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Junho 2019
JUSTIFICATICA
Como definir a performance, sendo ela um meio híbrido por essência? Sua
estrutura está sendo sempre remontada e reapropriada. Absorvendo as idades
e passagens do tempo como parte de seu composto, o artista produz um elo
entre o tempo da história e o tempo presente, sentido em um corpo também
ambíguo. São várias as definições sobre o assunto. Também já vimos muitas
tentativas de formatá-la como um campo artístico específico. Será isto
possível, já que o corpo é transmutável e tem, em sua formulação, a ideia do
transgressor de limites? É com esta característica que ela reage aos inúmeros
arquivistas, organogramas e fichários.
A performance não é! Ela quer ser penetrável, transformadora de espaços,
pessoas e mentes. O ambiente da performance quer ser mutante e mimético.
Em sendo ela muito flexível, pode desenvolver diálogo entre muitas áreas do
conhecimento do homem. Mas o que é mais interessante disto tudo é que
este fenômeno acontece principalmente através do poder de transmissão
sensível da presença do corpo, imagem e energia. O corpo do performer
envolve este espaço e o constrói, fazendo-nos perceber tudo como um corpo
único. Em sua busca, muitas vezes, revive o passado e tange o sentimento
primal de pertencimento na natureza e na vida. (ROLLA, 2012, p. 125)
Com isto, acredita-se na realização de uma oficina em caráter progressivo, com o título
Corpo em Ação, como oportunidade ímpar de criação artística e possível transformação
social; e na análise da mesma, enquanto dissertação como importante ferramenta de fruição e
fomento da performanmce, desconstrução dos pré-conceitos que envolvem o corpo como obra
de arte, e estratégia de ruptura com algumas amarras sociais. Acredita-se ainda na
possibilidade de transformar a realidade de conflito e violência que as adolescentes
vivenciam, já que ao se expressarem por meio da ação performática, os sentimentos se
suavizem por serem também expurgo.
Algumas das hipóteses que norteiam este trabalho surgiram em função de vivências
profissionais da pesquisadora, como professora de Arte, no Sistema Socioeducativo São
Jerônimo pela Escola Estadual Jovem Protagonista, desde 2015; como Artista da Performance
que cria suas proposições tratando da violência entre gêneros e do sagrado feminino, desde
2012; e como professora da disciplina Artes do Corpo no Centro Interescolar Arte Cultura
Linguagens e Tecnologias (CICALT), desde 2018.
Assim, o presente projeto de pesquisa terá como sujeitos as adolescentes do gênero
feminino em cumprimento de medida socioeducativa de internação na Unidade São Jerônimo,
em Belo Horizonte/Minas Gerais e a própria pesquisadora numa linha autoetnográfica.
Para melhor contextualização do cenário em que se pretende trabalhar, medida
socioeducativa é uma determinação jurídica destinada a adolescentes entre 12 e 18 anos de
idade que cometeram ato infracional, sendo este entendido, segundo o Estatuto da Criança e
do Adolescente (ECA), artigo 103 como “conduta descrita como crime ou contraversão
penal”.
No entanto, são a partir das relações sociais de poder e diversos outros fatores que uma
ação é considerada contraversão penal, visto que, o que é infração em uma determinada
sociedade pode não ser em outra, assim como em diferentes momentos histórico-sociais.
Desta forma, adolescentes em privação de liberdade são fruto da escolha do sistema de
justiça a refletir na sociedade acerca de quem deve ser punido (VOLPI, 1998).
Ao descrever as penalidades passíveis de ser aplicada, o ECA (art. 112, IV.), nos aponta
algumas ressalvas:
Na prática não é bem isso que ocorre, e, além de prestação de serviço em troca de
benefícios como uma das maneiras aplicáveis de controle dos corpos, adolescentes portadores
de doença ou deficiência mental não recebem tratamento individual especializado, a não ser
por meio de medicação como forma de controle.
Segundo Sandra Maciel Almeida, diretora em Educação, que investigou em seu
doutorado a situação educacional de jovens e mulheres em privação de liberdade, em 2013
utilizando uma abordagem etnográfica de pesquisa cuja síntese foi publicada no livro
Mulheres Invisíveis,
A sociedade brasileira avançou nas conquistas de direitos das mulheres nas últimas
décadas, mas essa evolução não significa ausência de disparidade entre gêneros. A situação de
vulnerabilidade em que as adolescentes em cumprimento de medida se encontram e se
enquadram socialmente, assim como uma enorme parcela das mulheres é reflexo desta
discriminação ainda eminente somada à violência simbólica e física, muitas vezes
provenientes de pessoas muito próximas; o que resulta em traumas que se manifestam desde
por meio de reclusão e dificuldade de se relacionar como na reprodução de comportamento
agressivo.
Com base nas experiências, vivências, da pesquisadora, na maioria das vezes, após a
realização de criações performáticas, no entendimento desta como arte-vida, as reverberações
internas do que foi realizado costumam ser tão intensas que alteram a visão do artista acerca
de seu lugar no mundo, seu entendimento social, e do próprio corpo como potência
comunicativa, além de provocar reflexões acerca de sua coexistência no espaço-tempo e sua
relação com o outro.
Assim, vale reforçar a crença de que a performance entre adolescentes comumente
oprimidas e provenientes de condições sociais desprivilegiadas, em conflito com a lei, pode
ser um meio de empoderamento consciente e poético, capaz de gerir o entendimento de
pertencimento social e afirmação da própria identidade.
Segundo análise feita por Kathryn Woodward7,
7
Kathryn Woodward professora Regional de Sociologia da Open University é autora do livro Identity and Difference (1997)
é por meio dos significados produzidos pelas representações que damos
sentido à nossa experiência e àquilo que somos.[...] Diferentes significados
são produzidos por diferentes sistemas simbólicos, mas esses significados
são contestados e cambiantes.[...] Todas as práticas de significação que
produzem significados envolvem relações de poder, incluindo o poder para
definir quem é incluído e quem é excluído. A cultura molda a identidade ao
dar sentido à experiência e ao tornar possível optar, entre as várias
identidades possíveis, por um modo específico[...].(SILVA, 2007, p.17-19)
Como a consciência corporal e a criação performática, enquanto escultura social pode libertar,
internamente, os corpos femininos controlados pelo Estado, das amarras sociais existentes? O
que as adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa de internação, realizando
performance art compreendem, acerca de si e do outro, que as transformam?
Pensando a importância da arte para a sobrevivência do ser humano, o que o corpo
feminino em privação de liberdade teria haver com isso e por que investir neste trabalho com
as meninas do socioeducativo especificamente? Por questões ativistas emergenciais, como o
fato de, dentre estas adolescentes, o índice de violência e a recorrência na objetização do
corpo feminino ser tão evidente, e muitas vezes reforçado dentro da própria instituição,
conforme supracitado acerca do controle dos corpos.
Amarrando todas as questões apresentadas até aqui, a implementação da oficina Corpo
em Ação, que se configura não somente como objeto de estudo, mas também como o produto
a ser gerado nesta pesquisa, configura-se como uma atividade de fundamental importância.
Esta transcorrerá com atividades de consciência corporal, rodas de conversa com
questões de entendimento de si e do outro enquanto corpos que coabitam e coexistem na
sociedade contemporânea, dinâmicas de grupo, experimentos performáticos, desenvolvimento
criativo em performance por parte das adolescentes e conversa sobre as transformações
possíveis acarretadas em decorrência destas práticas, apreciação de vídeos de performance e
conversa com artistas da performance art.
Vale reforçar que, com o estudo/análise da Oficina Corpo em Ação, a ser criada, não se
tem a intenção de impor uma metodologia que molde o trabalho de educadores sociais, mas
sim, ao realiza-la, poder criar possibilidades e alternativas de valorização das adolescentes por
meio da arte do corpo que possam transformá-las internamente e apresentar às mesmas uma
forma de expressão na qual dificilmente teriam contato social caso não fosse levado até elas,
devido à realidade de fomento seletivo deste saber artístico. E, é claro, inspirar professores de
arte que trabalham com adolescentes em situação de vulnerabilidade social a focarem mais
nas particularidades de seus alunos e menos nos estereótipos vigentes ao tratarem desta e das
demais expressões artísticas.
Trabalho final de Conhecimento, Linguagem e Interações em Sala de Aula
Professor: Gilcinei Carvalho
Aluna: Gilmara Gonçalves Oliveira
PROMESTRE