéo, ela vai olhar para o Pai como se fosse a parceira dele e deprecia a sua propria mae. Todes na constelacdo podem imediatamente sentir que algo nao esta certo, Entretanto, quando colocamos a mae perto do pai e quando 2 filha vem depois dela, todo mundo sente que é mais adequado e to- dos 05 cue estdo representando os membros da familia experimentarao um certo relaxamento e alivio. : Existem sistemas mais complexos, como aqueles que envolvem um ex-parceiro de um dos pais e, talvez, seus filhos. Entdo, este primeiro parceiro e os filhos da relacdo precisam estar em primeiro lugar, segui- dos dos parceiros e filhos posteriores, mais uma vez em um posiciona- mento ro sentido horario e de acordo com o tempo de pertencimento de cada um ao sistema. A cada um tem que ser dado o lugar de direito @ este nio pode e nao deve ser tomado por ninguém. Como veremos Nos proximos capitulos, muitos problemas nas relacées surgem porque 0 parceiros anteriores nao esto sendo lembrados. 56 Portanto, a ordem nao se refere apenas as relacGes entre pais e fi- thos, mas, em geral, 4-posicao de um membro posterior da familia em relacdo aqueles que o precederam. Agora, eu gostaria de convidar vocé, leitor, a participar de um exer cicio de imaginacao que ird ajud-lo a compreender algumas das dind- micas basicas das quais estou falando. Primeiro junte alguns pequenos objetos que podem facilmente ser manipulados, como canetas, moedas, capas de CD, uma caixa de écu- los, uma flor, um relégio de pulso. A principal coisa exigida de cada objeto, ou a partir do formato dele, é que ele deve ser capaz de apontar para uma determinada direc&o, para que vocé possa ver o caminho que esta indicando. Coloque esses objetos sobre uma mesa na sua frente; tenha a certeza de que vacé esta sentado confortavelmente e nao sera interrompido por alguns minutos, enquanto faz esta experiéncia Quando estiver pronto, feche os olhos e comece a recordar cada membro de sua familia original, incluindo qualquer figura sombria da qual ninguém gosta de falar. Dé um tempinho para cada um, reconheca como vocé se sente em relagao a cada um; observe se é dificil ou facil se lembrar de cada um. Passe um tempinho a mais naqueles dos quais vocé teve dificuldades para se lembrar. Agora, entre os pequenos objetos que vocé juntou, escolha um objeto que representa cada membro da familia; entdo. coloque-os na mesa um com relacdo ao outro e seja claro sobre a direcdo que cada “pessoa” olhando. Olhe para a imagem na sua frente e imagine como cada pessoa se sente em relacéo a tados os outros. Quem esta de frente para quem? Quem estd excluido? Quem nao esté no lugar certo? Quem gostaria de ir embora? Pode haver uma pessoa que esteja faltando e que vocé nao considerou até agora? Nés nao vamos fazer este exercicio em uma sesso completa, mas 6 Util visualizar as dinamicas complexas que surgem imediatamente ao fazer uma constelacao pessoal deste tipo. A Ordem do Amor: pais e filhos Em toda familia, os pais vém primeiro - sem os pais, nao ha filhos Em outras palavras, 0 primeiro e principal presente que os pais dao ao.filho é a vida dele na Terra. Alguém pai, simplesmente porque da | | 3 luz.um filho; essa é a esséncia de ser pai. Neste sentido, é um pacote completo; néo precisa nada ser acrescentado ou tomado a partir desta definicdo da relacao pai-filho, Neste sentido, também, todos os pais s0 iguais e sdo igualmente bons. Apés o nascimento, o filho recebe Nutricéo dos pais em tempo inte- gral: alimentos nutritivos para ajudé-lo a crescer, protecao contra quais- quer ameacas externas, suporte amoroso para incentiva-lo por anos de aprendizagem e assim por diante. Esse Processo continua de varias ma- neiras até que ele se torne um adulto independente e autossuficiente. Essencialmente, 0 pai da e 0 filho recebe e 6 importante compreen- der, a partir da perspectiva da Constelacao Familiar, que isso 6 um fluxo de uma mao No qualo pai s6 pode dar o pacote inteiro e o flho s6 pode receber 0 pacote inteiro. Neste sentido, a relacao pai-filho é muito desequilibrada e um filho nunca poderé pagar diretamente, na mesma forma, 0 que foi entregue a ele. O ato de dar dos pais, que a maioria de nés toma como garantida, & surpreendente na abundancia e na duracao. Ele continua sem parar desde o nascimento até a idade adulta, Hé, assim, muitos presentes que 95 filhos nao podem devolver de maneira nenhuma. Apenas um senti- mento € uma expressao de gratiddo podem compensar. Err ultima anélise, entretanto, o filho vai Pagar 0 que foi dado devol- vendo o presente, nao aos pais, mas aos proprios filhos. Dessa forma, a natureza esta constantemente cuidando da reproducao da vida, traba- Ihando de uma geracao para outra, ajudando nao apenas a sobrevivén- - Cia do individuo, mas também das espécies Como vimos, receber um presente cria um desejo de dar algo de volta de igual valor, mas nenhum filho pode fazer isso. Entender 0 que os pais fizeram e nao ser capaz de criar equilibrio dando de volta pode dar um po- deroso motivo subjacente pelo qual os filhos sintam que devem fazer algo significativo para os pais. Se os Pais estdo com algurna dor ou sofrimento, vai ser dificil para um filho tolerar e ele pode tentar aliviar esse Onus, nao percebendo que é impossivel levar a carga ou 0 destino de outra pessoa Na Jentativa de “ajudar” os pais, o filo se sente aliviado de culpa Mas vai contra a ordem natural dos pais, segundo a qual os filhos pre- cisam receber e pais tem que dar. Em vez disso, o filho se torna pai dos Proprios pais e, portanto, os reduz a filhos, 0 que coloca a natureza da relacao inteira de cabeca para baixo, __Vemos também filhos com raiva dos pais e isso pode ser visto como outra forma de eles lidarem com a sensacao de serem incapazes de dar de volta o que receberam. Finalmente, o desequilibrio pode levar os filhos a deixar os pais, utilizando a raiva como uma forma de justificar a partida. Mas isso nao é mais do que superficial, porque nunca podemos realmente deixar uma pessoa de quem sentimos raiva. A raiva, coro amor, é uma relacao de forte ligacao. Assim, vernos esses dois padrées nos fithos: ter raiva dos pais ou tentar fazer alguma coisa para eles. Em ambos os sentidos, o filho per- manece ligado sem ser capaz de se separar verdadeiramente. A forma natural e madura de lidar com a situacao seria sentir e ex- pressar uma profunda gratidao para com os pais pelo que eles fizeram. Por um lado, essa conexao nos liga a eles e nos da forca; por outro lado, ela nos permite a independéncia e nos devolve para nés mesmos Respeitando os pais A Constelacao Familiar trabalha com o entendimento de que, se a or- dem familiar nao € respeitada, uma desarmonia aparece e cria uma tensdo entre os membros da familia, inevitavelmente resultando em conflito. No momento em que mostramos o respeito & ordem familiar, como fazemos neste trabalho, o caminho esta aberto para a harmonia ser restaurada e € por isso que nos referimos a cla como a “Ordem Sagrada”, e nao por raz6es religiosas, mas simplesmente para indicar a sua importancia central como um meio de restaurar 0 equilibrio ea harmonia em quatquer’sistema familiar, Se © filho conseque expressar gratidao e respeito aos pais, hd uma mudanca na gestalt. Se ele consegue dizer “Obrigado por me dar a vida" ou “Sem voce, eu nao estaria aqui", e abracar a presenca deles em sua vida, entao, ele pode plenamente receber a contribuicao deles, @ ndo esta mais dividido contra si mesmo. A linguagem simplificada que usamos na Constelacao Familiar para “econhecer este senso de ordem pode parecer estranha de inicio, por- que ela usa palavras como “grande” e “pequeno” que contém todos os tipos de implicacdes — para uma coisa, 0 filho pode ser fisicamente muito maior do que os proprios pais. No entanto, usamos essas palavras porque elas sao reconhecidas pela alma como verdadeiras e porque apontam para uma ordem exis tencial mais profunda das coisas. Quando, em uma sessao, um filho diz para 0 pai: “Vocé é grande e eu sou pequeno", ele esta reconhecendo a Order Sagrada. Ele nao esta se referindo ao tamanho fisico, mas & precedéncia — os pais sao maiores do que o filho, porque eles sdo a fonte do ser dele. Quando nés respeitamos a nossa “pequenez” em relacao aos nossos pais, somos capazes de receber a energia deles e ganhar forca para dar da mesma maneira aos nossos filhos. Por outro lado, se tentamos ser “grandes” e dar aos nossos pais, vamos acabar tentando receber dos nossos filhos ou dos nossos parceiros amorosos e tudo ficaré confuso. Ha muitas maneiras pelas quais o respeito aos pais pode ser expres- so, dependendo da situacdo que precisa ser reconhecida. Por exemplo, um filho que estava tomando um dos lados em uma briga entre os pais precisa se retirar, reconhecendo que ele é apenas um filho e nao temo direito de se envolver. Respeitar os pais também significa incondicional- mente concordar com o que o pai decidiu para nés. Tais gestos podem parecer inadequados ou injustos a um mente adulta e madura, especialmente quando vemos que a nossa interfe- réncia ou rebelido parecem justificadas, porque os nossos pais parecem terem-se comportado de urna maneira cruel ou estupida, mas a Cons- telac8o Familiar funciona de uma forma muito mais pragmatica e sem julgamento. £ realmente apenas uma questéo de ajudar ao cliente a desvendar o emaranhado e a linha de fundo, que é a Ordem Sagrada, tem que ser reconhecida e respeitada se os "fantasmas” da nossa fami- lia tiverem de ser postos para descansar, Hanna, uma alema, nunca viu o verdadeiro pai. A mae teve um caso com um soldado norte-americano, casou-se com um alemao e nunca disse a Hanna que este segundo parceiro nao era seu verdadeiro pai, mas, sim, 0 padrasto. Mais tarde, Hanna descobriu a verdade. A convite meu, Hanna configura a constelacao posicionando a mae 0 pai biolégico, o soldado norte-americano. Fla faz isso de uma ma- neira que thes permite olhar uns para os outros. Depois de urn, longo tempc, a mde se Move em direcdo ao homem, mas, como ele nao res- ponde, ela dé um passo para tras e olha para o lado. Quando colocamos um representante para Hanna na imagem, a mae sente vergonha e raiva e tenta ficar em uma posicéo na qual Han- na nao possa ver o pai natural. Quando peco a filha para lhe dizer: "Se 59 60 isso ajuda voc, eu nao vou ver ou procurar © meu pai”, a mae relaxa e de repente comeca a ehorar, sentindo uma profunda dor. Hanna, agora estando como ela mesma, reconhece a dor da mae, mas também afirma que esta deixando isso com ela e, pela primeira vez, permite-se olhar para 0 verdadeiro pai. A mudanca significativa ocorreu quando Hanna concordou com a decisdo da mae, que no tinha contado a ela sobre seu verdadeiro pai Concordar com o que 0s nossos pais decidiram por nds nos leva nova- mente para um relacionamento correto com eles, no qual nds somos inocentes e deixamos a responsabilidade para eles. A Ordem Sagrada é restabelecida. Quando nos queixamos ou nos irritamos Com os nossos pais por causa das a¢des passadas deles, estamos julgando-os como errados e, por conseguinte, tomando uma posicao superior. Do ponto de vista da Ordem Sagrada, bstamos tentando tornar os nosso pais “pequenos” e nés "grandes", e isso viola a consciéncia coletiva. Como resultado, mais cedo ou mais tarde, vamos nos punir por isso como uma maneira de criar equilibrio, Existe uma lei pouce compreendida operando nos assuntos huma- nos e que precisa ser reconhecida aqui: nés sempre permanecemos liga- dos ao que rejeitamos. Sempre que nos queixamos sobre os nossos pais, estamos dizendo “nao” para a maneira pela qual eles participaram de nossas vidas € nao conseguimos receber o que quer que eles nos deramn Ao rejeitd-los, pensamos que estamos nos separando e ficando livres, mas nao podemos genuinamente nos separarmos deles dessa forma negativa ~ a rejeicao ainda 6 uma relacdo de ligagao Nos somos nossos pais. Quando dizemos "sim" a eles, dizemos "sim" a nds mesmos. Nao é 0 “sim” de obediéncia; 6 0 “sim” de acei- taco, um "sim" ao que é 0 caso simplesmente. Alem disso, estamos dizendo “sim” para as partes alienadas de nos mesmos, pois 0 que eu nao gosto no meu pai é talvez exatamente o que eu nao gosto em mim mesmo. Se eu reconheco os meus pais de coracao, se eu “aceito OS meus pais”, entao, eu também me aceito de coracdo. Como individuos, nés subimos para 0 nosso pleno potencial quando aceitamos as falhas dos nossos pais e simplesmente honramos os dois pornos terem trazido para este mundo. Nao que isso seja facil. E comum acreditar que seria muito melhor se 0s nossos pais fossem diferentes: mais compreensivos, mais solidarios, menos criticos, menos rigorosos e, talvez até mesmo mais rigorosos. Alguns de nds podem até pensar que seria melhor se tivéssemos pais diferentes, querendo ter como nosso ideal a mae ou o pai de um amigo ou aqueles pais da televisdo. Mas, com pais diferentes, eu seria uma pessoa diferente. Ao pedir novos pais, estou me comportando como se eu quisesse ser outra pes- soa. Como posso estar em paz comigo mesmo, se o tempo todo estou desejando ser outra pessoa? Do ponto de vista da Ordem Sagrada, sé hd uma maneira de estar em paz comigo mesmo: honrar sinceramente os pais que eu tenho. £ um gesto de profundo respeito, quase umn ato espiritual, um gesto sa- grado. Quando voce honra seus pais, vocé nao honra apenas sua mae e seu pai, vocé também honra seus avds, seus bisavés; todas as pessoas que vieram antes de vocé. Vocé se curva para o lugar de onde veio, para quem o trouxe aqui, para o modo de vida que flui a partir de vocé agora. Em uma profunda reveréncia, vocé se curvar ante as origens e a fonte da sua vida, Expressando a honra As pessoas que permanecem com raiva dos pais e querem algo di- ferente vindo deles viver em um estado de esperanca, em vez de aceitao, com um fundo de caréncia e expectativa. Essencialmente, elas se veem como vitimas, 0 que as deixa impotentes e, assim, negam a possibilidade de mudanca. Elas esto se concentrando no amor que nao tiveram e ndo podem reconhecer o amor que ja receberam nem podem receber 0 amor que ainda possa estar disponivel para elas. Des- se modo, constantemente com vontade de algo mais vindo dos pais, elas permanecem fixadas neles. A maioria de nés vive este doloroso dilema em algum momento de nossas vidas. Sempre que queremos mudar algura coisa sobre a qual nao temos 0 poder, somos presos pela propria coisa que estamos ten- tando mudar. Pensamos que queremos mudar, porque isso cria angustia e desconforto, mas realmente 6 0 desejo de mudanca e nossa incapaci- dade de fazé-lo que cria a nossa angistia Enlao, vivemos nesse infeliz apego duplo: toda a nossa atencao esta naquilo que néo gostamos e somos incapazes de apreciar as coisas que realmente temos. O filho nao pode se separar dos pais nem pode 61 62 recebé-los de todo coracao. Por outro lado, no momento em que ele diz’ "Eu agradeco pelo que vocé me deu”, e quer dizer isso, riaquele momento, ele pode se desapegar e seguir em frente. Paradoxalmente, no momento em que se inclina para os pais e os honra, ele introduz a possibilidade de se liberar deles H& muitas maneiras de expressar essa honra em uma sessao da Constelacao Familiar. Uma forma seria a pessoa que esta representando: © cliente, ou o proprio cliente, se dirigir a um dos pais assim: “VYocé é minha mae e eu Ihe agradeco por me dar a minha vida. Eu recebo isso de vocé como um grande presente, com tudo o que vern com ele. Agradeco pelo prego que vocé pagou e eu pago também. Eu vou fazer alguma coisa com a minha vida em sua honra; para isso ndo ter sido em vao. Vocé é a mae certa para mim e eu sou 0 seu filho certo. \Vocé é grande e eu sou pequeno. Vocé da, eu recebo.”" Isso mostra 0 reconhecimento do cliente pelo lugar que a mae tern na familia. Esta honra é a Unica maneira pela qual ele pode se separar totalmente dos pais. Qualquer outra maneira tende a ser parcial. Isso se aplica igualmente a todos os filhos, mesmo aqueles que foram abusa- dos pelos pais ou que tém algum tipo de deficiéncia, Devolvendo a carga com amor Em nossas exemplos anteriores de Max e Antonella, vimos como um filho se identifica com 0 avé para representa-los na familia. Por exem- plo, Max, identificando-se com seu av6, olhou para a mae como se ea fosse a propria filha, tentando carregar a carga da dor dela nos proprios ombros ‘Ao trazer 0 av6 de volta para a imagem da familia por meio do neto, a consciéncia coletiva procura ter certeza de que ninguém sera excluido. Ko entanto, ao fazé-lo, isso vai contra a lei da Ordem Sagrada, que nos diz que um filho deve ser “pequeno” ¢ uma mae deve ser “grande” Entao, agora temos um conflito. Um filho, por amor aos pais, quer carregar alguma bagagem psicolégica por eles. Mas, quando ele assu- me, mesmo que urna pequena porcao dos problemas deles, ele alterna cs papiéis, torna-se maior do que eles e vai contra a Ordem Sagrada ‘A programacdo da consciéncia coletiva trabalha em oposicao aos interesses proprios do filho e o que € possivel para a maturidade dele Entaa, ele esta aprisionado dentro situacao e é dificil para ele sait, por que ele se sentiria culpado se ndo tentasse assumir o sofrimento da - mae. Para ele, isso seria como se a estivesse traindo. No entanto, ninguém pode cumprir o destino de outra pessoa. Nin- guém pode assumir as cargas psicolégicas de outra pessoa, apesar de todos os filhos, impulsionados por um profundo e primitivo instinto de sobrevivéncia - a necessidade de pertencer - queira fazer isso por um pai que est sofrendo. Esse amor cego pelos pais, esse profundo vinculo biolégico de apego do filho pela mae ou pelo pai, 6 tdo poderoso que os filhos querem, por vezes, morrer pelos pais. Nos chamamos isso de “amor cego", porque o filho nado consegue ver a impossibilidade dos seus esforcos. Ele ndo entende e é incapaz de levar em consideracao o fato de que cada um de nés tem de lidar com os eventos que acontecem em nossas vidas, embora dolorosos, por nds mesmos. Esta é @ diferenca entre ser uma crianca e ser ym adulto. Crescer significa que nos tornamos conscientes do fato de que somos seres dis- tintos, incapazes de viver a vida de qualquer outra pessoa. Mas, como dissemos anteriormente, as criancas vivem vidas ricas em fantasia e cada crianga tem a ideia magica de que pode aliviar os pais do sofrimento, pensando que, se ela sofrer, o pai vai sofrer menos. Mas 0 resultado é sempre o mesmo: em vez de reduzir a dor pela metade, a dor é dobrada. Agora, em vez de uma pessoa sofrer, duas pessoas sofrem. Adotando a dor da mae, o filho nega o direito dela de enfrentar e transcender 0 proprio sofrimento. Nao s6 isso, ele nao percebe que a mae também 0 ama e nao gostaria que ele tivesse os mesmos traumas que ela sofreu. O sofrimento dele no é apenas initil; ele ainda aumenta a carga da mae. Um cliente, que é casado e tem um filho, configura uma constelacao em que 0 seu proprio representante se sente puxado para longe da farnilia e quer ficar com seu pai, que se suicidou quando o cliente era jovem. Aqui, vemos 0 padrao familiar de um filho tentando adotar al- gumas das dores do pai. Mas 0 representante do pai, percebendo o que esta acontecendo, torna-se irritado. Ele nao quer que o filho assuma, ou inte-fira no seu destino pessoal e segue empurrando o filho para longe dele, de volta para sua propria familia Compreender a inutilidade de tentar assumir 0 sofrimento de outra pessoa é um grande passo do amor cego para uma forma mais cons- 63 64 ciente de amor. No contexto da Constelacao Familiar, 0 amor incons- ciente do filho pode dizer.‘ Querida mae, vocé teve muita dor em sua vida e agora eu quero catregar isso por voc8”. Enquanto isso, um amor consciente pode se dirigir 8 mae assim: "Querida mae, eu agradeco a vocé pela minha vida e por tudo 0 que vocé fez por mim. Reconheco a dor que vocé teve em sua vida e agora eu deixo isso com vocé e deixo vocé carregd-la sozinha” Esta 6 uma abordagem mais madura, mas nao pode ser feita de una forma fria e distante, como se quisesse se livrar da mae e dos problemas dela. Somente se for feita de uma forma sincera e amavel, ira levar a carga de volta para os pais; caso contrario, ela realmente nao ira nos deixar. Este gesto profundo de devolver o nus do sofrimento é dificil de fa- zef, porque o filho enfrenta um forte sentimento de culpa, que decorre do desejo dele de pertencer & mae, de estar perto dela, Ao néo ajudar a mae com o seu fardo, 0 filho vai inevitavelmente se sentir culpado. Vou discutir a questo da culpa mais detalhadamente no capitulo seguinte Assim, na realizaco de uma sesso de Constelacao Familiar, tenta- mos calcular 0 quanto um cliente esta pronto para dar este passo do amor cego para o amor consciente e devolver a carga. £ um grande investimento desistir, Ao transportar algo em nome de nossos pais, nds nos sentimos profundamente figados e conectados a eles e isso é algo que nao queremos perder. Ninguém realmente quer ficar por sua pro- pria conta, mas, no momento que dizemos aos nossos pais: “Deixo tudo isso com vocés e agradeco por tudo”, estamos por nossa conta Nao ha outra maneira de crescer. Quando agradecemos profunda- mente aos nossos pais e dizemos a eles que eles fizeram o suficiente, estamos fazendo uma declaracao de que no precisamos de nada mais deles. Ainda assim, resistimos em nos afastar do aconchegante ninho familiar. E menos assustador ficar debaixo das asas deles, por mais sufo- cante que isso possa ser, do que tomar voo e descobrir 0 nosso verda- deiro lugar no mundo. Isso é 0 modo como nds permanecemos imatu- tos e infantis, mesmo quando adultos. Em diltima analise, existe uma grande forca a ser encontrada ao se ficar de pé sobre os préprios pés, mas para dar esse passo, para mostrar prontidao para ser independente de nossos pais e trazer 0 amor cons- ciente em nossas interacdes com eles, é preciso coragem, Capitulo Cinco A culpa familiar: a necessidade de equilibrio Mos como a culpa age a servico da consciéncia para obrigar uma Pessoa a se comportar de acordo com os valores do grupo social ao qual ela pertence. Este sentimento de culpa é algo que pode- Mos reconhecer em nds mesmos e isso nos afeta quando nosso compor- tamento vai contra os valores do grupo. Vimos também como experimentamos a culpa em relacdo ao equi- librio de dar e receber. Por exemplo, se machuquei alguém, me sinto culpado até que eu pague, de alguma forma, pelo que fiz. Censurar os sentimentos de culpa mostram que eu ainda néo assumi a responsabili- dade por meus atos nem restaurei um senso de equilibrio pessoal De acordo com a lei de equillbrio, a melhor maneira para lidar com esta situagao € reconhecer o que fizemos, concordar com a nossa “cule pa", aceitar as consequéncias que resultam de nossas agdes e fazer algo que restaure a sensacdo de equilibrio. Poderiamnos chamar isso de “assumir a responsabilidade”. Isso pode tomar muitas formas, desde concordar em ficar mais tempo no escritério depois do trabalho, a fim de equilibrar um erro devido a algum descuido ou, para um homem, assumir a fesponsabilidade como pai, embora ele nao tenha escolhido ter um filho com mulher que ele engravidou. Se concordarmos em assumir a responsabilidade dessa forma — ou, de outra forma, se “carregamos” a nossa culpa —, nds nao sofremos com 0s sentimentos de culpa; em vez disso, nés nos sentimos alivia- 65 66 dos. Basicamente, 6 uma compreensao de que estamos essencialmente sozinhos para enfrentar”o resultado de nossas agdes e nao podemos culpar ninguém, nenhum professor, nem nosso parceiro, nem nossos pais. Quando tentamos criar desculpas ou justificar nossas acoes, ou reclamar, ou culpar os outros, 0 que estamos realmente fazendo é um esforco para requerer inocéncia e evitar a responsabilidade. Queremos ros livrar dos sentimentos de culpa, mas sern pagar o preco. A pronti- dao para desistir desse falso tipo de inocéncia e se tornar “culpado” é um requisito essencial para uma pessoa crescer psicologicamente. No entanto, mais uma vez, precisamos fazer uma pausa aqui por um momento e reconhecer uma distingao importante entre a dinamica das leis da constelacéo e qualquer sistema de moralidade socialmente acel- to. Esta distingao precisa ser enfatizada; caso contrario, as leis da Cons- telacdo Familiar poderp levar a aparéncia de um sistema moral e pode ser usado como uma arma nos debates sociais. Por exemplo, como um argumento contra 0 aborto pelo movimento do “direito a vida" dos Estados Unidos. Tal argumento pode ser usado quando uma mulher fica gravida; ela agora é mae e deve cumprir a sua responsabilidade dando a luz a crianca, a qual ela realmente nao quer, e deve crié-la. Ja que o homem que a engravidou agora é um pai, ele deve apoiar a mae a fim de manter o equillbrio. Isso € um equivoco. Na Constelacdo Familiar, o foco esta em reco- nhecer e aceitar o simples fato do que aconteceu, néo o que se “deve- tia” fazer. Ao engravidar uma mulher, o homem se torna pai. Ao ficar gravida, a mulher se torna mae. Isso sao fatos. Mas @ questéo de como as pessoas cumprem a responsabilidade, depois de aceitar esses fatos, 8 algo que s6 elas podem decidir, ndo alguma autoridade externa nem qualquer cédigo de conduta social au religioso. Visto sob esta perspec- tiva, uma mulher pode aceitar a responsabilidade e ainda decidir fazer um aborto. Vou falar mais sobre a questao do aborto em um capitulo sobre topicos especiais. £m geral, podemos dizer que a necessidade pela terapia da Conste- lacdo Familiar surge_a partir do habito humano profundamente enral- zado de tentar evitar a responsabilidade por nossas ac6es. Isso cria um fardo de desequilibrio que 6 carregada dentro do sistema familiar, ou pelo membro da familia que criou o desequilibrio, ou por geracoes pos- terlores. Como vimos, a funcao do terapeuta da Constelacao Familiar 6 encontrar 0 desequilibrio que esta afetando o cliente dentro da familia dele, ver onde reside a responsabilidade, reconhecé-la e, em seguida, ajudar o cliente a encontrar uma resposta apropriada. Descobrir a ver- dadeira responsabilidade e agir em conformidade é un desafio e uma conquista pessoal As leis da Constelacao Familiar nao so sistemas morais Elas tém sua origem na vontade bioldgica de viver e, como jé observamos, essas leis tém a sua propria inteligéncia, uma vez que elas se desenvolveram ao. longo de milhares de anos com a intencao de maximizar as chances do individuo de vinculagéo a um grupo e maximizar as chances do grupo de sobreviver em um ambiente hostil. Nesse contexto, 0 que garante a sobrevivéncia 6 o “certo”, eo que Ge 0 individuo ou o grupo em perigo € 0 “errado”. Essas leis antigas pre- Cisam ser entendidas e honradas, porque o que quer que tenha sido feito “errado” vai precisar ser equilibrado; caso contrério, as pessoas dentro de um sistema familiar vao carregar 0 fardo e sofrer desnecessariamente. A culpa coletiva A necessidade de recuperar o equilibrio se tora mais complexa pelo fato de que as geracoes posteriores de familianao podem usualmente ver 0 que estao carregando de membros anteriores do mesmo sistema ‘Como expliquei no capitulo dois, ha uma forma de culpa que é mais profunda, mais poderosa e mais invisfvel do que a culpa pessoal, £ uma Culpa que ndo sentimos ou reconhecemos conscientemente; mas que @ emendida por uma camada mais profunda de nossas mentes, uma camada que Carl Gustav Jung, um dos pioneiros da psicologia moderna, chamou de “o inconsciente coletivo” . Alguns praticantes da Constelacdo Familiar charmam isso de nossa “alma”, mas pode ser confuso, pois na verdade é uma profunda cama- da oculta da mente. £ melhor fazer uma clara distingdo entre a mente e @ Nossa consciéncia mais profunda, que, segundo os misticos, esta além da mente humana e de todas as suas camadas. Vou abordar mais sobré esse assunto na quarta parte do livro O que quer que chamemos isso, esta parte mais profunda da mente sabe da nossa responsabilidade com o sistema familiar e nossa com- pulsao em obedecer as suas leis. Por exempio, uma mulher que fez 67 68 varios abortos pode desenvolver cancer de titero como uma maneira de equilibrar seus atos. Qu urn-homem que deixou a primeira mulher e os filhos sem razao significativa pode ndo ser capaz de encontrar uma nova parceira. Ou, em geral, se rejeitamos os nossos pais, vamos encontrar alguma maneira de punir a nos mesmos por fazer isso -— nao importa 0 quao severamente eles nos maltrataram como filhos — e sofrermos como uma forma de expiacao. No entanto, nao somos apenas obrigados a equilibrar 0 que fize- ros pessoalmente, mas também o que foi feito por alguém de uma geracao anterior da nossa familia. O filho de um homem, cujas irmas foram dadas para adocao, pode abrir um lar para Orfaos. Uma mu- Ihe cuja familia, no passado, se tornou rica explorando as pessoas pode continuar perdendo dinheiro. Descendentes de um membro da familia que assassinou alguém pode se sentir fortemente atraido a cometer suicidio. : Dependendo da gravidade de um ato, o impulso para equilibrar pode afetar as geracées posteriores. Muitas pessoas observam a saga da familia Kennedy, a proeminente dinastia da Nova Inglaterra, que teve um presidente, trés senadores e varios outros politicos e que sofreram mortes prematuras, escdndalos sociais e graves tragédias mais do que a maioria dos habitantes de pequenas cidades. Diz a lenda que esta familia ¢ amaldicoada, mas. para um praticante da Constelaco Familiar, @ Obvio que membros posteriores da famflia Kennedy estao expiando por desequillbrios nao resolvidos causados por geracdes anteriores e seria um desafio fascinante para qualquer tera- peuta da Constelacao tentar desvendar a historia inteira dos Kennedy, para ver onde esté 0 problema verdadeiro Anecessidade subjacente de equilibrar atos praticados dentro de um sistema familiar 6 0 terceiro principio da nossa consciéncia coletiva, que nos chamamos de “Lei do Equilibrio” © equilibrio um principio universal em que duas polaridades pro- curam encontrar 0 equilibrio entre si. Pode ser observado no simbolo taoista do Yin e Yang, em que 0s opostos em preto e branco séo incor porados um no outro dentro de um circulo unificado e, na lei hindu do karma, em que os atos de vidas passadas $40 trazidos para determiner 0 que acontece na vida atual. Também pode ser visto no conceito de dia- ética de Karl Marx e George Hegel, em que a tese ea antitese culminam | co | na sintese; e na poesia de William Blake, que chamou este fenémeno de "0s contrarios, sem os quais nao haveria progresséio”. Assim, quando olhamos para as familias, vemos a forca da nossa consciéncia coletiva trabalhando para equilibrar 0 que ocorreu dentro do sistema familiar. Se alguém de uma geracao anterior fez algo e néo Carregou as consequéncias completas de suas ac6es, entéo, sem que ninguém saiba sobre isso, a forca de equilibrio vai obrigar os filhos das geracGes posteriores a carregar essas consequéncias por ele. Na Constelacao Familiar, a lei de equilfbrio nao funciona de forma isola- da. Apesar de eu ter separado as trés leis basicas de pertencimento, ordem € equilrio, a fim de explicar cada uma, na pratica, elas sempre andam juntas e funcionam de uma forma conjunta, como nos exemplos seguintes. * Amae de um cliente era esquizofrénica durante a maior parte da vida do cliente. Descobrimos que a avé tinha tido 11 abortos e, na constelacao, isso mostra que a mae do cliente (a filha da avo) estava pagando pela culpa da mae dela, tornando-se doente para equilibrar os atos da mae. Na verdade, ela estava identificada com as criancas abortadas e com a mae como vitimas e criminosa e, dessa forma, tomou-se esquizofrénica * Em uma familia basca, havia membros do movimento separatista chamado ETA, que perpetrou muitos atos de violéncia em um esfor- Copara libertar a regigo do dorninio espanhol. Q tia do cliente (irmao da mae) foi baleado e morto acidentalmente pela policia espanhola. Descobriu-se que ele assumiu a culpa dos membros da familia dele, - que faziam parte do ETA e, dessa forma, foi morto. * 0 mao de um cliente desapareceu e nunca foi encontrado; assu- Miu-se que ele estava morto. O préprio cliente sofre com 0 medo de que ele pode ser morto ou cometa um assassinato — no passado, ele esteve muito associado a uma organizacao matiosa. O pai de ambos os filhos matou a prdpria mae e depois cometeu suicidio. As dinamicas ocuttas: os filhos querem pagar pelos atos dos pais (lei de equilforio), razao pela qual um irmao desapareceu; e eles vao copiar também as vidas dos pais, razao pela qual a vida do irmao sobrevi- vente é cheia de medo por sua prdpria tendéncia homicida. * Uma cliente é descendente direta do imperador de um pais (dez geragoes anteriores). Ela e 0 pai carregam o orgulho de vir de uma familia real. O pai foi torturado por um regime comunista e ela sofre 69 continuamente com as perdas financeiras. A constelacao revela que tanto ela quanto o pai dela estao pagando pela culpa do ancestral imperial, o imperador. Quando colocamos 0 imperador na constela- 40, ele fica indiferente ao sofrimento do seu povo sob o seu regime autoritario, Muitas vezes, geracdes posteriores pagam o preco pela exploragao que seus antepassados infligiram aos outros. Como podemos ver nesses exemplos, as geraces posteriores que- Tern expiat, ou pagar © prego, por seus ancestrais, mesmo que néo es- tejam pessoalmente envolvidas. Da mesma forma, se um dos antepas- sados foi maltratado por outras pessoas, ele vai querer se vingar, 0 que @ uma das razGes para conflitos que ocorrem entre nacoes, religioes, culturas (discutiremios mais isso no capitulo seis). O que é importante entender aqui é que isso acontece sem uma per- cepgao ou concordancia consciente de ninguém. Conscientemente, nds provavelmente atribuimos certo comportamento aos eventos de nossa vida pessoal, porque nés podemos nem conhecer a pessoa relevante da geracdo anterior. Ainda assim, a consciéncia coletiva faré com que carrequemos a sua culpa Resolvendo a culpa familiar O que fazemos em uma sessio de constelacao é tentar mostrar aberta- mente um certo ato que nés, ou um membro anterior da nossa familia, cometeu e descobrir com quem esta a responsabilidade original Se alguém cometeu um assassinato, isso tem que ser claramente reconhecido e o homicida precisa ser chamado de assassino; se alguém deixou a esposa ou enganou outra pessoa por causa de heranca, isso tem que ser visto e exposto. Ninguém pode ser desculpado, nem tem permissdo para se desculpar, ja que todo mundo ¢ totalmente responsa- vel por o que quer que tenha feito na sua vida. Se uma mae sente muito pela vida do irmao, que fazia parte de um grupo terrorista e quer protegé-lo de punicao — porque ele € 0 irmao amado dela -, entdo, muito provavelmente seu proprio filho terd de pagar pelo que‘o tio fez. Esta é a Lei do Equilibrio em agao. O alivio para 0 filho 56 viré quando a responsabilidade do tio for reconhecida Profundamente em nossas mentes, todo mundo sabe a intrinseca responsabilidade que vem com cada ato que praticamos e ninguem pode retirar isso. Pade ser seu irmao, pai, alguém que vocé ama, mes- mo assim, vocé nao pode alivid-lo da responsabilidade pelo que quer que ele tenha feito na sua vida. No momento em que uma pessoa conscientemente percebe isso e aceita, ela se rendeu as leis coletivas e algo nela fica em paz, assim como sentimos um certo relaxamento quando tomamos 0 nosso lugar apropriado na familia de acordo com a “ordem correta”. Voltando aos nossos exemplos, isto € 0 que mostraram estas cons- telacoes. * A avé com onze abortos sabia da culpa e queria se deitar proximo as criancas abortadas; ela queria estar morta também. A dificuldade era para a filha deixé-la ir, deixé-la carregar a propria culpa, em vez de fazer isso por ela. * Na familia basca, era mais facil para um filho descendente morrer pelos atos dos membros antigos da familia (e 0 irmao da mae real- mente foi morto) do que reconhecer abertamente que havia mem- bros do ETA na familia. Era mais facil manter o segredo e carregar a culpa do que declarar isso abertamente e deixar a culpa a quem pertencia * C pai que havia matado a sua mae nao queria que o filho pagasse o preco por ele. Na constelacao, ele fisicamente empurrou o filho para longe dele varias vezes e queria que ele ficasse com 0 proprio filho. Quando 0 filho eo neto quiseram segui-lo, ele se sentits incamadada por isso e ndo se sentiu honrado. * Oirperador comecou a suavizar quando confrontado com a realida- de de que todos os seus descendentes haviam tomado a culpa dele nos ombros. Foi a primeira vez que ele pode olhar para as pessoas a quem governou e ndo se sentiu indiferente; ele se tornou humano. O primeiro passo para a resolucao é sempre trazer a tona a rea- lidade do que aconteceu: houve um evento no passado, dentro do sistema familiar, que causou um desequilibrio e havia uma pessoa res- ponsavel por ele. O préximo passo pode variar de acordo com a situagao especitica. Pode ser que o ancestral aceite a responsabilidade e nao queira que 0 sofrimento continue, como no caso do pai que matou a mae e asi mesmo. Ou um descendente pode ter de enfrentar o seu antepassado com responsabilidade, como no caso do imperador, que precisou ser lembrado de que ele era um explorador ral 72 Quando 0 pai que matou a sua mae se deita ao lado dela no chao 0 amor que existia ertre eles é visto, 0 filho-cliente se sente aliviado. Quando 0 imperador é capaz de abrir o coracdo para as pessoas que ele explorou, quando a av6, que teve onze abortos pode se deita ao lado deles, ou quando o separatista basco pode comecar 0 luto por suas vitimas, a resolucdo comeca a ocorrer. O que isso significa é que, finalmente, 0 assassino e a vitima, 0 ex- plorador e 0 explorado, 0 trapaceiro e o trapaceado tém de encarar um a0 outro e reconhecer 0 que aconteceu para chegarem a um estado de paz um com o outro. Entdo, em uma constelacéo, pedimos a eles que se olhem e observamos a interacao que ocorre entre eles, sem permitir que 0 filho-cliente interfira no processo. Pode {evar um longo ternpo até que eles possam se encontrar e isso pode nao acontecer em uma Unica constelacéo, mas, na maioria dos casos, um movimento comeca que leva finalmente & reconciliacao, Mui- tas vezes, a reconciliagdo 6 um simples reconhecimento de que ambos agora estao mortos e que na morte eles sao iguais. Para descobrir de quem é a culpa que o cliente esta carregando, nds trazemos os membros da geracdo anterior para a constelacdo e observamos por quem 0 cliente é atraido, por quem ele tern um forte sentimento ou afinidade. Entao, o movimento em direcao a resolucao pode comegar. O que aparece nestes casos é que, ao assumir transgress6es de al- guém de uma geracao anterior, nds retiramos o seu poder. De uma maneira sutil, tentamos interferir nas vidas deles e os deixamos inca- pazes de resolver seus proprios assuntos inacabados. Isso é igualmente verdadeiro, nao importa se estdo vivos ou mortos Assumir 2 responsabilidade pelas acdes de outra pessoa pode re- almente privar essa pessoa de sua dignidade como ser humano. Por exemplo, se a nossa avé foi maltratada pelo marido, ou por homens em geral, ¢ ela nao péde, ou nao iria, fazer nada sobre isso - ela Nao. demonstrou a sua raiva, por qualquer razdo - entao, é uma arrogan- cia nossa nos tornarmos zangados no lugar dela, ou querer ajuda-la, como se soubéssemos melhor 0 que é “certo” ou “justo” para a nossa avd do que ela prépria. Isso viola a lei da Ordem Sagrada, em que os membros “maiores” da familia nao podem ser ajudadas pelos “meno- res“ bem intencionados. Como eu disse antes, o que emerge a partir dessas constelacdes que todo mundo é totalmente responsavel por seus atos; todo ralundo tem de viver sua vida da sua propria maneira © aguentar todas as con- sequéncias por suas aces. Ninguém pode fazer isso por ninguém e, se alguém tentar, essa pessoa esta fadada a falar e criar mais sofrimento. © perpetrador geraimente sabe, profundamente dentro de si, que nin- guém pode assumir a responsabilidade pelo que ele fez e, usualmente, BO quer que os outros se envolvam No fim, um estado de paz e de resolugao pode ser encontrado somente quando ha uma verdadeira reconciliagéo entre perpetrador @ vitima, quando hé os primeiros sinais de amor entre eles e tudo isso pode levar algum tempo ~ nds vamos explorar esta Questo no capi- tulo seguinte Resumo Para resumir os trés principios de pertencimento, ordem e equilibrio, como descrito nestes trés capitulos: A Lei do Pertencimento se refere 8 maneira pela qual todos em um sistema familiar tém um lugar igual naquele sistema e tém o mesmo direito de pertencer como todos os outros. Ninguém no sistema pode ser ulgado melhor ou pior, ninguém tem mais ou menos direito de fazer parte da familia A Lei da Urdem Sagrada mostra que somos todos Unicos. Cada pes- soa dentro do sistema familiar tem a sua posigéo especifica em relac3o aos outros, de acordo com 0 momento em que entrou na familia. Nin- guém mais pode tomar esse lugar. A Lei do Equilibrio se refere 4 maneira pela qual somos todos con- siderados plenamente responsaveis pelo que fazemos. O que quer que alguém faca em um sistema tem um efeito sobre o todo. Nos influen- ciamos e somos influenciados pelo que acontece a0 nosso redor. No entento, cada individuo tem de arcar com as consequéncias dos seus atos, qualquer que seja o resultado. 73 Capitulo Seis A vitima e o perpetrador tema da vitima e do perpetrador esta completamente ligado aos capitulos anteriores, sobre equilibrio e pertencimento, e logo nés veremos por qué. Sempre que ha um sério conflito entre as pes- Soas, a primeira coisa que todos querem saber 6 quem esta “certo” e quem esta “errado”. Se é um conflito forte em que as pessoas estao gravemente feridas, estes tipos de desacordos sao levados para a justica, que entao abre uma acdo, e a questéo de quem estd certo e errado é decidida por outras pessoas, e nao por nds mesmos. Nc entanto, aconteca o que acontecer no plano legal, os atos violen- tos perpetrados contra os outros tem um poderoso efeito de ondulacao, afetardo profundamente a psicologia coletiva da familia em que ocor rem. A relacdo entre quem comete os danos e quem os recebe é uma dindmica unica que exige atencao especial Se um assassinato, ou alguma grande agressao, lesdo ou injustica, for conetide por um membro da familia, um vinculo sera criado com essa pessoa que, muitas vezes, é mais forte do que os vinculos entre os proprios familiares. Devido a esta ligacdo, a pessoa atingida, que pode nao ser um parente, tem de ser considerada parte do sistema familiar. Ela passa a pertencer a familia e esta sujeita a consciéncia coletiva, que cuida para que todos os membros do sistema tenham o seu lugar provi- do e precisam ser lernbrados. O que vemos nas constelagdes é que a dinamica do vinculo vai nos dois sentidos. Se um membro da familia comete um crime, a vitima 75 comeca automaticamente a pertencer a familia e, se um membro da familia for maltratado,-entao, o perpetrador comeca a pertencer. Quando uma pessoa esteve na guerra, ou em um campo de con- centragao, as pessoas que estavam com ela comecam a fazer parte da sua familia, especialmente os opressores. Por exemplo, os nazistas na Segunda Guerra Mundial ou, de fato, qualquer tipo de situaco de maus-tratos envolvendo violéncia ou injustica tem a probabilidade de produzir uma ligacao deste tipo No nivel da consciéncia pessoal e de valor e julgamentos, os mem- bros da familia, naturalmente, tender a tomar partido, formar opinioes e tomar decisées sobre quem esta certo e quem esta errado. Tentamos criar uma separacao entre a pessoa que é “boa” e virtuosa e aquela que é “ruim” ou maldosa. Queremos chegar a uma conclusdo sobre quem tem a culpa, nés acusamos ou simpatizamos, identificamo-nos com al- guns dos envolvidos e excluimos outros. No entanto, nas camadas mais profundas da mente, no inconsciente coletivo, tais distinc6es nao sao feitas. Como ja aprendemos, a conscién- cia coletiva quer somente dara todos o seu lugar. Ela quer cuidar para que todos e cada um sejam lembrados sem discriminagéo e nao faz diferenca se ele é um herdi grandioso ou um monstro despotico. Tanto quanto con- cerne a consciéncia coletiva, todos os assassinos e todas as vitimas, todos 08 oprimidas e tados as tiranas tém igual direito de pertencer. Em um nivel mais superficial, conduzido pelas nossas atitudes convencionais e moralistas, quando julgamos os outros da familia como errados ou ruins, temos a tendéncia de exclui-los. Nos os igno- ramos, cortamos essas pessoas de nossas vidas, banimos de nossos coracées e dos dlbuns da familia. Reprimimos a meméria deles de modo que nao sintamos a anguistia que isso causa € tentamos esque- cer que eles existiram O dilema é, no entanto, que, por mais insistentemente que os mem- bros da familia tentem excluir outro membro do sistema — por exemplo, um assassino -, mais forte sera a demanda pela consciéncia coletiva de que essa pessoa deva ser representada e alguém de uma geracdo pos- terior sera forcado a fazé-lo. Nés sempre vemos isso em uma sessao de constelacao: ninguém cuja existéncia nao seja reconhecida pode ser abandonado totalmente. Ele, ou ela, vai ser representada em uma geracao posterior, gosiemnos ou nao. Como podemos imaginar, isso pode ser uma pilula armarga dificil de ser engolida. Uma familia judaica, que perdeu um ou mais membros no holocausto, pode sentir que reconhecer grupos de exterminio nazis- tas como parte do seu sistema familiar seria profundamente insultante. Uma familia alema, cujos membros suspeitam que os seus antecessores estavam envolvidos em horriveis experiéncias médicas com prisioneiros em cempos de concentracao, pode simplesmente querer negar que isso aconteceu Como vimos em um exemplo no capitulo trés, uma mulher era in- capaz de reconhecer 0 proprio av6, que foi morto pelos nazistas, até que alguém foi introduzido na constelacdo para representar os proprios nazistas, trazendo-os para o sistema familiar. A cliente sentiu alivio ime- diatamente e foi atraida para a pessoa que representava os nazistas, mostrando que a prépria cliente estava representando os opressores — e, Portanto, rejeitando a vitima, o avé — por terem sido excluidos e tido a meméria suprimida. Aqui esté outro exemplo: Anne, da Suécia, vem com o problema de que 0 pai é violento com ela e, na constelagao, ela se coloca de frente a ele, ilustrando seu con- flito com 0 pai. Ao perguntar sobre a historia de sua familia, descobrimos que o avo dela (pai do seu pai) foi assassinado. Quando incluimos o avé (vitima) € alguém para representar o homem que o matou (opressor), descobri- Mos que o pai da cliente carrega a energia do agressor e a cliente se identifica como av, a vitima.. Os dois lados estao representados ¢ a violéncia que aconteceu com 0 avé esta sendo repetida por geracdes posteriores. O pai se identifica com 0 agressor € torna-se violento, agindo como o agressor com a filha, que se identifica com a vitima. Dessa forma, um conflito entre vitima e perpetrador é repetido por um conflito entre filha e pai; é uma dupla transferéncia. Por que isso acontece? De acordo com a dinamica da constelacao, a vitima se toma focada no seu assassino e vice-versa, Criando um vincu- lo forte entre eles. No sistema familiar de Anne, 0 foco. do avé no seu assassino faz com que o filho tente atrair sua atencao pela sua identi- ficacdo com o perpetrador. Ento, porque o filho esta focado no pai, a filha dele se identifica com a vitima (seu proprio av6), a fim de chamar 77 78 a atencdo do seu pai, Assim, a violéncia entre pai e filha tem suas raizes no esforco da crianca em'chamar a atencao dos pais. Nao obstante o expliquemos, a solucao continua a mesma: desco- brimos 0 conflito original e deixamos perpettador e vitima olharem um para 0 outro sem que ninguém interfira. Anne precisa se afastar do av6 e respeitar 0 destino dele. Ao reconhecer 0 amor do pai ao pai dele, ela 6 capaz de desistir do desejo por mais atencdo, o que a ajuda a se afastar do conflito com ele. Ela encontra um lugar seguro com a mae. © que vemos nessas constelacdes é a extraordinaria forca do vin- culo entre a vitima e o perpetrador e, para deixd-la totalmente visivel, precisamos colocar os dois na constelacao. Esta ligacao é, muitas vezes, mais forte do que a conexao com suas proprias familias, e os membros oosteriores devem, de alguma forma, respeitar essa dindmica, 0 que é nuitas vezes dificil para eles. Os membros posteriores de uma familia podem querer se vingar 2m nome da vitima, ou pagar o preco pelo agressor, mas, como vemos repetidamente, ao tomar tais cargas eles apenas criam mais sofrimen- to. Na verdade, eles nao tém o direito de interferir nestes assuntos. Abster-se da interferénca é um passo dificil de dar e as pessoas sao, muitas vezes, relutantes em se manter fora de uma situacao em que se sentem tao intrinsecamente envolvidas. Elas pensam que estéo sendo desleais com o parente envolvido, como se 0 estivessern abandonando ou decepcionando. Desistir do papel do juiz Encontrar alivio por deixar para tras as complicacdes dos emaranha- mentos passados pode ser algo que pensamos que queremos, mas na pratica, muitas vezes, é problemético, porque nos obriga a ir além tanto na consciéncia pessoal quanto da coletiva. Tal passo dernanda que desistamos da posicdo de juiz. Ndo tomamos partido. Renunciamos ao desejo de acusar o perpetrador, ou ter pena da vitima. Preferencialmente, honramos as vitimas e nos afastamos dos agressores. Abandonando 0 juiz nos obriga air além das nogdes de bem e de mal, de divisdes de certo e errado. Deixamos a culpa nas maos do perpetrador e reconhecemos que 0 desenlace para a vitirna ¢ algo com que 56 ele, ou ela, pode lidar. od E também uma questo de ser capaz de desistir de sentirse unido & sua familia, que demanda coragem e pode até fazer com que o cliente se sinta culpado, porque, se nds estamos muito identificados com a nos- sa familia, muito ligados, nao seremos capazes de ver a imagem maior. Nos tarnbém precisamos ter cuidado como descrevemos o perpetra- dor: Se um homem assassina outro homem, entdo ele é chamado de as- sassino. Mas ser chamado de assassino nao precisa ser uma condenacaéo de sua esséncia como homem. Ele é chamado de assassino por causa de seu ato de matar outro ser humano e, claro, ele merece arcar corn as consequéncias disso. No entanto, uma distingdo mais precisa - uma distincao sem conde- nacdo - seria chamé-lo de um "homem que matou alguém”, em vez de usar um termo que implica um estado continuo e habitual da intengdo. homicida. Dessa forma, nds nao continuamos em julgamento sobre ele como um ser humana, mds apenas reconhecendo o ato de matar, e isso vai tornar mais facil para nds inclui-lo no sistema familiar, no contexto do pertencimento e do equilibrio. De um modo inverso, 0 mesmo ¢ verdadeiro para a vitima. Se um homer € morto, ou sofreu de uma forma incomum, ele ainda merece ser visto como um ser humano completo, em vez de uma figura tragica € sem esperanca, de quem agora devemos sentir pena. Uma mulher que tem uma deficiéncia devido a um acidente e agora vive em cadeira de rodas pode ser vista apenas como uma aleijada. Mas ser deficiente fisico, dessa forma, é apenas uma parte de sua vida. Na verdade, ela é uma mulher como qualquer outra — uma mulher que pas- sou @ usar uma cadeira de rodas — e se o fato dela estar na cadeira de rodas ¢ 0 resultado da direcao imprudente de alquém, nds nao temos o direito de procurar compensacao; s6 ela tem esse direito. Se tornamos isso Nosso proprio projeto, como as pessoas que querem se vingar em nome de outros fazem, estamos retirando dela um pouco da dignidade como um ser humano. Esta € certamente uma posicao dificil para nds tormarmos e exige um discernimento e maturidade consideraveis. Precisamos ver, com- preender e apoiar os principios fundamentais das dinamicas familiares, que Nac seguem as nossas nocdes pessoais de justica e equidade, por mais que queiramos isso. 80 Aplicando essa dinamica em uma sessdo Na Constelacdo Familiar 0 que geralmente fazemos & encontrar quem foi excluido e quem agora esta identificado com a vitima ou como per- petrador. Torna-se visivel, a partir da posigao em que o cliente os coloca em uma constelacdo, e também é indicado a partir de reacoes fisicas e sentimentos relatados pelos representes. Normaimente, colocamos o cliente em frente ao membro da familia com quem ele se identifica. Isso traz & tona o amor que o cliente sente por essa pessoa. Alternativamente, podemos colocar o cliente proximo, @ essa pessoa, onde ele tende a se sentir mais relaxado e @ vontade. Trazer esse amor a tona é em si uma profunda mudanca para o cliente, porque ele comeca a ver a motivacao que tem feito com que ele realize certas coisas. sso acontecia a partir do amor por urn membro preceden- te da familia. Isso ja é muito para ser absorvido pelo cliente.As vezes, depois de ver 0 real motivo para suas agées, a vida toma um rumo diferente e o cliente pode ser capaz deixar de interferir no destino de alguém que foi morto, ou pode deixar a culpa para quem foi 0 assassino, Mesmo se 0 cliente néo puder deixar completamente a situacao, ele, contudo, vai tender a recuperar um pouco da sua inocéncia e parte da carga causada pela identificacao é removida. O que é identificacao? A identificagao é um processo profundamente inconsciente e, em gran de parte, ndo reconhecido. Quando eu me identifico com alguém, nao consigo ver essa pessoa com clareza, porque eu me transformei nele, ou nela. E como ter seu nariz pressionado contra uma tela de televisdo; vocé esta tao perto que nao pode realmente elaborar nenhuma imagem que esta passando 1d No entanto, quando eu conscientemente dou urn passo atras e olho nos olhos de uma pessoa com quem eu tenha me identificado, tudo muda. 0 contato direto com a pessoa me obriga a ver que eu sou di- ferente; isso me traz para o momento presente, para a realidade. Esse olhar vai me tirar da minha identificagao e faz com que eu me reconhe- ca como separado do outro. Entao, e 56 entao, é que se torna possivel reconhecer o que acon- teceu com essa pessoa, honrar o seu destino ou culpa, dependendo se eu me identifiquei com uma vitima ou um perpetrador. Isso sig- nifica que posso agora dar crédito, sinceramente, ao seu direito de Carregar © seu destino sem a minha interferéncia, incluindo o meu reconhecimento da dor que ele teve de passar, devido ao que acon- teceu na sua vida. Em uma situacao ideal, o alivio mais profundo para o cliente é teste- munhar a reconciliacdo entre a vitima eo perpetrador; assim, em uma constelacao frequentemente incluimos os dois e deixamos que se enca- tem, fazendo com que olhem um para o outro , em seguida, observar © que ocorre entre eles. Ha talvez muitos sentimentos profundos envolvidos, tais como dor, Odio, medo, agressividade, desespero, culpa, vergonha; todos podem Surgir nos representantes de ambos, vitima ou perpetrador, dependen- do da situacdo especifica e do avango do movimento em direcéo a reconciliagdo. Numa fase final, eles podem deitar lado a lado, indicando que estao Mortos, ou, se 0 perpetrador ainda esta vivo, indicando que ele merece morrer também; ou eles se encontram em um abraco. Naturalmente, hem sempre chegamos ao ponto no qual esse tipo de resultado positivo e de cura ocorre em uma constelacdo. © movimento em direcao a reconciliacéo s6"pode ocorrer entre o perpetrador original e a vitima original. Um membro posterior da fami- lia, coro o cliente, que se tornou identificado com um deles, tem que Tecuar @ deixar isso com eles; caso contrario, 0 movimento em di recdo 3 reconciliacao é impedido. No momento em que a vitima eo perpetrador olham um para o outro, um processo de cura se inicia e, uma vez iniciado, realmente nao importa quanto tempo leve para ser concluido. No fim, as duas forcas opostas serdo puxadas uma em direcdo @ outra - ha sempre um movi- mento interno em direcdo a reconciliacéo, para fazer a paz, refletindo o principio universal de que, quanto mais duas energias se opdem uma a outra, mais elas se atraem. Em uma constelacao, isso mostra 0 alivio que o perpetrador e a viti- Ma sen-em quando se deitam no chao, um préximo do outro; a recon- ciliagéo deles aconteceu na morte. E um processo que néo precisa ser comple:ado nesta ou em outras sessdes de constelacéo. Ela tem que se completar no reino dos mortos, em seu préprio tempo 81 82 Em uma constelacao, simplesmente ajudamos esses dois adversarios a se encarar com honestidade e sinceridade. Isso ira mudar a situacao para 0 cliente, o filo descendente, que se identificou com um deles e, a0 pedir que o filho ndo tome partido e olhe para uma forca maior além de ambos, também ajudamos vitima e perpetrador a chegar a um acordo sobre o que aconteceu. Funciona das duas maneiras. Conflitos nacionais e culturais Existem muitos exemplos de duas forcas opostas dentro de um sistema familiar e, da mesma forma que ha oposicao, existe também um forte impulso coletivo para que elas se encontrem. A identificagao com um lado da familia por um membro posterior é um esforco cego € sen sucesso de representar a parte exclulda e, em vez de ajudar a recon- ciliagdo, evita a verdadeira reconciliacao entre aqueles com os quais 0 conflito comecou. A identificagao com um lado contra 0 outro é uma dinémica que também esta na raiz dos conflitos entre nacdes e entre as faccoes poli ticas antagnicas dentro de uma Unica nagao. Por exemplo, sempre me deparo com clientes de palses onde houve uma guerra civil; eu tenho percebido que a luta continua dentro da familia do cliente, muitas vezes a0 longo de muitas geracées. Sebastian é de Barcelona e 0s pais sao espanhois. O pai do pai dele estava do lado dos republicanos na guerra civil e passou sete anos em um campo de concentragio depois que 0 conflito terminou. A familia da mae estava do lado dos nacionalistas e do general Franco, que, de- pois de derrotar os republicanos, governou a Espanha como ditador por muitos anos. Quando colocamos a constelacdo, vimos mae e pai ficarem separa- dos ¢ 0s filhos ficaram divididos entre os dois lados, com o cliente mais perto da mae do que do pai. A mae nao consegue olhar pata 0 marido; ele € como um inimigo. A imagem dé a impressao de duas faccdes em guerra uma contra a outra; os dois partidos da guerra civil sao repre- sentados por pais ¢ filhos, a linha de ftente passa diretamente por esse sistema familiar peculiar. Sebastian, o cliente, estd perto da mae, mas, a0 mesmo tempo, olha para 0 avo, que estava no campo de concentracao, @ se identifica com ele. A constelagdo mostra que a mae ndo esta permitindo que seu Unico filho chegue perto do pai, porque ela esta se identificando com os na- cionalstas e familia do matido era republicana. Quando colocamos todos os mortos de ambos os lados da guerra civil e os deitamos no centro um préximo do outro e, quando todos olham para eles, algo relaxa na mae e ela consegue comecar a olhar para 0 pai. sso acaba por ser um grande alivio para o cliente Finalmente, mais para o fim da constelacdo, ele 6 capaz de dar um espaco No seu coragdo para ambos os lados da querra civil, para ambos 0s partidos, sem julgamento ~ e, claro, para o seu avo, Muitas vezes, a reconciliagao pode ser encontrada quando as fac- G6es adversdrias deram uma boa olhada nas perdas de sua luta. Quando elas olharam longa e arduamente, ndo apenas para os seus prdoprios mortos, mas para todos aqueles que foram mortos - toda a peagem dos mortos ~ elas podem lamentar juntas e isso, muitas vezes, os aproxima, terminando o conflito. Banu € uma bonita turca, em seus trinta e poucos anos, que relata ter um problema continuo com abandono. Sempre que ela tem uma relacéo amorosa com um homem, ela pensa que ele vai deixd-la Além disso, ela tem um irmao que foi diagnosticado psicologicamen- te coro “borderline” Na constelacao, o pai dela esta afastado da familia, com o irmao no caminho dele. Apés a instrucdo, ficamos sabendo que os avés dela, do lado do pai, eram turcos que tiveram de deixar a Grécia com a queda do Império Otomano. Houve uma troca erm massa de populacées naquele tempo, quando as fronteiras nacionais foram criadas e redesenhadas: 0 turcos foram expulsos da Grécia para o estado recém-criado da Turquia © 08 gregos foram forcadas a sair de suas antigas regides otomanas, de volta a Grécia. Muitas pessoas morreram de ambos 0s lados. Quando acrescentamos representantes para a Grécia e a Turquia, e também para 0 cristianismo e 0 islamismo, 0 conflito de séculos entre as duas nacdes e as duas religides vém a tona e percebernos como é carregado nesta familia O pai de Banu carrega pela familia dele a dor de perder sua terra natal, a Grécia, que € aprofundada pelo fato de que a familia teve de deixar a maior parte da sua riqueza para tras, e ele também carrega a faiva contra os cristaos. O seu filho, irmao de Banu, se identifica com (0 cristéos gregos, que sao excluldos e odiados na familia, mas também 83 84 com os turcos muculmangs, que sao as vitimas nesta saga. Esta divisdo parece ser a causa da~Sua doenca psicolgica. Banu, nossa cliente, se identifica mais com os turcos e catrega a raiva contra os cristaos em nome do pai e da familia dele. A solucao para a cliente é honrar os cristéos, que também sofreram e foram mortos durante a revolta e, dessa forma, se afastar do seu envolvimento no conflito, enquanto, ao mesmo tempo, reconhece o so- frimento da familia do seu pai. Desse modo, descobrimos que a obses- 0 dela em ser abandonada é um sentimento que ela vem carregando pelos avos, que tiverarn de deixar suas casas na Grécia e com quem ela se identificou a fim de obter a atencao do seu pai. Em um nivel mais profundo, o trabalho aqui continuaria ao deixar os representantes do islamismo e do cristianismo olharem uns para os outros e para as vitimas das guerras entre eles. Eu tenho trabalhado com muitos exemplos semelhantes, incluindo dientes de Taiwan, cujas familias foram divididas na guerra entre na- cionalistas e comunistas; franco-vietnamitas, cujas familias continuam carregando 0 conflito entre colonialistas franceses e nacionalistas vie- ‘tnamitas; e clientes da Irlanda do Norte que carregam o conflito entre catélicos e protestantes. Sempre que hd uma polaridade, como as que descrevemos, é preciso haver uma compreensao de que nés carregamos ambas as partes no sistema familiar em maior ou menor grau, dependendo do grau 0 qual uma parte tenha sido excluida. A verdadeira paz e a unidade s6 podem ser encontradas se permitimos que ambos os fados se tornem um em nossos coracées. isso pode ser ajudado por uma pequena meditacdo que foi sugerida por Bert Hellinger e vou apresenté-la aqui de uma forma modificada. Sente-se confortavelmente com os olhos fechados e imagine um for te conflito que aconteceu entre os membros de sua familia. Pode ter ocorrido varias geragGes atras. Identifique as duas pessoas que estavam lutando, ou os dois partidos opostos, e olhe para elas em sua imaginacao; primeiro, para um dado, depois, para 0 outro. Observe se ha algum julgamento ou um sentimento de tomar par- tido. Lentamente, deixe que seu coragao se abra para os dois lados, especialmente abrindo espaco para a pessoa — ou 0 grupo nacional ou religioso~ que parece dificil para vocé abracar, ou de quem vocé fez um julgamento negativo. Agora, imagine como se ambos os lados estivessem se encontrando dentro do seu coracao, tornando-se um: Hellinger descobriu que, em casos de esquizofrenia, existe um assas- sinato escondido em algum lugar na familia, e a pessoa esquizofrénica simultaneamente representa 0 assassino e a vitima, mudando de uma identificacéo para a outra, criando a dupla personalidade que o esqui- zofrénico frequentemente habitard. A cura seria trazer este assassinato a tona, ajudando a cliente a sair da identificacao e deixando que os dois lados opostos se encontrem. Trabalhando com essas dinamicas como facilitador O desafio para um facilitador de Constelacao Familiar que trabalha com a questao de vitima e perpedador é renunciar qualquer tendéncia de fazer juizos de valor. Ele precisa evitar a escolha entre um lado e 0 outro, expandindo suficientemente para incluir os dois lados aparentemente diametralmente opostos. Isso significa que os facilitadores precisam ter trabalhado com suas préprias dinamicas familiares e atingido um ponto em que ele, ou ela, pode permanecer sem julgamento ou moralismo. Isso é um requisito absoluto. 2 Ao mesmo tempo, 0 facilitador deve estar preparado para a resis- téncia dos clientes que acham essa inclusao inaceitavel. Alguém pode ver quao dificil € quando alguém considera, por exemplo, a atitude mo- derna da Alemanha no Terceiro Reich. € dificil, mesmo agora, para os alemaes darem lugar aos nazistas nos anais da historia alema e aceita- rem que essas pessoas eram também alemdes como eles. A tendéncia é expulsa-las da memoria pessoal e fingir que nunca existiram. Ou melhor, no caso do Terceiro Reich, nao que os alemaes hoje finjam que os na- zistas nunca existiram, mas foram educados a dizer: “Devernos sempre lembrar, para que isso nunca aconteca de novo", que é uma maneira diferente de nao deixar algo ter fim, Por isso, Hellinger € uma figura controversa na sua Alemanha natal, porque ele descreve a natureza da consciéncia coletiva e sua demanda por pertencimento, sem referénciaa “bom” ou "ruim”, sem tentar deci- dir quem tem se comportado de uma forma inaceitavel e sem cobrir estas dindmicas basicas da constelacdo com cosméticos socialmente aceitaveis, 85 86 De fato, para a maioria das pessoas a sua posi¢ao neutra seria dificil de defender e compreender, se nao fosse pelo fato de que esta é apenas a maneira como as coisas sao. Nas sess6es de constelacao, muitas ve- zes vernos que a maior forca de cura para um sistema familiar vem dos perpetradores, e ndo das vitimas, ja que eles sao, na maioria das vezes, ‘9s excluidos. Quanto mais cantinuamos a julga-los, ou negar sua exis~ téncia, mais os recriaremos repetidamente. A consciéncia coletiva no permitird que eles sejam esquecidos, e podemos ver isso na ascensdo de movimentos neonazistas na Alemanha moderna Tomar ofensivamente, ou negar, néo é a maneira de acabar com os conflitos e querras em que nossos antepassados estiveram envolvidos. ad i Capitulo Sete Os mortos e os vivos maioria de n6s tende a encarar a vida e a morte, como se esti- vessem uma em oposicao a outra, camo se a morte fosse uma ‘alamidade que tem de ser adiada o maior tempo possivel. Ou temos a tendéncia de viver como se a morte nao existisse, distraindo- -nos de sua inevitével chegada, ou vivemos com medo constante dela. Consequentemente, tendemos a criar uma separacdo rigorosa entre os membros da nossa familia que estao mortos e os que estao vivos, sem perceber que, para a consciéncia coletiva, hd uma continuidade, mesmo que 0s mortos e os vivos, obviamente, pertencam a esferas diferentes. Se deixarmos de lado nossa relutancia em enfrentar o tema da mor- te, € evidente que aqueles que viveram antes de nés tiveram um papel importante em todo o sistema familiar em curso e afetaram as vidas das geraces que os seguiram. Talvez esta seja uma razao pela qual é uma pratica central em todas as culturas primitivas enfatizar o culto e a veneracao dos antepassados, porque elas sabem intuitivamente que, de muitas formas, os mortos ainda ditam 0 nosso comportamento. Elas entendem que os mortos nao estdo realmente mortos; 0 que ocorreu nas vidas deles é parte da nossa vida agora; 0 que ocorreu com eles no seu tempo esta nos afetando e Nos influenciando. Quando observamos em uma constelacdo como os nossos avos sao. parte da nossa vida, comecamos a ver como a influéncia deles pode tomar duas direcGes opostas com resultados diferentes. Pode ser indis- 87 88 tintamente uma influéncia positiva ou negativa, dependendo de como nos relacionamos com-esses ancestrais através das geracGes. Digamos que vocé tenha um tio que morreu muito jovem. Um resul- tado positivo seria que esse tio foi plenamente reconhecido e apreciado. pelo seu pai, como irmao e como aquele que morreu e, em seguida, foi dado a ele uma despedida sincera. Por outro lado, se o seu tio foi, de alguna forma, ignorado por seu pai, ou esquecido pelo resto da familia, pode ter uma influéncia negativa sobre vocé — negativa no sentido de que a demanda pela consciéncia coletiva para o reconhecimento pode compelir vocé a se identificar com ele e, assim, representa-lo dentro do seu sistema familiar. Um exemplo de como os mortos influenciam os vivos ocorreu quan- do Harold, um cliente da Inglaterra, veio com uma questdo que ele se sente afastado do pai, que nunca pareceu Ihe dar muita atencao duran- té sua vida Colocando a constelacao da familia de Harold, soubemos que 0 avo dele (o pai do seu pai) passou varios anos como soldado da linha de frente na Primeira Guerra Mundial, testemunhando eventos horrendos e condicées desumanas. Na constelacao, ele é puxado da familia para 0 lado dos mortos ~ aqueles que estavam com ele na guerra e que mor- reram na linha de frente. S6 depois que o representante do cliente honrou todos os mortos dessa guerra e reconheceu 0 sofrimento do avé, 0 avé péde se virar e olhar para ofilho eo neto, pela primeira vez. Em seguida, também o pai conseguiu ver ofilho, nosso cliente. Antes, ele havia sequido o impulso do pai em direcéio a0s mortos € Nao conseguia olhar para seus proprios descendentes Este 6 um exemplo de como as vitimas de guerra, mesmo quando Nao sao parentes, tem uma forte influéncia sobre uma familia. Neste caso, houve uma conexdo tao forte entre 0 avd e seus companheiros soldados que 0s mortos.se tornaram os "membros da familia” exclui- dos, que exigiam reconhecimento. Da mesma maneira que a psicoterapia envolve abordar as partes rejeitadas de nds mesmos, na Constelacao Familiar nés lidamos com as pessoas esquecidas do passado, permitindo que aquelas que pertencem 20 nosso sistema familiar se tornem presentes para nds agora. Precisa- mos reconhecé-las no sistema familiar, no presente momento e dar-Ihes um lugar digno no nosso coracdo. - As pessoas do passado da nossa familia que tendem a ser esquecidas Sao aquelas cujas vidas tem divergido da norma. Sao os tinicos que, de uma forma ou de outra, sofreram com circunstancias incomuns — aque- les que morreram jovem, que cometeram suicidio, que realizaram atos de violéncia incomum, que foram submetidos & violéncia. As vezes, eles sao a ovelha negra, 0s playboys, ou desertores, aqueles sobre quem voce "prefere no falar” Mas sao justamente as pessoas sobre quem preferimos nao falar que, acima de tudo, precisam ser lembradas. Quando fazemos isso, quase sempre achamos que nao hd maus sentimentos ou ressentimen- tos residuais e elas costumam nos dar as suas bén¢aos, que é um impor- tante gesto de reconciliagéo e curativo dentro do sistema familiar. Béncaos dos mortos O estudo de caso a seguir mostra como uma pessoa morta pode dar uma béncao. Rosella é uma cliente italiana. Sua tia, que era a irma mais velha da sua mae e a primeira filha da sua av6, morreu ao nascer. Ela nao é lem- brada na familia. No inicio da sessao de constelacao, Rosella posiciona representantes para si mesma, para a mae e a avé de forma que todos sao deixados olhando em uma s6 direcao, nao vendo uns aos outros, e isso indica que uma pessoa esté faltando no sistema familiar. Presumimos que a tia esta faltando; por isso, 0 representante dela é introduzido e colocado em. frente as trés mulheres. O representante de Rosella imediatamente se sente melhor, feliz por ver a tia, e quando colocamos a tia deitada no chao — indicando a sua morte -, Rosella se deita a0 lado dela, uma indicacao de que ela se sente intimamente co- nectada com atia. Peco ao representante de Rosella para se levantar e ir até a mae dela; @ av, entdo, se move para mais perto da filha morta. A avo comeca a sentir dor e, chorando, se ajoelha e abraca a tia de Rosella. Todos na Constelacao se sentem emocionados e aliviados. Criando uma imagem de solucao, coloco as mulheres em ordem: pri- Meiro, a avo, a tia, e, entao, a mae de Rosella, e, em seguida, a propria Rosella (a representante dela agora deixa a constelacao). Entéo, eu con- vido a avo a apresentar a sua primeira filha, a tia, para a sequnda filha, a 89

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