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Práticas de Leitura:
O que Aprendemos e o que Ensinamos
Dra. Denise Aparecida Brito Barreto
Professora Adjunta da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia(UESB), Faculdade
Independente do Nordeste (FAINOR) e do Juvêncio Terra Superior (JTS)
Vitória da Conquista, BA, Brasil
deniseabrito@gmail.com

RESUMO:
O presente estudo tem como objetivo rever criticamente o processo de ensino aprendizagem da leitura na escola
e para a vida. Essa abordagem tem tido grande destaque na contemporaneidade em virtude da necessidade de
discussão acerca dos fatores que dificultam a formação de sujeitos leitores. Sendo assim, este artigo busca
comentar sobre aspectos ligados a utilização da linguagem e a aquisição da leitura.

possibilidades, construindo e transformando o campo de


1 INTRODUÇÃO atuação pela execução ativa das atuações comunicativas.
São grandes os desafios enfrentados com a utilização da Deduzimos que a escola não deve ser redutora e
linguagem. Ela assegura, através da prática comunicativa, a retransmissora dos processos comunicativos como meras
reprodução e produção cultural. A linguagem como informações. Através da argumentação, a atuação
mediadora da comunicação permite aos atores (professores comunicativa de professores e alunos propõe liberdade aos
e alunos) um duplo papel: falantes e agentes. Assim sendo, processos informativos, acessibilidade aos participantes,
as ações comunicativas tornam-se processos de integração estreitando os laços entre os sujeitos da comunicação.
social e socialização, e não apenas processos de Conforme Maria Dinorah [1] “ a formação do leitor exige a
interpretação onde o conhecimento cultural é “testado em pedagogia do afeto e da liberdade .”
relação ao mundo”. Partindo de observações de práticas escolares em escolas
O espaço da atuação comunicativa permite-nos presumir públicas, começamos a perceber o empenho de alguns
que o ensino não deve se reduzir tão somente a transmissão profissionais de Língua Portuguesa, em relação a despertar
de conhecimentos e vivências. Nas relações que ocorrem em seus alunos o interesse, o desejo, a busca por leitura. Os
dentro da sala de aula devem existir espaços onde alunos e professores em geral se esquivam deste tema, e isso é
professores questionam a forma e o processo de preocupante, pois sabemos que a procura de uma formação
aprendizagem. adequada por um sujeito-leitor irá repercutir em toda a vida
Se não podemos reduzir os processos comunicativos a deste sujeito, abrindo-lhe as portas para todo o tipo de
uma simples recepção e retransmissão de informações, fica conhecimento.
claro que as relações estabelecidas entra alunos e O professor representa para seus alunos alguém
professores, constituindo-se numa estrutura de preparado, que está ali para tirar as dúvidas que possam
relacionamento social, são orientadas por normas. Assim surgir, ou senão levá-los ao caminho da compreensão. Ele
sendo, a racionalidade do conhecimento, aceito como é também visto como alguém que detém o conteúdo
válido, mede a coerência do conhecimento suficiente para a necessário para possibilitar o crescimento de seus alunos,
prática diária, e as atuações grupais daí originadas unem-se dando-lhes condições de democratizar nossa sociedade
num campo de atuação comunicativa e abrem novas pelo conhecimento, através da leitura.

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A discussão que se trava neste trabalho é decorrente do Antes de iniciarmos qualquer leitura temos como
nosso exercício profissional e foram as propulsoras desse objetivo “[...] aprender, entender e reter o que está lendo.”
estudo realizado sobre leitura. Essas reflexões fizeram [4]. Dessa forma temos a leitura como uma prática que
surgir este artigo que tem como proposta um requer aprendizagem para seu exercício e, podemos
aprofundamento na concepção de leitura e a importância constatar com nossas práticas, uma atividade ainda pouco
dessa prática como operadora na constituição de Sujeitos. desenvolvida. Salomon, neste aspecto [5] enfatiza que “a
A procura pelo professor-leitor surge da falta de leitura não é simplesmente o ato de ler. É uma questão de
interesse pela leitura, demonstrada pelos próprios hábito ou aprendizagem [...]”. O prazer deve ser
professores. Como ensinar se não está apto a aprender? despertado, além do incentivo que está presente em
Porque sabemos que o professor-leitor não será jamais um espaços permanentes de leitura.
sujeito acabado. Ele estará sempre em construção, estará A realidade é que não importa o quanto nós lemos, mas
sempre em exercício, deverá ser eternamente um leitor. E o quê e como lemos. Toda leitura necessita de atenção,
este exercício não é fácil na maioria das vezes, pois reflexão, espírito crítico, análise e síntese e são essas ações
sabemos que leitura nem sempre é prazer, mas é sempre que possibilitam o desenvolvimento da nossa capacidade
necessária para melhor compreensão do mundo. de pensar. Necessitamos de opções e atitudes coerentes
Leitura é uma disciplina que não se ganha a não ser pela com a leitura.
prática. Por isso não é tão fácil ser professor de leitura. Ele Maria Helena Martins [6] escreveu que "aprendemos a
será professor de leitura em alguns momentos, e em todos ler vivendo” e não somente lendo. Esta escritora chama a
os outros, um aprendiz de leitura. Quais e quantos são os atenção para as leituras prévias, produzidas fora da sala de
professores disponíveis a ensinar leitura? Sabemos que este aula, e que o aluno leva para a escola e não são
compromisso do professor com a leitura afugenta muitos valorizadas. Essas leituras prévias representam a atitude do
professores de português, que preferem continuar no aluno frente ao mundo, e junto a essas leituras dar-se-á a
ensino da gramática de forma descontextualizada. compreensão entre o leitor e o texto. Entre o texto e a
Podemos afirmar que a leitura tem grande importância realidade, há sempre a mediação do conhecimento do
na vida dos sujeitos, haja vista que além de favorecer a sujeito-leitor.
obtenção de informações constitui-se em fonte de E o processo de leitura não é só aprender a idéia
entretenimento. Sabemos ser essa uma atividade prazerosa central do texto. A compreensão é muito mais: significa a
para uns e, para outros, um desafio a ser conquistado. possibilidade de compreender a sociedade, as relações
Ler deriva do latim “lego/legere”, que significa recolher, sociais, a História. Como bem o diz Palma [7]:
apanhar, escolher, captar com os olhos. Luckesi [2] nos faz
entender que “[...] a leitura, para atender o seu pleno [...] o processo de leitura envolve conhecimento das
sentido e significado, deve, intencionalmente, referir-se à condições em que o texto foi produzido. Envolve um
realidade. Caso contrário, ela será um processo mecânico processo de descobertas, por questionamento, de
de decodificação de símbolos”. Portanto, todo o ser implicações sociais, políticas e ideológicas ali
humano é capaz de ler e lê efetivamente. Destarte, contidas. Envolve conhecimento do lugar social que o
enfatizando todo tipo de leitura, podemos afirmar que tanto autor do texto ocupa no contexto de sua produção. E
lê aquele que conhece os signos lingüísticos quanto o “não do lugar que cada grupo de leitores ocupa, também. É
letrado”, que lê a natureza. do encontro ou desencontro desses lugares que as
expectativas são criadas. Que as interpretações são
É mister frisar a importância da leitura, pois esta“[...] construídas.”
amplia e integra conhecimentos [...], abrindo cada vez mais
os horizontes do saber, enriquecendo o vocabulário e a
facilidade de comunicação, disciplinando a mente e O aluno, a partir desse contexto, deve perceber a
alargando a consciência [...]” [3]. Isso comprova os necessidade de fazer da leitura uma atividade caracterizada
resultados de investigações que atestam que o sucesso nas pelo uso do conhecimento e não uma mera recepção
carreiras e atividades na atualidade estão relacionadas com passiva. Os níveis de conhecimento devem ser ativados
a leitura que aprofunda estudos e possibilita a aquisição durante a leitura para se chegar ao momento de
compreensão. De acordo Kleyman [8].
dos conhecimentos produzidos e sistematizados
historicamente pela humanidade.
A leitura é de máxima importância na formação tanto do [...] leitura implica uma atividade de procura pelo
sujeito quanto de um povo, isso não é de difícil leitor, no seu passado de lembranças e conhecimentos
daqueles que são relevantes à compreensão de um
compreensão. Ela representa um papel essencial desde
texto que fornece pistas e sugere caminhos, mas que
quando assume um importante papel no processo de
certamente não explicita tudo o que seria possível
construção do conhecimento, como fonte de informação e explicitar.
formação cultural. Ademais, não inventaram para a mente,
ainda, melhor exercício do que ler atentamente e refletir
sobre o texto. Portanto, a compreensão se concretiza mediante a
utilização de conhecimento prévio. O leitor utiliza na
Com o ato de ler criamos vários tipos de exercícios, leitura o que ele já sabe, o conhecimento adquirido ao
entre eles de indagação, de reflexão crítica, de longo de toda a sua vida. A partir da interação do
entendimento, de captação de símbolos e sinais, de conhecimento lingüístico, textual e de mundo é que o
mensagens, de conteúdo, de informações. Também se sentido do texto é construído. Podemos dizer que não
concretiza como um exercício de intercâmbio, já que haverá compreensão sem o resgate do conhecimento prévio
apresenta a possibilidade de manter relações intelectuais e do leitor. A aprendizagem de leitura do leitor está ligada a
potencializar outras. A partir da leitura formamos nossos sua formação global, a sua capacitação para o convívio e
próprios conceitos e entendimentos sobre a realidade. atuações social, política, econômica e cultural.

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Podemos afirmar que leitura é uma operação complexa imposições e será mais criativa; deixará de ser um espaço
onde estão envolvidos a maturidade lingüística do leitor, onde todos aprendam as mesmas coisas, no mesmo espaço
seu desenvolvimento mental, seu desenvolvimento e ao mesmo tempo.
sociocultural, a competência intrínseca do texto, o teor de Devemos lembrar, apesar de estarmos caminhando em
informação sintática e semântica, etc. outra direção, que a escola teima em sua condição de
O que observamos é a ênfase do ensino da língua, no que instituição tradicional. Percebemos isso com a resistência
se refere a textos, recaindo sobre literatura, mas não sobre da cultura escolar às mudanças. Há, ainda, predominância
a leitura, a discussão de textos literários, e sim dos modelos de ensino centrados no professor, apesar das
memorização de nomes de autores e de obras. tecnologias e dos avanços teóricos na aprendizagem.
Vários textos sobre Leitura comentam suas práticas, O que nos interessa problematizar é a apreensão do ato
outros as estratégias para a formação de leitores de ler e sua importância para a construção do Sujeito. Não
competentes, há os que apresentam modelos de leitura, etc. esquecendo que, de um lado, a utilização das palavras
Porém, é necessário que se estabeleça uma relação entre consiste na expressão das idéias e sentimentos sociais, cujo
professor/leitura/aluno. Essa relação professor/leitura pode objetivo é perpetuar as relações de produção, sendo
proporcionar a formação do aluno/leitor. Sabemos ser tudo portanto uma linguagem social do discurso do outro. Como
isso possível, mas somente a partir de uma conscientização bem diz Manguel [12] :
do professor de Português de que Leitura é muito mais do
que a decodificação da palavra escrita. Em todas as sociedades letradas, aprender a ler tem
A prática de leitura que procuramos deve-se realizar algo de iniciação, de passagem ritualizada para fora de
num processo de valoração e trabalho em parceria, tanto um estado de dependência e comunicação rudimentar.
entre os alunos, destes com o professor e de todos com o A criança, aprendendo a ler, é admitida na memória
livro, buscando assim, através dos diversos tipos de textos, comunal por meio de livros, familiarizando-se assim
fazer com que o ensino e a aprendizagem da leitura se com um passado comum que ela renova, em maior ou
constitua em uma atividade dinâmica, viva e produtiva. menor grau, a cada leitura.
José Morais [9], em seu livro A arte de Ler, afirma que
Manguel define o encontro do leitor com seu livro como
Os prazeres da leitura são múltiplos. Lemos para um entrelaçamento entre o autor e o leitor, surgindo daí
saber, para compreender, para refletir. Lemos também novos níveis de significado. Quando lemos, então, tiramos
pela beleza da linguagem, para nossa emoção, para do texto aquilo de que precisamos, e daí fazemos nascer o
nossa perturbação. Lemos para compartilhar. Lemos que não conhecíamos, nos tornando mais sábios.
para sonhar e para aprender a sonhar (há várias Muito se tem escrito sobre a importância da leitura. Kato
maneiras de sonhar...). A melhor maneira de começar [13], Kleyman [8], Lajolo [14], Maria Helena Martins [6],
a sonhar é por meio dos livros...” Manguel [12] entre tantos outros nos permitem
compreender a leitura numa perspectiva para além da
Rubem Alves [10] transmite com muita simplicidade o simples decodificação.
que deseja encontrar enquanto educador: " Não busco A leitura de um livro pressupõe objetivos e
discípulos para comunicar-lhes saberes. Os saberes estão intencionalidade, levando o leitor na busca de pistas que o
soltos por aí, para quem quiser. Busco discípulos para neles auxiliem no desvelamento de sua realidade. Mesmo com o
plantar minhas esperanças". Semear as sementes da mais desenvolvimento da informática e das mídias associadas a
alta esperança é também nosso objetivo e de muitos ela, os livros ainda se constituem em instrumento
educadores, pois como o escritor colocou, somente privilegiado de estudo; é principalmente através deles que
transmitir saberes não é o mais importante, temos sim que se conhece a produção científica e filosófica, participando
encontrar pessoas que como nós estejam comprometidas dessa forma dos resultados das diferentes conquistas em
com a questão do ensino aprendizagem de leitura, e que diferentes áreas do saber. È necessário para quem deseja
estes também sejam multiplicadores de esperanças. decifrar melhor o seu mundo, aprender a compreendê-los.
A cada época as concepções de educação, escrita e Quando lemos não somos passivos com a leitura que
leitura mudam, com elas também mudam a visão de fazemos. Cada leitura é uma nova escrita de um texto. O
homem e de sociedade e a natureza da linguagem e sua ato de criação não está na escrita, mas na leitura, o
aquisição. Como exemplo podemos citar duas concepções, verdadeiro produtor não seria o autor, mas sim o leitor.
concepção tradicional e concepção inovadora, Porém, isso não deve revelar uma atitude de descaso com
desenvolvidas pelos professores e alunos. A concepção relação a voz do autor dispensando a etapa de
tradicional apresenta a leitura como ato de decodificação, e compreensão. É importante o diálogo, a escuta do que é
o indivíduo é visto como um ser desvinculado da História. lido por aquele que está lendo. Entendendo que a leitura
Já a concepção inovadora apresenta a leitura como um não é centrada no texto já estruturado, mas na simulação
processo construtivo, criativo e crítico. de sua construção, somente quando o escritor abandona o
Percebemos que uma concepção inovadora se apóia em texto e cria o papel do leitor é que o texto ganha vida.
“um conjunto de propostas com alguns grandes eixos que A atividade de leitura não corresponde a uma simples
lhe servem de guia e de base: o conhecimento integrador e decodificação de símbolos, mas significa, de fato,
inovador; o desenvolvimento da auto-estima/auto- interpretar e compreender o que se lê. Segundo Angela
conhecimento (valorização de todos); a formação de Kleiman, a leitura precisa permitir que o leitor apreenda o
alunos-empreendedores (criativos, com iniciativa) e a sentido do texto, não podendo transformar-se em mera
construção de alunos-cidadãos (com valores individuais e decifração de signos linguísticos sem a compreensão
sociais)”. [11] semântica dos mesmos. A leitura foi concebida
Ainda de acordo Moran [11] a escola, lentamente, será primeiramente como decorrente de um conjunto de
inovadora. Deixará de ser menos cheia de obrigações e habilidades que o leitor deveria ter para poder compreender

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um texto. A compreensão implicaria na apreensão literal tem acesso, está voltada prioritariamente para a quantidade
das idéias e dos propósitos do autor, transcritos nas do conteúdo gramatical do que para a qualidade do texto.
palavras e orações do texto; e o sentido da leitura estaria Em um país como o nosso, onde a grande maioria das
determinado por aquele que o escreveu. escolas não têm bibliotecas, a prática da leitura fica
Num segundo momento, a leitura foi entendida como um predestinada às séries mais adiantadas, mas é bom observar
processo de interação entre o leitor e o texto, sendo o leitor que com o objetivo de decodificar os significados dados
o responsável pela construção do sentido do que lê. pelos escritores, ou então servem como ponte para outras
Fazendo uso de sua competência lingüística e de sua atividades como a produção de textos.
experiência pessoal, o leitor relaciona o conteúdo do texto Lajolo [14], em pesquisa recente feita com professores
dando significado a ele. Para atingir seus objetivos o leitor de primeiro grau, demonstrou a realidade desoladora do
utiliza seus equipamentos mentais, incluindo sua repertório de leitura desses profissionais, que constituía na
gramática, que contém, além de regras e taxonomias, maioria das vezes somente de best-sellers antigos. Não há
procedimentos estratégicos auto-dirigidos que definem o lei que obrigue um professor a usar material que não seja
processamento dos estímulos para a leitura. A variação da de sua escolha. Os professores devem ser capazes de
escolha das estratégias depende da maturidade histórica do perceber a historicidade dos textos, dos paradigmas sociais,
leitor, da natureza do texto, do lugar onde o leitor se das noções sobre criança e juventude, serem capazes de
encontra nesse texto e do propósito da leitura. Se supõe que identificar as intenções dos autores. Não precisa gostar dos
são processadas primeiramente pelos sentidos, sobretudo clássicos nacionais, mas precisa conhecê-los e oferecer
os olhos que permitem a percepção do escrito. essa oportunidade a seus alunos.
De acordo Eco [15], o texto é uma máquina preguiçosa e Ninguém gosta de fazer aquilo que é difícil demais, nem
não informa tudo ao leitor. Portanto, para ativar essas de que não consegue extrair um sentido. Para a grande
colunas , o leitor precisa ativar seu conhecimento. Os maioria de alunos, a leitura é difícil demais, justamente
PCNs (1998) preconizam que “O significado [..] constrói- porque não faz sentido. Para eles as primeiras lembranças
se pelo esforço de interpretação do leitor, a partir não só do são a cópia maçante até a procura incansável de palavras
que está escrito, mas do conhecimento que traz para o para atender a um dever. Às práticas são desmotivadoras.
texto”. Porém, é necessário que o leitor seja constante em Contrariando o pensamento de Bellenger de que a leitura
suas ações e que também seja competente. Machado [16] se baseia no desejo e no prazer, a prática da leitura é
afirma que é impossível ensinar a ler se não se pratica sustentada em concepções erradas sobre a natureza do
leitura. Portanto, o professor deve conhecer e compreender texto e da leitura, portanto da linguagem.
os textos com que irá trabalhar e mediar as relações entre O conceito de texto se fundamenta no fato de ser visto
eles e os sujeitos. como um conjunto de elementos gramaticais, sendo apenas
Para enfatizar a relação recíproca entre o leitor e o texto, pretexto para o ensino de regras sintáticas, ou um depósito
uma concepção mais recente utiliza o termo transacional. de informações, onde o papel do leitor é simplesmente de
No ato de ler, tanto leitor como o texto se transformam, o leitor de palavras, cujo significado deve ser tirado um por
leitor ao dar sentido a sua leitura interfere no escrito, e um. Isto implica na formação de um leitor passivo,
também modifica as formas de organizar seus próprios completamente descompromissado com a construção de
conhecimentos. O significado dado pelo leitor ao texto um conhecimento crítico. Essa concepção sobre a leitura dá
requer uma seleção do reservatório do pensamento e do lugar a leituras completamente indispensáveis, que em
sentimento, as palavras apontam não só aos símbolos nada contribuem para o crescimento do leitor. A leitura é
verbais, mas também aos aspectos afetivos desse Sujeito feita automaticamente, com pareamento de palavras do
leitor. texto com outras palavras idênticas, o sujeito não lê e sim
Como bem colocou Manguel [12]: " por mais que os passa as vistas pelo texto, por conseqüência passa as vistas
leitores se apropriem de um livro, no final, livro e leitor pelo mundo.
tornam-se uma só coisa. O mundo, que é um livro, é A escola que teria como função, propiciar aos alunos
devorado por um leitor, que é uma letra no texto do caminhos para o aprendizado, os mecanismos de
mundo." Portanto, somos o que lemos. Podemos construção de conhecimento e de atuação crítica em seu
reconhecer um Sujeito pelos livros que ele leu, nesta espaço social, utiliza uma linguagem que nem sempre é a
escolha há uma identidade que se constitui ao mesmo do aluno, constituindo muito mais um espaço de inserção
tempo em que se revela. na regra e no sistema preestabelecido, do que um espaço
Com a leitura encontramos um novo modo de existir; facilitador. As práticas pedagógicas parecem condicionar
saímos de nós em busca de novos significados. Silva [17] os alunos a atentarem para o processo de decodificação,
afirma que essa leitura nos faz “[...] detectar ou apreender pouco sobre o significado textual e nada para a construção
as possibilidades de ser-ao-mundo apontadas pelos de sentido, o processo de alfabetização tradicional isola as
documentos que fazem parte do mundo da escrita” letras, e estas não voltam mais à leitura. Se propaga
Vários autores como Kleyman [8] e Kato [13] discutem métodos de criar o "hábito" da leitura, escolas brasileiras
o fracasso da escola na formação de leitores vinculados a divulgam as diversas formas de treinamento que dispensam
diversos fatores: o lugar cada vez menor que a leitura tem aos seus alunos, para poder incutir-lhes o "hábito de ler".
no cotidiano; pobreza no seu ambiente de letramento; Mas ler o que? Para que? Por que? Theodoro [17] coloca o
formação precária de um grande número de profissionais seguinte:
que não são leitores e têm que ensinar a ler e gostar de
fazê-lo; a impotência do Sujeito frente à linguagem A escola, através da alfabetização, deveria ensinar
codificada do discurso da verdade social. A competência uma nova forma de ler os horizontes determinados da
da leitura vem sendo marcada mais pela preocupação cultura: a compreensão do discurso escrito em suas
técnica e metodológica do que pela leitura em si, a escolha diferentes formas. Se antes comunicava através da
que o professor faz do livro, às vezes o único que o aluno audição e da fala, após a fase de alfabetização passaria

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a escrever e a ler (...). Assim, a literatura em suas com essa realidade é que poderá depreender os dados
diversas formas aumentaria as minhas possibilidades necessários para o desenrolar do estudo pretendido.
de conhecer o outro e de me autoconhecer, alargaria as E a nossa preocupação é considerar a prática pedagógica
minhas alternativas de ver o mundo, permitiria a dos docentes numa situação natural de trabalho e de vida,
minha entrada e participação no mundo.
vendo a sala de aula como lugar privilegiado para a
aprendizagem sistemática, onde se deseja também que a
Se nos propormos a fazer parte dos chamados "leitores", leitura comece a fluir nesse processo e o professor como
estamos fazendo parte de um processo do qual resulta a indispensável para a inserção do aluno no processo de
institucionalização dos significados. Sabemos que não aprendizado e aprimoramento da leitura. Afinal, é o
existe educação neutra, por extensão também não existe professor que faz a leitura na escola, embora, como afirma
leitura neutra, nem é seu ensino ingênuo e livre de Cagliari [20] os alunos possam se constituir leitores fora
intenções. Segundo Paulo Freire [18], o livro deve levar a desta.
uma leitura/interpretação da vida que ajude o indivíduo na
Buscamos, com essas reflexões, tentar descobrir como é
transformação de si mesmo e do mundo, para tornar-se o
vista a leitura, quais as regras do jogo escolar; o que fala,
sujeito no ato de ler.
faz, e pensa o professor a respeito, incluindo aí, quais as
E o trabalho da leitura não foge dessa contextualização relações estabelecidas com os alunos, com os livros, com a
da escola e da cosmovisão dos envolvidos no seu processo sociedade em que vive e com o leitor que deseja ser ou
de ensino-aprendizagem; não tem, portanto, o professor formar.
uma posição de neutralidade, como nos revela Cunha [19]:
"A forma de ser do professor é um todo e depende,
certamente, da cosmovisão que ele possui ". 2 REFERÊNCIAS
É inegável, nesse ponto de vista, que a forma de ser e de
agir do professor revela um compromisso. E é esta forma [1] DINORAH, Maria. A coragem de crescer. São Paulo:
de ser que demonstra mais uma vez a não-neutralidade do Ftd, 1996.
ato pedagógico. E essa cosmovisão revela-se, [2] LUCKESI, C. C. (et. al.) Universidade: uma proposta
possivelmente, no seu modo de conceber o aluno frente às metodológica. 13. ed. São Paulo: Cortez, 2003.
atividades relacionadas à leitura. [3] RUIZ, J. A. Metodologia científica: guia para
eficiência nos estudos. 5. ed. São Paulo: atlas, 2002.
Nesse espaço não podemos deixar de ser observadores
[4] MAGRO, M. C. Estudar também se aprende. São
sensíveis: considerar as dificuldades inerentes ao ensino da
Paulo: EPU, 1979.
escola pública, a dureza do trabalho do professor em se
[5] SALOMON, D. V. Como fazer uma monografia. 11.
ocupar de várias atribuições sociais e trabalhistas, o que
ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
imporá, certamente, um limite para que eu possa olhar a
[6] MARTINS, Maria Helena. O que é leitura?, 19ª. ed. –
sua prática de sala de aula. Pois, sabemos que, em muitos
São Paulo: Brasiliense, 1994. Coleção primeiros
casos, mesmo quando o professor se propõe e tem
passos; 74)
consciência da necessidade de um trabalho mais
[7] BORBA, Vicentina Maria Ramires. A prática de
construtivo, acaba se vendo na impossibilidade de fazê-lo
leitura nos cursos de Letras.
devido aos entraves constantes do seu cotidiano
[8] KLEIMAN, Angela. Oficina de Leitura: Teoria e
profissional/pessoal.
Prática, São Paulo: Pontes, 1987.
Se compreendemos e aceitamos a idéia do homem como [9] MORAIS, José. A arte de ler. São Paulo: Ed.
sujeito da história, fatalmente teremos de encontrar outras Universidade Estadual Paulista, 1996.
alternativas de leitura vinculadas à historicidade do sujeito- [10] ALVES, Rubem. Entre a Ciência e a Sapiência: o
professor. Para nos certificar dessas pressuposições, dilema da educação. SP: Loyola Edições, 1999.
precisaremos nos envolver, por isso, no interior da sala de [11] MORAN, José Manuel. A educação que desejamos:
aula para diagnosticarmos com mais clareza qual o Novos desafios e como chegar lá. São Paulo, Papirus,
trabalho do professor e qual a sua concepção de leitura no 2007.
momento em que a escola, inserida numa sociedade em [12] MANGUEL, Alberto. Uma História da leitura. São
transformação, também vislumbra uma transformação Paulo: Companhia das Letras, 1997.
pedagógica que, supostamente, encerra uma outra visão de [13] KATO, Mary (1995). No mundo da escrita: uma
homem diferente dos parâmetros positivistas tão bem perspectiva psicolinguística. 5 ed. São Paulo: Ática.
difundidos no seu interior ao longo dos anos. Sobre isto, [14] LAJOLO, Marisa. Do mundo da leitura para a leitura
basta nos lembrarmos do que diz Paulo Freire [18]: "A do mundo. São Paulo: Ática, 1997.
educação que se impõe aos que verdadeiramente se [15] ECCO, I. A prática educativa escolar
comprometem com a libertação não pode fundar-se numa problematizadora e contextualizada: uma vivência na
compreensão dos homens como seres vazios, a quem o disciplina de história. Erechim, RS: EdiFAPES, 2004.
mundo encha de conteúdos em suas relações com o [16] MACHADO, Ana Maria. Texturas: sobre leitura e
mundo." escritos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001.
Isto significa ter uma concepção nova da relação entre o [17] SILVA, Ezequiel Theodoro da. O ato de ler:
sujeito socialmente situado e o conhecimento. No âmbito fundamentos psicológicos para uma nova pedagogia
da pesquisa, estas considerações precisam ser tomadas da leitura. São Paulo: Cortez, 2002.
como indispensáveis para o pesquisador. É necessário que [18] FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler em três
este, ao se inserir no campo para coleta de dados apreenda artigos que se completam. São Paulo: Cortez, 1982.
essa realidade e não somente a reproduza, pois os dados [19] CUNHA, Maria Isabel da. O bom professor e sua
relevantes para uma pesquisa dessa natureza estão prática. 12.ed. Campinas:Papirus, 1996.
intimamente ligados a uma situação real e contextualizada. [20] CAGLIARI, Luiz Carlos. Alfabetização e Lingüística.
E, só a partir do momento em que o pesquisador depara São Paulo: Scipione, 1989.

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