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ENSINO SECUNDÁRIO | Português 11º | Cursos Gerais

QUESTÃO-AULA Nº 2 – Retoma 10º Ano I Leitura I Gramática

Leia o excerto da Farsa de Inês Pereira, de Gil Vicente, e consulte as notas apresentadas.

Mãe: Lianor Vaz que é isso?


Lianor: Venho eu mana amarela?
Mãe: Mais ruiva que ũa panela.
5 Lianor: Nam sei como tenho siso.1
Jesu Jesu que farei?
Não sei se me vá a el rei
se me vá ao cardeal.
Mãe: E como? Tamanho2 é o mal?
10
Lianor: Tamanho, eu to direi.

Vinha agora por ali


ò redor da minha vinha
15
e um clérigo mana minha
pardeos lançou mão de mi.
Nam me podia valer
diz que havia de saber
20 se eu era fêmea se macho.
Mãe: Ui seria algum mochacho3
que brincava por prazer.

25 Si mochacho sobejava.
Era um zote tamanhouço4
e eu andava no retouço5
tam rouca que nam falava.
Quando o vi pegar comigo
30
que me achei naquele perigo
assolverei não assolverás
tomarei nam tomarás6
Jesu homem que hás contigo?
35

Lianor: Irmã eu te assolverei


c’o breviairo de Braga.7
Que breviairo ou que praga
que nam quero. Áque del rei.
Quando viu revolta a voda8
Foi e esfarrapou-me toda
O cabeção da camisa.
Mãe: Assi me fez dessa guisa9
Outro no tempo da poda.
(1) siso: juízo, bom senso.
(2) Tamanho: tão grande.
(3) mochacho : muchacho; jovem rapaz.
(4) zote tamanhouço: homem de grande estatura mas pateta.
(5) eu andava no retouço: eu andava numa roda viva.
(6) Quando o vi pegar comigo […] tomarei nam tomarás: referências manhosas à tentativa de sedução do
clérigo.
(7) breviairo de Braga: Breviário— livro litúrgico; «bragas» é sinónimo de «calças».
(8) Quando viu revolta a voda: quando percebeu que o ataque não corria bem; quando viu o caso mal parado.
(9) dessa guisa: dessa maneira.

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Apresente, de forma clara e bem estruturada, as suas respostas aos itens que se
seguem.

1. Releia os versos 2 e 3. Explique a simbologia que as cores referenciadas têm no contexto


em que as personagens se encontram.

1. Explique de que forma se pode considerar este excerto uma crítica à corrupção dos
costumes na Lisboa quinhentista.

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Leitura I Gramática

Nas respostas aos itens de escolha múltipla, selecione a opção correta.


Escreva, na folha de respostas, o número do item e a letra que identifica a
opção escolhida.

Teresa de Albuquerque
em sua carta ao Mundo
Simão Botelho, meu amado esposo.
Não te admires da configuração daquela que te há de parecer uma bem estranha carta. Quando
estas laudas1 chegarem às tuas mãos, saberás que as escrevi com tinta feita da cinza que dia e noite
me rodeia, diluída na escorrenteza das minhas próprias lágrimas. Oxalá matérias tão precárias
5 resistam à viagem e consigam levar-te saudações da minha parte, seja onde for que te encontres, e
estejas tu acompanhado por quem quer que seja que o destino te tenha dado por amiga ou amante.
Pois pelo meu lado, se muito mudei, continuo a querer-te como no primeiro dia em que te vi
cavalgando pelas ruas de Viseu, e a amar-te da mesma forma, sem refrigério 2 nem apelo, como no
último instante, quando te dirigiste ao portaló para receberes as minhas cartas, na nau que em
1 breve partiria levando-te a caminho da Índia. Nessa hora, a minha vida acabou, Simão, mas a tua
0 felicidade, fatalmente sem mim, continua a ser o meu maior cuidado. A tua felicidade é o meu
destino. Vê como são as coisas, meu amado. Agora, pouco me importa que aquela, com quem fazias
projetos de partilhar uma casinha nos arredores de Coimbra, já não se chame Teresa, nem que o
peito onde sonhavas encostar a tua cabeça, já não seja o seu. A vida mudou, isto é, a morte mudou
o que foi sonhado em vida. Mas o mais importante é que sei agora o que não sabia antes. E por isso
1 posso dizer-te que a natureza daquela Eternidade que ora víamos como um paraíso perfeito, ora
5 como um lugar de quietude e silêncio para onde os dois iríamos adormecer para sempre, afinal é
muito diferente do que ambos imaginávamos. Posso dizer-te que se escrevo esta carta, é porque
faço empenho em avisar-te para que não sejas tomado tu pela surpresa que a mim me prende. Meu
divino esposo do céu, meu amado, estávamos enganados, a vida a partir daqui tem um sentido
diferente. O amor que aí vivemos até ao desespero, cá deste lado, não tem o valor de um pinto, e os
2 bens que pensávamos que nos conduziriam a um lugar de bom merecimento, ficaram pelo caminho.
0 Grande dolo3. Só o meu amor por ti, meu adorado esposo, continua igual, absoluto e derradeiro, e
por isso preciso explicar-te o que por cá se passa, antes que seja tarde. Podes crer. Tão grande é a
minha emoção ao fazer esta denúncia que me atrapalho nas letras de cinza que desenho sobre este
pedaço de sudário4, e tão grande a minha urgência em fazer-to saber, que nem sei como chamar as
palavras.
2
5

Colóquio Letras, n.º 181, setembro/dezembro de 2012, p. 136.

1
folhas de papel.
2
alívio, conforto.
3
engano, fraude.
4
lenço usado para envolver um cadáver, mortalha.

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1.Teresa escreve “uma bem estranha carta” (l. 2), uma vez que
A. se encontra enclausurada.
B. já morreu e comunica com Simão.
C. as frases não têm nexo.
D. a tinta é de má qualidade.

2. As “matérias tão precárias” (l. 4) remetem para


A. as lágrimas.
B. o papel usado.
C. materiais pouco frágeis.
D. cinza diluída em lágrimas.

3. A expressão “não tem o valor de um pinto” (l. 21) significa


A. tem pouco valor.
B. não vale tanto como um pintainho.
C. não significa nada para mim.
D. não é correspondido.

4. O pronome presente em “nos conduziriam” (l. 22) desempenha a função sintática


de
A. complemento indireto.
B. complemento agente da passiva.
C. complemento direto.
D. sujeito.

5. A oração “que me atrapalho nas letras de cinza” (l. 25) é


A. subordinada substantiva completiva.
B. subordinada adverbial causal.
C. subordinada adverbial consecutiva.
D. subordinada adjetiva relativa explicativa.

6. Refira o tipo de coesão assegurado pelos elementos destacados:


a) “saberás que as escrevi com tinta feita da cinza” (l. 3).
b) “estas laudas” (l. 3) e “esta carta” (l. 18).

7. Indique a função sintática


a) do pronome presente em “O amor que aí vivemos até ao desespero” (l. 21).
b) da expressão “a minha emoção” (l. 25).

8. Indique o referente do advérbio de lugar presente em “para onde os dois iríamos


adormecer para sempre” (l. 17).

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