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Lumina - Facom/UFJF - v.4, n.1, p.75-84, jan/jun 2001 - www.facom.ufjf.

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MORTE EM VENEZA
Cinema e Melancolia
Fernando Fábio Fiorese Furtado*
>A crise de desmistificação do cinema e o estatuto do espectador. Análise de Morte em Veneza (1971), de
Luchino Visconti, a partir de uma perspectiva metalingüística. Os signos da morte como afirmação do
domínio da melancolia no cinema moderno.
Cinema moderno - Espectador - Luchino Visconti - Morte em Veneza -Melancolia

>The crisis of cinema desmystification and the spectator status. Analysis of Death in Venice (1971) by
Luchino Visconti upon a metalinguistics perspective. Death signs as affirmation of the melancholy domain in
the modern cinema.
Modern cinema - Spectator - Luchino Visconti - Death in Venice - Melancholy

Com os diretores e teóricos do cinema moderno1, aprendemos que todo filme deve
ser uma reflexão sobre a vida e uma reflexão sobre o cinema. Sob tal perspectiva, parece-
nos que desde o neo-realismo italiano – cujos desdobramentos posteriores determinaram a
afirmação da idéia de cinema moderno – a realização fílmica e a teoria cinematográfica
agudizaram as questões que mobilizam a arte nesta segunda metade do século XX,
particularmente aquelas relacionadas ao advento da consciência da linguagem e das
possibilidades de realização do conceito hegeliano da morte da arte.
A natureza paradoxal do cinema – técnica, indústria e arte – o inscreve como um
locus privilegiado para a reflexão acerca da morte da arte – ou, como preferem alguns, da
morte da noção de arte moderna2. Mesmo porque, ainda que não possamos considerar a
esfera dos mass media, na qual o cinema se inclui, como o espírito absoluto hegeliano
(“talvez seja uma caricatura”), devemos situar a morte da arte, como afirma Gianni Vattimo
em La fine della modernità, como um evento que
... constitui a constelação histórico-ontológica em que nos movemos. Esta constelação
é um entrelaçamento de acontecimentos histórico-culturais e de palavras que lhe
pertencem, os descrevem e os co-determinam. Neste sentido geschicklich, destinal, a
morte da arte é algo que nos concerne e que temos de levar em conta. (Vattimo, 1987:
60)
Tendo como horizonte estas considerações preliminares – o filme como reflexão
sobre o cinema e este como locus privilegiado da questão da morte da arte – e,
principalmente, a importância da arte da imagem na produção das grandes configurações do
imaginário coletivo do século XX, pretendemos que a análise do filme Morte em Veneza
(Morte a Venezia, 1971)3, de Luchino Visconti (1906-1976), poderia desvelar alguns
indícios acerca da questão da constituição da subjetividade.
Trata-se de compreender as configurações do imaginário produzidas pelo cinema
como operando sobre a construção de novos sujeitos, seja por fornecer os protótipos da
condição do homem contemporâneo, seja por alterar (e, por vezes, maltratar) nossos
aparelhos de percepção e de representação. Não se pretende uma leitura intensiva da obra,
mas apenas perscrutar através dela alguns dos mecanismos do inconsciente postos em ação
pelo cinema, particularmente aqueles relacionados à perda.
De muitos modos, inclusive porque inspirado na obra homônima de Thomas Mann
(1875-1955), Morte em Veneza participa da dicotomia imagem/palavra, a qual, segundo
Julia Kristeva em Sol negro: depressão e melancolia, refere-se aos dois extremos da
realização da nova retórica apocalíptica necessária à representação das monstruosidades e
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do mal-estar do século XX (Kristeva, 1989: 203). Na literatura, tal retórica se realiza seja
pelo apelo ao silêncio ou por uma linguagem enigmática e obscura, seja pela loqüacidade e
tautologia ou pela adoção de programas de empobrecimento e redução da obra.
Ao cinema cabe “suprir esse exagero silencioso ou precioso da palavra, sua fraqueza
esticada em corda bamba sobre o sofrimento” (Kristeva, 1989: 205). E ainda, como “arte
suprema do apocalipse”, a demonstração da intimidade da “doença da morte”, o
descobrimento pelo olhar da visão de um nada além do mais monstruoso. Tanto na
literatura quanto no cinema, o motor secreto desta nova retórica é a melancolia, pois que a
“consciência da maldade radical” (Hannah Arendt) que caracteriza a nossa época remete
fundamentalmente à perda, à morte.
No âmbito da arte, tal perda pode referir-se às sucessivas crises de desmistificação
da arte e da atividade do artista, ao fim da inocência face aos meios expressivos, ao
postulado da arte como antiarte, ao conflito entre a autonomia (“espiritualidade”) e a
heteronomia (“materialidade”) da obra. Nas palavras de Susan Sontag no ensaio “A estética
do silêncio” (1967):
O “espírito” que busca a corporificação na arte choca-se com o caráter “material” da
própria arte. A arte é desmascarada como gratuita e a própria concretude dos
instrumentos do artista (e, em particular, no caso da linguagem, sua historicidade)
aparece como um ardil. Praticada em um mundo provido de percepções de segunda
mão e especificamente confundida pela traição das palavras, a atividade do artista é
amaldiçoada com a mediação. A arte torna-se a inimiga do artista, pois nega a
realização – a transcendência – que ele deseja.
Portanto a arte passa a ser considerada como algo que deve ser superado. Um novo
elemento ingressa na obra de arte individual e se torna parte constitutiva dela: o apelo
(tácito ou aberto) à sua própria abolição – e, em última instância, à abolição da própria
arte. (Sontag, 1987: 12-3)
A experiência deste profundo e frustrante conflito verticaliza-se no cinema devido à
sua estreita dependência em relação à “matéria”, ao suporte técnico. De forma que, se nos
dispomos a analisar o filme de Visconti como uma reflexão acerca do cinema (e da arte em
geral), devemos considerar em que medida Morte em Veneza realiza o transtorno dos
protótipos elaborados pela narrativa clássica e o questionamento do “equipamento mental”
que fundamenta o funcionamento do dispositivo cinematográfico.
Ilusões perdidas
Além das questões acerca da autonomia/heteronomia da obra de arte que permeiam
os embates estéticos entre Gustav von Aschenbach (Dirk Bogarde) e Alfred (Mark Burns),
podemos nos referir à “situação de cinema” que o próprio protagonista encarna na
seqüência de abertura e à presença da câmera fotográfica nas cenas finais. No primeiro
caso, trata-se de evocar e convocar, através da figura atônica de Aschenbach, o espectador
típico do cinema4, como descrito por Roland Barthes no ensaio “Saindo do cinema”:
... vai-se ao cinema a partir de um ócio, de uma disponibilidade, de uma desocupação.
Tudo se passa como se, antes mesmo de entrar na sala, as condições clássicas da
hipnose estivessem reunidas: vazio, ociosidade, disponibilidade, desemprego: não é
frente ao filme e pelo filme que sonhamos; é, sem o sabermos, antes mesmo de nos
tornarmos seus espectadores. Existe uma “situação de cinema”, e esta situação é pré-
hipnótica. Seguindo uma metonímia verdadeira, o escuro da sala é pré-figurado pelo
“devaneio crepuscular” (prévio à hipnose, no dizer de Breuer-Freud) que precede este
escuro e conduz o sujeito, de rua em rua, de cartaz em cartaz, a precipitar-se finalmente
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num cubo obscuro, anônimo, indiferente, onde deve-se produzir este festival de afetos
que chamamos de filme. (Metz et al., 1980: 121-2)
O fim do cinema-sonho corresponderia à perda do poder de cura da hipnose fílmica.
Com o protagonista dormente que abandona a leitura, Visconti nos convoca ao especular
(no sentido substantivo e verbal) da “situação de cinema”. Trata-se de fornecer um
protótipo do corpo ocioso do espectador e, ao mesmo tempo, transtorná-lo com o
deslocamento da “situação de cinema” para o personagem. A um logro similar nos sujeitam
os planos que antecedem a morte de Aschenbach na praia do Lido.
O espectador que, aceitando o convite inaugural de Visconti, deixou-se capturar
pela imagem fílmica, colando-se à representação no logro da coalescência, da segurança
analógica, da impregnação, da naturalidade, da verdade (Metz et al., 1980: 124), deve
sujeitar-se a ser novamente logrado, a ser “descolado” do espelho da tela, a ser despertado
da hipnose. Por outro lado, na seqüência final, o enquadramento da praia do Lido, tendo no
primeiro plano uma câmera fotográfica e na profundidade de campo o personagem Tadzio,
desvela ao espectador o logro da imagem fílmica e o transtorno do cinema moderno.
Somos abruptamente içados do estado de fascinação pela presença do mecanismo
que funda a produção mecânica de imagens. Antes da morte de Aschenbach, a morte do
espectador onírico. Antes da danação daquele que renunciou aos sentidos em favor da
forma e do espírito, a danação da arte da imagem pelo desvelamento de sua relação, como
assinala Barthes em A câmara clara, com a objetualização do sujeito – “Porque a fotografia
é o aparecimento de eu próprio como outro, uma dissociação artificiosa da consciência de
identidade” (Barthes, 1981: 28), na medida em que nos transforma em objeto – e com a
morte:
Porque, historicamente, a Fotografia deve ter alguma relação com a “crise da morte”,
que começa na segunda metade do século XIX; e, pela minha parte, preferiria que, em
vez de se colocar constantemente o advento da Fotografia no seu contexto social e
econômico, se pusesse também em questão a ligação antropológica da Morte e da nova
imagem. Porque, numa sociedade, a morte tem de estar em qualquer lado; se ela já não
está (ou está menos) no religioso, deve estar em qualquer outra parte. Talvez nessa
imagem que produz a Morte, pretendendo conservar a vida. Contemporânea do recuo
dos ritos, a Fotografia corresponderia talvez à intrusão, na nossa sociedade moderna,
de uma morte assimbólica, fora da religião, fora do ritual, uma espécie de mergulho
brusco na Morte literal. (Barthes, 1981: 129-30)
Morte literal da ilusão especular, do público fascinado pela imagem, do espectador
que, como Aschenbach, acaba por perder o mundo pelo desejo e pela sedução da inocência.
No entanto, na profundidade de campo, Tadzio ergue o braço indicando uma distância para
além da imagem, da realidade diegética, como a anunciar um outro modo de ir ao cinema:
“... deixando-se fascinar duas vezes: pela imagem e por seus arredores” (Metz et al., 1980:
125). Com o seu corpo narcisista ferido de morte, o trabalho de luto do espectador poderia
ser realizado5 pela recorrência à distância crítica – o efeito brechtiano de distanciamento –
ou, conforme propugna Barthes, pela adoção de uma natureza ambígüa:
... um corpo narcisista que olha, perdido no espelho próximo, e um corpo perverso,
pronto a fetichizar não a imagem, mas precisamente o que a excede... Aquilo de que
me sirvo para tomar minhas distâncias com respeito à imagem, eis, afinal de contas, o
que me fascina: estou hipnotizado por uma distância, e esta distância não é crítica
(intelectual); mas é, pode-se dizer, uma distância amorosa. (Metz et al., 1980: 125)
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À relação entre Aschenbach e Tadzio não poderíamos denominar “distância


amorosa”? Não seria o caso de considerar as analogias entre a condenação do compositor e
a do cinema moderno de conhecer a si mesmo? Na realidade, a primeira condenação se
realiza pelas vias do abjeto, pela inversão; a segunda, pelo auto-questionamento, pelo
transtorno da estrutura narrativa e da linguagem fílmica, dos elementos ideológicos e das
estruturas de produção, dos usos e potencialidades do cinema e das suas relações com o
público, principalmente no que concerne à construção das grandes configurações do
imaginário coletivo.
Eis que, como Aschenbach, o cinema desperta, talvez tardiamente, da ilusão da
forma “além do bem e do mal”. Eis que o espectador, no processo de inversão do
compositor e do cinema-sonho, desperta do logro dos estereótipos engendrados a partir da
crença na existência de um sujeito único e autônomo. Neste sentido, em “O divã do pobre”,
Félix Guattari assinala que os efeitos de desubjetivação e de desindividualização da
enunciação produzidos pelo cinema colocam em questão a idéia de um sujeito
transcendental e a pretensa competência semiológica universal.
O sujeito consciente de si mesmo, “mestre de si como do universo”, não deveria mais
ser considerado como um mero caso particular – o de uma espécie de loucura normal.
A ilusão consiste em crer que existe um sujeito, um sujeito único e autônomo
correspondendo a um indivíduo, quando o que está em jogo é sempre uma multidão de
modos de subjetivação e de semiotização. (Metz et al., 1980: 112)
Écran melancólico
A melancolia que domina o écran do cinema moderno parece advir da incapacidade
do Operator, do Spectator e do Spectrum6, de todos e de cada um, de realizar o trabalho de
luto que exigem as perdas assinaladas anteriormente: perda do cinema-sonho, perda do
“espectador antecipadamente regulado e creditado em benefício da ordem” (Kristeva in
Metz et al., 1980: 102), perda do corpo narcisista, da fascinação especular e da ilusão do
sujeito uno e identificável por meio dos protótipos da imagem cinematográfica, perda da
inocência, enfim.
Não por acaso, no filme Morte em Veneza, proliferam os signos da morte, ou
melhor, da indecidibilidade entre vida e morte que atormenta o melancólico. Do assassínio
da música como “disfarce trágico” do massacre do objeto do luto (a filha) ao retardamento
motor, afetivo e ideativo, da desvitalização da libido com a prostituta Esmeralda (Carole
Andre) ao seu recalque face a Tadzio, do “sujeito” deserdado pela perda da coisa à
afirmação do “eu” no território do artifício, “sob a máscara das identidades possíveis”
(Kristeva, 1989: 137). Às vésperas da Primeira Guerra, Aschenbach anuncia o esprit du
temps cujas características são análogas à da cólera asiática: invisibilidade e explosão da
morte e da loucura7.
As épocas que vêem o desmoronamento de ídolos religiosos e políticos, as épocas de
crise são particularmente propícias ao humor negro. ... em tempos de crise, a
melancolia se impõe, é expressa, faz sua arqueologia, produz suas representações e seu
saber. (Kristeva, 1989: 15)
Em Morte em Veneza, tal arqueologia recorre tanto à história do cinema quanto à
mitologia clássica. Na seqüência de abertura, as imagens do navio a vapor que conduz o
melancólico Aschenbach a Veneza remetem aos planos do barco guarda-costas que, n’O
Encouraçado Potemkin (Bronienosets Potemkin, 1925), de Sergei Eisenstein, transporta o
corpo de Vakulinchuk (Alexander Antonov) para Odessa. A identidade de enquadramento,
iluminação, ritmo e angulação inauguram o inventário de referências à indecidibilidade
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entre vida e morte, pois que a montagem alterna planos do navio (féretro) com sua chaminé
(vela funérea) e imagens de Veneza, incluindo um travelling que acompanha a marcha
acelerada de um grupo de jovens soldados.
As remissões à morte prosseguem com o gondoleiro-Caronte que conduz o
compositor ao Lido, apesar de seus protestos por um outro destino. O óbolo será pago com
a própria vida. Enfim, o mal-estar do siroco, o Spectrum8 fotográfico dos objetos do luto
(mulher e filha), o tempo que se esgota invisível na ampulheta da infância perdida, a
inelutável maladie de la mort, a bagagem à deriva, a perda do trem, o horror que se
avizinha. E Aschenbach já não pode-se deter ante esse deus desconhecido, a não ser
afirmando a beleza de Tadzio como símbolo do que falta, o belo como sobrevivência à
morte, como sublime e sublimação.
Somente a sublimação resiste à morte. O belo objeto capaz de nos enfeitiçar no seu
mundo nos parece mais digno de adesão do que qualquer causa amada ou odiada de
ferimento ou de pesar. A depressão o reconhece e concorda em viver nele e para ele,
mas essa adesão não é mais libidinal. Ela já está desligada, dissociada, já integrou em
si os traços da morte significada como indiferença, distração, leviandade. A beleza é
artifício, ela é imaginária. (Kristeva, 1989: 97)
Last but not least, a simbólica de Veneza: espaço líqüido, ondulante e luminoso, limite
da Europa e do Ocidente, encruzilhada de culturas (bizantina, renascentista, mourisca),
labirinto de canais, pontes e ruínas, cenário alegórico do estado de passagem. Na
indecidibilidade do écran melancólico de Veneza – porque sempre prestes a oscilar para a
morte –, Aschenbach busca a cura pela reintegração no universo aqüoso, no útero da Mãe.
Mas acaba por reencenar o afogamento de Narciso como evocação da morte simbólica do
cinema-sonho e do corpo narcisista do espectador.

Notas
* Poeta e ensaísta. Doutor em Semiologia (Faculdade de Letras / UFRJ. Professor Adjunto
(Facom/UFJF). E-mail: fiorese@artnet.com.br

1. “É difícil circunscrever cronologicamente o ‘cinema moderno’, mesmo porque ele


mergulha suas raízes em experiências de vanguarda que existiram anteriormente. Contudo,
se tentamos definir a idade do cinema moderno como aquela em que a instituição
cinematográfica vive concretamente as possibilidades de mudança, sob as pressões dos
grupos de vanguarda ou por necessidade fisiológica de renovação, se tentamos, dizíamos,
definir o cinema moderno nestes termos, os possíveis limites cronológicos vão do final dos
anos 50 até cerca da metade dos anos 70; ou seja, da afirmação da nouvelle vague francesa
até a ‘nova Hollywood’ e o ‘cinema novo alemão’.” (Costa, 1989: 115)
2. Ver a respeito Eco, 1986, e Vattimo, 1987.
3. Direção: Luchino Visconti. Roteiro: Luchino Visconti e Nicola Badalucco, a partir do
romance homônimo de Thomas Mann. Fotografia: Pasquale De Santis. Direção de arte:
Ferdinando Scarfiotti. Maquiagem: Goffredo Rocchetti, Mario de Silvio e Mauro Gavazzi.
Montagem: Ruggero Mastroianni. Produção: Alfa Cinematografia, Itália, 1971. Intérpretes:
Dirk Bogarde (Gustav von Aschenbach), Björn Andresen (Tadzio), Silvana Mangano (mãe
de Tadzio), Marisa Berenson (Frau Von Aschenbach), Mark Burns (Alfred), Carole Andre
(Esmeralda), Franco Fabrizi (barbeiro), Luigi Battaglia, Ciro Cristofoletti, Nora Ricci,
Romolo Valli, Masha Predit, Sergio Garafanolo, Leslie French, Dominique Darel.
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4. A consciência da perda do espectador primitivo, onírico, no cinema moderno substituído


por um público atento às estruturas técnico-formais e aos elementos culturais e ideológicos
do filme, ressoa em inúmeras produções deste período. Por vezes, como em A noite
americana (La nuit américaine, 1973), de François Truffaut, trata-se de “uma melancólica
e terna evocação do cinema feito em estúdios, sempre um pouco artificial e maneirista”
(Costa, 1989: 104), reiterada pelas palavras do diretor Ferrand, personagem interpretado
pelo próprio Truffaut: “Os filmes de amanhã serão rodados pelas ruas”.
5. O condicional do verbo pretende colocar sob suspeita a possibilidade de realização do
trabalho de luto.
6. Referimo-nos aqui a conceitos desenvolvidos por Barthes em A câmara clara que,
mutatis mutandis, podem ser empregados também para o filme: “Notei que uma foto pode
ser objeto de três práticas (ou de três operações, ou de três intenções): fazer, experimentar,
olhar. O Operator é o Fotógrafo. O Spectator somos todos nós que consultamos nos
jornais, nos livros, álbuns e arquivos, coleções de fotografias. E aquele ou aquilo que é
fotografado é o alvo, o referente, uma espécie de pequeno simulacro, de eidôlon emitido
pelo objeto, a que poderia muito bem chamar o Spectrum da Fotografia...” (Barthes, 1981:
23)
7. A partir das considerações de Paul Valéry (1871-1945) acerca do desastre do espírito
consecutivo à Primeira Guerra, Kristeva afirma: “Doravante, um dos maiores jogos da
literatura e da arte está situado nessa invisibilidade da crise, que atinge a identidade da
pessoa, da moral, da religião ou da política” (Kristeva, 1989: 202).
8. De acordo com Kristeva, a desmistificação do cinema, o anti-filme possível, significa
manter “o espectador sempre no fantasma, à distância da fascinação” (Metz et al., 1980:
102). Como Aschenbach com os espectros de seus mortos?

Bibliografia
BARTHES, Roland. A câmara clara. Trad. Manuela Torres. Lisboa: Edições 70, 1981.
COSTA, Antonio. Compreender o cinema. Trad. Nilson Moulin Louzada. São Paulo:
Globo, 1989.
ECO, Umberto. Duas hipóteses sobre a morte da arte. In: A definição da arte. Trad. José
Mendes Ferreira. São Paulo: Martins Fontes, 1986, p. 243-259.
KRISTEVA, Julia. Sol negro: depressão e melancolia. Trad. Carlota Gomes. Rio de
Janeiro: Rocco, 1989.
METZ, Christian et al. Psicanálise e cinema. Trad. Pierre André Ruprecht. São Paulo:
Global, 1980.
SONTAG, Susan. A estética do silêncio. In: A vontade radical: estilos. Trad. João Roberto
Martins Filho. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.
VATTIMO, Gianni. Morte o tramonto dell’arte. In: La fine della modernità: nichilismo ed
ermeneutica nella cultura post-moderna. Milano: Garzanti, 1987, p. 59-72.

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