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Introdução

O presente trabalho insere-se na Parte Especial do plano temático da cadeira de Direito


Internacional Privado, relativa a matéria da lei aplicável cujo tema incide sobre “A Lei
Reguladora das Situações de Família”.
Neste sentido iremos analisar a jurisprudência que discute a matéria relativa a Separação Judicial
de Pessoas e Bens, tendo como base a análise do Acórdão nº 9217/2008-8 proferido pelo
Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 29 de Janeiro de 2009.

I. Identificação do Acórdão
Acórdão do Tribunal de Relação de Lisboa
Processo nº: 9217/2008-8
Relator: Bruto da Costa
Descritores / Matérias: Separação Judicial de Pessoas e Bens
Lei Aplicável
Nº do Documento: RL
Data do Acórdão: 29/10/2009
Votação: UNANIMIDADE
Meio Processual: Apelação
Decisão: IMPROCEDENTE

II. Matéria de Facto


O Autor (OH doravante A) cidadão português, diplomata na Áustria até o ano de 1999, e a Ré
(RH doravante R), cidadã com dupla nacionalidade, sendo a nacionalidade alemã originária e a
nacionalidade austríaca1 adquirida, casaram entre si no dia 26.3.1993 em Viena, capital da

1
A nacionalidade alemã é regulamentada pela Lei de Nacionalidade da Alemanha (em alemão: Reichs-und
Staatsangehörigkeitsgesetz) de 22 de Julho de 1913 cuja forma abreviada é RuStAG que sofreu uma série de
modificações em seu conteúdo ao longo dos anos, sendo uma delas em 15 de Julho de 1999 que alterou também seu
nome além da forma de aquisição da cidadania alemã, passando a se chamar apenas Staatsangehörigkeitsgesetz
abreviado para StAG.
Alemão é, por definição do § 1 da Lei de Nacionalidade Alemã (StAG), aquele que possui a nacionalidade alemã.
As leis de nacionalidade alemã seguem primariamente o princípio jus sanguinis (em alemão: Abstammungsprinzip)
que permite a aquisição da nacionalidade alemã no momento do nascimento (em alemão: durch Geburt) através do
princípio de filiação, normalmente através de um pai ou de uma mãe alemã. Com a reforma nas leis de
nacionalidade alemã ocorrida em 15 de Julho de 1999, alguns reconhecimentos de nacionalidade alemã também são
possíveis através de nascimento em solo alemão, tornando a Lei de Nacionalidade Alemã actualmente tanto jus soli
quanto jus sanguinis para determinados casos previstos em lei.

1
Áustria sem convenção antenupcial. O casamento foi registado na Conservatória dos Registos
Centrais em Lisboa sob o nº 3256 do ano de 1994 (doc. de fls ponto 8 a 10).
Do casamento nasceram dois filhos Alexander e Félix na Áustria. Tendo sido confiado a guarda
e cuidados da R o exercício do poder paternal por sentença proferida pelo Tribunal do Centro de
Viena da República da Áustria, no âmbito do processo nº 3 P 249/00 de 12.01.2004.
Aquando do casamento o A trabalhava como funcionário diplomático nos serviços da ONU em
Viena até 31.10.1999. A regressa a Portugal após o termo da sua missão na Áustria, tendo este
convidado a R para retomar a coabitação conjugal em Portugal ao que esta não aceitou. A R foi
viver para a Alemanha a partir do dia 5.10.2001.
Portanto, A e R encontram-se separados sem qualquer convivência ou coabitação entre ambos
desde Outubro de 2001, contrariando a vontade do A.
Em consequência dos factos descritos supra A intentou uma acção declarativa constitutiva sob a
forma de processo ordinário contra R, no Tribunal de Família da Comarca de Lisboa, pedindo a
separação judicial de pessoas e bens, entretanto, foi julgada improcedente pelo Tribunal a quo
por entender que a lei aplicável ao caso subjudice é a lei substantiva austríaca, a qual não prevê a
separação judicial de pessoas e bens mas sim o divórcio .
Inconformado A interpôs um recurso de apelação no Tribunal da Relação de Lisboa.

III. Problema
Consiste em apurar se deve ou não aplicar a lei substantiva austríaca com todas as legais
consequências.

IV. Matéria de Direito


Relativamente a lei aplicável a casos de separação judicial de pessoas e bens, a norma de
conflitos portuguesa, no art. 55º nº1 do CC manda aplicar o art. 52º do CC, que estatui uma
ordem de prioridades, sendo sucessivamente aplicável:
 em primeiro lugar, a lei da nacionalidade comum dos cônjuges;
 em segundo lugar, a lei da residência habitual comum e na sua falta;
 a lei do país com o qual a vida familiar se ache mais estreitamente conexa2.
Os Juízes que apreciaram o caso em primeira instância entenderam que, nos termos do art. 52º do
CC português, a lei aplicável ao caso é a lei austríaca, posto que não estão preenchidos os dois
primeiros requisitos pelos fundamentos que se seguem.

2
Nova redacção do Decreto-Lei n.º 496/77, publicado no Diário da República n.º 273/1977, 1º Suplemento, Série I
de 1977-11-25, que introduz a Reforma do Código Civil Português

2
Quanto ao elemento de conexão relativo a lei da nacionalidade comum dos cônjuges está
provado que o Autor é português e a Ré é alemã/austríaca, pelo que inexiste o vínculo da
nacionalidade comum dos cônjuges.
Quanto ao elemento da residência habitual comum, está provado também que o casal deixou de
ter esta residência conjunta quando em 2001 a Ré foi viver para a Alemanha com os seus dois
filhos e o Autor foi viver para Portugal, não obstante o facto de este ser diplomata português ter
sempre o seu domicílio ofícial em Portugal, estando profundamente ligado ao seu país. É na
residência comum que, perante a diferença de nacionalidade dos cônjuges, assenta a lex
familiae3. Note-se que as partes envolvidas nunca residiram habitualmente em Portugal. Ainda
que sendo aplicável tal critério, este apontaria para a aplicação da lei substantiva austríaca, pois a
residência do casal sempre foi em Viena, Áustria.
Quanto ao elemento da conexão4 mais estreita da vida familiar, o tribunal ad quo não teve
dúvidas sobre qual país se estabelecia a relação mais estreita. Como aliás doutamente se alega na
apelação do A, que a conexão da vida conjugal com a Áustria não decorreu de um acto
voluntário deste, mas sim das suas obrigações enquanto diplomata português integrado na
respectiva carreira, por determinação da estrutura orgânica em que se integrava.
Da anterior redação deste art. 52º nº 2 do CC português, não se verificando os dois primeiros
elementos de conexão aplicava-se um outro elemento de conexão, que se passa a citar:
“2. Não tendo os cônjuges a mesma nacionalidade, é aplicável a lei da residência habitual
comum e, na falta desta, a lei pessoal do marido5.”
A letra da lei traz uma solução que tinha a apreciável vantagem da certeza do estatuto aplicável
em si, porém era ferido dum carácter discriminatório, confere um tratamento especial ao marido.
Entendeu, melhor, o legislador português pôr de lado este elemento de conexão, pautando pelo
elemento trazido pela Reforma do Código Civil.

V. Decisão

Os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa acordaram em julgar improcedente a apelação do A,


mantendo-se a decisão recorrida, confirmando-se na totalidade a douta sentença do Tribunal a
quo, atendendo à matéria de facto provada e tendo em conta o direito aplicável, decretando
custas para o apelante.

3
Quer isto dizer que é uma espécie da lei de família (lex familiae), determinada pelo lugar em que efectivamente a
sociedade familiar se estabeleceu
4
Conexão espacial
5
O sublinhado é nosso.

3
VI. Análise da decisão do Tribunal à luz das normas de conflito moçambicanas

O art. 55º nº 1 do CC moçambicano manda aplicar, para o caso de separação judicial de pessoas
e bens, o art. 52º do CC, no entanto, o n.º 2 deste mesmo artigo apresenta um elemento de
conexão que auxilia a determinação da lei competente que diverge do da norma de conflitos
portuguesa, pois na falta da residência habitual comum aplica-se a lei pessoal do marido. Este
elemento de conexão foi afastado do n.º 2 do mesmo artigo das normas de conflito portuguesas,
por consagrar um tratamento discriminatório entre os cônjuges, actualmente manda aplicar a lei
do país com o qual a vida familiar se ache mais estreitamente conexa.
Para o Direito Internacional Privado moçambicano a redacção do n.º 2 do artigo em referência,
traz um tratamento discriminatório que constitui uma violação do princípio da igualdade previsto
nos artigos 35 e 36 da CRM. Assim sendo deve-se fazer uma interpretação actualista do mesmo
baseando-se no princípio da efectividade ou de maior proximidade 6, desta interpretação, a lei que
se mostra mais adequada no caso em análise, é a lei austríaca uma vez que é na Áustria onde o
caso se acha mais conexo a vida familiar7.

6
Este princípio orienta que no processo de criação, interpretação, aplicação e integração de normas do DIP deve ser
privilegiada a lei que se mostre mais adequada ou conexa (a lei mais próxima do caso).
7
Qualquer das conexões a que se refere o art. 52º do CC é uma conexão móvel.

4
Conclusão
O caso subjudice é matéria de DIP, pois envolve mais do que um Estado ou ordenamento
jurídico para resolver o conflito de normas. Do exposto o grupo conclui que a decisão do
Tribunal de Relação de Lisboa foi a mais acertada. Ainda que prevalecesse o elemento de
conexão da residência habitual comum, da redação do art. 52º nº 2 do CC, a lei aplicável ao caso
seria a lei austríaca, pois o casal sempre residiu em Viena, a solução não seria diferente do
elemento de conexão mais estreita da vida familiar que implica o mesmo resultado.
Observando esta solução nas normas de conflito, moçambicanas esta não seria, também
diferente, ainda que o art. 52º nº 2 do CC dê preferência a lei do marido, com base na
interpretação actualista e ex vi do princípio da proximidade, aplica-se a lei substantiva austríaca.

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Bibliografia
 Doutrina
Lima, F. A., & Varela, J. d. (1967). Código Civil Anotado. Coimbra: Coimbra Editora.

Machado, J. B. (1992). Lições de Direito Internacional Privado. Coimbra: Livraria Almedina. 3ª


edição, pág.403 à 422.

Pinheiro, L. d. (2001). Direito Internacional Privado. Coimbra: Almedina Coimbra. Vol I

 Legislação
Decreto-Lei nº 47344 de 25 de Novembro de 1966
Decreto-Lei n.º 496/77, publicado no Diário da República n.º 273/1977, 1º Suplemento, Série I de 1977-
11-25

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